OS SUPER HERÓIS

O Super-Homem nasceu no número um da revista Action Comics, publicada pela Detective Comics, Inc (depois National Comics Publication) em junho de 1938, criado por dois jovens estudantes Jerry Siegel (texto) e Joe Shuster (desenhos). Siegel inspirou-se no romance de ficção científica, Gladiator, escrito por Philip Wylies em 1930 e baseou sua historia em três temas, que depois se tornaram clichês: o visitante de um outro planeta, a criatura super humana e a dupla identidade.

Pouco antes do Planeta Kripton ser destruído, um bebê, filho do cientista Jor-El, é enviado ao espaço num foguete.Aterrissando na Terra, o bebê é encontrado por um casal de fazendeiros, Jonathan e Martha Kent. Eles adotam a criança e logo descobrem que ela possui poderes sobrehumanos, como correr mais rápido do que um trem, saltar sobre edifícios, levantar pesos tremendos, etc. Aos poucos os poderes vão se tornado ilimitados: ser invulnerável a qualquer tipo de arma, voar com mais velocidade do que a luz ou possuir uma visão raio-X. Só um elemento é capaz de afetá-lo: a kriptonita, um minério do seu planeta natal.

Os Kent lhe dão o nome de Clark Kent e lhe dizem: “Esta sua força – você deve escondê-la  das outras pessoas porque senão elas ficarão com medo de você! Mas quando o momento certo chegar, deverá usá-la  em beneficio da humanidade!”

Após a morte de seus pais adotivos, Clark vai trabalhar como repórter no Planeta Diário, porque imagina que ali poderá ter conhecimento das notícias mais prontamente e assim ter melhores condições de ajudar, como Super-Homem, os oprimidos. Na redação Clark conhece a colunista Lois Lane e sempre que ela é molestada por bandidos, ele finge desmaiar e minutos depois surge como o Super-Homem para salvá-la das garras de seus agressores. Ironicamente, Clark Kent está em constante competição consigo mesmo pela mulher que ama.

O aparecimento dos quadrinhos do Super-Homem no Brasil aconteceu em 1939 no suplemento Gazetinha do jornal “A Gazeta”. Em 1940, Adolfo Aizen adquiriu os direitos de publicação e as aventuras do Homem de Aço passaram a sair na revista “O Lobinho”.  Clark começou se chamando Edu e Lois era Miriam.

O Super-Homem foi a suprema fantasia de todo leitor que sonhava ser alguém maior ou mais poderoso do que ele realmente era, uma combinação dos homens fortes da mitologia e os heróis da ficção e do cinema favoritos de Siegel e Shuster. O nome da cidade onde o Super-Homem vive suas aventuras, Metrópolis, vem do filme de Fritz Lang com este título e o nome de Clark Kent, dos atores de cinema, Clark Gable e Kent Taylor.

Artisticamente, a versão rudimentar e amadorística de Joe Shuster caiu no esquecimento, depois que ele deixou de desenhar o personagem. O traço de Wayne Boring, um dos vários desenhistas que o sucederam, foi o que prevaleceu, sendo considerado o melhor de todos.

O personagem chegou às telas em setembro de 1941 primeiramente sob a forma de desenhos animados, realizados por Max e Dave Fleischer e distribuídos pela Paramount. Eram ao todo 17 cartoons coloridos, exibidos no Brasil com títulos como Super-Homem, O Autobala, O Terremoto Elétrico, O Vulcão, A Mão Infalível, Sabotagem e Cia., O Segredo da Múmia, etc. e neles foi utilizada a voz de Clayton “Bud” Collyer, o Super-Homem da versão radiofônica.

Em 1940, a Republic Pictures tentara obter os direitos de produzir um seriado sobre o Super-Homem, mas seus esforços foram em vão. Até que, em 1948, Sam Katzman, um produtor que trabalhava para a Columbia, animou-se com o projeto, convocando para a direção Spencer Gordon Bennet e Thomas Carr.

Katzman tinha a fama de saber controlar muito bem os custos de produção e em O Super-Homem / Superman ele conseguiu isso, utilizando intérpretes relativamente desconhecidos, cenários já existentes e filmagens em locação, prática que, na época, era econômica.

Quanto aos efeitos especiais, Katzman experimentou inicialmente seqüências de vôo ao vivo, suspendendo o ator por fios e usando back projection de nuvens, porém como os fios apareciam na tela, terminou optando pelo desenho animado.O ator foi dublado em uma seqüência pelo stuntman Paul Stader.

Kirk Alyn foi escolhido para o papel principal, mas seu nome somente aparecia nos créditos relacionado a Clark Kent e, estranhamente, ali se dizia que o Super-Homem era interpretado …“por ele próprio”. Alyn faria depois mais três seriados na Republic, A Filha de Don Q / Daughter of Don Q / 1946, O Segredo dos Túmulos / Federal Agents vs. Underworld Inc./ 1949 e O Rei dos Espiões / Radar Patrol vs. Spy King / 1950 e um seriado na Columbia, O Falcão Negro / Blackhawk / 1952, tendo sido cognominado “O Último Rei dos Seriados”.

Nos outros papéis de destaque estavam Noel Neill (Lois Lane), Pierre Watkin (Perry White, redator-chefe do jornal O Planeta Diário), Tommy Bond /(Jimmy Olsen) e Carol Forman como a malvada “Spider Lady”, a rainha do submundo que ameaçava destruir toda a cidade de Metrópolis com um raio mortífero e acabava sendo vitimada por ele.

Em 1950, a Columbia fez uma continuação O Homem Atômico contra o Super-Homem / Atom Man vs. Superman com direção apenas de Spencer Bennet e ainda com Kirk Alyn e Noel Neill liderando o elenco. O vilão desta vez era o arquiinimigo do herói, Lex Luthor, vivido por Lyle Talbot (usando uma peruca de látex para esconder das câmeras os seus cabelos), coadjuvante de certo renome em longas-metragens na década de trinta.

No ano seguinte, os produtores Robert Maxwell e Bernard Luber associaram-se ao colega Barney Sarecky e, sob o pseudônimo coletivo de “Richard Fielding”, entregaram à Lippert o roteiro de um longa-metragem, Superman and the Mole Men. A Lippert  resolveu filmá-lo não com Kirk Alyn mas com George Reeves, ator que já tinha um razoável currículo cinematográfico pois havia participado de … E O Vento Levou / Gone with the Wind / 1939,  trabalhado ao lado de Merle Oberon, Claudette Colbert e Marlene Dietrich em filmes de prestígio, em séries como Hopalong Cassidy e Jim das Selvas e, finalmente, conquistado o papel principal no seriado Os Cavaleiros do Rei Artur / The Adventures of Sir Galahad / 1949. Na nova versão do Super-Homem, Lois Lane  era Phyllis Coates e , por motivo de poupança, as figuras de Perry White e Jimmy Olsen foram extirpadas.

Entretanto, na série de tevê que os mesmos produtores realizaram em seguida como o mesmo Reeves, eles voltaram, interpretados de Jack Larson e John Hamilton, criando-se ainda o personagem do inspetor William J. Hamilton da Polícia de Metrópolis, encarnado por Robert Shayne. Nas seqüências de vôo, George Reeves começou alçado por fios, como uma marionete e depois o técnico Si Simonson providenciou um optical work extremamente competente.

A versão oficial divulgada pela imprensa de que o pobre George Reeves ficou tão marcado como Super-Homem, que acabou se suicidando por não conseguir sobreviver no mundo do Cinema, tem sido contestada recentemente. Os autores Sam Kashner e Nancy Schoenberger (Hollywood Kryptonite: The Bulldog, the Lady , and the Death of Superman, Booksurge, 2006) sustentam que  a amante de Reeves,  Toni Mannix,  esposa do gerente geral da MGM, Eddie Mannix, planejou sua morte.  E.J. Fleming (The Fixers, McFarland, 2005) diz que a assassina foi uma outra amante de Reeves, Leonore Lemon.. Mas tudo não passa de especulação.

Quando a Fawcett Publishing decidiu publicar sua nova linha de histórias em quadrinhos, escolheu o escritor Bill Parker para liderar o empreendimento. Juntamente com o artista C.C. Beck (Charles Clarence Beck) ele criou o Captain Thunder para o número um da Whiz Comics, que afinal nunca entrou em circulação. Pouco antes do lançamento da revista, o personagem foi modificado para Capitão Marvel (Captain Marvel), surgindo pela primeira vez em fevereiro de 1940 no número dois da Whiz.

Vestindo um uniforme vermelho e dourado com capa branca curta e modelado na imagem física do ator cinematográfico Fred MacMurray, o novo herói tornou-se logo um enorme sucesso, ultrapassando em venda o seu antecessor e se tornando o personagem dos quadrinhos mais popular dos anos quarenta.

O herói surgiu assim: o jovem Billy Batson, pobre órfão que trabalhava como jornaleiro, estava vendendo seus jornais no metrô, quando uma figura misteriosa o chamou e mandou que o seguisse através de um túnel, até chegar a uma câmara na qual, sob um pomposo trono de mármore, estava sentado um ancião de longas barbas brancas. “Seja bemvindo, Billy Batson”. “Como o senhor sabe o meu nome?”, indagou o jovem surpreso. “Eu sei tudo. Eu sou Shazam!”, foi a resposta do velho. De repente, ouviu-se o barulho de um trovão, vindo não se sabe de onde, e uma inscrição explicando o significado de cada letra da palavra  Shazam, apareceu na parede daquele local subterrâneo: S tem a ver com Salomão (Sabedoria), H com Hércules (Força), A com Atlas (Resistência), Z com Zeus (Poder), A com Aquiles (Coragem) e M com Mercúrio  (Velocidade). O velho então explicou: “Durante 3.000 anos eu usei a sabedoria, a força, a resistência, o poder, a coragem e a velocidade que os deuses me deram, para combater as forças do Mal. Agora você vai ser o meu sucessor. Basta falar o meu nome e se tornará o homem mais forte e poderoso do mundo: o Capitão Marvel!”.

O êxito do personagem deveu-se não somente à indubitável identificação das crianças com o jovem Billy Batson como também às historias bem humoradas elaboradas por seus roteiristas (principalmente Otto Binder), à arte caricatural de C.C. Beck e à impressionante galeria de vilões, entre os quais se destacavam: Thaddeus Bodog Sivana, o Dr. Sivana (no Brasil, Dr. Silvana), descrito como o cientista mais louco do mundo; Mr.Mind (Sr. Cérebro), uma centopéia verde com óculos de grau que falava usando um pequeno rádio pendurado no pescoço e o tigre falante Tawky Tawny (Sr. Malhado). Além desses coadjuvantes pitorescos, foi criada uma Mary Marvel, um Capitão Marvel Jr., um Tio Marvel (Dudley) e até um Coelho Marvel (Hoppy), chamado aqui no nosso país de Joca Marvel.

Na sua primeira história, o Capitão Marvel desbarata um bando de sabotadores de estações de rádio comandados pelo Dr. Silvana. O proprietário da estação Amalgamated Broadcasting então oferece um emprego para Billy como repórter radiofônico como gratidão por seus esforços na luta contra os malfeitores.

No Brasil, o Capitão Marvel apareceu pela primeira vez em 1943 na revista “Gibi Mensal”, onde Billy Batson recebeu o nome de Billy Gordon.

Quando o Capitão Marvel da Fawcett começou a vencer nas vendas o Super-Homem da National Comics Publication, esta empresa iniciou um processo judicial contra a sua concorrente, alegando que o Capitão Marvel era um plágio do Super-Homem.

A batalha judicial prolongou-se durante anos, encerrando-se em 1953 com um acordo proposto pela Fawcett que, devido à queda de arrecadação de sua revista no começo dos anos cinqüenta, havia decidido dedicar-se a outras atividades. Assim, o Capitão Marvel ficou esquecido até 1973, quando a National Comics, justamente a editora responsável por sua retirada extemporânea de cena, adquiriu da Fawcett os direitos de publicação do personagem. No entanto, a nova revista teve que se chamar Shazam!, porque desde 1967 a Marvel Comics havia se tornado detentora da marca Capitão Marvel, abandonada pela Fawcett, e criara o seu próprio Capitão Marvel.

O seriado da Republic, O Homem de Aço / The Adventures of Captain Marvel / 1941, mudou um pouco o conceito humorístico de C.C. Beck e Otto Binder, que tornou a história em quadrinhos memorável; mas foi realizado com muito senso de profissionalismo e certamente está entre os melhores de todos os tempos.

O herói era personificado por Tom Tyler, cujo rosto angular e físico privilegiado (Tyler fora campeão mundial de levantamento de peso) ajustavam-se perfeitamente ao papel. O ator começara no Cinema no Ben-Hur silencioso, fizera inúmeros faroestes como mocinho, inclusive a famosa série Os Três Mosqueteiros / The Three Mesquiteers, ocasionalmente aparecera como vilão, tal como aconteceu, por exemplo, em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939 e chegou mesmo a encarnar um dos clássicos monstros da tela, Kharis, a Múmia em A Mão da Múmia / The Mummy’s Hand / 1940.

Entre os outros seriados que ele fez incluem-se: As Aventuras de Buffalo Bill / Battling with Buffalo Bill / 1931, O Fantasma do Oeste / The Phantom of the West / 1932, O Mistério das Selvas / The Jungle Mystery / 1932, Aventuras do Sargento Clancy / Clancy of the Mounted / 1932, O Avião Fantasma / The Phantom of the Air / 1933, O Fantasma Voador / The Phantom / 1943 e tinha portanto respeitável folha de serviço no gênero. Em 1943 ele faria outro grande seriado, O Fantasma Voador / The Phantom.

O bandido que o Capitão Marvel enfrentava era o Escorpião, porém, nos créditos, não saia o nome do ator: usava-se a voz de Gerald Mohr e, no episódio final, descobria-se que ele era o disfarce do personagem Professor Bentley, vivido por Harry Worth.

O ponto alto do espetáculo, dirigido por William Witney e John English, eram as cenas em que o Capitão Marvel voava, nascidas da conjugação dos efeitos especiais providenciados por Harry Zydecker com as acrobacias do stuntman Dave Sharpe. Nas cenas de vôo utilizou-se um boneco feito de papel maché, suspenso por fios e os pulos de Sharpe de um trampolim escondido. Quando o herói aterrissava, Sharpe saltava de uma grande altura, filmado em câmera lenta e, ao tocar o solo, começava a dar uma cambalhota; após um breve corte, Tyler completava a cambalhota e enfrentava os bandidos.

No elenco, além de Frank Coughlin Jr. (como Billy Batson) e Louise Currie (como Betty Wallace), estava o veterano ator da cena muda, Nigel Brulier (como Shazam, o guardião de um mausoléu sagrado no Sião que outorgava os maravilhosos poderes ao jovem ajudante de operador de rádio).

O seriado terminava com o Escorpião sendo desintegrado pelo próprio raio mortífero que inventara e o Capitão Marvel voltava a ser Billy Batson numa nuvem de fumaça mágica.

GLORIA SWANSON

Em 1922, a jovem e formosa Gloria Swanson declarou: “Passei por um longo aprendizado. Já fui uma ninguém o tempo suficiente. Decidí que, quando eu for uma estrela, serei totalmente e a todo momento a estrela! Todos, do porteiro do estúdio ao mais alto executivo, vão ficar sabendo disso”.

Por ocasião do falecimento de Gloria em 1983 o The New York Times publicou um editorial especial, intitulado “A Maior de Todas as Estrelas”, que confirmou a realização do seu sonho e a fama duradoura da atriz.

Gloria Josephine May Svensson nasceu em Chicago no dia 27 de março de 1897 -embora ela dissesse sempre que foi em 1899 – filha de Adelaide (nome de solteira Klanowski) e Joseph Theodore Svensson. Como seu pai era militar, Gloria viveu a maior parte de sua infância em vários lugares, até a família retornar à sua cidade natal. Em 1913, uma visita casual ao estúdio da Essanay de Chicago resultou na sua contratação como figurante e no seu encontro com o ator Wallace Beery, com quem se casou. Gloria contou na sua autobiografia (Swanson on Swanson, 1981) que Beery se embebedou na noite de núpcias e a estuprou. Noutra ocasião, provocou um aborto na esposa.

Ambos foram para Hollywood, onde Beery aceitou uma oferta da companhia Keystone de Mack Sennett, na condição de sua esposa também ser contratada. Ao contrário do que informam algumas fontes, Gloria nunca foi uma “Bathing Beauty” de Sennett; em vez disso, foi aproveitada ao lado de Bobby Vernon numa série de comédias românticas.

Gloria chegou a fazer um teste para o papel principal em Seu Novo Emprego / His New Job / 1915, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, porém Chaplin deu-lhe apenas a chance de uma pequena participação no filme.

Divorciada de Beery, Gloria deixou a Keystone e aceitou a oferta de interpretar alguns papéis dramáticos para a Triangle Pictures. Depois, foi trabalhar para Cecil B. DeMille, que a escalou como heroínas glamourosas e vestidas provocantemente em produções luxuosas como Não Troqueis Vossos Maridos / Don’t Change Your Husband / 1919, A Renúncia / For Better, For Worse / 1919, Macho e Fêmea ou De Fidalga a Escrava / Male and Female / 1919, Por que Trocar de Esposa? Why Change your Wife? / 1920, Alguma Coisa em que Pensar / Something to Think About / 1920, Aventuras de Anatólio / The Affairs of Anatol / 1921, espetáculos classificados pelos críticos como “farsas de alcova sofisticadas”.

