JEAN MARAIS

junho 15, 2011

Jean Marais foi, ao lado de Jean Gabin e Fernandel, um dos três atores mais populares do cinema francês. Gabin  e  Fernandel  começaram a se destacar nos anos 30; Marais, nos anos 40; e todos tiveram um percurso cinematográfico bastante extenso. Gabin, esteve diante das telas em longas-metragens de 1930 a 1976 (46 anos); Fernandel, de 1930 a 1969 (39 anos). Marais trabalhou mais: de 1933 a 1995 (62 anos), se incluirmos os filmes nos quais trabalhou como figurante. Com exceção de algumas aparições no cinema, os últimos anos de vida de Jean foram consagrados ao teatro, à cerâmica, à escultura e à pintura. Ele faleceu em 8 de novembro de 1998 sem poder realizar sua grande e derradeira aventura:  interpretar o papel de Prospero em The Tempest de Shakespeare.

Neste artigo não pretendo devassar a vida íntima de Jean Marais nem esgotar o assunto no que se refere à sua filmografia. Vou abordar principalmente uma fase de muito sucesso na sua carreira, qual seja, a dos filmes de capa-e-espada que ele fez entre o final dos anos 50 e meados de 60.

No seu livro de memórias, Histoires de Ma Vie (Albin Michel, 1975), Marais contou sua vida com franqueza – e algumas elipses -, sua infância ingrata,  sua mãe possessiva e meio-louca que ele venerava, seus estudos agitados e suas estréias difíceis como ator prejudicado por aquela voz mal colocada com inflexões nasais em desacordo com seu físico atlético.

Seus biógrafos, recentes, Carole Weisweiller e Patrick Renaudot (Jean Marais, le Bien-Aimé, Rocher, 2002) entraram em mais detalhes sobre suas “amizades particulares”; sobre a afeição de Jean por seu cão Moulouk; sobre sua  participação na Comédie-Française; sobre sua ligação com a atriz Mila Parely, um de seus amores femininos; sobre sua passagem pelo Exército e pela Resistência durante a Ocupação; como Jean quebrou a cara de um crítico de teatro colaboracionista; as preocupações com seu filho adotivo Serge, etc.

Jean Alfred Villain-Marais nasceu em Cherbourg, França, no dia 11 de dezembro de 1913, filho do veterinário Alfred Emmanuel Victor Paul Villain-Marais e de Aline Marie-Louise Vassord (que depois recebeu o nome de Henriette Bezon dado pela tia e o marido desta, que a criaram). Segundo Weisweiller e Renaudot, Henriette  teria nutrido uma paixão por Eugène Houdaille, que pode ter sido o pai biológico de Jean e de seu irmão  Henri.

Foi em Cherbourg que Henriette levou pela primeira vez Jean ao cinema. Eles assistiram à projeção de As Aventuras de Elaine / Les Mystères de New York / 1914 com Pearl White, a heroína loura que realizava façanhas incríveis e pela qual o menino se apaixonou instantaneamente. Desde aquele momento, Jean decidiu que se tornaria ator de cinema.  Muitos anos mais tarde, quando Pearl White terminava os seus dias em Paris, Jean Marais foi visitá-la e lhe disse com admiração: “Era maravilhoso como a senhora escalava os edifícios”. Pearl respondeu: “Não era eu, eu fazia somente os primeiros planos”. “Em suma”- acrescentou Marais – “Toda a minha carreira partiu de minha admiração por aquela mulher que não fazia o que a gente via na tela”.

No curso de sua escolaridade (Colégios Saint German-en-Laye, Petit Condorcet, Janson-de-Sailly,  Saint-Nicolas) Jean se fez notar sobretudo pela sua indisciplina.

Aos dezesseis anos, ele começou a trabalhar com um fabricante de aparelhos de rádio e depois na fábrica Pathé de Chatou. Seu emprego seguinte foi como assistente de um fotógrafo, com o qual o rapaz aprendeu também os rudimentos da técnica da pintura acadêmica. Posteriormente, Jean seguiu os cursos de interpretação de Charles Dullin e paralelamente, entre 1933 e 1936, atuou como figurante em vários filmes de Marcel L’Herbier. Em 1937, ele encontrou Jean Cocteau.

Tudo começou assim: Jean viu, no estúdio de um colega, pintor nas horas vagas, pendurados nas paredes, retratos que lhe agradaram muito. Ele perguntou quem era o autor: “Jean Cocteau, um poeta, autor teatral e desenhista”, respondeu o amigo. Jean fez reproduções daqueles desenhos, que ele colocou em molduras e instalou no seu quarto. Passado algum tempo, Jean estava atuando em Jules César na escola de Dullin quando uma jovem, chamada Dina, aluna de Raymond Rouleau, o convidou para participar de um grupo teatral, que estava formando. A primeira reação de Jean foi a de recusar, pois esperava conseguir um papel mais importante numa próxima representação a ser montada pelo seu mestre. A jovem já ia embora, quando Jean indagou: “Era para que peça?”. Resposta: “Oedipe Roi de Jean Cocteau”. “Isto muda tudo. Que devo fazer?”, perguntou Jean fazendo-a parar com um gesto.

Jean fez um teste e passou: Cocteau lhe deu o papel principal, o de Édipo, e se foi.No dia seguinte, os colegas de Dina protestaram junto ao autor, alegando que Jean Marais não fazia parte da trupe e que havia sido convidado apenas porque  faltavam rapazes e não era justo … Cocteau se rendeu às suas razões, entregou o papel de Édipo para Michel Vitold. A Jean coube aparecer em cena praticamente nú, vestido apenas com uma pequena faixa branca, imóvel como uma estátua,  tendo de cada lado os dois outros atores que compunham com ele o côro.

Numa tarde, Cocteau chamou Jean à parte: “Você quer interpretar o papel  de Galaad em Les Chevaliers de la Table Ronde? Jean Marais recebeu esta proposta como um presente do céu: a oportunidade que ele aguardava finalmente se concretizara. Cocteau se tornaria o Pigmalião de Marais, seu conselheiro no teatro e depois no cinema, seu fornecedor de papéis escritos  sob  medida.

A primeira aparição marcante de Jean Marais no cinema foi em Além da Vida / L’Eternel Retour / 1943, dirigido por Jean Delannoy com roteiro e diálogos de Jean Cocteau, uma transposição da lenda céltica de Tristão e Isolda para o século XX que transformou Jean Marais e Madeleine Sologne em “heróis românticos” da juventude da época. Após Além da Vida, Jean desfrutou de uma popularidade indescritível, sua figura foi publicada nas capas de todas as revistas: ele encarnava os sonhos de uma geração inquieta, perturbada pelo medo e pelas privações  ocasionadas pela Ocupação alemã.

Este sucesso facilitou sem dúvida a realização de quatro longas-metragens que Jean Cocteau escreveu e dirigiu no decorrer dos cinco primeiros anos do pós-guerra, nos quais Marais encontrou seus papéis mais belos. Em A Bela e a Fera / La Belle et la Bête / 1945 ele interpretou Avenant, o Príncipe e sobretudo a Besta, deixando que o público percebesse, por detrás da maquilagem, uma humanidade patética. Depois, acumulou papéis ousados, a meio-caminho entre  o romantismo exacerbado, a dramaturgia, e a poesia em A Águia de Duas Cabeças / L’Aigle a deux Têtes / 1947, O Pecado Original / Les Parents Terribles / 1948 e, enfim,  Orfeu / Orphée / 1949 , tornando-se um ator no sentido mais nobre do termo.

Entre outros filmes de Jean Marais destacam-se: Os Amores de Carmen / Carmen / 1942 (adaptação do romance de Prosper Mérimée e dirigido por Christian-Jacque com Viviane Romance), Entre o amor e o trono / Ruy Blas / 1947 (adaptação da peça de Victor Hugo por Jean Cocteau, dirigido por Pierre Billon com Danielle Darrieux), Le Chateau de verre / 1950 (adaptação do romance de Vicky Baum e dirigido por René Clement com Michele Morgan), Les Miracles n’ont lieu qu’une fois / 1950 e Nez de cuir / 1951 (respectivamente história original sobre a lenta destruição do amor escrita por Jacques Sigurd e adaptação do romance de Jean de la Varende, ambos dirigidos por Yves Allégret, sendo o primeiro com Alida Valli, uma das mulheres que se apaixonaram por Jean), A Princesa de Clèves / La Princesse des Clèves / 1961 (adaptação do romance de Madame La Fayette dirigido por Jean Delannoy com Marina Vlady), Fantômas / Fantômas / 1964 (adaptação do romance de Marcel Allain e Pierre Souvestre dirigido por André Hunebelle, com Jean Marais usando a inquietante máscara verde que ele mesmo desenhou e contracenando com Louis des Funès no papel do paranóico Comissário Juve), Pele de Asno / Peau d’âne / 1970 (adaptação musical do conto de fadas de Charles Perrault dirigido por Jaques Demy com Catherine Deneuve) e, é claro, As Estranhas Coisas de Paris / Éléna et les Hommes / 1955 e Um Rosto na Noite / Nuits Blanches ou Notti Bianche / 1957, por terem sido dirigidos, pela ordem,  por Jean Renoir e Luchino Visconti.

No final dos anos cinquenta, favorecido por sua aparência romântica e seu porte atlético, Marais começou uma nova fase de sua carreira, esgrimindo nos filmes de capa-e-espada de André Hunebelle e de outros diretores como Georges Lampin, Pierre Gaspard-Huit e Henri Decoin, filmes simpáticos desprovidos de qualquer ambição, nos quais ele podia demonstrar suas qualidades esportivas e seu gosto pelo risco físico. Sob a orientação desses realizadores, sobretudo Hunebelle, ele se tornou o herói cinematográfico dos romances populares mais célebres da literatura francêsa: Le Bossu, Le Capitan, Le Miracle des Loups, Le Capitaine Fracasse, Les Mystères de Paris,  etc.

Recentemente pude ver todos esses filmes nas cópias – quase todas restauradas – em dvd da René Chateau Video, Pathé Classique e Gaumont e, a seguir, faço breves comentários a respeito deles, observando que, mais do que o trabalho dos diretores, o que deu grandeza à realizações foi o  carisma de Jean Marais.

LA TOUR, PRENDS GARDE! / 1957

Os exércitos de Louis XV (Jean Lara) e de Marie-Thérèse d’Autriche (Sonja Hlebs) se confrontam. O rei fica furioso ao ver seu estandarte tremular na tenda de sua inimiga. Mas também se diverte vendo Henri La Tour (Jean Marais), membro de uma trupe de artistas ambulantes, ridicularizar o Duque de Saint Sever (Paul-Emile Deiber), responsável por aquela humilhação. Saint Sever se vinga, mandando chicotear La Tour. Este recupera intrepidamente a bandeira de seu soberano, incendiando o acampamento dos austríacos. Como recompensa, Louis XV enobrece La Tour que, assim, pode duelar com o Duque. Quando os dois estão se enfrentando, surge um bando de austríacos, e eles se unem para lutar contra  os inimigos. Durante o combate, Saint Severs é apunhalado mas, antes de exalar o último suspiro, ele pede a La Tour que encontre sua filha natural, Toinon (Cathia Caro), a quem lega todos os seus bens. Escapando de todos os perigos, La Tour consegue encontrar Toinon em Paris e desmascarar o ignóbil Péruge (Renaud Mary), que assassinou o Duque, e o odioso  carcereiro de Toinon, Taupin (Jean Parédes).

Inspirado na letra de uma canção escrita por Alexandre Dumas, esta super co-produção franco-italo-iugoslava, filmada em Zagreb, tem magníficos cenários e figurinos e oferece cenas espetaculares – o incêndio do acampamento austríaco é um bom exemplo – cuja amplitude e beleza são perfeitamente apresentadas em Dyaliscope e L’Eastmancolor. Sorridente e dinâmico, Jean Marais é um herói de aventuras particularmente simpático e arrebatador. Percebe-se ainda magníficos figurinos e cenários, a presença no elenco de duas atrizes em voga nos anos 50, Eleonora Rossi Drago  no papel da Condessa Malvina d’Amalfi  e de Nadja Tiller  no papel de Mirabelle e a estréia no cinema de Jean-Pierre Léaud (como Pierrot) que apareceria com mais evidência dois anos depois em  Os Incompreendidos / 400 Coups de François Truffaut.

O CORCUNDA / LE BOSSU / 1959

Em 1701, o Duque de Nevers (Hubert Noel) casou-se secretamente com Isabelle de Caylus (Sabine Sesselmann como Sabine Selman), de quem teve uma filha, Aurore (Sabine Sesselmann). Seu primo, o Príncipe Philippe de Gonzague (Francois Chaumette), manda assassiná-lo no curso de uma emboscada, apesar da intervenção do Cavaleiro Henri de Lagardère (Jean Marais). Antes de morrer, Nevers confia Aurore a Lagardère. Este último, acusado por Gonzague do assassinato do Duque, é obrigado a fugir e, acompanhado de seu criado Passepoil (Bourvil), se refugia na Espanha. Em 1717, Lagardère fica sabendo que Gonzague, que se casou com Isabelle, vai reunir um conselho de família para atribuir a si próprio todos os bens de sua esposa. Lagardère retorna à França com Aurore e avisa Isabelle de que sua filha está viva. Disfarçado de corcunda, Lagardère ganha a confiança de Gonzague, que mandara raptar Aurore. Lagardère a liberta e a entrega à sua mãe, depois de ter matado Gonzague num duelo feroz. Enobrecido pelo Regente (Paul Cambo), Lagardère casa-se com Aurore.

O filme marca  a primeira colaboração de André Hunebelle e de Jean Marais, que seria repetida em outros projetos nas décadas seguintes:  Le Capitan, Le Miracle des Loups, Les Mystères de Paris. Entre 1964 e 1966, eles ressuscitariam o personagem de Fantômas, e sua última parceria seria numa minissérie para a televisão: Joseph Balsamo. Baseado no romance popular de Paul Féval, várias vezes levado à tela (inclusive por Jean Delannoy em 1944 com Pierre Blanchar) , o espetáculo tem cenários suntuosos, vestuário luxuoso,  exteriores pitorescos, (novamente favorecidos pelos sistemas de cores e de tela larga), andamento rápido, variedade de ambientes (Versalhes, Pierrefonds, Toledo), ação, movimento, humor (a cargo de Bourvil no papel do criado pusilânime mas astucioso) e drama. Jean Marais interpreta com entusiasmo um Lagardère de coragem indomável, um cavaleiro perfeito, um duelista sem par e suas qualidades esportivas são postas muitas vezes à prova. Sua criação do “corcunda” é uma maravilha de fingimento e de transformação, que inspirou essas palavras de Jean Cocteau: “Uma corcunda, uma barba, uma cabeleira mal penteada, é uma máscara mais do que fácil de  usar para confundir os traços. Mas Jean Marais recusa a facilidade. Um outro rosto, um rosto horrível verdadeiro, eis o que ele arranca de si mesmo, correndo o risco de embaciar a juventude e a graça que ele dissimula”.

O CAPITÃO DO REI / LE CAPITAN / 1960

Em 1616, Concini (Arnaldo Foa), favorito de Marie de Médicis (Lisa Delamare), quer eliminar o jovem Louis XIII (Christian Fourcade), de quinze anos de idade, e se proclamar rei. Um assecla de Concini, Rinaldo (Guy Delorme), cumprindo suas ordens, comete uma série de pilhagens e os assassinatos. François de Capestan (Jean Marais) corre em socorro do Marquês de Teynac, cujo castelo está sendo saqueado. François é ferido e tratado por uma jovem misteriosa. Uma aliança se forma entre grandes proprietários rurais sob a liderança do Duque de Angoulême (Raphael Patorni). Eles decidem enviar um mensageiro a Concini, para se queixar dos ataques. François é escolhido para esta missão. No meio do caminho, ele salva o saltimbanco Cogolin (Bourvil), que o segue até Paris. François chega até Concini e este lhe põe o apelido irônico de Capitan (o personagem fanfarrão da Commedia dell’arte). Concini manda drogar o cavalo de Louis XIII, mas felizmente Capitan está por perto para evitar o acidente. O Capitan reencontra sua estranha enfermeira, que é Gisèle d’Angouleme (Elsa Martinelli) e havia sido feita prisioneira por ordem de Concini. O Capitan a liberta e se apresenta à conjuração de Angoulême, que deseja liquidar ao mesmo tempo, Concini e Louis XIII e nomear o duque rei. Porém o jovem soberano manda matar Concini, provando assim sua firmeza. Angoulême e seus amigos aderem ao rei e François se casa com Gisèle.

Segunda colaboração da dupla Hunebelle – Marais depois de O Corcunda, que alcançou um sucesso gigantesco, trazendo para os cinemas mais de seis milhões de espectadores. Baseado no romance de Michel Zevaco, anteriormente objeto de uma produção dirigida por Robert Vernay em 1945, o filme, ao contrário da realização precedente, que tomava certas liberdades com relação ao quadro histórico, pretende conciliar a grande História da França (a de Louis XIII, de Concini, de Maria de Médicis …) com a pequena, deixando apenas esta última para a imaginação excessiva dos roteiristas. O resultado foi um espetáculo  trepidante, repleto de conspirações maquiavélicas, muitas cenas de ação e um pouco de humor (que Bourvil desempenha com animação). Com um sorriso nos lábios, Jean Marais executa, com muita a audácia, os exercícios mais perigosos como dar voltas pendurado num lustre, pular de uma janela sobre um cavalo, escalar uma muralha abrupta, etc.,  firmando-se de uma vez por todas no gênero de aventura.

LE CAPITAINE FRACASSE / 1961

Nobre arruinado mas cavalheiresco, o Barão de Sigognac (Jean Marais) oferece hospitalidade no seu castelo a uma trupe de artistas ambulantes e famélicos, que ficaram imobilizados numa floresta por causa de um enguiço na carroça que os transportava. Encantado com a ingenuidade autêntica de Isabelle (Geneviève Grad), filha de uma comediante falecida e de um pai desconhecido, Sigognac decide acompanhar a trupe, onde ele acaba substituindo no tablado o mímico Matamore (Sacha Pitoëff), que falecera. Isabelle é cortejada pelo arrogante duque de Vallombreuse (Gérard Barray) que, para conquistá-la, manda dois exímios esgrimistas abaterem seu protetor, o  barão, o qual já o derrotado num duelo. Conseguindo raptar Isabelle, Vallombreuse é gravemente ferido pelo barão, que escapara dos temíveis espadachins e se apressara em socorro da jovem. É então que um anel de Isabelle revela que ela é irmã do duque, o qual antes de exalar o último suspiro, implora o perdão de Isabelle e abençoa o casamento dela com aquele que havia jurado matar.

Nova versão do romance de Théophile Gauthier (na França destacaram-se anteriormente a de 1929 de Alberto Cavalcanti com Pierre Blanchar e a de 1943 de Abel Gance com Fernand Gravey, ambas as quais eu ví sem muito agrado), dirigida por Pierre Gaspar-Huit. Acrobático e intrépido como deve ser um herói dos filmes de capa-e-espada, sempre dispensando o dublê, Jean Marais domina o elenco, onde se nota a presença de Phillipe Noiret como o truculento Hérode, diretor da trupe;  de Louis des Funès como Scapin, um dos comediantes; e Jean Rochefort como Malartic, um dos espadachins contratados para matar Sigognac. O filme tem um clima quase feérico com belas e amplas imagens em cores, muito movimento e melodrama, principalmente no final, quando se descobre o segredo da identidade de Isabelle e Sigognac e Vallembreuse se enfrentam pela última vez.

O MILAGRE DOS LOBOS / LE MIRACLE DES LOUPS / 1961

Robert de Neuville (Jean Marais) é apaixonado e amado por Jeanne de Beauvais (Rossana Schiaffino), sobrinha do Conde Husselin (Louis Arbessier) e afilhada do Rei da França (Jean-Louis Barrault). O Duque de Bourgogne, Charles le Téméraire (Roger Hanin) cobiça Jeanne. Ele rapta Jeanne e assassina Robert.  Este é recolhido moribundo por camponeses e, bem tratado, recobra a saúde. Robert se introduz com os aldeões no castelo do Téméraire e liberta Jeanne. Louis XI e Charles têm uma entrevista em Péronne. Para que a paz com Bourgogne não seja perturbada, o rei encarrega o Conde Husselin de levar uma mensagem de concórdia aos habitantes de Liège. O infame Charles encarrega sua alma danada, Sénac (Guy Delorme), de se apossar da mensagem e de substituí-la por outra, na qual Louis recomendava ao contrário que os liegezes se revoltassem. Sénac mata Husselin mas o conde havia confiado a missiva a Jeanne. Esta, perseguida pelos asseclas de Charles, implora aos céus. O milagre se produz, e os lobos protegem a jovem de seus perseguidores. Sénac traz sua falsa messagem, deixando o rei da França numa situação difícil. Porém Robert intervém com a verdadeira carta do rei. O tribunal eclesiástico remete ao “Julgamento de Deus” entre Sénac e Robert. A vitória do justo, cuja recompensa é Jeanne, salva a corôa da França.

Dirigido mais uma vez por André Hunebelle, Jean Marais reencontra Jean-Louis Barrault, com o qual já havia trabalhado na companhia de Charles Dullin (que fora o Louis XI na versão muda de Raymond Bernard) e na Comédie-Française, e com a bela atriz italiana Rossana Schiaffino. Numa das cenas do filme, o personagem do cavalheiro de Neuville, interpretado por Marais, devia ser jogado do alto de uma ponte sobre um rio. Na véspera da filmagem, enquanto os dublês – sem que o ator soubesse – ensaiavam a tomada, um deles foi precipitado no vazio e rompeu o tímpano. Hunebelle resolveu então usar um manequim, proibindo que qualquer dublê ou fosse lá quem fosse, e sobretudo Jean Marais, executasse a queda. Porém Marais, desconfiando de alguma coisa, chegou ao local antes do diretor e, descobrindo o manequim vestido com suas roupas, exigiu que a filmagem começasse imediatamente, antes que Hunebelle chegasse. Ninguém teve coragem de desobedecê-lo e a cena foi rodada sem boneco … e sem acidente. Além de perfídias, torneios, e da bela cena do milagre dos lobos na neve, o filme tinha tantas acrobacias que Barrault um dia se espantou de ver Marais entra por uma porta: “Meu Deus! E eu que te esperava pela janela!”.

LE MASQUE DE FER / 1962

Quando o jovem rei Louis XIV (Jean-François-Poron) fica gravemente doente, Mazarin (Enrico Salerno) manda D’Artagnan (Jean Marais) procurar Henri (Jean-François Poron) o irmão gêmeo do rei, que se encontra detido na fortaleza de Sainte-Marguerite e cuja existência é mantida em segredo. Sua semelhança com o rei é escondida graças a uma máscara de ferro, que ele é obrigado a usar permanentemente. Porém isto não impede o prisioneiro de namorar Isabelle de Saint-Mars (Claudine Auger), a filha do Governador (Noel Roquevert). D’Artagnan chega em Saint-Sulpice, pouco depois que o máscara de ferro acabara de fugir. Isabelle, seu pai e D’Artagnan rumam para Paris, onde chega também Henri na companhia da graciosa Marion (Sylva Koscina) e de um amável cúmplice, Lastreaumont (Jean Rochefort). Enquanto isso, o rei recobra miraculosamente a saúde mas múltiplos incidentes vão acontecer entre Isabelle e os dois gêmeos. Ela fica sem saber quem é Louis e quem é Henri. O encontro inevitável entre os dois irmãos acaba acontecendo e o rei convence seu irmão a ficar preso na Bastilha por razões de Estado. Marion e seu cúmplice ajudam o preso a se evadir e reencontar Isabelle, com a qual ele será para sempre feliz. Mas D’Artagnan, e sua eterna noiva, Mme. De Chaulnes (Giselle Pascal), ainda não irão se casar, pois ele é convocado para uma nova missão.

Inspirado livremente no romance de Alexandre Dumas – sempre revivido cinematográficamente –  o filme foi realizado  por Henri Decoin, que soube combinar muita habilidade o humor e a fantasia. A cor  chama a atenção nas cenas da cortes e nos numerosos exteriores onde se desenvolve a intriga. Jean Marais cria com originalidade um d’Artagnan humorístico um D’Artagnan humorístico, que nós vemos interrompendo incessantemente um namoro galante, a fim de partir, por ordem do rei, para novas aventuras. Perseguições, duelos e prisões se sucedem até o inevitável encontro dos dois irmãos gêmeos, um papel duplo bem interpretado por Jean-François Poron, passando da ingenuidade do máscara de ferro à grandeza altiva de Louis XIV. Enrico Maria Salerno dá vida a um Manzarin astucioso e diplomata, como manda a tradição.

LES MYSTÈRES DE PARIS  / 1962

O marquês Rodolphe de Sombreuil (Jean Marais), que vive uma vida despreocupada na companhia de sua amante Irène (Dany Robin), durante uma corrida de carruagens, causa um acidente do qual não suspeita a gravidade. Ele tenta ajudar Marie (Jill Haworth), filha da vítima atropelada. Mas Marie, conhecida como Fleur de Marie, é raptada por uma megera, La Chouette (Renée Gardès). Ajudado por um ex-forçado, Le Chourineur (Pierre Mondy), Rodolphe se disfarça de operário, penetra no submundo, encontra Marie e leva a moça para longe daqueles antro de marginais. Entretanto, Irène, preocupada com as ausências de Rodolphe, e levada pela ambição e pelo ciúme, se une ao Barão de Lansignac (Raymond Pellegrin) um aristocrata inescrupuloso nos negócios, que  com a ajuda de capangas liderados por Le Maître d’Ecole (Jean le Poulain), trama uma armadilha para Rodolphe. Mas, graças à sua coragem e às suas amizades, Rodolphe fará triunfar o direito e a justiça. Lansignac mata Irène e vem a ser morto, ao tentar reagir, quando o marquês e seus companheiros chegam para pôr fim às suas maldades.

Esta versão do fascinante romance de Eugène Sue, tantas vezes transposto para o cinema (só na França houve cinco outras filmagens, entre 1909 e 1943, das quais eu conheço apenas a de 1943, dirigida por Jacques de Baroncelli com Marcel Herrand no papel de Rodolphe), tal como os filmes anteriores da nova fase de Jean Marais, se beneficiou da tela larga e da cor. Hunebelle respeitou o clima da obra e suas grandes linhas para fazer reviver Rodolphe e Fleur de Marie, la Chouette e Le Chourineur com muita verve, sem jamais perder de vista que se tratava de uma bela história de amor. Um critico disse que Jean Marais era um Rodolphe de sonho e Jill Haworth tinha a fraqueza tocante da imortal Fleur de Marie. E eu digo: Raymond Pellegrin compõe um Lansignac terrivelmente malvado como são normalmente os vilões de Eugene Sue.

11 de outubro de 1998

MARY PICKFORD

junho 7, 2011

Existiram centenas de estrelas e excelentes atrizes em Hollywood porém só uma Mary Pickford. Ela foi a maior entre as maiores, uma enorme atração de bilheteria, artista de fama internacional e mulher forte e empreendedora, que soube cuidar muito bem de sua carreira em um negócio árduo e competitivo. Mary queria que seus filmes fossem lucrativos mas também que eles fossem bons. Para isso, infiltrava-se em todos os aspectos da produção, contratando sempre os melhores talentos e acompanhando constantemente o seu trabalho. Ela era boa tanto na comédia como no drama e tinha carisma, muito carisma. Um de seus fotógrafos prediletos, Charles Rosher, disse que ela “conhecia tudo o que era para conhecer sobre cinema”.

Mary aperfeiçoou um estilo de interpretação naturalista e demonstrou um grau de sutileza e comedimento nunca visto antes. Pode-se dizer que ela foi para a interpretação o que D.W. Griffith foi para a direção na fase pioneira do cinema. Como disse o historiador Leslie Wood: “Mary Pickford foi o complemento do gênio de Griffith”. Mary uma vez comentou: “Eu não representava. Eu era o personagem que interpretava na tela”.

A “Pequena Mary”, como ficou inicialmente conhecida pelo público, foi uma das quatro grandes personalidades do cinema silencioso, juntamente com seu marido Douglas Fairbanks, Charles Chaplin e D. W. Griffith. Os fãs a adoravam e foram eles mesmos, e não os agentes de publicidade, que lhe deram o título de America’s Sweetheart (A Namorada da América).

Gladys Marie Smith nascida em Toronto, Canadá em 8 de abril de 1892, enfrentou a pobreza durante a infância. Seu pai, morreu quando ela tinha seis anos de idade, deixando sua mãe, Charlotte, uma viúva sem dinheiro e com três crianças para criar – Gladys, a irmã Lottie, e o irmão Jack, que também trabalharam no cinema. Porém em 19 de setembro de 1898, a vida da família começou a melhorar: foi nesse dia que Gladys, estreou no Princess Theatre em Toronto com a Cummings Stock Company. Dentro de três anos, ela se tornou conhecida no meio teatral e foi convidada para fazer uma tournée numa peça intitulada The Little Red Schoolhouse.

A história de Mary Pickford foi contada – primeiro na sua autobiografia (Sunshine and Shadow, 1955) e depois nas biografias de Scott Eyman (Mary Pickford, America’s Sweetheart, 1990) e Eileen Whitfield (Pickford: The Woman Who Made Hollywood, 1997) – tendo sido também abordada em livros admiráveis de Janine Basinger (Silent Stars, 1999) e Kevin Brownlow (Mary Pickford Rediscovered: Rare Pictures of a Hollywood Legend, 1999). De modo que vamos apenas reproduzir mais ou menos o que eles disseram.

