JEAN MARAIS
junho 15, 2011Jean Marais foi, ao lado de Jean Gabin e Fernandel, um dos três atores mais populares do cinema francês. Gabin e Fernandel começaram a se destacar nos anos 30; Marais, nos anos 40; e todos tiveram um percurso cinematográfico bastante extenso. Gabin, esteve diante das telas em longas-metragens de 1930 a 1976 (46 anos); Fernandel, de 1930 a 1969 (39 anos). Marais trabalhou mais: de 1933 a 1995 (62 anos), se incluirmos os filmes nos quais trabalhou como figurante. Com exceção de algumas aparições no cinema, os últimos anos de vida de Jean foram consagrados ao teatro, à cerâmica, à escultura e à pintura. Ele faleceu em 8 de novembro de 1998 sem poder realizar sua grande e derradeira aventura: interpretar o papel de Prospero em The Tempest de Shakespeare.
Neste artigo não pretendo devassar a vida íntima de Jean Marais nem esgotar o assunto no que se refere à sua filmografia. Vou abordar principalmente uma fase de muito sucesso na sua carreira, qual seja, a dos filmes de capa-e-espada que ele fez entre o final dos anos 50 e meados de 60.
No seu livro de memórias, Histoires de Ma Vie (Albin Michel, 1975), Marais contou sua vida com franqueza – e algumas elipses -, sua infância ingrata, sua mãe possessiva e meio-louca que ele venerava, seus estudos agitados e suas estréias difíceis como ator prejudicado por aquela voz mal colocada com inflexões nasais em desacordo com seu físico atlético.
Seus biógrafos, recentes, Carole Weisweiller e Patrick Renaudot (Jean Marais, le Bien-Aimé, Rocher, 2002) entraram em mais detalhes sobre suas “amizades particulares”; sobre a afeição de Jean por seu cão Moulouk; sobre sua participação na Comédie-Française; sobre sua ligação com a atriz Mila Parely, um de seus amores femininos; sobre sua passagem pelo Exército e pela Resistência durante a Ocupação; como Jean quebrou a cara de um crítico de teatro colaboracionista; as preocupações com seu filho adotivo Serge, etc.
Jean Alfred Villain-Marais nasceu em Cherbourg, França, no dia 11 de dezembro de 1913, filho do veterinário Alfred Emmanuel Victor Paul Villain-Marais e de Aline Marie-Louise Vassord (que depois recebeu o nome de Henriette Bezon dado pela tia e o marido desta, que a criaram). Segundo Weisweiller e Renaudot, Henriette teria nutrido uma paixão por Eugène Houdaille, que pode ter sido o pai biológico de Jean e de seu irmão Henri.
Foi em Cherbourg que Henriette levou pela primeira vez Jean ao cinema. Eles assistiram à projeção de As Aventuras de Elaine / Les Mystères de New York / 1914 com Pearl White, a heroína loura que realizava façanhas incríveis e pela qual o menino se apaixonou instantaneamente. Desde aquele momento, Jean decidiu que se tornaria ator de cinema. Muitos anos mais tarde, quando Pearl White terminava os seus dias em Paris, Jean Marais foi visitá-la e lhe disse com admiração: “Era maravilhoso como a senhora escalava os edifícios”. Pearl respondeu: “Não era eu, eu fazia somente os primeiros planos”. “Em suma”- acrescentou Marais – “Toda a minha carreira partiu de minha admiração por aquela mulher que não fazia o que a gente via na tela”.
No curso de sua escolaridade (Colégios Saint German-en-Laye, Petit Condorcet, Janson-de-Sailly, Saint-Nicolas) Jean se fez notar sobretudo pela sua indisciplina.
Aos dezesseis anos, ele começou a trabalhar com um fabricante de aparelhos de rádio e depois na fábrica Pathé de Chatou. Seu emprego seguinte foi como assistente de um fotógrafo, com o qual o rapaz aprendeu também os rudimentos da técnica da pintura acadêmica. Posteriormente, Jean seguiu os cursos de interpretação de Charles Dullin e paralelamente, entre 1933 e 1936, atuou como figurante em vários filmes de Marcel L’Herbier. Em 1937, ele encontrou Jean Cocteau.