O mais famoso dos seis filmes dirigidos por DeMille foi Macho e Fêmea, versão livre de The Admirable Crichton de J.M. Barrie. William Crichton (Thomas Meighan) é mordomo de Lord Loam (Theodore Roberts) e sua família indolente. Ele está apaixonado em segredo por Lady Mary (Gloria Swanson), filha do patrão e, por sua vez, é amado por “Tweeny” (Lila Lee), criada da mansão do lorde. Num cruzeiro de férias, a família e a criadagem naufragam em uma ilha deserta. Eles descobrem que a posição social nada significa na selva. Pela sua liderança e habilidade de sobreviver naquele ambiente primitivo Crichton torna-se um “rei” na ilha. Quando ele está prestes a receber Lady Mary em casamento, surge uma navio e resgata os náufragos. De volta à Inglaterra, todos reassumem suas antigas posições na sociedade. DeMille e sua roteirista Jeanie Macpherson inventaram um final que não existia na peça de Barrie (Crichton casa-se com “Tweeny” e os dois vão morar numa fazenda na América) e uma seqüência de sonho típica do diretor.

Nesta seqüência onírica, apresentada por um flashback para o passado, Gloria é uma prisioneira que resiste à luxúria do rei Babilônio (Thomas Meighan), mordendo sua mão. Em consequência, ela é jogada numa cela à mercê dos “leões sagrados de Ishtar”. Gloria está deitada no chão, um leão de verdade se aproxima e põe as patas nas suas costas.  Quando a filmagem terminou, a atriz dirigiu-se ao escritório de DeMille e lhe informou que estava tremendo de medo e provavelmente não poderia vir trabalhar no dia seguinte. Segundo consta, DeMille então mostrou-lhe uma caixa cheia de jóias para que ela escolhesse algo que lhe acalmasse os nervos.”Eu peguei uma bolsa de malha dourada com um fecho de esmeralda e imediatamente me senti bem melhor”, disse ela ao se lembrar deste fato.

No espaço de dois anos, Gloria alcançou o estrelato e se tornou uma das atrizes mais requisitadas de Hollywood. Após ter adquirido boa experiência com DeMille, Gloria fez dez filmes sob a direção de Sam Wood, entre eles Esposa Mártir / Beyond the Rocks / 1922 ao lado de Rudolph Valentino. Este era um filme considerado perdido, mas foi redescoberto em 2004 na Holanda e hoje se encontra disponível em dvd.

Durante o apogeu de Gloria, o público ia assistir a seus filmes não somente para apreciar suas performances, mas também para ver o seu guarda roupa. Freqüentemente vestida de acordo com a alta costura extravagante da época, ninguém podia suspeitar de que ela tinha apenas um metro e cinquenta e dois centímetros de altura. Sua moda exagerada, tipos de penteados e jóias eram copiados pelas fãs, que também adoravam a decoração de interiores de seus filmes, principalmente os banheiros enormes e suntuosos – as cenas de banho tornaram-se uma marca registrada Swanson / DeMille.

Prosseguindo seu percurso artístico, Gloria fez sete filmes com Allan Dwan entre os quais se destacam Escravizada / Manhandled / 1924 e Stage Struck / Este Mundo é um Teatro / 1925. Em ambos a atriz mostrou suas qualidades de comediante.

Escravizada, mostra Gloria como Tessie McGuire, vendedora em uma loja de departamentos. Logo no início do filme ocorre uma seqüência engraçadíssima, quando Tessie após um dia de trabalho cansativo, volta para casa num trem do metrô superlotado. Suas atribulações dentro do vagão – os empurrões que leva dos outros passageiros; a bolsa que cai, espalhando seu conteúdo pelo chão; dois cavaleiros que se inclinam para a ajudá-la a apanhar seus pertences e acabam entrelaçando seus braços com os dela; suas inúmeras tentativas frustradas de sair do trem, quando este chega no seu destino, etc. – são mostradas em puro estilo de comédia pastelão e Gloria arranca risos do público a cada minuto.

Este Mundo é um Teatro, nos oferece Gloria como Jennie Hagen, garçonete de uma lanchonete que vende panquecas e sonha em subir num palco. O filme começa com uma magnífica seqüência em Technicolor, na qual ela aparece vestindo roupas fabulosas, supostamente retratando uma atriz famosa, que está recriando os grandes personagens do Teatro e da História, tais como Salomé por exemplo. É uma seqüência de sonho, ao fim da qual surge a jovem garçonete trajando roupas simples e praticando de forma hilariante suas lições de arte dramática, diante de um espelho que distorce as imagens.

Em 1924, Gloria foi à França para filmar Madame Sans-Gêne / Madame Sans-Gêne / 1925, dirigido por Léonce Perret. No decorrer da produção ela se casou com o Marquês Henri de la Falaise de la Coudraye, que havia sido originalmente contratado como seu intérprete. Após quatro anos de residência na França, Gloria retornou aos Estados Unidos como membro da nobreza européia. Nas suas memórias a atriz fala do seu retorno triunfante à América depois de um aborto quase fatal num hospital em Paris. Ela e o marido foram recebidos por uma banda de música e desfilaram de carro aberto pelas ruas de Los Angeles, aclamados por uma multidão. Este casamento terminou em divórcio em 1930, após o qual o Marquês iria contrair matrimônio com outra estrela de cinema, Constance Bennett.

Depois de ter se divorciado de Wallace Beery, Gloria havia se casado com Herbert K. Somborn, então presidente da Equity Pictures Corporation e posteriormente dono do famoso restaurante Brown Derby em Hollywood. O divórcio de Somborn e Gloria foi sensacional: Somborn acusou-a de adultério com treze homens, incluindo Cecil B.DeMille, Rudolph Valentino e Marshall Neilan.

Gloria ainda se casaria mais três vezes – com o esportista irlandês Michael Farmer, o corretor financeiro William Davey, o escritor William Duffy – e foi companheira de Joseph P. Kennedy, pai do Presidente John F. Kennedy. J. P. Kennedy deu apoio financeiro para Gloria fundar sua própria produtora, cujos filmes seriam distribuídos pela United Artists.

O primeiro filme produzido pela Gloria Swanson Corporation, O Amor de Sunia / The Loves of Sunya / 1927, foi um fracasso de bilheteria, mas depois vieram os grandes filmes da estrela, dois clássicos da História do Cinema: Sedução do Pecado / Sadie Thompson / 1928 e Minha Rainha / Queen Kelly / 1929 que hoje, infelizmente, só podem ser vistos de forma incompleta.

A nosso ver, a Sadie Thompson de Gloria Swanson é a melhor versão da história de Somerset Maugham e neste filme, dirigida por Raoul Walsh, ela tem um desempenho notável, reconhecido com uma indicação ao Oscar. A trama é bastante conhecida. Em síntese: uma prostituta chega em Pago Pago e sofre as ameaças de um pregador hipócrita (Lionel Barrymore) enquanto um sargento fuzileiro (Raoul Walsh) se apaixona por ela. “Quando Sadie se arrepende” – escreveu Jeanine Basinger – “Swanson interpreta-a de uma maneira muito original – ela simplesmente deixa toda a vida sair da personagem. Ela esvazia Sadie, tornando-a quase que um trapo”.

Na sua autobiografia, Each Man in his Time, publicada em 1974, Walsh lembrou quando Gloria, após ter comprado os direitos de filmagem da história de Maugham, lhe implorou: “Por favor, faça de mim uma boa prostituta. Vamos escrever mais algumas cenas de amor, cenas quentes, que façam os espectadores se levantarem de suas poltronas”. Ao ver uma das primeiras cenas de Gloria, Walsh percebeu que a Marquesa de la Falaise havia desaparecido. “No seu lugar estava Sadie Thompson, a jovem meretriz típica de qualquer cais do porto de San Francisco a Yokohama”, disse Walsh. Na única cópia original existente estão faltando os últimos minutos; mas em 1987 Dennis Doros recriou para Kino Video os momentos finais com fotografias fixas.

Em Minha Rainha, Gloria vive a personagem Patrícia Kelly, pensionista de um orfanato religioso, que é seduzida pelo Príncipe Wolfram (Walter Byron) e, depois de uma tentativa de suicídio frustrada, herda um bordel de sua tia na África. Insatisfeitos com os “excessos” do diretor, Kennedy e Swanson mandaram encerrar a produção, depois que um terço do roteiro já havia sido filmado por Stroheim. Gloria depois decidiu lançar, somente no exterior, uma remontagem com um desenlace diferente, daí a razão pela qual temos o título em português. Em 1985, Dennis Doros pôde restaurar Minha Rainha para a Kino, usando fotografias fixas e algumas cenas remanescentes passadas no lupanar africano, resultando uma versão de 97 minutos com o desfecho original.

Gloria adaptou-se facilmente ao cinema sonoro, pois tinha uma linda voz e cantava razoavelmente bem. No seu primeiro filme falado Tudo por Amor / The Trespasser / 1929 ela interpretou a canção “Love, Your Spell is Everywhere” e recebeu sua segunda indicação para o Oscar. Entretanto, nenhum de seus filmes subseqüentes – Que Viúva / What a Widow! / 1930, Indiscreta / Indiscreet /1931, Esta Noite ou Nunca / Tonight or Never / 1931, Casamento Liberal / A Perfect Understanding / 1933, Música no Ar / Music in the Air / 1934 – foram particularmente exitosos e nenhum deles contribuiu para revitalizar sua carreira. Ela ficou afastada das câmeras até 1941, quando retornou desastrosamente na comédia Papai vai Casar / Father Takes a Wife.

Finalmente, em 1951, Billy Wilder, depois de pensar em Pola Negri, Mary Pickford, Mae Murray e várias outras atrizes da fase silenciosa do cinema, contratou Gloria para Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard, no qual ela personifica Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo no ostracismo, que se apaixona por um jovem roteirista, Joe Gillis, (William Holden). Norma vive no passado, assistida por seu mordomo Max (Erich Von Stroheim), ex-marido e diretor de seus filmes. Ela sonha com um retorno triunfante às telas e neste processo, enlouquece. Norma fica com ciúmes da namorada de Gillis e eventualmente o mata.

Gloria foi tão convincente neste papel, que muita gente ainda hoje pensa que ela era de fato Norma Desmond. Tudo nela parece autêntico: seu vestido de oncinha, sua piteira, suas pulseiras, sua cama em forma de um cisne dourado, seu conversível. E quando Norma entra no palco de filmagem do seu antigo estúdio Paramount e se encontra com seu velho diretor Cecil B.DeMille, parece que estamos vendo a realidade.

Por seu magnífico desempenho, Gloria ganhou sua terceira indicação para o Oscar, que deveria ter sido seu e não de Judy Holiday. Ninguém jamais se esquecerá daquele instante antológico do cinema, quando Norma se levanta na cabine de projeção e, atravessada pelo facho de luz vindo do refletor, exclama com paixão: “Nós não precisávamos de diálogo! Nós tínhamos rostos!”

As tentativas de Gloria para prolongar este seu êxito (Três é Demais / Three for Bedroom C / 1952 e Mio Figlio Nerone / Meu Filho Nero / 1956), não foram bem sucedidas, obrigando-a se dedicar a outras atividades como televisão, teatro, lançamento de uma linha de cosméticos orgânicos e adesão ao movimento de comida saudável dos anos 60. Nos anos 70, Gloria fez sua última aparição na tela, como ela própria, em Aeroporto 1975 / Airport  1975 / 1974. Sempre pronta para o seu close-up.

HAROLD LLOYD

Harold Lloyd é geralmente considerado um dos três mestres supremos da comédia cinematográfica ao lado de Charles Chaplin e Buster Keaton, mas não possuía o gênio criativo ou a visão artística dos dois eméritos contemporâneos.

Lloyd encarava a comédia de modo prático e, com a mentalidade organizacional de homem de negócios, controlava escrupulosamente a qualidade dos seus produtos. Para isso, mantinha a melhor equipe de inventores de gags na época, que o ajudavam na formulação de histórias e idéias. Esses homens eram creditados nos filmes de Lloyd como diretores ou roteiristas – Sam Taylor, Fred Newmeyer, Ted Wilde, Jay A. Howe, Lex Neal, Jean Havez, Thomas J. Crizer, Tim Whelan, Thomas J. Grey, John Grey, Clyde Bruckman, Howard Green, Howard Emmett Rogers. E Harley M. “Beanie” Walker, foi o criador dos saborosos intertítulos de praticamente todas as comédias de 1917 a 1923).

Entretanto, Lloyd supervisionava todos os estágios da produção, selecionava os melhores gags e praticamente dirigia todas as comédias, utilizando os diretores somente para cuidarem dos detalhes ou corrigirem falhas de interpretação.

Seu personagem mais famoso preenchia o Sonho Americano de que qualquer homem comum poderia obter tudo à custa de esforço. Era o herói cômico da classe média da geração da Era do Jazz, um simplório otimista, impetuoso, insolente, na sua frenética e agressiva busca de sucesso.

A receita de Lloyd baseava-se na velha idéia de um fraco e inocente rapaz enfrentando dificuldades num mundo cheio de gente esperta, vencendo-as com imprevista capacidade e coragem. Para o jovem de óculos com aros de tartaruga, chapéu de palha e dentes expressivos, não existia o impossível e essa impressionante disposição para triunfar sobre  as adversidades, sua desenvoltura e dinamismo, refletiam-se no ritmo dos filmes, principalmente nas perseguições vertiginosas dos desenlaces.

Muito lembrada é, por exemplo, aquela seqüência em O Maricas / Girl Shy / 1924, quando Lloyd, balconista de uma loja, para evitar o casamento da namorada com um vilão, atravessa toda a cidade em desabalada carreira e usa desde o automóvel ao cavalo, passando por motocicleta, bonde e carroça.

Se Lloyd foi pouco sutil como artista, compensou isto vivendo com muita graça as situações de perigo imaginadas por seus humoristas, realizando acrobacias incríveis, ainda mais quando se sabe que o ator perdera quase a metade da mão direita.

O acidente ocorreu ao posar para uma foto de publicidade, na qual acendia o cigarro no pavio de uma bomba de brinquedo. Por engano, deram-lhe uma bomba de verdade, que estava misturada entre os adereços no almoxarifado do estúdio. O ator só escapou com vida porque abaixou a mão que segurava a bomba no exato momento em que ela explodiu.

Nas suas “comédias de arrepios”, as virtudes atléticas do comediante se evidenciavam ainda mais. Vale a pena transcrever o trecho de James Agee sobre O Homem Mosca / Safety Last / 1923, em memorável ensaio: “Como mero amador Lloyd se vê obrigado a substituir um “mosca humana” e a escalar um edifício. Coisas terríveis lhe acontecem. Ele se embaralha numa rêde de tênis. Pipocas caem de uma janela sobre sua cabeça; pombos o tratam como se ele fosse uma mistura de carrinho de sorvete com São Franciso de Assis. Um rato entra por dentro da calça e a multidão, embaixo, aplaude a sua dança desesperada no peitoril de uma janela. Boa parte desse filme de longa-metragem se apóia nessa movimentação pela fachada do prédio. Cada andar é como uma nova estrofe de um poema; e quanto mais ele sobe e mais aterrorizante fica sua situação, mais divertido ele se torna”.

Harold Clayton Lloyd nasceu a 20 de abril de 1893 em Burchard, Nebraska, EUA, filho de James Darsie Lloyd e Elizabeth Fraser. Aos dez anos de idade, Lloyd  pisou pela primeira vez no palco no papel do filho de Banquo em Macbeth. Quatro anos depois, já como estudante na Burwood Stock Company de John Lane Connor, ele trabalhou na peça Tess of the D’Ubervilles. Daí para diante foi adquirindo muita experiência naquela escola de arte dramática e depois na Connor School of Expression em San Diego, Califórnia.

Um dia, uma equipe da firma Edison chega a San Diego para uma filmagem e vai até a escola de Connor a fim de contratar alguns alunos como figurantes. Lloyd foi um dos aprovados: “Escolheram-me para ser um índio seminu. Assim que me pintei todo de marrom, começou a chover”.

Após esta experiência, Lloyd partiu para Los Angeles e a primeira coisa que fez foi visitar a velha companhia Edison, onde ficou o tempo suficiente para sentir que o Cinema era um negócio fascinante.

Lloyd então começou a procurar trabalho num grande estúdio como a Universal. Ele percebeu que os atores usando maquilagem passavam tranqüilamente pelo portão do estúdio. No dia seguinte, usando alguma maquilagem no rosto, Lloyd se misturou entre os atores que voltavam do almoço num restaurante próximo e deu um jeito de permanecer lá dentro.

Lloyd atuou como figurante em vários filmes juntamente com Hal Roach, que também estava na firma de Carl Laemmle na condição de extra, e depois os dois tiveram oportunidade de interpretar pequenos papéis.

De repente, Roach recebe uma herança, funda a Rolin Film Company e chama Lloyd para fazerem comédias de dois rolos, alternando-as com comédias de um rolo. Lloyd era o comediante principal dessa nova companhia, que também incluía o ator dramático Roy Stewart e a “leading lady” Jane Novak. Nessa ocasião, Lloyd desenvolveu o seu primeiro personagem na tela, Willie Work, que era uma imitação de Carlitos. No futuro, Lloyd ficava sempre envergonhado quando se falava dessa sua fase imitativa e foi provavelmente um alívio para ele o fato de que apenas uma das comédias com Willie Work, Just Nuts / 1915, tenha sobrevivido.

Por causa de uma divergência com relação a salário – Roach pagava o dobro para Roy Stewart – Lloyd saiu da Rolin e arranjou emprego no famoso estúdio da Keystone, dirigido por Mack Sennett. Ali Lloyd participou de pelo menos seis filmes de fevereiro a julho de 1915.