Como lembrou Janine, a lenda de Pickford começa quando uma pequenina e  delicada criatura de belos cabelos cacheados pede uma audiência com David Belasco, o famoso empresário de Nova York. Ele é muito ocupado porém ela persiste, consegue finalmente entrar no escritório dele, e dizer com coragem e firmeza: “Sou uma atriz, mas eu quero me tornar uma boa atriz”. É claro que ela o conquistou e ele imediatamente a colocou no importante papel de Betty Warren na peça de William de Mille, The Warrens of Virginia, ganhando cinco dólares por semana. Desde então, Mary ficou caracterizada como a mulher decidida, que sempre insiste para obter o que quer e sempre consegue.

A trajetória artística de Mary com Belasco ia muito bem até que, em 1909, aconselhada pela mãe, ela se dirigiu ao estúdio da Biograph e, de novo, teve oportunidade de ficar diante de um homem poderoso: D.W. Griffith. Mary se apresentou como “uma atriz de Belasco” e pediu um salário de “pelo menos dez dólares por dia”. Ela foi contratada e, em 20 de abril daquele ano, com sua maquilagem aplicada pessoalmente por Griffith, estreou na tela em Her First Biscuits (segundo Scott Eyman, que consultou os arquivos da Biograph, Mary aparecia em segundo plano, eis que o filme era estrelado por Dorothy Bernard. Mary diria mais tarde que a maquilagem de Griffith fez com que ela ficasse parecida com Pancho Villa).

Depois de ter ido trabalhar com Griffith, Mary tornou-se rapidamente uma favorita do público. Tal como Florence Lawrence antes dela, Mary ficou conhecida com  “A Garota da Biograph e também como “A Pequena Mary” ou “A Mocinha dos Cachos Dourados”. Nos anos de formação, Mary fez dramas e comédias, westerns e filmes românticos, papéis de menina e de jovem adulta, de pobre e de rica. Apareceu em mais de cem filmes de curta-metragem (ver a longa  filmografia completa de Mary Pickford nos livros de Scott Eyman e Eileen Whitfield) e, em apenas três anos, transferiu-se da Biograph para a IMP (Independent Motion Picture) de Carl Laemmle (filmando inclusive nos estúdios de Thomas Ince em Havana, Cuba) e desta para a Majestic, retornando posteriormente à Biograph, sempre aumentando o seu salário.

Em 7 de janeiro de 1911, quando tinha apenas dezoito anos, Mary casou-se com o ator Owen Moore, um alcoólatra inveterado, de quem se divorciou em 1919 embora seu casamento já tivesse acabado há muito tempo. No mesmo ano, ela  e Douglas Fairbanks se apaixonaram e começaram a namorar. Eles eram o maiores astros feminino e masculino de sua época. O público já gostava deles individualmente e adorava vê-los juntos na vida real. Mary relutou um pouco em se casar, porque divorciar-se e contrair matrimônio com um homem que também teria de se divorciar e deixar seu filho (Douglas Fairbanks, Jr.) do primeiro casamento (com a socialite Beth Sully), poderia destruir sua imagem de “A Namorada da América”. Mas foi em frente e, em 28 de março de 1920, casaram-se na casa de Fairbanks, numa cerimônia simples.

Mr. e Mrs. Fairbanks fixaram residência em Hollywood e se tornaram os líderes sociais do mundo do cinema. Eles foram morar numa fabulosa mansão chamada Pickfair, que chegava perto da famosa San Simeon de William Randolph Hearst. O casamento Pickford / Fairbanks  – e os dias felizes em Pickfair –  terminou nos anos 30, quando Doug e Mary tinham deixado de ser os astros brilhantes do passado. Em 8 de dezembro de 1933, Mary pediu o divórcio e, embora eles tivessem quase se reconciliado, ela acabou casando-se, em 26 de junho de 1937, com Buddy Rogers (doze anos mais moço do que ela) e Fairbanks com Lady Sylvia Ashley. Anos depois, ao saber da morte de Douglas, Mary exclamou: “Meu querido se foi”.

Por volta de 1912, Mary já era uma grande estrela de cinema. Sua volta para a Biograph significou atuar novamente sob as ordens de Griffith, um relacionamento laboral que nunca foi confortável para nenhum dos dois. Mary não era dócil como Lillian Gish e enfrentou Griffith em muitas frentes, reclamando que ele só lhe dava papéis que outras atrizes recusavam. Dizem que uma vez ela o mordeu e ele lhe deu um empurrão, derrubando-a (Eileen Whitfield disse que ela caiu no chão e gritou:  “Você diz que é um cavalheiro sulista! Você é não somente uma desgraça para o Sul como também para o Norte! Nunca mais fale comigo, senhor!”). Um dos filmes de maior sucesso da colaboração Pickford / Griffith deste período foi New York Hat, baseado numa história de Anita Loos, exibido em 1913.

No final de 1913, Mary assinou contrato com a Famous Players Film Company de Adolph Zukor e, em 1914, atingiu uma popularidade impressionante em filmes como O Filho do Prisioneiro / The Eagle’s Mate,  As Duas  Monarquias / Such a Little Queen, Cinderella / A Gata Borralheira ou Cinderella, No País das Tormentas / Tess of the Storm Country, Senhorita Nell / Mistress Nell, Ao Alvorecer da Verdade / The Dwan of Tomorrow, Mágoa / Rags, Esmeralda / Esmeralda, A Sombra do Passado / A Girl of Yesterday, Madame Butterfly / Madame Butterfly, etc.

Em junho de 1916, a Famous Players fundiu-se com a Jesse L. Lasky Feature Play Company para formar a Famous Players / Lasky, cujos filmes seriam distribuídos pela Paramount Pictures. Em julho, a companhia organizou a Artcraft Pictures para distribuir os filmes de Mary Pickford e ela se tornou a primeira atriz a ter a sua própria unidade de produção: a Pickford Film Company. Mary podia escolher seu próprio diretor e elenco coadjuvante, aprovar a publicidade, ter controle sob o corte final e o direito de questionar qualquer papel que não lhe interessasse.

Seguiu-se uma  série de filmes de grande sucesso como, por exemplo, A Enjeitada / The Foundling, Pobre Pepinazinha / Poor Little Peppina, Eterna Tormenta / The Eternal Grind, Gulda da Holanda / Hulda from Holland, Menos que o Pó / Less Than the Dust.


Em 1917, nova sucessão de êxitos com Raça de Heróis / Pride of the Clan, Rica e Pobre ou Pobre e Rica / The Poor Little Rich Girl, Perseverança / A Romance of the Redwoods, A Intrépida Americana / The Little American, Rebeca / Rebecca of Sunnybrook Farm, A Princezinha / The Little Princess, etc.

Em 1918,  os três irmãos Pickford estavam juntos na tela em M’liss / M’liss, uma produção de primeira linha baseada numa história de Bret Harte e enriquecida pelos talentos da roteirista Francis Marion, do diretor Marshall Neilan e do galã Thomas Meigham. Nessa época, Mary já era uma mulher de vinte e seis anos porém seus fãs a amavam como uma menina valente e ela vinha – com muita esperteza – mantendo esta imagem. Entretanto, aos poucos, a atriz começou a fazer filmes que lhe permitissem ser uma outra coisa ao mesmo tempo: uma versão adulta da “Namorada da América”. Na temporada de 1918, Mary apareceu em filmes que ofereciam aos espectadores “duas Marys”: Benditoso Esplendor / Stella Maris, Contrastes da Vida / Amarilly of Clothes-Line Alley, o citado M’liss e  Johanna Enlists, nos quais ela interpretava sua personagem tradicional e uma variante mais bem apessoada, mais bem vestida, de si mesma.

Em 9 de novembro de 1918, Mary assinou contrato com a First National e deixou Zukor. Após um tempo de distribuição de cinco a seis anos, a propriedade dos filmes e os direitos autorais seriam revertidos para ela. Durante esse período Mary dissolveu a Pickford Film Company e fundou a Mary Pickford Company, que pertencia metade a ela e metade à sua mãe. Em 1919 ela fez alguns dos maiores êxitos de sua carreira: Papaizinho Pernilongo / Daddy Long Legs, A Garota /  The Hoodlum e Entre Bandidos / The Heart O ’ the Hills.


Diante dos rumores de que a First National ia se associar com a  Famous Players / Lasky, Mary, Douglas Fairbanks, D. W. Griffith, William S. Hart e Charles Chaplin criaram a  United Artists Association (Hart logo deixaria o grupo). Seu plano era incrementar seus lucros, impedir que outras companhias os usassem para fins de venda por pacote e ganhar completo controle, de uma vez por todas, sobre suas carreiras.

Mary produziu vários filmes através da United Artists, destacando-se: Pollyanna ou Menina Travessa / Pollyanna / 1920, Castelos de Espuma / Suds / 1920, O Pequeno Lord Fauntleroy / Little Lord Fountleroy / 1921, Mãos Frívolas / Through the Back Door / 1921, uma nova versão de  O País das Tormentas / Tess of the Storm Country / 1922, Rosita /Rosita / 1923, (dirigido pelo grande Ernst Lubitsch), Entre Duas Rainhas / Dorothy Vernon of Haddon Hall / 1924, Sua Vida pelo seu Amor / Little Annie Rooney / 1925, Aves sem Ninho / Sparrows / 1926 e o seu último filme mudo, Meu Único Amor / My Best Girl / 1927.

Mary estreou no cinema falado em Coquette / Coquette / 1929, que lhe deu o Oscar de 1928-29 como Melhor Atriz. No papel de Norma Besant, interpretado por Helen Hayes no teatro, ela apareceu diante do seu público completamente transformada, não somente porque tinha uma voz e cortara o cabelo bem curto. Como disse Janine, agora Mary “era uma nova pessoa, e definitivamente uma mulher com uma vida sexual”. Depois de Coquette, Mary fez apenas mais três filmes: Mulher Domada / The Taming of the Shrew / 1929, (no qual contracenou com Douglas Fairbanks), Kiki / Kiki / 1931 e Segredos / Secrets / 1931, ambos os quais eram refilmagens de filmes mudos estrelados por Norma Talmadge.

Mary Pickford fez ao todo, 52 filmes de longa-metragem. Só vi 10 filmes dela: Contrastes da Vida, Benditoso Esplendor, Mães Frívolas, Pequeno Lord Fauntleroy, No País das Tormentas (2a versão), Aves sem Ninho, Meu Único Amor, Coquette, Mulher Domada, e Segredos. Destes nove, gostei mais dos três filmes sobre os quais falarei: No País das Tormentas, Aves sem Ninho e Meu Único Amor.

No País das Tormentas, apresenta Mary como Tessibel ‘Tess’ Skinner, garota pobre e esfarrapada, filha de um pescador que vive numa comunidade miserável instalada à beira-mar. Todos os homens do lugar, desde o brutal Ben Letts (Jean Hersholt) ao patético Ezra Longman (Danny Hoy), cobiçam a jovem bela e corajosa. No topo da montanha que fica acima dos casebres, vive uma família rica, cujo patriarca, Elias Graves (David Torrence), despreza seus “vizinhos” e tenta expulsá-los, para ter uma visão “irrestrita” do mar. O filho de Graves, Frederick (Lloyd Hughes), simpatiza com os “intrusos” e se apaixona por Tess. No decorrer da trama, o pai de Tess (Forrest Robinson) é acusado injustamente de assassinato durante um confronto com os capangas de Graves, Tess assume a maternidade do filho ilegítimo de Teola (Gloria Hope), filha de Graves, e ensina ao velho milionário o verdadeiro sentido do cristianismo.

Nesta refilmagem do mesmo melodrama dirigido em 1914 por John S. Robertson e belissimamente fotografada por Charles Rosher, Mary recria a sua personagem favorita, passando do humor às cenas de arrancar lágrimas com extraordinária desenvoltura. Basta citar a sequência intensamente dramática, na qual Mary entra na igreja com o bebê de Teola moribundo no colo. Logo na entrada, ela se ajoelha diante de um vitral reproduzindo a figura do Cristo com uma criança nos braços. Depois caminha em direção ao altar e pede que o padre batize o pequenino. Diante da recusa, ela vai à pia batismal e realiza ela mesma o sacramento. O menino morre, a verdadeira mãe não se controla, e grita “Me dá o meu bebé! “, diante do sacerdote, dos fiéis, de Ezra e de Frederick estupefactos.

Em Aves sem Ninho, numa região pantanosa do Sul dos Estados Unidos, um casal de camponeses, os Grimes (Gustav von Seiffertitz, Charlotte Mineau) e seu filho Ambrose (Spec O’Donnell), exploram um grupo de crianças abandonadas, obrigando-as a trabalhar na sua fazenda. Os menores são tratados como prisioneiros, para não dizer escravos, e são muitas vezes brutalizados e privados de comida. Uma adolescente chamada Mollie (Mary Pickford) cuida dos pequenos “pardais” da melhor maneira possível, os reconforta, e lhes assegura que Deus vela sobre eles. Doris (Mary Louise Miller), uma menininha, é raptada da cidade e entregue aos Grimes. A fim de que a polícia não descubra seu paradeiro, Grimes manda seu enteado afogá-la no pântano. Mollie salva Doris e, depois de se opor violentamente contra Grimes, organiza a fuga de seus protegidos. Percorrendo o pântano infestado de crocodilos, as crianças passam por situações difíceis, livrando-se de todos os perigos. A polícia prende os Grimes e persegue os raptores, que encontrarão a morte nas areias movediças. Mollie tem a felicidade de ver todos os seus “pardais” adotados pelo milionário Dennis Wayne (Roy Stewart), pai de Doris.

Aos trinta e três anos Mary ainda podia interpretar adolescentes destemidas, cheias de vitalidade e alegria, ajudando os outros a enfrentar as piores calamidades. Eileen Whitfield descreveu o filme  com precisão: “um conto de fadas narrado num estilo brilhante; um Grand Guignol; um thriller expressionista”. Scott Eyman acrescentou com igual perspicácia: “Dickens entrelaçado com uma dose forte de Edgar Allan Poe”. Richard Corliss na revista Film Comment sintetizou: “Uma angustiante história de horror na mata”.

O espetáculo foi dirigido com muito acêrto por William Beaudine, auxiliado pela extraordinária direção de arte estilizada de Harry Oliver e pela excelente fotografia de Charles Rosher e seus colaboradores Hal Mohr e Karl Struss, influenciada pelo estilo expressionista germânico dos anos 20.

Nossas emoções atingem o auge durante a fuga no final, cheia de suspense, quando Mollie conduz as crianças através do pântano para a liberdade. Perseguida  pelo cão de Grimes, a meninada usa uma corda como cipó para atravessar a área de areia movediça, trepa nas árvores e se arrasta pelos seus galhos, pairando pouco acima dos répteis ferozes, que escancaram suas terríveis mandíbulas (Mary andou espalhando para a imprensa que a filmagem dessas cenas foi muito perigosa mas na verdade elas não passaram de habilidosas dupla-exposições).

Porém a cena que mais impressionou foi aquela na qual Mollie embala um bebê morto em seus braços enquanto Jesus Cristo aparece no fundo do quadro com um rebanho de ovelhas. Ela adormece, Jesus se aproxima, toma o bebê nos seus braços, e se afasta. É uma das cenas mais lindas que eu já vi no cinema.

Meu Único Amor, dirigido por Sam Taylor e fotografado por Charles Rosher, é uma simples e deliciosa comédia romântica, que tem algo a ver com a história de Cinderella. Maggie Johnson (Mary Pickford), arrimo de uma família modesta e excêntrica (o pai, Lucien Littlefield; a mãe, Sunshine Hart; a irmã, Carmelita Geraghty), trabalha numa grande loja de departamentos, onde se apaixona por Joe Grant (Charles “Buddy” Rogers), um novo empregado, sem saber que ele é na realidade Joe Merrill, filho do milionário dono da loja (Hobart Bosworth), e está noivo de uma jovem da sociedade. Quando Maggie fica sabendo da verdade ela tenta convencer Joe de que sabia tempo todo quem ele era e estava tentando seduzí-lo.

As cenas de amor entre Mary Pickford e Buddy Rogers são maravilhosas: belas, puras e comoventes. Os momentos cômicos têm um charme irresistível.  Logo no início, Mary surge sobrecarregada de baldes, frigideiras e panelas. Ela deixa cair uma panela, apanha-a, deixa cair outra, e mais outra, até que, finalmente, enfia seu pé em uma das panelas, para arrastá-la consigo. Quando está quase chegando onde queria ir, sua anágua escorrega e cai no chão. Mary se livra dela e corre para um balcão da loja, para pensar no que vai fazer. Neste ínterim, uma mulher aparece, vê a anágua, pensa que é a dela, e a recoloca rapidamente no seu corpo num canto escuro do estabelecimento.

Numa outra cena, “Buddy” acompanha Mary até sua casa. Ela o convida para entrar mas, antes de abrir a porta, ouve a discussão reinante entre seus familiares no interior da casa. Mary pede que “Buddy” aguarde um pouco na varanda, explicando aquele caos como sendo um ensaio para um clube dramático.  “Que lindo uniforme, você parece um policial”, ela diz para um guarda que chega atrás do namorado meio suspeito de sua irmã, fazendo crer a “Buddy”, que ele é outro membro do grupo teatral que chegara para o “ensaio”.

Na grande cena em que Mary diz que estava enganando “Buddy”, para que ele possa se casar com a sua noiva, mostra a habilidade que Mary tinha – tal como Chaplin – de fazer o público rir e chorar ao mesmo tempo. Ela anda de modo afetado, lambuza seu rosto de batom, quase se sufoca com um cigarro que tenta fumar e dança um Charleston frenético, enfim, finge que é uma jovem desregrada. Porém Mary não consegue levar adiante esta farsa, cai em prantos e se pendura nos ombros de “Buddy”, dizendo: “Eu não sou uma garota má, Joe. Eu te amo mas não posso me casar com você”. Entretanto, ela acaba se casando com “Buddy”, na tela e na vida real. Em 29 de maio de 1979, Mary faleceu de hemorragia cerebral em Santa Monica, Califórnia, com “Buddy” ao seu lado.

Kevin Brownlow resumiu a importância de Mary Pickford de maneira correta: “Ela tinha legiões de imitadoras mas nenhuma rival”.

MESQUITINHA NO CINEMA

maio 30, 2011

Ele foi um dos atores cômicos mais populares do nosso teatro e do nosso cinema, incomparável  em suas criações de tipos populares, principalmente encarnando o sofredor “barnabé” suburbano.

Seu nome verdadeiro era Olimpio Bastos e nasceu em Lisboa, Portugal no dia 19 de abril de 1902, tendo vindo ainda criança para o Brasil. Mesquitinha tinha a idade de oito anos quando ingressou no teatro, em São Paulo, na Companhia de Sebastião Arruda, fazendo o papel de “Pirralho” na revista “A Grande Fita”. Ele permaneceu nesta companhia durante algum tempo e depois fez excursões pelo interior do país em companhia do seu padrinho, o ator Mesquita (por isso, desde criança era conhecido como o pequeno Mesquita, o Mesquitinha).

Com a idade de dezoito anos, foi para o Rio de Janeiro, com a companhia do Teatro Boa Vista paulistano, aparecendo, em 13 de novembro de 1920, no Teatro Lírico, ao lado de Margarida Max, na revista Pé de Anjo de Cardoso de Menezes e Carlos Bittencourt (cf. Lafayette Silva na sua História do Teatro Brasileiro, Ministério da Educação, 1938). Foi na companhia de Antonio de Souza, no Teatro República, que Olimpio atingiu o estrelato (na revista Eu passo). Depois passou sucessivamente para o Teatro Recreio e para o Teatro Carlos Gomes, nos quais trabalhou ao lado da grande Margarida.

Fazendo o retrospecto das atividades teatrais em 1926, Mario Nunes, no seu insuperável livro, “40 Anos de Teatro”, escreveu este parágrafo: “Mesquitinha é o nome que lhe dão na intimidade teatral mas é, na verdade o ator Olimpio Bastos, hoje figura cômica de maior agrado da Companhia Margarida Max. Possuindo graça espontânea, compondo bem os tipos caricatos, Olimpio Bastos já conseguiu esta coisa definitiva em teatro de revista: a atmosfera de simpatia, o interesse vivo do público, que ri apenas o vê surgir dentre os bastidores”.

Daí para adiante Mesquitinha destacou-se sempre nas inúmeras revistas, operetas ou comédias das quais participou como, por exemplo, Gigolette, Comidas meu Santo!, Me Leva meu Bem, O Mello das Crianças, Amendoim Torrado, Dentro do Brinquedo, Amor sem Dinheiro, Pão de Açucar, Braço de Cera, Sol Nascente, Viva a Paz!, É da Pontinha!, Para Todos…, É da Fuzarca, Paulista de Macaé, Flôr de Sevilha, Cadê as Notas?, Cachorro Quente, As Manhãs do Galeão, Palácio das Águias, Miss Brasil, Pau-Brasil, Brasil do Amor, Malandragem, É do Balacobaco, Manda Quem Pode, Laranja da China, Banco do Brasil, Pátria Amada, Brasil da Gente, Dá Nela, Dá no Couro, Itararé, O Biriba, Ri…de…Palhaço, Pacificação (Mesquitinha de novo com Margarida Max), Não Adianta Você Chorar, Rio-Follies, Brasil da Gente, Linda Morena, Malandragem, Os Saltimbancos, Marquesa de Santos (no papel do Chalaça, que valeu uma verdadeira consagração artística), O Homem do Fraque Preto (no papel de Olimpio, um funcionário público que passou toda a vida na miséria e que, mercê de uma herança, tornou-se um milionário, o tipo do pobre serventuário que o ator mais interpretaria na sua carreira), Garçom de Casamento, Trampolim do Diabo, Alerta, Brasil!, Alvorada do Brasil,  Eu Quero é Movimento, Já Vi Tudo!, Balança mas Não Cai, A Imprensa é Livre, As Urnas Vão Rolar, Eu Quero é me Badalar, Folia no Catete, etc.


Na sua trajetória no teatro de revista os melhores parceiros de Mesquitinha foram os cômicos Augusto Anibal e o argentino Palitos. Foram muito lembrados os tipos magníficos de Camundongo (Mesquitinha) e Ratazana (A. Anibal) em É da Pontinha! e os de Maxambomba (Mesquitinha) e Molambo (Palitos) em É do outro mundo, revistas que tinham à frente do elenco, respectivamente, as maiores estrelas do gênero, Margarida Max e Araci Cortes.

No cinema nacional, Mesquitinha participou de 19 filmes entre 1923 e 1952, exercendo a função de diretor em  João Ninguém / 1936, O Bobo do Rei / 1936,  Está Tudo Aí? / 1938 e Onde Estás Felicidade / 1939.

Por ocasião do falecimento do ator, vitimado por um enfarte do miocárdio em 11 de junho de 1956, após ter escapado milagrosamente de um desastre automobilístico na estrada Rio-Bahia no ano anterior, o cronista Jota Efegê redigiu este obituário: “O efeito humorístico, a graça, resultava fácil e espontaneamente de sua exuberante “vis cômica” sem o recurso ao estapafúrdio, as excentrismo bufo. Suas “ficelles” (obs. manhas do ofício) e a expressividade do relato, a mímica inteligente é que produzia comicidade. Uma das notícias biográficas que a morte de Olimpio Bastos suscitou disse que este ator observava a “escola chapliniana”. Assim como Chaplin estandardiza o “pobre diabo”, fazendo rir com a sua desgraça, a sua miséria, Mesquitinha, na sua constância de funcionário público de vida difícil, seguiu-lhe as pegadas. Aparecia no palco de roupa surrada, olhar vago, humilde e contava as suas desditas, relatava numa queixa terna, compungente, em prosa ou em verso, as suas aperturas, a “ginástica” financeira em que se empenhava para atender os encargos da prole. E o público, ao invés de compadecer, ria a bom rir, tal como acontece quando na tela Carlitos é enxovalhado nas ruas das grandes cidades …”.

OS FILMES

1923

CARNAVAL CANTADO (ou VIVA O CARNAVAL ou CARNAVAL CANTADO DE 1923)

Cia. Prod: Patria Filmes. Prod / Dir / Foto: Carlos Comelli El: Sarah Nobre, Ida Riche, Albertina Rodrigues, Craide Nogueira, Elza Gomes, Alice Egito, Adelaide Teixeira, José Almeida, Carlos Haillot, Arthur Castro, Luis Fortini, Edmundo Silva, Olimpio Bastos.

O Carnaval de 1923 em Porto Alegre com elementos ficcionais humorísticos. Os atores do filme faziam parte do elenco da Companhia Nacional de Revistas e Operetas do Rio de Janeiro.

1933

ALÔ, ALÔ, BRASIL!

Cia. Prod: Waldow / Cinédia. Prod / Ass. Dir: Adhemar Gonzaga. Dir: Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro. Foto: Antonio Medeiros, Luiz de Barros, A. P. Castro, Edgar Brasil, Ramon Garcia, Fausto Muniz. Som: Charles Whalley.  Canções: Cidade maravilhosa de André Filho; Ladrãozinho de Custódio Mesquita com Aurora Miranda; Foi ela de Ary Barroso com Francisco Alves; Rasguei minha fantasia de Lamartine Babo com Mario Reis; Menina internacional de João de Barro e Alberto Ribeiro com Dircinha Batista, Arnaldo Pescuma e o conjunto dos Quatro Diabos; Primavera no Rio de João de Barro com Carmen Miranda, acompanhada ao piano por Muraro; Deixa a lua sossegada de João de Barro e Alberto Ribeiro com Almirante e o Bando da Lua; Garota colossal de Nássara e Ary Barroso com Ary Barroso; Fiquei sabendo de Custódio Mesquita com Elisa Coelho de Almeida e Salada portuguesa de Paulo Barbosa e Vicente Paiva com Manuel Monteiro; Muita gente tem falado de você de Mario Paulo e Arnaldo Pescuma. El: Mesquitinha, Barbosa Junior, Manuelino Teixeira, Afonso Stuart,  Cesar Ladeira, Cordélia Ferreira, Jorge Murad, Orquestra de Simão Boutman (com Ivan Lopes, Mineiro, Cavalo Marinho, Domingos Pececi). Figurantes: Adhemar Gonzaga e Nina Marina.

Comentário na Revista do Exibidor, fev. 1935: “Tratando-se de filme que representa o esforço de uma vontade que deseja fazer cinema, onde os elementos para isso são escassos, devemos aplaudir a iniciativa que é uma demonstração eloquente de que podemos  filmar assuntos nossos e isto desde que tenhamos os elementos necessários…” (apud 50 Anos de Cinédia de Alice Gonzaga, ed. Record, 1987).

NOITES CARIOCAS

Cia. Prod: Uiara Film Prod: Caio Brant. Dir: Henrique Cadicamo. Arg: F. Gianetti

Diál: Jardel Jercolis, Luis Iglésias. Diál. em espanhol: Henrique Cadicamo. Foto: Adam Jacko. Mont / Cenog: Raul de Castro. Ass. Prod: Luis Sapei. Som: Genaro Ciavarra Canções: Mais moches de champagne, (motivo condutor do filme,) de Juan Carlos Cobian com Carlos Vivan; Jardineiro do amor de Custódio Mesquita e Zeca Ivo com Lourdinha Bittencourt; Luar do sertão com os Singing Babies; Conheço um lugar onde se sonha, Hospedaria internacional e Tabuleiro, todas de Custódio Mesquita. Cenas de revista no Teatro João Caetano com as Singing Babies e Franklin Girls. El: Carlos Vivan, Maria Luisa Palomero, Lódia Silva, Carlos Perelli, Mesquitinha, Olavo de Barros, Oscarito, Manoel Vieira, Ana Maria, Carlos Machado, Mendonça Balsemão, Eduardo Arouca, Conceição Machado, De Carambola, Silva Filho, Chaves Florence, Abel Dourado, Lita Prado, Albertina Saikovsa, Henriqueta Romanita, Walter D’Avila, Grande Otelo e girls da Companhia Jardel Jercolis. Figurantes na platéia do João Caetano: Pery Ribas e Montenegro Bentes.

O filme foi produzido com a colaboração de elementos técnicos e artísticos argentinos. Carlos Vivan era muito conhecido no Rio de Janeiro, tendo atuado no Cassino da Urca. Maria Luisa Palomero e Carlos Perelli trabalhavam no cinema argentino. O filme tinha diálogos em português e espanhol com letreiros superpostos explicativos em português. Foi o primeiro filme brasileiro a incluir cenas de revistas com a participação da Companhia Jardel Jercolis (apud 50 Anos de Cinédia).

OS ESTUDANTES

Cia. Prod: Waldow / Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir: Wallace Downey. Arg: Alberto Ribeiro e João de Barro. Foto: Antonio Medeiros e Edgar Brasil. Orquestras: Simão Boutman e Conjunto Regional de Benedito Lacerda. Canções: Sonho de papel de Alberto Ribeiro; E bateu-se a chapa de Assis Valente com Carmen Miranda; Linda Mimi de João de Barro com Mario Reis; Linda Ninon de João de Barro e Cantídio Melo; Onde está o seu carneirinho de Custório Mesquita com Aurora Miranda; Ele ou eu de Alberto Ribeiro com Silvinha Melo, acompanhada pelos irmãos Tapajós; Lalá de Alberto Ribeiro e João de Barro com o Bando da Lua; Assim como o Rio de Almirante com o próprio. Som: Moacyr Fenelon. El: Barbosa Junior, Mesquitinha, Carmen Miranda, Silva Filho, Mario Reis, Jorge Murad, Aurora Miranda, Silvinha Melo, Irmãos Tapajós, Almirante, Hervê Cordovil, Jaime Ferreira, Dulce Weytongh, Nina Marina, Carmen Silva, Bando da Lua e Orquestra 5.