Tudo começou assim: Jean viu, no estúdio de um colega, pintor nas horas vagas, pendurados nas paredes, retratos que lhe agradaram muito. Ele perguntou quem era o autor: “Jean Cocteau, um poeta, autor teatral e desenhista”, respondeu o amigo. Jean fez reproduções daqueles desenhos, que ele colocou em molduras e instalou no seu quarto. Passado algum tempo, Jean estava atuando em Jules César na escola de Dullin quando uma jovem, chamada Dina, aluna de Raymond Rouleau, o convidou para participar de um grupo teatral, que estava formando. A primeira reação de Jean foi a de recusar, pois esperava conseguir um papel mais importante numa próxima representação a ser montada pelo seu mestre. A jovem já ia embora, quando Jean indagou: “Era para que peça?”. Resposta: “Oedipe Roi de Jean Cocteau”. “Isto muda tudo. Que devo fazer?”, perguntou Jean fazendo-a parar com um gesto.
Jean fez um teste e passou: Cocteau lhe deu o papel principal, o de Édipo, e se foi.No dia seguinte, os colegas de Dina protestaram junto ao autor, alegando que Jean Marais não fazia parte da trupe e que havia sido convidado apenas porque faltavam rapazes e não era justo … Cocteau se rendeu às suas razões, entregou o papel de Édipo para Michel Vitold. A Jean coube aparecer em cena praticamente nú, vestido apenas com uma pequena faixa branca, imóvel como uma estátua, tendo de cada lado os dois outros atores que compunham com ele o côro.
Numa tarde, Cocteau chamou Jean à parte: “Você quer interpretar o papel de Galaad em Les Chevaliers de la Table Ronde? Jean Marais recebeu esta proposta como um presente do céu: a oportunidade que ele aguardava finalmente se concretizara. Cocteau se tornaria o Pigmalião de Marais, seu conselheiro no teatro e depois no cinema, seu fornecedor de papéis escritos sob medida.
A primeira aparição marcante de Jean Marais no cinema foi em Além da Vida / L’Eternel Retour / 1943, dirigido por Jean Delannoy com roteiro e diálogos de Jean Cocteau, uma transposição da lenda céltica de Tristão e Isolda para o século XX que transformou Jean Marais e Madeleine Sologne em “heróis românticos” da juventude da época. Após Além da Vida, Jean desfrutou de uma popularidade indescritível, sua figura foi publicada nas capas de todas as revistas: ele encarnava os sonhos de uma geração inquieta, perturbada pelo medo e pelas privações ocasionadas pela Ocupação alemã.
Este sucesso facilitou sem dúvida a realização de quatro longas-metragens que Jean Cocteau escreveu e dirigiu no decorrer dos cinco primeiros anos do pós-guerra, nos quais Marais encontrou seus papéis mais belos. Em A Bela e a Fera / La Belle et la Bête / 1945 ele interpretou Avenant, o Príncipe e sobretudo a Besta, deixando que o público percebesse, por detrás da maquilagem, uma humanidade patética. Depois, acumulou papéis ousados, a meio-caminho entre o romantismo exacerbado, a dramaturgia, e a poesia em A Águia de Duas Cabeças / L’Aigle a deux Têtes / 1947, O Pecado Original / Les Parents Terribles / 1948 e, enfim, Orfeu / Orphée / 1949 , tornando-se um ator no sentido mais nobre do termo.
