PROCÓPIO FERREIRA NO CINEMA

março 12, 2011

Procópio Ferreira foi uma das mais fulgurantes personalidades dos palcos brasileiros, formando com João Caetano, Correa Vasques, Brandão, Leopoldo Fróes e Jaime Costa o sexteto máximo de um ciclo áureo do nosso Teatro. Fez de tudo na ribalta, resplandecendo como trágico e como cômico, arrancando lágrimas e sorrisos, com sua invulgar presença cênica  e o domínio absoluto dos gestos, das pausas e da inflexões, sempre aplaudido com muito carinho pelo público.

João Alvaro de Jesus Quental Ferreira nasceu no Rio de Janeiro a 8 de julho de 1898, filho dos portugueses Francisco Firmino Ferreira e Maria de Jesus Quental Ferreira. Na infância  – segundo uma tia – parecia “o diabo em figura de gente” de tão levado, estudando na Escola Modelo Afonso Pena e depois no Mosteiro de São Bento, onde tomou juízo e se revelou aluno aplicado.

Concluído o curso secundário, entrou para a Faculdade de Direito, mas seu destino já estava traçado. No decorrer do primeiro ano, abandonou o estudo das leis e, seguindo sua irresistível vocação, matriculou-se na Escola Dramática Municipal. Numa solenidade da Escola, um fotógrafo apanhou um flagrante da aula de Coelho Neto, onde estava o aluno João Alvaro, e publicou-o em O Imparcial, jornal que era lido pelo pai deste: Seu Francisco ficou furioso ao verificar que o filho havia ingressado na Escola sem lhe dar satisfação e o expulsou de casa, obrigando-o a procurar emprego, para se sustentar. Através de um anúncio no Jornal do Brasil, o rapaz conseguiu lugar no escritório do advogado Virgilio de Mattos, ganhando ordenado de 36 mil-réis mensais, para varrer as salas e fazer alguns serviços externos no Forum.

Terminado o curso da Escola Dramática, João Alvaro foi um dos alunos escolhidos para integrar a Companhia de Lucilia Peres no Teatro Carlos Gomes, estreando em 22 de março de 1917 na peça Amigo, Mulher e Marido, adaptação de L’Ange du Foyer de Flers e Caillavet.

Em fins de 1917, vamos encontrá-lo no Teatro Politeama, no Méier, especializado em operetas e revistas e, em 1918, estava na Companhia Itália Fausta, participando em todo o repertório, de Antígona a Ré Misteriosa. Neste tempo, Gomes Cardim vaticinou: ”Esse menino será um dos grandes atores cômicos do Brasil”.

Como seu nome era muito comprido para figurar nos cartazes, João Alvaro mudou-o para Procópio, por sugestão de Paulo Magalhães, inspirado no famoso Café Procope de Paris e também em São Procópio.

João Alvaro conquistou então seu primeiro grande êxito, o que realmente chamaria a atenção para a sua pessoa, fazendo o papel do Zé Fogueteiro, na opereta A Juriti de Viriato Corrêa, encenada em 1919 no Teatro São Pedro (atualmente João Caetano), com Abigail Maia a frente do elenco. R. Magalhães Júnior, no livro As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, assim descreve o acontecimento: “Era uma ponta. Mas o atorzinho pequeno, feio, narigudo, parecia endiabrado. Dir-se-ia que tinha apostado com os colegas que haveria de suplantá-los a todos por mais escassas que fossem as linhas que tivesse de recitar”.

Em 1920, convidado por Alexandre de Azevedo e Antônio Serra, que estavam organizando uma companhia para o Teatro Trianon, Procópio deu mais um passo à frente, tornando grandes os pequenos papéis, tirando deles um rendimento artístico e cômico, que muitas vezes  ultrapassava a expectativa dos autores.

Um ano depois Procópio volta a fazer parte da Companhia Abigail Maia. São desta fase de sua carreira as peças Demônio Familiar, Levada da Breca, Manhãs de Sol, Ministro do Supremo, A Vida é um Sonho, Onde Canta o Sabiá e outras, nas quais o trabalho do jovem ator foi muito elogiado.

No ano seguinte, Oduvaldo Viana, Viriato Corrêa e Niccolino Viggiani organizam uma nova companhia no Trianon, mas Procópio nela ficou por pouco tempo. Com a saída de Oduvaldo Viana, os outros dois sócios preferiram recorrer ao talento de Leopoldo Fróes.

Com a experiência adquirida até então, Procópio organiza, em 1924, a sua própria empresa, decorrendo, a partir daí, uma fileira enorme de sucessos – Cala a Boca Etelvina, O Amigo Carvalhal, O Maluco da Avenida, O Bobo do Rei, Maria Cachucha, Anastácio, Deus lhe Pague, TopazeEscola de Maridos, O Avarento, O Burguês Fidalgo, O Amigo da OnçaEsta Noite Choveu Prata – para citar apenas alguns espetáculos, entre as mais de quatrocentas peças que fez ao longo dos anos, até falecer em 18 de junho de 1979.

Captura de Tela 2015-08-03 às 14.11.21Em Deus lhe Pague, texto escrito especialmente para ele por Joraci Camargo, traduzido e representado em vários idiomas (além de ter sido objeto de uma versão cinematográfica em 1948 na Argentina com Arturo de Córdova e Zully Moreno), teve uma de suas grandes criações como o mendigo filósofo. A peça estreou a 30 de dezembro de 1932 no Teatro Boa Vista de São Paulo, tendo ao lado de Procópio, Elza Gomes, Eurico Silva, Abel Pêra, Luiza Nazareth, Albertina Pereira e Restier Junior.

Em 1942, Louis Jouvet veio numa turnê ao nosso país e assistiu ao colega brasileiro interpretando O Médico à Força de Molière. Ficou tão entusiasmado, que lhe escreveu uma carta, expressando a sua admiração e convidando-o para ir trabalhar na França.

“Para mim” – escreveu Procópio – “a Vida é a miniatura do Teatro. Ele a aumenta e embeleza, a sublima … A Vida está cheia de Cyranos, Hamletos e Otelos, mas só depois da Arte os haver mostrado é que o mundo começou a reparar neles”.

Noutra oportunidade, Procópio disse que o Teatro só lhe havia deixado uma frustração: queria representar Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand por achar que tinha o físico ideal. Só em parte conseguiu realizar este sonho, contracenando com Dulcina numa cena memorável da peça em uma festa teatral realizada no Rio de Janeiro.  O “Cirano Brasileiro” foi o título que Brício de Abreu escolheu para sua excelente reportagem na revista O Cruzeiro, da qual extraímos boa parte das informações sobre o percurso teatral do ator inesquecível.

Em 1957, Procópio estreou Esta Noite Choveu Prata de Pedro Bloch, que lotou o Teatro Serrador durante várias semanas. Porém a revista A Cigarra publicou uma matéria  com o título, “Procópio 1957 – Mudou o Teatro ou Mudou Ele?”, porque os tempos eram outros e o notável intérprete continuava sempre com a convicção de que bastava um grande ator, isolado, para garantir um êxito, tal como sucedia no período de 1920 a 1930 em nossos palcos.

Captura de Tela 2015-08-12 às 19.10.26

Captura de Tela 2015-08-12 às 18.58.34

A resposta de Procópio foi esta: “Teatro de equipe como falam hoje, não existe. Teatro de equipe é slogan inventado pelos medíocres, que se querem comparar aos maiores. Quem vai a qualquer teatro quer ver o ator que está anunciado. Isto acontece em todos os tempos. E é sempre para os mais bem dotados que os autores escrevem … (apud Procópio Ferreira: O Mágico da Expressão, Jalussa Barcelos, Funarte, 1999).

Além da atividade do tablado, Procópio se distinguiu também como autor teatral (Presente do Céu, A Grande Patomima, Família do Antunes, Não Casarás,  Convidado de Honra, Arte de ser Marido, Briga em Família, Banho de Civilização, Boca do Inferno); conferencista (Como se Ria Antigamente; Antonio José, o Judeu; Joraci Camargo e sua Obra), escreveu alguns livros (O Ator Vasques, A Arte de Fazer Graça; Como se Faz Rir; História e Efemérides do Teatro Brasileiro), trabalhou na televisão (O Caminho das Estrelas, A Grande Viagem, Minas de Prata, O Tempo e o Vento, Divinas e Maravilhosas).

E também fez Cinema.

OS FILMES

1917

A QUADRILHA DO ESQUELETO

Cia. Prod: Veritas. Prod: Irineu Marinho. Dir: Guido Panella. Arg: Mauro Carmo. Foto: J. Sampaio. El: Nella Berti, Anthero Vieira, Alvaro Fonseca, Eduardo Arouca, Albino Maia, Carlos Comelli, Edmundo Maia, Antenor de Andrade, Domingos Braga, a menina Iracema.

Por ocasião da estréia, em 25 de outubro de 1917, nos Cines Avenida e Ideal do Rio, o jornal A Noite, do qual Irineu Marinho era diretor, anunciou-o como “Aventuras policiais descrevendo tipos da nossa malandragem”. Ao dar o elenco, o jornal não cita Procópio, mas em 70 Anos de Cinema Brasileiro, de Adhemar Gonzaga  e Paulo Emilio Salles Gomes, colhemos a informação de que ele aparece como um repórter, de barba e chapéu de palha, quase como uma citação do jornalista Castellar de A Noite. Jurandyr Noronha, no seu Dicionário de Cinema Brasileiro (1896 a 1936), não inclui Procópio no elenco.

OS MISTÉRIOS DO RIO DE JANEIRO

Cia.Prod: Rio Film / Marques da Silva. Dir. Prod: Irineu Marinho. Dir / Arg: Henrique Maximiliano Netto. Operador de Câmera: Alfredo Musso. El: João Barbosa, Procópio Ferreira, Carlos Machado, Basilio Viana.

Segundo nos informa Jurandyr Noronha no seu Dicionário, esta produção foi patrocinada pelo capitalista Marques da Silva e pelo jornal A Noite, de propriedade de Irineu Marinho. O filme deveria ter sido um seriado de 10 capítulos, mas somente o primeiro, com 6 partes, foi terminado e exibido com o título de Os Vikings ou O Tesouro do Viking. Resultou, no entanto, em uma história com começo, meio e fim. Ainda conforme Jurandyr, o espetáculo foi lançado no Cine Palais no Rio de Janeiro em 25 de outubro de 1917. Alex Viany no seu livro Introdução ao Cinema Brasileiro confirma que somente o primeiro episódio foi feito, mas diz que Coelho Neto escreveu o argumento e “também mexeu na direção”. Viany não diz nada a respeito do elenco.

UM SENHOR DE POSIÇÃO

Cia. Prod: Veritas. Prod: Irineu Marinho. El: Belmira de Almeida, Guy de Monreal, Virginia Lazzaro, Margarida Ramos, Alberto Ferreira, Delfina de Araujo, Marietta Santos, Elvira Roque.

Araken Campos Pereira Junior em Cinema Brasileiro (1908-1979) relaciona o filme em 1925, cita Medeiros e Albuquerque como argumentista, Fausto Muniz como fotógrafo e inclui Procópio no elenco. De acordo com A Noite, a estréia dessa comédia de costumes ocorreu em 13 de dezembro de 1917 no Cinema Parisiense do Rio em programa duplo com outra produção da Véritas, o drama Ambição Castigada, tendo como autor do argumento Medeiros e Albuquerque. Quanto a Procópio, o mencionado jornal não o aponta no elenco, embora seja possível  que ele, tendo feito breve aparição pouco meses antes num filme da mesma firma produtora, voltasse a aparecer em Um Senhor de Posição. Jurandyr Noronha no verbete de seu Dicionário referente a Procópio Ferreira, diz que a estréia de Procópio no cinema deu-se em Um Senhor de Posição (2ª versão), 1925, concordando com Araken. Por outro lado, Noronha redigiu um verbete sobre o filme Um Senhor de Posição de 1917, mas não fez outro sobre a suposta 2ª versão de 1925. Na revista Cinearte que, embora inaugurada em 3 de março de 1926, nos seus primeiros números ainda dava lançamentos de filmes de 1924 e 1925, não encontrei nenhum registro sobre uma possível 2a versão de Um Senhor de Posição.

1929

O MEU NARIZ

Prod: Byingtone Cia. El: Procópio Ferreira.

De acôrdo com a informação de Jurandyr Noronha, no seu Dicionário, trata-se de uma curta-metragem, apresentando um monólogo de Paulo Magalhães com a interpretação do ator Procópio Ferreira. Realizado no mesmo ano de Acabaram-se os Otários (primeiro longa-metragem brasileiro sonoro), esse pequeno filme foi uma consequência do alerta da Synchrocinex para a possibilidade de uma improvisação de filmes sonoros desde que se dispusesse de um equipamento para a gravação e prensagem de discos comerciais. E Byngton e Cia. possuia o equipamento  com que eram feitos os discos Columbia. Somente dois anos mais tarde a empresa apresentaria o seu longa-metragem Cousas Nossas. E ia evoluir para a Sonofilme.

1931

COISAS NOSSAS

Cia. Prod: Byington Prod: Alberto Byington. Dir / Arg: Wallace Doeney. Foto: Adalberto Kemeny. Câmera: Rodolfo (Rex) Lustig. Técnico de Som: Moacyr Fenelon. El: Procópio Ferreira, Stefania de Macedo, Zezé Lara, Corita Cunha, Helena Pinto de Carvalho, Nenê Biolo, Batista Junior, Arnaldo Pescuma, Francisco Alves, Dircinha Batista, Alzirinha Camargo, Jaime Redondo, Guilherme de Almeida, José Paraguaçu, Maestro Gaó, Sebastião Arruda, José Oliveira, Príncipe maluco, Jararaca e Ratinho, Napoleão Tavares e orquestra.

Segundo filme sonoro brasileiro de longa-metragem, ainda pelo sistema Vitafone, gravação com a aparelhagem da Columbia, editora e distribuidora de discos.

É uma revista musical imitando as realizadas em Hollywood no começo dos anos 30 com elenco de astros do teatro e do rádio. Procópio diz um monólogo e o poeta Guilherme de Almeida serve de mestre-de-cerimônias como era então moda nas produções norte-americanas do gênero.

1935

PROCOPIADAS

Prod:  Sonofilme. El: Procópio Ferreira.

No seu Dicionário, Jurandyr Noronha registra este curta-metragem com dois monólogos interpretados por Procópio Ferreira e exibido como complemento de Allô, Allô, Brasil nos cinemas Odeon (sala vermelha) do Rio e São Bento, em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1935.

Neste mesmo ano, Procópio aparece falando num Cinédia-Jornal, que focalizava aspectos de sua chegada e desembarque no Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que se fez num cine-jornal brasileiro a gravação da voz humana ao vivo. Esta informação preciosa nos foi dada por Hernani Heffner e consta no livro de Alice Gonzaga, 50 Anos de Cinédia.

1936

O TREVO DE QUATRO FOLHAS

Cia. Prod: Sonoarte. Dir: Chianca de Garcia. Arg: Chianca de Garcia, Tomás Ribeiro Colaço. Diálogos: Chianca de Garcia. Foto: Aquilino Mendes, Salazar Diniz, Joseph Barth, Dino Lamberti, Karl Weiss, Hameister. Mont: Antônio Lopes Ribeiro. Decoração: Antônio Soares. Mús: Pedro de Freitas Branco. El: Nascimento Fernandes (José Maria), Beatriz Costa (Manuela, Rosita), Procópio Ferreira (Juca), Mafalda Evandauns (Lola), Maria Castelar (Lúcia), Augusto Costa / Costinha (Cantor de Jazz), Antônio Sacramento (Empresário), Rafael Marques (Gerente de Fábrica), Alfredo Ruas (Pintor).

No enredo, José Maria faz-se passar por um célebre bailarino perante Rosita, uma aventureira, sósia de sua namorada Manuela, caixeira do quiosque “O Trevo de Quatro Folhas” que, afinal, é conquistada por Juca.

A filmagem em interiores deu-se no estúdio da Tobis Portuguesa e os exteriores em Lisboa, Porto, Estoril, Sintra- Monserrate, Braga e Leixões.

Esta super-produção, hoje considerada perdida, estreou em Lisboa, no cinema Tivoli em 6 de junho de 1937. No Rio de Janeiro, foi exibida no cinema Odeon, trazida pela Distribuidora Aliança.

A revista Cinearte, na sua seção A Tela em Revista, deu uma cotação regular ao filme. O comentarista manifestou-se assim sobre Procópio: “Procópio Ferreira, o maior ator brasileiro no gênero cômico, precisa encontrar muita benevolência por parte do público, para que se acredite que ele inspire paixões. Procópio, apesar de surgir muito bem fotografado, é incrível como galã amoroso. A Manuela devia ter algum desvio ótico …. Não obstante a teatralidade que perpassa nesta película, quer nas situações quer nos desempenhos, Procópio é o mais natural. A fita oferece uma novidade – o nosso galã cômico trabalhando ao lado de dois grandes nomes do teatro. Fato que não se dá há anos”.

1940

PUREZA

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir / Cenog: Chianca de Garcia. Ass. Dir / Maq : Fernando de Barros. Adapt: Milton Rodrigues, Chianca de Garcia bas. romance José Lins do Rego. Diálogos: J. L. do Rego. Foto: Aquilino Mendes. Ass. Câmera: Ruy Santos. Câmera: Rui Santos. Som: Hélio Barrozo Netto. Músicas: Dorival Caymmi. Orq: Radamés Gnatalli. Mont: Hippolito Collomb. Corte: Adhemar Gonzaga. El: Procópio Ferreira (Cavalcanti), Sônia Oiticica (Maria Paula), Nilza Magrassi, (Margarida) Sarah Nobre (Francisquinha) Conchita de Moraes (Felismina), Roberto Acácio (Chico Bem -Bem), Sérgio Serrano, cujo verdadeiro nome era Emídio Caiado, que se tornou senador e pai de Ronaldo Caiado (Dr. Jorge), Sadi Cabral (Cego Ladislau), Manoel Rocha (Coronel Juçara), Mendonça Balsemão, Reginaldo Calmon Elias Celeste, Roberto Lupo, Pedro Dias, Zizinha Macedo, Bandeira de Melo, Arthur Leitão, Jayme Pedro Silva (Joca), colaboração da Escola de Samba Paz e Amor.

Esta adaptação do romance de José Lins do Rego, recebeu o prêmio de Melhor Filme Nacional de 1941, conferido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). É um relato da degenerescência moral progressiva de uma família pobre de um pequeno lugarejo paraibano pelo contato com um perseguido político dissoluto. Este desperta o amor de duas irmãs, Maria Paula e Margarida, humilha o pai das moças, e abusa da ignorância e subserviência dos trabalhadores agrícolas da região. Procópio é Antonio Cavalcanti, acovardado e relapso chefe da estação Pureza, casado com D. Francisquinha e pai de Maria Paula e Margarida. O diretor Chianca de Garcia  veio especialmente de Portugal, contratado pela Cinédia, e trouxe alguns técnicos com ele, como o fotógrafo Aquilino Mendes. As tomadas externas foram realizadas em Suruí, Mangaratiba e Cachoeira de Marimbondos (SP). Comentário de Salvyano Cavalcanti de Paiva, em História Ilustrada dos Filmes Brasileiros (1928-1988): “Embora o recitativo do filme seja teatral, há uma sequência admirável – a da morte de Joca, um negrinho de recados que, em um bote desgovernando, precipita-se numa cachoeira”.

1944

BERLIM NA BATUCADA

Cia. Prod: Cinédia. Prod / Rot: Adhemar Gonzaga. Dir: Luiz de Barros. Ass. Dir: Jurandyr Noronha. Arg: Herivelto Martins. Rot / Cenografia: Luiz de Barros, Adhemar Gonzaga e Herivelto Martins. Foto: Ludovico Berendt. Maq: Reginaldo Calon. Mús: Benedito Lacerda. Mont: W.A.Costa. Som: A.P. Castro. El: Procópio Ferreira (Zé Carioca), Delorges Caminha (Turista americano), Francisco Alves (Chico) Solange França (Odete), Alfredo Vivianne (Pacheco), Lyson Caster (Sra. Pacheco), Chocolate (Secretário do turista), Léo Albano (Compositor de sambas), Luizinha Carvalho (Namorada do compositor), Carlos Barbosa (Dono do bar), Jararaca e Ratinho (Garções desastrados), Manoel Rocha (Dono da pensão Carvalhaes), Matilde Costa (Dona da pensão), Pery Martins (Menino), Pedro Dias (O que empurra sempre no narigudo), Octávio de França (Motorista), Jupira Brasil, Nair Santos, Claudionor dos Santos, Lila e margarida de Oliveira (irmãs de Dalva de Oliveira).

Trata-se de um musical revista alusivo, somente no título e um pouco no repertório sonoro, à Segunda Guerra Mundial, tendo como ponto de partida um turista americano, que chega ao Brasil, para conhecer o carnaval carioca. Procópio é Zé Carioca, malandro típico, que quer enganar o gringo, encantado pela nossa música e nossas mulatas. Entre as canções, marchinhas, sambas e batucadas: A Lavadeira de Herivelto Martins; A Miserável … a mulher que me deixou de Alvarenga e Ranchinho – com o esquete diálogo de Hitler: Ivo de Freitas (como Hans von Chucruts) e  Chocolate;  A Tristeza de H. Martins e Heitor dos Prazeres com Leo Albano e Laurinha de Carvalho; Verão No Havaí de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo com Fada Santoro cantando com a voz de Dalva de Oliveira e Margareth Lanthos (uma das havaianas); Silenciar a Mangueira, Não! De H. Martins e Grande Otelo com  Francisco Alves;  pot pourri de adaptações de músicas clássica com Edu e sua gaita; A Marcha do Boi de Pedro Camargo com os Trigêmeos Vocalistas; Bom Dia Avenida; Quem viu a Praça 11 Acabar de Herivelto Martins com o Trio de Ouro; Desafio de piadas, Príncipe Maluco; Não me nego, sou do samba de Heitor dos Prazeres com Chocolate  e Flora Mattos; Graças a Deus de Grande Otelo com os Índios Tabajaras; Odette de H. Martins e Dunga: Quem Vem Descendo de H. Martins e Principe Valente com o Trio de Ouro, Francisco Alves e girls do Cassino da Urca;: A Voz do Violão de Horácio Campos (letra) e Francisco Alve (música) com Francisco Alves.Arranjos e orquestrações de Morpheu Belluomini; gravações com as orquestras de Napoleão Tavares e Benedito Lacerda. Obs. Pela primeira vez no cinema brasileiro, aparecia a trucagem de diálogo com o mesmo artista na mesma cena –  Silvino Neto falava com Silvino Neto (o Pimpinela, num esquete onde fazia quatro papéis diferentes.

1951

O COMPRADOR DE FAZENDAS

Cia. Prod: Maristela. Prod: Mario Civelli. Dir: Alberto Pieralisi. Ass. Dir: Sérgio Britto, Marcos Mergulies. Rot: A. Pieralisi, Guilherme Figueiredo, Mário del Rio, Gino De Santis bas. conto Monteiro Lobato. Cenários : Rafael de Oliveira, Luciano Gregory. Dir. Arte: Franco Ceni, Alexandre Korowaiszik. Vest: Francisco Balduino. Mús: Enrico Simonetti. Foto: Aldo Tonti. Ass. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez. Mont: José Canizares. El: Procópio Ferreira (Moreira), Henriette Morineau (Isaura), Hélio Souto (Pedro Trancoso), Margot Bittencourt  com a voz de Lia de Aguiar (Gilda), Jaime Barcelos, Jackson de Souza, Elísio de Albuquerque, Paulo Matozinho, Vitalina Gomes, Carlos Ortiz, Marilu Vasconcellos, Marcos Lyra, José Mercaldi, Garibaldini Ono, Ermínio Spalla, Vicente Troise, Paulo Vitalino,  Luiz Gonzaga e sua sanfona.

Henriette Morineau e Procópio Ferreira em O Comprador de Fazendas

Henriette Morineau e Procópio Ferreira em O Comprador de Fazendas

Esta adaptação livre do conto de Monteiro Lobato fez muito sucesso principalmente devido às situações cômicas  provocadas pelas artimanhas  do fazendeiro arruinado Moreira, vivido por Procópio. Moreira é um fazendeiro arruinado que quer vender sua fazenda Espigão, para pagar os credores. Um pintor de paredes lê o anúncio e se apresenta como um interessado em comprar a fazenda. Na verdade ele pensa apenas em se aproveitar da situação para passar um bom fim de semana no campo. Moreira, por sua vez, de cumplicidade com seus credores, faz de tudo para disfarçar o estado precário de sua propriedade. O desempenho dos dois grandes artistas veteranos do palco, Procópio e Henriette Morineau, é o ponto alto do filme, arrancando boas gargalhadas do público. A música “Festa no Arraiá”, executada por Luiz Gonzaga, foi composta especialmente para o filme.

1953

O HOMEM DOS PAPAGAIOS

Cia. Prod: Multifilmes. Prod: Mario Civelli. Dir: Armando Couto. Ass. Dir: Roberto Santos. Argumento: Procópio Ferreira. Rot: Glauco Mirko Laurelli. Diálogos: Sérgio Britto. Foto: Giulio de Luca. Mús: Guerra Peixe. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez. Cenografia: Franco Ceni. Mont: Gino Tálamo. El: Procópio Ferreira (Epaminondas), Ludy Veloso, Hélio Souto, Eva Wilma, Elísio de Albuquerque, Herval Rossano, Arrelia (Waldemar Seyssel), Hamilta Rodrigues, Ítalo Rossi, José Rubens, Mário Benvenutti, João Alberto.

Em São Paulo, o sorveteiro Epaminondas vende fiado para crianças pobres e acaba perdendo o emprego. Ele deve oito meses de aluguel e tem muitas dívidas no armazém das redondezas. Um velho amigo, dono de uma grande imobiliária, o convida para trabalhar como zelador de uma mansão que está desocupada. Quando Epaminondas chega no local e aparece na janela com pose de ricaço, os vizinhos pensam que ele é o proprietário. Com esta mesma impressão, os comerciantes correm para lá e oferecem seus produtos e serviços. Epaminondas compra do bom e do melhor e paga tudo com notas promissórias. Quando os “papagaios” vencem, os credores descobrem que o Doutor Epaminondas não tem um tostão para pagar.

Nesta divertida comédia de costumes satírica, Procópio, sem abdicar de seus maneirismos, compõe perfeitamente o tipo do golpista simpático e domina o espetáculo, concentrando todas as atenções sobre sua pessoa. A moral do  personagem é a seguinte: quanto mais você deve, mais  os credores vão lhe ajudar, porque não têm opção. Com a filosofia de dever muito para ser respeitado, Epaminondas gasta cada vez mais, contratando um mordomo (que nunca recebe seu ordenado), adquirindo todos os quadros de uma galeria de arte, comprando uma nova mobília para a mansão, etc. e o resultado, a gente vê no final.

1954

A SOGRA

Cia. Prod: Multifilmes. Prod: Mário Civelli. Dir: Armando Couto. Ass. Dir: Sergio Britto. Arg: Alberto Dines. Rot: Renato Tignoni, Glauco Mirko Laurelli. Foto: Rui Santos. Cenografia: Franco Ceni. Mont: Gino Tálamo. Mús: Guerra Peixe. Regente: Cláudio Santoro. El: Procópio Ferreira (Arquimedes), Maria Vidal (a sogra), Ludy Veloso, Arrelia (Waldemar Seyssel), Eva Wilma, Elísio de Albuquerque, Riva Nimitz, Herval Rossano, Sérgio Britto, Jayme Barcelos, Armando Couto, Caetano Gerardi, Ítalo Rossi, Sérgio de Oliveira, Alberto Dines, Eduardo Tanon.

Comédia de costumes com Procópio dando vida a Arquimedes, o chefe de uma estação ferroviária, que recebe a inesperada visita da sogra rabugenta. Para seu desespero, ele logo descobre que, na verdade, ela veio morar com a família. Surgem aí os contratempos.

O filme foi rodado inteiramente em logradouros públicos de Mairiporã, SP (onde se localizava o estúdio da Maristela), com cenas no interior da antiga igreja matriz, coreto da praça das Bandeiras, interiores do Cine Maria Luiza e entrada da cidade.

1956

QUEM MATOU ANABELA?

Cia. Prod: Maristela. Prod: Alfredo Palácios. Prod. Assoc: Mario Audrá Junior. Dir: D.A. Hamza. Arg: Orígenes Lessa bas. idéia de Salomão Scliar. Rot / Diálogos / Adapt: Miroel Silveira. Foto: Rudolph Iczey. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez, Cenografia: Carlos Jachert. Mús: Gabvriel Migliori. Mont: José Canizares. El: Procópio Ferreira (Comissário Ramos), Ana Esmeralda (Anabela), Jayme Costa, Carlos Cotrim, Ruth de Souza, Aurélio Teixeira, Nydia Lícia, Olga Navarro, Carlos Zara, Carlos Araujo, Stela Gomes, Américo Taricano, Marina Prata, Lourdes Freire, Ary Fernandes, Jorge Pisani, João Franco, Francisco Camargo.

A bailarina Anabela, estrela do cinema e da televisão, é assassinada e seu corpo encontrado a beira de uma represa em São Paulo. Encarregado do caso, o Comissário Ramos interroga os principais suspeitos. De cada um deles obtém uma confissão de assassinato e uma descrição completamente diferente da personalidade da vítima. O mistério aumenta até o final surpreendente.

Primeiro e único filme em que Procópio Ferreira e Jaime Costa, dois monstros sagrados do teatro brasileiro trabalharam juntos. Ana Esmeralda, estrela e dançarina espanhola, que havia vindo ao Brasil para o Festival de Cinema do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo, acabou se envolvendo com o produtor Mario Audrá Junior, com quem se casou. Audrá convidou os húngaros  Didier (Dezso) Akos de Hamza e Rudolph Iczey para assumir respectivamente a direção e a fotografia deste drama policial com um desfecho inusitado.

1960

TITIO NÃO É SOPA

Cia. Prod: Cinedistri. Prod: Oswaldo Massaini. Prod. Ass: Eurides Ramos, Alipio Ramos. Dir: Eurides Ramos. Rot: Eurides Ramos, Victor Lima. Foto: Hélio Barrozo Netto. Mús: Radamés Gnatalli, Vicente Paiva. Câmera: Antônio Gonçalves. Des. Prod: Wilsom Monteiro, Benedito Macedo. Mont: Hélio Barrozo Netto. Coreografia: Helba Nogueira. El: Procópio Ferreira (Gregório), Eliana Macedo (Verinha), Ronaldo Lupo (Luiz), Herval Rossano (Paulo de Almeida Rios), Nancy Montez (Julie), Afonso Stuart (Amaro), José Policena (Engenheiro), Grace Moema (Emengarda), Zélia Guimarães (Isaltina), Sônia Morais (Aurora), Rafael de Carvalho (Azevedo), Paulo de Carvalho (Gaspar), Grijó Sobrinho (Vizinho), Angelito Mello (Paranhos), Delfim Gomes (pedreiro), Azelita Ivantes (Beatriz), Luiz Mazzei (Garçom), Chiquinho (Garçom), Wilson Grey.

Comédia de costumes baseada numa peça teatral. A trama diz respeito a um milionário, tio Gregório, que chega ao Rio de Janeiro para fiscalizar as obras de um asilo de velhos, cuja construção vinha patrocinando. Ele descobre que seu sobrinho desviava o dinheiro para aplicá-lo na instalação de uma buate.

No transcorrer do filme surgem estes números musicais: “Quero beijar-te as mãos” de Arcênio de Carvalho e Lourival Faissal, com Anísio Silva; “Mamãe eu quero” de Jararaca (arranjo de Vicente Paiva e José Calazans  e orquestração de Pachequinho) com Eliana Macedo; “Baiano burro nasce morto” de Waldeck Artur de Macedo com Gordurinha e Mário Tupinambás.

1965

CRÔNICA DA CIDADE AMADA

Prod: Paulo Serrano, C. H. Christensen. Dir: Carlos Hugo Christensen. Rot: Millôr Fernandes, C. H. Christensen. Foto (Eastmancolor): Ozen Sermet. Narração: Paulo Autran. El: Procópio Ferreira, Magalhães Graça, Jardel Filho, Ziembinski, Thais Portinho, Milton Carneiro, Marivalda, Márcia de Windsor, Leilany Fernandes, Fernando Pereira, Grande Otelo, Eliezer Gomes, Pepa Ruiz, Sérgio de Oliveira, Oscarito, Liana Duval, Ismália Pena, Armando Nascimento, Osvaldo Louzada, Hamilton Ferreira, Ana Di Pardo, José C. Correa, Germano Filho, Lúcia Pereira, Lita Palácios, Ricardo de Luca, Mário de Lucena, Vagareza, Fregolente, Cecil Thiré, Manoel Vieira, Jaime Costa, Moacir Deriquém, Duarte Moraes, Siwa Castro, Otavio Cardoso, Adalberto Silva, Janira Santiago, Deborah Rubinstein, Luiz Viana, Jota Barroso.