Pouco depois, Roach o chamou de volta e foi desta vez que nasceu – no filme Spitball Sadie / 1915 – o personagem Lonesome Luke (personagem conhecido no Brasil como Hipólito), vestido com roupas bem justas e um bigodinho que consistia em dois pingos de maquilagem. Como observou Agee, embora Lonesome Luke fosse exatamente o oposto de Carlitos e seus gestos os mais antichaplinianos possíveis, Lloyd logo se deu conta de que fazer algo apenas em oposição ao outro era uma forma de aprisionamento.

Nos meados dos anos 10, quanto mais diferente o comediante fosse das pessoas reais, mais engraçado pareceria aos olhos do público. O cômico arrancava o riso pela sua aparência grotesca ou excêntrica e não necessariamente pelo personagem que interpretava. Lloyd queria mudar isso. Ele descobriu sua própria identidade cômica ao ver um filme de longa-metragem dramático. “O personagem principal, que era um pastor, usava óculos com aros de tartaruga. Este personagem chamou minha atenção na época, porque ele não correspondia á sua aparência. Você pensava que ele era um homem frágil, porém, na verdade, ele era um machão, que dava uma idéia falsa de si mesmo”.

Partindo desta idéia, Lloyd começou a construir um novo tipo, não grotesco nem excêntrico, mas um jovem comum que usava óculos. Era um personagem que parecia nunca ter a chance de superar quaisquer obstáculos. Porém ele tinha muita determinação e por mais difícil que fosse a situação na qual se via envolvido, ia em frente e eventualmente conseguia sair vitorioso. “Este rapaz de óculos poderia ser seu vizinho, alguém que você conhecia. Você poderia colocá-lo numa cena de romance e ao mesmo tempo numa cena de comédia de pastelão”.

E, o que era mais importante para Lloyd, ele seria capaz de atuar como ator e não se esconder (e ser definido) sob o vestuário e sob a maquilagem. Ele poderia vestir roupas normais, fazer coisas normais e parecer física e psicologicamente normal.

O Personagem de Óculos, que estreou em setembro de 1917 no filme Over the Fence, (uma das duas únicas vezes que Lloyd recebeu crédito como diretor; a outra foi em Just Neighbors / 1919) era bem diferente de Lonesome Luke.

Como sintetizou Annette D’Agostino Lloyd em seu magnífico livro Harold Lloyd – Magic in a Pair of Horn-Rimmed Glasses, BearManor Media, 2009), ele não usava mais roupas que enfatizavam as diferenças entre a platéia e o personagem – agora, o adorno da persona fílmica  espelhava a platéia; agora, o aspecto do personagem era representativo do próprio público que ele estava divertindo.

Os dois primeiros longas-metragens de Lloyd foram Marinheiro de Água Doce / A Sailor-Made Man / 1921 e O Predileto da Avozinha / Grandma’s Boy / 1922, mas nenhum dos dois começou como tal – seu primeiro filme premeditadamente de longa-metragem foi As Receitas do Dr. Jack / Dr. Jack, lançado em dezembro de 1922.

No final de sua vida, Lloyd costumava apontar como seus filmes favoritos, O Predileto da Avozinha, O Homem-Mosca / Safety Last / 1923, O Calouro / The Freshman / 1925, O Caçula / The Kid Brother / 1927. Quem quiser conhecer os filmes de Lloyd pode adquirir a excelente caixa com sete dvds, The Harold Lloyd Classic Collection,. da New Line.

Por volta de 1920, Lloyd estava consagrado como um astro importante e Roach ampliando seus próprios horizontes, produzindo as comédias com Os Peraltas (Our Gang), O Gordo e o Magro (Laurel and Hardy), Will Rogers, Snub Pollard e Charley Chase.  As preocupações de Roach combinadas com o desejo de Lloyd de exercer maior controle sobre seus filmes, precipitaram a separação dos dois após o término da filmagem de Milagres do Azar / Why Worry? / 1923.

Assim nasceu a Harold Lloyd Corporation, cujas operações começaram com a realização de O Maricas / Girl Shy / 1924. Em 1927 a companhia criou uma divisão denominada “Hollywood Productions”, com o propósito específico de produzir as comédias de Edward Everett Horton.

Em 23 de maio de 1926, Lloyd escreveu um artigo para o New York Times intitulado “O Público é o Doutor”, no qual mostrou uma faceta do seu estilo como realizador de filmes, que ele havia adotado uma década atrás, no tempo das comédias Lonesome Luke de um rolo: a pré-estréia. Ele escreveu: “O público sabe melhor do que ninguém o que é engraçado…se ele gostam do que você tem para oferecer, eles demonstram seu agrado com gargalhadas espontâneas. Se eles não gostam, você pode ficar sabendo pelos suspiros prolongados … o público é eminentemente justo”. Um grande número de comédias de Lloyd seria bem diferente se ele não tivesse utilizado a pré-estréia, ou um teste de reação do público antes do lançamento do filme. Algumas vezes Lloyd promovía cinco, seis, sete pré-estréias. Após cada uma, levava o filme de volta para o estúdio, cortava as cenas que não haviam agradado ou as refazia, aperfeiçoando sempre, até ter certeza de que o filme estava pronto para receber uma boa acolhida.

A parceira de Lloyd em muitas das comédias era a morena Bebe Daniels. Quando Bebe deixou Roach, a loura Mildred Davis ocupou o seu lugar e se casou com Lloyd, abandonando a carreira dois anos depois. “Uma pessoa engraçada na família é o bastante” – disse ela aos repórteres. Quem a substituiu foi Jobyna Ralston.

O casal viveu junto até a morte de Lloyd em 8 de março de 1971, na Califórnia, vitimado pelo câncer, e teve três filhos: Mildred Gloria, Harold Jr. e a adotiva Peggy.

.  A fórmula simples – “risos, emoção, um romance ingênuo e então mais risos” – fez de Lloyd uma tremenda atração de bilheteria e um dos astros mais ricos do Cinema. Ao falecer, deixou mais de cinco milhões de dólares para os três filhos e a neta Suzanne e dispôs por testamento que a sua fabulosa mansão em Beverly Hills, chamada de Greenacres, seria tranformada em museu.

Os filmes falados de Harold Lloyd foram melhores do que os filmes falados de Buster Keaton, mas também – salvo talvez Cinemaníaco / Movie Crazy / 1932 – não alcançaram o mesmo nível artístico de seus filmes mudos.

Captura de Tela 2015-08-02 às 18.32.09

Em 1952, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas outorgou a Harold Lloyd um Oscar especial com a inscrição: “Para Harold Lloyd, Mestre da Comédia e Bom Cidadão”.

Agee estava certo ao dizer que “se a grande comédia exige algo mais do que o riso, Harold Lloyd não foi um grande comediante, mas se o riso simples for o único critério, poucos o igualaram e ninguém jamais o superou”.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes mudos de Harold Lloyd exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil Azevedo Araújo). Não se sabe quantas comédias da série Willie Work foram feitas, porque os arquivos da Rolin eram desorganizados e muitos filmes não chegaram a ser vendidos ou nem mesmo lançados ou levados ao registro de propriedade autoral. Da série Lonesome Luke foram produzidas 67 comédias, sendo 53 em um rolo e 14 em dois rolos – nas comédias produzidas de agosto de 1915 a abril de 1916 foi usada a marca Rolin Phunphilms. As primeiras comédias com o personagem de óculos foram de um rolo e exibidas durante três meses em alternância com as comédias de dois rolos da série Lonesome Luke. 1917 – ASTÚCIAS DE VERGOTO / Lonesome Luke, Plumber; HIPÓLITO MENSAGEIRO / Lonesome Luke, Messenger; HIPOLITO MECÂNICO / Lonesome Luke, Mechanic; A LINHA ENCANTADA / Lonesome Luke’s Wild Women; DESTEMPERO DE UM PERALTA / Lonesome Luke in Love, Laughs and Lather / MARMELOS E MARMELÕES / Lonesome Luke in When Clubs are Trump; CAIPORA / Pinched; CENAS A BEIRA-MAR / By the Sad Sea Waves; NAMORANDO POR VÍCIO / The Flirt; A BORDO ou TODOS A BORDO / All Aboard; AVIA -TE LESMA / Move On; MENINO ASSANHADO / Bashful . 1918 – A GORJETA / The Tip; UMA GRANDE IDÉIA / The Big Idea; TÍMIDO COMO UM CORDEIRO / The Lamb; CASAMENTO A GASOLINA / A Gasoline Wedding; QUESTÃO DE JEITO / Here Come the Girls; SIGA A MULTIDÃO / Follow the Crowd; AS APARÊNCIAS ENGANAM / Sic’ Em Towser; É ELE / That’s Him; DELÍCIAS DAS PRAIAS / Why Pick on Me?; SEMPRE EM DIFICULDADES / Nothing but Trouble; COMO GRITAM AQUELES MALDITOS / Hear’ Em Rave. 1919 – PRECISA-SE DE MIL DÓLARES / Wanted $5000; FALE COM PAPAI / Ask Father; NO FOGÃO / On the Fire; CUIDADO LÁ EMBAIXO / Look out Below; PANCRÁCIO, EMPREGADO IMPROVISADO / Next Aisle Over; LEVANTA O PANO / Ring up the Curtain; SIM, SENHOR / Si Senor; CAÇAR E SAIR CASADO / Back to the Woods; PARTIU O BONDE / Off the Trolley; A FEBRE DA VADIAGEM / Spring Fever; VIZINHOS INSEPARÁVEIS / Just Neighbors; PORTA DO PALCO / At the Old Stage Door; UMA LUA-DE-MEL TEMPESTUOSA / A Jazzed Honeymoon; VÍTIMA DO BULDOGUE / Count Your Change; NO BAIRRO CHINÊS / Chop Suey and Company; CACIQUE PALERMA / Heap Big Chief; NÃO EMPURRA / Don’t Shove; QUERES SER MINHA ESPOSA? / Be my Wife; O RAJÁ ou LLOYD E O MACACO / The Rajah; DINHEIRO À BEÇA / Soft Money; APURANDO OS VOTOS / Count the Votes; PAGUE SUA CONTA / Pay Your Dues; SEU ÚNICO PAI / His Only Father; ATRAVÉS DA BROADWAY / Bumping into Broadway; A FILHA DO GRÃ-PIRATA / Captain Kidd’s Kids;  VIDA DE MILAGRES / From Hand to Mouth. 1920 – ORGIAS RERAIS / His Royal Slyness; A CASA DOS FANTASMAS / Haunted Spooks; UM ALMOFADINHA NO OESTE / An Eastern Western; A SONÂMBULA / High and Dizzy; O PRÍNCIPE MASCARADO / Get Out and Get Under; NÚMERO, FAZ FAVOR? / Number, Please?. 1921 – AGORA OU NUNCA / Now or Never; ALTA RODA / Among Those Present; CASA-TE E VERÁS / I Do; QUEM DISSE MEDO? / Never Weaken; MARINHEIRO DE ÁGUA DOCE / A Sailor Made Man. 1922 – O PREDILETO DA AVOZINHA / Grandma’s Boy; AS RECEITAS DO DR. JACK / Dr. Jack. 1923 – O HOMEM MOSCA / Safety Last; MILAGRES DO AZAR / Why Worry?.1924 – O MARICAS / Girl Shy; SOGRA FANTASMA / Hot Water. 1925 – O CALOURO / The Freshman. 1926 – O MILIONÁRIO GAIATO / For Heaven’s Sake. 1927 – O CAÇULA / The Kid Brother. 1928 – HAROLDO VELOZ / Speedy.

GEORGE FORMBY

“Eu não era bom, mas as pessoas parece que gostavam de mim”, exclamou George Formby e durante muitos anos  ele foi o astro mais popular do cinema britânico e um dos mais bem pagos.

Formby, cujo verdadeiro nome era George Hoy Booth, nasceu em Wigan, Lancashire em 26 de maio de 1904 . Seu pai, George Formy, Sr. (James Booth), cujo nome artístico foi inspirado pela cidade de Formby em Lancashire, havia sido um dos grandes artistas do music-hall de sua época. Formby, Sr, que não queria que seu filho nem sequer assistisse às suas representações, mudou-se com a família para Hindley, perto de Wigan. Em Hindley Formby Jr. aprendeu a profissão de jóquei, estreando nos prados aos dez anos de idade. Posteriormente, a família transferiu-se para Warrington e ali Formby, Jr. iniciou sua carreira no ramo do entretenimento.

Quando o pai faleceu em 1921, Formby abandonou o ofício de jóquei e iniciou sua própria trajetória no music hall. Em 1924, ele se casou com a dançarina Beryl Ingham e ela passou a gerenciar a carreira do comediante.

Formby cativou o público com o seu humor insolente e sua simpatia, personificando um rapaz modesto, propenso a sofrer acidentes, que tentava vencer em várias atividades (como, digamos, ciclista ou jóquei). Apesar de todas as expectativas em contrário, ele atingia sempre os seus objetivos, conquistando inclusive o coração de uma jovem invariavelmente assediada por um patife.

Entretanto, Formby se distinguia mais interpretando canções cômicas muito agradáveis, cheias de duplo sentido, acompanhando-se no banjolele, para o qual ele desenvolveu um estilo musical muito sincopado, a sua marca registrada.  Vale registrar que o conteúdo sexual malicioso de algumas de suas canções era neutralizado pelo seu ar inocente, seu sorriso dentuço e sotaque nasal típico de Lancashire.

Por outro lado, as narrativas simples e despretenciosas eram habilmente entremeadas com as canções, estabelecendo-se um equilíbrio perfeito entre as cenas de comédia rasgada e as cenas de ação. As cenas de amor, com parceiras como Phyllis Calvert, Dinah Sheridan, Linden Travis, Kay Walsh e Googie Withers eram, segundo consta, controladas cronometricamente pela sempre vigilante Beryl, que contracenou com o marido em Boots!, Boots! / 1934 e Off the Dole / 1935. Infelizmente o vício da bebida, contraído por sua falecida esposa, foi aos poucos corroendo o seu matrimônio.

Outra característica dos filmes de Formby eram os jargões que ele dizia durante o desenrolar das histórias. O mais famoso foi sem dúvida “Turned out Nice Again!” (Tudo acabou Bem!”) dito geralmente na primeira ou na última cena de cada filme. Formby costumava também exclamar: “Haha! Never touched me!” (Haha! Você não me pegou!”, após ter levado uma surra ou sofrido um acidente e “Ooh, mother!”, quando escapava de uma  encrenca.

Formby vinha gravando discos para o Gramofone desde 1926; seu primeiro sucesso ocorreu em 1932 com a Jack Hilton Band e seu filme de estréia, Boots!, Boots! em 1934. O espetáculo teve um grande êxito e ele assinou contrato para fazer mais onze com a Associated Talking Pictures, o que lhe proporcionou a renda então astronômica de cem mil libras por ano. Entre 1934 e 1945, Formby era o maior comediante do cinema britânico e, no auge de sua popularidade (1939, quando foi apontado como o astro número um de todos os gêneros), seu filme Let George Do It foi exportado para a América. Embora seus filmes sempre tivessem uma boa acolhida na Grã Bretanha e no Canadá, eles nunca “pegaram” nos Estados Unidos. Os seus últimos sete filmes, de  O Palhaço faz o Artista / South American George / 1941 a George in Civvy Street / 1946 foram produzidos pela Columbia Pictures e, aparentemente, não lançados por ela nos Estados Unidos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Formby prestou relevante serviço para a Entertainments National Service Association (ENSA) divertindo as tropas na Europa e no Norte da África. Seu filme mais popular e até hoje considerado como seu melhor trabalho, foi a comédia de espionagem, Let George Do It, no qual ele é um músico confundido durante um blecaute com um agente secreto, que é contratado para tocar banjolele na orquestra do navio, no qual entrara por engano. O músico vai parar na Noruega, onde acaba desbaratando um bando de espiões nazistas, que enviam mensagens em código através do rádio enquanto a orquestra está se apresentando. Uma seqüência de sonho na qual ele dá um sôco no nariz de Hitler é um dos momentos mais engraçados da comédia cinematográfica.

Formby sofreu seu primeiro ataque cardíaco em 1952. Sua esposa Beryl morreu de leucemia em 1960. Formby planejava casar-se com Pat Howson, uma professora vinte anos mais nova do que ele, na primavera de 1961, mas teve um outro ataque de coração e faleceu no hospital em 6 de março de 1961 aos 56 anos de idade.

Eu não conhecia os filmes de Formby, até que saiu em dvd uma caixa contendo sete dvds (No Limit / 1936, It’s in the Air / 1938, I See Ice / 1939, Come on George / 1939, Let George Do It / 1940, Tudo Acabou Bem / Turned Out Nice Again / 1941, Spare a Copper / 1941), imediatamente comprada por este fã de cinema, que lhes fala.

Para mim, além de Let George Do It, as melhores das sete comédias da caixa Formby são No Limit, It’s in the Air e Come on George.

Em No Limit George é um limpador de chaminés que constrói sua própria motocicleta e entra numa conhecida competição de ciclismo na Ilha de Mann. O clímax do filme ocorre quando o jovem amador está na reta final e fica sem gasolina. Estimulado pelo incentivo da multidão que assiste à corrida, ele empurra a motocicleta pelos derradeiros 50 metros até a linha de chegada, ultrapassando-a poucos segundos antes de seu rival anti-esportista passar por ele a toda velocidade.

Come on George mostra George como um vendedor de sorvetes na pista de corridas de cavalos. Ele eventualmente acalma um cavalo até então indomável e em conseqüência arruma emprego como cavalariço. Ele acaba montando o cavalo – um papel feito sob medida para o ex-joquei – e vencendo o grande prêmio numa corrida muito engraçada e excitante.