Entre outros filmes de Jean Marais destacam-se: Os Amores de Carmen / Carmen / 1942 (adaptação do romance de Prosper Mérimée e dirigido por Christian-Jacque com Viviane Romance), Entre o amor e o trono / Ruy Blas / 1947 (adaptação da peça de Victor Hugo por Jean Cocteau, dirigido por Pierre Billon com Danielle Darrieux), Le Chateau de verre / 1950 (adaptação do romance de Vicky Baum e dirigido por René Clement com Michele Morgan), Les Miracles n’ont lieu qu’une fois / 1950 e Nez de cuir / 1951 (respectivamente história original sobre a lenta destruição do amor escrita por Jacques Sigurd e adaptação do romance de Jean de la Varende, ambos dirigidos por Yves Allégret, sendo o primeiro com Alida Valli, uma das mulheres que se apaixonaram por Jean), A Princesa de Clèves / La Princesse des Clèves / 1961 (adaptação do romance de Madame La Fayette dirigido por Jean Delannoy com Marina Vlady), Fantômas / Fantômas / 1964 (adaptação do romance de Marcel Allain e Pierre Souvestre dirigido por André Hunebelle, com Jean Marais usando a inquietante máscara verde que ele mesmo desenhou e contracenando com Louis des Funès no papel do paranóico Comissário Juve), Pele de Asno / Peau d’âne / 1970 (adaptação musical do conto de fadas de Charles Perrault dirigido por Jaques Demy com Catherine Deneuve) e, é claro, As Estranhas Coisas de Paris / Éléna et les Hommes / 1955 e Um Rosto na Noite / Nuits Blanches ou Notti Bianche / 1957, por terem sido dirigidos, pela ordem, por Jean Renoir e Luchino Visconti.
No final dos anos cinquenta, favorecido por sua aparência romântica e seu porte atlético, Marais começou uma nova fase de sua carreira, esgrimindo nos filmes de capa-e-espada de André Hunebelle e de outros diretores como Georges Lampin, Pierre Gaspard-Huit e Henri Decoin, filmes simpáticos desprovidos de qualquer ambição, nos quais ele podia demonstrar suas qualidades esportivas e seu gosto pelo risco físico. Sob a orientação desses realizadores, sobretudo Hunebelle, ele se tornou o herói cinematográfico dos romances populares mais célebres da literatura francêsa: Le Bossu, Le Capitan, Le Miracle des Loups, Le Capitaine Fracasse, Les Mystères de Paris, etc.
Recentemente pude ver todos esses filmes nas cópias – quase todas restauradas – em dvd da René Chateau Video, Pathé Classique e Gaumont e, a seguir, faço breves comentários a respeito deles, observando que, mais do que o trabalho dos diretores, o que deu grandeza à realizações foi o carisma de Jean Marais.
LA TOUR, PRENDS GARDE! / 1957
Os exércitos de Louis XV (Jean Lara) e de Marie-Thérèse d’Autriche (Sonja Hlebs) se confrontam. O rei fica furioso ao ver seu estandarte tremular na tenda de sua inimiga. Mas também se diverte vendo Henri La Tour (Jean Marais), membro de uma trupe de artistas ambulantes, ridicularizar o Duque de Saint Sever (Paul-Emile Deiber), responsável por aquela humilhação. Saint Sever se vinga, mandando chicotear La Tour. Este recupera intrepidamente a bandeira de seu soberano, incendiando o acampamento dos austríacos. Como recompensa, Louis XV enobrece La Tour que, assim, pode duelar com o Duque. Quando os dois estão se enfrentando, surge um bando de austríacos, e eles se unem para lutar contra os inimigos. Durante o combate, Saint Severs é apunhalado mas, antes de exalar o último suspiro, ele pede a La Tour que encontre sua filha natural, Toinon (Cathia Caro), a quem lega todos os seus bens. Escapando de todos os perigos, La Tour consegue encontrar Toinon em Paris e desmascarar o ignóbil Péruge (Renaud Mary), que assassinou o Duque, e o odioso carcereiro de Toinon, Taupin (Jean Parédes).