Filme de episódios baseados em histórias de vários autores: 1 – O Índio (Carlos Drummond de Andrade); 2 – Iniciada a Peleja (Fernando Sabino); 3 – O Homem que se Evadiu (Dinah Silveira de Queiroz); 4 – Um Pobre Morreu (Paulo Rodrigues; 5 – Receita de Domingo (Paulo Mendes Campos); 6 – A Morena e o Louro (Dinah Silveira de Queiroz); 7 – Aparição (Paulo Mendes Campos); 8 – O Mal-Entendido (Orígenes Lessa): 9 – O Pombo Enigmático (Paulo Mendes Campos); 10 – Aventura Carioca (Paulo Mendes Campos); 11 – Luiza (Carlos Drummond de Andrade). Procópio intervém ao lado de Magalhães Graça no segmento O Índio, uma discussão imprevista e curiosa num bar do centro da cidade.

1971

COMO GANHAR NA LOTERIA SEM PERDER A ESPORTIVA

Cia. Prod: Herbert Richers. Prod: H. Richers, J. B. Tanko. Dir: J. B. Tanko.  Ass. Dir: Rubens Azevedo. Rot: J. B. Tanko, Flávio Migliaccio, Gilvan Pereira, Nelson Rodrigues. Foto (Eastmancolor):  Antônio Gonçalves. Mús: Edino Kruger. Mont: Waldemar Noya. El: Flávio Migliaccio (Anadi), Costinha (Jasmim), Agildo Ribeiro (Sacristão), Procópio Ferreira (Coronel Felício), Otelo Zeloni (Felisberto), Paulo Porto (Afrânio), Maria Della Costa (Amália), Fregolente (Jorge), Renata Fronzi (Guiomar), Afonso Stuart (Ananias), Labanca (Padre), Milton Villar (Mendigo), Celeste Aida (Mimi) Rodolfo Arena (F;elix), Mário Benvenutti (Vendedor), Wilson Grey (Bicheiro), Silva Filho (Ademir), Jorge Cherques (Delegado), Maria Anders (Marta), Lygia Diniz (Marilu),  Zeny Pereira (Severina), Edgar Martorelli, (Clovina) Maria Pompeu (Neuza), Helena Velasco (Suely), Carvalhinho (Manolo), Ilva Niño (Zefa), Francisco Dantas (Médico), Tony Jr., (Freguês), Fernando Repsold (Betinho), Teresa Mitota (Ana Rosa), Luiz Mendonça (João), Waldir Fiori, Antônio Miranda, Milton Luiz, Fernando José, Angelo Antônio, Noêmia Barros, Iracy Benvenuti, Wandick Wandré, Yara Vitória, Danton Jardim.

Procópio comparece nesta comédia tendo por motivo um teste da Loteria Esportiva. Ele é vencido por milhares de pessoas mas, antes da divulgação do resultado, muitas delas supõem que foram as únicas a fazer os 13 pontos, que lhes garantiriam uma vida bilionária. O filme mistura futebol, loteria esportiva e crônica de costumes. Para o diretor, seria “um drama disfarçado de comédia, mostrando o jôgo como uma válvula de escape do homem urbano, fazendo às vêzes crítica social”; porém, infelizmente, não passa de uma chanchada, arrastada e cansativa.

EM FAMÍLA

Cia. Prod: Produções cinematográficas R. F. Farias. Prod: Roberto Farias, Paulo Pôrto.. Ger. Prod: Saul Lachtermacher. Dir: Paulo Pôrto. Ass. Dir: Emiliano Ribeiro, André José Adler. Rot: Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar, Paulo Pôrto bas. Veresão brasileira da peça de Helen e Nolan leary. Foto (Eastmancolor): José mederos. Cen / Fig: Cláudio Tovar. Mont: Rafael Justo Valverde. Mús: Egberto Gismonti. Som: Juarez Dagoberto da Costa. El: Iracema Alencar (Dona Lu), Rodolfo Arena (Seu Souza), Paulo Pôrto (Jorge), Odete Lara (Neli), Anecy Rocha (Corinha), Procópio Ferreira (Afonsinho), Antero de Oliveira (Roberto),  Fernanda Montenegro (Anita), Elisa Fernandes (Suzana), Alvaro Aguiar (Arlindo), Norah Fontes (Aparecida), Pedro Camargo (Wilson), Fernando José(Comissário), Moacir Derinquem (Médico), Francisco Dantas (Honório).

Ameaçados de despejo da casa onde moram em Patí dos Alferes, Seu Souza e Dona Lu chamam os cinco filhos para resolver o problema. A solução inicial é separar os velhos. Mas eles criam problemas para os filhos que os abrigaram. Afinal, Dona Lu vai para o asilo e Seu Souza, adoentado, para a casa de uma das filhas. Os dois velhos passam juntos o último dia antes da separação. Seu Souza não sabe que sua mulher vai para o asilo e promete arranjar um emprego para mandar buscá-la. Os filhos  – que Seu Souza não quer ver – observam a cena de longe.

Esta história comovente e universal sobre a tragédia da velhice, tem como fonte básica o romance The Years Are So Long de Josephine Lawrence. Posteriormente virou peça teatral de Helen e Nolan Leary e finalmente chegou ao cinema em 1937 no filme A Cruz dos Anos / Make Way for Tomorrow de Leo McCarey. Adaptada à televisão brasileira por Walter George Durst como Pais e Filhos, passou para o palco brasileiro em peça de Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar e Paulo Pôrto, que a transportaram para a tela.

Por causa de seu tema sentimental – o que fazer com um casal de velhinhos que não tem onde morar? – o espetáculo dirigido por Paulo Pôrto teve forte comunicabilidade com o público. Como observou muito bem o crítico Pedro Variano (in Província do Pará, 9.6.71, reproduzida no Guia de Filmes do INC, nº 32): “A linguagem de Pôrto é econômica, precisa, inclusive na porção de comédia que ele joga para temperar de risos o drama dos personagens. Não há exagero (…) nem rendição incondicional ao melodrama. O diretor passa perto das melosidades radiofônicas – ou telenovelescas – sem se contaminar pela pieguice”.

Procópio é Afonsinho, o amigo que Seu Souza cismou de levar para dentro da casa de seu filho.

FERNANDEL

março 3, 2011

Dotado de um físico pouco comum, com um rosto comprido e longos dentes à mostra, Fernandel se tornou um dos gigantes do cinema francês. Ele divertiu o público por quatro décadas e até hoje é muito estimado na França. Seu sorriso alegre e brincalhão e seu sotaque tipicamente provençal  faziam rir as multidões, mas o grande artista também era capaz de cobrir sua máscara cômica com a sombra da tragédia humana.

Fernand Joseph Désiré Contandin nasceu a 8 de maio de 1903 em Marselha, França. Desde criança, Fernand teve um desejo imperioso e precoce de fazer “a mesma coisa que papai”.  Seu progenitor, Denis Contandin,  dispunha de uma dupla e fascinante personalidade. Durante toda a semana ele se consumia num modesto emprego de escritório mas, no domingo e feriados, o funcionário consciencioso e discreto se tranformava em um cantor de café-concerto sob o nome artístico de Sined.

Aos cinco anos de idade, apresentado por seu pai, Fernand estréia no palco. Ele interpreta uma pequeno soldado do tempo da Revolução  Francesa em Marceau ou les enfants de la Republique no Teatro Chave. Orgulhoso de si mesmo, o menino avança corajosamente na direção do público, tropeça no seu grande sabre e cai estendido no chão sob os aplausos da platéia.

Entretanto, esta experiência desagradável de um gag involuntário não desanima o pequeno ator. Aos sete anos, seu progenitor o conduz ao Palais de Cristal, para ver o grande Polin, a vedeta mais famosa do music-hall e da canção francesa, que se especializara como comique-troupier, isto é, um comediante-cantor, que se vestia de recruta.  Fernand ficou maravilhado e pediu ao seu pai uma farda igual a de Polin.

M. Contandin concordou, desde que ele aprendesse a cantar duas canções extraídas do repertório de Polin, “Mademoiselle Rose” e “Ah! je t’aime tant”.   Quando o pai viu que seu filho estava pronto, que ele havia assimilado as letras, as músicas, os gestos e as mímicas apropriadas, levou-o para enfrentar mais uma vez o público. De repente, ao contemplar o auditório, Fernand fica aterrorizado e se refugia nos braços de Sined. Impulsionado para diante dos espectadores por um pontapé  bem colocado, Fernand esquece suas angústias e exclama a plenos pulmões: “Ah! Mademoiselle Rose / J’ai un petit objet, un petit objet à vous offrir / Ce n’est pas grand-chose / Mais cela vous fera plaisir…”

A partir desse dia, M. Contandin dará a seu filho uma participação cada ver maior no seu próprio número. Fernand estuda novas canções e aprende uma profissão mais séria do que ele pensava. Porque Sined é um perfeccionista, que não deixa nenhum lugar para a improvisação.

Mas, em 1915, M.Contandin foi convocado para servir a pátria e Fernand teve que procurar outra ocupação. Nesta fase de sua vida, o jovem marselhês trabalha em diversos empregos: no Banque Nationale de Crédit, na fábrica de sabão Bellon, na papelaria Grangey, na Societé Marseillaise de Crédit, na Compagnie d’Electricité, na loja do pai (que, após ter retornado da guerra, foi convidado para dirigir uma sucursal de importante casa de comestíveis), nas docas, e em outros bancos e fábricas de sabão; porém não pára de cantar à noite e nos finais de semana.

No primeiro emprego, ele se torna colega de um companheiro inseparável, Jean Manse, cuja amizade preservará durante toda a sua existência. Fernand se apaixona pela irmã de Jean, Henriette, e quando vai visitar a noiva, Mme. Manse o anuncia assim: “Voilà le Fernand d’Elle!”. Sim, ele agora seria Fernandel! Fernand já usa este nome artístico, ao aparecer em cena no Eldorado, pois continua dividindo seu tempo entre espetáculos e trabalhos burocráticos. Ele se casa com Henriette em 4 de abril de 1925 e, na primavera deste mesmo ano, vai fazer seu serviço militar. Sua filha mais velha, Josette, nasce em 19 de abril de 1926, três semanas antes de Fernand ser liberado de suas obrigações militares.

E eis que surge uma grande chance no meio teatral. Fernand é contratado por Louis Valette, diretor do Cinema Odéon de Marselha, para substituir um artista parisiense. Este cinema fazia parte  do circuito Paramount, que apresentava ao mesmo tempo filmes e números de variedades. A representação de Fernandel é um triunfo, ao qual assiste, por acaso, o diretor francês da Paramount, Jean Faraud. Este lhe propõe um contrato para atuar nas salas da Paramount em diversas cidades.

Posteriormente, Fernand recebe uma proposta da agência Lutetia, para se apresentar nos cinemas da cadeia Pathé em Paris. Em março de 1930, a família Contandin se instala na Cidade-Luz, e aumenta em 18 de abril, com o nascimento de sua segunda filha, Janine. Em novembro, Fernand é convidado por Henri Varna para ser uma das atrações de sua revista Nu Sonore …. Seins pour Seins parlant. Este espetáculo no Concert Mayol consagrou Fernandel definitivamente.

Um noite, Marc Allégret bate na porta de seu camarim, a fim de lhe propor um pequeno papel em Le Blanc et le Noir / 1930. Este filme, co-dirigido por Robert Florey e Marc, lhe permite encontrar dois personagens, que se tornarão seus amigos: Sacha Guitry, o autor da peça da qual foi extraído o argumento, e Raimu, ator principal.

Fernandel recordaria: “Foi para mim uma formidável revelação. Porque eu nunca tinha me visto. Quando me ví na tela, este tipo desengonçado, com esta cara inverossímel, compreendí porque, no Concert Mayol, as pessoas riam … Meus dentes, só se via os meus dentes, uma mandíbula gigantesca! … Não era assim que eu me imaginava. Eu era feio …  Felizmente não era feio para causar medo, eu era feio para fazer rir! E foi isto que me salvou … Decidí usar minha feiura, para fazer as pessoas rirem, para torná-las mais felizes … Modifiquei meu modo de andar, acentuei o lado caricatural de meus traços. Mas, também me tornei mais simples, mais sóbrio nos meus gestos”.

No dia 10 de dezembro de 1935, nasceu Franck Gérard Ignace, que se tornaria um cantor e ator, conhecido como Franck Fernandel. O neto de Fernandel, Vincent Fernandel, filho de Franck, seguiu a carreira de cineasta.

Ao longo de sua extensa carreira, Fernandel fez 125 longas-metragens. Extraordinariamente prolífico, foi prejudicado por esta mesma fecundidade. Assim, sua filmografia tem realizações excelentes e medíocres.                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Das 125 produções, ví apenas 40 e, para este artigo, selecionei  as minhas doze preferidas: Angèle / 1934, Valente a Muque / François 1er / 1937, Regain / 1937, Le Schpountz / 1938, A Volta ao Mundo com 80 Centavos / Les Cinq Sous de Lavarède / 1939, La Fille du Puisatier / 1940, A Estalagem Vermelha / L’Auberge Rouge / 1951, Cabelereiro das Arábias / Coiffeur pour Dames / 1952, O Pequeno Mundo de Don Camillo / Le Petit Monde de Don Camillo / 1952, Fruto Proibido / Le Fruit Défendu / 1952, O Carneiro de Cinco Patas / Le Mouton à Cinq Pattes / 1954, A Vaca e o Prisioneiro / La Vache et le Prisonnier / 1959.

ANGÈLE (Dir: Marcel Pagnol): Angèle (Orane Demazis), filha única de Clarius Barbaroux (Henri Poupon), fazendeiro na Provença, vive com o pai, a mãe, Philomène (Annie Toinon) e Saturnin (Fernandel), órfão recolhido outrora por caridade e que tem pelos donos da casa uma afeição inquebrantável. Albin (Jean Servais), um montanhês vindo de Baumugnes se interessa por Angèle, mas não ousa abordá-la. Menos tímido, Louis (Andrex), um malandro marselhês,  seduz a bela inocente e foge com ela. Clarius renega sua filha e proíbe que pronunciem seu nome. Saturnin, apaixonadamente devotado a sua donzela, fica sabendo, no curso de uma viagem a Marselha, que Angèle se prostituiu e está grávida. Graças a Saturnin, Angèle volta para a sua cidade, porém seu pai a rejeita e a esconde num porão. Felizmente, ela encontrará o amor com Albin, que quer esposá-la, dando um nome à criança que ela traz dentro de si, e salvando sua dignidade.

Este estudo de costumes – baseado no romance de Jean Giono, “Un de Baumugnes”, esta história de família, com o pai ferido na sua honra, é um melodrama magnífico, tendo por pano de fundo a paisagem da Haute-Provence. Os atores interpretam com uma naturalidade perfeita e Fernandel, até então dedicado ao gênero comique-troupier, se revela como um grande ator. Orane Demazis tem um de seus melhores papéis. Rodado em cenários reais (ou instalados na natureza) e com som direto, Angèle, como Toni de Jean Renoir, realizado na mesma época, precedeu o neorrealismo italiano.

VALENTE A MUQUE (Dir: Christian-Jaque): Honorin (Fernandel) trabalha na pequena companhia teatral Cascaroni, que encena a peça “François 1er ou les amours de la belle Ferronière”. Certo dia, ele é chamado para substituir um ator que ficou doente. A fim de conhecer melhor seu papel, Honorin se deixa hipnotizar por seu amigo Cagliostro (Alexandre Mihalesco), que prediz o futuro no parque de diversões, onde o espetáculo se apresenta. O mago o transporta para o passado e ele se encontra, com um dicionário, na corte de François 1er, onde viverá aventuras espantosas.

Comédia burlesca mais popular do cinema francês de antes da guerra. Um dos motivos do seu sucesso foi a originalidade do relato onírico-fantástico com a utilização satírica do anacronismo. As cenas nas quais Fernandel folheia o Petit Larousse e fascina a corte renascentista com seus conhecimentos maravilhosos e a sequência  do “Suplício da Cabra”, quando seus gritos de terror são, de fato, risos incontroláveis provocados pelas cócegas que o animal lhe faz lambendo seus pés, são hilariantes. Em outros momentos divertidos, Honorin ensina as “palissadas” para M. De La Palisse e o foxtrote para o rei e seus súditos. Quando desperta de seu sonho hipnótico, o ator já está curado. Sem ter mais o que fazer, Honorin pede a Cagliostro que lhe envie  de novo para o passado e reaparece na corte, sob aplausos.

REGAIN (Dir: Marcel Pagnol): Aubignane é uma aldeia perdida na montanha, que está morrendo. Seus últimos habitantes são Panturle, o caçador (Gabriel Gabrio), e La Maméche (Marguerite Moreno), uma velha italiana meio louca. Esta sugere a Panturle que procure uma mulher, a fim de dar vida às ruínas. Chegam Arsule (Orane Demazis), uma jovem miserável, e Gédemus (Fernandel), um amolador de facas ambulante sórdido e egoísta. Arsule abandona Gédémus e vai morar com Panturle. E enquanto La Maméche morre despedaçada pelas aves de rapina, Panturle e Arsule, unidos pelo amor e ardor pelo trabalho, vão enfim regenerar aquele solo árido.

É a história de uma aldeia abandonada por seus habitantes que vai reviver graças ao amor, à coragem e à esperança de um casal de deserdados. Os símbolos são simples e diretos: o sulco nos campos, o nascimento de uma criança, o azul do céu, a fecundidade do solo … a vida ganhando da morte. Panturle e Arsule são personagens de coração puro que vivem no ritmo das estações em comunhão com uma Provença bucólica e profundamente verdadeira. Fernandel, faz um papel antipático, contra seu tipo. Ele compõe um personagem inesquecível de mascate dissimulado, covarde e corrupto, que explora uma mulher, trata-a mal e vem friamente discutir seu “preço de venda”.

LE SCHPOUNTZ (Dir: Marcel Pagnol): Iréné (Fernandel) e Casimir (Jean Castan), são dois modestos empregados no armazém de seu tio Baptiste (Charpin), que os educou. Casimir  gosta do que faz, mas Iréné  só pensa em se tornar um grande astro de cinema. Uma equipe de cineastas parisienses, que veio rodar um filme em exteriores no Midi, diverte-se com as pretensões do pobre “schpountz” (um ingênuo que se acredita dotado para o cinema”). No primeiro teste, Iréné provoca um riso geral. Os cineastas fingem que gostaram de sua apresentação e celebram com ele um falso contrato fabuloso de super-astro. Quando mostra seu contrato ao diretor do estúdio em Paris, o diretor expulsa-o de sua sala; porém, pouco a pouco, seu dom para a comédia, que é inato, acaba por se impor.

Uma meditação sobre a profissão de ator, sobre sua vocação e sobre a importância social do riso, o filme é um testemunho do gênio de Fernandel, cuja interpretação é de uma precisão e de uma eficácia extremas tanto no cômico como no dramático. Ele é um ator que vive e diz admiravelmente o texto, servindo como exemplo, a cena do teste, na qual Iréné repete, nos mais variados tons, a frase “todo condenado à morte terá a cabeça cortada”. É um grande momento de cinema.

A VOLTA AO MUNDO COM 😯 CENTAVOS (Dir: Maurice Cammage): Convocado pelo seu tabelião, Armand Lavarède (Fernandel) é informado de que herdará trinta milhões de seu primo, mas só receberá o dinheiro, se conseguir dar a volta ao mundo com vinte e cinco cêntimos. A prova será fiscalizada por dois árbitros: um inglês, Sir Murlington (Jean Dax), cuja filha Aurett (Josette Day) não parece insensível ao charme particular de Lavarède, e o locador deste, Mr. Bouvreuil (Marcel Vallée), ambicioso e intransigente. No caso de fracasso do legatário, a fortuna será dividida entre os dois árbitros. Lavarède dá um jeito de ir de um país para outro, envolvendo-se sempre em confusões, mas acaba finalmente recebendo a herança e se casando com Miss Aurett.

O argumento é delirante, misturando aventura e burlesco, saturado de situações amalucadas, narradas num ritmo “desenfreado” do começo ao fim. Foi um grande sucesso, graças em parte à interpretação de Fernandel, que se entrega a um grande número de metamorfoses físicas e canta algumas canções inspiradas, como a surrealista  “Par Brahma.”

LA FILLE DU PUISATIER (Dir: Marcel Pagnol): Acompanhado de seu assistente Felipe (Fernandel), Pascal Amoretti (Raimu), cava poços de água no campo provençal. Pascal é viúvo e tem seis filhas. Patricia (Josette Day), a mais velha, é seduzida por um aviador, Jacques Mazel (Georges Grey), filho dos ricos proprietários de um bazar (Charpin e Line Noro). Por sua vez, Felipe é apaixonado por Patricia, mas não tem coragem de declarar sua paixão. Jacques tem que partir com urgência para as manobras militares. Sua mãe esconde uma carta de amor, que ele deixou para Patricia. A jovem, grávida, sente-se abandonada. Felipe se declara pronto para esposá-la, apesar de tudo.; porém ela não quer aceitar sua dedicação. A guerra irrompe e Felipe também deve partir. Ao saber da verdade, Pascal procura os Mazel e lhes conta tudo. Mme. Mazel o acusa de chantagem. Ele se retira indignado e, “para evitar o escândalo”, manda Patricia para a casa de sua tia (Milly Mathis). Felipe retorna de licença e Jacques é dado como desaparecido. Felipe vai visitar Patricia e o retrato que ele faz do bebê, comove Pascal, e este acolhe sua filha e o netinho. Os Mazel, desesperados, vêm lhe pedir perdão: eles querem adotar a criança. No final, tudo se resolve: Jacques estava apenas ferido e prisioneiro. Ele se casará com Patricia. O bom Felipe se consolará com Amanda (Claire Oddera), a segunda filha de Pascal.

Não há nada de muito original nesta história de mãe solteira abandonada, que lembra um pouco a de Angèle; porém o pitoresco provençal admiravelmente reconstituído como sempre por Pagnol e o trabalho de Raimu e Fernandel, enriquecem o drama humano e comovente. Embora seu personagem seja um pouco sacrificado e mesmo à margem da ação, Fernandel lhe dá uma tal densidade, que ele se torna um verdadeiro deus ex machina da trama. O filme assumiu um valor histórico, por causa dos acontecimentos que marcaram a sua realização. Iniciado na primavera de 1940, a filmagem foi interrompida em junho. Foi retomada em 13 de agosto, com um roteiro modificado pelas circunstâncias trágicas da época. As famílias dilaceradas por um conflito de classes e de moral, se reconciliavam diante do desastre nacional, após o discurso de 17 de junho, pronunciado no rádio pelo Marechal Pétain (este discurso foi retirado das cópias em circulação após a guerra).

CABELEREIRO DAS ARÁBIAS (Dir: Jean Boyer): Marius (Fernandel) é tosquiador de carneiros na Provença. Sua dextreza o conduz a Marselha, onde passa a cuidar do penteado de cachorros de luxo e depois da peruca de bonecas. Ele pensa que é em Paris que a glória o espera e parte para a capital com Aline (Blanchette Bronoy), com quem se casou. Na cidade-luz, ele se torna cabelereiro de senhoras  e, sob o nome de Mario, fica logo muito apreciado por todas as mulheres elegantes. Uma delas, Mme. Geneviève Brochant (Renée Devillers), à qual ele restituiu graças à sua arte juventude e beleza, o instala nos Champs Elysées. Porém a celebridade lhe vira a cabeça e Mario quer deixar Aline, para se casar com a filha de Mme. Brochant (Françoise Soulie), uma jovem esnobe.  Ele compreende a tempo sua loucura e retorna com Aline para a sua Provença natal.

Esta sátira ligeira do arrivismo e do esnobismo tem uma narrativa ágil, repleta de situações divertidas e subentendidos marotos, mas também deveu muito de sua graça ao inimitável Fernandel, no papel de um sedutor meridional arrebatado pelo turbilhão da vida parisiense. Segundo testemunho de Robert Chazal (France-Soir), Fernandel fez uma improvisação sensacional no palco da filmagem. Quando o diretor, Jean Boyer, hesitou sobre o tom que iria dar a uma determinada cena, Fernandel disse: “Eu posso interpretar esta cena de várias  maneiras”. Ele então a interpretou quinze vezes seguidas e cada vez de uma maneira diferente. Somente ele podia demonstrar tanto virtuosismo, concluiu Chazal.

A ESTALAGEM VERMELHA (Dir: Claude Autant-Lara): Em 1883, uma diligência e depois um monge (Fernandel) e um noviço, Jeannou (Didier D’Yd), chegam a uma hospedaria em Peyrebelle no planalto de Ardèche. O hospedeiros, Pierre Martin (Julien Carette), sua esposa Maria (Françoise Rosay) e um criado negro, Fétiche (Lud Germain), por cupidez, matam todos os viajantes que ali costumam pedir abrigo. A filha  dos Martin, Mathilde (Marie-Claire Olivia), parece saber de tudo. Os escrúpulos atormentam a hospedeira e ela exige que o monge ouça a sua confissão. Este, impedido pelo segredo da confissão de revelar aos viajantes o perigo que eles correm, tenta desesperadamente salvá-los por outros meios.

É uma farsa macabra, satirizando com espírito voltairiano e de maneira burlesca o sentimento melodramático e o religioso através, respectivamente, do comportamento dos assassinos e do monge.  Nota-se, também, uma crítica da estupidez burguesa (representada pela conduta dos viajantes)  e da candura da adolescência (a heróina pura tradicional é cúmplice dos pais). Autant-Lara consegue equilibrar o elemento trágico e o cômico, extraindo de uma cena aparentemente trágica uma força cômica ou de uma cena aparentemente cômica uma fatalidade trágica. No final da farsa, os celerados são presos, e os viajantes – os hipócritas, os inúteis, os ridículos – encontram a morte logo em seguida.

O PEQUENO MUNDO DE DON CAMILLO (Dir: Julien Duviviver): Na aldeia italiana de Bassa, o prefeito Peppone (Gino Cervi), comunista, acaba de triunfar nas eleições e seu sucesso desagrada a Don Camillo (Fernandel), padre simpático que, nas sombras do presbitério, se entende amigavelmente com Nosso Senhor. Entretanto, uma espécie de amizade, fundada em uma estima recíproca, une Peppone a Don Camillo nos casos graves, e eles agem então de comum acordo para o bem da comunidade e da paróquia.

Nos tempos da guerra fria, o público apreciou esta farsa provinciana, animada pelas saborosas disputas opondo um prefeito comunista e um padre combativo. Humor, emoção, paixões políticas ou sentimentais fizeram desse filme, que podemos chamar de rabelaisiano, um grande sucesso de bilheteria dos anos 1950. Fernandel é um Don Camillo astucioso e truculento, mas de bom coração. Suas conversas  e sua “delicadezas” com Jesus são de uma comicidade irresistível, assim como os seus debates com Peppone, papel que Gino Cervi desempenha com humildade, conformando-se em servir de escada para o seu famoso colega.

FRUTO PROIBIDO (Dir: Henri Verneuil):  O Dr. Charles Pellegrin (Fernandel) se instala em Arles com sua mãe (Sylvie) e suas duas filhas. Viúvo, ele se casa pouco depois com Armande (Claude Nollier), continuando a viver uma existência tranquila, dedicada ao trabalho. O acaso de uma viagem à Marselha, o faz encontrar Martine Englebert (Françoise Arnoul), por quem se apaixona. Ela se torna ao mesmo tempo sua amante e sua secretaria. Armande surpreende Martine nos braços  de seu marido, mas guarda o silêncio. Porém a vida monótona de Arles entedia Martine rapidamente que, seguindo o conselho de Boquet (Jacques Castelot), dono de um bar, decide romper com Pellegrin. Para não perdê-la, Pellegrin decide deixar tudo para seguí-la. Porém Martine parte sem ele. Pellegrin voltará para a companhia de Armande que, mais compreensiva, saberá perdoá-lo.

Sólida adaptação do romance “Lettre à mon juge” de Georges Simenon, reunindo a pin-up dos anos cinquenta e o comediante número um da época. No papel do quarentão, dominado pelo “demônio do meio-dia”, Fernandel demonstra, de uma vez por todas, que seu talento lhe permite ser tão pungente no drama quanto é insuperável na comédia. Esta história banal de um adultério de província termina com a vitória tranquila da mulher legítima. É um filme “de qualidade”, que os rapazes da Nouvelle Vague fustigavam.

O CARNEIRO DE CINCO PATAS (Dir: Henri Verneuil): A municipalidade de Trézignan decide organizar uma festa para os quíntuplos, filhos de Edouard Saint-Forget. Eles deixaram a cidade há quarenta anos e o prefeito encarrega o padrinho deles, o Dr. Bollène (Édouard Delmont), de encontrá-los. Alain dirige um luxuoso instituto de beleza; Désiré vive de expedientes para sustentar sua mulher Solange (Paulette Dubost) e seus quatro filhos; Etienne é capitão de um navio cargueiro; Bernard, responsável pelo consultório sentimental de uma revista,  salva a jovem Marianne (Françoise Arnoul) de um casamento imposto pelos pais: Charles tornou-se um padre atormentado, por ser sósia do famoso Don Camillo.

Esta comédia sem pretensões obteve um êxito estrondoso. Fernandel, no auge de sua fama, encarna seis personagens distintos (Edouard Saint-Forget, Alain, Bernard, Désiré, Étienne Charles), com uma veracidade e maestria perfeitas. A cada um ele assegura uma personalidade própria, um temperamento diferente, um rosto dessemelhante. Se o “jogo da mosca e do açúcar” ganha longe a palma da originalidade, o episódio do falso Don Camillo desenvolve em meia-tinta uma idéia encantadora. Esses dois esquetes e mais aquele reunindo Fernandel e Louis de Funès, então um mero coadjuvante, são os mais engraçados.

A VACA E O PRISIONEIRO (Dir: Henri Verneuil): Em 1943, no interior da Alemanha, Charles Bailly (Fernandel), prisioneiro de guerra francês, trabalha com três companheiros na fazenda de Josefa (Ellen Schwiers), cujo marido partiu para a frente russa. Charles decide fugir de uma maneira original: ele atravessará a Alemanha até a fronteira, acompanhado de Marguerite, uma vaca do rebanho da fazendeira. Depois de muitos contratempos, Charles chega perto da fronteira onde, com o coração partido, se separa de sua companheira. Finalmente na França, para escapar do controle aduaneiro, ele se esconde no vagão de um trem, mas o comboio parte … em direção de Stuttgart. Charles será libertado como todo mundo em 1945!

A ação se desenrola preguiçosamente, mostrando as aventuras sucessivas, comoventes ou divertidas, que acontecem com o prisioneiro fugitivo e sua vaca. Quase sempre sozinho em cena, Fernandel, carrega, com sua eficiência habitual, todo o peso do filme. Sua simplicidade, sua humanidade, dão a essa história  a sua dimensão. E podemos perceber, mais uma vez, a qualidade de seu bom humor, de sua emoção, de sua dicção e o seu despojamento, que faz um grande comediante.

No dia 14 de março de 1968, Fernandel aceitou participar da grande homenagem que Guy Lux lhe prestou no seu famoso programa de televisão, ”Le Palmarès de la Chanson” e levou o público ao delírio, quando cantou, entre outras canções, “Les Gens riaient”, “Félicie aussi “e “Il en est” (ver no You Tube).

No dia 3 de maio, o grande ator foi convidado pelo Presidente Charles de Gaulle para jantar no Palais de l’Élysée. Apertando sua mão, o general se voltou para os outros convidados e disse: “Não preciso apresentar M. Fernandel: ele é o único francês mais célebre do que eu no mundo!”.

Vitimado pelo câncer, Fernandel faleceu em 28 de fevereiro de 1971, de um ataque cardíaco, no seu apartamento na Avenue Foch em Paris. Ele foi enterrado no cemitério de Passy.

UM CERTO CINEMA

fevereiro 25, 2011

Sempre gostei de ver fotos de artistas e diretores de cinema. Hoje em dia, na Internet, existem vários sites especializados em tais fotos e eu gostaria de recomendar aquele que, para mim, é o melhor de todos. Chama-se acertaincinema.com de autoria de Sergio Leemann.

As minhas galerias preferidas são: Directors in Action e When Directors Meet. Vejam alguns exemplos:

O site é escrito em inglês e, portanto, visitado por gente de todo o mundo. Além das fotos raras e de qualidade exemplar, com inúmeros tags, ele oferece notícias, reportagens (inclusive sobre o Festival de Cinema Mudo realizado anualmente em Podernone), lançamentos de livros, dvds e cds bem como artigos sucintos, mas substanciosos, sobre variados assuntos relacionados com a sétima arte.