No enredo de It’s in the Air George sonha em ser piloto da RAF, mas não consegue nem ser admitido para servir na Defesa Civil. Depois de uma trapalhada no posto de recrutamente, George não resiste e veste o uniforme do namorado de sua irmã, que é piloto mensageiro da Força Aérea.Britânica. Num dos bolsos do uniforme George encontra uma correspondência oficial classificada como urgente e resolve entregá-la ele mesmo às autoridades. No decorrer dos acontecimentos George se vê dentro de um avião sem piloto, que, descontrolado, faz incríveis piruetas no ar. Finalmente, não se sabe como, o avião aterrissa, George é levado à presença do Comandante e este, impressionado com a suposta perícia do aviador, anuncia que George será aceito como piloto da RAF. Porém, na cena seguinte, vemos George no palco de um teatro, pilotando um avião de brinquedo e cantando uma das suas canções.

São, de fato, histórias típicas de baixa comédia, tantas vezes repetidas em filmes com outros cômicos, porém muito divertidas e movimentadas, constituindo-se num bom passatempo e numa mensagem de otimismo principalmente naqueles dias dolorosos para a Inglaterra.

AS RAINHAS DAS SELVAS

      Nos primórdios do filme seriado as mulheres estiveram em evidência. Naquela que muitos consideram a primeira fita-em-série, What Happened to Mary? / 1912 (mas que, a rigor, não é um serial porque cada um dos seus doze episódios contava uma história completa) Mary Fuller cativava os espectadores no papel de uma órfã, lutando contra mil e uma adversidades. Um ano depois, Kathlyn Williams em As Aventuras de Kathlyn / The Adventures of Kathlyn, no papel de uma herdeira, desafiava perversos bandidos que queriam tirar a posse de suas terras.

      Depois vieram Pearl White e Ruth Roland, as duas rainhas dos seriados na fase silenciosa do cinema e ainda Helen Holmes, Grace Cunnard, Eileen Sedgwick, Allene Ray, Helen Ferguson, Anita Stewart, Louise Lorraine, Marie Walcamp, Neva Gerber, Ethlyne Clair, Ann Little, Arline Pretty, etc.

PEARL WHITE EM PERIGO

      Aos poucos, porém, os mocinhos foram tomando os lugares de destaque das heroínas e, somente em 1941, alguém da Republic teve a idéia de retomar a velha fórmula de se colocar uma bela jovem como centro de atenção dos seriados, de preferência numa aventura passada na selva africana, tal como ocorrera esporadicamente nos anos 20 (A Cidade Perdida / The Lost City / 1920 com Juanita Hansen) e A Deusa do Sertão / The Jungle Goddess / 1922 com Elinor Field) e nos anos 30 (A Rainha das Selvas / Queen of the Jungle / 1933 com Mary Kornman).

      Assim nasceu A Filha das Selvas / Jungle Girl, seriado inspirado num romance de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan. O estúdio adquiriu os direitos do livro, mas aproveitou apenas o título, atribuindo aos seus roteiristas a tarefa de construírem os quinze emocionantes episódios.

      Na história de Burroughs havia um médico americano que combatia a desnutrição numa tribo perdida do Continente Negro. Este personagem foi extinguido e em seu lugar colocaram um aviador Jack Stanton (Tom Neal), que serve de companheiro à mocinha, cujo nome passou a ser Nyoka, logo depois famoso por causa de um subseqüente seriado.

      Nyoka Meredith é uma jovem criada nas selvas e o pai tem um irmão gêmeo (Trevor Bardette nos dois papéis), que se une a um curandeiro, Shamba (Frank Lackteen) e a um facínora americano, Slick Latimer (Gerald Mohr), a fim de se apoderarem de valiosos documentos.

frances gifford em A Filha das Selvas

      Com o auxílio de Stanton e do colega Curly Rogers (Eddie Acuff), Nyoka opõe-se ao trio de malfeitores e acaba derrotando-os, depois de quase cair nas profundezas de um abismo, ser alvejada por flechas envenenadas, incinerada num incêndio na floresta ou estraçalhada por um gorila (Emil van Horn).

A Filha das Selvas - lobbycard

      Sob os traços da Filha das Selvas, o estúdio colocou Francis Gifford mas, nas sequências de ação, a atriz era substituida pela excelente stuntwoman Helen Thurston. A grande atração do espetáculo, além das lindíssimas pernas da srta. Gifford, são as acrobacias de Nyoka nos cipós, muito mais sensacionais do que aquelas executadas por Johnny Weismuller nos filmes de Tarzan. A melhor delas é a seguinte: Nyoka vê o menino atacado pelo crocodilo, dá um salto mortal ao passar de um cipó para outro e depois, com a faca entre os dentes, mergulha no rio, para lutar contra a fera.

      Dirigido por dois especialistas, William Witney e John English, o seriado agradou ao público e, no ano seguinte, a Republic fez uma continuação, Os Perigos de Nyoka / The Perils of Nyoka com Witney sozinho na direção, escolhendo uma nova estrela, Kay Aldridge e um novo mocinho, Clayton Moore que, no futuro, se tornaria o Lone Ranger da televisão.

      Nas cenas arriscadas, Kay é substituída pelo dublê David Sharpe que, apesar de se sentir meio sem jeito com roupas femininas, proporciona aos espectadores alguns momentos espetaculares. O vilão desta vez é uma mulher, a malvada Vultura (Lorna Gray, cujo nome artístico mudaria depois para Adrian Booth), sempre cercada por fiéis capangas como o árabe Cassib (Charles Middleton, o imperador Ming de Flash Gordon) ou o gorila Satan (Emil van Horn de novo).

Kay Aldridge em Os Perigos de Nyoka

      Os facínoras querem se apoderar das Tábuas de Hipócrates, um papiro antigo que contém segredos medicinais prodigiosos e o mapa de um fabuloso tesouro. O arqueologista Dr. Campbell (Forbes Murray) e seu assistente Dr. Larry Grayson (Clayton Moore) chefiam uma expedição ao Deserto Arábico para encontrar Nyoka Gordon, a única pessoa capaz de decifrá-las. Nyoka por sua vez procura seu pai desaparecido, Henry Gordon (Robert Strange), que está vivendo numa tribo de beduínos.

      Depois de lances eletrizantes como escapar de uma carroça em chamas despencando de um desfiladeiro, de ser retalhada por uma lâmina em movimento pendular digna de Edgar Allan Poe, de cair num poço de lava derretida, de ser esmagada por pregos em forma de estalactite e, ainda, da traição de Torrini (Tristam Coffin), assecla de Cassib que se fazia passar por seu aliado, Nyoka trava no último capítulo uma luta corpo a corpo com Vultura, as duas atrizes de perninhas de fora entrelaçadas, excitando a meninada.

      Os Perigos de Nyoka fizeram mais sucesso que A Filha das Selvas e foi relançado anos depois como Nyoka and the Tigermen, tendo sido exibida na televisão uma versão em longa-metragem Nyoka and the Secrets of Hippocrates, que era um dos compactos oferecidos em 1966 às emissoras, inseridos num pacote de 26 serials da Republic, reeditados em 100 minutos, tal como a Leo Gutman Productions fez com vários seriados da Columbia.

       Quando Kay Aldridge deixou a Republic em 1944, parecia que não iria surgir uma sucessora, mas felizmente o estúdio encontrou aquela que seria aclamada “A Rainha dos Seriados Sonoros”: Linda Stirling.

        Linda, alta e esbelta, com habilidades atléticas, estreou em A Mulher-Tigre / The Tiger Woman, dirigido por Spencer Bennet e Wallace Grissell, seriado que gira em torno da rivalidade de duas companhias petrolíferas por jazidas situadas na selva sul-americana. O engenheiro de uma das firmas, Allen Saunders (Allan Lane, também chamado de “Rocky” Lane e depois popularizado como Red Ryder) e seu amigo José (Duncan Renaldo, o Cisco Kid da televisão), auxiliados pela Mulher-Tigre, misteriosa rainha branca, estranhamente civilizada, enfrentam os inescrupulosos rivais comandados por Morgan (o mexicano George J. Lewis, um dos vilões mais manjados da época).

Allan Lane e Linda Stirling em A MUlher Tigre

         A Mulher-Tigre é na realidade Rita Arnold, herdeira de uma grande fortuna, que se perdera na selva após um desastre de avião. Os bandidos querem matar a jovem e se apoderar da herança, mas Saunders e José frustram seus planos. Ação rápida e uma cativante e dinâmica heroína garantem um bom espetáculo. O instante de maior emoção é aquele em que o avião monomotor pilotado por um bandido, joga bombas sobre a cabana onde estão Saunders, José e a Mulher-Tigre. Saunders consegue alvejar o piloto porém este, mesmo ferido, faz com que o avião se choque contra a cabana, provocando uma explosão da qual, naturalmente, os três escapam no episódio seguinte.

        O seriado teve boa acolhida, tendo sido relançado como The Perils of the Darkest Jungle e fez de Linda Stirling estrela na Republic, que a colocou nos papéis principais de O Chicote do Zorro / Zorro’s Black Whip / 1944, O Segredo da Ilha Misteriosa / Manhunt of Mystery Island / 1945, Marte Invade a Terra / The Purple Monster Strikes / 1945, O Espírito Escarlate / The Crimson Ghost / 1946 e A Volta de Jesse James / Jesse James Rides Again / 1946, tornando-a uma nova Pearl White.

      Depois de A Mulher-Tigre, a Republic só abordaria o tema nos últimos anos de vida dos seriados em Tambores Feiticeiros / Jungle Drums of África / 1953 e A Mulher-Pantera / Panther Girl of the Congo / 1955, ambos com Phyllis Coates (a futura Lois Lane no Super-Homem da televisão), vestindo roupas bem parecidas com as usadas por Frances Gifford  em A Filha das Selvas, para poderem ser aproveitadas as tomadas de arquivo daquele outro seriado. Em A Mulher Pantera introduziu-se um elemento de ficção científica, quando a heroína tinha de lutar contra lagostas gigantescas, criadas por um cientista louco, que desenvolvera um hormônio para aumentar o tamanho de crustáceos.

      Já a Universal, em 1945, fez A Rainha das Selvas / Jungle Queen com Ruth Roman no papel de Lothel, jovem que tem os poderes de andar incólume sobre as chamas e de se tornar invisível, deixando os inimigos nazistas estupefactos.

      A intriga transcorre durante a Segunda Guerra Mundial e diz respeito a uma agente alemã, disfarçada sob a personalidade da cientista Dra. Elise Bork (Tala Birell) e seu subordinado Lang (Douglas Dumbrille), que tentam indispor as tribos Tongghili contra os aliados.Dois americanos, Bob Elliott (Edward Norris) e Chuck Kelly (Eddie Quillan), chegam para ajudar as forças britânicas. No caminho encontram Pamela Courtney (Lois Collier), uma jovem à procura do pai desaparecido nas selvas, e todos são ameaçados pelos espiões. No final, após garantir a vitória dos ingleses, Lothel some numa labareda, tão misteriosamente quanto aparecera.

        Entretanto, a atriz Ruth Roman surgiria novamente nas telas na década de 50, para mostrar sua capacidade dramática em filmes de prestígio, que também puderam destacar mais a sua beleza invulgar.

CURTAS-METRAGENS NA HOLLYWOOD DOS ANOS 30 / 40

Um grande desafio para o pesquisador de Cinema Americano dos anos 30 / 40 é a área dos curtas-metragens, não só porque as fontes sobre o assunto são escassas como também pela dificuldade de se identificar os títulos em português dos filmes. Este artigo não pretende focalizar todos os curtas-metragens produzidos naquelas décadas, mas apenas recordar os mais conhecidos.

De uma maneira geral, esses filmes, na sua maioria de dois rolos (duração aproximada de 17 a 18 minutos) denominavam-se shorts. Eles podiam ser nos gêneros comédia, musical, esportivo, turístico, curiosidades, etc. e nada tinham a ver com as séries de longa-metragem ou com os seriados. As séries eram um grupo de filmes de 55 a 90 minutos cada qual contando uma historia diferente, porém conservando sempre os mesmos personagens; nos seriados, a trama continuava em outros episódios.

Laurel e Hardy em A Caixa de Música

As comédias curtas de O Gordo e o Magro destacavam-se dos outros shorts, mostrando a maior dupla cômica do Cinema na sua forma mais completa. Com o advento do som, as vozes de Stan Laurel e Oliver Hardy acrescentaram uma nova dimensão às suas respectivas personalidades. Ao lado da comicidade visual, incluindo os célebres maneirismos, havia agora saborosos diálogos, ditos de maneira inimitável pelos dois artistas inesquecíveis. De 1929 a 1935, foram realizadas 40 comédias faladas nos estúdios de Hal Roach. Uma delas – Caixa de Música / The Music Box – ganhou o Oscar de 1931-32 na categoria.

Outros grandes comediantes da era silenciosa como Buster Keaton e Harry Langdon fizeram shorts falados, porém mais popular nesse formato foi outro contratado de Roach, Charlie (ou Charley) Chase. Com aqueles óculos inseparáveis e, às vezes, o banjo e a guitarra, Charlie participou de 190 comédias curtas, das quais alguém há de se lembrar, por exemplo, de Cartola Mágica / You Said a Hateful! / 1934, O Neto do Vovô / Southern Exposure / 1935 ou O Marido que virou Mulher / Okay Toots! / 1935, para citar apenas três que foram exibidos no cinema Metro do Rio de Janeiro. Em O Marido que virou Mulher, Charlie e sua esposa misteriosamente trocam suas personalidades – a voz e a mente dela no corpo dele, e vice-versa.

Vocês devem se lembrar de Charlie Chase naquela magnífica comédia de média -metragem, Os Filhos do Deserto / Sons of the Desert / 1933, que Roach produziu entre os seus two-reelers com Laurel e Hardy. Charlie tem uma breve, mas fulgurante, intervenção como o turbulento cunhado de Oliver Hardy, roubando a cena em que aparece.

CharleyChase_Vol2_DVD

Como diretor, Charlie Chase foi responsável por A Grande Pechincha / The Bargain of the Century / 1933, uma das comédias mais engraçadas da dobradinha Thelma Todd / ZaSu Pitts, outro achado de Hal Roach. Entre outras, na sua maioria dirigidas por Gus Meins, fizeram muito sucesso: Ora, Pílulas / Sneak Easily / 1932, Salão da Fuzarca / Asleep in the Fleet / 1933, Vestidas à Francesa / Maids à la Mode / 1933 e principalmente A Caminho de Hollywood / One Track Minds / 1933, na qual Thelma ganha a chance de fazer um teste para o cinema com o diretor Von Sternheim no Roaring Lion Studios; mas o trem vai para o Oeste, pondo fim à sua carreira. Thelma e ZaSu formavam um contraste perfeito para uma boa dupla cômica: a bela e agitada Thelma sempre conseguindo tirar as duas das situações encrencadas causadas pela ingenuidade da feiosa ZaSu.

Em 1933, Patsy Kelly entrou no lugar da veterana atriz dramática de Stroheim e arrancou boas gargalhadas dos espectadores com as piadas maldosas sobre a parceira. Entre os melhores filmes da dupla Thelma Todd-Patsy Kelly, podemos apontar: Natureza Torta / Backs to Nature / 1933, Verifiquem nossos Preços / Babies in the Goods / 1934, Distintas Senhoritas / Soup and Fish / 1934, todos sob direção de Gus Meins, e Viagem Acidentada / Bum Voyage / 1934. Neste filme, dirigido por Nick Grinde, Thelma e Patsy acham duas passagens para uma viagem de navio, sem saber que sua cabine é também habitada por um gorila.

Charlie Chase, Laurel e Hardy em Filhos do Deserto

Com a trágica morte de Thelma Todd, que até hoje constitui um dos enigmas indecifrados de Hollywood, logo se encerraria o ciclo de comédias, sempre elogiadas aquí no Brasil pelos comentaristas da revista Cinearte, que as consideravam um “bom complemento de programa”, como se dizia na época.

Produzida por Hal Roach de 1922 a 1938 e compreendendo ao todo 228 filmes, a série de curtas Os Peraltas / Our Gang jamais perdeu o encanto, porque o espírito das crianças é o mesmo em qualquer tempo. Dos componentes do vasto elenco infantil, que mudava constantemente, Jackie Cooper, Dickie Moore, Scotty Beckett e Mickey Gubitosi (depois conhecido como Bobby Blake, fazendo o papel do indiozinho nos faroestes de Red Ryder e como Robert Blake no seriado de televisão Baretta), alcançariam fama nos filmes de longa-metragem: porém, os mais amados pelos fãs eram o fofo Spanky McFarland, os pretinhos Billy “Buckwheat” Thomas e Mathew “Stymie” Beard, e Cal “Alfafa” Switzer, o Espeto, que esteve impagável em Alfafa, a Voz das Vozes / Our Gang Follies of 1938. Uma das comédias, Fugindo da Escola / Bored of Education, arrebatou o prêmio da Academia em 1936.

ZaSu Pitts - Thelma Todd

Patsy Kelly Thelma Todd

Em 1938, a MGM adquiriu os direitos de produzir a série e o de usar o título, razão pela qual, quando os filmes originais foram reprisados na televisão, as emissoras tiveram que apresentá-los como Os Batutinhas / The Little Rascals. Houve muitos imitadores da série como as comédias Mickey McGuire com Mickey Rooney ainda bem garotinho, The Kiddie Troupers com o então menino Eddie Bracken, e as Baby Burlesks, estreladas por Shirley Temple.