Comédia musical cujo primeiro título foi Folia de Estudantes. Carmen Miranda, no papel de uma cantora de rádio, é cortejada por três estudantes, colegas da mesma universidade que ela cursa, interpretados por Mario Reis, Mesquitinha e Barbosa Jr. Após muitas brigas e confusões entre os rivais, o galã Mario Reis conquista o amor da mocinha e acabam todos numa gloriosa festa de formatura. Como pano de fundo, as festas juninas com boa música popular brasileira.

1936

JOÃO NINGUÉM

Cia. Prod: Sonofilmes / Waldow. Prod: Albert Byington. Prod. Ass: Wallace Downey. Dir: Mesquitinha. Arg: João de Barro e Alberto Ribeiro. Rot / Mont / Cenog: Ruy Costa. Foto: Antonio Medeiros. Som: Moacyr Fenelon. Canções: Sonhos azuis e Cartinha cor-de-rosa de Noel Rosa. El: Mesquitinha, Grande Otelo, Déa Selva, Barbosa Junior, Darcy Cazarré, Paulo Gracindo, Rafael de Almeida, Plácido Ferreira, Antonia Marzullo, Dircinha Batista, Vicente Chagas, Rosita Rocha, Ary Barroso, Cesar Ladeira, Vicente Marchetti, Samuel Rosalves, Carlos Medina, Otelo Costa, Jaime Ferreira, Abel Pera, Arnaldo Coutinho, Mendonça Balsemão, Maria Vidal, Soledade Moreira, Hilda Joaniks, José Pereira, Oliveira Junior, Manoel Teffé, Pintacuda.

Comédia dramática não-carnavalesca contando a história de um compositor popular ingênuo (Mesquitinha), que tem sua música roubada por um amigo. O samba faz grande sucesso ao mesmo tempo em que o vilão rouba-lhe também a namorada. O compositor morre tragicamente. Para causar impacto, criou-se pela primeira vez no Brasil uma sequência de sonho em cores.

Alex Viany escreveu: “Dirigida e interpretada por Mesquitinha e demonstrando inegável influência chapliniana, João Ninguém, além de apresentar uma sequência colorida, tentava conscientemente captar um tipo carioca, o compositor popular irreconheciddo, e outros aspectos da vida no Rio de Janeiro”.

O BOBO DO REI

Cia. Prod: Sonofilmes. Prod: Alberto Byington. Prod. Ass: Wallace Downey. Dir: Mesquitinha, Moacyr Fenelon, Luiz de Barros. Rot: Joracy Camargo bas. sua peça. Foto: Manoel Ribeiro. Op. Câmera: Adam Jacko, Antonio Medeiros. Som: Moacyr Fenelon. Mús: Ary Barroso, Lamartine Babo, Canções: Amar até morrer, Maria, Confissão de Amor, Rancho Fundo, Mentira de Amor, No Tabuleiro da Baiana. Intérprete: Dircinha Batista. El: Mesquitinha, Déa Selva, Augusto Henriques, Conchita de Moraes, Manoel Pera, Wanda Marchetti, Nilza Magrassi, Batista Junior, Roque da Cunha, Elvira Pagã, Rosina Pagã, Emilia Pera, Brandão Filho, José Policena, Older Cazarré, Vicente Marchetti.

Um rico usineiro (Manoel Pera), viúvo, vive na companhia de seu único filho e sofre de melancolia. Procura então entretenimento na figura de um cretino qualquer que se queira prestar a isso. Entre os candidatos que seu secretario apresenta para preencher o lugar, um tal de “Pinguim” (Mesquitinha) agrada plenamente o milionário. Como “bobo” do rei do açúcar,  ele  engendra grandes transformações no lar do milionário excêntrico. Salvyano Cavalcanti de Paiva (História Ilustrada dos Filmes Brasileiros 1929-1988,  Francisco Alves, 1989) sentenciou: “Alta comédia recebida com menos  entusiasmo do que merecia”.

1938

BOMBONZINHO  ***

Cia. Prod: Sonofilmes. Prod: Alberto Byington. Arg. / Dir: Joracy Camargo bas. peça Viriato Correa. Foto: Manoel Ribeiro. Op. Câmera: Francisco de Almeida Fleming. Canções: Fon-Fon, Tralalá e Ciúme sem razão de Alberto Ribeiro e João de Barro. El: Oscarito, Conchita de Moraes, Palmerim Silva, Lu Marival, Augusto Henriques, Nilza Magrassi, Thamar Moema, Batista Junior, Custódio Mesquita, Maria Grillo, Francisco Moreno, Ana de Alencar.

*** (Todos os pesquisadores que publicaram a filmografia de Mesquitinha em livro, colocam-no como Diretor e / ou Ator e muitos apontam Joracy Camargo como autor da peça no qual o filme se baseia. Joracy Camargo nunca escreveu uma peça intitulada Bombonzinho mas sim Viriato Correa. Mesquitinha não participou do filme nem como diretor nem como ator conforme Cinearte de 5/11/1937, pg. 5 (Estréias na Cinelândia) e o anúncio em anexo. Incluí este titulo na filmografia apenas para esclarecer os erros que foram cometidos. O primeiro engano foi cometido por Alex Viany que, no seu livro pioneiro, Introdução ao Cinema Brasileiro, Ministério de Educação e Cultura, 1959, pg.189 colocou Mesquitinha como sendo o diretor do filme. Os autores dos livros posteriores, provavelmente confiando na informação do grande crítico, cineasta e estudioso do cinema, repetiram o erro. Já quanto à participação de Mesquitinha como ator, não tenho idéia de onde este dado surgiu, porque nem o Alex o mencionou no seu verbete sobre Bombonzinho.

TERERÉ NÃO RESOLVE

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir / Mont: Luiz de Barros. Rot: Luiz de Barros baseado em No carnaval é assim de Bandeira Duarte. Foto: A. P. Castro. Mús: Ercole Vareto. Canção: Seu condutor de Herivelto Martins com Alvarenga e Ranchinho. Dir. Arte: Hippolito Collomb. Som: Hélio Barrozo Netto. El: Mesquitinha, Maria Amaro, Oscar Soares, Lygia Sarmento, Carlos Barbosa, Zizinha Macedo, Arnaldo Coutinho, Ana de Alencar, Ivan Villar, Carlos Ruel, Morais Cardoso., Orquestra do Cassino da Urca. Figurantes: dançando no baile: Procópio  Ferreira, Paulo Gracindo e Heloisa Helena.

A Cinédia acabara de filmar Samba da Vida e, como tinha os artistas contratados por mês, aproveitou para fazer um filme relâmpago, em sete dias. Assim surgiu esta comédia vaudeville, passada durante o Carnaval. Dois casais (Mesquitinha, Maria Amaro, Rodolpho Mayer, Ligia Sarmento), um residindo no Rio, o outro récem-chegado para passar o tríduo momesco. As mulheres apostam que todos os maridos são infiéis. Um tio leva as damas para ver os préstitos carnavalescos enquanto os maridos vão ao Baile das Atrizes no Teatro João Caetano fantasiados de dominó, com máscaras. Elas, também vestidas de dominó, vão no mesmo baile.  Mas uma criadinha previne os maridos, que entram na brincadeira, fingindo cada um namorar a mulher do outro. Salvyano Cavalcanti de Paiva observou: “Já era a chanchada a pleno vapor”.

MARIDINHO DE LUXO

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir / Mont: Luiz de Barros. Rot: Luiz de Barros bas. peça Compra-se um marido de José Wanderley. Foto: A. (Afrodísio) P. Castro. Som: Hélio Barrozo Netto. Dir. Arte: Luiz de Barros. Cenog: Alcebíades Monteiro, Alceu Rodrigues. Bailados: Vallery Oiser. Orquestração: Joaquim Correa Rondon, Ernani Amorim. Canções: Cangaceiro chegou de Alberto Ribeiro e L. Teixeira com Linda Batista. Cândido Botelho interpreta outras canções. El: Mesquitinha, Maria Amaro, Oscar Soares, Maria Lino, Bandeira Duarte, Ana de Alencar, Lúcia Lamour, Arnaldo Coutinho, Rodolpho Mayer, Carlos Ruel, Carlos Barbosa, Augusto Anibal, Fada Santoro, Maria Lisboa, Manoelino Teixeira, Julio Penha.

No enredo, Partricia, moça rica e caprichosa (Maria Amaro), filha do Sr. Vastro (Oscar Soares), um comendador, “compra” um maridinho de luxo, só para causar inveja às amigas. Aparece Marcos, um boa-vida (Mesquitinha), que aceita as condições. Porém ele acaba se revoltando contra a sua situação. A meu ver, trata-se de uma agradável comédia de costumes, julgada com demasiada severidade pelos críticos. Num raro momento na sua carreira cinematográfica, Mesquitinha canta Toda mulher é sedução.

ESTÁ TUDO AÍ!

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir: Mesquitinha. Ass. Dir: Carlos Barbosa. Rot: Mesquitinha e Marques Porto bas. peça Ri…de…palhaço de Paulo Orlando e Marques Porto. Orlando. Foto: A. P. Castro. Som: Hélio Barrozo Netto. Mús: Augusto Vasseur. Canções: Boneca de pixe de Ary Barroso com Déa Maia e Apollo Correia. El: Figurinos: Iracema Gomes Marques. Mesquitinha, Manoel Pera, Violeta Ferraz, Alma Flora, Nilza Magrassi, Paulo Gracindo, Oscarito, Apolo Correia, Déo Maia, Rodolpho Mayer, Abel Pera, Virginia Lane, Grijó Sobrinho, Abel Pera, Maria Amaro, Oscar Soares, Luiza Nazareth, Manoel Rocha, Sanny Castro, Zizinha Macedo, Nina Consuelo.

O filme apresenta conhecidos tipos da vida carioca às vésperas do Carnaval. Generoso (Mesquitinha), um chefe de família, ao contrário do seu pessoal, detesta carnaval mas necessitando de dinheiro, aceita as imposições do português Bragança (Manoel Pera), para entrar no cordão do seu clube e cair na farra. Daí por diante, não quer outra vida. Entre dois cômicos de grande prestígio, Mesquitinha e Oscarito, Apolo Correia, como o Trampolim, teve boa oportunidade de demonstrar seu talento.

1939

PEGA LADRÃO

Cia. Prod: Sonofilmes. Prod: Alberto Byington. Dir / Rot / Cenog: Ruy Costa. Foto: Manoel Ribeiro. Som: Moacyr Fenelon. El: Mesquitinha, Lídia Matos, Heloisa Helena, Grande Otelo, Manoel Pera, Armando Louzada, Jorge Murad, Manezinho Araujo, Nair Alves, Paulo Ferraz.

Um velhote fanático por romances policiais (Mesquitinha), mora numa pensão cuja dona se insinua para um ladrão sem importância conhecido como Engole Jóias (Manoel Pera). O velhote banca o sherloque, sem se dar conta de que o larápio está ali mesmo sob o seu nariz. Carlos de Alencar manifestou-se assim a respeito do filme em Cena Muda de 21/7/1942, pg. 6: “No que concerne às comédias, estamos absolutamente certos de que conseguímos situação bem interessante, conquistada com a colaboração de nossos melhores artistas cômicos do teatro. Basta que relembremos Pega Ladrão, que nos deu a atuação maravilhosa de Mesquitinha … “

ONDE ESTÁS FELICIDADE?

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir / Mont: Mesquitinha. Ass. Dir: Arnaldo Coutinho. Rot: Mesquitinha bas. peça homônima Luis Iglésias. Som: Hélio Barrozo Neto. Foto: A. P. Castro. El: Rodolpho Mayer, Alma Flora, Oscar Soares, Nilza Magrassi, Luiza Nazareth, Carlos Barbosa, Mesquitinha, Grande Otelo, Paulo Gracindo, Wanda Marchetti, Dircinha Batista, Lourdes Mayer, Henriqueta Romanita Cardona, Pola Stuart, Sanny Castro, Ghyta Yamblousky, Ana de Alencar, Abel Pera. Participações: Manoel Pera,  Armando Braga, Fialho D’Almeida, Oscar Cardona, Alvaro Augusto. Mús: Radamés Gnatalli, Luciano Perrone executadas pela orquestra da Rádio Nacional. Canção: Onde estás felicidade? cantada por Alma Flora com a voz de Sônia Barreto.

Num subúrbio do Rio de Janeiro, Noêmia, a esposa fútil e autoritária (Alma Flora) de Paulo, um engenheiro (Rodolpho Mayer), administrador de uma fábrica, canta na rádio. O rapaz é amado em segredo por uma amiga de infância, Fernandinha (Nilza Magrassi). Quando ele se torna gerente da fábrica, instigado pela mulher ambiciosa, consente em se mudar para um palacete em Copacabana. A vida do engenheiro muda, ele sabe que a mulher o trai e ele mesmo tem um caso com uma amiga da esposa. Por isso volta para o subúrbio, mas continua sem consumar o seu amor pela amiga de infância, que sofre. A mulher, farta dos cassinos, da radio e da falsidade do ambiente  da alta burguesia, regressa também para o subúrbio e  o marido na véspera das festas de fim de ano. Segundo Salvyano Cavalcanti de Paiva, o filme foi saudado pela crítica da época como uma alta comédia bela e emotiva, explorando a psicologia feminina com razoável profundidade. Entretanto, o critico de O Globo, Pinheiro de Lemos, colocou o “bonequinho” saindo do cinema, considerando que, no filme que Mesquitinha fez para a Cinédia, a escravidão do teatro é tamanha, que ninguém se espantaria se visse, no limite interior de cada set, a caixa de ponto”.

SAMBA EM BERLIM

Cia. Prod: Cinédia. Prod /Arg: Adhemar Gonzaga. Dir / Mont: Luiz de Barros. Rot/ Cenog: Adhemar Gonzaga, Luiz de Barros. Foto: A. P. Castro, George Fanto. Op. Câmera: George Dusek. Som: Luiz Braga Junior. Canções: Vatapá de Dorival Caymi com Os Trigêmeos Vocalistas; Passou a não falar com Os Anjos do Inferno; Conceição de Herivelto Martins com Linda Batista e Escola de Samba; Nós as mulheres de Jararaca e Jorge Murad com Jararaca e Ratinho; Ela de Herivelto Martins e Príncipe Pretinho com Francisco Alves; China pau de Alberto Ribeiro e João de Barro com Luizinha Carvalho; Danúbio azulou de Nássara e Frazão com Viriginia Lane; Você sabe, moço com Zilda Fonseca; Lenda do Abaeté de Dorival Caymi com Trio de Ouro; Baianinha de Castro Barbosa com Alice Vianna imitando Carmen Miranda; Lua e Não me aguento não de Assis Valente com Stella Gil e Leo Albano. El: Mesquitinha, Laura Suarez, Dercy Gonçalves, Leo Albano, Brandão Filho, Manoel Rocha, Grande Otelo, Jesus Ruas, Ziembinski, Grijó Sobrinho, Mathilde Costa, Tulio Berti, Catalano,  Carlos Barbosa, Pedro Dias, Abel Pera, Milton Marinho, Ubi Vianna, João Baldy, Fialho D’Almeida, J. Silveira, Benito Rodrigues, Geraldo Freire, Paulo Gomes, José Garcia, Jorge Vianna, Lydia de Souza, Florisa Rios, Eunice Lopes, Antonieta Martinez, Edna França, A. Correa de Melo, Alvarenga e Ranchinho, José Gama, Silvino Neto.

Dois caipiras, interpretados por Mesquitinha e Brandão Filho,  vêm para o Rio de Janeiro atrás de uma moça, que os enganara, enviando- lhes, como se fosse sua, a foto de uma artista. A moça de quem a foto fora enviada é Leda Lea (Laura Suarez), noiva de um ricaço, Carneiro Leão (Manoel Rocha) mas apaixonada por um pracinha (Leo Albano). Conforme informou Sergio Augusto em Este Mundo é um Pandeiro (Companhia das Letras, 1989), “a crítica malhou o filme mas a Cinédia não teve como dobrar o número de cópias necessárias para atender à demanda do público, que se ligou na fita por vários motivos. Um deles era a presença do cômico radiofônico Silvino Neto, estreando no cinema com o seu personagem de maior audiência, o Pimpinela. Outro: suas gozações ao nazi-fascismo. Hitler recebia farpas de Alvarenga e Ranchinho enquanto Chiang Kai Chek, então visto como um herói sem mácula da resistência chinesa, despontava na última estrofe da marcha China pau de Braguinha e Alberto Ribeiro”. Por curiosidade, outra marcha que também brincava com a guerra, O Danúbio azulou, foi cortada pela censura do Estado Novo, pois a cenografia apresentava uma pintura de Stalin dentro de um barco.

É PROIBIDO SONHAR

Cia. Prod: Atlântida. Dir: Moacyr Fenelon. Arg / Rot: Ruy Costa. Foto: Edgar Brasil. Mont: Waldemar Noya, Moacyr Fenelon. Cenog: José Carlos Burle. Mús: Lirio Panicalli. Som: Cesar Abreu. El: Mesquitinha, Nilza Magrassi, Lourdinha Bittencourt, Mario Brasini, Yeda Fenelon, José Carlos Burle, Grace Moema, Déa Leal, Oswaldo Louzada, Armando Louzada, Edmundo Lopes, Oswaldo Loureiro, Sandro Polônio, João Martins, Teixeira Pinto, Consuelo Flores, As Três Marias (Marilia Batista, Bidu Reis, Regina Celia).

Moça de condição social modesta (Nilza Magrassi), récem-formada em canto, conhece um rapaz (Mario Brasini), vítima de um parente que se apossara de seus haveres. Após alguns incidentes, o pai da cantora, Seu Acácio (Mesquitinha), modesto negociante de objetos usados, concorre para que o jovem reconquiste a herança e se case com a sua filha. Segundo Salvyano, “técnica e artisticamente promissor, o filme conquistou as platéias”. Transcrevo dois trechos do comentário do responsável pela “Cotação da Semana” da Cena Muda (22/1/1944): “… história pela qual o espectador se interessa, realização cinematográfica razoável e uma interpretação digna de elogios … Mesquitinha é um elemento consagrado de nossa cinematografia e uma figura bem interessante sempre correto em seus trabalhos”.

1944

ROMANCE DE UM MORDEDOR

Cia. Prod: Atlântida. Dir: José Carlos Burle. Ass. Dir: Roberto Machado. Rot: José Carlos Burle, Galeão Coutinho bas. romance Vovó Morungaba de Galeão Coutinho. Foto: Edgar Brasil. Som: Jorge Coutinho. Mont: Waldemar Noya, José Carlos Burle. El: Mesquitinha, Maria Batista, Modesto de Souza, Sarah Nobre, Manoel Pera, Henriqueta Brieba, Carlos Melo, Estelinha, Iris Belmonte, Graça Melo, Gerdal dos Santos, Abel Pera, Armando Ferreira, Sandro Polônio, Rocyr Silveira, Diamantina Santos, Teixeira Pinto, Jorge Diniz, Natalia Ney, Domingos Martins, Ferreira Lima, Antonio de Cordoba, Mariquita Flores, Emilinha Borba, Wilson Musco.

Barramansa (Mesquitinha) e Mata Sete (Modesto de Souza) são dois malandros que vivem de expediente. Num de seus golpes, vendem a rifa de um cachorro, que roubaram de uma madame, anunciando-o como um legítimo Lulú da Pomerânia. Venderam tantos bilhetes quantos compradores apareceram embora para isso tivessem de emitir quatro, cinco e mais cartões com o mesmo número. E, para a coisa não estourar, eles adiavam a extração da rifa de um dia para outro, mediante o clássico aviso nos jornais. O crítico Pedro Lima (entre outros)  não gostou: “Que vemos em Romance de um Perdedor”? Uma história  mal escolhida, artistas falhos, sem direção, sem maquiagem, sem tomar conhecimento da técnica de cinema” (apud José Carlos Burle – Drama na Chanchada de Máximo Barro, Coleção Aplaudo, Imprensa Oficial de São Paulo, 2007. pg.128).

1945

CEM GAROTAS E UM CAPOTE

Cia. Prod: Milton Rodrigues. Prod: Vital Ramos de Castro.  Dir: Milton Rodrigues  (sob o pseudônimo de M. Falcão). Rot: Milton Rodrigues bas. conto O Homem e o capote de Anibal Machado. Foto: George Dusek. Op. Câmera: Jofre Magdaleni. Mont: George Dusek. Dir. Arte: Oswaldo Mota. Som: Tommy Olenewa. Mús: Lirio Panicalli. Canções: Babalu, Dança do Apache, Can Can, O Guarani (de Carlos Gomes), Frevo, Tico-Tico no Fubá (de Zequinha de Abreu).

El: Mesquitinha, Catalano, Sally Loretti, Modesto de Souza, Grijó Sobrinho, America Cabral, Mary Gonçalves, Haydée Marcondes, Olivinha Carvalho, Jaime Moreira Filho, Antonio Barros, Arthur Costa,  Waldemar Rodrigues, Balé Yuco Lindberg, Benedito Lacerda e seu conjunto, Sereia Negra.

O comentarista da Cena Muda (28/5/1946, pg. 32) fez graves restrições ao filme: “Película apressada, com algumas qualidades, que não poderemos deixar de apontar, e uma infinidade de defeitos … É inaceitável e banal aquela história do empresário que vai buscar em cidades do interior bailarinas mocinhas com más intenções. O resenhista foi impiedoso com relação à atriz principal: “Especialmente quando a bailarina mediocrizinha como é a jovem Sally Loretti, que tem muito que aprender e precisa especialmente perder peso”. A dupla de Romance de um Mordedor está de volta: Mesquitinha como Zefinho dos Santos e Modesto de Souza como Amigo da Onça.

1946

SEGURA ESTA MULHER

Cia. Prod: Atlântida. Dir / Rot: Watson Macedo. Ass. Dir: Roberto Machado. Arg: Helio do Soveral. Foto: Edgar Brasil. Op. Câmera: Roberto Mirilli. Cenog: José Cajado Filho. Som: Jorge Coutinho. Mont: Waldemar Noya. Canções: Carnaval do passado de Lamartine Babo com Orlando Silva; Carnaval no morro e Deus me perdoe de Lauro Maia e Humberto Teixeira; Hilda de Wilson Batista e Haroldo Lobo com Jorge Veiga; Sou eu quem dou as ordens de Heitor dos Prazeres com Aracy de Almeida; Barnabé de Bob Nelson e Vitor Simon com Bob Nelson, Adelaide e Afonso Chiozzo, Espanhola de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo com Nelson Gonçalves; Laura de David Raksin e Johnny Mercer com os Brazilian Rascals; Maxixe acrobático com Colé Santana e Celeste Aida; Mulata com Joel e Gaucho; O Cordão dos puxa-sacos de Roberto Martins e Frazão com os Anjos do Inferno; Trabalhar, eu não com Almeidinha e os Quatro Azes e um Coringa. El: Colé Santana, Mesquitinha, Grande Otelo, Catalano, Marion, Hortência Santos, Arlindo Costa, Cesar Fronzi, Egon Delmonte João Fernandes, Roque da Cunha, Madame Lou, Aurea Rios, Marta Rissova, Celeste Aida, Grace Moema, Luiza Galvão, Alvarenga e Ranchinho, Yvette Garrido, Balé Yuco Lindberg, Léo Vilar, Moacir Ferreira Diniz.

O comentarista da Cena Muda (5/3/1946, pg. 14,15,31) achou que o filme tinha algumas qualidades de agrado e este agrado derivava mais de alguns números especiais do que mesmo de sua história. Esses números eram, segundo ele, os de Mesquitinha com o seu maestro Sinfonia, já popularizado nos cassinos, e o de Alvarenga e Ranchinho, que executavam uma  laparatomia surrealista, retirando da barriga do paciente os objetos mais estranhos. Elogiou também uma sátira às novelas de rádio e à maneira pela qual foram adaptados alguns gags dos filmes americanos como aquele em que Arlindo Costa falava com voz de mulher e Aurea Rios com voz de homem. Para o crítico, faltou um pouco de medida na parte musical, pois houve a preocupação de “meter músicas e mais músicas, empanturrando-a de sambas, marchas e frevos” e capacidade técnica na parte visual, marcada pela imobilidade da câmera e pela deficiência dos planos próximos.

1947

ESTA É FINA

Prod: Victor de Barros, Mario Falaschi (filmado nos estúdios da Cinédia). Dir / Rot / Mont / Cenog: Luiz de Barros. Dir. De 5 números musicais: Moacyr Fenelon. Arg: Gita de Barros bas. peça Folies Bergères de Rudolph Lother e Hans Adler. Foto: Antonio Gonçalves. Op. Câmera: Carlos Felten, Roberto Mirilli. Som: Tommy Olenewa. Canções: Baiana  escandalosa com Dircinha Batista; Enlouquecí com Linda Batista; Falta um zero no meu ordenado com Francisco Alves; Gabriela com Marlene; Minueto com o Trio de Ouro; Não me digas adeus com Aracy de Almeida; Quatro prá agarrar o homem com Nuno Roland; Princesa de Bagdad com Nelson Gonçalves; É com esse que eu vou com 4 Azes e um Coringa; A mulata é a tal com Joel e Gaucho. El: Mesquitinha, Claudio Nonelli, Olivinha Carvalho, Manoel Vieira, Badu, Augusto Anibal, Hortência Santos, Silva Filho, Carlos Cotrim, Telmo Faria, Jaime Faria Rocha, Silva Filho.

Típico filme musical carnavalesco no qual dois indivíduos sem dinheiro se vêem instalados num hotel de luxo em Copacabana usufruindo de toda a mordomia. Um deles se apaixona por uma jovem sem ser correspondido. As coisas se complicam para os vigaristas mas o final é feliz.

1949

ESTÁ COM TUDO!

Cia. Prod: Castelo Filmes (filmado no estúdio da Brasil Vita Filmes). Prod: Conceição  e Oscar Oliveira. Dir / Cenog. / Mont: Luiz de Barros. Rot: Luiz de Barros bas. peça A Cura do Amor de Mario Lago, José Wanderley e Daniel Rocha. Ass. Dir: Alberto Dines. Foto: Antonio Gonçalves. Op. Câmera; Ubirajara Viana. Mús: José Toledo. Som: Alberto Viana. El: Mesquitinha, Mary Gonçalves, Ronaldo Lupo, Jorge Murad, Cesar de Alencar, Marly Sorel, Oswaldo Elias, Zizinha Macedo, Manoel Vieira, Walter Sequeira, Manezinho Araujo, Silva Filho, Zé Bacurau, Carlos Tovar, Anilza Leone, Aurelina Lisboa, Altemar Matos, Antonio Nobre, Barbosa Junior, Cora Costa, Ester Souza, De Carambola, Grijó Sobrinho, Jesus Ruas, Natara Ney, Dirce Belmonte, Jimmy Lester, Lopes e Glória, Ruy Rey e sua orquestra,  Dircinha Batista, Virginia Lane, Linda Batista Trio de Ouro, Carmelia Alves, Jorge Veiga, Bill Farr, Pato Preto, 4 Azes e um Coringa.

Livio Dantas na Seção “Telas da Cidade” na Cena Muda (11/2/1953, pgs. 8 e 34) arrazou com o filme (e vamos citar apenas a parte menos implacável do texto)  nestes termos: “A impressão é de que estamos vivendo em plenos idos de 1935-36-37 quando os famigerados “Alôs” não se impunham a público de nenhum nível nem mesmo às pessoas que na feitura deles tomavam parte. Pois, com a diferença a mais de vinte anos, Está com Tudo não avançou um milímetro sequer na categoria dos tais “Alôs” de trágica memória”.

1952

SIMÃO, O CAOLHO

Cia. Prod: Maristela. Prod: Alfredo Palácios. Dir / Rot: Alberto Cavalcanti. Adapt. : Miroel Silveira, Oswaldo Moles do romance de Galeão Coutinho. Ass. Dir: Isaac Olitcher, Osvaldo Katalian, Roberto Perchiavalli. Foto: Ferenc Fekete. Op. Câmera; Guelfo Martini. Des. Prod: Ricardo Sievers, Francisco Balduino. Mont: Jose Canizares. Mús: Souza Lima. Som: Jacques Lesgards. Ass. Som: Tommy Plenewa. El: Mesquitinha, Raquel Martins, Yara Aguiar, Carlos Araujo, Sonia Coelho, Claudio Barsotti, Oswaldo de Barros, Carmen Torres, Eg;e Bueno, Isaura Bruno, Nair Bello, Osmano Cardoso, Mauricio de Barros, José Pazzolli, Juvenal da Silva, Carlos Tovar, Mario Giorotti, Edayr Badaró, Borges de Barros, Armando Peixoto, Henrique Fernandes, José Rubens, Gessy Fonseca, Maria Amelia, Wilson Viana, Orquestra Raul de Barros.

Simão (Mesquitinha) é um corretor de negócios caolho que vive na cidade de São Paulo nos anos 30. Sempre acompanhado de sua esposa Marcolina (Raquel Martins) e de amigos turbulentos, ele espera por um lance de sorte. Até que um inventor maluco lhe proporciona um olho artificial, que lhe permite ficar invisível. Simão enriquece e se candidata a Presidente da República. Mas tudo não passou de um sonho. Vinicius de Moraes  saudou Alberto Cavalcanti pelo seu primeiro trabalho de direção no Brasil, redigindo este texto inspirado: “A sua classe como diretor está presente em tudo o que constitui “cinema” na película: movimentação das cenas no ambiente familiar, o teor geral da ação, a articulação cinematográfica do cenário. Eu pessoalmente acho a história fraca e a atuação de Mesquitinha entrava pelos seus muitos tiques teatrais. Mas, a parte diretorial propriamente dita é viva e autêntica. Pela primeira vez no Brasil, dentro do difícil terreno do “popular”, um filme despido do cafajestimo típico do cinema brasileiro. De resto, as palavras “Cavalcanti” e “cafajeste” são antípodas, e só quem não conhece esse homem perceptivo, delicado, intransigente e bom pode dizer mal dele. Simão, o caolho é Brasil. Esta é para mim a sua melhor qualidade. Não Brasil, meu Brasil brasileiro, mas Brasil a Mario de Andrade, Brasil a Marques Rebelo, Brasil a Noel Rosa”.