Mais fotos:

Sinto-me à vontade para indicar o site de um amigo, porque ele é, de fato, muito bom. O Sergio tem uma cultura cinematográfica impressionante e exerceu as funções de editor da revista Cinemin; produtor de laser discs nos Estados Unidos; programador dos canais a cabo Telecine da Globosat e Lusomundo em Portugal; autor de Robert Wise on His Films e co-autor de Huston-Lubitsch-Zinnemann.

Mais fotos:

Ele agora está finalizando seu próximo livro, Diretores do Cinema Clássico Americano, cujo original eu já lí e posso afirmar que é um instrumento de pesquisa único no Brasil, além de oferecer aos leitores verbetes com informações preciosas.

Obs. Veja as legendas das fotos no site a certaincinema.com

OS CINEJORNAIS AMERICANOS

fevereiro 18, 2011

O  cine-jornal americano (newsreel) era um pot-pourri  de cenas com duração de cinco a dez minutos, cobrindo notícias  filmadas, que costumava ser exibido duas vezes por semana nos cinemas.

Por  mais de meio século, de 1911 a 1967, ele sobreviveu intacto e, durante este tempo, fez parte da programação de praticamente todas as salas de exibição dos Estados Unidos.

Antes de 1900, as “atualidades” (vg. L’Arrivée d’un train a La Ciotat, 1895)  e seus sucessores, os filmes de notícias (vg. Couronnement du Czar, 1895), tinham sido uma novidade suficiente para satisfazer o público. Entretanto, na medida em que o filme de ficção foi ganhando popularidade, o atrativo desse tipo de filmes declinou proporcionalmente.

Durante os primeiros anos da História do Cinema, o filme de “atualidades” e o de notícias foi mais promovido na Europa do que nos Estados Unidos por um imperativo tecnológico: o Cinematógrafo dos irmãos Lumière era uma máquina  portátil (relativamente leve e acionada manualmente, não dependendo de eletricidade) e mais versátil (usada como câmera, projetor e copiadora) do que o Vitascópio de Edison e os aparelhos patenteados por outras firmas americanas.

Com a câmera/projetor/copiadora, os cinegrafistas dos Lumière podiam filmar instantâneos nos próprios lugares onde estivessem, tirar cópia dos filmes e exibí-los no mesmo dia, à noite. Por outro lado, a facilidade de deslocamento do Cinematógrafo permitia a filmagem de cenas de eventos e personagens importantes do mundo todo, inclusive em regiões distantes.

Esses filmes de “atualidades” e de “notícias” deram à firma francesa uma evidente vantagem em termos de competição.

Os Cine-Jornais Mudos

Significativamente, foi uma firma francesa – Pathé Frères – que introduziu um rolo de filmes de notícias (isto é, um “newsreel”), regularmente distribuído sob a sua marca registrada, o galo dourado. Segundo consta, Leon Franconi, um empregado de Charles Pathé, que trabalhava na sucursal americana, convenceu seu patrão a lançar uma “revista” semanal de notícias. Assim, em 1909, surgiu o primeiro cine-jornal, intitulado inicialmente Pathé Fait Divers e depois Pathé Journal.

O primeiro cine-jornal da Pathé produzido na América, intitulado Pathé’s Weekly, estreou em 8 de agosto de 1911. Ele se tornaria o cine-jornal americano de maior longevidade.

O Pathé’s-Weekly foi anunciado como uma revista ilustrada num filme, “as notícias do mundo em imagens”. O programa inaugural misturava eventos estrangeiros e domésticos. Os eventos estrangeiros consistiam em cenas de um desfile militar e da inauguração do monumento em homenagem à Rainha Vitória em Londres; cenas da apresentação dos estandartes de um regimento de zouavos franceses no Hôtel des Invalides, em Paris; cenas da visita do príncipe herdeiro alemão e sua esposa em São Petersburgo; cenas de um  torneio aquático em Nice, França e cenas de uma inspeção das tropas germânicas em Postdam. Os eventos americanos mais notáveis eram o navio de guerra “North Dakota” atracado no estaleiro da Marinha no Brooklyn para reparos; o concurso hípico anual em Long Beach e as regatas no Lago Saratoga.

Durante o primeiro ano de sua distribuição, o Pathé’s Weekly continha uma média de sessenta por cento de assuntos americanos. A princípio, a cobertura americana centralizava-se em torno de eventos ocorridos em Nova York, porém, gradualmente, a companhia começou a cobrir eventos em outras partes do país.

Em 1911, foi contratado o primeiro cameraman ou cinegrafista em tempo integral, J. A. Dubray. Em 1913, a equipe de cinegrafistas incluía ainda Victor Milner, Faxon Dean, Eddie Snyder, Berton Steene, Bill Harison e Ben Strutman enquanto que, além do editor geral P.D. Hogan, havia mais dois editores, Emanuel (“Jack”) Cohen e Al Richard. Em 1914, o Pathé’s Weekly estava empregando 37 cinegrafistas através do continente norte- americano.

Logo depois que o Pathé’s Weekly foi introduzido nos Estados Unidos, cine-jornais concorrentes começaram a aparecer: The Vitagraph Monthly of Current Events, Gaumont Animated Weekly, Mutual Weekly, Kinograms, Hearst-Selig News Pictorial e,  mais tarde, Universal Animated Weekly e Fox Newsreel.

O Vitagraph Monthly of Current Events surgiu em 18 de agosto de 1911, mas teve vida curta, sendo absorvido, depois de um ano de existência, pelo cine-jornal de William Randolph Hearst. O Gaumont Animated Weekly estreou em 1912 e encerrou suas atividades em cinco meses, porém a sua versão internacional, Gaumont Weekly, continuou a ser distribuída nos Estados Unidos, fundindo-se posteriormente com o Kinograms. O Mutual Weekly deu seus primeiros passos em 1912 com Pell Mitchel como editor e Larry Darmour e Al Gold como cinegrafistas, que continuaram desempenhando um papel importante na produção de cine-jornais,  depois que o Mutual desapareceu. O Kinograms, fundado por George Baynes e editado por Terry Ramsaye, estreou em 1919, sendo distribuído originariamente pela World Film Corporation, de propriedade de Lewis J. Selznick. A certa altura, o Kinograms foi controlado pela Associated Screen News que, durante o início dos anos 20, distribuiu um cine-jornal chamado Selznick News, de pouca duração. A partir de 30 de janeiro de 1921, o material filmado do Kinograms e do Gaumont Weekly foi combinado e distribuído pela Educational Film Exchanges, Inc. Esta firma expandiu as operações do Kinogram a ponto dele ter sido selecionado pelo Capitol de Nova York, o maior cinema do mundo na época, como o seu cine-jornal exclusivo. O Kinogram fechou as portas  em 1931.

O exame dos primeiros trade papers e as memórias e reminiscências de pioneiros do cinema, revelam ainda os nomes de outros cine-jornais, que apareceram brevemente nas telas e então sumiram para sempre. Entre esses, incluíam-se o New York Weekly, um cine-jornal local exibido por Marcus Loew  na cidade de Nova York por volta de 1914; o Celebrated Players Screen News, distribuido em Chicago em 1921; o Item Animated Weekly, produzido por John W. Boyle em New Orleans em 1913; o Argus Weekly (“The Argus Sees All”) produzido em Hollywood em 1912 por Enrique Vallejo, Harry Revere, Dal Clawson e Bert Longnecker; e o Golden Gate Weekly, distribuído pela Golden Gate Film Exchange de Sol Lesser em 1914. De interesse também foi um cine-jornal intitulado Newspictures, introduzido entre 1915 e 1916 pela Paramount. Ele fracassou imediatamente e, somente em 1927 a companhia iria se se aventurar novamente no mesmo negócio, com o seu cine-jornal sonoro.

Durante o mesmo período, entretanto,  despontou um competidor mais tenaz, para rivalizar a liderança do Pathé’s Weekly; e, o que foi mais importante, ele trouxe um dos nomes mais celebrados do jornalismo – o de William Randolph Hearst – para a indústria cinematográfica como produtor de cine-jornal. No início de 1914, foi celebrado um acordo entre a Selig Poliscope Company e o grupo Hearst, para a produção mútua de um cine-jornal chamado Hearst-Selig News Pictorial. A primeira edição foi distribuída em 28 de fevereiro de 1914. Com o lançamento dessa série, a organização Hearst iniciou uma associação com o negócio de cine-jornais, que sobreviveria até o encerramento das operações do Hearst Metrotone em 1967. Por alguma razão, a primitiva aliança com Selig teve breve duração, tendo sido concluída em dezembro de 1915.

No mês seguinte, Hearst ajustou um novo acordo, desta vez com a Vitagraph Company, pelo qual o Vitagraph Monthly of Current Events seria descontinuado e substituído por um novo cine-jornal, intitulado Hearst-Vitagraph Weekly News. Entretanto, o Hearst-Vitagraph Weekly News naufragou dentro de poucos meses e foi abandonado. Por um curto período de tempo, em 1916 e começo de 1917, o grupo Hearst distribuiu seus filmes sob o titulo International Weekly.

Em 1 de janeiro de 1917, Hearst acertou uma nova aliança para produção e distribuição, desta vez com o seu rival, Pathé.  O novo produto tomou o nome de Hearst-Pathé  News e foi distribuído com este título a partir de 10 de janeiro de 1917. Todavia, a nova associação durou pouco mais de um ano, no fim do qual ambas as companhias seguiram caminhos separados.

O nome Hearst foi retirado do cine-jornal (provavelmente por causa da controvérsia sobre os seus sentimentos pro-germânicos), que passou a se chamar International Newsreel Ele passou  a ser distribuído, durante os anos 20, pela Universal e, após a introdução do som, pela Metro-Goldwyn-Mayer.

Subsequentemente à ruptura com Hearst em dezembro de 1915, a Selig Polyscope Company se uniu ao jornal Chicago Tribune e produziu um cine-jornal sob o título Selig-Tribune , anunciado vistosamente como “O Maior Cine-Jornal do Mundo”. Apesar de sua rápida expansão, o Selig-Tribune não sobreviveu por muito tempo e em 1917 não estava mais disponível.

Outros cine-jornais, melhor financiados e distribuídos, apareceram no mercado e foram prosperando. Em 1913, a Universal apresentou o Universal Animated Weekly tendo Joseph T. Rucker, U.K. Whipple e Frank Dart como seus principais cinegrafistas. Um dos vários furos jornalísticos obtidos pela companhia foi a filmagem em 1914 da tripulação e oficiais a bordo do cruzador britânico Caronia, que havia ancorado secretamente em Sandy Hook, Nova York, durante os primeiros dias da Primeira Guerra Mundial, tentando aprisionar os navios alemães que saíam do porto.

Numa indústria na qual a taxa de mortalidade das companhias produtoras de cine-jornais era muito alta, o produto distribuído pela Universal foi o mais duradouro de todos; ele somente se extinguiu em 1967, quando era o mais antigo do país.

O último dos cine-jornais mais bem sucedidos nasceu em 11 de outubro de 1919, produzido pela Fox, e sobreviveu até 1963. O Fox News foi o primeiro cine-jornal afiliado a um serviço telegráfico – no caso, a United Press. Conforme os termos desta associação, a UP cedeu seu serviço telegráfico com exclusividade para a Fox e colocou à sua disposição a assistência de seus próprios repórteres e fotógrafos.

O Fox News recebeu um impulso sem precedente, quando veio a público uma carta do Presidente Wilson elogiando o seu lançamento. Em 1922, a Fox afirmava que tinha 1.008 cinegrafistas, a maioria dos quais, é claro, correspondentes. Seu departamento de cine-jornais, chefiado por Pell Mitchell (outrora encarregado do Gaumont Weekly), tinha uma agenda agressiva, assegurando matérias exclusivas dos principais acontecimentos e levando-as para os cinemas antes de seus competidores. Apenas em 1921, ele deu nada menos do que 17 furos de reportagem, entre os quais se incluíam: cenas do bandido mexicano Pancho Villa no seu rancho; o príncipe herdeiro da Alemanha no exílio; imagens do interior do  dirigível americano Roma: as primeiras fotos  oficiais” da Ku Klux Kan; fotos aéreas da inundação do rio Arkansas em Pueblo, no Colorado; a primeira filmagem de aeroplano do Grand Canyon e cenas do primeiro vôo de Nova York a Chicago.

Material extraordinário do Monte Vesúvio em erupção também foi obtido pelo cinegrafista Russell Muth, que vôou diretamente sobre o vulcão e quase morreu no desastre do seu avião. Menos espetacular, porém mais importante, foi uma edição especial, exibida pela Fox em 1922,  sobre a política expansionista do Japão. Esta série, em capítulos, intitulada Face to Face with Japan, tentava responder a pergunta: Existe ameaça de guerra entre os Estados Unidos e o Japão?

Nos anos seguintes, a Fox consolidou e manteve sua posição. Sob a direção de Truman Tulley e depois Edmund Reek, ela introduziu na indústria o primeiro cine-jornal sonoro em 1929, após o que aumentou sua equipe, ampliou sua cobertura e elaborou novas técnicas de produção.

Em 1918, quatro nomes da História do Cine-Jornal Americano haviam introduzido as suas séries: Pathé, Hearst, Universal e Fox. A Paramount, só faria isso com sucesso em 1927, quando os editores pioneiros, Emanuel Cohen e Al Richard pediram demissão da Pathé para chefiarem o seu próprio departamento de cine-jornais, levando com eles excelentes cinegrafistas. Apresentado primeiramente ao público como um cine-jornal mudo (“Os Olhos do Mundo”), o Paramount News adquiriu uma voz logo após a introdução do som e se tornou “Os Olhos e Ouvidos do Mundo”. Quanto à Metro-Goldwyn-Mayer, ela começou, naquele mesmo ano, a distribuir o cine-jornal de Hearst.

De 1918 em diante, embora muitos outros cine-jornais tivessem aparecido brevemente nas telas dos cinemas, a História do Cine-Jornal Americano se concentraria nas operações dessas cinco grandes firmas.

Talvez o episódio mais curioso dessa História na sua fase silenciosa, tenha sido o contrato celebrado entre a Mutual Film Corporation e o líder mais conhecido da Revolução Mexicana, Pancho Villa. De acordo com os termos do contrato, a Mutual pagaria 25 mil dólares ao famoso rebelde na data da assinatura do documento e mais 50 por cento de percentagem sobre a renda do filme. Villa se comprometeria a não deixar que nenhuma outra companhia filmasse as suas batalhas. Nos termos deste ajuste extraordinário, o general mexicano e a Mutual produziram cenas de combate artisticamente elaboradas, especificando que, sempre que possível, os combates se dariam durante o dia e nas horas que fossem convenientes para os cinegrafistas. Villa chegou a atrasar um ataque à cidade de Ojinaga, até que a Mutual pudesse trazer seus cinegrafistas para o local. Charles Rosher, que depois se tornaria um grande fotografo do filme de ficção, era um dos técnicos convocados pela Mutual para filmar a guerra. Outros cinegrafista que atuaram durante a Primeira Guerra Mundial e que se tornaram grandes fotógrafos e / ou diretores no futuro foram: Josef von Sternberg, Hal Mohr, Victor Fleming, Ernest Schoedsack, Farciot Edouart, Wesley Ruggles, George Hill, etc

Os Cine-Jornais Sonoros

Depois da Warner, outra companhia que apressou a conversão para o som foi a Fox Film Corporation; porém William Fox preferiu usar o sistema Movietone em jornais cinematográficos. Com o acréscimo do som, o produto da Fox obteria uma vantagem, pois o outro único estúdio com capacidade para utilizar o som, a Warner, não tinha um jornal cinematográfico. Nos primeiros meses de 1927, a Fox lançou seu cine-jornal sonoro, Fox-Movietone News com duas reportagens de grande sucesso: a partida do vôo transatlântico de Charles A. Lindbergh e a recepção calorosa que A Águia Solitária teve em Washington e Nova York. Elas foram aplaudidas de pé por uma platéia de 6.200 pessoas. Essas duas reportagens sobre Lindbergh foram na verdade edições especiais do Fox-Movietone News. Somente em 28 de outubro de 1927, o primeiro cine-jornal sonoro da Fox estreou no Cinema Roxy, contendo os seguintes tópicos: Cataratas do Niagara: Romance do Cavalo de Ferro: Jogo de Futebol  no Estádio de Yale: Rodeio em Nova York. Seis semanas depois, em 3 de dezembro de 1927, o Fox Movietone News passou a ser exibido regularmente nos cinemas de todo o país.

O cine-jornal da recepção de Lindbergh em Washington havia sido encenado e produzido por Jack Connolly, ex-editor de jornal, que aderiu ao cine-jornalismo. Depois de captar a voz de Lindbergh e do Presidente Coolidge, Connolly empenhou-se em fotografar outras celebridades internacionais para o Fox-Movietone News. Juntamente como os cinegrafistas Ben Miggins e os técnicos de som Harry Squires, D.F. Whitting e Eddie Kaw, Connolly partiu para a Europa  a fim de registrar o rosto e a voz de toda personalidade importante da época.

Um dos primeiros líderes políticos estrangeiros a ser fotografado foi o ditador italiano Benito Mussolini. Após a gravação, Mussolini teria dito: “Seu cine-jornal falado tem possibilidades políticas extraordinárias … Deixe-me falar através dele em vinte cidades da Itália uma vez por semana e eu não vou precisar de mais nenhum outro poder”.

Provavelmente a entrevista mais popular foi a de George Bernard Shaw que, a princípio, foi um dos que mais relutaram em aparecer diante das câmeras  do Fox-Movietone News. Um dia, inesperadamente, Shaw convocou Connolly e disse que consentiria em falar, desde que lhe fosse permitido dirigir a produção. Connoly concordou e o resultado foi um das aparições mais encantadoras em cine-jornais.

Em 1927, o International Newsreel de Hearst, que durante anos distribuiu suas séries através da Universal, assinou um contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer para produzir outro cine-jornal mudo inteiramente diferente para esta companhia. Dois anos depois, em 1929, Hearst firmou novo pacto com a MGM, comprometendo-se a produzir duas versões do seu cine-jornal: uma versão silenciosa intitulada MGM International Newsreel e outra sonora, intitulada Hearst Metrotone News. O novo contrato entre Hearst e a MGM fez com que a Universal, decidisse introduzir o seu próprio cine-jornal.

Vários cine-jornais tentaram penetrar num mercado dominado pelos grandes estúdios. Mudos ou sonoros, de âmbito nacional ou regional, no final das contas, todos fracassaram. Entre esses: Selznick News, (Henry) Ford Animated Weekly, American Newsreel (editado e produzido por Lowell Thomas), Junior Newsreel (para crianças), Eve’s Film Pictorial (para mulheres), Iwoa News Flashes, Chicago Daily News Newsreel e All American News, estes três últimos expressamente para comunidades negras.

Apenas um cine-jornal independente, introduzido nos anos 30, sobreviveu. Não era, estritamente falando, um cine-jornal; não era distribuído para o mercado cinematográfico e não competia com as cinco grandes companhias. Em junho de 1937, Eugene Castle, produtor de curtas-metragens industriais e publicitários, lançou o Castle News Parade, oferecendo para venda direta aos espectadores.  o material dos cine-jornais das majors, reduzido para 16mm e 8mmm. A primeira edição do Castle News Parade mostrava o desastre com o Hindenburg;  a segunda, a coroação de George VI; e a terceira, a história da vida do Duque de Windsor. A Castle Films prosperou por muitos anos na sua produção de cine-jornais e curtas-metragens para os entusiastas do cinema-em-casa.

Porém, nos cinemas comerciais somente os cinco grandes cine-jornais conseguiram sobreviver: Fox-Movietone News, Hearst Metrotone News (depois reintitulado News of the Day), Paramount News (“The Eyes and Ears of the World”), Pathé News (depois RKO-Pathé News e Warner-Pathé News) e Universal News (também conhecido como Universal Newsreel e Universal intenational News). Seus títulos no Brasil eram, pela ordem: 20th Century-Fox Atualidades; Metrotom Atualidades (depois Notícias do Dia); A Voz do Mundo; Atualidades RKO-Pathé (depois Warner-Pathé); Noticiário Universal.

O Fox Movietone News era o cine-jornal mais importante, empregando um grande número de cinegrafistas e mantendo o maior número de escritórios regionais em todo o mundo. Ele caracterizava-se pela divisão das notícias por categorias, cada qual com seu próprio título e narrador. Lowell Thomas, por exemplo, atuou como narrador principal durante muitos anos enquanto Ed Thorgensen descrevia o material filmado sobre esportes.

No Pathé News, editado por Courtland Smith, a partir de 1935, o locutor de rádio Harry Von Zell atuava regularmente como a ˜”Voz do Pathé News” e Clem McCarthy, narrava os acontecimentos esportivos. Durante o período  silencioso, a Pathé servia aos cinemas independentes. Em 1933, houve uma fusão entre a organização Pathé e a RKO Pictures, promovida pelo financista Joseph P. Kennedy. A fusão forneceu à RKO um cine-jornal (RKO-Pathé News) com o qual ela podia preencher a sua programação na competição com os outros grandes estúdios. A associação durou até agosto de 1947, quando a Pathé deixou a RKO e começou a distribuir  seus cine-jornais através da Warner Brothers. Em agosto de 1947 a Warner Bros. comprou o Pathé News e começou a distribuir o Warner Pathé News nos seus próprios cinemas.

O sucesso dos cine-jornais sonoros foi tanto que, em 2 de novembro de 1929, a Fox inaugurou o cinema Embassy na Broadway com a Rua 46 em Nova York e o devotou exclusivamente para a exibição de cine-jornais. Em março de 1931, outro cinema de cine-jornais, o Trans-Lux, abriu também em Nova York, gerenciado por dois ex-membros da equipe do Fox Movietone, Courtland Smith e Jack Connolly. Um terceiro cinema de cine-jornais, surgiu em 1939, quando um grupo  de negocistas de Nova York liderado por Alfred A. Burger e Herbert L. Sheftel fundaram o Telenews Theater em San Francisco. Ele abriu suas portas em 1 de setembro de 1939 e, no primeiro programa, o assunto era a invasão germânica da Polonia. Durante as próximas duas décadas, o Telenews abriria uma cadeia de treze cinemas similares através do país e também a sua própria produtora de cine-jornais.

Depois do advento do som, alguns fatores começaram a contribuir para o declínio da qualidade dos cine-jornais e o eventual malogro das organizações, que os produziam nos anos 50 e 60. Um desses fatores foi o fim da rivalidade selvagem, que havia sido a característica da produção de cine-jornais durante a era do cinema silencioso.

Enquanto o cinegrafista dos anos 20 fazia de tudo para conseguir um furo jornalístico, exibir seu material filmado antes dos outros e até sabotar seus competidores, os cinegrafistas dos anos 30 cooperavam entre si e participavam  de um sistema de cobertura, no qual um único cinegrafista ou um número limitado de cinegrafistas  filmava um determinado evento e o material filmado era compartilhado por todos os produtores de cine-jornais interessados.

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos teve necessidade de estabelecer esse sistema, para  proporcionar uma cobertura civil da guerra satisfatória. Havia operações militares demais em andamento para que um único cine-jornal pudesse cobrir todas elas. O dito sistema terminou oficialmente em 1945, mas a sua prática continuou na cobertura de muitos cine-jornais de prestígio.

Em acréscimo aos cine-jornais comerciais domésticos que operavam durante a guerra, o governo dos Estados Unidos financiou o seu próprio cine-jornal para espectadores de além mar, intitulado United Newsreel.  A produtora era uma empresa privada (United Newsreel Corporation), de fins não lucrativos, criada em 1942 pelas cinco maiores companhias produtoras de cine-jornais – Paramount, Pathé, Fox, Universal e MGM – em associação com o Office of War Information. O United Newsreel foi planejado como um meio de contra-propaganda e era exibido em dezesseis idiomas, não somente nos países amigáveis, neutros ou em dúvida como também  jogados atrás das linhas inimigas numa versão em alemão. O contrato do governo com a United Newsreel Corporation findou-se em 15 de dezembro de 1945.

O cine-jornal americano beneficiou-se de suas experiências do tempo de guerra na medida em que atingiu uma nova maturidade. Entretanto, ele passou por outras mudanças, que iriam agir em seu detrimento. Primeiro, a falta de competição entre cinegrafistas e estúdios, como vimos algumas linhas atrás. Segundo, a uniformidade na cobertura, que ocorreu na medida em que cada cine-jornal oferecia tópicos quase idênticos aos seus espectadores. Os cinemas sobreviveram apenas por causa do grande interesse pelas notícias de guerra assim como pelos esquemas de promoções tais como aquele que fornecia gratuitamente ampliações de fotogramas de cenas de combate  aos espectadores que reconheciam parentes  ou entes amados nos filmes. Terceiro, o material filmado que chegava aos cinemas era severamente censurado, particularmente na primeira fase da guerra. O cine-jornal sobre o ataque a Pearl Harbor só foi liberado um ano depois do acontecimento. Tal censura estendia-se à apresentação de cenas de soldados americanos feridos ou mortos. Algumas vezes os próprios gerentes dos cinemas extirpavam cenas dos cine-jornais de guerra que eles achavam demasiadamente repulsivas. O Radio City Music Hall recusou exibir cine-jornais dos campos de concentração de Dachau e Buchenwald. Quarto, a duração padrão de um rolo do cine-jornal americano que nunca havia sido suficiente, para permitir uma exposição satisfatória em tempos normais, foi abreviada ainda mais por ordem do governo no período de 1942-1945. Quinto, assuntos controversos, especialmente os de natureza política, virtualmente desapareceram das telas. Esta ausência  produziu efeitos que duraram até muito depois da guerra e tornaram o cine-jornal mais inócuo. A Marcha do Tempo / The March of Time, por exemplo, que era anteriormente uma das revistas cinematográficas mais polêmicas do mundo nunca mais conseguiu retomar o seu estilo impudente e iconoclástico de antes da guerra.

A Marcha do Tempo, lançada em 1935 pela Time Inc., produzida por Louis de Rochemont, distribuída pela 20th Century-Fox e narrada pela voz inconfundível de Westbrook Van Voorhis (“Time…marches on!”), revolucionou os conceitos existentes de jornalismo e fílmico e durante dezesseis anos causou um grande impacto sobre o público americano e internacional. A partir de outubro de 1942, a RKO lançou uma revista concorrente, Assim é a América / This is America, na qual muitos episódios foram dirigidos por Richard Fleischer e por Slavo Vorkapich, o mestre de sequências de montagem.

Em 1949, a indústria da televisão comercial estava bem estabelecida e seus serviços de notícias iniciaram uma concorrência real aos produtores de cine-jornais cinematográficos. Com o passar do tempo,  a cobertura de notícias pela televisão do pós-guerra melhorou rapidamente assim como a qualidade de sua imagem.

A partir de 1950, os cinemas especializados e as grandes companhias produtoras de cine-jornais começaram a fechar. No outono de 1951, A Marcha do Tempo cessou suas operações. O mesmo aconteceu com o Warner Pathé News em agosto de 1956; com o Paramount News em fevereiro de 1957; com o Fox- Movietone News em setembro de 1963; com o Hearst Metrotone (News of the Day) em novembro de 1967; com o Universal Newsreel em dezembro de 1967.

Neste artigo, que teve como fonte inestimável de consulta, o magnífico livro de Raymond Fielding, The American Newsreel (University of Oklahoma, 1972), fizemos apenas um resumo da História do Cine-Jornal Americano. Quem quiser conhecer melhor esta matéria, encontrará informações mais detalhadas na obra de Fielding, que recomendamos entusiasticamente.

CHARLES CHAPLIN – GÊNIO UNIVERSAL DO CINEMA

fevereiro 10, 2011

Charles Chaplin foi o gênio mais universal do Cinema. Carlitos seduziu simultaneamente as massas e os intelectuais, fez rir e chorar as platéias de todo o mundo e, na linha do humanismo poético, o solitário tragi-cômico nos estimulou  ao desejo das coisas que nunca perecem: a beleza, o sonho, a ternura,  o sentimento de liberdade, a esperança.

Charles Spencer Chaplin nasceu a 16 de abril de 1889 em Londres, Inglaterra, filho de Charles Chaplin e Hannah Hill. Hannah era filha de um fabricante de sapatos de origem cigana. Ela fugiu de casa aos 16 anos e foi trabalhar no music-hall, adotando o nome artístico de Lily Harley. Hannah logo se apaixonou por Charles Chaplin, o filho de um açougueiro, que se tornara ator. Porém, três anos depois, ela o abandonou e foi para a África do Sul com outro amante, Sydney Hawkes.  Segundo apurou o Dr. Stephen Weissman, autor de Chaplin, A Life (Arcade, 2008), Hawkes, um vigarista que se fazia passar por aristocrata rico, mas era de fato um cafetão, levou Hannah para Witwatersrand, cidade de crescimento rápido em virtude da corrida para as jazidas de ouro, e a explorou como prostituta nos salões de baile frequentados pelos garimpeiros.

Por volta de 1884, Hannah estava farta daquilo e, embora tivesse sido engravidada por Hawkes, decidiu retornar à Inglaterra e procurar o seu antigo namorado, Charles Chaplin. O filho de Hawkes, também chamado Sydney, nasceu no ano seguinte. Hannah e Charles recomeçaram o seu relacionamento romântico e trabalharam juntos nos palcos londrinos. Em 1886, eles se casaram e, no devido tempo, tiveram o seu próprio filho, o futuro criador de Carlitos. Porém logo Hannah  abandonou Charles de novo, desta vez atraída por um ator mais famoso, Leo Dryden, de quem teve seu terceiro filho, Wheeler. Sydney e Wheeler trabalhariam para Chaplin no futuro.

Depois que Dryden se separou, levando o seu bebê com ele, Hannah foi obrigada a aceitar compromissos em teatros de terceira classe, para alimentar os seus outros dois filhos. Sua carreira vacilante finalmente se interrompeu numa noite, quando perdeu a voz no meio de uma representação.

Chaplin recordou o incidente na sua autobiografia: “Foi devido às falhas de voz de mamãe que, na idade de cinco anos, aparecí pela primeira vez num palco. A peça era A Cantina, apresentada no Aldershot, um teatrinho poeira frequentado principalmente por soldados. Lembro-me de que estava de pé nos bastidores, quando a voz de mamãe falhou, reduzindo-se a um mero sussurro. O público começou a rir, a cantar em falsete e a miar como gato. O barulho aumentou tanto, que ela se viu obrigada a sair de cena. Chegou aos bastidores agitadíssima, pôs-se a discutir com o empresário e o homem, que me vira representar para os amigos de mamãe, sugeriu que eu me pusesse em cena no lugar dela. No meio da cançoneta, uma chuva de moedas desabou sobre o palco. Imediatamente parei e disse que primeiro iria apanhar o dinheiro e cantava o restante da cantiga depois. Grandes gargalhadas. O empresário reapareceu com um lenço e me ajudou a apanhar as moedas. Desconfiei que ele fosse ficar com elas. Essa desconfiança foi transmitida à platéia e redobraram as gargalhadas, especialmente quando o empresário saiu do palco com o dinheiro e eu o seguí ansiosamente. Só depois que ele entregou o dinheiro a mamãe, foi que voltei ao palco e continuei a cantar”.

Nos meses seguintes, o menino teve que encarar um problema maior. Sua mãe começou a ter fortes enxaquecas, acompanhadas de alucinações horripilantes. As dores de cabeça, que duraram um mês, impediram-na de cuidar de seus filhos e eles foram levados para um abrigo de pobres. Quando Chaplin tinha sete anos de idade, ele e o irmão foram removidos para a Hanwell School for Orphan and Destitute Children.

Passado algum tempo, Hannah recuperou-se suficientemente para tomar conta dos filhos. Obcecada com sua  saúde debilitada, ela se aproximou da religião. Agora, em vez de subir no palco, Hannah passava as suas tardes interpretando cenas da Bíblia para seus filhos em casa.

Em 1898, ela foi diagnosticada como sifilítica – de acordo com relatórios médicos recentemente descobertos pelo Dr. Weissman- , sofrendo de episódios psicóticos violentos caraterísticos do estado terciário da doença. Hannah foi internada no asilo de alienados de Cane Hill, nos arredores de Londres e Sydney e Chaplin passaram à custodia do pai e da madrasta, Louise.

Finalmente, Hannah foi liberada de Cane Hall e mãe e filhos se reuniram num quarto modesto perto de um matadouro no bairro de Kennington, onde ela voltou a costurar com uma máquina de costura emprestada. Nesse tempo, sua renda foi complementada por uma pensão do pai de Chaplin, que começara a assumir mais seriamente as suas responsabilidades paternas.

O progenitor de Chaplin, alcóolatra, morreu em 1901 de cirrose hepática com apenas 37 anos de idade. A mãe de Chaplin teve outras crises nervosas e internações, mas sobreviveu até 1928, quando veio a falecer, aos 65 anos, numa clínica da Califórnia.

Renomado psiquiatra, o Dr. Weissman oferece no seu livro um retrato analítico fascinante do homem que, de 1915 aos meados dos anos 30, foi a pessoa mais famosa do mundo. Segundo Waissman, Chaplin recriou sua infância dolorosa repetidas vezes nos seus filmes, especialmente através das aventuras de sua persona fílmica, o Pequeno Vagabundo, o cômico e amável Homem Comum, que nunca desanima diante da adversidade.