Roach realizou ainda, entre outros, os curtas-metragens Os Choferes de Praça / The Taxi Boys com Billie Gilbert e Ben Blue e The Boy Friends com Mickey Daniels e Mary Kornman, dois ex-integrantes do cast de Os Peraltas; David Sharpe, mais tarde competente stuntman nos seriados; e Grady Sutton, que era quem provocava mais gargalhadas na platéia

Os Peraltas

Ninguém pensa em Andy Clyde quando se fala nos grandes comediantes da tela, porém ele foi um ator talentoso e versátil, cuja popularidade ficou intata por quatro décadas, de 1929 a 1956. Depois de trabalhar com Mack Sennett e na Educational, Clyde instalou-se na Columbia, em 1934, e ali permaneceu por mais de 20 anos, elaborando um personagem com bigodão e óculos bifocais, que teve esta peculiaridade: começou interpretando-o ainda jovem e envelheceu no papel, até que, no final da carreira, não precisava mais de quase nenhuma maquilagem.

Clyde fez ao todo 146 comédias. Velhos Gaiteiros / He Done His Duty / 1937 e Atores e Impostores / Mr. Clyde Goes to Broadway / 1940 parece que foram as favoritas do público. Nos anos 40, o popular comediante lutou lado a lado com William “Hopalong Cassidy” Boyd em mais de trinta westerns classe “B” e depois foi o sidekick de outro mocinho, Whip Wilson de 1949 a 1951.

Andy Clyde

A respeito de Leon Errol, alguém fez a seguinte distinção: existem os comediantes, os cômicos, os palhaços e os homens engraçados. O homem engraçado é aquele que consegue ser engraçado em qualquer circunstância. Não precisa de histórias para sustentá-lo como os comediantes; não precisa de piadas, como os cômicos; e não precisa de certos cenários como os palhaços. Ele é engraçado por si mesmo. Errol era um homem engraçado e suas pernas “de borracha”, a sua peça de resistência – principalmente quando interpretava bêbados. Oriundo do Ziegfeld Follies, o careca australiano trabalhou durante dezesseis anos na RKO, onde também atuou na série de média metragem Mexican Spitfire em papel duplo (como o tio Matt e Lord Basil Epping), ao lado de Lupe Velez, que vivia a esquentada Carmelita. O leitor de cabelos grisalhos se recordará de alguns two-reels de Leon Errol como marido Desastrado / Home Work / 1942, Foi Caçar e Saiu Caçado / Dead Deer / 1942 ou Quando os Maridos têm Idéias / Double Up / 1943.

Leon Errol

Impulsionados por Jules White, chefe do Departamento de Curtas-Metragens da Columbia, Os Três Patetas / The Three Stooges levaram muita gente aos cinemas, para ver 190 comédias de dois rolos. E a explicação é simples: seu humor baseava-se na violência e na vulgaridade, coisas que a maior parte do público adora. Moe Howard (o de franjinha) era o membro dominador do trio, sempre dando as ordens e os tapas e recebendo o troco dos colegas Jerry “Curly” Howard, (irmão de Moe na vida real, depois substituído por outro irmão, Sam “Shemp” Howard ) e Larry Fine. Em 1955 Shemp faleceu, Joe Besser entrou em seu lugar e finalmente Besser foi substituído por Joe DeRita.

Antes de trabalhar na Columbia, a trinca fez, com Ted Healy, comédias curtas para a MGM, algumas em cores como Voando em Parafuso / Plane Nuts / 1933, No Olho da Rua / Beer and Pretzels / 1933 e Uma Idéia Genial / The Big Idea / 1934. Na lista de seus melhores pastelões na Columbia, Empapelando o Mundo / You Nazty Spy 1940, Encanadores da Fuzarca / A Plumbing We Will Go / 1940 e Cozinheiros Peritos / An Ache in Every Stake / 1941 têm lugar garantido. Típica propaganda de guerra, Empapelando o Mundo era uma gozação de Hitler e seus capangas com Moe como ditador de Moronica. Um letreiro de apresentação dizia: “Qualquer semelhança entre os personagens deste filme e quaisquer pessoas, vivas ou mortas, é um milagre”.

Os 3 Patetas em Empapelando o Mundo

A série de comédias curtas de Edgar Kennedy, inicialmente intitulada The Average Man, produzida pela RKO de 1931 a 1948, apoiava-se em situações e personagens do dia-a-dia – um casal, o cunhado e a sogra, interpretados pela ordem por Kennedy, Florence Lake William Eugene (depois Jack Rice) e Dot Farley – uma família de loucos. A marca registrada do comediante era o denominado slow burn, que consistia no seguinte: após um ato desastrado, Kennedy esfregava o rosto com as mãos, como se estivesse dizendo para si mesmo: “Não vou deixar que isto me aborreça”. Depois, vinha uma reação retardada ao acontecimento e ele esfregava novamente o rosto com desespêro.

Alguns títulos de comédias de Edgar Kennedy exibidas no Brasil: Relógio do Azar / Clock Wise / 1939, O Pintor saiu Pintado / Feathered Pests / 1939, Louco por Cachaça / Mad About Moonshine / 1941, Feriado Sossegado / A Quiet Fourth / 1941, Cozinheiros e Trapaceiros / Cooks and Crooks / 1942, Com Calma se Arranja Tudo / Hold Your Temper / 1943, O Cacique Fantasma / Índian Signs / 1943, etc. Por curiosidade, há um curta de Kennedy com o mesmo título original de uma comédia dos irmãos Marx, Duck Soup, só que traduzida como Sopa de Pato enquanto o filme dos Marx intitulava-se em português O Diabo a Quatro.

A partir de 1931, Pete Smith, diretor de publicidade da MGM, começou a produzir e narrar shorts para o estúdio. A série de curtas mais famosa, Uma Especialidade Pete Smith / Pete Smith Specialties, composta de 209 filmes e produzida entre 1936 e 1955, continha temas variados, que podiam ser: a história de um cego e seu cão (Verdadeiro Amigo / Friend Indeed / 1938 ou a do negro escravo que se tornou um grande cientista (A História do Dr. Carver / The Story of Dr. Carver / 1938); a historia da maquilagem feminina (Embelezando o Belo / Gilding the Lily / 1937 ou da batata (A História da Batata / Romance of the Potato / 1939); o arqueiro Howard Hill demonstrando sua habilidade (Arco e Flecha / Follow the Arrow / 1938 ou a técnica do boxeador Max Baer (A Arte de Esmurrar / Fisticuffs / 1938; um tributo aos metereologistas (Profetas do Tempo / Weather Wizzards / 1939 ou aos radioamadores (Radioamadores / Radio Hams / 1939); a audácia dos stuntmen (Os Temerários de Hollywood / Hollywood Daredevils / 1943) ou os exercícios físicos dos soldados no Exército (Campeões do Exército / Army Champions / 1941 e na Marinha (Fuzileiros Navais de Tio Sam / Marines in the Making / 1942 e até mesmo o cachorro do Presidente Roosevelt, Fala, o Cachorrinho do Presidente / Fala, the President’s Dog / 1943.

O curta-metragem mais estranho e interessante foi Ferro Velho / Scrap Happy / 1943, contando a história de curiosos pedaços de metal encontrados nas pilhas de ferro velho para a Vitória durante a Segunda Guerra Mundial.

Outra série produzida por Pete Smith, MGM Specials, apresentava três shorts relacionados com a 3ª Dimensão ou “em relêvo”, como se falava naquele tempo: Audioscópios / Audioscopiks /1935, A Nova Audioscopia / New Audioscopiks / 1938 e Assassinato Metroscópico / Third Dimensional Murder / 1941.

Pete Smith, George Sidney e Dave O' Brien

Mais de uma dúzia de shorts de Pete Smith receberam indicações para o Oscar, dos quais dois, Penny Wisdom / 1937 e Prodígios Fotográficos / Quicker’n a Wink / 1940, ganharam a estatueta. Em 1953, Pete Smith foi agraciado com um troféu especial da Academia. A partir de 1942, Dave O’Brien (O Capitão Meia-Noite do seriado da Columbia) tornou-se a atração da série, pondo seus recursos de atleta a serviço do humor visual. O filme mais original com Dave O’ Brien foi Os Cacetes do Cinema / Movie Pests / 1944, revelando os freqüentadores importunos dos cinemas.

Abramos um parêntese para dizer que o Departamento de Curtas-Metragens da MGM foi uma verdadeira escola de aprendizagem cinematográfica para muito diretores talentosos como George Sidney, Fred Zinnemann, David Miller, Jacques Tourneur, Joseph Losey, Jules Dassin, Cyril Endfield, sendo que os curtas também revelaram Leo McCarey, Gordon Douglas, George Stevens, Jean Negulesco e Don Siegel, em outras companhias.

Entre os atores e atrizes que adestraram suas aptidões nos shorts dos vários estúdios estavam, por exemplo: June Allyson, Betty Grable, Lucille Ball, Danny Kaye, Bob Hope, Red Skelton, Sammy Davis Jr., Barry Sullivan, Tony Martin, Dorothy Lamour, Betty Hutton, Dane Clark, John Payne, Nina Foch, Dorothy Malone, Robert Taylor, James Stewart, Judy Garland e Deanna Durbin (cantando juntas em Todos os Domingos / Every Sunday / 1936), etc.

A Marcha do Tempo / The March of Time, série de curtas-metragens realizados por Louis de Rochemont entre os anos 1935 e 1951 sob o patrocínio da revista Time e distribuída pela 20thCentury-Fox, revolucionou o jornalismo cinematográfico, provocando grande impacto. O estilo da série caracterizava-se por uma montagem dinâmica e corajosas reportagens, narradas pela voz ostentória de Westbrook Van Voohris, que foi parodiada por Orson Welles em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941. Primeiramente, cada filme tinha vários segmentos, mas, desde 1938, passou a abordar apenas um tópico, tornando-se valioso repositório dos fatos cotidianos da América do Norte. Em 1936, mereceu um Oscar da Academia.

O êxito de A Marcha do Tempo abriu caminho para outro short no gênero. A RKO lançou Assim é a América / This is América que, tal como a predecessora, procurou enfatizar o aspecto humano de cada matéria. Esta série foi supervisionada por Slavko Vorkapich, o mestre do montage (seqüência de montagem), teve como diretor mais assíduo Larry O’Reilly e deu a primeira oportunidade para Richard Fleischer atuar atrás das câmeras. Fleischer depois fez outra série, Retrorelâmpagos / Flicker Flashbacks, baseada em compilações de filmes mudos.

Poster de A Marcha do Tempo

Louis de Rochemont

Um dos grandes contadores de histórias através dos shorts chamava-se John Nesbitt. Este canadense criou na MGM a série Um Mistério Histórico / Historical Mysteries e depois A Parada da Vida / John Nesbitt’s Passing Parade, que compreendia basicamente três tipos de temas: fatos pouco conhecidos sobre grandes homens, homens que mudaram o mundo e acontecimentos extraordinários. Entre os mistérios históricos encontramos, por exemplo, Nostradamus / Nostradamus / 1938 ou O Enigma de Santa Helena / Man on the Rock / 1939 e na série de 72 Paradas da Vida, assuntos que iam de A História de Alfred Nobel / The Story of Alfred Nobel / 1939 ou Uma Estrada Luminosa / Stairway to Light / 1945 a respeito do Dr.Pinel até O Último Ato / Your Last Act / 1941 sobre os mais estranhos testamentos de todos os tempos ou Tesouro Esquecido / Forgotten Treasure / 1943 e O Filme Perdido / The Film that was Lost / 1942, mostrando o acervo da filmoteca do Museu de Arte Moderna de Nova York e os filmes raros por ela recuperados.

Os dois melhores curtas-metragens sobre a cidade do cinema foram Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots da Columbia e Parada de Hollywood / Hollywood on Parade da Paramount que, entre outras atrações, ofereciam Bing Crosby cantando “Auf Wiedersehn”, um quarteto de música country composto por Barton McLane, Buster Crabbe, Fuzzy Knigth e Randolph Scott e o evento anual da divulgação das Wampas Baby Stars, grupo de estrelinhas promissoras da tela que, em 1932, incluía: Ginger Rogers, Gloria Stuart, Mary Carlisle, Patrícia Ellis, Evalyn Knapp, Lillian Bond e Lona Andre.

Uma série de shorts de alta qualidade O Crime não Compensa ou O Crime Não Paga Dividendos / Crime Does Not Pay, produzida pela MGM entre 1933 e 1947, conquistou dois Oscar e deu chance para atores e diretores aprenderem o seu ofício. A tônica era a denúncia de crimes e desonestidades que afetavam a vida dos cidadãos americanos. A partir dos anos 40, a série voltou-se para a propaganda de guerra, alertando contra os espiões nazistas e a sabotagem. Muitas das histórias foram escritas por um policial aposentado, Karl Kamb, e mereceram o aplauso das autoridades inclusive do próprio chefão do FBI, J. Edgar Hoover. No primeiro filme, Tesouro Enterrado / Buried Loot / 1935, Robert Taylor mostrou que tinha pinta de galã e em Desatinos da Juventude / The Wrong Way / 1938 Gustav Machaty, o tcheco que orientou Hedy Lamarr em Êxtase / Ekstase / 1933, assinou a direção.

Na Warner, além das pioneiras Vitaphone Varieties, nas quais figuravam Hal Le Roy, Mitzi Mayfair, Ruth Etting, Russ Columbo, Jane Froman, Frances Langford, etc, havia os shorts que trouxeram de volta às telas Roscoe “Fatty” Arbuckle e os que promoviam as big bands de Artie Shaw, Eddie Duchin, Hal Kemp, Woody Herman, Vincent Lopes, Freddy Martin, etc. Mas isso não foi tudo.

O estúdio permitiu que o montador Don Siegel evidenciasse suas qualidades como diretor em Uma Estrela Luminosa / Star in the Night, parábola moderna sobre o Cristo e Hitler Vive! / Hitler Lives!, ambos premiados com o Oscar em 1945. A Warner produziu ainda uma série patriótica, filmada em cores, cujos três expoentes máximos – Sons of Liberty / 1939 (Dir: Michael Curtiz) com Claude Rains e Gale Sondergaad, Give me Liberty / 1936 (Dir: B. Reeves Eason) com Robert Warwick como George Washington e Declaration of Independence / 1938 (Dir: Crane Wilbur) com John Litel como Thomas Jefferson – também arrebataram o premio da Academia.

Muitas outras séries de curtas-metragens desfilaram nos cinemas nos anos 30 / 40 como, por exemplo: Viagens de Fitzpatrick / Fitzpatrick’s Traveltalks (cognominada em nosso país de “A Voz do Globo”) e que sempre terminava com a frase: “E agora dizemos adeus a …” e aí vinha o nome do lugar; O Romance do Celulóide / Romance of Celluloid; Ainda que Pareça Incrível / Stranger than Fiction; Ao Redor do Mundo / Going Places; Cinemaluco / Goofy Movies; Ocupações Inusitadas / Unusual Ocupations; Aventuras do Operador Cinematográfico / Adventures of the Newsreel Cameramen; Parada dos Esportes / Grantland Rice Sportlights; Cinescope / Cinescope; Ciência Popular / Popular Science; Washington em Desfile / Washington on Parade; O Mundo Canta / Community Sing; Parece Incrível / Believe it or Not; Tapete Mágico / Lowell Thomas Magic Carpet of Movietone; No Mundo dos Esportes / World of Sports; Uma Miniatura Carey Wilson / Carey Wilson Miniatures; Clube de Máscaras / Masquers Club; Comédias All Star / All Star Comedies; Tolos que Passaram à Posteridade / Fools who Made History; Hugh Herbert / Hugh Herbert; Robert Benchley / Robert Benchley, esta com um filme vencedor do Oscar, Arte de Dormir / How to Sleep / 1935 e outro apenas indicado, Noite no Cinema / A Night at the Movies / 1937, etc.

É impressionante a quantidade de curtas-metragens trazidos para o Brasil pelas distribuidoras norte-americanas, no período que estamos abordando. Isto sem falar nos desenhos animados e na centena de shorts de propaganda de guerra, que chegaram aquí por intermédio do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, escritório criado em agosto de 1940 pelo governo americano, para promover as relações entre os Estados Unidos e a América Latina.

Existe ainda muita investigação a ser feita neste campo tão vasto de atividade filmíca, prato cheio para aqueles que gostam de examinar a História do Cinema com lentes de microscópio.

VINCENTE MINNELLI, O CINEASTA DA BELEZA

Embora Vincente Minnelli tivesse se expressado maravilhosamente no filme musical, onde a sua cultura, refinamento, predileção pela fantasia e pela estilização pictórica encontraram um terreno propício, ele também demonstrou aptidão excepcional para a comédia e o drama, deixando em cada obra a marca de um estilo incomparável.

A vida profissional de Minnelli foi sempre contratualmente ligada ao estúdio Metro-Goldwyn-Mayer onde, durante vinte e seis anos, todos, menos três de seus filmes, foram produzidos.

Vincente Minnelli

Antes de chegar a Hollywood em 1940 com a idade de 37 anos, Minnelli havia sido um diretor de teatro e cenógrafo bem sucedido na Broadway, especializado em comédias musicais e revistas. Seu relacionamento prévio com a indústria cinematográfica fôra apenas uma estadia de seis meses na Paramount três anos atrás.

Reconhecendo sua relativa inexperiência, a MGM impôs a Minnelli um período de aprendizado, durante o qual ele forneceu idéias para dois musicais de Busby Berkeley, o da orquestra de frutas no número “Our Love Affair” em O Rei da Alegria / Strike Up the Band / 1940 e o das imitações de Mickey Rooney e Judy Garland no número “Ghost Theatre” em Calouros da Broadway / Babes on Broadway / 1941.