Agradecimentos:

Biblioteca Cedoc / Funarte: Márcia Claudia Figueiredo

Biblioteca Jenny Klabin Segall: Paulo Simões de Almeida Pina, Cibele Velloso

O CINEMA DE DAVID LEAN

maio 16, 2011

Representante de uma geração de classicistas – da qual também fizeram parte William Wyler, George Stevens e Fred Zinnemann – Sir David Lean pode ser considerado o supra-sumo de todos os profissionais de Cinema.

Dotado de notável intuição fílmica e delicadeza de sentimentos, ele era um inspirado contador de histórias, de temperamento romântico, que adornava seus filmes com requinte visual e perfeição técnica, imprimindo-lhes o sopro artístico.

Por causa de seu perfeccionismo, realizou apenas 16 filmes e logrou o respeito e a admiração dos seus pares e do público. Fazendo Cinema nos moldes tradicionais (“Gosto de uma boa história , bem consistente, com começo, meio e fim. A maioria dos filmes novos parecem diários. Não têm construção dramática. E devo dizer que gosto de uma boa construção dramática. Gosto de me emocionar quando vou ao cinema”) com afinco (“Se você quiser ser diretor, tem que ter espírito prático. É trabalho árduo , como o de um carpinteiro e quando termino um filme, estou absolutamente exausto”) e humildade (“Só agora comecei a ter a ousadia de pensar que tenho algo de artista”), Lean construiu uma carreira modelar marcada por uma inflexível busca de qualidade.

David Lean nasceu em Croydon, Surrey, Inglaterra a 25 de março de 1908, filho de Francis Williams Le Blount Lean e Helena Annie Tangye e foi educado  numa rígida disciplina quaker na Leighton Park School, perto de Reading. Após um currículo escolar sem grandes méritos, abandonou os estudos, indo trabalhar com aprendiz do pai, contador juramentado; mas achou o ofício insuportável. Sempre que podia, refugiava-se no cinema local, onde se entusiasmava com os filmes silenciosos americanos, impressionando-se fortemente com Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1921 e Mare Nostrum / 1926, ambos de Rex Ingram, diretor que admirava.

Em 1927, aos 19 anos, candidatou-se a um emprego nos estúdios Gainsborough, sendo contratado  por um período de experiência, sem receber salário. Um de seus primeiros  encargos foi o de segurar a claquete (primeira intervenção em Quinneys de Maurice Elvey), passando sucessivamente  a assistente de câmera e 3º assistente de direção. Lean queria aprender tudo e começou a assistir ao trabalho na sala de montagem. Ele aprendeu muito com o chefe do departamento de montagem, o americano Merrill White, que havia sido montador de Ernst Lubitsch em Hollywood.

Em 1930, Lean foi nomeado montador-chefe da Gaumont Sound News, transferindo-se, no início de 1931, para a British Movietone News. Nos meados da década voltou aos filmes de ficção e, depois de participar de algumas produções modestas e de três filmes bastante populares estrelados por Elizabeth Bergner  – Contudo és Meu / Escape Me Never / 1935, Como Gostais / As You Like It / 1936 e Lábios Pecadores / Dreaming Lips / 1937, todos dirigidos por Paul Czinner -, havia se tornado o montador mais bem pago da Inglaterra.

Sua reputação subiu ainda mais em 1938, quando funcionou em Pigmalião / Pigmalion do húngaro Gabriel Pascal, baseado na peça de Bernard Shaw e co-dirigido por Anthony Asquith e Leslie Howard. Um ano depois, esteve de novo com Asquith em Caçador de Corações / French Without Tears, adaptação da comédia de Terence Rattigan, e, subsequentemente, montou importantes filmes britânicos dos anos 40 como Major Barbara / Major Barbara / 1941, Invasão de Bárbaros / The 49th Parallel / 1942 e Um Avião Não Regressou / One of Our Aircraft is Missing / 1942. No começo da guerra, fez amizade com Ronald Neame, o fotógrafo de Major Barbara, em quem encontrou grande afinidade. “Nós acreditávamos que a câmera poderia conduzir a atenção dos espectadores para onde quisesse. Usávamos, Neame e eu,  a mesma linguagem, comum ao montador e ao cameraman”.

Lean recebeu várias propostas para dirigir filmes, todo eles “quota quickies”. Este foi o caminho que Michael Powell havia seguido e ele chegou ao topo rapidamente. Porém Lean rejeitou-os, temendo que a participação em filmes inferiores prejudicasse a sua carreira.

A oportunidade de dirigir surgiu, quando o produtor criativo Filippe Del Giudice persuadiu o consagrado teatrólogo das comédias sofisticadas e revistas musicais borbulhantes, Noel Coward, a realizar um filme para a sua companhia, Two Cities.

Coward escolheu Ronald Neame para diretor de fotografia e, por sugestão do produtor-associado, Anthony Havelock-Allan, entregou a David Lean – o melhor técnico que havia no cinema inglês – o cargo de diretor-associado.

A produção intitulou-se Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve / 1942 e narrava, em estilo semi-documentário, tom patriótico e com pano de fundo social, a história de um destróier da Marinha Britânica, o “H. M. S. Torrin”, desde a sua construção até seu torpedeamento durante a Segunda Guerra Mundial, e dos homens que nele serviam. O relato começava pelo afundamento do navio e então se concentrava  em três membros da tripulação – o Capitão Kinross (Noel Coward), o Imediato Walter Hardy (Bernard Miles) e um marujo, Shorty Blake (John Mills) -, quando eles se agarravam aos destroços no mar cheio de óleo e recordavam em retrospecto suas vidas a bordo, suas esposas (Celia Johnson, Joyce Carey e Kay Walsh) e familiares em Plymouth.

Com pouca vivência cinematográfica, Coward produziu, escreveu (reservando para si mesmo vários discursos emocionantes dirigidos à tripulação), interpretou e compôs a música do filme. Na elaboração do argumento, inspirou-se nas experiências pessoais do amigo Lord Mountbatten (o incidente envolvendo o marinheiro tomado de pânico – Richard Attenborough em sua primeira intervenção na tela, não creditado – foi extraído de um fato real presenciado por Mountbatten) e na folha de serviços do “H. M. S. Kelly”, embarcação realmente naufragada na Batalha de Creta.

Lean dirigiu a maior parte das cenas (sobressaindo a sequência da retirada de Dunquerque, rodada com a assistência do operador de câmera Guy Green na segunda unidade) e também montou magnificamente o filme embora nos créditos apareça apenas o nome de sua assistente, Thelma Myers. A abertura,  mostrando num tratamento documentário a construção e o lançamento do “Torrin” foi filmada por Anthony Havellock-Allan e Ronald Neame no Hawthorne-Leslie Yard em Newscastle. A voz do narrador que se ouve no início e no fim do filme é de Leslie Howard.

Nosso Barco, Nossa Alma concorreu ao Oscar nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Original e recebeu um certificado especial da Academia “por sua notável produção”. Na Inglaterra, foi considerado o filme mais popular do ano e o Monthly Film Bulletin aclamou-o o “melhor drama de guerra produzido até então”.

O cineasta russo, Vsevolod Pudovkin, assim se manifestou: “É um trabalho esplêndido, irresistível, com sua bem estudada sinceridade. Um de meus camaradas achou-o profundamente nacional e concordo com ele. O filme é totalmente inglês. A gente pode ver a face da verdadeira Inglaterra nele”.

O segundo filme nascido da colaboração Coward / Neame / Lean / Havelock-Allan, This Happy Breed / 1944 (título oriundo de uma fala do personagem John of Gaunt em Richard II de Shakepeare) baseado na peça de Coward (autor também do roteiro e da música), marcou o início das atividades de uma nova produtora independente, a Cineguild, formada pelos quatro, e foi totalmente dirigido por Lean.

O enredo mostrava, através de vinhetas episódicas, o cotidiano num lar suburbano em Clapham entre as duas guerras, contrastado com os acontecimentos mundiais nesse período de tempo (entre eles uma greve geral e a abdicação de um rei). Era uma propaganda do estoicismo, do temperamento e do poder de recuperação do povo inglês, cobrindo várias décadas de uma família inglesa comum.

Lean já empregava neste filme um de seus artifícios prediletos, o  de “vazar” uma cena na outra – uma nova cena começava antes que a anterior tivesse desaparecido completamente. Ele especialmente usava o som para antecipar a próxima cena, mantendo o espectador num estado constante de expectativa.

O filme começava em 1919 com o plano geral dos telhados cinzentos de Londres e, em seguida, tendo como fundo sonoro a narração de Laurence Olivier, a câmera penetrava lentamente pela janela de uma casa, focalizando o instante em que os Gibbons (marido, mulher, três filhos adolescentes, a mãe viúva da mulher e a irmã solteirona do marido) estavam se instalando; vinte anos depois, a câmera saía pela mesma janela, quando a família deixava o local para nova residência.

Crônica familiar com acuradas observações sobre o modo de vida da classe média baixa inglesa, fotografada por Neame em Technicolor reticente e de tonalidade realista, e controlada com firmeza por Lean, evitando o sentimentalismo e o clima de teatro filmado, o filme foi um dos maiores êxitos de bilheteria na Inglaterra em 1944.

No elenco, interpretações calorosas, destacando-se Robert Newton / Frank Gibbons, Celia Johnson / Ethel Gibbons, Kay Walsh / Queenie Gibbons, John Mills / Billy Mitchell, namorado de Queenie e Stanley Holloway / Bob Mitchell.

A produção seguinte da Cineguild, Uma Mulher do Outro Mundo / Blithe Spirit / 1945, era a versão da peça de Coward sobre um romancista cínico, Charles Condomine (Rex Harrison) que, a fim de escrever um livro sobre espiritismo, convidava uma excêntrica médium, Madame Arcati (Margaret Rutherford), para uma experiência. Tudo o que esta conseguia era invocar o fantasma da primeira mulher do romancista, Elvira (Kay Hammond), para desalento da esposa atual, Ruth (Constance Cummings).

Esta alta comédia ectoplásmica, deveu muito aos romances de Thorne Smith, criador do personagem Topper, inúmeras vezes trazido para o Cinema e, tal como sua fonte inspiradora, possuía ingredientes para divertir o público. Lean usou alguns truques engenhosos nas cenas dos fantasmas (o filme ganhou o Oscar de efeitos especiais) e deu um polimento às imagens com o Technicolor, mas o filme, na sua maior parte, não escondia a origem teatral.

Segundo James Agee, Margaret Rutherford era a alma do filme: “Sempre que Margaret está na tela como a médium que inicia e tenta controlar a encrenca, o filme é admiravelmente engraçado”. De fato, a interpretação de Margaret no palco tinha se tornado lendária e ela recriou o papel da médium extravagante e incompetente com muita eficiência.

A introdução espirituosa que ouvímos em voz over é de Noel Coward. Segundo consta, ele não gostou do filme e se queixou com Lean dizendo-lhe à queima-roupa: “Você destruiu a melhor coisa que eu escreví”. O mundo de Uma Mulher do Outro Mundo não era o de David Lean. Em consequência, não foi um filme muito feliz. Entretanto, alguns anos depois, ele demonstraria seu senso de humor em  um outro tipo de comedia, Papai é do Contra.

Em Desencanto / Brief Encounter / 1945, o terceiro filme da Cineguild e um dos filmes britânicos românticos mais populares de todos os tempos, revelou-se com maior amplitude o talento individual de Lean. Baseado em Still Life, exemplar da série de dez peças curtas escritas por Coward em 1938 e reunidas sob o título geral de Tonight at 8.30, girava em torno de um homem, Alec Harvey (Trevor Howard) e uma mulher, Laura Jesson (Celia Johnson), ambos de meia-idade e casados, que se encontram casualmente numa estação ferroviária. O homem era médico e pai de dois garotos; a mulher também tinha dois filhos. O encontro inocente transforma-se em algo mais sério. Após alguns momentos de felicidade, os dois compreendem que o amor clandestino não pode continuar e concordam em se separar, voltando cada qual para seus respectivos companheiros.

Narrando o frustrado romance com muita sinceridade e sutileza, através de flashbacks e em espaços confinados (a sala de espera da estação, a casa de Laura, o cinema, o apartamento do amigo de Alec), Lean realizou uma obra-prima intimista, transmitindo, do ponto de vista da mulher, o sentimento de uma existência insípida, embora não infeliz, subitamente perturbada por algo fora de seu controle.

A melhor cena do filme (lindamente fotografado por Robert Krasker) é aquela  muito lembrada na qual Laura, tendo dado o adeus final ao médico, avança para perto da plataforma da estação com ímpeto suicida. Enquanto o trem apita estridentemente e passa, as luzes do vagão refletem-se expressionisticamente  na sua face agoniada. Como tema do fundo musical, o Segundo Concerto para Piano de Rachmaninoff servia para incrementar o impacto emotivo.

Lean recebeu uma indicação para o Oscar de Melhor Diretor e outra, juntamente com Coward e Havelock-Allan, para o de Melhor Roteiro. Celia Johnson foi apontada para Melhor Atriz e arrebatou um Prêmio dos Críticos de Cinema de Nova York.  Em Cannes, o filme levou o Prix International de Critique.

No elenco, além de Celia Johnson e Trevor Howard, em tocantes desempenhos: Cyril Raymond (Fred Jesson, o marido), Joyce Carey (Myrtle  Bagot, a garçonete), Stanley Holloway (Albert Godby, o condutor do trem) e Everley Gregg, a tagarela).

Embora seja hoje considerado um clássico do cinema inglês, o filme não teve boa acolhida na sua primeira exibição. “Estávamos fazendo Grandes Esperanças em locação nos pântanos de Romney, quando Desencanto ficou pronto e eu trouxe a primeira cópia. Nós a levamos para o cinema local e a projetamos  como uma pré-estréia de surpresa. O filme começou e, durante a primeira cena de amor, uma mulher na fila da frente desatou a rir, um horrível gargalhada como cacarejar de galinha. Então todos começaram a rir, e o cinema inteiro a acompanhou. No dia seguinte, fiquei pensando como poderia entrar no laboratório de Denham e queimar o negativo. Estava tão envergonhado do meu trabalho…”.

Embora sua associação com Coward tivesse sido bastante proveitosa, Lean resolveu adaptar – extirpando personagens menores para condensar a intriga – Grandes Esperanças / Great Expectations de Charles Dickens. Ele e os demais roteiristas (Neame e Havelock-Allan) souberam preservar a estrutura da história, o verdadeiro espírito do autor e seu senso de observação, notadamente na primeira parte do filme, na qual se expressa muito bem o mundo da infância. O filme é até hoje considerado como a melhor transposição da obra do famoso escritor. E a cena do encontro assustador de Pip com o forçado Magwitch nos pântanos de Kent, um instante antológico do Cinema.

Outras cenas marcantes: a chegada de Joe Gargery a Londres, a morte de Miss Havisham com as vestes incendiadas, a tentativa de fuga de Magwitch e a caminhada de Pip até o leito de seu benfeitor, todas expostas com inteligência e rigor formal.

Os cenários contribuíram muito para o sucesso da fita, particularmente os interiores da mansão gótica e decadente de Miss Havisham (que parece assumir proporções maiores do que as freais porque o fotógrafo Guy Green usou uma lente de 24mm em vez da usual de 35 ou 40mm), as ruas de Londres de 1830, a estalagem Barnard, o escritório do advogado Mr. Jaggers (cujas paredes são decoradas pelas máscaras mortuárias dos clientes que ele perdeu para as galés), a prisão de Newgate, o Templo e o cemitério campestre, todos erguidos dentro dos estúdios Denham com a mesma mestria. E o resultado foi a obtenção do Oscar de 1947 para Melhor Fotografia e Direção de Arte em preto e branco (John Bryan), tendo havido ainda indicações para Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro.

O elenco, personificando admiravelmente os deliciosos tipos, perfeitamente delineados pelos roteiristas, além do menino Anthony Wager (Pip criança), incluía John Mills (Pip adulto), Valerie Hobson (Estella adulta), Jean Simmons (Estella criança), Bernard Miles (Joe Gargery), Martita Hunt (Miss Havisham), Francis L. Sullivan (Jaggers), Finlay Cutrrie (Magwitch) e Alec Guiness, iniciando sua longa colaboração com o diretor (ao todo, seis filmes) no papel do companheiro de quarto de Pip, Herbert Pocket. Como resumiu James Agee: “Grandes Esperanças fez por Dickens o que Henrique V fez por Shakespeare”.

Com o êxito de Grandes Esperanças, Lean e seus associados decidiram filmar – com a mesma integridade no tratamento e cuidadosa construção dramática – outro livro de Dickens e, para o papel central de Oliver Twist / Oliver Twist / 1948,  selecionaram – entre 1.500 candidatos – o jovem John Howard Davies.

Coube entretanto a Alec Guiness o penoso encargo de recriar a figura de Fagin,  inspirada no roteiro pelas ilustrações originais do romance feitas por George Cruikshank. O ator tinha que chegar a Pinewood às seis da manhã para ficar durante duas horas e meia sob os cuidados do maquilador Stuart Freeborn. “Guiness era muito moço, quando demonstrou desejo de interpretar Fagin, o corruptor dos jovens e chefe adulto da quadrilha de pequenos batedores de carteiras. Pensei que estivesse fora de si, mas ele me persuadiu a testá-lo, dizendo que não queria saber de maquilagem ou das roupas que iria usar: só queria caminhar pelos cenários e me surpreender. Bem, no dia do teste, foi isso o que ele fez. Maravilhoso!”.

Mas tal performance provocou fortes protestos de alguns grupos judaicos nos Estados Unidos, os quais a apontavam como acentuadamente anti-semita, tendo sido, por isso, cortados dez minutos de close-ups e de perfís de Fagin, quando o filme veio a ser normalmente exibido, dois anos após o lançamento, na Inglaterra. Por curiosidade, em 1922, a censura britânica havia objetado a versão americana muda com Lon Chaney, porque “poderia encorajar a delinquência juvenil no país”.

Para alguns, Oliver Twist (fotografado por Guy Green) é mais poético e visualmente excitante do que Grandes Esperanças. A sequência de abertura – inventada especialmente para o filme – mostrando a jornada da mãe de Oliver (Josephine Stuart) grávida pelo desolado pântano sob a tempestade, até falecer, após o nascimento do filho é, por exemplo, um momento de puro Cinema, sobressaindo também as cenas brutais e realistas no asilo, as de Fagin ensinando Oliver a roubar e a da morte de Nancy, ouvindo-se os gritos fora do quadro, enquanto o cachorro do assassino arranha em pânico a porta.

Ao lado dos lances melodramáticos – e é de um grande melodrama que se trata – , o aspecto social foi abordado com veemência, evocando-se as condições desumanas dos pobres, a miséria e a sordidez de Londres do século dezenove e, novamente, um elenco impecável no qual se destacavam, além de Guiness, Robert Newton (Bill Sykes, depois de cogitado Robert Donat), Anthony Newley (Artful Dodges), Kay Walsh (Nancy) e Francis L. Sullivan (Mr. Bumble), deu autenticidade à galeria de retratos dicksenianos.

O filme seguinte de Lean, História de uma Mulher / The Passionate Friends / 1948, baseado num romance de H. G. Wells, com roteiro de Eric Ambler, focaliza, por meio de retrospectos embutidos uns nos outros, as dificuldades afetivas de um triângulo  amoroso. “Gosto de fazer filmes sobre mulheres. Gosto de contar histórias de amor. Acho-as fascinantes … A história é sobre tentação e não segue inteiramente a obra original porém o espírito desta foi mantido”.

A mulher, Mary Justin (Ann Todd) de um banqueiro milionário, Howard Justin (Claude Rains) encontra um dia o antigo namorado, Stephen Stratton (Trevor Howard, substituindo Marius Goring) e um romance clandestino se inicia. Ao ter de optar por um dos dois, ela permanece com o marido, por conveniência. Tempos depois, reencontra acidentalmente o namorado mas já casado e com filhos. O marido descobre, pede o divórcio e quase leva a esposa ao suicídio. Lean explora mais uma vez o tema da resignação e da submissão às regras sociais e morais que já estavam no centro de Desencanto.

Rodado em parte na Suiça, o filme tem uma bela fotografia (Guy Green, assessorado pelo operador de câmera Oswald Morris), inspirada na iluminação de Lee Garmes, que filmou muitos trabalhos de Marlene Dietrich para Josef von Sternberg,  e comprova mais uma vez a segurança narrativa do diretor.

O crítico e professor de cinema Hugo Barcelos, de quem fui aluno e com quem trabalhei no extinto Diário de Notícias, comentou na época: “Sua linguagem, originalíssima, criando em torno dos personagens uma atmosfera de realismo a um só tempo forte e delicado, porque expressivo, e também sutil, dá ao filme um poder artístico invulgar, comunicando-se com a platéia de maneira imediata. Suas criaturas vivem perigosamente, porque assim as concebe a câmera que, por uma parte, é impregnada de bom Cinema, já pela riqueza em detalhes dinâmicos, já pela focalização expressionista, já ainda pelo sentido econômico das frases que se desenrolam sem convencionalismos, sem lugares-comuns, sem vacilações”.

Durante a filmagem de História de uma Mulher, Lean (então casado com Kay Walsh, sua segunda esposa – a primeira foi Isabel Lean, prima de David, que lhe deu um filho, Peter) apaixonou-se por Ann Todd. Eles se divorciaram de seus respectivos companheiros e se casaram no ano seguinte. Lean se casaria pela quarta vez com Leila Matkar, pela quinta vez com Sandra Hotz e pela sexta vez com Sandra Cooke. Apesar de casado, Lean morou muitos anos com sua continuísta, Barbara Cole.

Ann Todd manteve-se com Lean, protagonizando O Grito da Carne ou As Cartas de Madeleine / Madeleine / 1949, que relata o caso verídico, ocorrido nos meados do século XIX, com a filha de uma família rica e respeitada de Glasgow. Madeleine Smith foi levada ao tribunal sob a acusação de ter envenenado o amante, um francês chamado Emile L’Angelier (Ivan Desny). Embora fossem contra ela as circunstâncias, os jurados absolveram-na por falta de provas. Após a sentença, a ré se nega, com um olhar ambíguo, a responder ao eventual narrador: culpada ou inocente? O público fica sem saber se Madeleine era uma assassina ou não e este fato pode ter contribuído para o fracasso do filme no seu lançamento.

O ponto alto do espetáculo é o emprego da montagem, salientando-se  a cena em que Madeleine e Emile, assistindo às danças escocesas, sentem o perturbador ritmo da festa. Quando Madeleine cai, cresce sobre ela o corpo do amante e há o corte para um par de dançarinos excitados, fugindo para um local conveniente à satisfação de seus desejos. O virtuosismo prossegue no julgamento, apresentado de modo original, com inspiradas angulações de câmera e habilidoso uso do flashback.

Décio Vieira Ottoni, crítico de outro jornal que não existe mais, o Diário Carioca, sintetizou na ocasião: “Sem ser um grande filme, porque Lean não teve em mãos um argumento à altura de seu excepcional talento, O Grito da Carne é, contudo, a história maravilhosamente narrada de um mistério famoso”.

Lean só voltaria aos estúdios no final de 1951 quando, a convite de Alexander Korda, se reuniu com Ann Todd, Ralph Richardson e Nigel Patrick em Shepperton, para iniciar Sem Barreira no Céu / The Sound Barrier /1952.

Fascinado pelo tema, Lean passou três meses conversando com o pessoal das fábricas de aviões e pediu ao dramaturgo Terence Rattigan um roteiro original. Este entregou-lhe a história de um magnata visionário, John “J. R.” Ridgefield  (Ralph Richardson) em conflito com a filha, Susan (Ann Todd) e o marido desta, Tony (Nigel Patrick), um dos pilotos de provas, na obsessão de construir um engenho capaz de quebrar a barreira do som. Tony morre num teste. Susan acusa o pai de sacrificar vidas humanas inutilmente, inclusive a do outro filho, Christopher (Denholm Elliott) – e se afasta dele, compreendendo depois sua tarefa de pioneiro.

O roteiro (e argumento) de Rattigan foi indicado para o Oscar e o Departamento de Som da London Films ganhou a estatueta da Academia. A produção recebeu ainda da British Film Academy os prêmios de Melhor Filme e Ator (Ralph Richardson) e Richardson teve a aprovação dos críticos de cinema de Nova York como melhor ator do ano.

Faltou apenas o reconhecimento de que a verdadeira força do filme estava nas cenas aéreas (memorável a de abertura)  fotografadas por Jack Hildyard  com  a ajuda da equipe da 2ª unidade (Anthony Squire). As imagens dos jatos supersônicos cortando os céus deixam rastros de beleza na tela e confirmam que os filmes de Lean, tal como os de Antonioni, “florescem no espaço”.

Lean voltou à Inglaterra Vitoriana, precisamente a Salford, Lancashire de 1890, vertendo para a tela a peça de Harold Brighouse em Papai é do Contra / Hobson’s Choice / 1953, seu último filme em preto e branco, com a costumeira capacidade para captar a época.

Ruas de pedras arredondadas, lojas austeras, salas de estar afetadas, tavernas cheias de fumaça, troles, anquinhas, peitilhos de cartolina, leitos de quatro colunas e o ar poluído da pequena cidade industrial compõem a atmosfera ao mesmo tempo lúgubre e truculenta, que as lentes de Jack Hildyard captam com inspiração. Por meio de insolentes movimentos, a câmera descobre detalhes pitorescos que Malcom Arnold sublinha com irônico comentário musical, reforçando a excelente pintura de costumes.

Charles Laughton, como Henry Horatio Hobson, dono de uma loja de caçados, tirânico e beberrão, forja uma caricatura ruidosa – é notável a cena de seu delírio alcoólico – contrabalançando o jogo cênico quieto e delicado de Brenda de Banzie como Maggie, a filha mais velha que tem a coragem de desafiá-lo, casando-se com seu tímido e iletrado empregado, Willie Mossop (John Mills, substituindo Robert Donat e inspiradíssimo na pantomima gentil das preparações de Mossop para a sua noite de núpcias) e lhe fazendo concorrência comercial.  Com esses três intérpretes experimentados, Lean produziu enfim uma comédia cheia de espírito, sátira e sentimento, de humor tipicamente britânico, votada pela British Film Academy como o Melhor Filme do Ano.

Quando o Coração Floresce / Summer Madness / 1955, intitulado nos Estados Unidos e mais conhecido como Summertime, rodado em Veneza, inaugurou a carreira internacional de Lean.

Ultrapassando o filme turístico, Lean exprimiu, através das vistas fotogênicas da cidade,  a evolução de uma personagem feminina que descobre o amor. Baseado na peça The Time of the Cuckoo de Arthur Laurents, com roteiro de Lean e H. E. Bates, o filme continua de certa forma o ensaio de Desencanto, mostrando com extrema discrição a melancolia e a amargura que acompanham um amor impossível. É uma análise psicológica das emoções de uma solteirona americana, Jane Hudson (Katharine Hepburn), solitária e romântica, que, na sua primeira viagem à Europa, vem a conhecer um comerciante de antiguidades, Renato De Rossi (Rossano Brazzi). Os dois se apaixonam, vivem dias idílicos, até que ela fica sabendo que ele é casado e se separam.

A fotografia de Jack Hildyard dos canais, becos, pontes e da não menos tradicional Praça de São Marcos com a igreja e os pombos, enche os olhos. Lean, porém soube evitar que tais esplendores desviassem a atenção da história.

O diretor e um dos produtores, Ilya Lopert, passaram dois meses no período de preparação do filme escolhendo locações e tiveram de contornar alguns problemas como: acomodar as câmeras em ruelas estreitas ou sob as pontes e dar comida aos pombos no centro e não no canto sudoeste de São Marcos, quebrando uma praxe antiga.

Katharine Hepburn, em comovente desempenho, refletindo toda a luta interior entre o desejo e o medo de uma mulher de meia-idade frustrada, domina completamente o filme num papel sob medida para seu temperamento. Ela foi candidata ao Oscar de Melhor Atriz, tendo Lean também sido indicado como Melhor Diretor.

A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957 marcou a entrada triunfal de Lean no superespetáculo em CinemaScope e tornou-o um diretor privilegiado, que podia impor condições de trabalho.

O autor do romance que serviu de base para o filme, Pierre Boulle, havia sido procurado em primeiro lugar pelo cineasta francês Henri-Georges Clouzot (que, apreensivo com os custos, desistiu de adaptar a obra para o Cinema) e depois por Alexander Korda; Sam Spiegel, porém, foi quem acertou definitivamente com Boulle, investindo três milhões e meio de dólares na produção.

Com locações no Ceilão, a produção levou três anos em preparo. Só a enorme ponte, onde se dá o clímax da narrativa, levou oito meses para ser construída, tendo sido usado também um trem de verdade.

O roteiro, assinado por Boulle – mas, na realidade, escrito por Carl Foreman e Michael Wilson, ambos então na Lista Negra de Hollywood – traz uma mensagem pacifista, atacando não só a guerra como também o espírito militar exacerbado, mostrando a relatividade de valores como a honra e a coragem.