Inspirado na letra de uma canção escrita por Alexandre Dumas, esta super co-produção franco-italo-iugoslava, filmada em Zagreb, tem magníficos cenários e figurinos e oferece cenas espetaculares – o incêndio do acampamento austríaco é um bom exemplo – cuja amplitude e beleza são perfeitamente apresentadas em Dyaliscope e L’Eastmancolor. Sorridente e dinâmico, Jean Marais é um herói de aventuras particularmente simpático e arrebatador. Percebe-se ainda magníficos figurinos e cenários, a presença no elenco de duas atrizes em voga nos anos 50, Eleonora Rossi Drago no papel da Condessa Malvina d’Amalfi e de Nadja Tiller no papel de Mirabelle e a estréia no cinema de Jean-Pierre Léaud (como Pierrot) que apareceria com mais evidência dois anos depois em Os Incompreendidos / 400 Coups de François Truffaut.
O CORCUNDA / LE BOSSU / 1959
Em 1701, o Duque de Nevers (Hubert Noel) casou-se secretamente com Isabelle de Caylus (Sabine Sesselmann como Sabine Selman), de quem teve uma filha, Aurore (Sabine Sesselmann). Seu primo, o Príncipe Philippe de Gonzague (Francois Chaumette), manda assassiná-lo no curso de uma emboscada, apesar da intervenção do Cavaleiro Henri de Lagardère (Jean Marais). Antes de morrer, Nevers confia Aurore a Lagardère. Este último, acusado por Gonzague do assassinato do Duque, é obrigado a fugir e, acompanhado de seu criado Passepoil (Bourvil), se refugia na Espanha. Em 1717, Lagardère fica sabendo que Gonzague, que se casou com Isabelle, vai reunir um conselho de família para atribuir a si próprio todos os bens de sua esposa. Lagardère retorna à França com Aurore e avisa Isabelle de que sua filha está viva. Disfarçado de corcunda, Lagardère ganha a confiança de Gonzague, que mandara raptar Aurore. Lagardère a liberta e a entrega à sua mãe, depois de ter matado Gonzague num duelo feroz. Enobrecido pelo Regente (Paul Cambo), Lagardère casa-se com Aurore.
O filme marca a primeira colaboração de André Hunebelle e de Jean Marais, que seria repetida em outros projetos nas décadas seguintes: Le Capitan, Le Miracle des Loups, Les Mystères de Paris. Entre 1964 e 1966, eles ressuscitariam o personagem de Fantômas, e sua última parceria seria numa minissérie para a televisão: Joseph Balsamo. Baseado no romance popular de Paul Féval, várias vezes levado à tela (inclusive por Jean Delannoy em 1944 com Pierre Blanchar) , o espetáculo tem cenários suntuosos, vestuário luxuoso, exteriores pitorescos, (novamente favorecidos pelos sistemas de cores e de tela larga), andamento rápido, variedade de ambientes (Versalhes, Pierrefonds, Toledo), ação, movimento, humor (a cargo de Bourvil no papel do criado pusilânime mas astucioso) e drama. Jean Marais interpreta com entusiasmo um Lagardère de coragem indomável, um cavaleiro perfeito, um duelista sem par e suas qualidades esportivas são postas muitas vezes à prova. Sua criação do “corcunda” é uma maravilha de fingimento e de transformação, que inspirou essas palavras de Jean Cocteau: “Uma corcunda, uma barba, uma cabeleira mal penteada, é uma máscara mais do que fácil de usar para confundir os traços. Mas Jean Marais recusa a facilidade. Um outro rosto, um rosto horrível verdadeiro, eis o que ele arranca de si mesmo, correndo o risco de embaciar a juventude e a graça que ele dissimula”.