Aos quatorze anos, estimulado por Sydney, o jovem Chaplin foi bater nas portas dos agentes teatrais. Numa das investidas às agências, ele obteve finalmente o papel infantil na peça Jim, the Romance of a Cockney e, em seguida, interpretou o empregadinho de Sherlock Holmes, primeiro ao lado de H. A. Santsbury e depois do ator americano William Gilette, que excursionava pela Inglaterra.

Posteriormente, atuou numa companhia de variedades, o Casey’s Circus, parodiando o célebre bandoleiro Dick Turpin e o “Dr.” Walford Bodie, um sujeito  metido a erudito, que se dizia doutor, além de se apresentar uma semana no Foresters Music Hall, como galã juvenil, num esquete intitulado The Merry Major.

Sydney, a essa altura, estava na empresa de Fred Karno.

Certo dia, Sydney me anunciou que o Sr. Karno queria falar comigo. Quando cheguei, ele me acolheu carinhosamente:

“- Sydney vive me dizendo quanto você é bom. Acha que é capaz de contracenar com Harry Weldon em The Football Match?

“- Só preciso que me dêem uma oportunidade – disse-lhe com confiança.

“Karno sorriu:

“-Dezessete anos é muito pouca idade e você parece ainda mais moço.

“Encolhí os ombros sem hesitar:

“- Isto é uma questão de maquilagem.

“Karno riu; e mais tarde disse a Sydney que fora aquele encolher de ombros que me deu o emprego”.

A empresa de Karno compreendia várias companhias. Em 1910 e, de novo, em 1912, Chaplin foi com uma delas sob a gerência de Alf Reeves, para os Estados Unidos.

Lá, Mack Sennett viu-o interpretando um bêbado em A Night in a London Music-Hall e o indicou a Adam Kessel, um dos donos da Keystone Company. “Ao entrar nos estúdios da Keystone, em Edendale, fiquei extasiado. Uma luz suave   banhava todo o palco de filmagem … Depois de ter sido apresentado a dois ou três atores, comecei a me interessar pelo que ali se fazia. Havia três montagens, lado a lado uma das outras e três companhias de comédia trabalhavam nesses cenários. Era como estar vendo alguma coisa na Feira Mundial. Numa das montagens Mabel Normand batia furiosamente numa porta gritando: “Deixe-me entrar”. Depois a câmera parava de trabalhar. Era só isso o que se filmava na ocasião. Foi uma revelação para mim, que ainda não tinha a menor idéia de que o Cinema fosse feito aos pedacinhos, como num jogo de armar”.

No primeiro filme, Carlitos Repórter / Making a Living, Chaplin fez o papel de vilão, vestindo fraque, chapéu alto, monóculo e um bigode de pontas viradas para baixo. No segundo filme, Corridas de Automóveis para Meninos / Kid Auto Races at Venice, começou a nascer o personagem de Carlitos.

“Não tinha a menor idéia sobre a caracterização que iria usar. A do repórter não me agradara. Contudo, a caminho do guarda-roupa, pensei em usar calças bem largas, estilo balão, sapatos enormes, casaquinho bem apertado, chapéu-côco pequenino e uma bengalinha. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças fofas com o casaco justo, os sapatões com o chapeuzinho. Estava indeciso sobre se devia parecer velho ou moço. Lembrei-me de que Sennett esperava que eu fosse mais idoso e, por isso, adicionei ao tipo um pequeno bigode que, pensei, aumentaria a idade, sem prejudicar a mobilidade da minha expressão fisionômica. Não tinha nenhuma idéia igualmente da psicologia do personagem. Mas, no momento em que assim me vestí, as roupas e a caracterização me fizeram compreender a espécie de pessoa que eu era. Comecei a conhecer o personagem e, no momento em que entrei no palco de filmagem, ele já havia nascido. Estava totalmente definido”.

Vários imitadores de Chaplin – Billy West, Billie Ritchie, Bobbie Dunn, Ray Hughes, Charles Amador, etc. – usaram indumentária parecida mas, é claro, nenhum o igualou.

Os diretores das comédias da Keystone  seguiam à risca o modelo Sennett, baseado somente na destruição e na correria enquanto Chaplin procurava sempre introduzir algumas improvisações de natureza pessoal.  “Prevalecí-me de todas as oportunidades, para aprender o máximo sobre o meu novo ofício. Entrava e saía do laboratório de copiagem e da sala de cortes, observando o modo pelo qual eram cortados os filmes e ligadas as diversas cenas umas com as outras. Estava ansioso por escrever e dirigir minhas próprias comédias”.

Ainda na Keystone, Chaplin conseguiu concretizar este desejo. Fez 35 filmes, muitos dos quais com direção e argumento de sua autoria. Foi uma fase de experimentação e descoberta, na qual aprendeu a adaptar ao Cinema tudo o que havia aprendido no music-hall.

Em 1915, Chaplin era um cômico tão popular, que pediu à Essanay, administrada por G.M. “Broncho Billy” Anderson e George K. Spoor, um salário de 1.250 dólares semanais e luvas no valor de dez mil dólares, soma muito superior aos 175 dólares semanais que ganhava na Keystone.

Na Essanay, Chaplin concebeu e dirigiu 14 filmes, dos quais o mais importante foi O Vagabundo / The Tramp, onde aparecem, de forma embrionária, os temas futuros e o patético. Como anotou Carlos Heitor Cony, pela primeira vez o espectador, habituado a rir de Carlitos, de repente tem vontade de chorar.

Em meados de 1916, Chaplin transferiu-se para a Mutual, recebendo um salario sem precedentes – 670 mil dólares anuais, para fazer apenas 12 filmes por ano no Lone Star Studio, em Lillian Way, Los Angeles.

O período Mutual foi muito criativo, sobressaindo-se os clássicos A Casa de Penhores / The Pawn Shop e Rua da Paz / Easy Street.

Em 1918,  Chaplin assinou contrato com a First National, embolsando um milhão e 200 mil dólares, pela obrigação de dirigir somente oito filmes, que realizou em um novo estúdio em Hollywood, situado na Avenida La Brea.

˜Nos tempos da Keystone, o vagabundo tinha maior liberdade e não estava tão adstrito ao enredo. Seu cérebro raramente funcionava – apenas funcionavam os instintos, que se voltavam para as necessidades essenciais: comida, aquecimento, abrigo. À medida que as comédias se sucediam, o vagabundo ia se tornando mais complexo. O sentimento começava a se infiltrar no seu caráter … A solução veio quando comecei a pensar no vagabundo como uma espécie de Pierrô. Com essa concepção, eu tinha liberdade de expressão e o direito de embelezar as comédias com um toque de sentimento. Até a filmagem de O Garoto / The Kid, farsa crua misturada com sentimento era uma coisa inexistente. E, portanto, foi uma inovação”.

Inspirado na infância dickseniana de Chaplin, O Garoto é o primeiro longa-metragem do cineasta e, na época, bateu todos os recordes de bilheteria. Constitui  sem dúvida uma das obras-primas na First National, juntamente com Pastor de Almas / The Pilgrim, este, com menos apelo emocional, mais satírico.

Em 1919, Chaplin formou a United Artists Corporation com Mary Pickford, Douglas Fairbanks, D.W. Griffith, William S. Hart e William MacAdoo, genro do Presidente Wilson e ex-Ministro das Finanças, apoiados primeiramente pela Dupont de Nemours e, depois, pelo grupo Morgan.

Após uma viagem triunfante à Europa, quando pôde verificar sua enorme popularidade no exterior, Chaplin realizou, como disse Cony, o filme que foi feito para provar que ele, Chaplin, sabia inventar Cinema. “Alguns  críticos afirmavam que a cena muda não poderia refletir estados de alma … Casamento ou Luxo / A Woman of Paris (protagonizado por Edna Purviance e Adolphe Menjou), foi um verdadeiro desafio a esse juízo … Em sutilezas de ação, procurei comunicar nuanças de sentimento … O filme causou grande emoção nas platéias mais finas. Era o primeiro filme silencioso em que se combinavam ironia e psicologia”.

A estrela Edna Purviance, a mais assídua parceira de Carlitos, teve ainda outra chance de firmar-se como atriz dramática. Chaplin contratou Josef von Sternberg para dirigí-la  em The Sea Gull também denominado The Woman of the Sea; porém não gostou do resultado e mandou arquivar  o filme.

Depois disso, veio a fase mais fértil da carreira de Charles Chaplin, que inclui: Em Busca do Ouro / The Gold Rush, O Circo / The Circus, Luzes da Cidade / City Lights, Tempos Modernos / Modern Times, O Grande Ditador  / The Great Dictator, Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux e Luzes da Ribalta / Limelight.

Nos três primeiros filmes estão alguns dos momentos mais humanos e poéticos da História do Cinema como a dança dos pãozinhos na solidão da noite de Ano Novo em Em Busca do Ouro; o final de O Circo, quando o vagabundo, rejeitado pela equilibrista, dobra a estrela de papel e a chuta com o calcanhar; e, em Luzes da Cidade, o inesquecível close do seu sorriso amargurado com a rosa nos lábios, que marca o ápice da arte chapliniana.

Tempos Modernos, O Grande Ditador e Monsieur Verdoux podem ser vistos em conjunto como uma crítica à sociedade desumanizada.

Luzes da Ribalta, para aproveitar a frase de André Bazin, “é uma meditação shakespereana sobre a velhice e a juventude, o teatro e a vida”.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, na cerimônia do Oscar de 1927-28, outorgou à Chaplin uma estatueta “pela versatilidade e gênio ao escrever, produzir, dirigir e estrelar O Circo”.

Embora internacionalmente aclamado, o cineasta sofreu críticas de ordem moral e política. Houve muita indignação a respeito de sua atração por garotas mais jovens. A primeira esposa, Mildred Harris, era uma figurante de 16 anos quando ele a desposou em 1918; divorciaram-se dois anos depois. A segunda mulher, Lita Grey, tinha também 16 anos, quando ele se casou com ela, aos 35 anos, em 1924; a união durou três anos. Em 1933, Chaplin contraiu núpcias secretamente com Paulette Goddard, que tinha então 19 anos e ele, 44 anos; divorciaram-se em 1948. Pouco depois, ocorreu a rumorosa ação de investigação de paternidade, promovida por Joan Barry, que tinha então 22 anos. Em 1943, Chaplin se casou com Oona O’Neill, apesar da desaprovação do pai dela, o escritor Eugene O’Neill. Oona tinha 18 anos e Chaplin, 54 anos.

Os rumores acerca da simpatia de Chaplin pelo comunismo cresceram durante a Guerra, quando ele se manifestou a favor da abertura de uma segunda frente na Rússia.

Havia outrossim certo ressentimento da opinião pública pelo fato de o cineasta , residente no país há 42 anos, nunca ter se naturalizado americano.

Várias organizações começaram a atacá-lo e hoje se sabe que não apenas o FBI estava investigando suas ligações com políticos da esquerda e sua vida particular, como também a CIA, o Departamento de Estado e os de imigração, Rendas Internas e Serviço Postal.

Em 1952, Chaplin foi com a família a Londres, para a estréia de Luzes da Ribalta e, ao saber que só poderia obter visto de reingresso nos Estados Unidos, após ser interrogado por funcionários da imigração, preferiu ficar na Europa, instalando-se em Corsier-sur-Vevey, na Suíça.

No novo filme, Um Rei em Nova York / A King in New York, magoado, desancou com o American Way of Life e o macarthismo e retomou a crítica aos tempos modernos, às vezes, com o gênio de outrora.

Esperou alguns anos para rodar a obra derradeira, A Condessa de Hong Kong / The Countess of Hong Kong, comédia romântica anacrônica, mas fiel ao espírito do realizador.

Os anos passam, os ânimos se acalmam. Em 1972, Chaplin voltou à América para receber a homenagem da Academia e o público ovacionou-o calorosamente.

Três anos depois, sagrou-se Sir do Império Britânico, comovendo-se.

Numa das páginas da autobiografia, explicaria sua maneira de fazer filmes: “A maneira mais simples de abordar o assunto é sempre a melhor. Odeio os efeitos rebuscados e os truques como o de fotografar uma lareira do ponto de vista do carvão ou de acompanhar com a câmera um ator através do saguão de um hotel, como se estivesse sendo perseguido por uma bicicleta. Para mim, tudo isso é muito fácil e muito óbvio”.

Simplicidade e sentimento são, de fato, as vigas mestras da obra altamente especial do grande cineasta, cuja chama artística extinguiu-se no Natal de 1977.

Carlitos partira, desta vez para sempre, “pela estrada de pó e esperança” (Carlos Drummond de Andrade), porém seus filmes viverão eternamente.

FILMOGRAFIA  (Títulos em português que puderam ser identificados com os títulos originais):

1914 – CARLITO REPÓRTER / Making a  Living, CORRIDA DE AUTOMÓVEIS PARA  MENINOS / Kid Auto Races at Venice, CARLITO NO HOTEL / Mabel’s Strange Predicament, DIA CHUVOSO ou CARLITO e OS GUARDA-CHUVAS ou CARLITO NA ADVERSIDADE / Between Showers, JOÃOZINHO NA PELÍCULA ou DIA DE ESTRÉIA / A Film Johnnie, CARLITO DANÇARINO / Tango Tangles, CARLITO ENTRE O BAR E O AMOR / His Favorite Pastime, CARLITO MARQUÊS ou O MARQUÊS LOUCO DE AMOR ou UM AMOR CRUEL / Cruel Cruel Love, CARLITO E A PATROA ou CARLITO AMA A PATROA / The Star Boarder, CARLITO BANCA O TIRANO / Mabel at the Wheel, VINTE MINUTOS DE AMOR ou CARLITO CONTRA O RELÓGIO / Twenty Minutes of Love, BOBOTA EM APUROS / Caught in a Cabaret, CARLITO E A SONÂMBULA ou CARLITOS NA CHUVA / Caught in the Rain, CARLITOS CIUMENTO / A Busy Day, A MALETA FATAL ou O MOLHO DE CARLITOS / The Fatal Mallet, CARLITO LADRÃO ELEGANTE / Her Friend the Bandit, DOIS HERÓIS ou DOIS HERÓIS ENCRENCADOS / The Knockout, CARLITO E AS SALSICHAS / Mabel’s Busy Day,  DOIS CASAIS ENCANTADOS ou CARLITO E MABEL SE CASAM / Mabel’s Married Life, GÁS HILARIANTE ou CARLITO DENTISTA / Laughing Gas, CARLITOS NA CONTRA-REGRA ou SUCESSOS DO PASSADO /  The Property Man, SOBRADO MAL ASSOMBRADO  ou PINTOR APAIXONADO ou ARTISTA DESASTRADO / The Face on the Barroom Floor, DIVERTIMENTO / Recreation, CARLITO COQUETE / The Masquerader, NOVA COLOCAÇÃO DE CARLITO / His New Profession, CARLITOS NA FARRA ou QUE FARRA! / The Rounders,  CARLITO PORTEIRO / The New Janitor, CARLITOS RIVAL NO AMOR / Those Love Pangs, DINAMITE E PASTEL ou CARLITO NA ROSCA / Dough and Dynamite, CARLITO E MABEL ASSISTEM ÀS CORRIDAS / Gentleman of Nerve, MÚSICOS VAGABUNDOS ou CARREGADORES DE PIANO / His Musical Career, O ENGANO / His Trysting Place, IDÍLIO DESFEITO ou CASAMENTO DE CARLITOS ou CARLITO CASANOVA / Tillie’s Punctured Romance, CARLITO E MABEL EM PASSEIO / Getting Acquainted, O PASSADO PRE-HISTÓRICO / His Prehistoric Past. 1915 – SEU NOVO EMPREGO / His New Job, UMA NOITE FORA ou CARLITO SE DIVERTE/ A Night Out, CAMPEÃO DE BOXE ou CARLITO É UM BICHO NO MUQUE / The Champion, CARLITOS NO PARQUE / In the Park, CARLITO QUER CASAR ou CARLITO IMPOSTOR / A Jitney Elopement, O VAGABUNDO / The Tramp, CARLITO À BEIRA-MAR ou CARLITO NA PRAIA / By the Sea, CARLITOS NA ATIVIDADE ou CARLITO LIMPADOR DE VIDRAÇAS ou CARLITOS TRABALHA ou CARLITO CARREGADOR / Work, SENHORITA CARLITOS ou UMA RAPARIGA À LA MODE / A Woman, O BANCO ou ORDENANÇA DE BANCO / The Bank, CARLITO MARINHEIRO ou O MARINHEIRO CARLITO ou O HERÓI CAPATAZ / Shanghaied, CARLITOS NO TEATRO ou UMA NOITE NO MUSIC-HALL / A Night in the Show, CARMEN ÀS AVESSAS ou OS AMORES DE CARMEN / Charlie Chaplin’s Burlesque ou Carmen. ROUBO FRUSTRADO ou CARLITO POLÍCIA / Police. 1916 – O FALSO GERENTE ou CARLITO NO ARMAZÉM  ou VIDA DE CAIXEIRO ou CAIXEIRO EXEMPLAR / The Floorwalker, CARLITO BOMBEIRO / The Firemen, O VAGABUNDO / The Vagabond, A UMA DA MADRUGADA ou CARLITO NOCTÂMBULO ou CARLITO NOTÍVAGO ou CARLITO BOÊMIO / One A.M.,  O CONDE ou O FALSO CONDE / The Count, A CASA DE PENHORES / The Pawnshop, CARLITO NO ESTÚDIO ou ENTRE BASTIDORES / Behind the Screen, SOBRE RODAS ou CARLITO PATINADOR ou CARLITOS PATINA ou CAMPEÃO DE PATINS / The Rink. 1917 – RUA DA PAZ ou CARLITOS GUARDA-NOTURNO ou RUA DOS MILAGRES / Easy Street, O BALNEÁRIO ou ÁGUAS MEDICINAIS  ou CARLITO NUMA ESTAÇÃO DE ÁGUAS ou CARLITO NAS TERMAS / The Cure, O EMIGRANTE / The Immigrant, O AVENTUREIRO ou O FUGITIVO ou CARLITO SAI DO XADREZ ou CARLITOS PRESIDIÁRIO ou O EVADIDO / The Adventurer. 1918 – VIDA DE CACHORRO ou UMA VIDA DE CÃO / A Dog’s Life, OMBRO ARMAS ou CARLITO NAS TRINCHEIRAS ou ARMAS AO OMBRO / Shoulder Arms. 1919 -IDÍLIO CAMPESTRE ou UM IDÍLIO NOS CAMPOS / Sunnyside, UM DIA DE PRAZER  ou UM DIA BEM PASSADO / A Day’s Pleasure. 1921 – O GAROTO / The Kid, OS CLÁSSICOS VADIOS  ou OS OCIOSOS  ou CARLITO E A MÁSCARA DE FERRO / The Idle Class. 1922 – DIA DE PAGAMENTO / Pay Day. 1923 – PASTOR DE ALMAS ou O PEREGRINO / The Pilgrim, CASAMENTO OU LUXO ou A OPINIÃO PÚBLICA  / A Woman of Paris. 1925 – EM BUSCA DO OURO / The Gold Rush.1928 – O CIRCO / The Circus. 1931 / LUZES DA CIDADE / City Lights. 1936 – TEMPOS MODERNOS / Modern Times. 1940 – O GRANDE DITADOR / The Great Dictator. 1947 – MONSIEUR VERDOUX / Monsieur Verdoux. 1952 – LUZES DA RIBALTA / Limelight. 1957 – UM REI EM NOVA YORK / A King in New York. 1966 – A CONDESSA DE HONG KONG / The Countess of Hong Kong.

O CINEMA DE JOSEF VON STERNBERG

fevereiro 4, 2011

Dotado de extraordinário senso plástico e de um estilo que subordina o tema e a caracterização dos personagens às experiências com a sombra, a luz e a composição, Josef von Sternberg criou um Cinema de ilusão e sensualidade, no qual a poesia e a pintura se unem para expressar a beleza.

Ele nasceu, com o prenome de Jonas e sem o aristocrático “von”,  a 29 de maio de 1894, em Viena, Áustria, numa família judia pobre. O  “von” foi acrescentado em 1924, pelo ator-diretor Elliot Dexter, para os créditos de Por Direito Divino / By Divine Right, filme dirigido por Roy William Neill, no qual Sternberg trabalhou como co-roteirista e assistente de direção.

Aos sete anos de idade, o menino austríaco chegou aos Estados Unidos, para onde o pai emigrara em busca de fortuna. Decorrido algum tempo, a família retornou à terra natal; mas, em 1908, estava de novo na América. Em 1914, Sternberg empregou-se na World Film Corporation, nos estúdios de Fort Lee, New Jersey, onde começou exercendo a função de remendão de filmes, depois passou a montador, roteirista e assistente de direção, e chegou a ser consultor do patrão, William A. Brady.

Em 1917, alistou-se no Exército e fez filmes de treinamento para o Corpo de Sinaleiros. Após o armistício, trabalhou como assistente de direção de Emile Chautard em O Mistério do Quarto Amarelo / The Mystery of the Yellow Room / 1921, aprendendo com ele os rudimentos da composição fílmica. Em 1922, foi para a Inglaterra, prestando serviços à Alliance  Productions. No ano seguinte, voltou a Hollywood e, como assistente de Roy William Neill em O Preço da Vaidade / Vanity’s Price / 1924, teve oportunidade de dirigir uma cena, muito elogiada pelos críticos.

Nesta ocasião, travou conhecimento como o ator inglês George K. Arthur, que desejava investir num filme modesto. Sternberg convenceu-o a utilizar um roteiro de sua autoria, The Salvation Hunters, cuja trama transcorria nas redondezas do porto de San Pedro, Califórnia. Ali viviam três seres desamparados – um rapaz (George K. Arthur), uma moça (Georgia Hale) e uma criança (Bruce Guerin) – a bordo de uma draga a vapor, molestados pelo cruel proprietário. Fugindo desta situação e das condições miseráveis do lugar, eles vão para a cidade, onde um rufião tenta prostituir a moça e o rapaz encontra a coragem para defendê-la. Nesta primeira realização, abordando de maneira simples a eterna luta entre o Bem e o Mal, já se evidenciam algumas características do estilo do diretor: a ênfase dada à atmosfera, personagens em poses pictóricas e referencias simbólicas – restos de um naufrágio na praia, a sombra da draga, sempre presente.

Charlie Chaplin viu o filme antes da estréia, recomendou-o aos sócios Mary Pickford, Douglas Fairbanks e Joseph Schenck, e eles resolveram distribuí-lo pela United Artists. Entusiasmada, Mary convidou  Sternberg para dirigir seu próximo filme; porém depois desistiu do projeto.

A Metro-Goldwyn-Mayer então ofereceu a Sternberg um contrato de oito anos, logo dissolvido por acordo, depois de duas produções desastrosas: O Rapaz e a Cigana ou Ele e a Cigana / The Exquisite Sinner / 1925 e Amor, Vício e Virtude / The Masked Bride / 1925. Como as exigências artísticas  e o método de trabalho do cineasta não se compatibilizaram com os desígnios da companhia, ambas as produções foram respectivamente refilmadas e completadas por outros diretores.

Posteriormente às desventuras  de Sternberg na Metro, Chaplin procurou-o para orientar Edna Purviance, na sua “volta às telas”, em The Sea Gull, depois reintitulado A Woman of the Sea, para não ser confundido com a peça de Tchekov. Chaplin apreciava o humanismo sentimental de Charles Dickens e contratou Sternberg, porque pensara ter encontrado algo parecido em The Salvation Hunters. Todavia, ao perceber que ele substituira os valores humanos do roteiro original por valores eminentemente visuais – o motivo do mar é empregado como contraponto de uma história ocorrida entre pescadores – , Chaplin resolveu arquivar  o filme.

Ao retornar de uma viagem ao exterior, Sternberg aceitou a incumbência de ser assistente do diretor Arthur Rosson na Paramount. Neste tempo, o chefe de produção B.P. Schulberg pediu-lhe para refilmar algumas cenas de Filhos do Divórcio / Children of Divorce / 1927 (Dir: Frank Lloyd) e o trabalho de “salvamento” ensejou-lhe a chance de dirigir Paixão e Sangue / Underworld / 1927.

Baseado num argumento de Ben Hetch, o filme conta a história de um gângster sentimental, “Bull” Weed (George Bancroft), que se sacrifica pela amizade a um advogado, conhecido como “Rolls Royce” (Clive Brook) e pelo amor da namorada “Feathers” (Evelyn Brent), os dois últimos apaixonados um pelo outro, mas reprimindo seus sentimentos por lealdade a Weed.

Embora marcas da vivência jornalística de Hetch tenham ficado em diversos incidentes, na construção dos personagens, na decoração do baile dos gângsteres e nos vestidos cheios de plumas de “Feathers”- prefigurando o tipo que o diretor faria desabrochar com Marlene Dietrich – sente-se a total criação de Sternberg, cuja mise-en-scène caracteriza-se pela economia de meios (que é marcante no assalto à joalheria, mostrado impressionisticamente: o relógio quebrado por tiros de revólveres, o empregado que se vira, a mão que recolhe os diamantes, a multidão se aglomerando), originalidade e disciplina.

O êxito de Paixão e Sangue fez com que os executivos da Paramount mantivessem Sternberg ocupado. Ele escreveu o argumento de Rua do Pecado / The Street of Sin / 1927 (iniciado por Mauritz Stiller e terminado por outros), concordou em remontar  A Marcha Nupcial / The Wedding March de Erich von Stroheim, que tanto o influenciou, e, finalmente, se encarregou de dirigir Emil Jannings em A Última Ordem / The Last Command / 1928 que, juntamente com Paixão e Sangue e As Docas de Nova York, são as obras-primas do cineasta no período silencioso.

Em A Última Ordem, Jannings faz o papel de Sergius Alexander, visto primeiro como um figurante de Hollywood, lutando contra a velhice e um tique nervoso de balançar a cabeça incessantemente. Por acaso, o diretor Leo Andreyev (William Powell), ao escolher o elenco para um drama de guerra, vê a fotografia de Sergius e o reconhece como o ex-Comandante Geral do Exército Russo, que o havia prendido em 1917 como agitador revolucionário e causado indiretamente a morte de sua companheira Natascha (Evelyn Brent) – fatos apresentados em retrospecto. Para humilhar o antigo adversário ou também pela inspiração de que ele seria o ator ideal, Andreyev coloca Sergius como general no filme. No decorrer de uma cena, na qual enfrenta um soldado insubordinado, o velho, confundindo fantasia e realidade, pensa que está de novo nos dias de glória, excita-se, e morre dando a sua última ordem de comando.

O relato contém boas observações cáusticas sobre aspectos da capital do Cinema – o presunçoso assistente do diretor, “a fila do pão” dos extras – e da aristocracia militar – o desfile da tropa só para impressionar o Czar, o jantar dos oficiais, etc. O filme vale sobretudo pela virtuosidade interpretativa de Jannings, realmente notável, ao mostrar as duas vidas de Sergius e as duas personalidades – a do arrogante general czarista e a do decrépito e obscuro figurante – que elas produzem no mesmo homem.  Sob o prisma visual, não se vêem muitos requintes decorativos, porém manifestam-se longos movimentos de câmera e lentas fusões muito inspirados  e o interesse crescente pelo tratamento fotográfico sensual da mulher, representada pela presença fascinante de Evelyn Brent.

Tentando repetir o sucesso de Paixão e Sangue, O Super Homem / The Dragnet / 1928 é outra história de gângsteres, tendo como personagem principal um detetive durão, “Two Gun” Nolan (George Bancroft), no encalço dos chefes de quadrilha de Nova York, entre eles, “Dapper” Frank Trent (William Powell), que tem uma protegida, The Magpie” (Evelyn Brent). No decorrer da ação, Nolan, pensando ter sido responsável pela morte do amigo “Shakespeare” Donovan (Leslie Fenton) durante um tiroteio com os bandidos, pede demissão da polícia e se entrega à bebida. Entretanto, “The Magpie” descobre que fôra Trent o verdadeiro culpado e conta tudo ao detetive, sobrevindo o acêrto de contas.

A maioria dos historiadores  considera o filme como uma continuação pouco feliz de Paixão e Sangue e, até que apareça uma cópia do mesmo, temos que acatar tal veredicto.

Em seguida, Sternberg realizou Docas de Nova York / Docks of New York / 1929, cujo enredo melodramático tem como figura central Bill Roberts(George Bancroft), robusto foguista de um navio a vapor que, no dia de folga em terra, salva uma prostituta (Betty Compson) de suicídio por afogamento. Após uma bebedeira, ele se casa com ela numa cerimônia grotesca, celebrada na taverna do cais; porém, na manhã seguinte, resolve partir, deixando-a iludida pelo sonho de uma nova vida. Quando o navio está saindo do porto, Bill percebe que a ama  e nada até a praia, chegando a tempo de livrá-la da acusação de furto do vestido, que ele próprio retirara indevidamente de uma loja de penhores.

Graças à construção clássica de tempo, lugar e ação, o filme ganha muita concentração dramática e os personagens, embora simples, tornam-se atraentes, pela revelação do amor que os transfigura e leva Bill à responsabilidade. Tal como em The Salvation Hunters,  o diretor mostra que não está preocupado com as condições sociais das docas, mas sim com a transição emocional do protagonista. Os ambientes da sala de máquinas do navio, do porto e da taverna são evocados pela admirável fotografia e disposição de elementos fotogênicos: cordas, redes, fumaça, neblina, reflexos da luz dos lampiões sobre as águas, clarões no interior das caldeiras, âncora jogada no mar, um grande leme de madeira.

O último filme mudo de Sternberg, O Romance de Lena Smith / The Case of Lena Smith / 1929, tem como local de ação Viena por volta de 1894 e relata os sofrimentos de uma pobre campesina (Esther Ralston). Ela se casa com um oficial devasso (James Hall) e, depois do nascimento do filho, vai trabalhar na casa do marido como empregada, escondendo a verdade do sogro (Gustaf von Seiffertitz) enquanto o rapaz volta para a vida desregrada. Os que puderam ver o filme (dado como perdido), louvaram a ˜forte qualidade atmosférica” e a reconstituição acurada da época, certamente facilitada pelas reminiscências da infância do diretor.

Sternberg aderiu ao cinema falado com  O Homem de Mármore / Thunderbolt / 1929, pondo em evidência o triângulo amoroso formado pelo gângster “Thunderbolt” Jim Lang (George Bancroft) , sua garota “Ritzy” (Fay Wray) e Bob Morgan (Richard Arlen), um bancário apaixonado por ela, ocorrendo no desenlace a compreensão do gângster com relação ao amor dos dois jovens.

Neste filme, Sternberg faz uma experiência com o som assincrônico, que Eisenstein e Pudovkin propugnaram em vários manifestos na época. Nas cenas da prisão, ele usa a música – representada pelo cantor e o coro nas celas da morte – para criar um clima. Uma indicação do que realmente interessava ao diretor, é dada numa cena, na qual ele emprega o som contrapontualmente. Quando George Bancroft foge de uma batida da polícia e se esconde num bar do Harlem, ouvem-se os tiros fora do quadro, porém a câmera permanece focalizada em Fay Wray, sentada sozinha na mesa, apertando seu casaco de peles. Para Sternberg é a mulher que interessa mesmo durante uma perseguição crucial num filme de gângster.

Em 1930, aproveitando a primeira parte do romance de Heinrich Mann, Professor Unrat e influenciado pelo Kammerspiel e pelo Expressionismo, Sternberg realiza na Alemanha, O Anjo Azul/ Der Blaue Angel, obra decisiva na sua carreira. Trata-se de um estudo psicológico sádico e sentimental, sobre a degradação lenta e sistemática de um professor, Immanuel Raht (Emil Jannings), seduzido pelo charme perverso de uma cantora do music-hall, Lola-Lola (Marlene Dietrich), tipo de caracterização com a qual o grande ator  germânico já estava familiarizado (A Última Gargalhada / Der Letzte Mann / 1924, Variété / Varieté / 1925).

O filme tem notáveis composições, cenários repletos de detalhes, luminosa fotografia em claro-escuro, simbolismos – o palhaço que observa  constantemente o colega temporário, o enorme relógio com a procissão de figuras alegóricas -, música e canções integradas na marcha dos acontecimentos e uma atmosfera envolvente e perturbadora. O andamento da narrativa é um tanto vagaroso, devido em parte ao método de interpretação de Jannings do cinema mudo, mas este anacronismo é compensado pela grandeza trágica que ele confere ao personagem.

O Anjo Azul registra o início da colaboração entre Sternberg e Marlene Dietrich, uma das mais artisticamente produtivas da História do Cinema, “contada pela câmera” em sete filmes, que constituem a fase áurea do cineasta no cinema sonoro.