A ação – em ritmo de aventura e inspirada num fato verídico da Segunda Guerra Mundial – transcorre na Malásia, onde japoneses forçam prisioneiros ingleses a trabalhar nas obras da estrada de ferro de Bangkok a Rangoon. O coronel britânico, Nicholson (Alec Guiness depois de cogitado Noel Coward e, embora pareça incrível, Charles Laughton), após ganhar uma batalha ética do comandante nipônico, Sato (Sessue Hayakawa), concorda em ajudá-lo a erguer uma ponte sobre o rio Kwai da melhor maneira possível. Seu argumento é o seguinte: as guerras passam mas a obra fica. Ela permanecerá nos séculos  vindouros como um testemunho da superioridade britânica sobre os bárbaros “momentaneamente” vitoriosos.

A narrativa, a principio, é linear porém, com a fuga do marujo americano Shears (William Holden, depois de cogitado Cary Grant), logo se bifurca em ações paralelas. De um lado, os prisioneiros esforçando-se na construção da ponte que serviria às manobras do inimigo, e do outro, um grupo de comandos (sob a orientação do Major Warden (Jack Hawkins) empenhados em sua destruição. No final, quando a montagem alternada se funde num episódio de intensa emoção e suspense, cheio de ironia, o médico do campo (James Donald), observador imparcial dos acontecimentos, com um amargo e profundo sentimento de absurdo, denuncia toda a loucura reinante.

O talento artístico e o sólido profissionalismo do diretor foram finalmente reconhecidos com o Oscar, cabendo também um estatueta da Academia para Sam Spiegel (Melhor Filme), Pierre Boulle, Michael Wilson, Carl Foreman (Melhor Roteiro Adaptado), Alec Guiness (Melhor Ator), Jack Hildyard (Melhor Fotografia), Peter Taylor (Melhor Montagem) e Malcolm Arnold (Melhor Música).

Animados  com o êxito da sua última realização, Lean e Spiegel continuaram juntos e discutiram a possibilidade de um filme sobre a vida de Gandhi mas, por vários motivos, voltaram sua atenção para a pessoa do legendário T.E. Lawrence, o jovem inglês do serviço secreto britânico que, durante a Primeira Guerra Mundial, conseguiu unir as tribos árabes contra os turcos, aliados dos alemães.

Tal como  A Ponte do Rio Kwai, o filme Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962, é uma superprodução espetacular e, ao mesmo tempo, o retrato de um homem: só que, desta vez, uma figura histórica complexa e ambígua. Agente secreto, líder militar, agitador, nevrosado, exibicionista, sádico, masoquista, homossexual, Lawrence pode ter sido tudo isso – e Peter O’Toole (então com 28 anos) tornou-se um astro, reconstituindo admiravelmente todas as nuances, as hesitações e o entusiasmo dessa tumultuosa personalidade.

Embora inspirando-se no livro The Seven Pillars of Wisdom de Lawrence, Robert Bolt usou a sua própria concepção sobre o biografado e, procedendo a uma economia dramática, criou um roteiro de grande senso visual que, em tom de epopéia, narra na realidade um drama intimista. “Emoções humanas, e não circos, é que fazem um grande filme. Em todos os filmes épicos, o conflito humano deve ficar em primeiro plano”.

Em 1958, Anthony Asquith esteve a ponto de realizar um Lawrence da Arábia com Dirk Borgarde. Antes de O’ Toole, foi anunciado Marlon Brando e testado Albert Finney para o papel de Lawrence. Pensaram também em Alec Guiness, por este ter vivido o personagem na peça Ross de Terence Rattigan. Os nomes de Cary Grant, Kirk Douglas e Horst Bucholz chegaram a ser cogitados para outros papéis.

Spiegel gastou 12 milhões de dólares, rodando o filme na Jordânia (cenas do deserto), Espanha, passando por Cairo, Damasco, Jerusalém e Marrocos (cenas da batalha na qual o regimento turco é dizimado). Andre de Toth trabalhou algum tempo como diretor da 2ª Unidade, sendo depois substituído por seu assistente Nicolas Roeg. Entre os momentos mais marcantes vale a pena serem citados aquele plano de detalhe de um fósforo aceso que se transforma subitamente nas escaldantes imagens do deserto (“Foi o corte  do qual eu mais orgulhei de tudo o que fiz”) e o ataque à ferrovia de Hejaz com Lawrence correndo por cima dos vagões.

Contando ainda com Omar Sharif, Alec Guiness, Anthony Quinn, Anthony Quayle, José Ferrer, Claude Rains, Jack Hawkins (dublado por Charles Gray, porque o ator perdera a voz em virtude de um câncer na garganta), Arthur Kennedy, Donald Wolfit no elenco, o filme conquistou sete Oscar – Melhor Filme, Direção, Fotografia em cores (Freddie Young), Montagem (Anne Coates), Direção de Arte e Decoração em cores (John Box, John Stoll, Dario Simoni), Música (Maurice Jarre),  e Som (John Cox e o Departamento de Som do Shepperton – assinalando o início da frutuosa colaboração de Lean com Robert Bolt, John Box, Maurice Jarre e, principalmente, com o excelente fotógrafo Freddie A. Young (vencedor do Oscar também por Doutor Jivago e A Filha de Ryan).

Questionado a respeito de seu enquadramento como “diretor de superespetáculos”, Lean respondeu : “Se você quiser fazer Lawrence da Arábia direito, não poderá fazê-lo barato. Custa uma fortuna levar uma equipe enorme – gruas, refletores e milhares de figurantes – para o deserto. Ao contrário, seria tolice gastar muito dinheiro em algo como Desencanto. Ele custou pouco, e eu o fiz em dez semanas. Trabalhei três anos em Lawrence. Se amanhã  encontrar um assunto que possa filmar sem dispender muito dinheiro e em dez dias, ficarei absolutamente encantado”.

Depois da cerimônia de entrega do Oscar, David recebeu um telefonema de Fred Zinnemann, que queria saber se ele poderia dirigir algumas cenas de A Maior História de Todos os Tempos / The Greatest Story EverTold, o filme de George Stevens sobre o Cristo, que estava sendo filmado há mais de um ano nos desertos de Nevada e Utah. Stevens ultrapassara o orçamento e os produtores o obrigaram a aceitar uma segunda unidade em duas sequências. Após certa hesitação, Lean concordou em dirigir as cenas envolvendo o Rei Herodes, na qual participariam Claude Rains e José Ferrer, atores que ele já conhecia.

O próximo assunto a interessar Lean – “por sua boa história de amor”- foi Dr. Zhivago, o volumoso romance de Boris Pasternak, laureado com o Prêmio Nobel.

O produtor Carlo Ponti, que havia adquirido os direitos de filmagem em 1962, induziu a MGM a investir no projeto 11 milhões de dólares e, na fase de pré-filmagem, o diretor visitou a Iugoslávia, Canadá, Itália e a Escandinávia à procura de exteriores semelhantes à paisagem russa, escolhendo finalmente a Espanha  e a Finlândia (fazendo as vezes de Sibéria).

Filmado na Iugoslávia, Doutor Jivago / Dr. Zhivago / 1965 traça a trajetória de Yuri Jivago (Omar Sharif depois de cogitados Paul Newman, Max Von Sydow e Burt Lancaster), médico e poeta, na Rússia do começo do século vinte. Ele contrai matrimônio com Tânia (Geraldine Chaplin), companheira da infância e mais tarde conhece Lara (Julie Christie, com a aprovação de John Ford que, consultado por Lean a respeito da atuação dela em O Rebelde Sonhador / Young Cassidy, respondeu: “Ela é ótima … Ninguém no passado demonstrou tanto talento com tão pouca idade”), protegida do negociante Komarowski (Rod Steiger, substituindo James Mason) e amiga do jovem revolucionário Parel Antipov (Tom Courtenay), com quem acaba se casando. A Primeira Guerra Mundial separa os dois casais e põe Jivago de novo diante de Lara, que se tornara enfermeira voluntária, a fim de localizar o marido, dado como desaparecido na linha de frente. Fugindo de Moscou para livrar a família  da epidemia, da revolução e da fome, Jivago tenta viver em paz numa casa solitária nos Montes Urais; mas é aprisionado e forçado a servir os guerrilheiros. Quando consegue voltar, a mulher e os filhos haviam partido para a capital e ele encontra mais uma vez Lara, com quem passa alguns dias de amor, antes dela ser levada “como folha morta” por Komarowski.

Esta intriga é acionada com a austeridade e a fluência peculiares do cineasta, irrompendo a cada instante imagens suntuosas e de grande força cinematográfica como a da carga dos cossacos contra a passeata socialista (em estilo eisensteiniano), o castelo de Varykino no meio de uma planície imensa toda florida ou o trem blindado cruzando as estepes, que garantiram vários Oscar: Melhor Roteiro Adaptado (Robert Bolt), Melhor Fotografia em Cores (Freddie Young), Melhor Música (Maurice Jarre), Melhor Direção e Arte e Decoração em cores (John Box, Terry Marsh, Dario Simoni), Melhor Figurino em cores (Phyllis Dalton, que já havia se destacado em Lawrence da Arábia).

Somente cinco anos depois da realização de Doutor Jivago (desde Quando o Coração Floresce o intervalo mínimo entre seus filmes é de pelo menos dois anos), Lean voltou à atividade, desta vez usando um argumento original de Robert Bolt sobre o amadurecimento de uma jovem em remota aldeia irlandesa durante a Primeira Guerra Mundial. Bolt descreveu o relato como a história da “universal tendência da juventude de querer obter algo à custa de nada … e a compreensão de que tudo tem seu preço”.

Rose Ryan (Sarah Miles) casa-se com o maduro Professor Charles Shaughnessy (Robert Mitchum, depois que Paul Scofield recusou o papel) mas a união se frustra, pois ele não a desperta sexualmente, e é sustentada apenas pelos conselhos do Padre Collins (Trevor Howard depois de cogitado Alec Guiness). Um incidente na taverna de Tom Ryan (Leo McKern), pai de Rose, aproxima-a do Major Doryan (Christopher Jones, depois de cogitados Marlon Brando,  Richard Burton, Richard Harris, Anthony Hopkins e Peter O’Toole), o novo comandante das forças inglesas na região, mutilado e neurótico de guerra. Eles se tornam amantes e as suas relações são divulgadas involuntariamente por Michael (John Mills), um idiota mudo. Quando, avisado à tempo, o major aprisiona um líder revolucionário local, O’Leary (Barry Foster) que, com o apoio do povo, descarregava armas na praia, as suspeitas recaem sobre Rose e não sobre seu pai, o verdadeiro traidor. A população invade a escola, corta os cabelos de Rose e Charles, embora já ciente de sua infidelidade, ampara-a. O major, que soubera da decisão de Rose de abandoná-lo, suicida-se. Rose e Charles deixam a aldeia.

Drama intimista à maneira de Thomas Hardy, emoldurado por amplos e belíssimos espaços, que as câmeras de Freddie Young fotografaram criativamente, A Filha de Eyan / Ryan’s Daughter / 1970 inclui-se na grande tradição romântica do Cinema. A meticulosidade (três anos de preparação, 14 meses de filmagem, um ano de montagem) e a gentileza de espírito do cineasta geraram cenas como a do fracasso na noite nupcial em alternância com a festa do casamento; a cena do desembarque da carga sob a tempestade; a cena do quase linchamento de Rose; a cena do primeiro encontro de Rose com o major na taverna e a lírica entrega amorosa na floresta, que empolgam pelo esmero estético. A meu ver uma obra-prima – apesar de ter sido mal recebido por muitos críticos -, o filme ocasionou dois Oscar: Melhor Ator Coadjuvante (John Mills) e Melhor Fotografia (Freddie Young).

Em outubro de 1973, o Directors Guild of America concedeu o D. W. Giriffith Award para David Lean. O prêmio lhe foi entregue por George Stevens que Lean havia ajudado filmando algumas cenas para A Maior História de Todos os Tempos.

Lean já tinha preparado, com Robert Bolt, os roteiros para dois longas-metragens que, sucessivamente, narrariam, de maneira mais completa, a saga do “Bounty” (o primeiro terminaria com a fantástica viagem do Capitão Bligh até a Austrália; o segundo contaria a perseguição de Fletcher Christian e seus companheiros pelo Capitão Edwards) e escolhido locações no Taiti, quando Dino de Laurentiis comunicou-lhe que a produção não poderia ir adiante por falta de recursos.

O diretor ficou praticamente inativo 14 anos desde A Filha de Ryan e finalmente escolheu como assunto do novo filme um clássico da literatura inglesa, A Passage to India de E. M. Foster. Lean havia visto a encenação teatral feita pela indiana Santha Rama Rau em 1958 e pretendeu levar a historia para a tela logo após Lawrence; mas isto não foi possível. A oportunidade surgiu em 1983 com a aquisição dos direitos pelos produtores John Brabourne e Richard Goodwin, responsáveis por recentes adaptações de romances de Agatha Christie. “Será um filme curioso e provocante, porque o livro é assim. Existem muitas coisas confusas, tal como corre na vida real. Você  conhece pessoas, compreende certos aspectos delas mas  outros permanecem ocultos e você tem quer adivinhar quais são … Quero dirigir filmes nos quais os espectadores saiam do cinema discutindo os personagens que acabaram de ver “.

No relato de Passagem para a Índia / A Passage to India / 1984, passado nos anos 20, Mrs. Moore (Peggy Ashcroft) chega a Bombaim na companhia da jovem Adela Quested (Judy Davis), para visitar o filho magistrado, Ronny Heaslop (Nigel Havers), com quem Adela está comprometida. As duas têm idéias avançadas e se incomodam com o tratamento dispensado pelos ingleses aos indianos. Fascinadas pelo país, depois de travarem conhecimento com o sensível Professor Fielding (James Fox), um brâmane fatalista, Dr. Goldbole (Alec Guniess) e um jovem médico indiano, Dr. Aziz (Victor Banerjee), elas partem numa excursão às famosas grutas de Marabar, onde ocorre um incidente enigmático, que levará Aziz a julgamento.

Com sua límpida maneira de narrar, Lean nos mostra um drama psicológico entrelaçado com os fatos da difícil convivência entre colonizadores e colonizados, vistos através do comportamento dos personagens – alguns (Mrs. Moore, Goldbole) simbólicos e cercados de misticismo -, deixando no final uma esperança de concórdia.

O diretor, autor também do roteiro, fez questão ainda de assinar a montagem (“No fundo continuo sendo montador. Não consigo manter minhas mãos afastadas da tesoura”) e, auxiliado por Ernest Day, operador de câmera em Lawrence da Arábia, Doutor Jivago e A Filha de Eyan, agora elevado a fotógrafo, forjou cenas magnificas, destacando-se a do passeio de bicicleta de Adela pelas ruínas eróticas habitadas por macacos, imaginada por Lean como modelo de Cinema puro.

O filme obteve 11 indicações para o Oscar (Lean concorreu ele próprio em três categorias) e conquistou os prêmios para Melhor Atriz Coadjuvante (Peggy Ashcroft) e Melhor Música (Maurice Jarre). Em 1990, Lean receberia o Life Achievement Award do American Film Institute.

David Lean faleceu em 16 de abril de 1991 de câncer na garganta, quando começava os preparativos para a filmagem do romance Nostromo de Joseph Conrad que, provavelmente, seria mais uma grande obra na carreira de um realizador, para quem o Cinema era, essencialmente, fonte de prazer (o prazer da narrativa) e expressão de beleza, e que estava sempre atento às pulsações da vida.

TRAJETÓRIA DE WALT DISNEY NO DESENHO ANIMADO

maio 5, 2011

Walt Disney é, sem dúvida alguma, a personalidade do Cinema mais conhecida no mundo inteiro. Ele não inventou o desenho animado mas melhorou consideravelmente a sua técnica, criou um estilo inconfundível e deu ao gênero significação estética. Com seu formidável senso empresarial, formou uma fabulosa organização que, até hoje, após sua morte, em 1966, continua irradiando alegria e emoção para os fãs de todas as idades nos mais longínquos recantos do planeta. Perfeccionista e poeta, construiu um universo fantástico, onde a ternura e a graciosidade convivem harmoniosamente com a beleza. Grande orquestrador de talentos, induziu sua equipe de virtuosos a forjar, com entusiasmo e alto grau de profissionalismo obras-primas, nas quais o apuro técnico, vivacidade da mise-en-scène e a riqueza de imaginação produziram efeitos mágicos inesquecíveis. Em sucinta cronologia, eis alguns instantes marcantes da trajetória de Walt Disney no desenho animado.

Como a bibliografia de WD é muito extensa, não tenho a pretensão de trazer nenhuma novidade. Minha contribuição para o assunto reside somente na pesquisa dos títulos em português dos desenhos curtos e na identificação dos primeiros dubladores dos longas-metragens. Entre os livros, utilizei principalmente: The Animated Man – A Life of Walt Disney de Michael Barrier (University of California, 2007), The Disney Films de Leonard Maltin (Disney Editions, 2000), The Encyclopedia of Animated Cartoons de Jeff Lenburg (Checkmark Books, 2009) e Walt Disney, O Triunfo da Imaginação Americana de Neal Gabler (Novo Século, 2009). Para os nomes dos primeiros dubladores: jornais,  programas e revistas da época, principalmente, A Scena Muda.

1901:

Nascimento de Walter Elias Disney, a 5 de dezembro, em Chicago, Illinois, filho dos canadenses Elias e Flora Call Disney. Infância numa fazenda em Marceline, Missouri.

1910:

Mudança da família para Kansas City. O pai obteve concessão para distribuir o jornal “Star”. Walt e seu irmão mais velho, Roy, entregam o matutino nas portas dos assinantes. Primeira manifestação de seu pendor para o desenho. Matrícula no Kansas City Fine Art Institute.

1917:

Walter junta-se à sua família, que voltara para Chicago e estuda na Academy of Fine Arts.

1918:

Walt alista-se no Corpo de Ambulâncias da Cruz Vermelha e, já no final da Primeira Guerra Mundial, embarca para a França. Nas horas de folga faz desenhos e caricaturas.

1919:

Retorno à América. Walt emprega-se na a agência de publicidade Pesmen Rubin Commercial Art Studio, onde conhece Ubbe Iwwerks (que depois encurtou o nome para Ub Iwerks). Depois de fundarem a Iwerks-Disney Commercial Artists,  que durou apenas alguns meses, os dois ingressam na Kansas City Slides Co. (depois Kansas City Film Ad Company), produtora de anúncios exibidos nos cinemas locais.

1921:

Sem que seus patrões soubessem, Disney e Fred Harman, seu colega na Film Ad,  alugam um estúdio (que eles batizam de Kaycee Studios), compram um tripé e uma câmera usados, e tentam filmar a terceira convenção da American Legion realizada em Kansas City para o cine-jornal da Pathé. Eles começam também a idealizar um desenho animado, The Little Artist, que ficou inacabado.

1922-23:

Disney começa a fazer, à noite, seus próprios filmes, que ele vende para a Newman Theater Company exíbí-los na sua cadeia de cinemas. Assim nasceram os Newman Laugh-O-grams. No começo, os Laugh-O-grams duravam apenas um minuto e versavam sobre problemas do governo local como Cleaning Up!!?, Kansas City Girls are Rolling Their Own Now, Take a Ride Over Kansas City Streets e Kansas City’s Spring Cleanup.

Devido ao sucesso desses filmezinhos, ele passou a fazer filmes mais longos, usando como temas contos de fadas conhecidos e histórias para crianças. Foram sete ao todo: Little Red Riding Hood, The Four Musicians of Bremen, Jack and the Beanstalk, Jack the Giant Killer, Goldie Locks and the Three Bears, Puss in Boots e Cinderella.

Disney fez também filmes curtos chamados Lafflets, que combinavam ação ao vivo e animação. Entre eles: Golf in Slow Motion, Descha’s Tryst with the Moon, Asthgetic Camping, Reuben’s Big Day, Rescued, A Star Pitcher, The Woodland Potter, A Pirate for a Day. Ele realizou ainda um Sing-a-Long, exibido em 1923, para a canção “Martha: Just a Plain Old Fashioned Name”. A série de Laugh-O-grams obteve êxito muito popular mas financeiramente mal sucedida. A companhia teve que recorrer a outros projetos para pagar suas dívidas. Um deles foi um filme de higiene dental, Tommy Tucker’s Tooth. Com Disney, além de Ub Iwerks, estavam Hugh Harman, Walker Harman, Rudolf Ising, Carmen Maxwell,  William “Red” Lyon, etc.

1923:

Inspirado na série Out of the Inkwell dos irmãos Fleischer, na qual um personagem salta de um tinteiro e interage com o mundo real, Disney imaginou uma série na qual um ator ao vivo é colocado no mundo do desenho animado. Ele contratou uma jovem atriz de quatro anos de idade, Virginia Davis, e começou a filmar Alice’s Wonderland. Disney encontrou um distribuidor interessado na pessoa de Margaret J. Winkler, que já distribuía as séries Out of the Winkwell de Max Fleischer e Felix the Cat de Pat Sullivan e precisava de uma nova série, porque Fleischer resolvera distribuir seus filmes através de sua própria companhia, Red Seal, e Sullivan decidira procurar outro distribuidor, que lhe pagasse mais. Winkler e Disney assinaram um contrato para a realização de 12 filmes com a opção do contrato ser interrompido caso os primeiros seis filmes não fossem satisfatórios. Nesse ínterim, a Laugh-O-Gram Films Inc. faliu. Disney sabia que, se ele quisesse atrair a atenção nacional, teria que sair de Kansas City e ir para onde os filmes estavam realmente sendo feitos, ou seja, Hollywood.

1924:

Chegando em Hollywood, Disney começou a série Alice Comedies (ou Alice in Cartoonland), usando um pequeno espaço na Kingswell Avenue como estúdio, que chamou de Disney Bros. Para os primeiros filmes, ele mesmo cuidou de toda a animação enquanto seu irmão Roy se ocupava da câmera na cenas de ação ao vivo. Depois, outros desenhistas juntaram-se à equipe como Ub Iwerks, Lillian Bounds (que se tornaria Mrs. Disney), Rollin Hamilton, Hugh Harman, Rudolf Ising, Walker Harman, etc.

1925:

A série Alice Comedies (cujo primeiro dos 56 filmes foi Alice’s Day at Sea) obteve sucesso e Margaret Winkler decidiu renovar o contrato com Disney. Desta vez pediu mais 18 filmes em vez de 12 e que ele desse um jeito de reduzir as despesas. Disney estava ficando muito mais interessado no aspecto da animação dos filmes do que nas sequências de ação ao vivo, de modo que não queria dispensar seus desenhistas. Virginia Davis recebia um salário mensal. Quando as sequências de animação animação puderam ser filmadas num espaço de tempo menor, Disney quís pagar Virginia pelos dias nos quais ela efetivamente trabalhou. Os pais de Virginia não aceitaram esta mudança e a menina deixou a série. Virginia foi substituída sucessivamente por: Dawn O’Day (que depois faria carreira no cinema como Anne Shirley), Margie Gray e Lois  Hardwick.

1926:

Os estúdios Disney trabalhavam arduamente na consecução das Alice Comedies,  porém Margaret Winkler casara-se com Charles Mintz, e este passou a comandar a distribuidora. Mintz achou que os filmes não eram engraçados. Diante disso, Disney teve que reforçar os gags que, naturalmente, eram proporcionados pela parte animada dos curtas. O Disney Bros. mudou-se para a Hyperion Avenue e passou a se chamar The Walt Disney Studio.

1927-28

Em janeiro de 1927, Mintz pediu a Disney que criasse o personagem de um coelho. Em maio do mesmo ano, Mintz assinou contrato com a Universal Pictures para a distribuição uma série de 26 desenhos estrelados por um novo personagem: Oswald, The Lucky Rabbit. Disney e sua equipe trabalharam dobrado e mandaram o primeiro filme, Poor Papa para a Universal. Mintz e a Universal não gostaram deste primeiro filme. Desapontado, Disney concordou em reelaborar o personagem e começou a fazer um segundo filme, Trolley Troubles, que foi bem recebido pelos resenhistas e pelo público.

Disney tentou negociar com Mintz um novo contrato para uma segunda série de desenhos de Oswald, mas Mintz contratou secretamente alguns dos melhores animadores de Disney, para prosseguir a série sem ele. Disney ficou sem distribuidor e sem o personagem, pois não possuía os direitos sobre ele. Os desenhos de Oswald acabaram caindo nas mãos de Walter Lantz, que seria o criador do Picapau / Woody Wodpecker.

1928-29:

Criação do Camundongo Mickey, a princípio chamado Mortimer, com traços menos redondinhos e um tanto rude. A esposa de Disney mudou o seu nome para Mickey Mouse e entre nós, às vezes, acrescentaram-lhe o epíteto Camundongo da Fuzarca. No primeiro desenho, Plane Crazy / 1928, já surgem Minnie, a namorada de Mickey e Clarabela / Clarabelle Cow e no segundo, Galloping Gaucho, / 1928, o vilão Peg Leg Pete (João Bafo de Onça). No sétimo desenho, The Plow Boy / 1929 surge Horácio / Horace Horsecollar. Com o advento do cinema sonoro, Disney percebeu que a série muda não tinha possibilidades comerciais e realizou então o terceiro desenho de Mickey, Steamboat Willie, com som sincronizado (pelo clandestino Cinephone Process  da Pat Powers). Disney fez a voz de Mickey e Carl Stalling encarregou-se da música. Entre 1928 e 1929, foram feitos 15 desenhos. Na equipe: Ub Iwerks, Les Clark, Johnny Cannon, Wilfred Jackson.

Criação das cinco primeiras Sinfonias Singulares ou Sinfonias Malucas / Silly Simphonies. O desenho pioneiro, A Dança Macabra ou Os Esqueletos Dançam / The Skeleton Dance, descrevia um passeio noturno dos esqueletos num cemitério, onde se punham a dançar e a brincar ao som da música. A série, conjugando o som e a imagem, foi intensamente criativa, com pequenas jóias agraciadas com o Oscar: Flores e Árvores / Flowers and Trees / 1932, Os Três Leitãozinhos / Three Little Pigs / 1933, A Lebre e a Tartaruga / The Tortoise and the Hare / 1935, Três Bichaninhos Órfãos / Theree Orphan Kittens / 1935, O Primo da Roça / The Country Cousin / 1936, O Velho Moinho / The Old Mill / 1937, O Patinho Feio / The Ugly Ducking / 1939. Em 1969, a MGM distribuiu No Fantástico Reino da Fantasia / Academy Award Shorts Program reunindo 11 desenhos premiados com o Oscar e, na ocasião do lançamento no Brasil, foram alterados alguns títulos em português: O Lobo Mau / Three Little Pigs, A Tartaruga e o Coelho / The Tortoise and the Hare, Os Três Gatinhos Órfãos / Three Orphan Kittens, O Primo do Interior / The Country Cousin. As Sinfonias Malucas e os desenhos de Mickey distribuídos pela Columbia.

1930-31:

21 desenhos do Mickey. 20 Sinfonias Malucas. No desenho de Mickey, The Chain Gang / 1930, surge Pluto, que tomará mais vulto em Caçador Corajoso / The Moose Hunt / 1931 e terá desenho próprio a partir de Os Cinco Totós / Pluto’s Quintuplets / 1937.

Os colaboradores de Disney frequentam aulas noturnas no Chouinard Art Institute e já começam a se especializar. “O propósito não era apenas treinar jovens animadores, mas fazer com que cada artista aperfeiçoasse sua técnica e ficasse compreendendo melhor a natureza da animação”. Fred Moore passa a ser o responsável pelos desenhos do Mickey. Mickey, Pai de Órfãos / Mickey’s Orphans / 1931 é o primeiro desenho do Disney indicado para o Oscar.

Criação dos Clubes do Mickey Mouse, aparecimento da primeira tira de quadrinhos do Mickey e o merchandising dão um imenso impulso para a popularidade do personagem.

1932:

14 desenhos do Mickey. 8 Sinfonias Malucas. No desenho A Revista de Mickey / Mickey Revue estréia o Pateta / Goofy com a risada abobalhada de Vance “Pinto” Colvig, um dos colaboradores mais versáteis de Disney, falecido em 1975. Colvig, além de emprestar a voz para vários personagens dos desenhos, escreveu letras para algumas canções.

Em Flores e Árvores, Disney introduz o technicolor em três cores no desenho animado. O tema é o romance de duas pequeninas árvores, interrompido pelos avanços sinistros de um velho tronco, que tenta raptar a árvore feminina. Malogrado o intento, ele se vinga, botando fogo na floresta. Um bando de pássaros cutuca as nuvens. A chuva cai e apaga as chamas. O tronco malvado perece nas labaredas, as árvores enamoradas se casam e a floresta exulta, calma e feliz novamente. O antropomorfismo típico das Sinfonias Malucas é explorado ao máximo.

Além do Oscar por Flores e Árvores, Disney recebe um prêmio especial da Academia pela criação de Mickey Mouse. A distribuição dos desenhos passa a ser feita pela United Artists.

Disney contrata Herman Kamen, um talentoso vendedor, oriundo de uma família judia de Baltimore, e ele renova a Walt Disney Enterprises, o braço comercial do estúdio, aumentando consideravelmente os lucros da mercadização.

1933:

12 desenhos do Mickey . Sete Sinfonias Malucas.

Talvez a mais popular das Sinfonias Malucas, Os Três Leitãozinhos, tal como os outros desenhos da série, traz inovações. No caso, três personagens similares com personalidades diferentes. Até então, todos os personagens agiam da mesma maneira e se distinguiam apenas pelo tamanho ou pelas roupas, e não pelo caráter. “Sem que um personagem adquira personalidade, o público não acredita nele. Sem personalidade, ele pode fazer coisas engraçadas ou interessantes mas, a não ser que as pessoas sejam capazes de se identificar com ele, suas ações parecerão irreais”(Walt Disney).