O CAPITÃO DO REI / LE CAPITAN / 1960
Em 1616, Concini (Arnaldo Foa), favorito de Marie de Médicis (Lisa Delamare), quer eliminar o jovem Louis XIII (Christian Fourcade), de quinze anos de idade, e se proclamar rei. Um assecla de Concini, Rinaldo (Guy Delorme), cumprindo suas ordens, comete uma série de pilhagens e os assassinatos. François de Capestan (Jean Marais) corre em socorro do Marquês de Teynac, cujo castelo está sendo saqueado. François é ferido e tratado por uma jovem misteriosa. Uma aliança se forma entre grandes proprietários rurais sob a liderança do Duque de Angoulême (Raphael Patorni). Eles decidem enviar um mensageiro a Concini, para se queixar dos ataques. François é escolhido para esta missão. No meio do caminho, ele salva o saltimbanco Cogolin (Bourvil), que o segue até Paris. François chega até Concini e este lhe põe o apelido irônico de Capitan (o personagem fanfarrão da Commedia dell’arte). Concini manda drogar o cavalo de Louis XIII, mas felizmente Capitan está por perto para evitar o acidente. O Capitan reencontra sua estranha enfermeira, que é Gisèle d’Angouleme (Elsa Martinelli) e havia sido feita prisioneira por ordem de Concini. O Capitan a liberta e se apresenta à conjuração de Angoulême, que deseja liquidar ao mesmo tempo, Concini e Louis XIII e nomear o duque rei. Porém o jovem soberano manda matar Concini, provando assim sua firmeza. Angoulême e seus amigos aderem ao rei e François se casa com Gisèle.
Segunda colaboração da dupla Hunebelle – Marais depois de O Corcunda, que alcançou um sucesso gigantesco, trazendo para os cinemas mais de seis milhões de espectadores. Baseado no romance de Michel Zevaco, anteriormente objeto de uma produção dirigida por Robert Vernay em 1945, o filme, ao contrário da realização precedente, que tomava certas liberdades com relação ao quadro histórico, pretende conciliar a grande História da França (a de Louis XIII, de Concini, de Maria de Médicis …) com a pequena, deixando apenas esta última para a imaginação excessiva dos roteiristas. O resultado foi um espetáculo trepidante, repleto de conspirações maquiavélicas, muitas cenas de ação e um pouco de humor (que Bourvil desempenha com animação). Com um sorriso nos lábios, Jean Marais executa, com muita a audácia, os exercícios mais perigosos como dar voltas pendurado num lustre, pular de uma janela sobre um cavalo, escalar uma muralha abrupta, etc., firmando-se de uma vez por todas no gênero de aventura.
LE CAPITAINE FRACASSE / 1961
Nobre arruinado mas cavalheiresco, o Barão de Sigognac (Jean Marais) oferece hospitalidade no seu castelo a uma trupe de artistas ambulantes e famélicos, que ficaram imobilizados numa floresta por causa de um enguiço na carroça que os transportava. Encantado com a ingenuidade autêntica de Isabelle (Geneviève Grad), filha de uma comediante falecida e de um pai desconhecido, Sigognac decide acompanhar a trupe, onde ele acaba substituindo no tablado o mímico Matamore (Sacha Pitoëff), que falecera. Isabelle é cortejada pelo arrogante duque de Vallombreuse (Gérard Barray) que, para conquistá-la, manda dois exímios esgrimistas abaterem seu protetor, o barão, o qual já o derrotado num duelo. Conseguindo raptar Isabelle, Vallombreuse é gravemente ferido pelo barão, que escapara dos temíveis espadachins e se apressara em socorro da jovem. É então que um anel de Isabelle revela que ela é irmã do duque, o qual antes de exalar o último suspiro, implora o perdão de Isabelle e abençoa o casamento dela com aquele que havia jurado matar.
Nova versão do romance de Théophile Gauthier (na França destacaram-se anteriormente a de 1929 de Alberto Cavalcanti com Pierre Blanchar e a de 1943 de Abel Gance com Fernand Gravey, ambas as quais eu ví sem muito agrado), dirigida por Pierre Gaspar-Huit. Acrobático e intrépido como deve ser um herói dos filmes de capa-e-espada, sempre dispensando o dublê, Jean Marais domina o elenco, onde se nota a presença de Phillipe Noiret como o truculento Hérode, diretor da trupe; de Louis des Funès como Scapin, um dos comediantes; e Jean Rochefort como Malartic, um dos espadachins contratados para matar Sigognac. O filme tem um clima quase feérico com belas e amplas imagens em cores, muito movimento e melodrama, principalmente no final, quando se descobre o segredo da identidade de Isabelle e Sigognac e Vallembreuse se enfrentam pela última vez.