O primeiro filme de Marlene Dietrich nos Estados Unidos, Marrocos / Morocco / 1932, revela novamente a capacidade do diretor de combinar o som e a imagem, extraindo o máximo de efeitos. É uma aventura romântica com incidentes absurdamente implausíveis, na qual uma cantora de cabaré, Amy Joly (Marlene Dietrich), renuncia a uma vida de luxo ao lado de um rico admirador, La Bessière (Adolph Menjou) pelo amor de um legionário chamado Tom  Brown (Gary Cooper).

Acionando o tema da intensidade da paixão, Sternberg cria – em torno da personalidade andrógina de Marlene e lacônica de Cooper – um clima exótico e lascivo, que evidencia o seu refinamento estético. O filme inteiro é uma série de encontros e desencontros, ficando na lembrança algumas cenas antológicas:  a do cabaré, quando Marlene , vestida de casaca e cartola, beija na boca outra mulher e recebe uma flor, que depois atira para Cooper; o frêmito da personagem ao ouvir os tambores do regimento e as mãos nervosas quebrando o colar de pérolas; o final falso mas sublime, no qual ela tira os sapatos e, com os pés na areia, segue o amante, tal como as mulheres árabes, resignadamente, acompanham os homens no deserto.

Após a imensa repercussão de O Anjo Azul e Marrocos, os produtores concederam maior liberdade a Sternberg, e ele pôde escrever um drama de espionagem na Primeira Guerra Mundial, Desonrada / Dishonored /  1931. A heroína, Magda (Marlene Dietrich), prostituta recrutada pelo Serviço de Inteligência austríaco, para desmascarar um espião russo, Tenente Kranau (Victor MacLaglen), tem todas a aparência de uma Mata-Hari. Entre esses dois seres nasce um amor impossível, bloqueado pelo dever: e ela trai a pátria, permanecendo fiel à paixão.

Pictoricamente, o filme é uma extensão dos trabalhos anteriores de Sternberg, notando-se os cenários atravancados de objetos e um baile à fantasia enfeitado de serpentinas, antecipando as cenas de carnaval em Mulher Satânica. O único gesto que quebra o distanciamento emotivo, vem de um personagem secundário, o jovem oficial (Barry Norton), que deve comandar o pelotão de fuzilamento. Magda lhe pede um espelho, e ele lhe estende a lâmina brilhante de seu sabre. No momento da execução, o jovem se rebela  e pronuncia um inflamado discurso  pacifista  enquanto a condenada aproveita o incidente, para retocar a maquilagem e ajustar as meias de náilon, num toque de humor sardônico.

Depois que a Paramount rejeitou a adaptação feita por Serguei Eisenstein do romance An American Tragedy de Theodore Dreiser, Sternberg foi convidado, para salvar o investimento de cerca de meio milhão de dólares. Ele resolveu elaborar um novo roteiro com Samuel Hoffenstein, dando mais importância aos fatores pessoais que levam o jovem arrivista à cadeira elétrica do que aos aspectos sociológicos e condensando os acontecimentos do livro por meio de cenas curtas e elipses, pelo menos até o julgamento, quando se fratura a fluência rítmica.

Além das belas imagens recorrentes da água batida pela brisa, que servem como determinantes estilísticas do destino de  Clyde Griffith (Phillips Holmes) e da sequência silenciosa na fábrica, na qual Roberta Alden (Sylvia Sidney), aceitando a sedução, passa furtivamente o bilhete para o rapaz e a gente vê o sorriso de triunfo nos lábios dele, não há outros instantes de brilho cinematográfico em Uma Tragédia Americana / An American Tragedy / 1931, a não ser um ou outro primeiro plano de Sylvia Sidney e Frances Dee (Sondra Finchley, a moça da alta sociedade com quem Clyde pretendia viver, depois de deixar a esposa proletária morrer afogada no lago).

O Expresso de Xangai / Shanghai Express/ 1932 foi o filme mais popular de Sternberg, no qual ele usa ornamentos exóticos para falar da necessidade de se colocar o amor acima das convenções sociais. Num trem que atravessa a China conturbada pela guerra civil, Madeline (Marlene Dietrich) encontra o oficial britânico, Donald Harvey (Clive Brook) com quem – antes de mais de um homem lhe mudar o nome para Shanghai Lily – mantivera um romance, infelizmente desfeito, por falta de confiança dele. Ela ainda o ama e, para lhe salvar a vida, consente em entregar-se a Henry Chang (Warner Oland), líder dos rebeldes chineses. Sem saber por que fora solto, Harvey despreza Lily; porém depois volta para buscá-la, aceitando-a incondicionalmente.

Sternberg retrata o ambiente com o máximo de estilização e entrosa mais do que nunca o cenário com a ação e os personagens, pondo em prática a sua teoria da emocionalização” dos espaços vazios nos três planos de profundidade de campo, como ocorre, por exemplo, no momento em que o trem passa por uma rua estreita da cidade ou nas cenas do interior da casa, onde Chang detém os passageiros. A iluminação – principalmente no close-up das mãos de Shanghai Lily unidas para uma oração, nos fuzilamentos noturnos e na morte de Chang, apunhalado no quarto cheio de redes – é primorosa, graças à colaboração de Lee Garmes que deu grande apoio ao cineasta também em Marrocos, Desonrada e Uma Tragédia Americana, e desta vez recompensado com  o Oscar.

O filme seguinte, A Vênus Loura / Blonde Venus / 1932, é um canto de amor materno. Helen (Marlene Dietrich), ex-cantora alemã, esposa de um químico americano, Edward Faraday (Herbert Marshall), torna-se mãe devotada, dedicada às tarefas do lar. Quando o marido fica contaminado pelo rádio, ela volta aos palcos, para poder custear o tratamento dele na Europa. Durante a ausência de Edward, Nick Towsend (Gary Grant), um jovem político, oferece amparo a Helen. Ao retornar, Edward , ciente da infidelidade da esposa, toma providências para obter a guarda do filho. Helen foge com o menino, atravessando o Sul dos Estados Unidos, cai na prostituição, e depois causa sensação nos teatros de Paris. No final, o próprio Towsend reaproxima-a do marido que, após certa hesitação, resolve perdoá-la.

Sternberg transcende o enredo de folhetim lacrimogêneo com sua técnica decorativa, líricas fusões e a criação de dois números musicais inesquecíveis: num deles, Marlene entra em cena vestida de gorila, acompanhada por um coro de falsas africanas e, a certa altura, começa a tirar a fantasia, colocando uma peruca loura para cantar “Hot Voodo” com a voz rouca e os trejeitos que a notabilizaram; no outro número, de cartola e casaca brancas, Marlene passa em revista com ares de lésbica um grupo de beldades, transitando por arcos góticos e esculturas de  monstros.

Em 1934, Sternberg realiza a sua obra-prima no cinema sonoro, A Imperatriz Galante / The Scarlet Empress, na qual recria, à sua maneira, a subida de Sofia Frederica de Anhalt-Zerbst (Marlene Dietrich) ao trono da Rússia, metamorfoseando-se, após o matrimônio com Pedro, o Grão-Duque demente (Sam Jaffe) e outra desilusão sentimental com o másculo Conde Alexei (John Lodge), na grande imperatriz Catarina II.

Numa explosão de energia criativa, o diretor concebe um esplendor bárbaro e barroco, em cenários entupidos de estátuas torturadas, ícones bizantinos, colunas espiraladas, móveis retorcidos, portas de ferro monumentais e uma quantidade enorme de velas, todo este frenesí estéticofocalizado por uma câmera esperta. O audacioso e sensual exercício de estilo atinge o auge no ritual do casamento de Catarina e Pedro na cátedral de Kazan, soberbamente iluminado por Bert Glennon (fotografo de Paixão e Sangue e A Vênus Loura), um trecho maravilhoso de cinema puro. Complementando o deslumbramento formal, Marlene e Jaffe revelam com a maior eficiência  os contrastes entre a inocência  e a perversão, a beleza e o terror; ela demonstrando que nunca foi uma atriz absorvida pelo seu mito mas consciente das possibilidades de expressão, que lhe oferecia o exigente mentor.

Apoteose suntuosa da parceria Sternberg-Marlene, Mulher Satânica / The Devil is a Woman / 1935, baseia-se no romance de Pierre Louys – La Femme et le Pantin – sobre o relacionamento sadomasoquista entre Concha Perez (Marlene Dietrich) e Don Pasqual (Lionel Atwill), a cortesã sedutora e o velho amante, completamente dominado e humilhado. Através de cinco retrospectos, segue-se  o itinerário da perdição de Don Pasqual, que se desenrola numa Espanha imaginária, onde Concha desfila com trajes extravagantes e apetrechos – xales, véus, flores e enormes pentes nos cabelos –, frequentemente enquadrada em formosos close-ups. Nas cenas do trem abarrotado de gente, quando vemos Concha encapuzada como freira e segurando uma cesta com um ganso, impassível no meio da balbúrdia e nas cenas do esfuziante carnaval, quando aparece Antonio (Cesar Romero) – rival no amor e depois num duelo, de Don Pasqual – Sternberg como de hábito, tridimensionaliza o espaço, obtendo grande vigor atmosférico.

Quando B.P. Schulberg transferiu-se para a Columbia, Sternberg acompanhou-o, comprometendo-se a realizar dois filmes para o estúdio. O primeiro foi Crime e Castigo / Crime and Punishment / 1935, honrada adaptação do romance de Fiodor Dostoievski, concentrada no jogo de gato e rato  psicológico entre o Inspetor Porfírio (Edward Arnold) e o estudante Raskolnikov (Peter Lorre), suprimindo personagens importantes (Marmeladov) e tratando outros (Sonia, Avdotya, Luzhin, Sidrigailov) sumariamente.

Aceitando-se a opção pela intriga policial com a ausência da dimensão filosófica da obra literária, o espetáculo é bastante razoável, tendo a seu favor os desempenhos de Lorre e Arnold e a qualidade da iluminação de Lucien Ballard, o discípulo que auxiliara Sternberg, quando este assumiu a direção de fotografia de Mulher Satânica.

O outro filme para a Columbia, O Rei se Diverte / The King Steps Out / 1936, também fotografado por Ballard, é uma opereta sobre o namoro do jovem imperador Franz Josef (Franchot Tone) com Cissy (Grace Moore), prejudicada pelas condições modestas do estúdio. Sternberg até que se esforçou para dar leveza às cenas, fazendo com que permanecessem pouco tempo na tela e acompanhando-as com fundo musical constante; porém sente-se a falta do lustro, do brilho, que somente a Paramount ou a Metro-Goldwyn-Mayer poderiam proporcionar à produção.

Subsequentemente ao arquivamento de I Claudius, após oito semanas de filmagem (maiores detalhes no documentário da BBC, The Epic That Never Was / 1966), Sternberg assinou contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer, onde rodou cenas adicionais para A Grande Valsa / The Great Waltz / 1938 (Dir: Julien Duviviver) e se incumbiu de dirigir Hedy Lamarr, num filme inicialmente intitulado New York Cinderella – mas este só seria realizado como Esta Mulher é Minha / I Take This Woman / 1940, sob a responsabilidade de W.S. Van Dyke.

Ainda na Metro, Sternberg fez Sargento Madden / Sergeant Madden / 1939, melodrama criminal cheio de clichês e sentimentalismo, sobre um sargento da polícia de Nova York, Shaun Madden (Wallace Beery), e seus dois filhos, o verdadeiro, Dennis (Alan Curtis) e o  adotivo, Albert (Tom Brown). Shaun sonha em ver os dois como seus colegas. Ambos os filhos entram para a Academia de Polícia, porém Dennis, por causa de seus métodos brutais, tem um fim trágico. Sem ter completo controle sobre a realização, Sternberg pelo menos extraiu de Wallace Beery, uma interpretação introspectiva, diferente daquelas atuações exageradas que ele costumava apresentar.

Sternberg conseguiu certa independência em Tensão em Xangai / The Shanghai Gesture / 1941. Este é um filme de desespero pungente, que traz de volta todas as obsessões do cineasta – a mulher, o desejo, a paixão e a degradação –  e o seu universo estranhamente ambíguo. Extirpando as situações mais chocantes da peça de John Colton, ele envolve a história numa atmosfera extraordinariamente densa de mistério exótico, erotismo e degeneração, tratando o assunto com uma espécie de altivez moral e um toque de ironia.

A ação nos reconduz a uma China romanesca como a de O Expresso de Xangai, recriada pelo esplêndido talento decorativo do diretor, que explode no jantar do Ano-Novo chinês, no qual a grande mesa de banquete, as jovens suspensas nas gaiolas de vime, os candelabros e os assombrosos murais pintados por Keye Luke  – conhecido como o filho mais velho do Charlie Chan – servem de pano de fundo opulento para a climática aparição de “Poppy” Smith (Gene Tierney), o ser inocente destruído pela diabólica e implacável vingança de Mother Gin Sling (Ona Munson) contra seu ex-amante Sir Guy Charteris (Walter Huston).

Jamais Sternberg desenvolveu um personagem masculino de maneira tão voluptuosa como o Dr. Omar (Victor Mature), “doutor em nada, poeta de Sodoma e Gomorra”, tanto este como “Poppy”, exemplarmente fotografados por Paul Ivano. E para sugerir a descida ao antro de intriga e luxúria, ele usa o constante retorno à mesa da roleta no centro da sala circular do cassino, como um leitmotif pictórico semelhante às imagens da draga em The Salvation Hunters.

No decorrer dos anos quarenta, Sternberg fez ainda The Town / 1943, documentário para o esforço de guerra; prestou serviços à série The American Scene; foi “consultor visual” de Duelo ao Sol / Duel in the Sun / 1945 e, no final da década, contratado por Howard Hughes, realizou Estradas do Inferno / Jet Pilot / 1951 e Macau / Macao / 1952.

Estradas do Inferno é uma farsa sentimental, com argumento ridículo, sobre a Guerra Fria, protagonizada por John Wayne e Janet Leigh e Macau um melodrama noir rotineiro e confuso, tendo como intérpretes Robert Mitchum e Jane Russell. Ambos os filmes foram mutilados pelos produtores, verificando-se a fertilidade criativa do diretor apenas nas metáforas subrepticiamente introduzidas no primeiro filme (vg. o ruído do avião a jato no momento do beijo)  e no gosto precioso de alguns enquadramentos no segundo. O nome de Nicholas Ray não aparece nos créditos de Estradas do Inferno, mas sua participação nas últimas etapas da produção foi confirmada tanto por Sternberg como pelo produtor Alex Gottlieb.

A derradeira realização de Josef von Sternberg – que viria a falecer dezesseis anos depois, a 22 de dezembro de 1969 -, The Saga of Anathan / 1953, inspira-se num fato real – sobreviventes de um avião de guerra japonês recusaram-se a acreditar na capitulação de seu país e passaram sete anos numa ilha deserta, até serem recolhidos por um avião americano – acrescentando um casal, cuja mulher (Akemi Negishi), apesar da vigilância do marido (Tadashi Suganuma), desperta o desejo dos homens, levando-os à luta pelo poder, à deterioração moral e à morte.

A ação transcorre numa selva fantástica, constituída de gigantescas raízes de cedros, musgos e trepadeiras entrelaçados, formando sombras intrincadas, no meio das quais aparece e desaparece a jovem sensual – consagrada como “Rainha das Abelhas” por um dos que queriam possuí-la – atiçando os instintos de vida e morte. Neste cenário, propositadamente irreal, que serve como microcosmo da sociedade, o diretor, tal como explicou na autobiografia Fun in a Chinese Laundry (Mercury House, 1965), faz uma experiência de psicologia indireta de massa, alertando-nos para a necessidade de  “reinvestigarmos nossas emoções e a confiabilidade de nossos controles sob circunstâncias desfavoráveis”.

Escrevendo e narrando um comentário em tom de pseudo-reportagem e se encarregando também da fotografia, Sternberg revela-se, mais uma vez, um autor completo, último “gesto de arrogância” de um cineasta que tem lugar garantido entre os grandes artistas do Cinema.

KEN MAYNARD

janeiro 30, 2011

Ele foi um dos cowboys do Cinema mais populares nos anos 20 e início dos anos 30, colocando-se logo abaixo de Tom Mix e Buck Jones como um dos três maiores astros do gênero naquela época.

Ken Maynard (Kenneth Olin Maynard) nasceu em 21 de julho de 1895 em Vevay, Indiana, e não em Mission, no Texas, como tem sido divulgado. Além de Ken, Willliam H. Maynard e sua esposa, Emma May Stewart tiveram três filhas, Trixie, Willa e Bessie e, em 20 de setembro de 1897, um segundo filho, ao qual eles deram o nome de Kermit.

Muitos dos anos de infância de Ken e Kermit foram vividos em Columbus, Indiana. Enquanto Kermit optou por ficar em Indiana, onde chegou a cursar a Universidade, o irmão mais velho rumou para o Oeste.

Segundo algumas biografias, Ken teria servido o Exército em Camp Knox (hoje Fort Knox) por ocasião da Primeira Guerra Mundial;  teria atuado em circos como Kit Carson Show e Pawneee Bill Wild West Show, no qual desfilava numa parada, vestido de Buffalo Bill; teria arrebatado o prestigioso troféu “All Around Cowboys” no Pendleton Oregon Roundup, que resultou num contrato lucrativo com o Ringling Bros Circus em 1921; teria conhecido Buck Jones em Hollywood e, impressionado com o sucesso dele na Fox, decidido a fazer carreira no Cinema; foi  ajudado por Tom Mix a aparecer num filme de Dustin Farnum, Redenção de uma Alma / The Man Who Won / 1923, dirigido por Willliam A. Wellman. Talvez algumas dessas informações não sejam verdadeiras.

Em 14 de fevereiro de 1923, Ken casou-se com Jeanne Knudsen em Los Angeles, mas o casamento durou pouco. Em 1924, teve a sua grande chance na tela, personificando um dos mais célebres cavaleiros da História dos Estados Unidos, Paul Revere, em Janice Meredith / Janice Meredith, superprodução da Cosmopolitan Pictures de William Randolph Hearst, rodada em Nova York e estrelada por Marion Davies.

Contratado por sua extraordinária habilidade como cavaleiro, Ken faturou mil dólares por semana e voltou para Hollywood, crente de que iam chover convites para o Cinema; mas ninguém o procurou, a não ser um produtor independente, Clifford S. Elfelt, cujos filmes eram distribuídos pela Davis Distributing Division. Elfelt ofereceu-lhe uma série de oito faroestes, dos quais somente cinco foram feitos, porque a firma faliu.

Começando com Um Prêmio Tentador / $50,000 Reward / 1924, esses westerns ajudaram a estabelecer Maynard como uma personalidade cinematográfica. Embora feitos com orçamentos limitados, os filmes tinham muitas cenas de ação com as acrobacias incríveis de Ken na sela de seu cavalo.O único problema era o seu cabelo partido no meio; os publicistas da companhia achavam que assim ele parecia um barbeiro e queriam mudar o seu penteado. Mas Ken recusou terminantemente.

Em 1926, ele foi contratado pela Associated Exhibitors, para fazer um filme fora do gênero, Estrela do Norte / North Star, co-estrelado pelo inteligente pastor alemão Strongheart, o rival mais célebre de Rin-Tin-Tin. Nesta ocasião, o jovem de Indiana casou-se no palco de filmagem com Mary Leeper, sua terceira esposa, pois, antes de Jeanne Knudsen, ele havia contraído matrimônio com Arlie Green Harlan.

No mesmo ano, Ken ingressou na First National onde, como astro-cowboy número um, tentou igualar, com seu magnífico palomino Tarzan, tudo o que Tom Mix e Tony ou Buck Jones e Silver faziam.

Maynard os ultrapassou nas cenas arriscadas de ação, praticando piruetas impossíveis na sela de Tarzan, um animal que podia dançar, balançar a cabeça para indicar sim ou não, fingir-se de morto, acionar uma campainha de alarme e salvar o dono de qualquer desastre ou das garras dos bandidos, levar uma grande queda e se levantar de novo e, até mesmo, servir de casamenteiro entre Ken e a mocinha. Ken comprou Tarzan por cinqüenta dólares e o batizou com este nome, inspirado no herói criado por Edgar Rice Burroughs. Mais tarde, Burroughs entraria com uma ação judicial contra Maynard, alegando que este roubara o nome do “Rei das Selvas’. O caso foi decidido em 1935. Burroughs perdeu.

Foram 18 westerns na First National, até que Carl Laemmle o levou para a Universal. Após uma primeira série de filmes, nos quais Ken começou a cantar, podendo ser considerado um singing cowboy pioneiro, Laemmle, aborrecido com os casos que o ator criava nas filmagens e ainda inseguro quanto á lucratividade dos filmes sonoros de faroeste, não renovou seu contrato. Ken passou três anos trabalhando em companhias independentes como a Tiffany e a KBS e, finalmente, a Universal o trouxe de volta.

O produtor dos filmes de Maynard na First National foi Charles R. Rogers. Ele era um fã do cowboy e resolveu explorar mais completamente o jovem cavaleiro de circo com a inestimável ajuda do produtor associado, Harry Joe Brown, do roteirista Marion Jackson e de Albert S. Rogell, o principal diretor da série. Graças a este grupo foram realizados dois grandes westerns de Ken Maynard como O Destemido / Senor Daredevil / 1926 e A Horda Vermelha / The Red Raiders / 1927. Este último  eu tive a sorte de assistir.

Em A Horda Vermelha, o Tenente John Scott (Ken Maynard), jovem oficial do Exército Americano é designado para um posto militar na fronteira, situado no centro do território Sioux. Deparando-se com um bando de índios atacando uma diligência, John impede o assalto e chama a atenção de Jane Logan (Ann Drew), que está a caminho do rancho do irmão nas redondezas. Mais tarde, ele ganha a admiração de seus homens, domando um cavalo selvagem, que eles lhe entregaram como uma brincadeira de mau gosto; porém é repreendido pelo ciumento Capitão Ortwell (J.P.McGowan), quando se recusa a contratar os serviços de Lone Wolf (Chief Yowlachie), um índio traiçoeiro, que está espionando no forte e prepara uma cilada para os cavalarianos. Após alguns incidentes, John salva as tropas de uma emboscada, conduzindo-as a salvo até o forte, onde o ataque Sioux é rechaçado.

O filme enfatiza a dextreza de Maynard como cavaleiro, tem um ritmo rápido, e oferece ainda uma dose de romance e humor. Rogell captou toda a ação cruciante desses espetáculos com close-ups faciais de Maynard, para não deixar dúvida na mente do espectador sobre quem estava, precisamente, fazendo as cenas arriscadas como aquela do início, quando os índios atacam a diligência. O cocheiro e o guarda são mortos e o veículo corre desgovernado. Ken monta num cavalo, fica de pé em cima da sela e pula para um dos cavalos da diligência. Ele consegue pegar uma das rédeas e depois, pendurando-se entre outros dois cavalos da diligência, alcança as outras rédeas rente às patas dos animais e, finalmente, senta no banco do cocheiro.

Terminado o compromisso na First National, Harry Joe Brown procurou Carl Laemmle na Universal e negociou um contrato, para filmar uma série de westerns com Maynard. Os primeiros quatro filmes na Universal, Os Cargueiros do Deserto / Wagon Master / 1929, O Prêmio do Amor / Senor Americano / 1929, Parada do Oeste / Parade of the West / 1930 e Sela da Sorte / Lucky Larkin / 1930, segundo Jon Tuska (The Filming of the West, 1976), eram semelhantes aos da First National, provavelmente graças à colaboração do roteirista Marion Jackson, que veio para a Universal com a equipe de Maynard.

Quando deixou o estúdio de Laeemle, em 1930, Ken assinou um contrato para fazer um número indeterminado de filmes na Tiffany Productions, cujo gerente de produção era Samuel Bischoff. Em 1932, Bischoff organizou, com Burt Kelly e William Saal, a KBS Productions, que distribuia seus filmes pela World Wide. Nos westerns da Tiffany, produzidos com orçamentos mínimos de doze a quinze mil dólares, a ação foi reduzida consideravelmente em comparação como os filmes da First National e Universal. Porém a independência de Bischoff das limitações monetárias da Tiffany, fêz com que sua série subseqüente na KBS tivesse uma melhoria substancial.

O último filme da Tiffany, Corisco do Inferno / Hell Fire Austin / 1932, financiado separadamente por um grupo de investidores independentes chamado Quadrangle Productions, segundo várias opiniões, foi o melhor de todos filmados por aquela empresa.

Os dois westerns expressivos da KBS foram Rancho Dinamite / Dynamite Ranch / 1932 e Tarzan, o Cavalo Selvagem / Come on, Tarzan / 1932, os quais eu pude ver recentemente. O primeiro, graças à colaboração do excelente fotógrafo Ted McCord e ao perfeito entrosamento entre Ken e Ruth Hall, formando o par romântico e o segundo, também fotografado por McCord, pelas cenas excepcionais com um bando de cavalos selvagens, liderados por Tarzan, e uma das acrobacias mais eletrizantes de todos os tempos num filme do gênero: Ken desce por um morro e salta sobre os cavalos de dois bandidos que correm vertiginosamente. Ele põe um pé em cada cavalo e começa a dar socos nos bandidos, até derrubá-los, um após o outro.

Os 19 filmes da Tiffany e KBS mantiveram Maynard na tela e sua popularidade estava em ascenção. Os destaques eram claramente para Ken e Tarzan; mas havia aspectos negativos: a falta de um acompanhamento musical que daria mais vivacidade às cenas de ação e a coreografia das brigas não tinham o mesmo acabamento e precisão, que seriam a marca registrada dos futuros seriados da Republic. Ken não sabia representar, porém sua assombrosa habilidade como cavaleiro (cavalgar duas montarias ao mesmo tempo com um pé em cada sela, ficar preso à sela do cavalo deixando cair todo o corpo e segurando o chapéu com uma das mãos, etc) e sua boa aparência compensavam sua deficiência interpretativa.

De volta à Universal, Ken ganhou sua própria unidade de produção (Ken Maynard Productions) e o controle criativo de seus filmes. Nessa segunda fase no estúdio de Carl Laemmle, Ken foi dublado por Cliff Lyons e por seu irmão Kermit e, em O Segredo das Selvas / Strawberry Roan / 1933, ele cantou duas vezes e a balada dominou completamente o filme, que pode ser considerado a primeira realização madura de um western musical. Ken não foi formalmente treinado para ler música mas tocava violino, guitarra, banjo e piano de ouvido.

Foram feitos ao todo oito filmes e Luta de Astúcia / Trail Drive /1933 e Rodas do Destino / Wheels of Destiny / 1934 costumam ser apontados, juntamente com O Segredo das Selvas, como os favoritos do público. Carl Laemmle gostava dos filmes de Ken e não se importava muito com o seu temperamento irascível. Os westerns estavam sendo bem recebidos pelos exibidores, mas custavam caro. Carl pai sugeriu a seu filho, também chamado Carl, que ficasse de olho nos gastos. Quando Carl filho reclamava dos altos custos, Ken ficava furioso e dizia que sabia muito bem o que estava fazendo. As discussões entre Junior e Maynard foram ficando cada vêz mais acaloradas, e o ator acabou saindo da firma dos Laemmle.

Ken foi parar na Mascot Pictures de Nat Levine, onde fez o seriado A Montanha Misteriosa / Mystery Mountain / 1934 e Santa Fé ou Conquistando Corações / In Old Santa Fe / 1934, que tinha um interlúdio musical com Gene Autry. O esperto produtor usou o prestígio de Ken, para lançar Autry, o seu novo cowboy-cantor. Gene já havia aparecido no seriado, dirigido por Otto Brower e B. Reeves Eason, no qual Ken enfrentava “the Rattler”, um mascarado sinistro, apelidado de “A Ameaça da Montanha”, que estava por trás de múltiplos assassinatos.

Nos filmes que fez subseqüentemente para a Columbia, Grand National, Colony e Monogram, Ken não foi mais o mesmo mocinho; muitas das cenas movimentadas desses westerns eram tomadas de arquivo de antigas produções. Na Monogram, Ken formou um trio com Hoot Gibson e Bob Baker (depois substituído por Bob Steele) na série Defensores Indomáveis / Trail Blazers. Ken sentiu que tinha de perder peso, mas quando soube que Hoot não tinha a menor intenção de fazer dieta – “Não pelo dinheiro que ganho!”, disse Hoot – Ken também não fez. A gordura dos dois é bem visível nos filmes da série.

Quando trabalhava para a Colony, em 1939, Ken se divorciou de Mary e se casou com Bertha Rowland Denham Posteriormente, ele integrou outro trio, desta vez com Eddie Dean e Max Terhune num único filme para a Mattox, Balas e Violões / Harmony Trail, afastando-se das telas, para se dedicar exclusivamente ao seu Diamond K. Ranch Wild West Show. Uma derradeira aparição diante das câmeras ocorreria em Bigfoot / 1973, como coadjuvante, ao lado de outro veterano, John Carradine.

Depois que Bertha faleceu, Ken ficou sozinho no trailer onde moravam, estacionado em San Fernando Valley. Em 23 de março de 1973, Ken Maynard deixou este mundo aos 77 anos, cansado da vida e da solidão. Ninguém diria que fora um dos maiores cowboys do Cinema, para sempre gravado na memória dos fãs.

FILMOGRAFIA

Em 1988, Gil de Azevedo Araújo, Danilo Dieguez e eu elaboramos uma filmografia de Ken Maynard, publicada na revista Cinemin nº42 (Editora EBAL), que agora revisei, acrescentando mais títulos em português. Vi apenas onze filmes de Maynard (A Horda Vermelha,  O Prêmio do Amor,Rancho Dinamite e Tarzan, o Cavalo Selvagem: Luta de Vingança, o seriado O Mistério da Montanha, Santa Fe, Cavaleiro Furacão, Ódio e Vingança, O Relâmpago das Campinas e Rumo ao Oeste). Dos que eu vi, os meus preferidos são: Horda Vermelha e Tarzan, O Cavalo Selvagem. 1924 – JANICE MEREDITH / Janice Meredith; Filmes mudos para a Davis e First National: O PRÊMIO TENTADOR / $50.000 Reward. 1925 – CORAGEM DE LUTADOR / Fighting Courage; O DEMÔNIO DO GALOPE / The Demon Rider. 1926 – ESTRELA DO NORTE / North Star; SONHANDO ACORDADO / The Grey Vulture; O RANCHO DOS FANTASMAS / The Haunted Range; O CAVALHEIRO INCÓGNITO / The Unknown Cavalier; O DESTEMIDO / Senor Daredevil. 1927 – SELVAS E CONQUISTAS / The Overland Stage; TERRORES DA FRONTEIRA / Somewhere in Sonora; TERRA DE NINGUÉM / The Land Beyond the Law; A SELA DO DIABO / The Devils Saddle; A HORDA VERMELHA / The Red Raiders; O EVANGELHO DE FOGO / Gun Gospel. 1928 -TRATO É TRATO / The Wagon Show; O VALE DA AVENTURA / The Canyon of Adventure; O CAVALEIRO DA ESPERANÇA / The Upland Rider; TIRANDO A LIMPO / Code of The Scarlet; A GLORIOSA JORNADA /  The Glorious Trail;  A CIDADE FANTASMA / The Phantom City. 1929 – A TODA A BRIDA  ou  À RÉDEA SOLTA / Cheyenne; LEGIÃO SUSPEITA / The Lawless Legion; MALA DA CALIFÓRNIA / The California Mail; CAVALEIRO REAL / The Royal Rider; Filmes mudos, parcialmente falados, primeiros falados na Universal: OS CARGUEIROS DO DESERTO / The Wagon Master; O PRÊMIO DO AMOR / Senor Americano. 1930 – PARADA DO OESTE / Parade of the West; SELA DA SORTE / Lucky Larkin; A LEGIÃO DOS HERÓIS / The Fighting Legion; MISSÃO DE VINGANÇA / Mountain Justice; AUDAZ CAVALEIRO / Song of the Caballero; AMIZADE REDENTORA / Sons of the Saddle; Filmes na Tiffany: LUTA DE VINGANÇA / Fightin’ Thru. 1931 – SOMBRAS DA MORTE / Two-Gun Man; ÓDIO E VINGANÇA / Alias the Bad Man; O TERROR DO ARIZONA / Arizona Terror; A LEI DAS MONTANHAS / Range Law; HOMENS MARCADOS / Branded Men; O CRIME DO RENEGADO / Pocatello Kid. 1932 – EMBOSCADA FATAL / Sunset Trail; UM TEXANO VALENTE / Texas Gunfighter; HERÓI DA FRONTEIRA / Whistling Dan; CORISCO DO INFERNO / Hell-Fire Austin; Filmes na KBS / World Wide: RANCHO DINAMITE / Dynamite Ranch; TARZAN, O CAVALO SELVAGEM / Come on, Tarzan; ENTRE LUTADORES / Between Fighting Men; O BANDIDO DO CAVALO BRANCO / Fargo Express; O FANTASMA DO DESFILADEIRO / Tombstone Canyon. 1933 – O DEFENSOR DA LEI / Drum Taps; O TERROR DO OESTE / Phantom Thunderbolt; VINGADOR SILENCIOSO / The Lone Avenger; Filmes na Universal, 2a fase:VENCEDOR MODESTO / King of the Arena; O ENVERGONHADO / The Fiddling Buckaroo; LUTA DE ASTÚCIA / Trail Drive; O SEGREDO DAS SELVAS / Strawberry Roan; O PASSO FATAL / Gun Justice. 1934 – RODAS DO DESTINO / Wheels of Destiny; DÍVIDA DE HONRA / Honor of the Range; DESAFIANDO O PERIGO / Smoking Guns; Filmes na Mascot: SANTA FE / In Old Santa Fe; O MISTÉRIO DA MONTANHA / Mystery Mountain (Seriado). Filmes na Columbia: 1935 – EM CAMINHO DO OESTE / Western Frontier; CORAGEM DO SERTÃO / Western Courage; APUROS DE HERDEIRO / Heir to Trouble; SALTEADORES DO DESERTO / Lawless Riders. 1936 – LADRÃO DE GADO / The Cattle Thief; HERÓIS DA SERRA / Heroes of the Range; ÁGUAS VINGADORAS / Avenging Waters; O XERIFE FUGITIVO / Fugitive Sheriff. 1937 – Filmes na Grand National: PROCURANDO CONFUSÃO / Trailing Trouble; DESTINO TRAÇADO / Boots of Destiny. 1938 – CAVALEIRO FURACÃO / Whirlwind Horseman; XERIFE MATA SEIS / Six Shooting Sheriff. 1939 – Flaming Lead. 1940 – O RELÂMPAGO DAS CAMPINAS / Death Rides the Range; FAZENDA ASSOMBRADA / Phantom Ranger; O RELÂMPAGO DE BOTAS / Lightning Strikes West. 1943 – Série Trail Blazers: O MISTÉRIO DO DESFILADEIRO / Wild Horse Stampede; NAS MALHAS DA LEI / The Law Rides Again; PISTOLAS FLAMEJANTES / Blazing Guns; VALE DA MORTE / Death Valley Rangers; RUMO AO OESTE / Westward Bound; FALSÁRIOS DO OESTE / Arizona Whirlwind. 1944 – Filme na Mattox: Balas e Violões / Harmony Trail. 1970 – Aparição como convidado:  Bigfoot.