O desenho lançou Os Três Porquinhos e levou o Oscar de 1931. Na saída dos cinemas os espectadores cantarolavam a canção “Who’s Afraid of the Big Bad Wolf” de autoria de Frank Churchill com letra de Ted Sears.

Na equipe de Disney, nessa época, também: Burt Gillett, Albert Hurter, Norm Ferguson, Dick Lundy, Art Babbitt, David Hand, Ben Sharpsteen, Dick Huemer, Clyde Geronimi.

Em A Grande Estréia / Mickey’s Gala Premiere, o camundongo encontra astros e estrelas de Hollywood: John. Ethel e Lionel Barrymore, Buster Keaton, Douglas Fairbanks, Joan Crawford, Mae West, George Arliss, Wallace Beery, Marie Dressler, Wheeler e Woolsey, Joe E. Brown, Charles Chaplin, Laurel e Hardy, Harold Lloyd, Boris Karloff, Bela Lugosi, etc., apresentados como caricaturas. Numa cena, Greta Garbo dá um beijo no Mickey.

Preparação de Alice in Wonderland com Mary Pickford, projeto arquivado quando a Paramount mostrou sua versão dirigida por Norman Z. MacLeod, com Charlotte Henry e um punhado de artistas de renome interpretando os personagens de Lewis Carroll.

1934:9 desenhos do Mickey. 8 Sinfonias Malucas.

Em Galinha Sabida / The Wise Little Hen, aparece pela primeira vez nas telas o Pato Donald / Donald Duck. Disney ouviu Clarence Nash imitando a voz do pato, contratou-o, e criou Donald com os traços e temperamento iguais aos que conhecemos hoje: a mesma roupa de marinheiro, o gênio irritadiço e agressivo – só tinha o bico mais alongado.

No mesmo ano, Donald chama a atenção num desenho do Mickey, Espetáculo de Benefício / Orphan’s Benefit e iria assumir uma personalidade em Don Donald / Don Donald / 1937, vestido de mexicano e cortejando Donna Duck (depois Margarida / Daisy Duck; o encontro entre o Pato Donald e Margarida é assinalado oficialmente em O Sr. Pato se Diverte / Mr. Duck Steps Out / 1940.

Nash foi a voz do Pato Donald durante 50 anos, de 1934 a 1984, falecendo em 1985. Ele emprestou também a voz para Margarida (até 1947) e os sobrinhos de Donald. A Academia homenageou-o numa de suas cerimônias.

No grupo de novos artistas contratados por Disney estão aqueles que, ao lado do veterano Les Clark, seriam chamados no futuro de “Os Novos Velhinhos” e constituiriam o núcleo dos responsáveis pelos desenhos de longa-metragem: Frank Thomas, Ollie Johnson, Milt Kahl, Marc Davis, Wolfgang Reitherman, Eric Larson, John Lounsbery, Ward Kimball. Além deles,  ingressam no estúdio: Walt Kelly, Virgil Partch, Fred Spencer, Hank Ketcham, Claude Smith, Sam Cobean, Shamus Culhane, Al Eugster, Bill Tytla, Zack Schwartz e muitos outros. Quanto a outros animadores no decorrer dos tempos, remeto o leitor para o livro de Leonard Maltin, que dá a equipe completa de todos os desenhos de longa-metragem de Disney.

1935:

8 desenhos do Mickey. 8 Sinfonias Malucas.

Disney apresenta o primeiro desenho do Mickey em cores, A Banda do Barulho / The Band Concert, fazendo o camundongo reger um grupo de animais num concerto. Enquanto rege, um ciclone se aproxima, colhe todo o grupo e joga os componentes da orquestra para vários lados, como se fossem confetes. Mas eles continuam tocando, arrastados pela ventania, rodopiando nos ares. Donald interrompe a audição a todo instante e tenta vender sorvetes aos espectadores.

Ainda em 1935, foi feito o último desenho do Mickey em preto e branco, Canguru de Mickey / Mickey’s Kangaroo, e três Sinfonias Malucas importantes: A Lebre e a Tartaruga, Três Bichaninhos Órfãos e Quem Matou o Pintarroxo? / Who Killed Cock Robin (paródia de Mae West no auge de sua popularidade com a voz de Martha Wentworth – não creditada – como Jenny Wren). Todos os três foram indicados para o Oscar, tendo os dois primeiros obtido a premiação.

1936:

11 desenhos do Mickey. 6 Sinfonias Malucas.

Em O Campeão de Polo / Mickey’s Polo Team, Disney usa novamente caricaturas de artistas, inclusive de Laurel e Hardy como jogadores de polo. A Sinfonia Maluca O Primo da Roça ganha o Oscar.

1937:

9 desenhos do Mickey. 1 Sinfonia Maluca. 1 do Donald.

Em O Velho Moinho, excelente desenho da série Sinfonias Malucas, usa-se pela primeira vez a câmera multiplana (Oscar técnico-científico de 1937), mecanismo que permite à câmera se deslocar, passando por diversos “Planos“(folhas de celofane ou camadas de vidro com os desenhos), colocados a várias distâncias da câmera. Fotografando-os à medida em que avança, a câmera multiplana propicia a ilusão de profundidade e perspectiva.

A história de O Velho Moinho versa sobre o que acontece a um velho moinho durante a noite, nada mais. A primeira cena mostra-o ao pôr do sol. As vacas seguem para o estábulo. Uma aranha tece a teia. Os pássaros vão para os ninhos. Cai uma tempestade e o moinho fica em polvorosa. De manhã cedo, quando as vacas retornam ao pasto, a teia de aranha está em pedaços e as penas dos passarinhos amarrotadas. “Os críticos exclamaram: ‘Poético!’, mas o importante para mim era a impressão de terceira dimensão que poderia usar nos meus desenhos”(Walt Disney). O Velho Moinho conquista o Oscar.

Em Valentes Caçadores / Moose Hunters, Pluto fala com a voz de “Pinto” Colvig e em Donald e seu Avestruz / Donald’s Ostrich, o pato torna-se astro, com desenho próprio. A distribuição dos desenhos passa à RKO.

1938:

3 desenhos do Mickey. 5 Sinfonias Malucas. 7 do Donald. 1 Especial, O Touro Ferdinando / Ferdinand the Bull, baseado na criação de Munro Leaf, obtém o Oscar.

Lançamento do primeiro desenho de longa-metragem, Branca de Neve e os Sete Anões / Snow White and the Seven Dwarfs, adaptação do conto dos irmãos Grimm. Clássico da animação cinematográfica, instante decisivo na carreira de Disney, o filme recebeu o Prêmio Especial dos Críticos de Cinema de Nova York, o Grande Troféu de Arte do Festival de Veneza e um Oscar especial da Academia, colocando-se  em 1º lugar na lista dos 10 melhores filmes do ano do New York Times. Disney pretendia gastar apenas 250 mil dólares mas cada cena se tornou um projeto intrincado, que exigiu muita criatividade e dinheiro, e as despesas subiram para 1 milhão e 15 mil dólares. “Você não pode imaginar o montão de coisas que tivemos de aprender, e de desaprender, fazendo Branca de Neve”. (Walt Disney). Na versão original, Adriana Caselotti (depois de cogitarem  Deanna Durbin) emprestou a voz para Branca de Neve; Marjorie Belcher, mais tarde conhecida como Marge Champion nos musicais da Metro, posou como modelo. Outras vozes principais: Harry Stockwell / The Prince; Lucille La Verne / The Queen; Moroni Olsen /The Magic Mirror; Scotty Mattraw / Bashful; Roy Atwell / Doc;  Pinto Colvig / Grumpy e Sleepy; Otis Harlan / Happy; Billy Gilbet / Sneezy; Stuart Buchanan / Humbert, The Queen’s Huntsman;  Na 1ª dublagem brasileira: Dalva de Oliveira (diálogos); Maria Clara Tati Jacome (canções) / Branca de Neve, Carlos Galhardo / Príncipe; Cordélia Ferreira / Rainha; Almirante / Espelho Mágico e o anão Mestre; Delorges Caminha / Feliz; Aristoteles Pena / Zangado / Edmundo Maia / Atchim / Baptista Junior / Soneca e Dengoso, Tulio Lemos / Caçador;  Os Trovadores. Canções: Frank Churchill, Leigh Harline, Paul J. Smith. Adaptação brasileira: Radamés Gnatalli. Tradução: João de Barro, Alberto Ribeiro. Parte técnica: Moacyr Fenelon.Obs.No Brasil foi também exibida a versão original inglêsa.

Em Donald e Seus Sobrinhos / Donald’s Nephews surgem Huguinho / Huey, Zezinho / Dewey e Luizinho / Louis. Em Fitas e Fiteiros / Mother Goose Goes Hollywood aparecem mais caricaturas de astros e estrelas como Katharine Hepburn, W.C. Fields, Charles Chaplin, Laurel e Hardy.

1939:

2 desenhos do Mickey.1 Sinfonia Maluca. 8 do Donald. 1 Especial, O Patinho Feio / The Ugly Ducking, ganha o Oscar.

Em O Caçador de Autógrafos / The Autograph Hound, mais caricaturas de ídolos da tela como Greta Garbo, Mickey Rooney, Shirley Temple, os Ritz Brothers.

1940:

2 desenhos do Mickey. 8 do Donald. 1 d oPateta. 3 do Pluto.

Pinóquio / Pinocchio, baseado na história de Collodi, é um dos mais inventivos desenhos em longa-metragem de Disney do ponto de vista visual, revelando notáveis avanços técnicos em relação à Branca de Neve e os Sete Anões. Levou três anos em produção e custou aproximadamente 2 e meio milhões de dólares. No elenco de vozes principais: Dickie Jones / Pinocchio; Cliff Edwards / Jimmy Crickett; Walter Catlett / J. Worthington Foulfellow; Frankie Darro / Lampwick; Evelyn Venable / The Blue Fairy; Charles Juddles / Stromboli and The Coachman; Don Brodie / Barker. Na 1a dublagem brasileira: Donald Thompson, o “Pinguinho” da Radio Clube / Pinocchio;  Mesquitinha (e, cantando, Paulo Tapajós) / Grilo Falante, Almirante / João Honesto, Grande Otelo / Pavio de Vela, Edmundo Maia / Gepeto / Lysandro Martins / Cocheiro, Zezé Fonseca / Fada, Heloisa Helena / as Bonecas de todas as raças / Linandro Sergenti / Stromboli. A canção “When You Wish Upon a Star”, de Leigh Harline e Ned Washington, arrebatou o Oscar, sendo também atribuída aos autores e a Paul J. Smith outra estatueta da Academia pelo melhor score original. Versão brasileira: João de Barro, Joracy Camargo.

Fantasia / Fantasia (ex-Concert Feature) é o projeto em longa-metragem mais ambicioso e controvertido de Disney. Primeiramente, a intenção era fazer um desenho curto de Mickey, inspirado em “O Aprendiz de Feiticeiro” de Paul Dukas. O maestro Leopold Stokowski aceitou reger o score e sugeriu a Disney  que expandisse a idéia e realizasse uma série de visualizações de temas musicais. O musicólogo Deems Taylor apresenta os segmentos do concerto sob a direção de Stokowski: “Tocata e Fuga em Ré Menor” de Bach; “Suite Quebra-Nozes”de Tchaikowsky; “O Aprendiz de Feiticeiro” de Paul Dukas; “Sagração da Primavera” de Stravinsky: “Sinfonia Pastoral” de Beethoven: “Danças das Horas” de Ponchielli; “Uma Noite no Monte Calvo” de Moussorgsky; “Ave Maria” de Schubert. O filme, por seu desafio técnico, pode ser considerado um tributo ao brilhantismo da equipe de artistas dos Estúdios Disney e, embora muitos críticos musicais apontassem os sacrilégios cometidos na ilustração dessas composições eruditas (“grotesca caricatura da cultura”), impressiona por sua ousadia e qualidade artística. Aspas para Vinicius de Morais: “Fantasia é a festa nupcial da música com a cor, do som com o desenho, da melodia com a forma. É a orgia do bizarro, numa equilibrada sucessão de imagens visuais e sonoras que vão desde o supra-realista ao anedótico, do didático ao satírico, do lírico ao cômico. É uma polifonia policrômica de nuances jamais vistas. Festa para os olhos e para o ouvido”. Disney manda construir um sistema especial de som – o Fantasound – que antecipa muitas inovações estereofônicas dos anos 50 e 60; mas tem problemas para implantá-lo em circuito e acaba lançando o filme no sistema comum. Disney, sua equipe de som e Stokowski receberam Oscars especiais. Ao filme coube um Prêmio Especial dos Críticos de Cinema de Nova York.

1941:

3 desenhos do Mickey. 8 do Donald. 3 do Pateta. 4 do Pluto, Deve-se fazer o  Bem / Lend a Paw ganha o Oscar.

O Dragão Dengoso / The Reluctant Dragon, documentário misturando desenho e “ação ao vivo” (dirigida por Alfred L. Werker e fotografada por Bert Glenon, Winton Hoch), tendo por finalidade promover os novos estúdios de Disney em Burbank. Ali acompanhamos os passos de um visitante curioso, Robert Benchley. Depois de percorrer todos os departamentos, Benchley assiste, na companhia de Disney e colaboradores, ao desenho O Dragão Dengoso. Durante a visita ele vê também um dueto entre o Pato Donald / Clarence Nash e Clara Cluck (Galinha Cantadeira) / Florence Gill e os desenhos Baby Weems e How to Ride a Horse, este último protagonizado pelo  Pateta.

Dumbo / Dumbo é o desenho de longa-metragem mais curto e menos pretencioso de Disney. Os animadores utilizaram uma história bem simples (de Helen Aberson e Harold Pearl) e a rechearam de idéias engenhosas e personagens memoráveis, produzindo cenas brilhantemente concebidas, por exemplo, a do pileque do elefantezinho. Como Dumbo não fala, o enredo é quase todo narrado visualmente e, na observação de um crítico, o filme tem mais ângulos de câmera do que Cidadão Kane. Entre as vozes: Edward Brophy / Timothy; Herman Bing / Ringmaster; Verna Felton / Elephant; Sterling Holloway / Stork; Cliff Edwards / Jim Crow. Na 1a dublagem brasileira: João de Barro / Ratinho Timóteo; Sarah Nobre / Elefoa Matrona; Sr. Cegonha / Almirante; Grande Otelo / Jim Crow; Iara Jordão, Olga Nobre, Mary May / Eleofas Bisbilhoteiras; Xavier de Souza / Mestre de Cerimônias do circo; Miguel Orrico / Empresário.

Estoura a greve nos estúdios Disney.

Entre 1941-42, Disney realiza para a National Film Board of Canada: Stop that Tank (essencialmente um filme de instrução com poucas cenas de animação),Thrifty Pig (com os Três Porquinhos), The Seven Wise Dwarfs (trazendo os amigos da Branca de Neve de volta às telas) e Donald’s Decision (com o Pato Donald)  e All Together (com vários personagens Disney).

1942:

2 desenhos do Mickey. 8 do Donald. 4 do Pateta. 5 do Pluto.

Bâmbi / Bambi, delicada transposição do clássico infantil de Felix Salten, distingue-se por seu estilo e atmosfera, maravilhosa estilização, principalmente no uso da cor, e retorno da veia idílico-elegíaca de Disney. O diretor Sidney Franklin cedeu os direitos de adaptação e serviu como consultor artístico. Na versão original não foram creditadas as vozes. Na 1ª dublagem brasileira: Peri Ribeiro,

Durante a Segunda Guerra Mundial, noventa por cento dos empregados de Disney se dedicaram a produzir filmes de treinamento ou de propaganda para o governo. Em 1942 eles fizeram  The New Spirit e, no ano seguinte: The Spirit of 43Educação para a Morte / Education for Death – The Making of a Nazi, Razão e Emoção / Reason and Emotion, O Automo-Bastão / Victory Vehicles, etc.

1943:

6 desenhos do Donald. 1 do pateta. 2 do Pluto. 1 do Figaro. 4 Especiais, Oscar para Vida de Nazista / Der Fuehrer’s Face. Obs. Figaro  é aquele gato que vive tentando apanhar Cleo, o peixinho em Pinocchio. O personagem apareceu também como coadjuvante em desenhos do Pluto.

Alô, Amigos! / Saludos Amigos cumpre o programa de aproximação com a América Latina, incentivado pela Política da Boa Vizinhança, proclamada por Roosevelt. Combina desenho e cenas de Disney e sua equipe “ao vivo”, para ligar os quatro episódios: o do turista Donald às voltas com um lhama no lago Titicaca; o do aviãozinho Pedro tentando atravessar os Andes; o do gaúcho Pateta nos pampas da Argentina e o episódio brasileiro, no qual se ouve “Aquarela do Brasil “de Ary Barroso e “Tico-Tico no Fubá” de Zequinha de Abreu, e surge o papagaio Zé Carioca / Joe Carioca, inspirado num desenho de J. Carlos e na figura do violonista Zezinho de Oliveira. (José do Patrocínio  de Oliveira). Supervisão: Gilberto Souto. Narração: Aloysio de Oliveira.

Vitória Pela Força Aérea / Victory Through Air Power, documentário de propaganda de guerra e encaixando desenho na ação  “ao vivo”, baseado no livro do Major Alexander de Seversky sobre o bombardeio estratégico de longo alcance. As cenas com o major são dirigidas por H.C. Potter e fotografadas por Ray Rennahan.

1944-45:

11 desenhos do Donald. 8 do Pateta. 6 do Pluto. 1 Especial.

Você Já foi à Bahia?  / The Three Caballeros expande e aperfeiçoa as idéias e os temas de Alô, Amigos!. Por seu desvairado surrealismo e espantosos efeitos  visuais, ritmo rapidíssimo e surpreendente modernidade, tornou-se de uns tempos para cá,  um dos longas-metragens mais admirados de Disney. Donald recebe três presentes: o primeiro, um projetor de cinema com os filmes Strange Birds e Little Gaucho, respectivamente  as histórias  do Paulinho Pinguim e do pássaro Aracuã (narrada por Ary Barroso) e a de Gauchito e seu burrinho voador; o segundo, um livro sobre o Brasil, de cujas páginas salta Zé Carioca, que Donald para conhecer nosso país; o terceiro, refere-se ao México, onde Donald e Zé encontram o Galo Panchito, vestido de rancheiro e fazendo acrobacias com seus revólveres. Na trilha sonora: “Na Baixa do Sapateiro”, e “Os Quindins de Iaiá” de Ary Barroso (cantada a segunda por Aurora Miranda), “Solamente Una Vez” de Agustin Lara, na voz de Dora Luz; “Mexico” por Carlos Ramirez, etc. Carmen Molina dança “Jerusita”. Consultores: Gilberto Souto, Aloysio de Oliveira (este, também narrador). Harold Young dirige as cenas “ao vivo”, fotografadas por Ray Rennahan. Almirante também participa da dublagem brasileira.

1946:

5 desenhos do Donald. 2 do Pateta. 4 do Pluto. 1 do Fígaro.

Música, Maestro / Make Mine Music, calcado no modelo de Fantasia mas sem a mesma inspiração, contém dez segmentos: A Baleia que Canta Ópera / The Whale Who Wanted to Sing At The Met,  cantado por Nelson Eddy; After You’ve Gone e All The Cats Join In, dois boogies executados por Benny Goodman e seu quarteto; Chapéus  de Vitrine / Johnny Fedora and Alice Blue Bonnnet cantado pelas Andrews Sisters; Castro, o Astro / Casey and the Bat, narrado por Jerry Colonna; Pedro e o Lobo / Peter and the Wolf, narrado por Sterling Holloway; Os Pereira e os Padilha / The Martins and the Coys, cantado pelo conjunto The King’s Men; Os Dois Corações / Two Silhouettes, com os bailarinos Tatiana Riabouchinska e David Lichine do Balé Russo e a voz de Dinah Shore: O Silêncio da Noite / Blue Bayou, cantado por Ken Darby; e Sem Você / Without You, cantado por Andy Russell. Na dublagem brasileira: Dircinha Batista, Nuno Roland, Sílvio Caldas, Quitandinha Serenaders, Cesar de Alencar, Aloysio de Oliveira, Carlos Galhardo. Supervisão: João de Barro.

Canção do Sul / Song of the South, comédia-dramática, baseada no livro de Joel Chandler Harris, sobre um menino, Johnny, que foge de casa por causa da separação dos pais. No caminho, encontra um negro velho, Tio Remus, cujas fábulas a respeito do Compadre Coelho, da Comadre Raposa e do Compadre Urso o fazem mudar de idéia. Combina animação com personagens de carne e osso, interpretados por: Bobby Driscoll / Johnny, James Baskett / Tio Remus, Ruth Warrick, Luana Patten, Erik Roff, Hattie McDaniel e Lucille Watson. Direção: Harve Forste. Foto: Gregg Toland. A canção “Zip-a-dee Doo-Dah”, de Allie Wrubel e Ray Gilbert, ganha o Oscar; James Baskett recebe uma estatueta especial da Academia.

1947:

1 desenho do Mickey. 7 do Donald. 2 do Pateta. 4 do Pluto. 1 do Fígaro.

Bongo / Fun and Fancy Free conjuga os atores Edgar Bergen e Luana Patten, os personagens de cartoon Mickey Mouse, Donald e Pateta, e os bonecos Charlie McCarthy e Mortimer Snerd, numa mistura musical que tem o Grilo Falante como coordenador e introduzindo o segmento de Bongo, um urso de circo fugitivo. As aventuras de Bongo originam-se de uma história de Sinclair Lewis e são narradas por Dinah Shore, também intérprete de três canções. Noutro segmento, Mickey and the Beanstalk, o camundongo enfrenta Willie, o Gigante. Na dublagem brasileira: Dircinha Batista, Dalva de Oliveira, Almirante, Cesar de Alencar, os Cariocas, Radamés Celestino, José Vasconcelos, etc. Direção da parte “ao vivo”: William Morgan. Foto: Charles P. Boyle.

Disney depõe na Comissão do Senado que apura as atividades comunistas em Hollywood e aponta os desenhistas Herbert Sorrell e Dave Hillberman como os fomentadores comunistas da greve nos seus estúdios em 1941.

1948:

2 desenhos do Mickey. 8 do Donald. 2 do Pateta. 4 do Pluto.

Melodia / Melody Time, última das antologias musicais de Disney, sobressaindo entre os segmentos a história de João das Maçãs / Johnny Appleseed com Dennis Day e a de Pecos Bill, cuja lenda  Roy Rogers e os Sons of the Pioneers contam para Bobby Driscoll e Luana Patten. Um outro episódio reúne de novo Donald, Zé Carioca e Panchito sob o som de “Apanhei-te Cavaquinho” de Ernesto Nazareth, executado pela organista Ethel Smith e o coro das Dinning Sisters. Os outros instantes “Toot”, o Rebocador / Little Toot com as Andrews Sisters; Três Árvores / Trees, com Fred Waring e seus Pennsylvanians; Romance no Inverno / Once Upon a Wintertime e o mais original: “O Vôo do Besouro” de Rimsky Korzakov, em ritmo de jazz pela orquestra de Fred Martin com Jack Fina ao piano. Na dublagem brasileira: Dircinha Batista, Heleninha Costa, Almirante, Dick Farney, Brandão Filho, Aloysio de Oliveira, As Três Marias, Quarteto Continental. Foto da parte “ao vivo”: Winton Hoch.

Tão Perto do Coração / So Dear to My Heart é um filme normal com breves sequências de animação – para muitos, desnecessárias. História sentimental e nostálgica sobre um menino e sua ovelhinha negra, baseada no livro Midnight and Jeremiah de Sterling North. “Tão Perto do Coração” está muito ligado a mim. É a vida que meu irmão e eu levamos como garotos no Missouri”. (Walt Disney).

1949:

8 desenhos do Donald. 2 do Pateta. 4 do Pluto. 1 EspeciaL

Dois Sujeitos Fabulosos / The Adventures of Ichabod and Mr. Toad reúne duas histórias. Basil Rathbone narra a de Mr. Toad, personagem do livro The Wind in the Willows de Kenneth Grahame; Bing Crosby narra o conto Ichabod Crane, extraído de The Legend of the Sleepy Hollow de Washington Irving.

1950:

6 desenhos do Donald. 3 do Pateta, 7 do Pluto. 2 Especiais.

A Gata Borralheira / Cinderella tenta repetir o êxito de Branca de Neve e os Sete Anões. Disney escolheu o conto de Perrault para retornar ao longa-metragem só de animação e, com charme e humor, deu força aos animais amigos da heroína, os ratinhos Jacques e Gus, o cão Bruno, os pássaros, e o inimigo de todos, Lúcifer, o gato vilão. Bosley Crowther sentenciou “Embora a Gata Borralheira não seja uma obra-prima, vale todo o amor e trabalho dispendidos para realizá-lo”. Na versão original: Ilene Woods / Cinderella; William Phipps / Prince Charming; Eleanor Audley / Stepmother; Rhoda Williams, Lucille Bliss / Step Sisters; Verna Felton / Fairy Godmother; Luis Van Rooten / King/Grand Duke; James Macdonald / Jaq/Gus/Bruno. Na dublagem brasileira: Simone Moraes, Jorge Goulart, Tina Vita, José Vasconcelos, Olga Nobre, Suzy Kirby, Ema D’Avila, Carlos Maia, Nuno Roland, Paulo Tapajós, Albertinho Fortuna, Heleninha Costa. Versões: Gilberto Souto, João de Barro.

1951:

1 desenho do Mickey. 6 do Donald. 7 do Pateta. 3 do Pluto.

Alice no País das Maravilhas / Alice in Wonderland, adaptação de duas histórias de Lewis Carroll (Alice in Wonderland e Through the Looking Glass) com mais música do que sátira. Disney de certa forma já fizera Alice, pois o tema geral de Carroll serviu de base para a série Alice Comedies / 1923-27. A idéia de uma adaptação mais fidedigna lhe ocorreu várias vezes nos anos seguintes. Em 1933, houve rumores de uma versão combinando live-action e animação com Mary Pickford. Em 1945, o estúdio anunciou que Ginger Rogers estrelaria o filme. Mais tarde, Disney pensou em aproveitar Luana Patten. Finalmente, decidiu realizar o projeto em desenho animado, inspirando-se no estilo das famosas ilustrações de Sir John Tenniel. A filha de Disney comentou: “Alice é um clássico literário mas exige muito esforço intelectual e é fraco sob o ponto de vista emocional. Tais histórias são tão traiçoeiras como TNT: elas podem ser um sucesso ou fazer um filme voar pelos ares”. Na versão original: Kathryn Beaumont / Alice; Ed Wynn / Mad Hatter;  Richard Haydn / Caterpillar; Sterling Holloway / Cheshire Cat; Jerry Colonna / March Hare; Verna Felton / Queen of Hearts; etc. Na dublagem brasileira: Terezinha (filha de Mara Rúbia), Estevão Matos, Jorge Goulart, Apolo Correia, Almirante, Sarah Nobre, Nuno Roland, Otávio França, Túlio Berti, Wellington Botelho, Orlando Drumond, Suzi Kirbi, Trio Madrigal, Trio Melodia, Sonia Barreto, etc.  e a participação de Gilberto Souto, Vinicius de Morais e João de Barro nas versões.

1952-53:

2 desenhos do Mickey. 9 do Donald. 11 do Pateta. 7 Especiais, O Tatá, o Fifi, o Plin e o Chibum / Toot, Whistle, Plunk and Boom, primeiro desenho curto de Disney em CinemaScope, imitando o estilo moderno da U.P.A. , premiado com o Oscar.

As Aventuras de Peter Pan / Peter Pan, deliciosa excursão no mundo do faz-de-conta, apesar de realizado com enfoque realista, dando primazia aos personagens humanos, mantém o espírito etéreo da obra de Sir James Barrie. Como ocorreu em Alice no País das Maravilhas, a fim de obter a maior aproximação possível com os movimentos reais, Disney rodou um filme normal com modelos, para serem estudados pelos animadores. “Os animadores, tal como os pintores ou escultores, precisam de modelos … Poderíamos, é claro, ter modelos interpretando as cenas num palco. Mas assim os animadores teriam que confiar na sua memória, quando voltassem às suas mesas de trabalho. Com um filme fica mais fácil, pois ele pode ser projetado tantas vezes quantas forem necessárias para os artistas. E estes poderão corrigir quaisquer erros antes do desenho ser feito” (Walt Disney). No original, as vozes de Bobby Driscoll / Peter Pan, Kathryn Beaumont / Wendy; e Hans Conried  / Capitão Hook. Na dublagem brasileira: Lauro Fabiano / Peter Pan; Terezinha / Wendy; Aloysio de Oliveira / Capitão Hook; e Orlando Rangel, Sonia Barreto, Castro Gonzaga, Newton Paiva, Paulo Roberto, Maria Alice Reis, Abelardo dos Santos. Versões: Gilberto Souto e João de Barro.

Disney adere à 3ª Dimensão com os desenhos Melody (Adventures in Music) e Working for Peanuts.

1954-55

11 desenhos do Donald. 3 Especiais.