O MILAGRE DOS LOBOS / LE MIRACLE DES LOUPS / 1961
Robert de Neuville (Jean Marais) é apaixonado e amado por Jeanne de Beauvais (Rossana Schiaffino), sobrinha do Conde Husselin (Louis Arbessier) e afilhada do Rei da França (Jean-Louis Barrault). O Duque de Bourgogne, Charles le Téméraire (Roger Hanin) cobiça Jeanne. Ele rapta Jeanne e assassina Robert. Este é recolhido moribundo por camponeses e, bem tratado, recobra a saúde. Robert se introduz com os aldeões no castelo do Téméraire e liberta Jeanne. Louis XI e Charles têm uma entrevista em Péronne. Para que a paz com Bourgogne não seja perturbada, o rei encarrega o Conde Husselin de levar uma mensagem de concórdia aos habitantes de Liège. O infame Charles encarrega sua alma danada, Sénac (Guy Delorme), de se apossar da mensagem e de substituí-la por outra, na qual Louis recomendava ao contrário que os liegezes se revoltassem. Sénac mata Husselin mas o conde havia confiado a missiva a Jeanne. Esta, perseguida pelos asseclas de Charles, implora aos céus. O milagre se produz, e os lobos protegem a jovem de seus perseguidores. Sénac traz sua falsa messagem, deixando o rei da França numa situação difícil. Porém Robert intervém com a verdadeira carta do rei. O tribunal eclesiástico remete ao “Julgamento de Deus” entre Sénac e Robert. A vitória do justo, cuja recompensa é Jeanne, salva a corôa da França.
Dirigido mais uma vez por André Hunebelle, Jean Marais reencontra Jean-Louis Barrault, com o qual já havia trabalhado na companhia de Charles Dullin (que fora o Louis XI na versão muda de Raymond Bernard) e na Comédie-Française, e com a bela atriz italiana Rossana Schiaffino. Numa das cenas do filme, o personagem do cavalheiro de Neuville, interpretado por Marais, devia ser jogado do alto de uma ponte sobre um rio. Na véspera da filmagem, enquanto os dublês – sem que o ator soubesse – ensaiavam a tomada, um deles foi precipitado no vazio e rompeu o tímpano. Hunebelle resolveu então usar um manequim, proibindo que qualquer dublê ou fosse lá quem fosse, e sobretudo Jean Marais, executasse a queda. Porém Marais, desconfiando de alguma coisa, chegou ao local antes do diretor e, descobrindo o manequim vestido com suas roupas, exigiu que a filmagem começasse imediatamente, antes que Hunebelle chegasse. Ninguém teve coragem de desobedecê-lo e a cena foi rodada sem boneco … e sem acidente. Além de perfídias, torneios, e da bela cena do milagre dos lobos na neve, o filme tinha tantas acrobacias que Barrault um dia se espantou de ver Marais entra por uma porta: “Meu Deus! E eu que te esperava pela janela!”.