ERICH VON STROHEIM – GÊNIO MALDITO DO CINEMA

janeiro 13, 2011

Erich Von Stroheim trouxe para o Cinema Mudo maturidade, sofisticação e um estilo original e agressivo, no qual se juntam, contraditoriamente, realismo e romantismo, crítica social e esteticismo, satanismo e espiritualidade, beleza e abjeção.

Seus filmes são um requisitório contra a sociedade, quase sempre a austro-húngara nos últimos estágios de decadência, com a qual parece manter uma relação de amor e ódio e que descreve com uma minúcia balzaquiana, procurando mostrar a verdadeira vida com toda a sua sordidez, violência e sensualidade.

Foi ainda precursor da técnica moderna – por ter dado menos importância à montagem, preocupando-se mais com a acumulação de detalhes significativos dentro de cada cena – e sua influência se fez notar na obra de eminentes diretores como Josef Von Sternberg, Ernst Lubitsch, G.W.Pabst, Max Ophuls, Orson Welles, Billy Wilder, John Huston, William Wyler,  Luchino Visconti, etc.

Entretanto, esse grande artista não soube condensar o que tinha para dizer, indispondo-se com os produtores, os quais, espantados com seu perfeccionismo e concepções inusitadas, transformaram-no no gênio maldito do Cinema.

Erich Oswald Stroheim nasceu em Viena, a 22 de setembro de 1885, não como descendente de uma baronesa alemã e de um conde austríaco, como se pensava, mas filho de um fabricante e vendedor de chapéus, Benno Stroheim e de Johana Bondy, ambos membros da comunidade israelita. Porém Stroheim adotou o catolicismo (pelo menos nos seus elementos ritualísticos), com a paixão fervorosa de um autêntico convertido.

Em 1909, aos vinte quatro anos de idade, Stroheim emigrou para a América e, nos primeiros tempos em Hollywood, trabalhou como figurante, assistente de direção, consultor militar e cenógrafo, principalmente sob as ordens de David Wark Griffith e John Emerson.

Quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, Stroheim interpretou papéis de oficiais alemães desalmados, sendo identificado pela frase de propaganda: “o homem que você gosta de odiar”.

A cena de estupro em Coração da Humanidade / The Heart of Humanity / 1918       ficou famosa: Stroheim consegue finalmente encurralar Dorothy Phillips, provocante no seu uniforme da Cruz Vermelha. No mesmo quarto em que ela se encontra, está um bebê órfão, de quem Dorothy está cuidando. Enquanto do lado de fora do prédio sobe a fumaça da cidade em chamas, Stroheim começa a rasgar o uniforme da enfermeira com os dentes. Os gritos de Dorothy se misturam com os da criança, até que Stroheim perde a paciência. Ele apanha o bebê no berço e joga-o pela janela do segundo andar. “Eu me senti péssimol por causa desta cena”, relembrou Stroheim numa entrevista em 1942. “Aquela criança berrava muito e após o quarto take ficou histérica. Eu era o vilão no filme, mas o verdadeiro vilão foi a mãe do bebê, que deixou seu filho sofrer tudo aquilo por uma nota de cinco dólares”.

Após o armistício, Stroheim estreou na direção com o filme Maridos Cegos ou Castigo do Sedutor/ Blind Husbands / 1919, produzido pela Universal. A ação tem lugar em Cortina d’Ampezzo, nos Alpes. Carente da afeição de seu marido, o famoso cirurgião americano Dr. Armstrong, (Sam de Grasse), Margaret (Francelia Billington) se deixa seduzir pelo oficial da cavalaria austríaco, Erich von Steuben (Erich Von Stroheim). Este entra no quarto de Margaret à noite, mas encontra o guia Silent Sepp (Gibson Gowland), amigo do Dr. Armstrong, que mudara de quarto, para proteger Margaret das investidas do militar. No dia seguinte, o doutor e Von Steuben escalam um pico, conhecido por sua inacessibilidade. No topo da montanha, ao ajudar Von Steuben, segurando-o pelo casaco, Armstrong descobre uma carta de Margaret no bolso dele; porém o vento a arranca de suas mãos, antes que ele pudesse ler o cvonteúdo. O ciúme o exaspera. Ele pensa em matar Von Steuben, mas apenas o agride, corta a corda que prendia um ao outro, e desce a montanha. Armstrong reencontra a carta e lê: “Amo meu marido e meu marido me ama”. Neste momento, chegam ao local Margaret e Silent Sepp e, quando todos voltam a atenção para Von Steuben, ele acabara de despencar no precipício.

Neste filme de principiante, ainda imperfeito e um pouco esquemático, percebe-se o gosto do cineasta pelo melodrama e pela psicologia, um enfoque adulto das relações sociais e sexuais, e o esboço do tipo do conquistador cínico e lascivo, que será aperfeiçoado nas suas obras seguintes.

A linguagem cinematográfica, todavia, não chega ao nível das idéias do diretor. O domínio da câmera, da montagem e do ritmo é pouco imaginativo. Por exemplo, na montagem paralela no final do filme, quando a esposa e o guia ficam cada vez mais apreensivos na cabana, enquanto os dois homens brigam na montanha, não há suspense. O talento de Stroheim concentra-se na brilhante composição dos personagens, observação de detalhes e criação de ambiente, aspectos para os quais terá sempre um cuidado especial.

Em 1919, Stroheim fez The Devil’s Pass Key, exibido no Brasil com os títulos de Machiavelismo e A Chave do Demônio que, tal como seu filme anterior, é um enfoque adulto e malicioso da relação social, sentimental e sexual de um matrimônio, tendo como heroína novamente uma esposa insatisfeita, Grace Goodwright (Una Trevelyn) lisonjeada pelas atenções de um oficial do Exército, Capitão Rex Strong (Clyde Fillmore).

Segundo consta, não existe cópia disponível em nenhuma cinemateca do mundo, impossibilitando a reavaliação da obra. Em julho de 1940, uma inspeção no depósito de cópias da Universal demonstrou que, uma parte do quinto rolo estava se decompondo; pouco tempo depois, em 8 de maio de 1941, o estúdio destruiu todo o negativo.

Uma das poucas referências que temos a respeito dessa realização, diz respeito a uma série de experimentações em estilização fotográfica e a manipulação da cor para efeitos dramáticos.

A terceira realização na Universal, Esposas Ingênuas / Foolish Wives, de 1922, destacou mais a singular personalidade do diretor. Em Monte Carlo, um aventureiro, assumindo o nome de Conde Wladislaus Sergius Karamzin (Erich von Stroheim), vive uma existência de luxo na companhia de duas “primas”, Olga (Maude George) e Vera (Mae Bush) Petschnikoff, que se fazem passar por princesas, mas são de fato ex-condenadas, recentemente saídas da prisão. Com a ajuda de suas cúmplices, Karamzin passa adiante dinheiro falsificado e, para aumentar seus rendimentos, seduz mulheres ricas e faz chantagem com elas. Ele escolhe Helen (Miss Dupont), a esposa do embaixador americano, Andrew J. Hughes (Rudolph Christians, substituído após sua morte repentina por Robert Edeson), como sua próxima vítima. Maruschka (Dale Fuller), a criada que serve aos impostores, amante de Karamzin, pressiona-o para que se case com ela e, consternada com os fingidos problemas do “Conde”, entrega-lhe todas as suas economias. Mais tarde, enciumada, Maruschka põe fogo no aposento onde, simulando a necessidade de saldar dívidas de jogo, Karamzin induzira a mulher do diplomata a encontrar-se com ele. Quando chegam os bombeiros, Karamzin é o primeiro a saltar do prédio em chamas. A criada suicida-se, atirando-se ao mar. Olga e Vera são presas e desmascaradas. Depois de ser esmurrado pelo marido furioso, Karamzin procura refúgio na casa do velho falsário Caesare Ventucci (Cesare Gravina), seu cúmplice, onde violenta a filha deste, Marietta (Malvine Polo), uma adolescente semi-idiota. O pai de Marietta o surpreende, mata-o, e joga o cadáver num bueiro.

Stroheim serve-se desse melodrama folhetinesco, para pintar um quadro de costumes cheio de maldade e mentira, um universo de horror e de falsidades – as falsas aparências e os falsos sentimentos. Ele nos faz acreditar nessas aventuras rocambolescas pelo preciso estudo dos personagens, pela veracidade dos cenários e pela riqueza de pormenores irônicos, sórdidos e sensuais.

Ninguém esquece Karamzin beijando a criada e enxugando os lábios com desgosto; fingindo o pranto com a água usada para fazer as unhas; dando as costas para a esposa do embaixador que se despe, mas espiando as escondidas por um pequeno espelho; o encontro de Mrs. Hughes com o militar mutilado, que ela julga rude, por não ter apanhado objetos que ela deixara cair no chão; o bode malcheiroso e o monge que surge abruptamente, impedindo os desígnios lúbricos de Karamzin; a libertação dos pássaros antes do ato incendiário e a silhueta da suicida, tendo ao fundo o mar; a retirada das cabeleiras postiças das duas “princesas”; a iluminação contrastada nas cenas de sedução, como o passeio no bote e a visita de Karamzin ao quarto da jovem abobalhada.

Nesses instantes, Stroheim antecipa todas as suas obsessões – sadismo, erotismo, corrupção, enfermidade, paixão e morte – que serão continuadamente elaboradas nos seus filmes, cada vez com maior truculência. A partir do tema básico e trivial da desilusão de uma esposa tola que finalmente encontra no marido a nobreza que procurava num impostor, Stroheim faz um julgamento moral e mordaz de uma sociedade de cuja degeneração não duvida, mas que, ao mesmo tempo, o fascina.

A produção foi um pesadelo sem precedentes em Hollywood e gerou a reputação de Stroheim como um “maníaco perfeccionista”. Ele mandou reconstruir com o máximo de exatidão as fachadas principais do Cassino de Monte Carlo, do Hotel de France e do Café de Paris na área externa do estúdio da Universal. Porém os lados opostos desses edifícios – supostamente contemplando o Mediterrâneo – tiveram que ser construídos em Pont Lobos, perto de Del Monte, na península de Monterey, a muitos quilômetros de distância da Universal City. Na locação de Pont Lobos, uma tempestade destruiu a maior parte do que havia sido construído, obrigando os carpinteiros a começar tudo de novo. Stroheim queria mostrar cenários, decoração, vestuário, objetos e o comportamento dos personagens da forma mais correta possível, queria que tudo parecesse autêntico.

Esta paixão pelo detalhe naturalmente elevou as despesas a tal ponto, que Irving Thalberg, o novo chefe de produção da Universal, depois de muitas discussões com o diretor, foi obrigado a intervir, mandando recolher as câmeras, para que a filmagem fosse encerrada.

Após onze meses de trabalho, Stroheim entregou ao estúdio um filme de seis horas e meia, impossível de ser distribuído. Era preciso fazer com que a obra tivesse uma duração “razoável”. O filme sofreu vários cortes (feitos por Arthur Ripley) e foi exibido, na estréia em 1922, com três horas e meia de duração. Porém os críticos, as revistas de fãs e os trade papers acharam que o espetáculo ainda estava muito longo.

Quando o filme entrou em circulação normal, novos cortes e novas montagens foram feitos sucessivamente, e o filme ficou com cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos. Em 1972, sob os auspícios do American Film Institute, Arthur Lennig fez uma restauração, para duas horas e vinte e um minutos, que podemos ver hoje no DVD lançado pela Image Entertainment em 2000.

Apesar dessa mutilação, Esposas Ingênuas causou um impacto sensacional na época do seu lançamento com seu melodrama de adultério, falsificação de moedas, corrupção na aristocracia, simulação, morbidez, violência e cinismo.

Ele continua sendo um filme típico do gênio de Stroheim, “uma espécie de visão baudelairiana de um mundo onde estão lado a lado falsos aristocratas, burgueses verdadeiros e pessoas do povo, vítimas dos mesmos demônios” (Jacques Siclier).

Por ordem de Irving Thalberg, Stroheim foi substituído por Rupert Julian na direção de Redemoinho da Vida / Merry-Go-Round / 1922 no meio da filmagem.  Alguns dos motivos de sua dispensa, constantes da carta de demissão, foram: insubordinação, deslealdade à companhia que o contratara, idéias extravagantes, atrasos desnecessários, flagrante desprezo pelos princípios da censura; porém o diretor deixou marcas do seu estilo na cenografia e na construção de algumas cenas e introduziu no enredo o ambiente vienense e temas que seriam desenvolvidos em A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925, A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928 e Minha Rainha / Queen Kelly / 1929.

Apenas para se ter uma idéia do argumento, escrito por Stroheim, o impetuoso Conde Franz Maximilian von Hohenegg (Norman Kerry), noivo da Condessa Gisella von Steinbrueck (Dorothy Wallace), enamora-se de Agnes Urban (Mary Philbin), jovem empregada num parque de diversões, que é também cobiçada pelo patrão, Schani Huber (George Siegmann) e por um colega de trabalho corcunda, Bartholomew Gruber (George Hackathorne). Após alguns incidentes – que lembram os de A Marcha Nupcial, tais como o matrimônio sem amor entre Franz e Gisella e a tentativa de estupro que Agnes sofre por parte do brutal concessionário do parque – e de uma guerra durante a qual, pensando que Franz morreu, Agnes promete casar-se com o colega corcunda, tudo acaba bem. Giselle morre e Bartholomew abre mão de Agnes em favor do conde.

Em Ouro e Maldição / Greed / 1924, adaptação bastante fiel do romance zolaesco de Frank Norris, produzida pela Goldwyn Company, Stroheim afasta-se dos ambientes grã-finos europeus e escrutina com impiedade o meio de imigrantes da classe média baixa dos Estados Unidos, focalizando particularmente o drama da degradação de três seres humanos, impulsionados pela frustração, pela miséria e pela voracidade.

McTeague (Gibson Gowland) trabalha de início numa mina de ouro na Califórnia e depois como assistente de um dentista ambulante. Após aprender o ofício, abre um consultório em San Francisco, sem a necessária licença. Ali, faz amizade com Marcus (Jean Hersholt) e se apaixona pela prima e “queridinha” deste, Trina (ZaSu Pitts). Ele confessa sua paixão a Marcus e este, cavalheirescamente, desiste de cortejar Trina. Esta ganha cinco mil dólares na loteria e se casa com McTeague. Frustrada pela incomprensão espiritual e física do marido, Trina transfere sua potencialidade sentimental e sexual para o dinheiro, tornando-se uma avarenta. Arrependido de ter renunciado a Trina e com inveja de McTeague, Marcus exige uma parte do dinheiro. Os dois se desentendem e Marcus denuncia McTeague às autoridades por exercício ilegal da profissão. Desprovido do meio de subsistência, McTeague entrega-se à bebida e Trina, evitando tocar no seu tesouro, vai trabalhar em serviços de limpeza. Finalmente, McTeague mata Trina e foge com o dinheiro. Marcus persegue-o até o Vale da Morte e, no confronto, MacTeague tira a vida do ex-amigo, sem perceber que este o havia algemado. Forçado a arrastar o corpo inerte de Marcus e extenuado pelo sol inclemente do deserto, McTeague aguarda o fim trágico ao lado da mula morta, do cantil vazio e das moedas de ouro espalhadas na areia.

O contrato de Stroheim com a Goldwyn não lhe dava carta branca. Era mais restritivo do que o que assinara com a Universal, porque foram estabelecidos tetos orçamentários e limitações rígidas com relação ao tempo de duração do filme e da filmagem. Stroheim não cumpriu nenhuma das clásusulas previstas e, em 18 de março de 1923, a Goldwyn Company começou a tomar as providências legais, para removê-lo da produção. Entretanto, em 10 de abril, o estúdio se fundiu com a Marcus Loew’s Metro Pictures Corporation e Irving Thalberg tornou-se o chefe da produção. Ficar novamente sob a vigilância de Thalberg foi um choque para Stroheim, mas pelo menos Ouro e Maldição já estava pronto e montado numa cópia de trabalho. O próprio diretor reduzira a metragem originária de 45 rolos (nove horas e meia) para 24 rolos. Feito isso, Stroheim enviou sua cópia para o amigo Rex Ingram, e este entregou-a para seu montador, Grant Whytock, que havia trabalhado com Stroheim em The Devil’s Pass Key. Whytock estudou o filme cuidadosamente e propôs cortá-lo em duas seções: um filme de oito rolos terminando com o casamento de Trina e McTeague e um filme de sete rolos prosseguindo com a história até o final no Vale da Morte. Ele eliminou duas subtramas completas, uma concernindo um negociante de ferro-velho e sua mulher meio louca e outra relacionada com o pai alcoólatra de McTeague. Dos 24 rolos da versão de Stroheim sobraram apenas 18 rolos.

Quando o estúdio finalmente despediu Stroheim, Thalberg entregou o filme a um redator de títulos, Joseph Farnham e este, eliminando longos trechos de ação e preenchendo as lacunas com subtítulos de continuidade, chegou a uma cópia de dez rolos (aproximadamente duas horas). Esta versão foi vista durante muitos anos nas cinematecas até que, em 1999, a Turner Classic Movies (TCM), usando as fotografias fixas tiradas durante a produção do filme, para documentar cada cena, reconstruiu uma versão de quatro horas, que esclareceu vividamente as verdadeiras dimensões do filme e recriou o seu esquema de cor original com o uso do Handschiegl Process de colorização seletiva de objetos dentro do quadro. Stroheim tinha uma predileção especial pela cor, tendo usado a colorização à mão em Esposa Ingênuas e o Technicolor em duas cores em cenas de A Víuva Alegre e A Marcha Nupcial.

Sem deixar de seguir o modelo naturalista de Norris, Stroheim insuflou ao tema a sua poesia visionária, que transparece em momentos soberbos, nos quais se nota o emprego do refrão, da elipse e do símbolo: McTeague acariciando o passarinho no começo e no fim do filme;  o primeiro beijo de McTeague em Trina, anestesiada na cadeira do dentista; Trina e McTeague sentados no cano de esgoto, ele tocando “Hearts and Flowers” na harmônica, a chuva, o beijo e o trem que avança velozmente; um gato e dois passarinhos como representação dos três personagens centrais; o enorme dente de ouro que serve de indicação do consultório; o cortejo fúnebre num contraponto alusivo à festa nupcial; Trina alimentando com carne estragada o marido que se tornara mendigo e se deitando na cama com as moedas de ouro espalhadas pelo corpo; o assassinato invisível de Trina na sala ironicamente ornamentada de enfeites de Natal; o horripilante desfecho no Vale da Morte, suscitando a impressão de desespero e futilidade.

Formando com Esposas Ingênuas e A Marcha Nupcial o trio indiscutível de obras-primas do cineasta, Ouro e Maldição chegou a ser apontado entre os dez melhores filmes de todos os tempos e até hoje, apesar dos cortes, continua impressionante.

Apesar de sua qualidade artística, o filme não obteve êxito comercial e Stroheim foi obrigado a fazer A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 (aceitando contra a sua intenção, a presença de dois astros, John Gilbert e Mae Murray), para a Metro-Goldwyn- Mayer. Ele, porém, transformou a leve e charmosa opereta de Franz Lehar numa comédia-dramática sarcástica, aproveitando a história de amor, para satirizar mais uma vez uma aristocracia em decomposição, e inventando o personagem do Barão Sadoja, que enriqueceu a galeria de vilões grotescos e depravados de sua filmografia.

Em Castellano, capital do reino fictício de Monteblanco, Príncipe Danilo (John Gilbert), o segundo na ordem sucessória do trono depois do primo, Príncipe Mirko (Roy D’Arcy), apaixona-se por Sally O’Hara (Mae Murray), dançarina americana apresentando-se na cidade. Quando Danilo declara a intenção de desposá-la, sua mãe convence-o da inconveniência do matrimônio, e o Rei manda dizer a Sally, que deve deixar o país. Abandonada, Sally casa-se com o Barão Sadoja (Tully Marshall), velho aleijado e fetichista, cujos milhões sustentam o reino. O barão morre na noite de núpcias e Sally vai gastar sua fortuna em Paris. Ali chegam também Danilo – inconformado com a perda da amada – e Mirko – com a incumbência de propor novas bodas à viúva, a fim de recuperar a fortuna de Sadoja para Monteblanco -, travando-se o conflito entre os dois.

Stroheim elaborou quadros provocantes e perversos – o jantar que Danilo oferece a Sally num cômodo, onde se vêem os dois sentados à mesa e, ao fundo, deitadas no leito, duas jovens prostitutas seminuas e de olhos vendados, tocando instrumentos musicais; a orgia dos oficiais com a presença de prostitutas e rapazes também meio desnudos e mascarados com os rostos pintados de branco e perucas louras; a fixação de Sadoja pelos pés e sapatos de mulher e sua morte na alcova; as motivações de cada admirador ao ver Sally dançando, através dos close-ups alternativos dos seus pés (o amor patológico de Sadoja), de seu busto (o amor carnal de Mirko) e do seu rosto (o amor puro de Danilo) – e, mesmo sem ver tudo o que foi imaginado pelo diretor por causa da censura, o público deixou-se arrebatar pelo espetáculo, consagrando-o nas bilheterias.

A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928, produzido por P.A. Powers para a Paramount, combina crueldade e pureza num esplendor barroco, para contar as vicissitudes de um verdadeiro amor, contrariado pelo interesse e pelas barreiras sociais. Na trama, os Wildeliebe-Rauffenburg (Maude George, George Fawcett), membros da família real da Áustria, exigem que o filho, Príncipe Nicki (Erich von Stroheim) faça um “bom” casamento e a escolhida é Cecelia (ZaSu Pitts), jovem feia e coxa, filha de um riquíssimo fabricante de emplastros. Entretanto, Nicki apaixona-se por Mitzi (Fay Wray), noiva de Schani (Matthew Betz), um açougueiro. O matrimônio é acertado entre o pai de Nicki e o de Cecelia durante uma orgia. Ao ler a notícia das bodas, Mitzi cai em prantos e, quando o açougueiro vem consolá-la, ela o repele, reafirmando o amor por Nicki. Schani tenta violentá-la, mas o pai dele chega a tempo de impedí-lo. Transtornado, Schani ameaça matar Nicki. Para evitar o crime, Mitzi promete casar-se com ele. Os noivos passam de carruagem diante dos dois e Schani levanta Mitzi, chorando, para que ela possa acompanhar o desfile. “Quem era aquela doce jovem em prantos?”, pergunta Cecelia. “Nunca a vi em minha vida”, responde Nicki.

A segunda parte do filme, intitulada The Honeymoon, começa com a viagem de lua-de-mel para a propriedade real no alto de uma montanha onde, após alguns incidentes, os quatro personagens centrais se encontram perto de um chalé de caça. Mitzi tenta desesperadamente avisar Nicki de que Schani pretende matá-lo e Cecelia coloca-se na frente da bala que Schani endereçara para seu marido. Schani é levado pelos caçadores e Cecelia fica mortalmente ferida. No funeral de Cecelia, a mãe de Nicki sussurra no ouvido do filho, que o casamento fôra um sucesso financeiro. Nicki é enviado para uma missão na fronteira da Sérvia, onde bandos de renegados aterrorizam a zona rural. Mitzi entra para um convento, o qual é atacado por um dos bandos de renegados liderados por um corcunda e seu lugar-tenente, Schani. Os dois disputam a posse de Mitzi, mas as tropas de Nicki chegam a tempo de salvá-la. Numa luta terrível, Nicki vence Schani, e depois se casa com Mitzi no altar do convento.

Stroheim evoca a Viena de sua juventude, com seu estilo de vida resplandecente, a aristocracia, os novos ricos e o recém-formado proletariado, que despreza a elite de dragonas e capacetes de aço. Possuído por um rancor dostoievskiano e, concomitantemente, por uma ternura nostálgica, o diretor perscruta as instituições moralmente anêmicas do declínio do império dos Habsburgos e expõe os vícios e as baixezas dos indivíduos (e tamém os seus sentimentos mais puros) com notável intuição psicológica e artística.

Como nos outros filmes do cineasta, o lírico, o sórdido e o alegórico – o flerte silencioso e a jovem do povo colocando um buquê de violetas dentro das botas do garboso oficial montado a cavalo; o idílio de Nicki e Mitzi no parque, coroado por flores de macieira e pelo luar; o aristocrata e o novo-rico rastejando no assoalho do prostíbulo, cada qual querendo explorar o outro, vendendo os filhos num infame contrato de casamento; a tentativa de estupro no matadouro entre as carcaças sangrentas dos animais; Cecelia recebendo a notícia de suas bodas vestida de branco e soltando um par de pombas; o fantasma do “Homem de Ferro” e as mãos do organista acompanhando a faustosa e lúgubre cerimônia de casamento que se transformam nas de um esqueleto – são conjugados admiravelmente pelo poder de expressão de um extraordinário cineasta.

Stroheim completou a primeira parte, que foi exibida mais ou menos como planejou; porém não terminou a segunda parte, lançada depois, somente na Europa, junto com um resumo da primeira, numa remontagem feita por Josef von Sternberg. The Honeymoon nunca foi exibido nos Estados Unidos, mas apenas na Europa e na América do Sul, inclusive no Brasil, onde recebeu o título de Lua-de-Mel. A única cópia sobrevivente, adquirida pela Museum of Modern Art Film Library em 1952, foi entregue à Cinemateca Francesa e tragicamente destruída num incêndio em 1959. Em 1953, A Marcha Nupcial, foi restaurado por Stroheim na mesma Cinemateca com a trilha de som ótico original. Esta versão fêz parte da Retrospectiva Stroheim, ocorrida no Cinema Marrocos durante o I Festival Internacional de Cinema do Brasil, realizado na cidade de São Paulo em 1954, com a presença do grande cineasta.

Minha Rainha / Queen Kelly / 1928, produzido pela Gloria Productions e distribuído pela United Artists, tem como personagens principais a Rainha Regina (Seena Owen), soberana neurótica de um reino imaginário, o primo e noivo Príncipe Wolfram (Walter Byron) e Patrícia Kelly (Gloria Swanson), pensionista de um orfanato religioso, por quem ele se apaixona. Forjando um incêndio, Wolfram rapta a jovem e a esconde no palácio da noiva. A rainha surpreende os dois em pleno idílio, expulsa Patrícia a golpes de chicote, e manda prender o príncipe. Depois de uma tentativa frustrada de suicídio, jogando-se num rio, a heroína é levada de volta ao orfanato. Um telegrama convoca-a para ir à África, onde a tia moribunda lhe pede que se case com Jan Bloehm Vryheid (Tully Marshall), velho aleijado e libidinoso, e lhe deixa um bordel com herança. Após a morte de sua protetora, Patrícia recusa viver com o marido, porém assume a administração do prostíbulo, sendo chamada de “Rainha Kelly” por sua postura nobre. Entrementes, Wolfram recupera a liberdade, parte em busca de Patrícia e, quando esta fica viúva, os dois se casam. Regina é assassinada, Wolfram sobe ao trono, e Patrícia se torna realmente uma rainha.

Stroheim retoma o tema do príncipe devasso, regenerado pela inocência de uma linda plebéia, para retratar ainda outra vez a aristocracia degenerada e exibe sua característica predileção pelos detalhes insólitos e eróticos – os calções de Patrícia deslizando até os pés no momento em que o belo príncipe passa com a tropa; a demoníaca Regina perambulando quase nua pelo palácio suntuosamente decorado com o gato branco nas mãos e depois chicoteando freneticamente a órfã aterrorizada; Patrícia vestida de noiva e o velho de muleta casando-se na presença do padre africano, uma prostituta negra e outra branca, coroinhas negros e a tia agonizante; a cama e o banheiro de Regina com esculturas de cupidos; Patrícia pedindo perdão a Deus na capela, com o rosto em close-up enquadrado por círios ardentes -, notando-se também uma maior movimentação da câmera e notáveis contrastes em preto-e-branco.

Insatisfeitos com os caprichos de Stroheim, o produtor Joseph P. Kennedy e a estrela Gloria Swanson, mandaram interromper a filmagem e depois ela decidiu lançar, somente no exterior, uma remontagem com desenlace diferente: Patrícia morria afogada e Wolfram suicidava-se ao lado do seu caixão. Em 1985, graças aos cuidados com que a atriz conservou o material original, Dennis Doros produziu para a Kino International – com a inserção de fotografias fixas – uma versão de 97 minutos (do que seria um espetáculo de cinco horas, se a obra não tivesse ficado inacabada), mas com o final escrito por Stroheim.

O colapso de Minha Rainha foi o último ato na destruição da carreira de Stroheim. Como e por quê o filme não foi completado? Numa entrevista para a BBC, Gloria Swanson disse que existiam várias histórias a respeito e que, naturalmente, a versão de Stroheim era diferente da sua.

Stroheim afirmou, numa carta escrita para Peter Noble, que Joseph P. Kennedy  mandou interromper a produção, quando percebeu que o cinema falado significaria “o toque fúnebre dos filmes mudos”. Já o argumento de Swanson era o de que havia uma censura na época e o filme certamente iria para a cesta de lixo, dando como exemplo o fato de que Stroheim originariamente especificara a locação na África, o “Poto-Poto Saloon”, como um salão de baile, mas durante a filmagem este se tornou um bordel.

Entretanto, como explica Richard Koszarski em Von – The Life and Films of Erich von Stroheim (Limelight, 2001),  livro de intensa pesquisa e deliciosa leitura,  de onde colhí muitas informações e que recomendo a todos, Kennedy investira numa companhia interessada em explorar os talkies (RCA), antes mesmo que Minha Rainha entrasse em produção e pensou em transformá-lo pelo menos num filme parcialmente falado no verão de, quando Stroheim ainda estava dirigindo. De modo que a tentativa de botar a culpa na chegada do som, parece improcedente. Quanto à alegação de Swanson, esta também não procede, porque Koszarski verificou que o roteiro original, conservado na George Eastman House, não deixava dúvida quanto à exata natureza do lugar. Kosarski conclui que somente restava como explicação o efeito cumulativo do delírio diretorial de Stroheim com os seus excessos financeiros.

Na magnífica série de Kevin Brownlow  sobre o Cinema Mudo, o fotógrafo Paul Ivano conta com muita graça como Stroheim mandou Tully Marshall babar de verdade na mão de Mrs. Swanson e esta, indignada, ligou para Kennedy, e ele imediatamente despediu o diretor.

O único filme falado de Stroheim, Walking Down Broadway  / 1937, produzido pela Fox, não chegou a ser exibido, porque os executivos do estúdio, apoiados na má reação do público numa pré-estréia, acharam que “o homem estava obsoleto, uma figura dos tempos do cinema mudo”. Lembrando-se do recente fracasso de The Struggle de Griffith, Philip K. Scheuer lamentou no New York Times: “Primeiro Griffith, agora Stroheim. Ambos artistas, assassinados pelo Tempo”. Refilmado por Edwin Burke e Alfred Werker, entrou em circulação em 1933, com o título de Alô Beleza / Hello Sister!