A Dama e o Vagabundo / Lady and the Tramp baseia-se na história de Ward Greene em torno de Lady, uma cadelinha de nobre linhagem, e suas peripécias ao lado de Malandro, o vagabundo vira-latas, seu valente admirador. Primeiro desenho de longa-metragem em CinemaScope. O filme se apóia apenas no realismo dos cenários e da ambientação, na riqueza de detalhes e na forte e simpática caracterização dos heróis caninos, sendo pouco dotado de humor. Na versão original Barbara Luddy faz a voz de Lady e Larry Roberts a de Tramp. Na dublagem brasileira: Rosina Pagã substitui a voz de Peggy Lee  (Darling/Si/Am/ Peg). Versão: Aloysio de Oliveira, Orlando Lins. Os filmes da Disney passam a ser distribuídos pela Buena Vista, de propriedade de Disney.

1956-59:

3 desenhos do Donald. 7 Especiais.

O trabalho preliminar de A Bela Adormecida / Sleeping Beauty começa em 1950, interrompe-se em 1954 e é retomado em 1956. Após três anos de produção, atinge o custo final de 6 milhões de dólares. Repetindo o processo usado em Alice o País das Maravilhas e em As Aventuras de Peter Pan, Disney roda um filme normal com modelos para ajudar os animadores. Além do Technirama 70 e do som estereofônico, utiliza um design estilizado e angular e cenas de fundo em lugar dos antigos traços suaves  e arredondados que aos poucos já vinham sendo abandonados pelos artistas do estúdio.  Na opinião de muitos, o filme, apesar de ser muito elaborado tecnicamente e atraente sob o aspecto visual, é mais próprio para adultos do que para crianças. Na versão original: Mary Costa / Princess Aurora/Briar Rose; Eleanor Audley / Maleficent; Barbara Luddy / Merryweather; Taylor Holmes / King Stefan; Bill Shirley / Prince Phillip, etc. Na dublagem brasileira: Maria Alice, Maria Norma, Heloisa Helena, Roberto de Cleto, Hamilton Ferreira, Nancy Wanderley, Nádia Maria, Mauricio Sherman, Osny Silva, Joyce de Oliveira sob a  direção de Luis Delfino.

Primeiro Oscar técnico-científico em 1959 (o outro, em 1964) para Ub Iwerks. Iwerks criou Mickey junto com Disney, fez a animação dos primeiros desenhos da WD, e ficou a seu lado até 1930, quando montou seu próprio estúdio. Em 1940, voltou a trabalhar para Disney, até falecer em 1971. Considerado por seus colegas “um gênio da mecânica”, recebeu os prêmios da Academia por suas invenções no campo da trucagem ótica e efeitos fotográficos especiais, sobretudo aqueles misturando atores com desenhos. Foi consultor fotográfico especial de Os Pássaros / The Birds de Alfred Hicthcock e de outros filmes normais e documentários de Disney.

1960-61:

2 desenhos do Donald. 1 do Pateta. 2 Especiais.

A Guerra dos Dálmatas / 101 Dalmatians, baseado no livro The Hundred and One Dalmatians de Dodie Smith, narra as aventuras  de uma família de cães. Os pais (Pongo e Perdita) procuram os filhotes, raptados pela perversa Cruela Cruel, que quer transformá-los em casacos de peles, e acabam trazendo para a casa de seus donos 101 cachorros dálmatas. Menos pretencioso e ainda mais estilizado do que os desenhos anteriores, o filme conjuga imagens encantadoras com um enredo bastante espirituoso. Introdução do uso do lápis de cera e da técnica pela qual os desenhos originais são xerocopiados diretamente na folha transparente de celulóide, poupando muito trabalho. Na versão original:  Rod Taylor / Pongo; Lisa Daniels / Cate Bauer / Perdita; Betty Lou Gerson / Cruella De Vil/Miss Birdwell , etc. Na dublagem brasileira: Domingos Martins, Maria Alice, Hélio Colona, Simone Moraes, Margarida Rey, Mauricio Sherman, Hamilton Ferreira, Olga Nobre. Versão: Aloysio de Oliveira, Orlando de Figueiredo.

1962-63:

1 Especial.

A Espada Era a Lei / The Sword in the Stone apóia-se no livro de T. H. White, contando os lances da infância do Rei Arthur. Sem a atmosfera de conto de fadas ou de lenda e o mesmo brilho de outros exemplares da obra de Disney, o filme tem entretanto certos diálogos interessantes – os de Merlin e os da coruja Arquimedes – e a sequência memorável do duelo entre o mágico e Madame Mim. Na versão original: Ricky Sorenson / Wart; Karl Swenson / Merlin; Junius Matthews / Archimedes; Martha Wentworth / Madame Mim/Granny Squirrel; Sebastian Cabot / Sir Ector/narrator; Alan Napier / Sir Pelinore, etc. Na dublagem brasileira: João Carlos Barroso / Wart; Magalhães Graça / Merlim; Orlando Drumond (Coruja Arquimedes).

1964-66:

1 desenho do Pateta. 2 especiais.

Estrondoso sucesso dos estúdios Disney, Mary Poppins / Mary Poppins, inspirado nos livros de P. L. Travers, versa sobre uma governanta que causa profundas modificações na família Banks, em Londres, por volta de 1910. O filme insere trechos de animação nas cenas com atores. No elenco: Julie Andrews (estreando na tela), Dick Van Dyke, David Tomlinson, Glynis Johns, Karen Dotrice, Matthew Garber, Ed Wynn, Hermione Baddley, Elsa Lanchester, Jane Darwell, Reginald Owen. Direção: Robert Stevenson. Efeitos especiais: Peter Ellenshaw, Eustace Lycett, Robert A. Mattey. Diretor de Animação: Hamilton Luske. Mary Poppins teve 13 indicações para o Oscar, vencendo em cinco categorias: melhor atriz, montagem, score original, canção e efeitos especiais visuais.

A partir de 1964, as dublagens em português passam à supervisão de Telmo Avelar (Telmo Perle Munch). Morte de Walt Disney a 15 de dezembro de 1966.

1967-70:

2 Especiais, O Ursinho Puff em Ritmo de Aventura / Winnie the Pooh And The Blustery Day ganha o Oscar.


Ainda com participação de Disney, Mogli, o Menino Lobo / The Jungle Book inspira-se nas histórias de Rudyard Kipling. O filme, excelente sob o prisma pictórico e do estudo de caracteres, tem pouca excitação; mas, mesmo assim, muitos o elogiam entusiasticamente. “É a melhor coisa no gênero desde Dumbo” (Richard Shickel). Na versão original: Phil Harris / Baloo the Bear; Sebastian Cabot / Bagheera the Panther; Louis Prima / King Louise of the Apes; George Sanders / Shere Kahn, the tiger; Sterling Holloway / Kaa, the snake; J. Pat O’Malley / Clonel Hathi, the elephant; Bruce Reitherman / Mowgli, the man-cub, etc. Na dublagem brasileira: Alberto Perez, Joaquim Mota, José Manoel, Roberto maia, Magalhães Graça, Castro Gonzaga, MPB-4.

Aristogatas / The Aristocats também conta com sugestões de Disney na fase preparatória e se baseia na história The Aristocats de Robert M.   Sherman. No enredo, Edgar, o mordomo de madame  Adelaide Bonafamille,  uma rica cantora de ópera aposentada, decide livrar-se dos gatos da casa, Duquesa e seus três filhos, a fim de herdar a fortuna da família; pois a madame havia feito um testamento em favor deles. Um gato vagabundo, J. Thomas Malley e um camundongo, Roquefort, os ajudam, põem Edgar a correr e passam a viver entre os aristocráticos hóspedes da rica mansão. Na versão original: Phil Harris / Thomas O’Malley; Eva Gabor / Duchess; Sterling Holloway / Roquefort; Hermione Badelley / Madame Bonafamille, etc. Na dublagem brasileira: Ruth Schelske, Enio Santos, Monsueto, Lourdes Mayer, Magalhães Graça, Terezinha Moreira, Selma Lopes, Waldir Fiori, Orlando Dumond. Canções vertidas por Aloysio de Oliveira e interpretadas por Ivon Curi, Dóris Monteiro e o MPB-4.

HOOT GIBSON

abril 28, 2011

Um dos astros do western mais populares dos anos 20 e 30 foi Edmund Richard Gibson. Apelidado de “Hoot” Gibson, ele era um legítimo cowboy, nascido em Tekamah, Nebraska, a 6 de agosto de 1892.

Desde criança  Gibson já gostava de cavalos e logo aprendeu a cavalgar. Seu primeiro emprego foi no Correio Postal, quando tinha 15 anos de idade. Ele ficou entregando correspondência a cavalo cerca de três meses e depois arrumou uma colocação na Owl Drug Co. para entregar  remédios e pacotes em residências no Sul da Califórnia. Foi então que recebeu o apelido de “Hoot”. Por causa do nome da companhia, Owl (Coruja), seus colegas começaram a chamá-lo de Hoot que, no idioma inglês, quer dizer pio de coruja.

Gibson chegou à indústria de cinema em 1910 após ter prestado serviços como vaqueiro a qualquer dono de rancho  que precisasse de alguém para tanger o gado ou domar cavalos selvagens. Sua primeira experiência fílmica deu-se na Selig Polyscope Co. dublando os atores desta companhia em cenas arriscadas. Um dos seus primeiros filmes conhecidos foi Two Brothers de D. W. Griffith estrelado por Henry Walthall. No mesmo ano, Gibson e seu amigo Art Acord arranjaram trabalho como stuntmen num filme de Tom Mix. Acord e Gibson continuaram amigos e suas carreiras correram paralelamente até a morte  trágica de Acord em 1931.

Em 1912, Gibson era uma atração nos rodeios, tendo recebido, em 1912, o troféu  “All Around Champion” num rodeio famoso  em Pendleton, Oregon, onde conheceu Rose Wanger. Não se sabe ao certo se eles se casaram embora ela tivesse adotado o sobrenome Gibson.

O próximo compromisso de Gibson ocorreu em 1913, quando ele dublou Helen Holmes no seriado da Kalem, The Hazards of Helen; trabalhou com Helen durante o ano de 1914 e parte do ano de 1915. Nesta ocasião, Gibson foi para a Universal, onde atuou como dublê nos filmes de Harry Carey, então o maior astro do western neste estúdio. Finalmente, Carey deu-lhe um papel de algum destaque em A Knight of the Range / 1916 e logo se seguiu uma participação mais importante no primeiro filme de John Ford, O Último Cartucho / Straight Shootin’/ 1917, com Harry Carey à frente do elenco; mas, ao irromper a Primeira Grande Guerra, Gibson incorporou-se à Divisão de Tanques do Exército.

Desligado em 1919, Gibson voltou aos papéis secundários nos faroestes de John Ford, ganhando, no final deste ano, a sua própria série, na qual foi anunciado como “The Smiling Whirlwind”(O Furacão Sorridente).

Em 1921, Gibson teve sua grande oportunidade, quando foi escalado como “Sandy Brouke” no filme de John Ford, Ação Enérgica / Action. Francis Ford e J. Farrell McDonald compuseram com ele o trio de heróis da história de Peter B. Kyne, Three Godfathers, que seria filmada outras vezes no futuro. Em 1922, contraiu matrimônio com Helen Johnson da qual se divorciaria em 1930.

De porte atlético, simpático, sorriso de dentuço e rosto de garoto, Gibson parecia estar predestinado a ser bem sucedido nos filmes do gênero. Com Ação Enérgica ele parou de fazer filmes de dois rolos mas continuou na Universal pelos próximos nove anos, participando de mais 69 filmes, alguns já sonoros. Neste período, Nos Lances da Vida /Ridin’ Kid from Powder River / 1924, Zé do Passa-Quatro / Chip of the Flying U / 1926 e Grito de Batalha / Flaming Frontier / 1926 foram  apontados como seus melhores trabalhos na cena muda.

Pouco antes do fim do cinema mudo, Gibson introduziu carros de corrida e aeroplanos em alguns de seus filmes. Títulos como O Cowboy de Luxo / Flyin’ Cowboy / 1928 e Asas de Rapina / Winged Horseman / 1929 refletem a mudança no meio de transporte. Na vida real, ele adorava esses tipos de veículos e, faturando mais de 14.500 dólares por semana,  podia satisfazer seus desejos.

Os filmes de Hoot Gibson tinham ação rápida mas a especialidade do cowboy-ator era o humor. “A maioria dos meus filmes eram comédias dramáticas. Não tinham muita violência. Em vez de combater o vilão fisicamente, eu o enganava. Fazia todas as cenas arriscadas sem precisar de dublê. Eu não era cowboy de mentira … Nunca vestí roupas espalhafatosas mas sim o que os verdadeiros cowboys vestiam – macacão, camisa, chapéu. Tive cinco cavalos e eles não tinham nomes. Jamais cantei…” Gibson não precisava de um companheiro  para as cenas cômicas – ele era o seu próprio sidekick.


O simpático cowboy resistiu bem à transição para o som e permaneceu na Universal. Durante a temporada 1929-30 ele fêz oito talkies neste estúdio entre os quais Domador de Mulheres / Courtin’ Wildcats, Vaqueiro Errante / Long Long Trail, Roaring Ranch, Logrando Lobos / Trigger Tricks (estes três últimos notabilizados devido ao seu muito divulgado romance –  e depois casamento (em 1930) com a sua leading lady Sally Eilers -, Uma Noite na Cidade / Trailing Trouble, O Cavaleiro Yankee / Mounted Stranger, Vaqueiro Apaixonado / Concentratin’ Kid e Esporas de Ouro / Spurs, este último considerado o melhor dos seus filmes falados na Universal e cheio de ação (o que não era surpresa, pois foi dirigido por B. Reeves Eason).

Por melhores que fossem os filmes de Hoot Gibson na Universal, a diminuição dos lucros durante a era da Depressão logo obrigou Carl Laemmle a interromper a produção de westerns.


Gibson teve que procurar emprego em outro lugar mas não aparecia nenhuma proposta de outros grandes estúdios. Até que, finalmente, o produtor independente M. H. “Max” Hoffman, dono da Allied Pictures Corporation o chamou e ele aceitou imediatamente o convite, mesmo sabendo que o salário seria muito menor do que aquele da folha de pagamento da Universal. “Pelo menos”- disse – eu estarei de volta na sela novamente”. Hoffman, um antigo gerente geral da Universal, fundou a Tiffany Pictures em 1927 e depois a Allied em 1931. Ele produziu 22 filmes entre 1931 e 1934, a metade dos quais eram westerns com Hoot Gibson (O Capitão Espalha-Brasa / Clearing the Range, O Cavalo Selvagem / Wild Horse, O Bamba do Rio Verde / Hard Hombre, Local Bad Man, The Gay Buckaroo, Spirit of the West,  Comprando Barulho / A Man’s Land, Cavalgada Heróica / The Boiling Point, The Cowboy Counsellor, The Dude Bandit, The Fighting Parson). Hoffmann na realidade tencionava usar o lucro dos faroestes de Gibson para financiar seu verdadeiro interesse, a filmagem de obras literárias famosas.

Os filmes da Allied eram mais modestos em termos de produção do que os da Universal,porém deram um lucro razoável. A caracterização de Gibson continuou a mesma – aquela do cowboy desarmado, diabolicamente cômico, que se mete em encrencas, desta vez com um companheiro, Skeeter Bill Robbins. O Capitão Espalha-Brasa, o primeiro filme para Hoffmann, teve como atriz principal a esposa de Gibson, Sally Eilers, cuja carreira seria impulsionada para o  estrelato, quando ela se transferiu para a Fox.

Em 1933, as relações entre Gibson e Hoffman estremeceram. Gibson desejava retornar à Universal, porém Hoffman não abriu mão do seu contrato. Seguiu-se uma litigação, que custou muito caro para Gibson e contribuiu para o seu afastamento das telas por dois anos até 1935. Nesse interim, Gibson sofreu um acidente pilotando seu aeroplano numa competição aérea e ficou hospitalizado durante vários meses. Hoffman acabou cedendo o contrato de Gibson para a First Division, uma distribuidora das companhias independentes, que vinha distribuindo os filmes da Allied. A First Division formou uma companhia (First Division Productions), para produzir quatro filmes com Gibson mas, após os dois primeiros  (Sunset Range , Rainbow’s End), a companhia o liberou e ele assinou contrato para fazer seis westerns para a Diversion Pictures de Walter Futter. Em 1936 a Grand National absorveu a First Division.

Depois dos seis filmes produzidos pela Diversion, (Frontier Justice, Swifty, Lucky Terror, Feud of the West, The Riding Avenger, Cavalcade of the West) Gibson foi incluído numa dupla de excelentes westerns, ao lado de Harry Carey, produzidos pela RKO. O primeiro, Duelo de Valentes / Powdersmoke Range / 1935 inaugurou a série The Three Mesquiteers com personagens criados por William Colt MacDonald, Gibson (Stanley Brooke), Harry Carey (Tucson Smith) e ‘Big Boy” Williams (Lullaby Joslin), que foram cercados por um punhado de veteranos: Bob Steele, Tom Tyler, Wally Wales, “Boots” Mallory, William Desmond, Buddy Roosevelt, Buffalo Bill Jr., Franklyn e William Farnum, Art Mix e outros bambas do gênero. No segundo, O Último Bandoleiro / The Last Outlaw / 1936, Gibson é xerife e Carey o bandido que tenta se ajustar a um mundo transformado, após ter vivido encarcerado vinte anos na prisão.

Em 1937, a Republic ofereceu a Gibson o segundo papel principal num seriado intitulado O Aliado Misterioso / The Painted Stallion. O astro era Ray Corrigan e Jack Perrin e Wally Walles os outros dois cowboys do tempo do cinema silencioso convocados para atuar na fita-em-série.

Terminado o compromisso, Gibson resolveu trabalhar em circos, aparecendo pessoalmente diante do público mas a nova geração estava mais interessada em Gene Autry, William Boyd , Bill Elliott e Tex Ritter.

Ele ficou ausente das telas por quase seis anos, antes de retornar ao lado de Ken Maynard na série Trail Blazers, produzida a partir de 1943 por Robert Tansey em associação com a Monogram. Os dois veteranos receberam por filme quantia que, décadas antes, considerariam irrisória. Os filmes da série foram: O Mistério do Desfiladeiro / Wild Horse Stampede / 1943, Nas Malhas da Lei / The Law Rides Again / 1943, Pistolas Chamejantes / Blazing Guns / 1943, Vale da Morte / Death Valley Rangers / 1943, Rumo ao Oeste / Westward Bound / 1944, Falsários do Oeste / Arizona Whirlwind / 1944, Malfeitores / Outlaw Trail / 1944, Diligência de Sonora / Sonora Stagecoach / 1944, O Valentão de Utah / The Utah Kid / 1944, Paragens Inóspitas / Marked Trails / 1944, A Lei da Pistola / Trigger Law / 1944. A série começou com a trinca Hoot Gibson – Ken Maynard – Bob Baker. O papel de Baker era muito fraco e ele não voltou no segundo filme. No quarto filme entrou Bob Steele para formar novamente um trio. Maynard abandonou a série após o sexto filme e Steele e Gibson continuaram, apoiados em dois filmes por Chief Thunder Cloud. Tansey deixou de ser o produtor depois do oitavo filme, de modo que os três últimos na verdade não pertencem a série Trail Blazers.


Apos uma aparição em Voando para o Desconhecido / Flight to Nowhere / 1946, Gibson só saiu da obscuridade em 1953, quando Ken Murray o escolheu para contracenar com ele em The Marshall’s Daughter, distribuído pela United Artists.

Transcorridos mais sete anos de ausência da tela, Gibson retornou em  Marcha de Heróis / The Horse Soldiers / 1959 de John Ford e em Onze Homens e um Segredo / Ocean’s Eleven /  1960  de Lewis Milestone.

No final da vida, ele se instalou em Las Vegas com Dorothy Duntan, que havia desposado em 1942 (havia se divorciado de Sally Eilers em 1933) e, na cidade do jogo, funcionou como recepcionista de cassinos.

No dia 23 de agosto de 1962, Hoot Gibson faleceu vitimado pelo câncer, cheio de dívidas mas sem um traço de amargura, certo de que, no coração dos fãs, jamais seria esquecido.

FILMOGRAFIA

Ví pouco filmes de Hoot Gibson: O Bamba do Rio Verde, Lucky Terror, The Gay Buckaroo, Spirit of the West, Cavalgada Heróica, O Cavalo Selvagem, Comprando Barulho, Local Bad Man, Rumo ao Oeste, Pistolas Chamejantes, e o seriado O Aliado Misterioso. Assim sendo, não me sinto qualificado para apontar os seus melhores filmes. Eu já havia escrito um artigo e uma filmografia de Hoot Gibson, publicados na revista Cinemin nº 40 mas eles tinham defeitos. Revisei o artigo e e a filmografia. O imdb menciona alguns filmes curtos de Hoot Gibson, que não estão na minha filmografia. Não os coloquei, porque não sei a fonte de onde eles extraíram tais dados.

1910 – The Two Brothers. 1911 – The New Superintendent (a presença de Hoot como figurante é duvidosa.) 1912 – His Only Son. 1913 – O FORA-DA-LEI/ The Law and the Outlaw. 1914 – FAÇANHAS DE HELEN / The Hazards of Helen (seriado), Shotgun Jones, The Man from the East. 1915 – Buckshot John, The Man from Texas, Judge Not ou The Woman of Mona Diggins, The Ring of Destiny. 1916 – A Knight of the Range, CAVALEIROS NOTURNOS / The Night Riders, The Passing of Hell’s Crown. 1917 – O TELEFONE DA MORTE / The Voice on the WireA 44-Caliber Mystery, A BALA DE OURO / The Golden Bullet, The Wrong Man,  ARREBANHADOR DE ALMAS / The Soul Herder, Cheyenne’s Pal, A ESFINGE DO TEXAS / The Texas Sphinx, O ÚLTIMO CARTUCHO / Straight Shooting, The Secret Man, PREITO DE UM FORAGIDO / A Marked Man. 1918 – EM PALPOS DE ARANHA / A Woman in the Web (seriado), Play Straight or Fight, Headin’ South, The Midnight Flyer, The Branded Man, Danger Go Slow. 1919 – O BANDIDO DO CAVALO PRETO / The Black Horse Bandit, LUTA ENTRE IRMÃOS / The Fighting Brothers, O ÍNDIO CORREIO / By Indian Post, Gun Law, The Rustlers, Ace High, The Gun Packer, Kingdom Come, ANÁLISE DE PAIXÃO / The Fighting Heart, ARROJADA AVENTURA / The Four-Bit Man, O VALETE DE COPAS / The Jack of Hearts, The Crow, The Tell Tale Wire, The Face in the Watch, The Lone Hand, The Trail of the Holdup Man, The Double Hold-Up, The Jay Bird, 1920 – West is Best, Roarin’ Dan, The Sheriff’s Oath, Hair Trigger Stuff, RunninStraight, Held Up fot the Makin’s, The Rattler’s Hiss, The Texas Kid, Wolf Tracks, Masked, Thieve’s Clothes, The Broncho Kid, The Fightin’ Terror, The Shootin’ Kid, ROBERTO, O RISONHO / The Smilin’ Kid, The Champion Liar, The Teacher’s Pet, The Shootin’

Fool, His Nose in the Book. 1921 – The Driftin’ Kid, Sweet Revenge, Kickaroo, The Fighting Fury, Out of Luck, The Cactus Kid, Who Was the Man?, Crossed Clues, Double Crosses, The Wild Wild West, ACAUTELEM-SE BANDIDOS / Bandits Beware, The Movie Trail, The Man Who Woke Up, Beating the Game, Too Tired Jones, The Winning Track, The Big Catch, A Gamblin’ Fool, The Grinning Granger, One Law for All, Some Shooter, In Wrong Wright, Cinders, Double Danger, The Two-Fisted Lover, Tipped Off, Superstition, LADRÃO DE GADO / Fight it Out, The Man with the Punch, The Trail of the Hound, The Saddle King, Marryin’Marion, A Pair of Twins, Harmony Ranch, Winning a Home, The Stranger, Ransom, AÇÃO ENÉRGICA/ Action, CORAGEM INABALÁVEL / Red Courage, FOGO CERTEIRO / Sure Fire, COMEDOR DE FOGO / The Fire Eater. 1922 – COM RUMO AO OESTE / Headin’ West, O DESTEMIDO / The Bearcat, O DESNORTEADO / Step on It, O TOSQUIADO / Trimmed, A PORTA CARREGADA / The Loaded Door. CAIPIRA GALOPANTE / The Galloping Kid, A REPRESA / The Lone Hand. A DESFILADA / Ridin’ Wild, O VALENTE / Kindled Courage. 1923 – O CAVALHEIRO DA AMERICA / The Gentleman from America, DE MÃOS JUNTAS ou SEM NENHUM AUXÍLIO / Single Handed, TRIUNFO ÀS AVESSAS / Dead Game, A FLOR DE SEU CANTEIRO / Double Dealing, A FORÇA DO AMOR / Shootin’ for Love, SEM SORTE / Out of Luck, O CAIXA-D’ÓCULOS / Blinky, O MOÇO CORREDOR / The Ramblin’Kid, CAÇADOR DE EMOÇÕES / The Thrill Chaser. 1924 – BOMBAS E MANGUEIRAS / Hook and Ladder, AVENTURAS DE AMOR / Ride for your Life, O FACTOTUM / 40 Horse Hawkins, DA ALDEIA À CIDADE / Broadway or Bust. BATA E CORRA / Hit and Run, AS

APARÊNCIAS ILUDEM / The Sawdust Trail, NOS LANCES DA VIDA / The Ridin’ Kid from Powder River, CIDADE DAS ESTRELAS / The City of Stars (DOCUMENTÁRIO). 1925 – A CORRIDA DA FELICIDADE / The Hurricane Kid, ENSINAMENTOS DO OESTE / The Taming of the West, TRAMAS DE AMOR / Let’er Buck, JUSTIÇA DO DESTINO / The Saddle Hawk, A FAZENDA DOS FANTASMAS / Spook Ranch, VAIVÉNS DA VIDA / The Calgary Stampede, Roads to Hollywood (short). 1926 –  A CORRIDA DE OBSTÁCULOS NO ARIZONA / The Arizona Sweepstakes, ZÉ DO PASSA-QUATRO / Chip of the Flying U, BALA SEM RUMO / The Phantom Bullet, NA PISTA DOS SALTEADROES / The Man in the Saddle, RELÂMPAGO / The Texas Streak, UM HOMEM DE PALAVRA / The Buckaroo Kid, GRITO DE BATALHA / The Flaming Frontier. 1927 – O CAVALEIRO SILENCIOSO / The Silent Rider, O MOÇO DA CIDADE / The Denver Dude, OLÁ! BOIADEIRO / Hey! Cowboy, O REI DAS CAMPINAS / The Prairie King, PERSEGUIDO DA SORTE / A Hero on Horseback, CAVALOS PINTADOS / Painted Ponies,

A VERTIGEM DO GALOPE / Galloping Fury. 1928. O REI DA SELA / The Rawhide Kid,  UM JOGO DE CORAÇÕES / A Trick of Hearts, O COWBOY DE LUXO / The Flyin’ Cowboy, O HERÓI DO CIRCO / The Wild West Show, CORRENDO PELA FAMA / Riding for Fame, AJUSTANDO CONTAS / Clearing the Trail, BONDOSO MALFEITOR / The Danger Rider. 1929 – O REI DO RODEIO / King of the Rodeo, QUEIMANDO O VENTO / Burning the Wind, VAQUEIROS DE SALÃO / Smilin’ Guns, O LAÇO DA LEI / The Lariat Kid, ASAS DE RAPINA / The Winged Horsemen, BANDAS DO OESTE / Points West, VAQUEIRO ERRANTE / The Long Long Trail , DOMADOR DE MULHERES / Courtin’ Wildcats. 1930 – O CAVALEIRO YANKEE / The Mounted Stranger, UMA NOITE NA CIDADE / Trailin’ Trouble, O SÍTIO DA MORTE / Roaring Ranch,  LOGRANDO LOBOS /

Trigger Tricks, ESPORAS DE OURO / Spurs, VAQUEIRO APAIXONADO / The Concentratin’ Kid. 1931 – O CAPITÃO ESPALHA-BRASA / Clearing the Range, O CAVALO SELVAGEM / Wild Horse, (relançado como Silver Devil), O BAMBA DO RIO VERDE / Hard Hombre. 1932 – The Local Bad Man, The Gay BuckarooSpirit of the West, COMPRANDO BARULHO / A Man’s LandThe Cowboy Counsellor, CAVALGADA HERÓICA / The Boiling Point. 1933 – The Dude Bandit, The Fighting Parson. 1935 – O PREÇO DO RESGATE / Sunset Range, UM CAPATAZ DE MÃO CHIEA / Rainbow’s End, DUELO DE VALENTES / Powdersmoke Range, Swifty. 1936 –  Lucky Terror, Feud of the West, Frontier JusticeThe Riding Avenger, O ÚLTIMO BANDOLEIRO / The Last Outlaw, Cavalcade of the West. 1937 – O ALIADO MISTERIOSO / The Painted Stallion (seriado). 1943 – O MISTÉRIO DO DESFILADEIRO / Wild Horse Stampede, NAS MALHAS DA LEI / The Law Rides Again, PISTOLAS CHAMEJANTES / Blazing Guns, VALE DA MORTE / Death Valley Rangers, FALSÁRIOS DO OESTE / Arizona Whirlwind, MALFEITORES / Outlaw Trail, DILIGÊNCIA DE SONORA / Sonora Stagecoach, O VALENTÃO DE UTAH / The Utah Kid, PARAGENS INÓSPITAS / Marked Trails,  A LEI DA PISTOLA / Trigger Law. 1946 – VOANDO PARA O DESCONHECIDO / Flight to Nowhere, Hollywood Cowboys (segmento do short Instantâneos de Hollywood /  Screen Snapshots). 1953 – The Marshall’s Daughter. 1956 – Hollywood Bronc Busters )segmento do short Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots). 1959 – MARCHA DE HERÓIS / The Horse Soldiers, ONZE HOMENS E UM SEGREDO/ Ocean’s 11.