Em seguida, convocado por Arthur Freed para ajudar a “salvar” Lourinha do Panamá / Panama Hattie / 1942 com Ann Sothern, cuja pré-estréia não agradara, Minnelli dirigiu os novos números, alguns com Lena Horne, enquanto Roy Del Ruth substituia Norman McLeod nas seqüências restantes.

Agora seremos Felizes

Satisfeito com a colaboração de Minnelli, Freed encarregou-o (tendo Andrew Marton como consultor técnico a seu lado) da direção de um filme que representava um risco financeiro e criativo considerável: Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943, musical que havia sido um fracasso comercial no palco.

Tratava-se de uma fantasia musical folclórica em sépia, engendrando uma parábola sobre o Bem e o Mal e intrepretada por um elenco de artistas negros, tendo à frente Ethel Waters, Eddie “Rochester” Anderson, Rex Ingram, Lena Horne, Louis Armstrong, Duke Ellington, Butterfly McQueen, Kenneth Spencer e o coro de Hall Johnson.

O instinto fílmico do diretor e sua tendência pelo surrealismo e pelo onírico se manifestam desde a estréia, sendo surpreendente a mobilidade da câmera, inspirada, segundo ele declarou aos repórteres, nos filmes de Max Ophuls.

Assim começou a carreira cinematográfica de Vincente Minnelli, um grande diretor que desejo homenagear. Minnelli fez ao todo 34 filmes, se incluirmos na sua filmografia o episódio feérico “Mademoiselle” de A História de Três Amores / The Story of Three Lovers / 1952. Vou lembrar apenas 12 filmes dele, que são os meus preferidos; mas vocês têm todo o direito de discordar da minha escolha, mesmo porque Minnelli fez outros filmes apreciáveis como, por exemplo, O Ponteiro da Saudade / The Clock / 1945,  Chá e Simpatia / Tea and Simpathy / 1956 ou Teu Nome é Mulher / Designing Woman / 1957.

O primeiro filme de Minnelli que quero destacar é Agora Seremos Felizes / Meet me in St. Louis / 1944, crônica nostálgica de uma família americana de classe média na cidade de St. Louis (Missouri) no começo do século, pouco antes da abertura da Feira Mundial, que ali seria realizada.

A Sedutora Madame Bovary

Esther Smith (Judy Garland) e suas irmãs Rose (Lucille Bremer), Tootie (Margaret O’Brien) e Agnes (Joan Carroll) e o irmão Lon Smith, Jr. (Henry Daniels, Jr.) vivem felizes junto da mãe (Mary Astor) e do pai (Leon Ames), quando este anuncia que vai ser transferido para um novo cargo em Nova York. Desespêro geral, pois cada um dos filhos tem um motivo para não querer sair da cidade. Porém o amor pelos seus entes queridos e pelo seu lar, faz o chefe da família mudar de idéia para felicidade de todos.

A história, baseada nas memórias de Sally Benson, uma escritora que crescera em St. Louis naquela época é narrada em tom de musical romântico, desenrolando-se em cenários finamente decorados, fotografados esplendidamente em technicolor por George Folsey. As canções entrosam-se na trama de maneira natural e pioneira e o elenco personifica a família Smith com muita sensibilidade.

O Papai da Noiva

Ainda hoje o filme comove as platéias por causa de seus temas simples de família e lar, pelo calor humano e por sua mensagem básica: a de que não há lugar melhor no mundo do que a nossa casa.

Particularmente memorável é a canção “Have Yourself a Merry Little Christmas”, interpretada magnificamente por Judy, que certamente teve um significado especial para os soldados e seus familiares na frente doméstica durante a Segunda Guerra Mundial, quando o filme foi feito.

A seqüência do Halloween foi a primeira deste tipo que Minnelli criou. Daí em diante quase não existe um filme dele que não tenha um sonho ou uma fantasia. Era a maneira do cineasta revelar o subconsciente de um personagem.

O Pirata

Farsa exuberante sobre as convenções da opereta e dos filmes de capa-e-espada, O Pirata / The Pirate / 1948 transcorre numa América Central do século XIX, bizarra e barroca.

O enredo diz respeito à jovem Manuela (Judy Garland), filha de uma família aristocrática que havia sido prometida em casamento ao prefeito da cidade, Don Pedro Vargas (Walter Slezak em deliciosa atuação) bem mais velho do que ela, feio e gorducho. Para esquecer sua desventura, Manuela sonha com um pirata aventureiro, o legendário Macoco (Gene Kelly), também conhecido como “Mack the Black”. Um ator itinerante cheio de energia, Serafin (Gene Kelly), apaixona-se por Manuela, mas ela está fascinada pela imagem do pirata. Para conquistar Manuela, o ator faz-se passar por Macoco, envolvendo-se em encrencas, até que o verdadeiro Macoco é desmascarado.

Sinfonia de Paris

Judy Garland interpreta belas músicas de Cole Porter, mas o melhor número é “The Pirate Ballet” com Gene Kelly numa paródia de Douglas Fairbanks e John Barrymore em sensacional coreografia acrobática, fotografada por Harry Stradling no technicolor agressivo, deliberadamente escolhido para o filme.

Kelly se apresenta também em plena forma num número de dança incrível ao lado dos Nicholas Brothers e noutro, acompanhado por belas dançarinas com vestidos de cores ousadas, cantando uma música muito agradável intitulada “Nina”, sem falar no clássico “Be a Clown”.

A primeira atriz escolhida para interpretar a personagem de Flaubert em A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949 foi Lana Turner, porém o Código de Auto-Censura achou-a “demasiado sexy”. Minnelli sugeriu então Jennifer Jones e, com ela, expressou, à maneira de Hollywood naturalmente, a alma sonhadora da heroína e os falsos valores da burguesia.

Contracenando com Jennifer estavam Van Heflin (Charles Bovary), Louis Jourdan (Rodolphe), Christopher Kent (Léon) e Gene Lockhart (J. Homais) enquanto James Mason encarnava Flaubert, servindo como narrador da intriga.

Particularmente brilhante é a seqüência do baile sob o som da valsa “neurótica” de Miklos Rozsa com Emma excitada rodopiando pelo salão e o espelho projetando o seu poder de sedução e as aspirações românticas.

Jennifer Jones tem um desempenho soberbo como Emma Bovary, comunicando perfeitamente o tédio e o temperamento sonhador da personagem e o seu desejo insaciável de satisfazer as suas fantasias, que a levam à degradação moral e ao suicídio.

Assim estava Escrito

Pandro S. Berman, o produtor de A Sedutora Madame Bovary, propôs outro filme a Minnelli – desta vez uma comédia, O Papai da Noiva / Father of the Bride / 1950 com um roteiro espirituoso da dupla Francis Goodrich / Albert Hackett, a mesma de O Pirata.

Dore Schary, Vice-Presidente da MGM encarregado da produção, havia prometido a Jack Benny o papel do pai de Elizabeth Taylor, mas Berman dissuadiu-o da idéia. Spencer Tracy ocupou o lugar de Benny e teve uma atuação muito engraçada como o chefe de família burguês às voltas com os preparativos do casamento da filha.

Com uma interpretação minimalista, Tracy, nos faz acreditar que é aquele homem exasperado, que está perdendo sua filha e ainda tendo que pagar por isso no desenrolar inexorável das peripécias. A certa altura, seu personagem, o advogado Stanley T. Banks, desabafa lamentosamente: “O que as pessoas vão dizer quando eu estiver na sarjeta porque tentei realizar um casamento como um imperador romano?” O pesadelo expressionista de Banks concretiza e exacerba as frustações e as angústias do personagem.

Minnelli terminou o filme em 28 dias e imediatamente se debruçou sobre os preparativos de Sinfonia de Paris / An American in Paris / 1951, bela homenagem à tradição artística da Cidade-Luz, culminando com o melhor balé cinematográfico de todos os tempos.

A Roda da Fortuna

São 17 minutos e dez segundos, inspirados sucessivamente nos estilos de Dufy, Utrillo, Rousseau, Renoir, Van Gogh e Toulouse Lautrec e na eletrizante partitura de George Gershwin, concebidos conjuntamente por Minnelli, Gene Kelly (coreografia com a preciosa assistência de Carol Haney e Jeanne Coyne), Preston Ames (direção de arte sob supervisão de Cedric Gibbons e assistência de Irene Sharaff para os figurinos) e John Alton (fotografia). Irene Sharaff e John Alton foram especialmente contratados para o balé.

Minnelli declarou numa entrevista: “A única ressalva que fiz durante as filmagens foi com relação ao trabalho do cinegrafista. Não tinha noção de clima. Por isso pedí que convocassem John Alton para fotografar o balé. Sabia que ele iria cuidar das mudanças de iluminação com a audácia – e a loucura – necessárias”.

O resto do filme é mais convencional com Gene Kelly namorando Leslie Caron (cogitadas, antes, Vera Ellen, Cyd Charisse, Sally Forest, Odile Versois), noiva de seu amigo (Georges Guetary).

O espetáculo ganhou seis Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original (Alan Jay Lerner), Fotografia em Cores (Alfred Gilks, John Alton), Direção Musical (Johnny Green, Saul Chaplin), Direção de Arte em cores (Cedric Gibbons, Preston Ames; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason), Figurinos em cores (Orry-Kelly, Walter Plunkett, Irene Sharaff) além de uma estatueta especial para Gene Kelly e o Irving Thalberg Memorial Award para Arthur Freed.

Retrato amargo e autêntico sobre Hollywood e ao mesmo tempo reflexão sobre a criação artística, Assim estava Escrito / The Bad and the Beautiful / 1952 examina, em chave melodramática, a personalidade de um produtor inescrupuloso e inspirado, Jonathan Shields (Kirk Douglas), que trai os colaboradores mais íntimos, a fim de conseguir os seus objetivos.

Sêde de Viver

Os três colaboradores, o diretor Fred Amiel (Barry Sullivan), a estrela Georgia Lorrison (Lana Turner) e o roteirista James Lee Bartlow (Dick Powell) são chamados pelo Chefe de Estúdio Harry Pebbels (Walter Pidgeon) para discutir a possibilidade deles voltarem a participar de um filme de Shields, com quem juraram jamais trabalhar novamente.

A historia é contada em retrospecto e cada qual relembra seu relacionamento com Shields e como foram eventualmente traídos por ele. Mas a ironia, como diz Pebbels, é que, apesar de tudo, eles obtiveram sucesso profissional graças a Shields. A questão levantada pelo filme é a seguinte: será possível perdoar uma conduta tão desrespeitosa como a de Shields? O sucesso de uma carreira é mais importante do que a amizade?

Com uma mise-en-scène irrepreensível, demonstrando conhecimento do tema e apresentando um sortimento de deslizantes movimentos de grua e travellings, admirável fotografia em preto e branco de Robert Surtees, inspirada partitura de David Raksin e os densos desempenhos do elenco principal (do qual fazem parte ainda Gloria Grahame e Gilbert Roland), o filme ocupa um lugar proeminente na filmografia Minnelliana, recebendo cinco Oscar da Academia: Melhor Roteiro Original (Charles Schnee), Fotografia em preto e branco (Robert Surtees), Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Direção de Arte em preto e branco (Cedric Gibbons, Edward Carfagno; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason) e Figurinos em preto e branco (Helen Rose).

A Roda da Fortuna / The Band Wagon / 1953 é um musical de bastidores sofisticado, contendo uma sátira aos meios teatrais e à rivalidade entre o showbusiness e o teatro culto.

Tony Hunter (Fred Astaire), ex-astro de Hollywood, cuja carreira está em declínio, tenta recuperar seu prestígio na Broadway, numa adaptação do “Fausto”, sob a direção de um intelectual extravagante, Jeffrey Cordova (Jack Buchanan). A consequência de sua decisão é desastrosa; porém Hunter, inconformado, resolve remontar a comédia musical de acordo com as suas idéias, ajudado pelos mesmos colaboradores do espetáculo fracassado: Cordova, os autores Lester e Lily Marton (Oscar Levant, Nannette Fabray) e a dançarina clássica Gabrielle (Cyd Charisse).

Na medida em que o filme se desenrola, Tony passa de “perdedor” alienado a líder de um círculo de colegas, descobrindo assim o seu amor por Gabrielle. Ele dá ao “show-dentro-do show” a energia e o foco de que precisava para se tornar um grande sucesso e, graças à admiração de seus companheiros, restaura sua auto-estima.

O maior destaque é o balé “The Girl Hunt” dançado por Fred Astaire e Cyd Charisse e coreografado por Michael Kidd, parodiando o romance policial americano como uma homenagem a Mickey Spillane. Porém há outros números magníficos como “Dancing in the Dark” (“dois corpos que se descobrem pela magia da coreografia” – Jean Tulard) e “Shine on Your Shoes” (com a participação preciosa do dançarino negro Le Roy Daniels).

. Inspirando-se na biografia romanceada de Irving Stone, usando dois fotógrafos notáveis (Freddie Young, Russel Harlan), a música de Miklos Rozsa e a semelhança física de Kirk Douglas e Anthony Quinn com Van Gogh e Paul Gauguin, Minnelli conseguiu fazer de Sede de Viver / Lust for Life / 1956, um filme digno do grande pintor holandês.

O filme segue a trajetória de Van Gogh em suas diversas fases no Borinage, em Arles e em Anvers-sur-Oise e as pinturas vão surgindo naturalmente das paisagens e da construção dramática de certos episódios de sua vida, refletindo sua alma atormentada, a obsessão pelas luzes e pelas cores, o desequilíbrio mental, enfim o gênio de um artista trágico.

Kirk Douglas nunca penetrou tão profundamente na criação de um personagem como este: ele conseguiu captar a paixão frenética com a qual Van Gogh pintava e transmitir perfeitamente a agonia pessoal do grande pintor. Anthony Quinn emprestou todo o seu vigor ao tipo original e curioso que era Gauguin, arrebatando o Oscar de Melhor Coadjuvante.

Em 1958 veio a consagração máxima para Minnelli com o Oscar de Melhor Direção por Gigi / Gigi, comédia musical apoiada no estudo de costumes da escritora francêsa Colette.

Gigi

Explorando magnificamente o universo da Belle Époque, Minnelli forjou, com a colaboração homogênea dos técnicos e dos intérpretes um espetáculo de encantamento visual, de preciosismo estético mesmo, que sintetiza perfeitamente o estilo do cineasta.

O romance de Colette é sobre uma adolescente, Gigi (Leslie Caron, após ter sido cogitada Audey Hepburn) treinada por uma tia (Isabel Jeans) e uma avó (Hermione Gingold) para ser uma grande cortesã. Gaston Lachaille (Louis Jourdan), rico, bonitão e entediado amigo da família que sempre tratara Gigi como uma irmãzinha mais nova, percebe de repente que ela cresceu e passou a despertar seu interesse como mulher. Maurice Chevalier interpreta o papel de Honoré, o tio de Gaston e é ao mesmo tempo o narrador da história.

O filme apresenta belas canções ressaltando-se “I Remember it Well”, interpretada por Chevalier e Hermione Gingold, quando os respectivos personagens recordam, sob um crepúsculo romântico, o seu antigo romance.

A Academia concedeu ainda os Oscar para Melhor Filme, Roteiro Adaptado (Alan Jay Lerner), Fotografia em cores (Joseph Ruttenberg), Direção de Arte (William A. Horning.

Preston Ames; decoração de interiores Henry Grace e Keogh Gleason), Figurinos (Cecil Beaton), Partitura de Musical (Frederick Lowe; direção musical de André Previn), Canção (Frederick Lowe com letras de A.J. Lerner), Montagem (Adrienne Fazan) além de um prêmio especial para Maurice Chevalier.

Numa declaração à imprensa a respeito do filme, Minnelli assim se manifestou: “Alan Jay Lerner tinha a maravilhosa qualidade de adaptar o trabalho de outras pessoas para um novo meio de expressão, conseguindo sempre manter o espírito da obra original. Agora estava assumindo a personalidade de Colette e não tive dúvida de que seria capaz de captar com perfeição o cinismo aborrecido da alta classe parisiense. Principalmente quando me mostrou o tratamento que dera a uma passagem do livro sobre os boatos acerca do suicídio frustrado de Liane (Eva Gabor) a cortesã, amante de Gaston antes do seu envolvimento com Gigi. Alan condensou todo o longo texto dialogado numa só frase maliciosa, de um personagem descrevendo como ela havia tentado acabar com a vida:“Oh, da maneira usual … veneno insuficiente”.

Os Quatro Cavaleirtos do Apocalipse

Deus Sabe Quanto Amei / Some Came Running / 1958, baseado no livro de James Jones (o autor de “From Here to Eternity”), é um melodrama estilizado que faz uma crítica da América do pós-guerra. É um retrato melancólico do cotidiano numa pequena cidade do meio oeste americano, enfocando o antagonismo entre a burguesia conservadora, hipócrita e intolerante e os marginais da sociedade.

Frank Sinatra encarna Dave Hirsch, escritor cínico e desiludido veterano da Segunda Guerra Mundial, que retorna malgré lui à sua terra natal, Parkham, Illinois. Ele transita por ambos os lados da linha divisória de respeitabilidade da cidade, relacionando-se com a família da alta-roda de seu irmão (Arthur Kennedy) e uma professora sexualmente reprimida, (Martha Hyer) e ao mesmo tempo com uma prostituta (Shirley MacLaine) e um jogador profissional (Dean Martin). Neste percurso entre dois mundos opostos e após um incidente trágico, Dave aprende o sentido da vida.

Minnelli usa admiravelmente a tela larga para revelar nas suas composições tanta informação sobre as relações entre os personagens quanto os diálogos e emprega a cor com sutileza durante todo o filme. Apenas na seqüência paroxística – quando a cidade é transformada em um verdadeiro parque de diversões fantasmagórico – as cores têm um rompante alucinatório, bem sublinhado pela música nervosa de Elmer Bernstein.