Desde então, Stroheim nunca mais conseguiu trabalhar como diretor. A necessidade ecnômica levou-ou a colaborar como argumentista e ator em vários filmes de nível artístico variável na França e nos Estados Unidos, sendo os dois melhores: A Grande Ilusão / La Grande Illusion / 1937 de Jean Renoir e Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950 de Billy Wilder.

Em 12 de maio de 1957, faleceu no castelo de Maurepas na França, aquele que, como disse André Bazin, fazia filmes ” verdadeiros como pedras e livres como os sonhos”.

MARIO SOLDATI

janeiro 2, 2011

Escritor prolífico e poliédrico (poeta, romancista, contista, dramaturgo, ensaísta, roteirista, jornalista) e diretor eclético (adaptação de obras literárias, comédia, drama, policial, aventura, documentário), Mario Soldati demorou a ser reconhecido plenamente como cineasta. Primeiro, por ter trabalhado em tendência contrária no que diz respeito à linha dominante do cinema e à expectativa da crítica italiana nos anos 40; segundo, por ter se aproximado perigosamente dos espetáculos comerciais nos anos 50.

Posteriormente, a obra de Soldati foi examinada com uma reflexão serena e os historiadores chegaram à conclusão de que ele merece um lugar mais privilegiado no âmbito do cinema italiano.

Eu não conhecia alguns dos filmes mais significativos de Soldati, que foram as adaptações das obras literárias Piccolo mondo antico, Tragica notte, Malombra, Le miserie di signor Travet, Eugenia Grandet e La provinciale, mas numa viagem a Roma em outubro do ano passado, pude preencher esta lacuna na minha cultura cinematográfica, adquirindo cópias em dvd de todos eles. Neste artigo falarei apenas sobre esses filmes, que pude ver recentemente.

Mario Soldati (1906-1999) nasceu em Turim, Itália, de uma família de negociantes de sedas. Ele estudou em um colégio de jesuítas, diplomou-se em letras na cidade natal com uma tese sobre história da arte e aperfeiçoou seus conhecimentos no Instituto Superior di Storia dell’arte em Roma. Iniciou sua carreira de escritor com a peça Pilato (1924), porém só chamou a atenção dos críticos com a coletânea de contos Salmace (1929). No mesmo ano da publicação de seus contos, partiu para Nova York, onde ficou até 1931, primeiramente estudando e depois lecionando na Universidade de Columbia, experiência que contou num diário romanceado, America Primo Amore (1935), muito apreciado.

De volta à Itália, Soldati começou a se aproximar do Cinema, colaborando como roteirista em filmes de Alessandro Blasetti (vg. Contessa di Parma), Renato Castellani (vg. Duelo / Un colpo di pistola) e de outros diretores, mas principalmente nos de Mario Camerini (de Gli uomini, che mascalzoni a Il signor Max).

O seu primeiro filme como diretor, Due milioni per um sorriso / 1939, não era totalmente dele, pois dividia a direção com Carlo Borghesio. Nos dois filmes seguintes, Dora Nelson / 1939 e Tutti per la donna / 1940, o jovem turinense teve a liberdade de fazer o que queria e foi então que começou de fato a sua carreira cinematográfica.

No início dos anos 40, Soldati, integrou um grupo de diretores, entre os quais se incluíam Alberto Lattuada, Renato Castellani, Luigi Chiarini, Ferdinando Maria Poggioli e Luigi Zampa, que foram denominados pejorativamente pelos críticos de “calligrafici” (beletristas). Recusando os temas do cotidiano em prol de assuntos extraídos de textos literários, na sua maioria histórias que se desenrolam no século XIX, eles davam primazia aos valores formais e figurativos.

O movimento dos caligrafistas, nascido durante os anos do fascismo, exprimia uma secreta hostilidade à realidade social e política circundante, contra a qual eles tentaram uma espécie de revanche estética. Não podendo manifestar a menor crítica com relação ao presente, aqueles cineastas se refugiaram na evocação do passado.

Por sua perfeição técnica e artística, as realizações desses cineastas intelectuais podiam competir com o cinema estrangeiro contemporâneo e se inspiravam não somente em diretores franceses como Renoir, Carné, Feyder ou Duvivier, mas também no cinema alemão e americano.

No período 1941-1942, Soldati manifestou seu estilo caligráfico em três adaptações de obras literárias: Pequeno Mundo Antigo, Tragica Notte e Malombra.

Pequeno Mundo Antigo / Piccolo mondo antico / 1941 é uma transposição em imagens fiel do popular romance (1895) de Antonio Fogazzaro. Ambientado nos anos que precederam a segunda guerra de independência e tendo como pano de fundo o lago de Lugano, é a história do nobre Franco Maironi (Massimo Serato), católico e liberal e da burguesa Luisa Rigey (Alida Valli), que se casam contra  a vontade da avó do jovem, a condessa Orsola (Ada Dondini), autoritária e simpatizante dos austríacos. A marquesa persegue o par “rebelde” de todas as formas, deserdando o neto e fazendo-o perder o emprego; todavia o matrimônio é alegrado com o nascimento de Ombretta (Mariú Pascoli). A Lombardia está ainda sob o domínio austríaco e Franco é preso por suas idéias políticas. Durante sua ausência da casa, Ombretta cai no lago e se afoga; a jovem mãe fica num estado de profunda depressão e põe a culpa do acidente no marido, que se dedica à política neglicenciando a família. Enquanto a condessa toma consciência da angústia provocada a Franco e à sua família e restitui o patrimônio ao jovem, Luisa consegue superar a profunda crise, que quase a levara a perder o marido, e se reconcilia com ele.

O estilo de Soldati é meticuloso, elegante, valorizando a cenografia dos interiores, a sugestiva paisagem lacustre e a fotografia contrastada. É uma escritura bela e solene, de feição melodramática, capaz de evocar um universo distante com propriedade e verosimilhança.

As seqüências mais expressivas do filme são, na primeira parte, o baile no campo, e na segunda parte, a morte de Ombretta, o reencontro de Luisa com a marquesa sob chuva e a corrida pelas escadas da cidade das mulheres que vêm trazer a Luisa a noticia da desgraça.  Esta segunda seqüência fica na nossa memória graças sobretudo à atmosfera de tempestade que varre as pessoas e as coisas na margem do lago e ao uso incisivo da montagem, alternando a caminhada endemoniada de Luisa até se deparar com a liteira da condessa com  o jogo solitário e fatal  da criança com o seu barquinho no pequeno porto da casa e também com a chegada das mulheres  esbaforidas, anunciando a tragédia.

O filme tem uma beleza formal impressionante e isso se deve muito aos seus operadores de câmera e especialmente ao fotógrafo Arturo Gallea, que realizou as tomadas em exteriores mais belas de todo o cinema italiano. A utilização dramática da paisagem – ou seja, não como mera ilustração, mas como elemento emotivo e indicador dos sentimentos dos personagens –  e  o encanto do rosto de uma Alida Valli ainda bem jovem e sua interpretação (premiada no Festival de Veneza) sóbria, quase seca, vibrante, com uma compreensão constante de seu papel nada fácil, enriquecem ainda mais o espetáculo.

Tragica notte / 1942 foi baseado livremente no romance La trappola (1928) de Delfino Cinelli. Libertado da prisão, o taberneiro Nanni (Andréa Checchi), ajudado por alguns companheiros, dá uma surra no guarda Stefano, que o havia denunciado como invasor de uma reserva de caça. Dois anos depois, ainda pensando em se vingar, Stefano faz crer a Nanni que, enquanto ele estava preso, sua mulher, Armida (Doris Duranti), o traiu com o conde Paolo Martorelli (Adriano Rimoldi), proprietário das terras reservadas à caça. Cego pelo ciúme e instigado por Stefano, Nanni decide matar o conde durante uma emboscada à noite; porém, Nanni percebe que caiu numa armadilha e mata Stefano, que atirara nele. O conde, que era amigo de Nanni desde a infância e já tinha conhecimento de tudo, declara à polícia ter matado o próprio empregado num acidente de caça, assumindo toda a responsabilidade.

O filme é um melodrama tenso e soturno, abordando o tema da vingança. Achei as cenas com pouca vibração – talvez por causa da lentidão dos gestos e das falas dos atores ou pela inexpressividade da atriz principal. Porém apesar dessa frieza, a narrativa tem boa continuidade e prende a atenção do começo ao fim. O que o espetáculo tem de melhor, são as cenas filmadas em ambientes naturais, na cidade de Florença e nas montanhas de Maremma na Toscana. Tanto a paisagem citadina quanto a rural é captada com evidente preocupação quanto à beleza formal, surgindo algumas passagens cinematograficamente virtuosas como a punição de Stefano logo no início, a debulha do trigo e o confronto final entre Nanni e Stefano. Outro ponto positivo da realização são os interiores, escuros e claustrofóbicos, projeções ideais do tormento psicológico dos protagonistas, servindo como exemplo, as escadas em espiral da torre, onde ocorre a conversa entre Armida e o conde enquanto a mãe dela e Stefano continuam subindo até o topo do edifício.

Malombra / 1942, transcrição fílmica do primeiro romance (1881) de Fogazzaro (já levado à tela por Carmine Gallone com Lyda Borelli em 1916), repete a mesma ambientação lacustre de Pequeno Mundo Antigo, desta vez direcionada para uma tonalidade turbulenta e gótica. Em um castelo italiano situado na margem do lago de Como, o conde Cesare d’Ormengo (Gualtiero Tumati), cuida severamente de sua bela sobrinha Marina di Malombra (Isa Miranda). Ela vive confinada ali desde a morte de seus progenitores e o tio só a deixará partir, quando se casar. No seu quarto, Marina descobre, escondida numa velha espineta, uma mecha de cabelos, uma luva e um manuscrito pertencente a Cecília Varrega, ancestral de Marina, que foi seqüestrada e mantida prisioneira pelo marido ciumento, por ter cometido adultério com um certo Renato. A descoberta do manuscrito e a leitura de “Fantômes du Passé”, um romance sobre reincarnação, perturbam Marina, a ponto de se convencer de que Cecília reencarnou-se nela e lhe pede para vingá-la. Ela crê reconhecer no seu tio a reencarnação do marido de Cecília e, quando um jovem escritor, Corrado Silla (Andréa Checchi), autor anônimo de “Fantômes du Passé”, chega ao castelo, convidado pelo conde para ser seu secretário, Marina acha que ele é, por sua vez, uma reencarnação de Renato. Entre Corrado e Marina nasce uma atração, mas os dois, orgulhosos, acabam se rechaçando. Corrado parte para Milão, onde conhece Edith (Irasema Dilian), a filha adorada do secretário húngaro do conde Cesare, Andréa Steinegge (Giacinto Molteni). Os dois se apaixonam. Chamado por um telegrama, Corrado volta ao palácio e encontra o conde agonizante. Dominada pelo delírio, Marina confessa ter se revelado ao conde como Cecília e de haver perpetrado sua vingança, provocando-lhe uma intensa emoção. O conde morre. Corrado toma a resolução de se afastar do palácio. Marina-Cecilia, sentindo-se traída por aquele que considera seu amante, mata-o com um tiro de pistola e depois se suicida nas águas do lago. Sabendo da morte de Corrado, Edith, se desespera, mas a fé em Deus a salvará.

Malombra é uma imersão no fantástico absolutamente inédita no cinema italiano, crônica de uma melancolia clínica impressionante por sua beleza e seu mistério. O diretor utilizou com muita habilidade a paisagem e os cenários – maravilhosamente iluminados em claro-escuro por Massimo Terzano -, o vento e a música, para criar a atmosfera romântica, mórbida, sensual e sinistra, a infinita tristeza e a loucura demoníaca de Marina. A evocação do século dezenove aristocrático no seu esplendor decadente é visual e dramaticamente impecável – um modelo que seria seguido por Luchino Visconti.

Para o papel de Marina, Soldati queria Alida Valli, a protagonista de Pequeno Mundo Antigo; mas, apesar de seus esforços, disseram-lhe que a Valli não estava disponível. Entretanto, Isa Miranda impôs sua presença e expressou perfeitamente a ambigüidade da personagem, às vezes  fascinante, em outras vezes, nada simpática.  Só que não há mistério. Desde a sua primeira aparição em cena, já é uma jovem neurótica em busca da morte.

A melhor cena do filme começa durante o banquete fúnebre ordenado por Marina em honra do defunto, sob a luz de velas (com véus negros enrolados nos candelabros) e o som da ventania. Logo após, Marina se depara com Corrado, que vai partir e lhe diz: “Boa viagem”; atira com a pistola e o mata. Em seguida, sai de barco sob a tempestade, e desaparece no meio do lago.

Le miserie di signor Travet / 1945 baseia-se numa peça de Vittorio Berzesio, um escritor socialista; por isso, o filme só pôde ser realizado após a queda do fascismo. A ação se desenvolve em 1863 na cidade de Turim, que se tornara a capital do reino da Itália. Trata-se de uma sátira ao governo, da burocracia, que abrange a corrupção, os funcionários que recebem propina, as intrigas de toda espécie, o peso da hierarquia.

Ignazio Travet (Carlo Campanini) trabalha com afinco na mesma repartição há 33 anos, sem nunca ter conseguido uma promoção. Ele é um homem pacífico e indulgente e não ousa rebelar-se quando sua esposa, Rosa (Vera Carmi), uma mulher enérgica e bela, o trata mal e o faz saber das suas ambições. O poderoso diretor da repartição, Comendador Francesco Battilocchio (Gino Cervi), não tarda a assediar Rosa. Battilocchio convida Travet e sua mulher para o teatro e passa a freqüentar a casa deles. O chefe da seção (Luigi Pavese) e os colegas de Travet o caluniam e ridicularizam, até que o modesto escriturário explode e perde o emprego. O comendador acaba admirando o caráter de Travet e anula a despedida. Porém Travet, que se tornou um homem diferente e mais seguro de si mesmo, não aceita voltar para a sua repartição, e vai trabalhar como contador na padaria do futuro genro.

O acurado estudo psicológico dos personagens, a perfeita ambientação de uma Turim do século dezenove (recriada num estúdio em Roma), a música caricatural de Nino Rotta, e a excelência do elenco – do sofredor Carlo Campanini, à irritável Vera Carmi, do confiante Gino Cervi ao vaidoso Luigi Pavese, sem falar no leviano e irritante Alberto Sordi num papel pequeno, mas que chamou a atenção para a sua exuberância, ideal para a “commedia all’italiana” – muito contribuíram para o brilho da encenação.

Com Eugenia Grandet / Eugenia Grandet / 1946 Mario Soldati prossegue, na contramão do movimento neo-realista, seu ciclo de adaptações literárias iniciado em 1941. Felix Grandet (Gualtiero Tumiati), antigo tanoeiro, enriqueceu durante a Revolução. Como é avarento, ele vive uma existência mesquinha em Saumur, numa casa sombria, tiranizando sua mulher (Giuditta Rissone), a criada Nanon (Pina Gallini) e a filha Eugénie (Alida Valli). Modesta e submissa ao despotismo de seu pai, Eugénie é a herdeira mais rica do país e os pretendentes de duas famílias locais, a dos Cruchot e a dos Des Grassins, disputam sua mão; porém a jovem, indiferente a tudo, vive reclusa e se enfraquece como uma flor privada de luz. O senhor Grandet recebe em sua casa um sobrinho, cujo pai pedira falência e se suicidara. Eugénie se sente atraída pelo primo Carlo (Giorgio De Lullo), elegante dândi parisiense; e o amor, misturado com piedade, a leva ao sacrifício: ela oferece ao primo todas as suas economias, uma dezena de moedas de ouro, que seu pai lhe dava, uma a uma, no dia de seu aniversário. Assim, Carlo poderá partir para as Índias, a fim de fazer fortuna. Eugénie perde a mãe e, logo depois, o pai. Quando, depois de sete anos, Carlo finalmente reaparece, ele diz a Eugénie que vai se casar com uma jovem aristocrática. Mas o contrato de matrimônio corre o risco de ser rompido, porque Carlo é filho de um falido. Eugénie compra os créditos em nome de Carlo. A cerimônia do casamento de Carlo tem lugar no mesmo dia do que a de Nanon. Eugénie ficará sozinha na casa triste que viu desabrochar e murchar o único amor de sua vida.

O romance de Balzac foi ligeiramente modificado, mas a adaptação, de um modo geral, tem grandes méritos, apoiando-se na construção dos cenários – conseguindo marcar com exatidão, por exemplo, a sordidez da casa de Grandet e a sua atmosfera sufocante -, nos enquadramentos e movimentos de câmera judiciosos, na fotografia e, principalmente, nos dois personagens centrais, o velho usurário e sua filha.

A excelente atuação de Gualtiero Tumiati, que interpreta o usurário Grandet com um admirável e sóbrio realismo (se esquecermos o exagero interpretativo de alguns momentos decisivos como a descoberta da “doação” de Eugénie ao primo e o de sua morte) e a de Alida Valli, perfeita como a filha devotada ao pai apesar de sua tirania e como  mulher abandonada, valorizando no silêncio de sua dignidade a figura criada por Balzac são, sem dúvida, o ponto alto da realização. Por seu desepenho, Alida ganhou o Nastro d’Argento, prêmio conferido anualmente pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas Cinematográficos Italianos.

Não consigo me esquecer da cena na qual, após a última partida de Carlo, vemos Eugenia de pé, bem diante da câmera. Nanon se aproxima por trás dela e pergunta, com a sua imagem meio desfocada: “Quando é que ele volta?”. Eugenia, com lágrimas nos olhos, responde: “Nunca mais”.

A Insatisfeita / La provinciale / 1953, adaptação do romance de Alberto Moravia, é um drama envolvente e amargo, muito corajoso (para a época), que mantém quase intacto na tela o retrato burguês traçado na obra de Moravia. De um lado o mundo provinciano hipócrita e intolerante e de outro a figura da protagonista feminina, lentamente induzida à prostituição.

Num acesso de furor, Gemma (Gina Lollobrigida) fere com uma faca sua amiga Elvira Coceanu (Alda Mangini), e desmaia. Quando recobra a consciência, Gemma conta seu passado para o marido, o professor Franco Vagnuzzi (Gabriele Ferzetti). Ainda bem jovem, ela se apaixonou por seu amigo de infância, Paolo Sertori (Franco Interlenghi). Apesar da diferença de suas condições sociais, o casamento parecia que ia se realizar, quando a mãe de Gemma (Nanda Primavera) lhe revela que Paul era seu meio-irmão. Foi então que Gemma se casou com o professor, inquilino de um dos quartos alugados por sua mãe. Absorvido pelos seus estudos, Franco descuida-se das exigências sentimentais de Gemma. Insatisfeita, ela faz amizade com a condessa Elvira, mulher venal, que induz a jovem a se tornar amante de Luciano Vittori (Renato Bladini). A relação com Vittori é apenas um breve parêntesis, após o qual Gemma se reaproxima do marido e, durante uma viagem, fica conhecendo-o melhor. No retorno, Gemma encontra a condessa instalada na sua casa, ameaçando-a de chantagem. Quando Franco obtém sua transferência para Roma, Gemma Vê uma oportunidade de libertação; mas a condessa lhe assegura que a seguirá até a capital. Exasperada, Gemma ataca-a com a faca, ferindo-a. Depois desta crise, Franco mostra-se compreensivo e esquece tudo o que aconteceu.

O filme é um estudo interessante do caráter de uma mulher decepcionada nas suas aspirações amorosas, cuja solidão moral, deixa-a a mercê de uma amiga sem escrúpulos, que a impele, por interesse, para o lenocínio. Gemma, jovem de origem modesta, faz de tudo para se evadir de uma vida que lhe parece monótona e sem emoções, para buscar o “sonho” cintilante da alta sociedade, até chegar à inevitável desilusão e depois descobrir os verdadeiros valores.

Num papel delicado, exigindo por parte da artista uma grande variedade de atitudes e de expressões, Gina Lollobrigida se impõe pela diversidade de seus dons, passando do entusiasmo da juventude à resignação e depois à revolta com uma intensidade sempre adequada e um charme sensual bastante acentuado.

Gabriele Ferzetti, frio e distante, como seu personagem o exigia, na primeira parte do filme traduz com sinceridade o egoísmo de um sábio, para o qual a mulher não passa de um brinquedo, que ele encontra todo dia com prazer.

Alda Mangini faz uma criação teatral de um cinismo impressionante.

Nas palavras do próprio Soldati, “La provinciale é um filme que eu subscrevo inteiramente. Sustenta-se bem como o passar do tempo. Considerando-se tudo, creio que é o meu melhor filme”.

Mario Soldati compartilhou uma intensa atividade de roteirista, e depois de diretor, paralelamente a uma igualmente intensa, e mais duradoura, atividade literária. Ele funcionou sempre dentro da estrututura da indústria sem nunca rejeitá-la, às vezes submetendo-se quase masoquisticamente a ela, como no período 1950-1952, quando realizou seus filmes “alimentares” (vg. Quel bandito sono io, Botta e risposta, È l’amor che mi rovina, Il sogno di Zorro, I tre corsari, A Filha do Corsário Negro / La figlia del Corsaro Nero), segundo ele mesmo explicou, “porque tinha família; era preciso trabalhar”.

Em 1959, Soldati abandona a direção e se dedica com continuidade à sua carreira de escritor, produzindo, entre outros, Le due città (1964) e La sposa americana (1978) que, ao lado de La verità sul caso Motta (1941), Fuga in Italia (1947), La giacca verde (Le lettere da Capri (1953), La confessione (1955), que estão  entre os seus livros mais celebrados.

Na televisão, ele fez uma pesquisa para a RAI, Viaggio nella valle del Po alla ricerca dei cibi genuini (1957) e a reportagem Chi legge? Viaggio lungo il Tirreno(1960) dedicando-se ainda à crítica cinematográfica.

Em 2006, ano do seu centenário, a grande surpresa foi a descoberta do interesse pelo seu cinema e, em geral, de todo o cinema italiano dos anos 1941-1945.

A partir de então, o número de simpatizantes de Mario Soldati só vem crescendo.

FILMOGRAFIA

1939 – Due millioni per um sorriso, Dora Nelson. 1940 – Tutto per la donna. 1941 – PEQUENO MUNDO ANTIGO / Piccolo mondo antico. 1942 – Trágica Notte, Malombra. 1945 – Chi è Dio? (curta-metragem), Quartieri alti, Le miserie del signor Travet. 1946 – EUGENIA GRANDET / Eugenia Grandet. 1947 -À BEIRA DA PERDIÇÃO / Daniele Cortis. 1948 – Fuga in Francia. 1950 – Quel bandito sono io, Botta e risposta. 1951 – Donne e briganti, È l’amor che mi rovina, O.K.NERO / O.K. Nerone. 1952 – Il signo di Zorro, Le avventure di Mandrin, Il tre corsari, YOLANDA, A FILHA DO CORSÁRIO NEGRO / Jolanda, la figlia del Corsaro Nero. 1953 – A INSATISFEITA / La provinciale. 1954 – Il ventaglino (episódio de Questa è la vita), La mano dello straniero, A MULHER DO RIO / La donna del fiume. 1956 – MARIDO SOB PROTESTO / Era di venerdi 17. 1957 – Italia picola. 1959 – Policarpo, “ufficiale di scrittura”, Orta mia (curta-metragem). Obs. Em 1956, Soldati foi diretor de 2ª Unidade de Guerra e Paz / War and Peace (Dir: King Vidor) e, em 1990, dirigiu um curta-metragem de oito minutos, Torino para o Istituto Luce e.o Ministero Del Turismo e dello Spetacolo.

O GORDO E O MAGRO

dezembro 18, 2010

Eis uma coisa de que ninguém pode duvidar: Stan Laurel e Oliver Hardy formaram a maior dupla cômica do Cinema de todos os tempos. Seus filmes, conhecidos universalmente, continuam sendo vistos com agrado por sucessivas gerações de espectadores, e assim será eternamente.

O Gordo era impaciente e pomposo: o Magro, paciente e humilde. Ambos, incrivelmente estouvados, exasperavam as pessoas a quem estavam servindo. Eram verdadeiras crianças grandes, ingênuos, imaturos, embora não se considerassem assim, principalmente o Gordo. Oliver se achava muito esperto, como demonstravam os gestos floreados que fazia quando se preparava para desempenhar uma tarefa; entretanto, ao executá-la, positivava-se a sua estupidez.

Stan era maltratado por Oliver, mas nunca deixava de ajudá-lo quando ele pedia. E apesar da irritação contínua de Oliver com Stan, sempre que seu parceiro era ameaçado, Oliver vinha em seu auxílio. Apesar das aparências, havia uma amizade constante entre eles.

As trapalhadas nasciam sempre de um ato desmiolado praticado por um deles e, à medida que tentavam se desembaraçar do transtorno inicial, os dois iam se enredando cada vez mais na confusão. Outras vezes, as trapalhadas originavam-se de confrontações relativamente brandas que aos poucos chegavam a atos de verdadeira orgia destrutiva. No meio desta, quando o Gordo revidava uma agressão de terceiro, a câmera se voltava para o rosto do Magro, que acenava a cabeça, dando plena aquiescência com uma careta irresistivelmente cômica.

Um dos aspectos que distinguia Laurel e Hardy dos seus contemporâneos era a cortesia de seus personagens. Oliver tomava sempre a iniciativa em assuntos sociais, apresentando a si mesmo e a Stan para os estranhos com o seu costumeiro “Eu sou Mr. Hardy e este é meu amigo Mr. Laurel”, enquanto lembrava a Stan para tirar o seu chapéu. As mulheres, particularmente, recebiam as melhores gentilezas de Mr. Hardy.

Stan ajudava a desenvolver as histórias e inventou pelo menos dois maneirismos memoráveis: fazer beicinho de choro, soluçando profusamente ao primeiro sinal de encrenca e coçar os cabelos arrepiados, piscando os olhos como se estivesse compreendendo lentamente o que acabara de acontecer.

Oliver não fazia questão de dar sugestões na realização do filme, deixando tudo ao encargo do parceiro, mas criou também alguns maneirismos célebres, como, por exemplo, balançar a gravata tentando parecer amistoso ou a mania de fazer as coisas em primeiro lugar, com conseqüências desastrosas. Entretanto, o mais genial era o famoso camera-look. O Magro fazia uma tolice, o Gordo ficava irritado e fazia uma tolice ainda maior. Após a catástrofe, ele encarava fixamente a câmera, transmitindo todo o seu desespero à platéia por meio de um longo olhar de mártir.

Tais achados se incorporaram aos personagens que, apesar de seu óbvio contraste físico e psicológico, se completavam admiravelmente e eram interpretados pelos dois comediantes num perfeito entrosamento em cena.

Stan e Oliver começaram separadamente suas carreiras.

Stan Laurel (Arthur Stanley Jefferson) nasceu no dia 16 de junho de 1890 em Ulverston, Lancashire, Inglaterra, filho de Arthur Jefferson, conhecido como A.J., um proeminente autor, ator e empresário teatral e de Margaret (“Madge”) Metcalfe, também atriz. Stan sabia o que queria ser desde criança. Ainda menino, passava boa parte do seu tempo, memorizando as piadas e imitando os maneirismos dos comediantes, que representavam nos teatros de seu pai. Aos 16 anos – com o nome de Stan Jefferson – ele estreou num palco, sendo anunciado como “He of the Funny Ways”, e depois percorreu o país com a peça Sleeping Beauty, na qual fazia o papel de uma boneca.

Em 1910, Stan foi para os Estados Unidos pela primeira vez com a trupe de Fred Karno, na qual funcionava como substituto de Charles Chaplin. Sem terem obtido aumento de salário, Stan e um outro cômico retornaram à Inglaterra e interpretaram, como “The Barton Brothers”, um esquete intitulado The Rum’uns From Rome. Depois, Stan voltou para a companhia de Karno, numa segunda temporada na América. Agora, Chaplin havia se firmado como a grande sensação do espetáculo; quando Chaplin deixou a trupe, em novembro de 1913, para ingressar na Keystone Film Company, o grupo de Karno teve seus alicerces seriamente abalados e acabou se dissolvendo.

De 1914 a 1922, Stan trabalhou no vaudeville americano, em uma variedade de esquetes e com diversos parceiros. Mae Charlotte Dahlberg Cuthbert, uma dançarina australiana, tornou-se sua companheira no palco e na vida real, numa tempestuosa união que durou até 1925. Embora Mae não tivesse adotado legalmente o sobrenome de Stan, ela lhe deu um novo, quando encontrou uma ilustração de um general romano vestindo uma coroa de louros.

Em 1917, o recém-renomeado Stan Laurel fez seu primeiro filme, Nuts in May, para o produtor independente Adolph Ramish, dono do Hippodrome de Los Angeles. Ramish disse para Stan, “Na minha opinião você é mais engraçado do que Chaplin”, e ofereceu 75 dólares por semana para o jovem atuar em comédias de dois rolos. Embora somente um filme tivesse sido produzido, sua estréia no Hippodrome chamou a atenção de Carl Laemmle, que o levou para a Universal, onde criou o personagem Hickory Hiram; ao terminar o compromisso, voltou para os palcos.

No ano seguinte, retornou aos filmes, trabalhando como freelance para vários estúdios. Neste período, contracenou com Larry Semon na Vitagraph e fez uma série de comédias para o produtor e ex-cowboy Gilbert “Broncho Billy” Anderson, entre elas, The Lucky Dog / 1919 (na qual, por mera coincidência, aparecia Oliver Hardy no papel de um ladrão) e uma paródia do filme Sangue e Areia / Blood and Sand intitulada Lama e Areia / Blood and Sand (na qual Stan era Rhubarb Vaselino réplica cômica de Rudolph Valentino). Stan faria outras paródias muito engraçadas tais como Sem Luvas Brancas / The Soilers, Legião Estrangeira / Under Two Jags, A Bela e o Bicho / Dr. Prycle and Mr. Pride, Rupert of Hee How, etc.

Antes disso, em maio de 1918, Stan e Mae Laurel estavam se apresentando num teatro em Los Angeles, quando casal chamou a atenção de Alf Goulding, ex-ator do vaudeville australiano, que dirigia filmes para Hal Roach. O produtor estava desesperado à procura de um novo cômico e, atendendo à sugestão de Goulding, passou um telegrama para Stan, convidando-o para fazer um teste em seu estúdio. Stan fez cinco comédias de um rolo para Roach, mas só viria a trabalhar novamente para ele cinco anos mais tarde, quando assinou contrato de dois anos para uma nova série de comédias. Findo o prazo do contrato, Roach liberou-o e ele se comprometeu com o produtor independente Joe Rock a realizar comédias de dois rolos pelo prazo de cinco anos.

Foi Rock quem ajudou Stan a se livrar de Mae e o apresentou à sua primeira esposa legítima, Lois Neilson. Stan e Lois se casaram em 13 de agosto de 1926. Eles tiveram uma filha, Lois, e se divorciaram em 1934. O próximo amor de Stan foi uma viúva de Los Angeles, Virginia Ruth Rogers. O casamento acabou em 1938. Stan casou-se pela terceira vez com Vera Ivanova Shuvalova, conhecida como “Illiana”, uma cantora russa, cuja extravagância e temperamento volátil causaram muita encrenca no lar e com a polícia. Eles se divorciaram em 1940. Um ano depois, Stan casou-se novamente com Virginia Ruth, até que a curta reconciliação terminou em 1946. No mesmo ano, Stan contraiu matrimônio com Ida Kitaeva, cantora de ópera nascida na China com ascendência russa. O amor e a dedicação de Ida, trouxeram felicidade para Stan nas suas duas últimas décadas de vida.

Stan começou a trabalhar de novo no estúdio de Hal Roach em maio de 1925 como roteirista e diretor. Oliver Hardy trabalhou como ator em alguns filmes dirigidos por Stan Laurel e, certo dia, cruzaria novamente o seu caminho.

Oliver Hardy (Oliver Norvell Hardy) nasceu no dia 18 de janeiro de 1892 em Harlem, Geórgia, Estados Unidos, filho de um ferroviário, Oliver Hardy, e de Emily Norvell Tant.  O pai de Oliver morreu poucos meses depois do seu nascimento. Nesta ocasião, Mr. e Mrs. Hardy administravam o Turnell Butler Hotel em Madison. O jovem Norvell depois adotou o nome de Oliver como um tributo ao pai.

Oliver possuía uma bela voz e, aos oito anos de idade, chegou a figurar em espetáculos de menestréis. Percebendo que o interesse do filho pela música continuava, sua mãe permitiu que ele fosse freqüentar lições de canto no Conservatório de Música em Atlanta. Alguns meses depois, a mãe chegou em Atlanta e descobriu que o filho não comparecia às aulas. Ele havia arrumado um emprego para cantar em slides ilustrados num cinema, ganhando 50 centavos por dia. Sua mãe tentou lhe incutir alguma noção de disciplina, matriculando-o no Georgia Military College.