LE MASQUE DE FER / 1962
Quando o jovem rei Louis XIV (Jean-François-Poron) fica gravemente doente, Mazarin (Enrico Salerno) manda D’Artagnan (Jean Marais) procurar Henri (Jean-François Poron) o irmão gêmeo do rei, que se encontra detido na fortaleza de Sainte-Marguerite e cuja existência é mantida em segredo. Sua semelhança com o rei é escondida graças a uma máscara de ferro, que ele é obrigado a usar permanentemente. Porém isto não impede o prisioneiro de namorar Isabelle de Saint-Mars (Claudine Auger), a filha do Governador (Noel Roquevert). D’Artagnan chega em Saint-Sulpice, pouco depois que o máscara de ferro acabara de fugir. Isabelle, seu pai e D’Artagnan rumam para Paris, onde chega também Henri na companhia da graciosa Marion (Sylva Koscina) e de um amável cúmplice, Lastreaumont (Jean Rochefort). Enquanto isso, o rei recobra miraculosamente a saúde mas múltiplos incidentes vão acontecer entre Isabelle e os dois gêmeos. Ela fica sem saber quem é Louis e quem é Henri. O encontro inevitável entre os dois irmãos acaba acontecendo e o rei convence seu irmão a ficar preso na Bastilha por razões de Estado. Marion e seu cúmplice ajudam o preso a se evadir e reencontar Isabelle, com a qual ele será para sempre feliz. Mas D’Artagnan, e sua eterna noiva, Mme. De Chaulnes (Giselle Pascal), ainda não irão se casar, pois ele é convocado para uma nova missão.
Inspirado livremente no romance de Alexandre Dumas – sempre revivido cinematográficamente – o filme foi realizado por Henri Decoin, que soube combinar muita habilidade o humor e a fantasia. A cor chama a atenção nas cenas da cortes e nos numerosos exteriores onde se desenvolve a intriga. Jean Marais cria com originalidade um d’Artagnan humorístico um D’Artagnan humorístico, que nós vemos interrompendo incessantemente um namoro galante, a fim de partir, por ordem do rei, para novas aventuras. Perseguições, duelos e prisões se sucedem até o inevitável encontro dos dois irmãos gêmeos, um papel duplo bem interpretado por Jean-François Poron, passando da ingenuidade do máscara de ferro à grandeza altiva de Louis XIV. Enrico Maria Salerno dá vida a um Manzarin astucioso e diplomata, como manda a tradição.
LES MYSTÈRES DE PARIS / 1962
O marquês Rodolphe de Sombreuil (Jean Marais), que vive uma vida despreocupada na companhia de sua amante Irène (Dany Robin), durante uma corrida de carruagens, causa um acidente do qual não suspeita a gravidade. Ele tenta ajudar Marie (Jill Haworth), filha da vítima atropelada. Mas Marie, conhecida como Fleur de Marie, é raptada por uma megera, La Chouette (Renée Gardès). Ajudado por um ex-forçado, Le Chourineur (Pierre Mondy), Rodolphe se disfarça de operário, penetra no submundo, encontra Marie e leva a moça para longe daqueles antro de marginais. Entretanto, Irène, preocupada com as ausências de Rodolphe, e levada pela ambição e pelo ciúme, se une ao Barão de Lansignac (Raymond Pellegrin) um aristocrata inescrupuloso nos negócios, que com a ajuda de capangas liderados por Le Maître d’Ecole (Jean le Poulain), trama uma armadilha para Rodolphe. Mas, graças à sua coragem e às suas amizades, Rodolphe fará triunfar o direito e a justiça. Lansignac mata Irène e vem a ser morto, ao tentar reagir, quando o marquês e seus companheiros chegam para pôr fim às suas maldades.
Esta versão do fascinante romance de Eugène Sue, tantas vezes transposto para o cinema (só na França houve cinco outras filmagens, entre 1909 e 1943, das quais eu conheço apenas a de 1943, dirigida por Jacques de Baroncelli com Marcel Herrand no papel de Rodolphe), tal como os filmes anteriores da nova fase de Jean Marais, se beneficiou da tela larga e da cor. Hunebelle respeitou o clima da obra e suas grandes linhas para fazer reviver Rodolphe e Fleur de Marie, la Chouette e Le Chourineur com muita verve, sem jamais perder de vista que se tratava de uma bela história de amor. Um critico disse que Jean Marais era um Rodolphe de sonho e Jill Haworth tinha a fraqueza tocante da imortal Fleur de Marie. E eu digo: Raymond Pellegrin compõe um Lansignac terrivelmente malvado como são normalmente os vilões de Eugene Sue.
11 de outubro de 1998