O filme deu a Shirley MacLaine um de seus melhores papéis. Na biografia, “Dance While You Can”, Shirley contou que o responsável por seu sucesso foi Frank Sinatra: “Sinatra disse para Minnelli e o chefe do estúdio: ‘Deixa a garota ser morta no final. Se ela morrer, ganhará mais simpatia e certamente será indicada para o Oscar’. Sinatra estava certo”.

Herança da Carne

A saga do Capitão Wade Hunnicut (Robert Mitchum), o patriarca texano todo-poderoso de Herança da Carne / Home from the Hill / 1960, que se vê atraído por um filho adulterino não reconhecido (George Peppard) após anos de desavenças com a mulher (Eleanor Parker) e o filho legítimo (George Hamilton), proporcionou a Minnelli nova oportunidade de demonstrar sua capacidade para lidar com o gênero melodrama, dando-lhe um esplendor pictórico em CinemaScope.

Um dos pontos altos do espetáculo é a caçada do javali selvagem, durante a qual o filho legítimo tenta provar que é tão varonil quanto o pai. A caçada foi filmada em duas locações distintas: nos pântanos sulfurosos fora de Paris e em Clarksville, no Texas.

O pequeno gabinete de Wade – cheio de troféus de caça, rifles na parede, poltronas de couro e três cães de caça deitados aos pés de seu dono no tapete de pele de urso – exprime muito bem o caráter do personagem. admiravelmente interpretado por Robert Mitchum..

Quando o filho legítimo confronta Wade a respeito do irmão e grita para ele:” Eu não quero nada de você” , a expressão facial de Mitchum diz tudo: o vazio de sua existência, a perda do amor, a perdição.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1961, suntuosa adaptação atualizada do célebre romance de Vincente Blasco Ibáñez, é a história de uma família de origem argentina, dividida entre o ramo alemão, nazista, e o ramo francês durante a Segunda Guerra Mundial.

O casal Desnoyers (Charles Boyer, Harriet McGibbon) tem dois filhos, Julio (Glenn Ford) e Chi-Chi (Yvette Mimieux) e o casal Von Hartrott (Paul Lukas, Kathryn Givney) tem três: Heinrich (Karl Boehm), Franz (Richard Franchot) e Gustav (Brian Avery). Todos são descendentes do latifundiário argentino Julio Madariaga (Lee J. Cobb). Após uma discussão violenta com seu filho e netos alemães, Madariaga evoca Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte) e morre de uma crise cardíaca. O outro neto de Madariaga, Julio, é um playboy que só quer saber de festas e não tem o menor interesse pelo que está acontecendo na Europa. Porém ele se apaixona por Marguerite Laurier (Ingrid Thulin dublada por Angela Lansbury), esposa de um líder da Resistência, Etienne Laurier (Paul Henreid) e muda de atitude, engajando-se na luta contra os opressores.

A predileção de Minnelli pela forma se manifesta de maneira exuberante. Auxiliado pela esplêndida fotografia de Milton Krasner, ele inunda de beleza cada cena e insere com inteligência seqüências de montagem da guerra enquanto que a trilha musical de André Previn dá intensidade às cenas que mostram Os Quatro Cavaleiros e reforça o romance de Julio e Marguerite com um lindo tema de amor, tornando o melodrama absorvente.

Neste filme, bem como em toda a sua obra, sobressai o requinte de imagens de Minnelli, o artista que se convenceu, tal como Flaubert, de que o objetivo mais alto da Arte é fazer sonhar.

LOUIS JOUVET

Embora seja mais lembrado hoje pela suas aparições no cinema, a maior contribuição de Louis Jouvet foi para o teatro francês. Jouvet era não só um grande ator e diretor como um ensaísta atento a todos os aspectos da dramaturgia.

Entretanto, foram os filmes, muitos dos quais são clássicos inquestionáveis do cinema francês, que preservaram o seu talento para a posteridade e permitiram que as gerações subseqüentes pudessem apreciar as qualidades desse grande artista.

Louis Jouvet

Jules Eugène Louis Jouvet nasceu em Crozon, na Bretanha em 24 de dezembro de 1887. Órfão de pai aos 14 anos, o adoslecente foi morar com sua mãe na casa de um tio em Rethel, nas Ardenas. Sua família queria que ele fosse farmacêutico, mas sua vocação era para o teatro. A partir de 1904, Jouvet estuda na faculdade em Paris e, paralelamente, presta concurso para o Conservatório de Arte Dramática, tendo sido reprovado três vezes.

Em 1913, com seu diploma de farmacêutico no bolso, Jouvet é contratado, juntamente com seu amigo Charles Dullin, por Jacques Coupeau, diretor do Théâtre du Vieux-Colombier,

Em 1922, após ter servido como enfermeiro de ambulância durante a Primeira Guerra Mundial, Jouvet começa sua carreira de diretor, instalando sua própria companhia, a Comédie des Champs Elysées, onde obteve grande sucesso com a peça “Knock ou le triomphe de la médecine” de Jules Romains.

Edwige Feuillère e Louis Jouvet em Topaze

Gaston Baty, Charles Dullin, Georges Pitoeff e Louis Jouvet fundam em 1927 uma associação de ajuda mútua, o “Cartel des Quatre”, que durará até 1940, com o objetivo de “fazer com que o teatro crie uma poesia que lhe seja própria e encenar autores contemporâneos”.

Em 1928, Jouvet conhece Jean Giraudoux e, a partir de 1935, dirige o l’Athénée, onde triunfa com as peças de Molière, de Giraudoux (“La guerre de Troie n’aura pas lieu”, “Electre”, “Ondine”, etc.) e diversas outras do repertório clássico.

Apaixonado pelo teatro, Louis Jouvet não cessa de transmitir esta paixão, lecionando no Conservatório desde 1934. Cioso de sua independência, ele recusou o posto de administrador da Comédie Française, temendo sem dúvida perder a sua liberdade.

 Em junho de 1941, no contexto da guerra e da ocupação alemã, Jouvet e sua companhia partem para a América do Sul, chegando ao Rio de Janeiro, vinte dias depois, para a estréia da temporada. A tournée, prevista para durar pouco tempo, recebeu de início o patrocínio do governo de Vichy e posteriormente foi apoiada pelas forças da Resistência, tendo durado quase quatro anos. Apresentando-se por vêzes, em condições bastante precárias, Jouvet e sua troupe viveram situações difíceis, iguais àquelas por que passam os grupos mambembe.

Quem quiser saber mais sobre esse período da carreira de Jouvet procure na internet a interessantíssima monografia de Heloisa Pontes, “Louis Jouvet e Henriette Morineau, o impacto de suas presenças na cena teatral brasileira”, de onde colhemos os dados acima transcritos.

 

Jouvet voltou para a França em 1945 e retomou suas atividades no l’Athénée, que depois mudou o seu nome para l’Athénée Louis Jouvet. Ali ele criou “La Folle de Chaillot” e no dia 30 de julho de 1950 recebeu a Legion d’honneur.

 Doente do coração, Jouvet morreu no dia 16 de agosto de 1951 em conseqüência de um enfarto no seu teatro, quando ele dirigia um ensaio da peça “The Power and the Glory” de Graham Greene.

Em 1932, aos 45 anos de idade Jouvet penetrou com circunspecção nos estúdios da Paramount em Saint Maurice / Joinville, para personificar Topaze ao lado de Edwige Feuillère. Ele faria 32 filmes (dos quais eu tive a sorte de ver 25 – não conheço: Mister Flow /1936, A Marca do Fogo / Forfaiture / 1937, Ramuntcho / 1937, O Drama de Shanghai / Le Drame de Shanghai / 1938, Éducation de Prince / 1938, Sérénade / 1939, e Loucuras de uma Época / Lady Paname / 1948, mas ainda tenho esperança de vê-los).

 

Lembro-me muito bem de todos os personagens que ele interpretou nas telas nesses filmes que pude ver: Auguste Topaze, humilde professor em Topaze / 1932 (Dir: Louis Gasnier), doutor Knock em Knock (Dir: Louis Jouvet, Roger Goupillières) / 1933, capelão em A Quermesse Heróica / La Kermesse Héroique (Dir: Jacques Feyder) / 1935, Simonis, agente alemão em Mademoiselle Docteur / Salonique, nid d’espions ou Mademoiselle Docteur (Dir: G. W. Pabst), barão Débile, aristocrata arruinado em Basfonds / Les Bas-Fonds / 1936 (Dir: Jean Renoir), Pierre Verdier, chamado de Jo, advogado que se tornou chefe de uma quadrilha de assaltantes em Um Carnet de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 (Julien Duvivier), Archibald Sope, arcebispo desconfiado e hipócrita em Família Exótica / Drôle de Drame / 1937 (Dir: Marcel Carné), Roederer em A Marsellhesa / La Marseillaise / 1937 (Dir: Jean Renoir), o chantagista Rossignol em Pecadoras de Tunis / La Maison du Maltais / 1938 (Dir: Pierre Chenal), comissário Calas em L’Alibi / 1938 (Dir: Pierre Chenal), M. Lambertin, professor de teatro em Entrée des Artistes / 1938 (Dir: Marc Allégret), o imponente e egoísta Saint-Clair, ex-Don Juan agora no retiro de velhos artistas em La Fin du Jour / 1938 (Dir: Julien Duvivier), M. Edmond, o rufião de Hotel do Norte / Hotel du Nord / 1938 (Dir: Marcel Carné), Georges, cocheiro da charrete fantasma em O Fantasma da Esperança / La Charrete Fantôme / 1939 (Dir: Julien Duvivier), Mosca em Volpone / Volpone / 1940 (Dir: Maurice Tourneur), Pierre Froment (o pai) e seu filho Félix em França Eterna / Untel Père et fils / 1940 (Dir: Julien Duvivier), Jean-Jacques, diretor de uma companhia de balé em Un Revenant / 1946 (Dir: Christian-Jaque), Gérard Favier, compositor célebre em Les Amoureux sont seuls au Monde / 1947 (Dir: Henri Decoin), M. Dupon, modesto empregado de uma fábrica de botões e seu sósia, Manuel Ismora, um ladrão audacioso em Estranha Coincidência / Copie Conforme / 1947 (Dir: Jean Dréville), inspetor Antoine em Crime em Paris / Quai des Orfévres / 1947 (Dir: Henri-Georges Clouzot), inspetor Carrel em Entre Onze e Meia-Noite / Entre Onze Heures et Minuit / 1948 (Dir: Henri Decoin), Monchablon, o pitoresco diretor de uma companhia de teatro ambulante em Miquette et sa Mère / 1949 (Dir: Henri-Georges Clouzot), Jean Girard, ex- prisioneiro de guerra em um esquete de Retour à la Vie / 1949 (Dir: Henri-Georges Clouzot), doutor Knock em Knock / 1951 (Dir: Guy Lefranc), inspetor Ernest Plonche em Romance Proibido / Une Histoire d’Amour / 1951 (Dir: Guy Lefranc).

ouis Jouvet e Erich von Stroheim em L'Alibi

Com um corpo longilíneo e um jeito de andar meio arrastado, Jouvet hipnotizava as platéias com uma maneira de atuar marcada antes de tudo por uma dicção sincopada. Esta singularidade o distinguia imediatamente (pode-se dizer a mesma coisa da voz de Sacha Guitry ) e foi em grande parte responsável pela sua celebridade.

Victor Francen, Louis Jouvet, Michel Simon em La Fin du Jour

Algumas cenas inesquecíveis do grande ator: a conversa entre Débile e o ladrão seu amigo (Jean Gabin) quando, deitados na relva, contam suas vidas em Basfonds; o célebre diálogo enigmático entre o arcebispo de Bedford e Molyneux (Michel Simon) em Família Exótica (“Eu disse bizarro, bizarro? Como é estranho … (…) Eu disse bizarro, como é bizarro”); o confronto entre o astucioso inspetor Calas e Winkler (Erich Von Stroheim), o assassino arrogante e zombeteiro em L’Alibi; Pierre Verdier em Um Carnet de Baile murmurando melancolicamente os versos de Verlaine, que ele dizia outrora para a mulher amada; o sermão que o professor Lambertin passa para os tios rabugentos em Entrée des Artistes, defendendo a causa de sua discípula na lavanderia: “Lavar em família a roupa suja dos outros, você chamam isso de profissão?”; em La Fin du Jour uma velha atriz que está no asilo, mostra a Saint-Clair o retrato do filho, lhe revela que ele é o pai, e que o rapaz morreu. Saint-Clair parece se comover e pergunta:”Quantos anos tinha?”. “Vinte e oito anos”, ela responde. “A idade de um jovem galã”, diz ele secamente e logo se afastando; e a mais famosa de todas em Hotel do Norte. Depois de uma briga, Edmond diz para Raymonde (Arletty), a prostituta que “trabalha” para ele: “Preciso mudar de atmosfera, e minha atmosfera é você”. Incapaz de compreender o que ele quis dizer, Raymonde toma a palavra atmosfera como um insulto e responde, exagerando as vogais abertas com seu estridente sotaque parisiense: “Atmosfera!Atmosfera! Eu tenho cara de atmosfera?”. São apenas alguns exemplos.

Louis Jouvet sempre esteve impecável em qualquer papel, mas o meu preferido é o do inspetor Antoine em Crime em Paris, uma das obras-primas de Henri-Georges Clouzot. Neste filme, Jenny Lamour (Suzy Delair), cantora de music-hall, é casada com Maurice Martineau (Bernard Blier), que a acompanha ao piano. Jenny aceita jantar com Brignon (Charles Dullin), velho produtor libidinoso que lhe prometera um emprego no mundo do cinema. Ao saber disso, o ciumento Maurice forja um álibi e corre para matá-los. Porém ele encontra o velho morto e foi Jenny que o matou. Pelo menos é isso que Jenny conta para sua amiga Dora, uma fotógrafa, que tem por ela um amor sem esperança. O inspetor Antoine investiga e, naturalmente, as suspeitas recaem sobre Maurice.

Renée Devillers, Louis Jouvet e Dany Robin em Les Amoureux sont seuls au Monde

Suzy Delair e Louis Jouvet em Crime em Paris

Durante o inquérito policial, desfila uma galeria de tipos humanos interessantes que são observados pelo lúcido inspetor. Ele educa um menino negro (“única lembrança trazida das colônias além do impaludismo”) e esconde sua humanidade sob uma máscara de frieza e de ironia. É respeitoso com seus superiores, jovial com sua equipe, ameaçador com as testemunhas e interrogador paciente (às vezes brutal). Antoine nunca conseguiu ser promovido a comissário, não por ser incompetente, mas simplesmente porque não possuía a postura necessária. A certa altura da narrativa, depois de ouvir Jenny lamentando-se de sua infância difícil, o inspetor retruca sarcasticamente: “Meu pai morava num belo castelo. Ele era um lacaio e pago para limpar as sujeiras dos outros. Eu seguí os seus passos”. Para compor um tipo como este, a arte de Jouvet chegou ao auge.

 

LÍDA BAAROVÁ E JOSEPH GOEBBELS

Lída Baarová, cujo verdadeiro nome era Ludmila Babková (1914-2000), foi uma das atrizes mais célebres da Checoslováquia nos anos trinta e trabalhou também em filmes alemães, italianos e espanhóis, conquistando maior popularidade no período em que atuou como contratada da UFA. Porém Lída ficou mais conhecida por sua vida fora das telas como amante de Joseph Goebbels, o poderoso Ministro da Propaganda e Informação do regime hitlerista.

A carreira de Lída Baarová começou em 1931, quando tinha 17 anos. Ela era muito bonita e possuía o que se chama hoje de sex appeal. Portanto não podia deixar de ser notada pelos realizadores de filmes. Lída queria ser atriz e foi estudar interpretação no Conservatório de Praga; mas não terminou o curso, porque foi convidada para fazer o primeiro filme no seu país natal, Kariéra Pavla Camrdy (ao pé da letra, A Carreira de Pavel Camrda), dirigido por Miroslav Krnansky.

Em 1935, Lída aceitou a oferta da UFA, o grande estúdio da Alemanha, para protagonizar, ao lado de Gustav Fröhlich, o filme Barcarola / Barcarole, dirigido por Gerhard Lamprecht, que se converteu num sucesso de bilheteria. O ator era casado e tinha uma filha, mas Lída e Gustav se apaixonaram e foram morar juntos.

O destino da jovem atriz poderia ter sido diferente se um dia ela não tivesse encontrado Joseph Goebbels, quando este acompanhava Hitler numa visita aos estúdios da UFA. Goebbels ficou fascinado pela jovem atriz e louco de amor por ela. Um dos personagens mais sinistros da Segunda Guerra Mundial, Goebbels tinha um corpo franzino, pequena estatura e um pé aleijado; porém, apesar destas desvantagens, ele fascinava as pessoas por seu carisma e sua inteligência incontestáveis.

Goebbels era casado e já pai de três filhos. Ele começou o seu plano de conquistar Lída, convidando o casal Baarová-Fröhlich para diferentes reuniões sociais e durante meses assediou Lída implacavelmente.

Em 1937, depois de ter feito dois filmes “patrióticos” sob a direção de Karl Ritter, muito apreciados no Brasil, Traidores / Verräter e Entre Duas Bandeiras / Patrioten, Lida recusou uma proposta vantajosa da Metro-Goldwyn-Mayer, decisão da qual se lamentaria anos mais tarde: “Eu poderia ter sido tão famosa quanto Marlene Dietrich”. Goebbels jamais a deixaria abandonar a UFA para fazer cinema em Hollywood e ela se conformou, alegando para a imprensa que não queria se separar de seus pais.