Oliver só pensou em se tornar ator por volta de 1910, quando, aos dezoito anos, ele abriu o primeiro cinema em Milledgeville, no interior da Geórgia. Espantado com a interpretação nas comédias que exibia, decidiu que não poderia ser pior do que aqueles camaradas. Então, em 1913, rumou para o florescente centro de produção de filmes em Jacksonville, Florida.

Neste mesmo ano, Olivier casou-se com Madelyn Saloshin, uma pianista alguns anos mais velha do que ele, que o ajudou a conseguir seu primeiro emprego na indústria do cinema. Eles se divorciaram em novembro de 1920 e, no ano seguinte, Oliver se casou com Myrtle Lee Reeves, atriz de cinema que, segundo consta, ele conhecia desde a infância. O matrimônio foi muito turbulento, perturbado pelo alcoolismo de Myrtle, sua internação em sanatórios e fugas freqüentes destas instituições. Eles quase se divorciaram em 1929 e de novo em 1932, mas Oliver continuou esperando uma reconciliação permanente, até que não agüentou mais e obteve a separação definitiva em 1937. Durante alguns anos ele esteve sempre acompanhado por uma atraente divorciada, Viola Morse, que tinha um filho; quando Oliver terminou seu relacionamento, ela tomou algumas pílulas para dormir e sofreu um desastre de automóvel. Viola se recuperou, mas o fato foi muito explorado pela imprensa. Oliver encontrou sua felicidade derradeira, quando se casou com Virginia Lucille Jones, uma continuista que ele conheceu na filmagem de Paixonite Aguda / The Flying Deuces / 1939. Os anos que passou na companhia de Lucille, foram os melhores de sua vida.

Oliver começou sua carreira cinematográfica na firma Lubin no filme Outwitting Dad / 1914, fazendo em seguida inúmeras comédias na Vim Company e em outros estúdios com May Hotely, Bobbie Burns / Walter Stull (série Pokes and Jabbs), Billy Ruge (série Plump and Runt), Billy West, Bobby Ray, Billy Armstrong, Jimmy Aubrey e Larry Semon. Nessa época, era conhecido como “Babe” Hardy e, em fevereiro de 1926, acabou membro da equipe fixa de Hal Roach, onde atuou com Charlie Chase, Buck Jones, Theda Bara, Pola Negri, Mabel Normand, Glenn Tryon, Our Gang, etc.

Em julho do mesmo ano, um capricho do destino ajudou a reunir Laurel e Hardy. Quem contou esta história foi Stan Laurel, numa entrevista concedia à revista Films in Review alguns anos depois. “Tudo começou quando eu estava dirigindo um filme (obs. Get’em Young) no qual Hardy ia aparecer. Numa sexta-feira, três dias antes de começar a filmagem, Hardy estava cozinhando uma perna de carneiro na sua casa. Quando foi tirar a perna de carneiro do forno ela escapou da sua mão e a banha caiu sobre o seu braço, causando-lhe uma queimadura em terceiro grau. Ele teve que ser hospitalizado e não pôde aparecer no filme. Tentamos encontrar um substituto, mas ninguém estava disponível. Mr. Roach então me pediu para interpretar o papel previsto para Hardy. Roach gostou muito do espetáculo e  pediu para eu me incluir como ator no seu próximo filme. A esta altura, Hardy já estava curado e eu atuei com ele neste filme. Foi a primeira vez em que aparecemos juntos. Fizemos várias outras comédias, não como uma dupla, mas estavamos nos mesmos filmes. Finalmente, Roach achou que deveria chamá-las de Laurel e Hardy Comedies, pois estávamos começando a ficar conhecidos como uma dupla. De modo que nossa parceria foi devido a uma perna de carneiro”.

Sete anos depois de The Lucky Dog, Laurel e Hardy finalmente voltaram a aparecer num mesmo filme, 45 Minutes from Hollywood / 1926 – porém os dois não são vistos juntos em nenhuma cena.

Em Duck Soup / 1927, eles surgem como uma dupla durante todo o filme e já se esboçam alguns traços básicos dos personagens “Stan e Ollie”. Entretanto, parece que tudo não passou de um mero acidente, porque, nos filmes seguintes, Laurel e Hardy voltaram a ser apenas dois cômicos em vez de uma dupla.

Detetives Pensam? / Do Detectives Think? /1927 apresentou os dois comediantes usando pela primeira vez as roupas amarrotadas-mas-dignas e os chapéus-coco, que se tornariam o traje padrão da dupla, a sua marca registrada.

Os filmes de Laurel e Hardy foram produzidos assim: Stan e Oliver costumavam se desviar do script; Stan orientava os atores, técnicos e o diretor; eles normalmente faziam apenas uma tomada e filmavam em seqüência sempre que possível, porque nunca sabiam como as improvisações iriam mudar a história.

Stan e Hal Roach achavam que a história tinha uma importância fundamental. “Você tem que começar com uma história na qual todos acreditam”, esta era a crença de Stan na construção de uma comédia. Oliver declarou: “Fizemos muitas coisas malucas, mas nos nossos filmes, mas éramos sempre verdadeiros”. Stan e Ollie eram personagens humanos e reais e tinham que ser colocados em situações plausíveis.

Stan ajudava a desenvolver a história desde a concepção do filme. Ele havia sido contratado como roteirista no começo de 1925 e continuou exercendo esta função até mesmo depois que Roach lhe pediu para atuar em frente às câmeras novamente. Por volta de 1929, Stan era basicamente o roteirista-chefe; ele aproveitava as sugestões dos gagmen, adicionava algumas idéias próprias e as introduzia no script final.

No estúdio de Roach as pessoas tinham talento e um maravilhoso senso de humor. Por isso ele foi apelidado de “The Lot of Fun”, porque além de ser um estúdio de comédia, era muito divertido trabalhar ali. Não havia pressão para que os filmes fossem feitos às pressas e cada um podia falar o que lhe vinha na mente. Era um estúdio individual e informal.

Stan e Oliver usavam uma maquilagem leve, que lhes dava uma aparência inocente; Stan fazia com que seus olhos parecessem menores, delineando o interior de suas pálpebras. Os dois usavam colarinhos engomados, para dar aos personagens um aspecto de dignidade e Stan um chapéu-coco diferente daquele usado por Oliver.  O  chapéu coco de Stan era igual ao usado pelas crianças irlandesas, apropriado para o seu personagem infantil. Seus sapatos não tinham salto, o que fazia com que ele parecesse mais baixo e mais vulnerável. Stan e Oliver tinham dublês para as cenas de maior esforço físico ou perigosas. Na década de 30, o dublê de Stan, era Hamilton Kinsey e o dublê de Olivier, Cy Slocum. Mais tarde, os dois foram dublados respectivamente por Chet Brandenburg e Charlie Philips.

Richard F. Jones, supervisor da produção do estúdio de Hal Roach em meados dos anos 20, responsabilizou-se pelo treinamento de Stan Laurel como diretor. Jones deixou o estúdio em 1927, sendo substituído por Leo Mc Carey. McCarey foi quem primeiro notou o contraste engraçado que havia entre o homem gordo e o magro e decidiu que Stan e Oliver deviam atuar juntos; porém o conceito principal dos dois personagens – estupidez combinada com uma inocência invencível – partiu de Stan. McCarey e os gagmen adotaram este conceito e inventaram infinitas variações em cima dele.

Outra contribuição importante de McCarey foi a de reduzir a velocidade do ritmo dos filmes, decisão adequada para a lentidão do pensamento dos personagens da dupla. O ritmo é muito lento comparado com o das outras comédias curtas da época (inclusive outras comédias produzidas por Roach); isto permite que o espectador conheça a fundo os personagens. Há uma preponderância de planos afastados, que nos permite ver a pantomima dos dois cômicos na sua totalidade As tomadas são longas, para que a performance da dupla não seja interrompida. Os close-ups são limitados quase que aos planos de reação após um gag, para que o público tenha tempo de rir antes do próximo lance de comicidade.

Uma das mais brilhantes criações de McCarey foi o tit-for-tat, ou seja, “o processo de destruição recíproca”, cuidadosamente construído em Navegando em Seco / Two Tars / 1928 e levado às últimas conseqüências em Negócio de Arromba / Big Business / 1929, que estão entre as melhores comédias da dupla na fase silenciosa. Em Navegando em Seco, Laurel e Hardy, como marujos, saem para passear com as namoradas. No trânsito engarrafado, entram em choque com o motorista que vinha em sua retaguarda, iniciando-se um verdadeiro redemoinho de furor, com a fantástica destruição de toda uma fileira de carros na estrada. Em Negócio de Arromba, eles vão vender uma árvore de Natal para o irritadiço James Finlayson. Este bate a porta furiosamente e a árvore fica presa. Stan e Ollie tocam a campainha de novo. Stan puxa a árvore. Fin bate a porta, prendendo desta vez o casaco de Stan. Stan liberta o casaco e tenta ainda convencer o nervoso freguês a comprar a árvore. Fin bate a porta e prende a árvore novamente. A campainha toca e Fin joga a árvore longe. Stan tem uma grande idéia: talvez Finlayson queira comprá-la para o próximo ano. A resposta de Fin é violenta: ele pega uma tesoura de grama e corta a árvore em pedaços. Indignado, Ollie corta alguns fios dos ralos cabelos de Fin. Este quebra o relógio de Ollie. Ollie arranca a campainha da casa. Fin rasga a camisa de Ollie. Em seguida, Fin sai para a rua e destrói a mercadoria dos vendedores. A orgia se intensifica e enquanto Stan e Ollie começam a demolir a casa de Fin, este faz o mesmo com o carro dos dois. Esta escalada de vinganças, soberbamente orquestrada, é o momento supremo de uma verdadeira retaliação coletiva.

Quando McCarey deixou o estúdio de Roach em dezembro de 1928, Stan ficou encarregado de supervisionar os diretores. Pelo que tudo indica, a maioria deles – Clyde Bruckman, Lewis R. Foster, James W. Horne, George Marshall, James Parrott, Charles Rogers, etc. – foram escolhidos por sua maleabilidade. Nenhum tinha uma presença especialmente dominante. Stan era o verdadeiro diretor dos filmes. McCarey parece que exerceu maior controle do que os outros, mas ele só dirigiu oficialmente três comédias da dupla e filmou retakes, sem receber crédito, em algumas outras. Mesmo assim, seu trabalho parece ter sido sempre uma colaboração com Stan.

Nos meados de 1927, livre de suas obrigações para com a Pathé Exchange, sua antiga distribuidora, Hal Roach fez uma parceria com a MGM. O acordo funcionou bem para ambas as partes. A MGM precisava de curtas-metragens para todos os seus cinemas e Roach obteve alguns cinemas de que tanto necessitava para todos os seus curtas-metragens. O estúdio de Roach manteve a sua autonomia, continuando a fazer comédias sem pressa, dando primazia à qualidade. A única diferença agora era que os filmes de Roach seriam distribuídos e divulgados mais efetivamente e Roach obteria mais dinheiro de seus novos parceiros para as suas produções.

O cinema falado estava chegando e, sempre alerta para a mudança, Roach acertou com a Victor Talking Machine a sincronização de certos filmes e instalação de equipamento de som no estúdio. Um desses foi Amor de Cabra ou Cabra Farrista / Angora Love / 1929, o último filme silencioso da dupla. Em 25 de março de 1929, Stan e Oliver entraram no estúdio recém-renovado para o som e começaram a rodar seu primeiro filme falado, Vizinhas Camaradas / Unaccustomed as we Are. Suas vozes foram gravadas com perfeição e pareceram mais engraçadas do que se imaginava. O sotaque inglês de Stan dava um toque de hilaridade adicional às suas palavras. Stan e Oliver planejavam fazer seus filmes falados da mesma maneira que faziam os mudos, ou seja, dando primazia à pantomima, falando somente o necessário para motivar o que estavam fazendo; mas, com o correr do tempo, eles foram se acostumando a falar mais do que haviam pretendido.

No período sonoro, entre os curtas-metragens, há vários  filmes dignos de destaque, mas Delicias de um Automobilista / Perfect Day / 1929, Ajudante Desastrado / Helpmates / 1932 e Caixa de Música / The Music Box / 1932, devem ser obrigatoriamente lembrados pela extraordinária simplicidade e concisão de seu argumento e mise-en-scène e pelo rigor e perfeição dos gags.

Em Delícias de um Automobilista, Stan e Ollie saem para um piquenique com as esposas e o tio, que tem o pé enfaixado. Sempre que tudo parece pronto para a partida, ocorre um incidente – inclusive com o pé do tio, é lógico. Depois de várias frustrações e no meio de reiterados acenos e “adeuses” dos vizinhos, o carro finalmente se movimenta para, logo adiante, submergir na lama.

Em Ajudante Desastrado, Ollie recebe um telegrama informando-lhe de que a esposa vai chegar de viagem, e pede a Stan para ajudá-lo a limpar a casa, que estava na maior bagunça depois de uma farra. Na limpeza, sucedem-se as trapalhadas e, no desenlace, após a explosão, só fica uma cadeira, onde o Gordo, sentado, acata pacientemente a tragédia.

Em Caixa de Música, clássico premiado com o Oscar da Academia, os dois vão entregar uma pianola e se deparam com uma enorme escadaria. O filme descreve a aventura sisifiana dos dois até alcançarem o destinatário, magnificamente interpretado por Billy Gilbert com sotaque alemão e o nome de personagem de comédia mais saboroso de todos os tempos: professor Theodore Von Schwarzenhoffen, M.D., A.D., D.D.S., F.L.D., F.F.F. und F.

Por volta de 1930, Laurel e Hardy eram mais populares do que muitos astros dos filmes de longa-metragem. Os títulos de seus filmes curtos apareciam nas marquises dos cinemas antes do título do filme de longa-metragem. Hal Roach sem dúvida sentiu que a dupla tinha poder de atração para fazer sucesso nesse tipo de produção, que daria mais renda para o estúdio do que os curtas-metragens. Entretanto, foi com relutância que ele finalmente colocou Stan e Olivier no seu primeiro filme de longa-metragem. Nem Stan nem Oliver estavam particularmente ansiosos para entrar no campo dos features. Quando Dorothy Spensley entrevistou a dupla para revista Photoplay, ela escreveu: “Eles não desejam fazer filmes de longa-metragem a não ser que encontrem uma história infalível. Eles viram muitas duplas cômicas fracassarem nos filmes especiais de sete rolos”. Porém, quando o artigo foi publicado, Laurel e Hardy já estavam fazendo o seu primeiro longa-metragem, Perdão para Dois / Pardon Us / 1931.

O fato foi o seguinte: Perdão para Dois havia sido planejado como uma comédia de dois rolos. Roach pediu aos executivos da MGM para usar os cenários da prisão de O Presídio / The Big House, um drama recente com Wallace Beery, e eles concordaram. Quando a história do filme estava sendo escrita, a MGM subitamente revogou a permissão. Roach resolveu construir os cenários por conta própria, e eles ficaram tão caros, que a solução foi fazer um filme de longa-metragem, para recuperar as despesas.

Em novembro de 1931, Henry Ginsberg, foi nomeado o novo gerente geral do estúdio para controlar os custos da empresa, pois os credores de Roach, principalmente o Bank of America, estavam sem saber se o produtor teria condições de pagar vários empréstimos recentes. Para Stan a chegada de Ginsberg significou o primeiro constrangimento sério do seu controle sobre os filmes.

Apesar disso, Roach continuou fazendo filmes de grande sucesso e Fra Diavolo / The Devil’s Brother / 1933 e Filhos do Deserto / Sons of the Desert / 1933 se impuzeram entre os favoritos do público. No primeiro, Olivero Hardy e Stanlio Laurelio, assaltados por bandidos, decidem assumir a identidade do famoso salteador de estradas Fra Diavolo e tentam esvaziar os bolsos do próprio, que depois os utiliza para roubar uma rica aristocrata. No desfecho, os três são presos e condenados à morte; mas, no momento de execução, Stanlio assoa o nariz com um lenço vermelho e atrai dois touros bravios, instaurando-se o pânico. Fra Diavolo foge, e os dois desastrados caem em cima de um touro, que sai em disparada. O segundo filme, retomando o tema das dificuldades conjugais usado em muitas comédias, e aliando-o com a sátira às irmandades secretas, sobressai pelo retorno às telas de Charlie Chase e por ter emprestado o título ao fã-clube internacional, fundado para perpetuar a memória de Laurel e Hardy.

Roach sempre discutiu com Stan com relação às histórias que deveriam filmar, mas a partir de Era Uma Vez Dois Valentes / Babes in Toyland / 1934 e nos próximos anos, a associação entre os dois foi conturbada por divergências cada vez maiores. A velha atmosfera descontraida que reinava no estúdio estava mudando dramaticamente, na medida em que Roach concentrava sua energia na produção de filmes de prestígio. Era muito natural aquele clima de despreocupação, quando estavam fazendo filmes de 60 mil dólares, mas os filmes de 150 a 200 mil dólares deviam ser tratados com mais seriedade.

Em 5 de abril de 1940, o contrato da dupla expirou e Stan e Oliver terminaram sua associação com Hal Roach. Imediatamente, Stan, Oliver e o advogado Benjamin William Shipman fundaram a Laurel and Hardy Feature Productions, e em 23 de abril de 1941, a 20thCentury-Fox celebrou um contrato com a nova produtora.  Stan e Oliver fariam um longa-metragem para a Fox; posteriormente, a dupla teria uma opção para fazer mais nove filmes nos nove anos seguintes. Eles teriam liberdade de trabalhar para outras companhias e a se apresentar no teatro ou no rádio.

Stan ficou animado como o contrato da Fox. Ele pensou que desfrutaria de todos os recursos de um grande estúdio sob seu comando. Entretanto, não havia na Fox espaço para os métodos criativos, que tinham sido possíveis numa pequena unidade independente do estúdio de Roach. Na equipe de Roach havia um punhado de técnicos que conheciam todos as sutilezas e segredos da comédia cinematográfica; o que não havia na Fox.  Stan se sentiu algemado; contratado apenas como ator, ele não podia influenciar a direção nem era consultado sobre os scripts. O resultado foi decepcionante, salvando-se apenas o charme natural da dupla.

Após terem feito seis filmes na Fox entre 1941 e 1944 e dois outros para a MGM, Laurel e Hardy, resolveram se afastar das telas. Na década restante de sua carreira, Hardy participou como coadjuvante em Estranha Caravana / The Fighting Kentuckyan / 1949 ao lado de John Wayne e Nada Além de um Desejo / Riding High / 1950 com Bing Crosby  (em face de problemas contratuais na época, Hardy já tinha feito sozinho Zenobia / Zenobia / 1939 com Harry Langdon).  Finalmente, como dupla, eles abriram uma exceção infeliz, aceitando o convite para filmar uma comédia na França, A Ilha da Bagunça / Atoll K / 1950, sobre a qual é melhor não comentar.

A última aparição  pública de Laurel e Hardy ocorreu inesperadamente em 1 de dezembro de 1954, quando foram homenageados no programa de televisão ao vivo da NBC, This is Your Life. Stan e Oliver estavam entre as personalidades mais populares na TV no começo dos anos 50, por causa da exibição de seus filmes na tela pequena. No início de 1955, eles concordaram em fazer uma série de “especiais” de uma hora em cores (intitulada provisoriamente Laurel and Hardy’s Fabulous Fables) para Hal Roach Jr. ; mas, em virtude de problemas de saúde dos dois comediantes, o projeto foi abandonado.

Em 14 de setembro de 1956, Oliver sofreu um ataque do coração. Seu corpo ficou completamente paralisado; ele não conseguia falar e mal podia comer. Após um mês internado no St. Joseph’s Hospital em Burbank, Hardy voltou para casa. Porém em agosto, ele sofreu mais dois ataques e entrou em coma. As 7:25 da manhã, do dia 7 de agosto de 1957, seu coração parou de bater.

Stan havia tido um enfarte em 25 de abril de 1955, mas se recuperou e viveu até 1965, quando faleceu também de um ataque do coração, às 1:45 da tarde do dia 23 de fevereiro, tendo recebido, em 1960, um Oscar especial da Academia por seu “pioneirismo criativo no campo da comédia cinemtográfica”.

Muito antes disso, porém, Mr. Laurel e Mr. Hardy já haviam conquistado a imortalidade.

FILMOGRAFIA

A filmografia de Laurel e Hardy é das mais complexas por causa de fontes errôneas, contraditórias ou incompletas. Não existe relação completa de todos os filmes nos quais trabalharam separados, em geral como coadjuvantes de outros comediantes de maior renome na época. Há também muita dificuldade de se identificar os títulos em português com os originais, encontrando-se um título do lançamento e outros de reprises, sem falar nos das versões estrangeiras,  cópias em 16mm, reuniões de duas comédias e os da televisão. Vou relacionar apenas os títulos dos filmes da dupla (os quais pesquisei juntamente com Gil de Azevedo Araújo), mas sem as fichas técnicas, que poderão ser encontradas no importante livro de Randy Skretvedt, Laurel and Hardy – The Magic Between the Movies (Past Times, 1996), do qual extraímos muitas informações. Outra fonte que recomendamos, é The Laurel and Hardy Encyclopedia de Glenn Mitchell (Reynolds & Hearn, 2008). 1926 – 45 Minutes to Hollywood. 1927 – Duck Soup; Slipping Wives; O NAMORADO / Love’em and Weep; Why Girls Love Sailors; OS RESERVISTAS / With Love and Hisses; VELHOS E VELHACOS / Suggar Daddies; CUIDADO COM OS MARUJOS / Sailors, Beware! ; DETETIVES PENSAM? / Do Detectives Think? ; The Second Hundred Years; Now I’ll Tell One. Call of The Cuckoos; Hats Off; The Battle of the Century. 1928 – Leave’em Laughing; NA IDADE DA PEDRA ou OS ELEFANTES VOADORES ou UM AMOR NA PRÉ-HISTÓRIA / Flying Elephants; The Finishing Touch; DA SOPA Á SOBREMESA ou UMA SITUAÇÃO EMBARAÇOSA / From Soup to Nuts; You’re Darn Tootin’; Their Purple Moment; Should Married Men Go Home; Early to Bed; NAVEGANDO EM SECO ou DOIS MARUJOS / Two Tars; HABEAS CORPUS / Habeas Corpus; We Faw Down. 1929 – LIBERDADE / Liberty; NOVAMENTE ERRADO / Wrong Again; That’s My Wife; NEGÓCIO DE ARROMBA / Big Business; VIZINHAS CAMARADAS / Unaccustomed As We Are; LEITO RESERVADO / Berth Marks; SURURU NO PARQUE ou A CANOA VIROU / Men O’War; DELÍCIAS DE UM AUTOMOBILISTA / A Perfect Day; COMPANHEIROS DE QUARTO / They Go Boom; O CALOTEIRO / Bacon Grabbers; XADRÊS PARA DOIS / Hoosegow; HOLLYWOOD REVIEW / Hollywood Review of 1929; AMOR DE CABRA ou CABRA FARRISTA / Angora Love. 1930 – GATOS ESCALDADOS / Night Owls; NOITES DE FARRA / Blotto; TAIS PAIS, TAIS FILHOS ou GAROTOS DA FUZARCA / Brats; FRIO SIBERIANO / Below Zero; AMOR DE ZÍNGARO / The Rogue Song; A ARTE DE INSTALAR ANTENAS / Hog Wild; AVENTURAS DE LAUREL E HARDY / The Laurel-Hardy Murder Case; OUTRA ENCRENCA ou PROPRIETÁRIO À FORÇA / Another Fine Mess. 1931 – TIRA-BOTA / Be Big; PREFEITO IMPERFEITO / Chickens Come Home; The Stolen Jools; EM ESTADO GRAVE ou HÓSPEDES INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; RAPTO À MEIA-NOITE ou NOSSA ESPOSA / Our Wife; XADRÊS PARA DOIS / PERDÃO PARA DOIS  numa reprise / Pardon Us; FALE A VERDADE / Come Clean; SEJAMOS CAMARADAS / Save the Ladies; FORMAÇÃO DE CULPA ou CORPO DE DELITO / One Good Turn; BEAU GÊNIO ou DOIS RECRUTAS NO DESERTO / Beau Hunks; A FARRA DE PRAXE / On the Loose. 1932 – AJUDANTE DESASTRADO / Helpmates; LUTANDO PELA VIDA ou MARUJO NÃO LEVA DESAFORO / Any Old Port; CAIXA DE MÚSICA ou ENTREGA A DOMICÍLIO / The Music Box; SOMOS DE CIRCO ou RIFA-SE UM CHIMPANZÉ / The Chimp; ESTADO GRAVE  ou  TRÂNSITO ATÔMICO / County Hospital; SUMAM-SE ou PASSA FORA / Scram; PROCURA-SE UM AVÔ ou ACABARAM-SE AS ENCRENCAS / Pack up Your Troubles; O PRIMEIRO ENGANO ou  SUA PRIMEIRA FALTA / Their First Mistake;  BARQUEIRO DE VOGA  ou  PEIXE FRESCO  ou  PESCANDO EM SECO / Towed in a Hole. 1933 – DOIS A DOIS ou LAR E DOCE / Twice Two; EU E COMPANHIA ou DOIS AMIGALHÕES / Me and My Pal; FRA DIAVOLO / Fra Diavolo; A PATRULHA DA MEIA-NOITE / The Midnight Patrol; BICHO CARPINTEIRO ou ATERRISAGEM FORÇADA / Busy Bodies; QUE POSE! / Wild Poses; TRABALHO SUJO / Dirty Work; FILHOS DO DESERTO / Sons of the Desert. 1934 – O XODÓ DE OLIVIO VIII ou O NOIVO MISTERIOSO / Oliver the Eighth; FESTA DE HOLLYWOOD / Hollywood Party; VOCÊS ME PAGAM ou A MALA E O LOUCO / Going Bye-Bye; O POÇO DE PIFÃO ou  ÁGUAS MEDICINAIS  / Them Thar Hills; ERA UMA VEZ DOIS VALENTES / Babes in Toyland; O MORTO-VIVO / The Live Ghost. 1935 -.DENTE POR DENTE / Tit for Tat; The Fixer Uppers; DE PURO SANGUE / Thicker Than Water; MOSQUETEIROS DA ÍNDIA / Bonnie Scotland. 1936 – A PRINCESA BOÊMIA / The Bohemian Girl; CAMINHO ERRADO / On The Wrong Trek; SOSSEGA LEÃO ou FAMÍLIA COMPLICADA / Our Relations. 1937 -DOIS CAIPIRAS LADINOS / Way Out West; MANIA DE HOLLYWOOD / Pick a Star. 1938 – QUEIJO SUIÇO / Swiss Miss; A CEIA DOS VETERANOS / Blockheads. 1939 – PAIXONITE AGUDA / The Flying Deuces. 1940 – DOIS PALERMAS EM OXFORD / A Chump at Oxford; MARUJOS IMPROVISADOS / Saps at Sea. 1941 – BUCHA PARA CANHÃO / Great Guns. 1942 – DOIS FANTASMAS VIVOS / A Haunting We Will Go. 1943 – SALVE-SE QUEM PUDER / Air Raid Wardens: Three On a Test Tube; LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO / Jitterbugs; MESTRES DE BAILE / The Dancing Masters. 1944 – A BOMBA / The Big Noise. 1945 – COZINHEIROS DO REI / Nothing But Treouble; TOUREIROS / The Bullfighters. 1952 – A ILHA DA BAGUNÇA / Atoll K.

Títulos em português não identificados com os originais: Milionários de Alto Bordo; Maridos Caseiros; Domingo de Sol, Maridos Bilontras, A Eterna Quebradeira, Dois Gelados, Maridos em Apuros, Fora de Perigo, Leitos Reservados.

Versões identificadas com títulos em português: POLITIQUICES / Politiquerias (versão espanhola de Chickens Come Home); OS CAVEIRINHAS / Los Calaveras (versão espanhola da reunião de Be Big e Laughing Gravy); CANTANDO NA CHUVA / La Vida Nocturna (versão espanhola de Blotto); RADIOMANIA / Radio-Mania (versão espanhola de Hog Wild); PIRATAS DE MEIA CARA / Ladrones (versão espanhola de Night Owls); PERDÃO PARA DOIS / Presidiarios (versão espanhola de Pardon Us).

Versões identificadas sem títulos em português: Tiembla y Titubea (versão espanhola de Below Zero), Noche de Duendes (versão espanhola da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), De Bote en Bote (versão espanhola de Another Fine Mess); Une Nuit Extravagante (versão francesa de Blotto); Les Bons Petis Diables (versão francesa de Brats); La Maison de la Peur ou Feu Mon Oncle (versão francesa da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), Sous le Verrous (versão francesa de Pardon Us); Les Carottiers (versão francesa da reunião de Be Big e Laughing Gravy), Les Deux Legionnaires (versão francesa da reunião de Beau Hunks e Helpmates), Glückliche Kindheit (versão alemã de Brats); Der Spuk um Mitternacht (versão alemã da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks); Hinter Schloss und Riegel (versão alemã de Pardon Us); Ladroni (versão de Night Owls); Muraglie (versão italiana de Pardon Us).

Na televisão, num pacote de comédias distribuído pela “DIF” – Distribuidora Internacional de Filmes Ltda., aparecem novos títulos em português da dupla: ÁGUA QUE PASSARINHO NÃO BEBE / Them Thar Hills; APENAS UM LIGEIRO ENGANO / Wrong Again; APRESENTO-LHE MINHA ESPOSA / That’s My Wife; BI DOIS / Twice Two; BOLA DE NEVEB / Below Zero; O CAPITÃO E SEU MARUJO / Towed in a Hole: CHAVE DO PROBLEMA B/ Scram; A CIGANA ME ENGANOU / Alpine Antics (condensação de Swiss Miss); CONFUSÃO EM PROFUSÃO / Another Fine Mess; DE PERNAS PRO AR / Going Bye-Bye; DESCANSO ATRIBULADO / They Go Boom; DESTRUIDFOR DE LAR / Unaccustomed As We Are; NOITE DE PAZ / The Laurel-Hardy Murder Case; NO TEMPO EM QUE ATÉ ELEFANTES VOAVAM / Flying Elephants; OLHO POR OLHO / Tit for Tat; ORQUESTRA MALUCA / You’re Darn Tootin’; PATRULHEIROS EM ALERTA / The Midnight Patrol; PROCURA-SE UM MARIDO / Oliver the Eighth; RIFIFI ÀS AVESSAS / The Night Owls; SILÊNCIO HOSPITAL / County Hospital; TREM DO BARULHO / Bert marks; TRIÂNGULO AMOROSO / Sugar daddies; UMA BOA AÇÃO NEM SEMPRE DÁ BOM RESULTADO / One Good Turn; UMA LUTA SEM IGUAL / Any Old Port; UMA MACACA EM MUITOS GALHOS / The Chimp; DOIS BIRUTAS NA LEGIÃO ESTRANGEIRA / Beau Hunks; DOIS BOÊMIOS DO BARULHO / Blotto; DOIS CANÁRIOS NA GAIOLA / Hoose-Gow; DOIS CUCOS PARA UM RELÓGIO / Thicker Than Water; DOIS DETETIVES DA PESADA / Do Detectives Think?; DOIS INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; DOIS MARCENEIROS FORA DO ESQUADRO / Busy Bodies; DOIS MÚSICOS DESAFINADOS / The Music Box; DUAS BABÁS PARA UM BEBÊ / Their First Mistake; FILHO DE PEIXE PEIXINHO É / Brats; O GORDO HERDEIRO / Early to Bed; LIBERDADE E SEUS PERIGOS / Liberty; O LIMPA-CHAMINÉS / Dirty Worj; MARINHEIRO DE ÁGUA DOCE / Men O’ War; MARUJOS TRAPALHÕES / Two Tars; UM CASAMENTO SEM CONSENTIMENTO / Our Wife;  UM DIA PERFEITO / Perfect Day; UM DUELO DE AMOR / The Fixer Uppers; UM FANTASMA MUITO VIVO / Live Ghost; UM MARIDO DISTRAIDO / Hog Wild; UM MOMENTO DE GLÓRIA / Their Purple Moment; UM PAR DESIGUAL / Be Big; UM PREFEITO PERFEITO / Chickens Come Home; UM QUEBRA-CABEÇA PARA UM CABEÇA-DURA / Me and My Pal; A VIDA MILITAR É BOA / With Love and Hisses; DOIS TRAPALHÕES BEM INTENCIONADOS / Pack Up Your Troubles; REBELIÃO DO RISO / Pardon Us. Encontrei ainda um anúncio no Diário de Notícias de 4 de fevereiro de 1951, pg.7, anunciando comédias da dupla em 16mm, com alguns outros títulos em português, que reproduzo abaixo.

Captura de Tela 2014-10-10 às 21.33.08