Lída Baarová, Gustav Froelich conversam com Goebbels

Finalmente, Goebbels deu um beijo em Lída, dizendo: “Nunca tive na minha vida um amor por uma mulher como o que tenho por você”. A atriz sucumbiu ao charme do braço direito de Hitler e os dois concordaram que continuariam se encontrando às escondidas de Magda e de Fröhlich.

Os rumores deste relacionamento chegaram até Magda que, a princípio, decidiu ignorar o fato, acostumada com as aventuras do marido. Os mesmos rumores chegaram também a Fröhlich, apesar dos esforços de Lída para manter sua relação com Goebbels em segredo. Diferentemente da esposa de Goebbels, Fröhlich não ficou de braços cruzados. Seguiu os dois amantes, surpreendendo-os na entrada do chalé que Goebbels tinha comprado para seus encontros amorosos.

 

A vida de Lída está cercada de lendas. Para um biógrafo, Lída contou que Fröhlich esbofeteou Goebbels e, para outro, que Fröhlich esbofeteou-a quando soube de tudo. Consta ainda que, por vingança, Goebbels suspendeu a isenção do serviço militar que Fröhlich tinha em virtude de sua condição de ator e mandou-o para a frente de batalha.

No outono de 1938, tocou o telefone de Lida: era Goebbels, que se encontrava muito excitado, porque acabara de confessar para sua esposa o romance que ele e Lída mantinham.

Mais adiante, Magda telefonou para Lída e tiveram uma conversa, na qual Magda disse: “Sou a mãe dos filhos dele e estou somente interessada no que ocorre na casa onde ele vive, tudo o que sucede fora dela não tem nada a ver comigo”. Magda só pediu a Lída uma coisa: “Deves prometer-me que não terás um filho dele”.

Patrioten

Passaram-se os dias, mas Magda sofria, vendo seu esposo loucamente enamorado de Lída Baarová. A situação terminou por explodir, quando Magda soube que Goebbels havia presenteado Lída com uma linda pulseira de ouro. A esposa do gênio da propaganda, com as provas do adultério colhidas pelo secretário de Goebbels, Hans Hanke (amigo íntimo de Magda e dizem que seu amante), resolveu então recorrer a Hitler, expondo-lhe todo o caso. Hitler se mostrou compreensivo, recusando a todo momento a sua proposta de divórcio, até convencê-la de que, para o bem do partido e de seus próprios filhos, deveria ficar junto de Goebbels.

Dois dias após o encontro com Magda, Hitler mandou chamar seu Ministro para reprovar a sua conduta. Para surpresa de Hitler, Goebbels se mostrou determinado a renunciar à sua carreira no partido nazista, oferecendo seus serviços como cônsul em Tóquio, para onde estava disposto a viajar, supostamente na companhia da jovem amante. Hitler rechaçou esta idéia absurda – não queria que o matrimônio dos Goebbels, que encarnava o protótipo da família nazista, se rompesse.

Lída Baarová e Willy Fritsch em Preussische Liebesgeschichte

Lída, que havia acabado de filmar Preussische Liebesgeschichte (História Prussiana de Amor), dirigido por Paul Martin e co-estrelado por Willy Fristch, foi chamada para uma delegacia de polícia, onde foi intimidada, proibida de trabalhar nos estúdios cinematográficos da Alemanha e de participar de qualquer ato social. Em março de 1941, desobedecendo às ordens de permanecer no país, Lída deixou Berlim, regressando para Praga. Ali, graças ao produtor Miloù Havel, participou de alguns filmes checos e peças teatrais. O filme com Fritsch foi proibido e seria lançado somente em 1950, recebendo outro título: Liebeslegend (Lenda de Amor).

Com a ocupação alemã na sua pátria, Lida foi proibida de trabalhar também em Praga e então viajou para a Itália, a fim de continuar sua carreira de atriz, vindo inclusive a fazer um filme com Fellini, Os Boas Vidas / Vitelloni em 1953. Depois, ela prosseguiria diante das câmeras no cinema espanhol até 1957.

Lída viu Goebbels pela última vez no Festival de Veneza de 1942. Segundo Baarová escreveu em suas memórias – “Die süsse Bitterkeit meines Lebens’ (A Doce Amargura de Minha Vida), publicada postumamente – Goebbels, ao vê-la, não lhe deu a menor atenção. Ela contou:“Ele deve ter me reconhecido, mas não fez o menor gesto. Era o mestre do auto-contrôle”.

Quando os russos estavam se aproximando, os Goebbels abandonaram sua residência em Schwanenwerder. Ajudado por um colega do partido, Goebbels eliminava a sua correspondência e certos documentos pessoais, entre os quais aparece uma foto que lhe havia sido dedicada por Lida Baarová. Antes de jogá-la no fogo, Goebbels teria exclamado: “Aquí está uma mulher de beleza perfeita”.

Lída Baarová

Em 1945, Lída foi presa pelos americanos e brevemente encarcerada por colaboração. Sua mãe teve uma crise cardíaca no curso do interrogatório. A irmã, Zorka Janú, que também era atriz, se suicidou em março de 1946. Goebbels e sua esposa ficaram com Hitler no bunker, tirando suas próprias vidas e as de seus seis filhos.

Em 1949, Lída casou-se com Jan Kopecký, do qual se divorciou em 1956. Em 1959, ela emigrou para a Áustria, onde contraiu matrimônio com o médico sueco, Dr. Kurt Lundwall, e permaneceu até o fim de seus dias.

Lida sofria da doença de Parkinson e faleceu no ano 2000, em Salzburg, na propriedade que herdou após a morte de seu último marido.

BUSTER KEATON

Buster Keaton era considerado um grande comediante nos anos 20. Mas somente a partir da década de 60 os críticos reconheceram que seus filmes possuíam tanto valor artístico quanto os de Chaplin e passaram a considerá-lo também um gênio do Cinema.

Buster Keaton

Ambos foram excelentes cineastas, porém Keaton, ao contrário de Chaplin, deixou de lado o sentimento e levou a comédia puramente física à sua maior expressão. Como disse James Agee, ele foi “um inventor maravilhosamente criativo de situações cômicas de características mecânicas”.

Como observou Imogen Sara Smith (Buster Keaton, The Persistence of Comedy, Gambit, 2008), as cenas acrobáticas de Keaton são únicas, porque ele era antes de tudo um ator e comediante. Como ele próprio explicou: “Stuntmen não provocam o riso”. Keaton nunca se contentava em empolgar o público com seu atletismo: ele usava o seu incrível equilíbrio, agilidade e contrôle muscular para comunicar, para contar a história com o seu corpo.

Buster Keaton, Fatty Arbuckle, Al St.John

Keaton quís simplesmente fazer graça inventando, com incrível meticulosidade e impecável noção de rítmo, gags que chegavam aos limites do absurdo e serviam tanto à narrativa quanto ao personagem.

Apesar de seu semblante rígido e impertubável, o herói keatoniano – autoconfiante, intrépido, infinitamente expedito e infatigável – não fica imóvel diante das adversidades extravagantes nas quais se vê envolvido. Ele age e, graças à sua extraordinária capacidade atlética e engenhosidade, triunfa sobre elas. Cada obstáculo o encontra sempre pronto para a ofensiva. Na maioria das vezes, o seu corpo de pernas curtas, mas flexível e eloqüente, trava épicas batalhas, quase sempre contra os objetos ou a natureza.

O Enrascado

Nas cenas estruturadas com rigor matemático e graça coreográfica (alguém chegou a chamá-lo de “Fred Astaire” do slapstick) seus inimigos podem ser um dinossauro (À Antiga e À Moderna ou A Idade da Pedra / The Three Ages / 1923), uma cachoeira (Nossa Hospitalidade / Our Hospitality / 1923), um navio abandonado (Marinheiro por Descuido / The Navigator / 1924), uma turba de mulheres assanhadas (Os Sete Amores / Seven Chances /1925), um rebanho de gado (Vaqueiro Avacalhado / Go West / 1925), uma locomotiva (O General / The General /1927), uma tribo de índios (A Prova de Fogo / The Paleface / 1922), um bando de chineses (O Homem das Novidades / The Cameraman / 1928), um furacão ((Marinheiro de Encomenda / Steamboat Bill Jr. / 1928), um massudo boxeador (Boxe por Amor / Battling Butler /1926), toda a fôrça policial de Nova York (O Enrascado / Cops / 1922) ou mesmo os precipícios, selvas e leões de um mundo que, como projecionista sonhador, encontra, penetrando através de uma tela de cinema (Bancando o Águia / Sherlock Jr. / 1924).

Nossa Hospitalidade

Diante das câmeras “O Homem que não Ri”, com sua máscara marmórea e melancólica, olhos grandes e tristes, colarinho folgado, enorme gravata e chapéu achatado, Keaton desafia a lei da gravidade, fazendo malabarismos espantosos. Atrás delas, revela-se um cineasta prodigiosamente moderno.

Joseph Frank Keaton nasceu em 4 de outubro de 1895, na aldeia de Piqua, Kansas, filho de artistas itinerantes. Aos seis meses de idade, ganhou o apelido de “Buster”, quando Harry Houdini, que trabalhava com seus pais, ao vê-lo rolar por uma escada, exclamou: “That’s some buster your baby took” (Que tombo incrível seu filho levou).

Bancando o Águia

Quase ao completar três anos foi levado da janela de um segundo andar, por um ciclone, sendo milagrosamente pousado no meio de uma rua deserta. Segundo uma boa anedota, alguém o encontrou e o trouxe de volta para seus progenitores dizendo: “Vocês não são do teatro? Isto aqui é seu?”.

Perto do quarto aniversário, ele se uniu aos pais (Joe e Myra) em um número de vaudeville, The Three Keatons, no qual, usando uma careca e suiças falsas, parecia indestrutível, ao ser usado como se fosse um “pano de chão humano” e depois sendo jogado nos bastidores ou no fosso da orquestra.

Numa entrevista feita em 1948, Alex Viany soube que o trio esteve no Rio de Janeiro em 1909, exibindo-se no Pavilhão Internacional existente no princípio do século no local onde, mais tarde, se ergueria o Cinema Central (depois Eldorado) e hoje é o edifício da Caixa Econômica Federal (Avenida. Rio Branco).

Aos 21 anos, o jovem resolveu tentar sozinho outro tipo de espetáculo, conseguindo ser admitido na revista The Passing Show of 17, encenada no Winter Garden de Nova York, cidade onde conheceu Roscoe Arbuckle, que o levou para o Cinema.

Marinheiro por Descuido

Em 1913, por causa da antipatia que o pai tinha pelas máquinas em geral, inclusive o cinematógrafo, Keaton havia perdido uma oportunidade de contato com o novo meio de expressão. William Randolph Hearst mandou convidar os Keaton para fazerem um seriado baseado na história em quadrinhos Bringing Up Father (Pafúncio e Marocas), de George McManus, mas o velho Joe recusou.

O primeiro filme de Keaton foi Com Culpa no Cartório / The Butcher Boy / 1917 e, até 1920, ele contracenou com Fatty Arbuckle, integrando a equipe da Comique Film Corporation de Joseph Schenck, que produzia para a Paramount.

As tramas das comédias eram bastante simples e, nelas, o personagem de Keaton ajudava o gorducho Fatty (conhecido no Brasil como Chico Bóia) a triunfar sobre seu rival (Al St. John) na disputa do coração da mocinha (Alice Lake).

Em 1920, após 16 curtas-metragens, nos quais aprendeu os segredos da câmera, Keaton separou-se de Arbuckle. Este passou a ser artista exclusivo de Adolph Zukor e Keaton, aceitando convite de Marcus Loew, fez para a Metro um longa-metragem, O Pesado / The Saphead.

Enquanto isso, Schenck alugou o antigo estúdio de Chaplin em Lillian Way, rebatizou-o de Buster Keaton Studio e se associou ao futuro parente (Keaton viria a se casar com Natalie Talmadge, irmã de Norma Talmadge, mulher de Schenck), incumbindo-o de escrever, produzir, dirigir e interpretar comédias para a Buster Keaton Film Company, retendo, para si e outros sócios, as ações da companhia.

A General

Keaton contava com uma equipe formidável: o cinegrafista Elgin Lessley, o diretor de arte Fred Gabourie, Eddie Cline (que ajudava Keaton nas funções de diretor) e os gagmen Jean Havez, Clyde Bruckman e Joseph Mitchell.

Entre as comédias curtas desta fase estavam várias obras-primas: Uma Semana / One Week / 1920, O Faz-Tudo / The Playhouse / 1921, Um Grande Navegante / The Boat / 1921, A Prova de Fogo / The Paleface / 1922, O Enrascado, A Casa Elétrica / The Electric House / 1922, Sonho e Realidade / Day Dreams / 1922, embora Keaton manifestasse posteriormente sua predileção por Com Pouca Sorte / Hard Luck / 1921.

Por volta de 1923, a popularidade de Keaton tornara-se imensa em todo o mundo. Artisticamente, ele começava a chegar ao auge e Schenck, percebendo que o comediante estava sendo desperdiçado em comédias curtas, mostrou-lhe a conveniência de realizar longas-metragens.

Todos os filmes deste período têm esplêndidos momentos, porém existe um consenso a respeito dos melhores: Nossa Hospitalidade, Bancando o Águia, Marinheiro Por Descuido, Os Sete Amores, Vaqueiro Avacalhado, A General, O Homem das Novidades e Marinheiro de Encomenda – se você não os conhece, eles estão na magnífica caixa com 11 discos da Kino Vídeo.

Então Keaton cometeria aquele que definiu como o pior erro de sua vida: Schenck, convenceu-o a ser astro contratado da Metro. A partir daí, esmagado pelo sistema de severa supervisão do estúdio, perdeu a liberdade e o entusiasmo e nunca mais alcançou o nível de seus filmes mudos.

Schenck prometeu a Keaton que ele iria trabalhar do mesmo jeito como vinha trabalhando; apenas sob a supervisão de seu irmão Nicholas, na ocasião um produtor da Metro. O contrato era lucrativo. Keaton ganharia três mil dólares por semana e uma percentagem sobre os lucros. Keaton tinha pouco dinheiro, pois gastara uma fortuna na compra de uma enorme mansão. De modo que não tinha condições de se tornar o seu próprio produtor como Charles Chaplin e Harold Lloyd. Ele também reconhecia que, ao contrário de seus famosos rivais, não tinha vocação para negócios. Chaplin e Lloyd tentaram convencer Keaton a não assinar contrato com a Metro advertindo-o de que perderia sua liberdade criativa. Mas o que ele podia fazer?

Em 1959, Keaton ganhou um prêmio especial da Academia por “ter realizado filmes que serão projetados enquanto durar o Cinema”. Em 1962, organiza-se uma retrospectiva de sua obra na Cinemateca Francesa e, homenageado no Festival de Veneza, o grande comediante recebe uma ovação estrondosa, começando, a partir desses acontecimentos, a sua ressurreição no âmbito cinematográfico.

Pouco tempo depois, em 1º de fevereiro de 1966, Keaton vem a falecer, vítima de um câncer no pulmão, na sua granja em Woodland Wills, no vale de San Fernando.

Na ocasião do tributo em Veneza, confidenciara amargamente a uma amiga: “Certo, isto tudo foi ótimo. Mas aconteceu com 30 anos de atraso”.

O Homem das Novidades

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes mudos que foram exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil de Azevedo Araújo): 1917: COM CULPA NO CARTÓRIO / The Butcher Boy; ROMEU DE ESQUINA / A Reckless Romeo; A CASA DO SENHOR SANCHO / The Rough House; A NOITE DO CASAMENTO / His Wedding Night; O DR. JALAPA / Oh, Doctor!; FATTY EM CONEY ISLAND/ Coney Island/ 1918: O FISCAL FINÓRIO / Moonshine; PARODIANDO SALOMÉ / The Cook. 1919: FAZENDO CARREIRA TORTA / Back Stage; HERÓI DO DESERTO / A Desert Hero. 1920: O VENDEDOR DE AUTOMÓVEIS / The Garage; O PESADO / The Saphead; UMA SEMANA / One Week; O CONDENADO Nº13 / Convict 13; O ESPANTALHO / The Scarecrow; 1921: VIZINHOS VIGILANTES / Neighbors; A CASA MALUCA / The Haunted House; COM POUCA SORTE / Hard Luck; MELHOR QUE A ENCOMENDA / The High Sign; BODE EXPIATÓRIO / The Goat; O FAZ-TUDO / The Playhouse; UM GRANDE NAVEGANTE / The Boat. 1922: A PROVA DE FOGO / Paleface; O ENRASCADO / Cops; A PARENTELA DA ESPOSA / My Wife’s Relations; FERRADURAS MODERNAS / The Blacksmith; NO PAÍS DOS GELADOS / The Frozen North; SONHO E REALIDADE / Day Dreams; A CASA ELÉTRICA / The Electric House.1923: O AERONAUTA / The Balloonatic.

NO ALTO-MAR / The Love Nest; A IDADE DA PEDRA ou À ANTIGA E À MODERNA / The Three Ages; NOSSA HOSPITALIDADE / Our Hospitality. 1924: BANCANDO O ÀGUIA / Sherlock Jr.; MARINHEIRO POR DESCUIDO / The Navigator. 1925: OS SETE AMORES / Seven Chances; VAQUEIRO ESTILIZADO / Go West. 1926: BOXE POR AMOR / Battling Butler; O GENERAL / The General. 1927: AMORES DE ESTUDANTE / College. 1928: MARINHEIRO DE ENCOMENDA / Steamboat Bill Jr.; O HOMEM DAS NOVIDADES / The Cameraman. 1929: O NOIVO CARA…DURA / Spite Marriage.