A ÉPOCA DE OURO DO CINEMA PORTUGUÊS

abril 18, 2011

O êxito de A Severa – primeiro filme sonoro português, dirigido  em 1931 por Leitão de Barros e estrelado por Dina Teresa, com a filmagem de interiores e a sonorização feitos no estúdio da Tobis em Epinay-sur-Seine na França e as cenas exteriores rodadas em Portugal – acelerou a construção de um estúdio devidamente equipado para o som em Lisboa.

No início de 1932, foi constituída a Companhia Portuguesa de Filmes Sonoros Tobis Klang Film (abreviatura de Tonbild Syndikat), que conservou o nome da sociedade alemã, por ter sido ela que lhe forneceu a aparelhagem técnica, e ficou conhecida como Tobis Portuguêsa.

Antes de prosseguir nesta minha sucinta apresentação da “Época de Ouro do Cinema Português”, que abrange os anos 30/40, quero deixar bem claro que não sou um especialista na História do Cinema Português. Dos filmes citados neste artigo, ví apenas:  A Canção de Lisboa, Aldeia da Roupa Branca, O Pai Tirano, O Costa do Castelo, O Leão da Estrela, A Menina da Rádio, A Vizinha do lado, O Pátio das Cantigas, Camões, Inês de Castro, Vendaval Maravilhoso, Capas Negras, Fado, História de uma Cantadeira, Aniki-Bóbó e trechos de alguns outros.

De modo que tive que recorrer a um livro precioso, História do Cinema Português (Publicações Europa-América,1986) de Luís de Pina, renomado crítico e estudioso de cinema, que foi diretor da Cinemateca Portuguêsa como também a comentários de revistas da época, para recordar alguns dos principais filmes daquele período, excluindo os documentários.

A primeira produção feita com o equipamento da Tobis, A Canção de Lisboa, começou a sua filmagem num palco improvisado enquanto continuava a construção do estúdio, orientado pelo arquiteto Cottinelli Telmo que foi, ao mesmo tempo, o argumentista e o realizador do filme.

Estreado em novembro de 1933, essa “graciosa comédia musical à portuguêsa”, foi um sucesso e trouxe para  o cinema o magnífico ator Antonio Silva ao lado de Beatriz Costa e Vasco Santana e Tereza Gomes, três grandes e populares figuras do teatro ligeiro.

No enredo, Vasco Leitão (Vasco Santana), estudante de medicina, vive da mesada das tias de Tras-os-Montes e passa por bom aluno. Mas, na verdade, ele prefere as festas, as cantigas populares e as mulheres bonitas, em particular, Alice (Beatriz Costa), uma costureira do Bairro dos Castelinhos, o que não agrada ao pai da moça, o alfaiate Caetano (Antonio Silva). No mesmo dia em que é reprovado no exame final, Vasco recebe uma carta das tias (Teresa Gomes, Sofia Santos) que lhe anunciam uma visita a Lisboa! Caetano não consente que a filha namore com Vasco, até saber que as tias do estudante são ricas e farão dele seu único herdeiro. De olho no dinheiro, ele ajuda Vasco a fingir que é médico e à dupla junta-se um sapateiro interesseiro da loja ao lado (Alfredo Silva), também atraído pela fortuna.

Como disse Luís de Pina, e eu concordo com ele, A Canção de Lisboa foi um filme feito com alegria, entusiasmo e amor ao cinema, sentimentos que vieram a refletir-se claramente nas suas imagens. Além das situações ingênuas mas engraçadas, da interpretação deliciosa do trio de intérpretes principais, do ritmo ágil e fluente, do som impecável, o espetáculo oferece boas canções (de Raul Ferrão e Raul Portela) como “Olhó Balão e “A Agulha e o Dedal” e duas sequências antológicas: o sonho nupcial de Alice enquanto está passando a ferro as calças do seu namorado, durante o qual vemos as imagens do casal dançando na floresta e Beatriz Costa cantando com sua voz maviosa aquela que, para mim, é a canção mais bela do filme e a cena da eleição de Alice como “Miss Castelinhos” no concurso presidido pelo pai (um Antonio Silva impagável!).

A segunda produção sonora realizada em Portugal, seguindo a linha folclórico-popular, foi Gado Bravo, lançado em 1934, dirigido por Antonio Lopes Ribeiro com supervisão do alemão Max Nosseck e a colaboração de uma equipe germânica (na qual se incluíam a atriz Olly Gebauer, o ator Siegfried Arno, o fotógrafo Heinrich Gartner e o argumentista Erich Phillipi).  Segundo Luís de Pina, havia de fato uma forte influência alemã, sobretudo no plano fotográfico. A atriz austríaca Olly Gebauer fazia o papel da cantora estrangeira Nina, mulher fria e perturbadora que disputa o coração de Manuel Garrido (Raul de Carvalho), criador de touros e hábil cavaleiro tauromáquico com a doce e sensível Branca (Nita Brandão). Siegfried Arno era o empresário de Nina. Na opinião de Alves Costa, (Breve História do Cinema Português, ICALP, 1977) o filme alterna “alguma coisa boa com muita coisa má, numa historieta inventada por um estrangeiro que arranca com algumas das mais belas imagens do Ribatejo jamais filmadas e acaba por meter de tudo um bocadinho numa salgalhada de folhetim sentimental em que os campinos são apenas nota folclórica…”

Em 1935, o filme mais importante foi As Pupilas do Senhor Reitor, nova versão do romance de Julio Diniz (houve uma primeira em 1922 de Maurice Mariaud), dirigido por Leitão de Barros.

A nossa Cinearte dedicou ao filme uma página inteira da sua seção A Tela em Revista, concluindo pela cotação “muito bom”. Eis um trecho: “Durante suas seis semanas no Alhambra, encantou não só aos portugueses, que recordaram com ele a terra distante, como também a todos os espectadores brasileiros, pois é um filme de deliciosa poesia, de um pitoresco excepcional, cujo encanto atua fortemente sobre a platéia desde as primeiras e belas imagens de Coimbra até o final … Leitão de Barros revela progressos notáveis como diretor. Antes que tudo, é de louvar como conseguiu fixar bem essa estranha dualidade que é o traço característico, é a alma das coisas de Portugal – a luminosa alegria sempre engastada a uma terna melancolia”.

Em 1936, surgem dois filmes, uma comédia e uma biografia histórico-literária, binômio habitual do cinema português: O Trevo de Quatro Folhas, de Chianca de Garcia e Bocage, de Leitão de Barros. O primeiro era uma espécie de comédia sofisticada na tradição americana, apoiada no tema da dupla identidade com um roteiro recheado de surpresas e peripécias. Beatriz Costa fazia o papel duplo de Rosita, uma aventureira e Manuela, caixeira do quiosque “O Trevo de Quatro Folhas” e Nascimento Fernandes, um papel múltiplo, pois interpretava um tal de Zé Maria, empregado numa fábrica de sabonetes, que se parece com toda a gente, razão pela qual tem de fazer os mais diversos personagens, incluindo um goleiro de futebol. A novidade era a presença do nosso Procópio Ferreira, contracenando com aqueles dois grandes nomes do teatro português.

Quanto a Bocage, é uma opulenta reconstituição histórica da Lisboa Antiga com magníficos cenários e figurinos porém, como observou Luís de Pina, “Leitão de Barros não consegue harmonizar, como em A Severa, o estúdio e a Natureza, a verdade dos rostos e a convenção da época reconstituída. Bocage, apesar do brio de Raul de Carvalho, pouco à vontade no personagem, deixa de ser o poeta singular, a figura discutida que o povo consagrou”.

Talvez por sentir que Bocage havia sido um relativo fracasso, Leitão de Barros muda de gênero e se decide pela comédia. Surge assim, um novo sucesso popular, Maria Papoila / 1937, a história da moça beirã, de fala vieense, que vai trabalhar como criada em Lisboa. Mirita Casimiro,  no papel principal, domina o filme de ponta a ponta com a sua presença.

O comentarista de Cinearte, na Tela em Revista, referiu-se assim à Mirita, que chama de Marita: “Não sendo bonita, tem contudo qualidades magníficas para agradar. O papel parece ter sido talhado para ela, que lhe dá o máximo de seu temperamento e agrada em tudo o que faz. Canta com muita propriedade a “Canção da Papoila”. Pode-se dizer que é uma revelação”. Ainda nos anos 30, Leitão de Barros faria outra comédia, A Varanda dos Rouxinóis, mas sem o interesse desta.

No mesmo ano da estréia de Maria Papoila, foi apresentado à Nação o primeiro filme subsidiado pelo Estado Novo, produzido no âmbito das comemorações  do 10º aniversário do 28 de Maio: A Revolução de Maio, de Antonio Lopes Ribeiro. Dois anos antes fora criado o Secretariado da Propaganda Nacional, dirigido por Antonio Ferro, que passa a superintender todo o cinema português. Filme político, seu objetivo é mostrar que a política do Estado Novo, através das suas realizações, transformou as mentalidades e que Portugal é um país diferente daquele que o regime encontrara. Empenhado em mobilizar todas as formas de expressão artística ao serviço da sua Política do Espírito, Ferro pretendia cristalizar um estilo artístico nacional. Como aconteceu com as outras artes, também o cinema procurou materializar a forma “de ser português” e tentou definir um estilo cinematográfico nacional.

Em 1938, Chianca de Garcia fêz A Rosa do Adro e Aldeia da Roupa Branca. A personagem central de A Rosa do Adro,  história dramática baseada no romance  de Manuel Maria Rodrigues, é Rosa (Maria Lalande), jovem alegre e despreocupada, dona de uma voz melodiosa, cujo som ecoa pelas quebradas dos montes. Ela se apaixona por Fernando (Oliveira Martins), no que é correspondida. Mas Fernando vai estudar medicina no Porto e se toma de amores por Deolinda (Elsa Rumina), filha de uma abastada baronesa.

O romance original sofreu algumas alterações muito polêmicas, introduzidas por Chianca. Apostando na vertente comercial, o realizador fez decorrer a ação na época das lutas liberais que dividiram o país durante a primeira metade do século XIX, aumentando assim o conflito social e psicológico entre os personagens.

Vejam parte do comentário de A Tela em Revista da Cinearte: “Se Chianca de Garcia não nos oferece um grande trabalho, soube diluir as tonalidades fortes deste folhetim, mediante uma narrativa por vezes bastante feliz. Soube dar à história um clima suave, retirar-lhe o delicioso sabor regional, o sentimentalismo da encantadora alma portuguesa e o pitoresco das situações típicas … Nota-se que o realizador está mais à vontade quando focaliza a natureza e são quadros empolgantes, da poética e linda região do Minho, que o espectador vê desfilar perante os seus olhos maravilhados com tanta beleza … Onde este diretor fracassa é nas cenas interiores: as personagens não perdem a impressão de que estão num palco e parecem adaptadas a um cordel, que não as deixa serem humanas e sinceras”.

Em Aldeia da Roupa Branca, numa aldeia nos arredores de Lisboa, na zona saloia, duas famílias lutam pelo monopólio do transporte das lavadeiras, que se deslocam à capital para recolher as roupas dos citadinos e entregar as encomendas de camisas e calças, já devidamente lavadas e engomadas. A personagem central da história é Gracinda (Beatriz Costa), sobrinha de Jacinto (Manuel Santos Carvalho), que tem longa inimizade com a sua eterna rival, a viúva Quitéria (Elvira Velez).  As coisas não correm bem para o velho Jacinto, privado da ajuda do seu filho, Chico (José Amaro), que tinha decidido seguir outro rumo. Enquanto na aldeia se luta pelo domínio do transporte, ele anda por Lisboa, divertindo-se com a namorada, uma fadista de renome (Hermínia Silva), e trabalhando como motorista. Até que Gracinda vai à cidade tentar convencer Chico, por quem se apaixonou, a voltar à terra e ajudar o pai a recuperar seu negócio.

A crítica e o público prestigiaram o filme que, realmente, é muito bom. Augusto Fraga no jornal Cinéfilo assim se expressou: “Sente-se, através do filme, Chianca de Garcia, sempre irônico, observador, atento ao mais pequeno pormenor da vida que o rodeia. Toda a beleza e o pitoresco do ambiente saloio agitam, enchem de contraste e alegria castiça o filme inteiro”.

No julgamento de Luís de Pina, com Aldeia da Roupa Branca, Chianca de Garcia consegue o seu melhor filme, servindo-se de uma Beatriz Costa inspirada pelos ares de sua terra, a região saloia ao norte de Lisboa e atuando em estado de graça. Para o saudoso crítico lusitano, tudo se harmoniza para o êxito conjugado dos elementos fílmicos: a história – com a sugestão eisensteiniana do “velho e do novo”, colhida na sua  “Linha Geral”, que faz da camioneta do antigo condutor de galeras, o elemento transformador do núcleo social, como o trator daquele filme soviético: as personagens, caracterizadas na sua tipicidade, sem exagero nem concessões à convenção revisteira; e a ação, como os dois momentos supremos da desfilada das galeras carregadas de roupa, tal qual a corrida de quadrigas do Ben Hur, e da luta das bandas de música pelo único coreto da aldeia.

Porém eu notei também algumas influências do cinema americano. A sequência de abertura não lembra Lubitsch? Nela, Beatrizinha – mais bela e faceira do que nunca – canta “Ai, rio não te queixes/ Ai, rio, o sabão não mata … Água fria na ribeira / Água fria que o sol esqueceu” enquanto a câmera de Aquilino Mendes vai mostrando com inspiração pictórica  e rítmica as lavadeiras na prática do seu ofício.

Em Os Fidalgos da Casa Mourisca a ação desenrola-se no Minho oitocentista, mais concretamente nas consequências sociais da abolição dos direitos senhoriais no novo regime da propriedade, através do drama da decadência de uma família fidalga e da ascensão de novas personagens com influência política e social. Ao contrário da primeira versão de Georges Pallu (1920), o realizador Arthur Duarte decidiu adaptar a ação do romance de meados do século XIX à sua época, apostando na intemporalidade da história. Luís de Pina observou que esta modernização não evitava o convencionalismo da intriga, apesar dos luxuosos interiores do solar nortenho e das magníficas paisagens (fotografadas por Aquilino Mendes e Isy Goldberger) que enquadravam a ação, tudo isto acentuado por uma clara incipiência na direção de atores: Tomás de Macedo / Jorge, Maria Castelar / Berta, Eduardo Fernandes / Maurício , Henrique de Albuquerque / D. Luís),  João Lopes / Tomé da Póvoa)  e Gabriel Lopes  / Frei Januário.

A década termina com um filme de Jorge Brum do Canto, A Canção da Terra, “cujo lirismo e pureza de meios a tornaram uma película memorável” (Alves Costa). Na sinopse de Pina, “contando com uma história de amor lírica e singela – o romance de Gonçalves (Barreto Poeira) e Bastiana (Elsa Romino)  -, vivida entre gente simples de Porto Santo, o filme documenta também o drama da sêca que assola a ilha e provoca graves tensões sociais, explicando a injustiça que vitima Gonçalves e o leva a tirar desforço e justificando, no plano mais geral, o fenômeno da emigração dos ilhéus”. O forte do filme, para o crítico citado, é o ritmo visual, a sequência sempre dominada pela imagem, a beleza incomparável da terra e do mar, o tom lírico mantido com segurança e sem pieguice. Jorge Brum do Canto soube traduzir essa imagem poética numa forma cinematográfica que muito deve ao seu operador Aquilino Mendes. Mais próximo de Flaherty ou de Epstein que dos russos, sobra-lhe uma sensibilidade e um conhecimento pessoal muito direto daquilo que mostra.

Os anos 40 vão assistir o apogeu da comédia popular e da tendência histórico-literária. Entre as comédias podemos destacar:  O Pai Tirano / 1941 e A Vizinha do Lado /1945 de Antonio Lopes Ribeiro; O Pátio das Cantigas / 1942 de Francisco Ribeiro (com argumento de A.L.Ribeiro); O Grande Elias / 1942, O Costa do Castelo/ 1943,  A Menina da Rádio / 1944 e O Leão da Estrela / 1947 de Arthur Duarte;  João Ratão / 1940 e Ladrão Precisa-se / 1946 de Jorge Brum do Canto.

O Pai Tirano de Antonio Lopes Ribeiro é uma das mais célebres comédias populistas  do cinema português. O filme retrata a tempestuosa paixão de um jovem entusiasta do teatro amador, Chico Mega (Franciso Ribeiro “Ribeirinho”), caixeiro da sapataria dos Grandes Armazéns Grandela, por Tatão (Leonor Maia), uma empregada da Perfumaria da Moda, situada na mesma rua, mas seu amor não é correspondido e, além disso, Tatão está sendo cobiçada por outro homem, Artur de Castro (Arthur Duarte). O encenador do grupo teatral “Os Grandelhinas”, que inclui outros empregados dos Armazéns, é Santana (Vasco Santana), o colega e chefe de Chico na sapataria.

O comentário de Luís de Pina é exemplar e, portanto, passo-lhe a palavra. “Tudo parece caber neste filme absoluto: a crítica bem humorada do amadorismo teatral; a crítica do velho dramalhão, a crítica da aristocracia inútil e o louvor do trabalho honrado e do amor sincero, mas também criticados logo que se transformam em caricatura; a crítica da dicotomia teatro-cinema, talvez a mais interessante e, eventualmente, a menos notada; e, por cima de todas, a crítica da falsidade, da convenção, da insinceridade … O mais prodigioso neste filme deriva do modo como estas sobreposições sucessivas de mentiras e representações, como esta verdadeira comédia de enganos – bem ao nosso gosto barroco – flui naturalmente, sem se perder o fio do enredo em nenhum momento”.

São muitas as situações engraçadas e os diálogos espirituosos (de autoria de A.L.Ribeiro, Vasco Santana e “Ribeirinho”) a começar pela frase de Santana falando mal dos cinéfilos: “Só pensam no Cinema. Trocam o grande Talma por um Clark Gable qualquer!”. Ele mesmo exclama, quando o desastrado contra-regra não consegue subir o pano e dar as três pancadas tradicionais : “O pano parece que tem soluços!”. E quando o pano finalmente sobe, o elenco vê, espantado, Chico abraçado com o encenador num duplo sentido visual hilariante. A frase “Isto é fundamental!”, usada constantemente por Santana. A representação no castelo, onde a prima de Santana trabalha como empregada, para fazer Tatão pensar que Chico é um fidalgo rico. A cena dos “pastéis de Belém. Aquele lance no final quando, durante a representação de “O Pai Tirano”, o contra-regra, em vez de chamar a polícia pelo telefone cênico, usa o telefone verdadeiro e, em consequência, poucos minutos depois, os bombeiros e a polícia irrompem no teatro e leva todos presos, etc.

Entre os filmes históricos-literários os mais importantes foram: Amor de Perdição / 1943 de Antonio Lopes Ribeiro, José do Telhado / 1945 e A Volta de José do Telhado / 1949 de Armando de Miranda, Inês de Castro / 1945,  Camões / 1946 e Vendaval Maravilhoso / 1949 de Leitão de Barros.

Dentre eles sobressaem os três filmes históricos que marcaram a última fase da carreira cinematográfica de Leitão de Barros. Inês de Castro assinala o início de uma série de co-produções entre Portugal e Espanha, na sequência do Pacto Ibérico de 1939. O primeiro projeto deveria ter um tema que fosse comum à história de ambos os países, pelo que se optou pela paixão entre D. Pedro e D. Inês. O filme se impõe, pela dignidade da reconstituição histórica de um Portugal medievo, pela riqueza e funcionalidade dos cenários, pela atuação de Antonio Vilar no protagonista, tornando viva, verosímil, real, a figura do príncipe apaixonado e do rei vingativo e pela fotografia (Heinrich Gartner). Na visão de Luís de Pina, “uma vez mais, é no arrebato e no desregramento da paixão, na fatalidade, na desgraça, no amor frustrado, que Leitão de Barros consegue o seu melhor. Poucas vezes o nosso cinema – e o próprio cinema no seu conjunto – foi tão longe como nas longas e loucas cenas noturnas da vingança de D. Pedro, essa macabra coroação de Inês (Alicia Palacios) e esse cortejo de fantasmas que atravessa a noite à luz dos archotes”.

Em despacho do próprio António de Oliveira Salazar, o próximo projeto de Leitão de Barros é definido como de utilidade nacional: Camões reafirma as qualidades previamente reveladas pelo diretor embora o tom demasiado majestoso da obra acabe por lhe retirar alguma autenticidade, se bem que os dados biográficos disponíveis sejam respeitados. Alguns críticos quiseram que Leitão  de Barros tivesse criado um Camões bem comportado, um “português sério”, mas o cineasta preferiu o “Trinca-Fortes”, amante da vida, amoroso, perseguido, derrotado, doente e Antonio Vilar o interpreta assim com perfeição.

Problemas de toda ordem (do tipo financeiro e até de censura) prejudicaram a filmagem de Vendaval Maravilhoso, uma co-produção luso-brasileira baseada na vida de Castro Alves, “o poeta dos escravos”; mas Leitão de Barros lutou até o fim, deixando o cinema depois deste episódio. O filme reflete todas as dificuldades da produção, porém restou a incontestável beleza plástica, a presença dolorosa dos escravos, um fado maravilhoso de Amália Rodrigues (Eugênia Câmara, o grande amor de Castro Alves), um rosto de poeta como o do ator Paulo Maurício e um desejo concreto de unir os dois países pelo cinema.

Entre os outros filmes interessantes do período dourado do cinema português (Feitiço do Império / 1940 de Antonio Lopes Ribeiro, Pão Nosso / 1940 de Armando de Miranda, Porto de Abrigo / 1941 de Adolfo Coelho, Ala Arriba / 1942 de Leitão de Barros, Aniki- Bóbó de Manoel de Oliveira, Aves de Arribação / 1943 de Armando de Miranda, Lobos da Serra / 1942, Fátima, Terra de Fe’/ 1943 e Um Homem às Direitas / 1944 de Jorge Brum do Canto, A Noiva do Brasil / 1945 de Santos Mendes, Caís do Sodré / 1946 de Alejandro Perla, Três Dias sem Deus / 1946 de Bárbara Virgínia, primeiro filme português realizado por uma mulher, cujo argumento explorava a situação dramática de uma comunidade que se via privada de seu padre, como acontecia em Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950  de Jean Delannoy,  Um Homem do Ribatejo / 1946 de Henrique Campos, Capas Negras / 1947 de Armando de Miranda, Bola ao Centro / 1947 de João Moreira, Fado – História de uma Cantadeira / 1948 de Perdigão Queiroga, Um Grito na Noite / 1948 de Carlos Porfirio, Serra Brava / 1948 de Armando de Miranda, Não há rapazes maus / 1949 de Eduardo Maroto, Uma Vida para Dois / 1949 de Armando de Miranda, Heróis do Mar / 1949 de Fernando Garcia) merecem maior atenção, Aniki-Bóbó e os dois filmes de Amália Rodrigues, Capas Negras e Fado- História de uma Cantadeira.

Aniki-Bóbó, reflete o mundo adulto aos olhos das criança. “Procurei espelhar nos garotos”, disse o diretor, “os problemas do homem, problemas ainda em estado embrionário: pôr em oposição concepções do Bem e do Mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão; sugerir o medo da noite e do desconhecido; refletir a atração da vida que palpita em todas as coisas à nossa volta, contrastando com a monotonia do que é fechado, limitado por paredes, pela força ou pelo convencionalismo”.  O título do filme deriva de um jogo de crianças que vivem um cotidiano igual ao de todas as crianças – “Aniki-Bóbó / Aniki-Bóbó / Passarinho do Totó / Berimbau, Cavaquinho / Salomão, Sacristão / Tu és Policia, tu és Ladrão!”. É um conto poético, intensamente dramático, contando as aventuras de um bando de garotos das ruas do Porto, sua vivência psíquica diante do tédio de uma escola arcaica; o medo da polícia; as lendas que envolvem o mistério da morte; o deslumbramento do trem que passa, etc. Mais  simples e mais acessível no que se refere ao estilo do que muitos filmes posteriores do cineasta, o espetáculo é enriquecido pela excelente fotografia em locações de Antonio Mendes e pela interpretação natural dos meninos. E, pelo seu tom, pode ser considerado um dos precursores do neo-realismo italiano.

Capas Negras e Fado – História de uma Cantadeira, foram dois grandes sucessos comerciais do cinema português. Capas Negras ficou 22 semanas em cartaz e bateu todos os recordes de bilheteria até então e parece que continua imbatível em termos de rentabilidade.

Na trama, José Duarte (Alberto Ribeiro), estudante de Direito em Coimbra namora Maria de Lisboa (Amália Rodrigues). O romance é rompido por suspeita de traição por parte de Maria, partindo José Duarte para o Porto. Algum tempo depois, Maria é presa no Porto, sob acusação de abandono do filho e o advogado que a defenderá será José Duarte.

O filme contava antes de tudo com dois artistas no auge de sua popularidade, Amália Rodrigues e Alberto Ribeiro, com todas as suas canções na boca do povo e em segundo lugar com um argumento melodramático com o advogado defendendo no tribunal a mãe solteira do seu filho ilegítimo, um final que, para quem gosta do gênero, era emocionante. Uma das canções do filme, a famosa “Coimbra” de Raul Ferrão, transformou-se num emblema sonoro de Portugal no mundo.

O  argumento de Fado – História de uma Cantadeira também é folhetinesco. Conta o percurso de Ana Maria (Amália Rodrigues), uma fadista da classe operária, cujo namorado, Julio (Virgilio Teixeira), é guitarrista. Ela torna-se famosa, rica e sai do seu bairro. Mas, quando Julio decide emigrar para a África, Ana Maria regressa e eles se reconciliam. O enredo sentimental, a fabulosa fotografia do rosto de Amália (devida ao competente fotógrafo italiano Francesco Izarelli, que já trabalhara em Camões), as atuações primorosas de Amália Rodrigues, Virgilio Teixeira e Antonio Silva (como Chico Fadista) e, acima de tudo os fados de Amália, garantiram um bom espetáculo.

REX INGRAM

abril 11, 2011

Grande pictorialista do cinema mudo, ao lado de Maurice Tourneur, Herbert Brenon,  Fred Niblo e Clarence Brown, Rex Ingram foi um dos que mais ajudaram a impulsionar essa forma plástica nos estúdios hollywoodianos. Admirado por cineastas como Michael Powell, David Lean e Erich von Stroheim, que o reconheceu como “o maior diretor de cinema  do mundo”, Ingram teve seu nome incluído por Dore Schary, o substituto de Louis B. Mayer na MGM, entre os quatro artistas mais criativos nos primeiros anos da indústria fílmica juntamente com D.W. Griffith, Cecil B. DeMille e Stroheim. Ele era o segundo da lista, logo depois de Griffith.

Reginald Ingram Montgomery Hitchcock nasceu no dia 15 de janeiro de 1893 em Dublin, Irlanda, filho de um pastor. Em 1911, Ingram emigrou para os Estados Unidos. Enquanto estudava escultura na Yale University School of Art, foi apresentado por um colega a Charles Edison, filho do famoso inventor e industrial. Naturalmente a conversa girou em torno de filmes e Ingram teve vontade de se colocar à disposição do cinema nascente.

Ele arrumou emprego na Edison Pictures – cujos estúdios localizavam-se no Bronx em Nova York – exercendo várias funções, inclusive a de roteirista. Como Ingram era um rapaz bonito, que fotograva bem, foi aproveitado também como ator em alguns filmes. Quando trabalhava na Edison, ele conheceu Jack Mulhall, o futuro astro, e nos meados de 1914, os dois foram para a Vitagraph, onde o jovem irlandês continuou atuando como ator e fazendo o seu aprendizado da técnica e da linguagem cinematográficas.

Em 1915, Ingram já estava na Fox Film Corporation escrevendo roteiros e sonhando com a possibilidade de se tornar diretor. Ele chegou a ser indicado para dirigir um melodrama intitulado Yellow and White, porém suas idéias se chocaram com as dos altos executivos da empresa. No meio da filmagem, Ingram compreendeu que seu futuro estava em outro lugar e iniciou negociações com a Universal Film Manufacturing Company. Foi nesta companhia que ele, como diretor, deu os primeiros passos para subir a escada do sucesso.

Seus primeiros filmes realizados  na  empresa de Carl Laemmle foram The Great Problem / 1916 e Broken Fetters / 1916 (novo título da história sobre chineses que havia ocasionado a sua saída da Fox), ambos interpretados pela atriz Violet Mersereau. A esta altura, Laemmle decidiu transferir sua companhia dos estúdios de Fort Lee, New Jersey para Hollywood. Assim, Ingram partiu para a costa leste, onde estava o seu futuro. Em solo californiano, ele dirigiu: A Taça da Amargura / The Chalice of Sorrow / 1916, Black Orchids / 1916 (estes dois com a atriz Cleo Madison, que ele admirava), The Reward of the Faithless / 1917, The Pulse of Life / 1917, The Flower of Drum / 1917 e The Little Terror / 1917.

Dirigindo esses oito filmes, Ingram adquiriu uma experiência considerável do seu ofício. As resenhas cinematográficas contemporâneas referem-se constantemente à sua capacidade para criar um clima, uma atmosfera, o seu senso pictórico e os bons desempenhos que ele extraía de seus atores. Estas se tornariam as características permanentes de Ingram. Infelizmente, todos os negativos de seus primeiros filmes se perderam, porém os comentários críticos da época sugerem que, naquele tempo, Ingram já tinha individualidade e estilo e era de certo modo um diretor não convencional.

Mas, em 1917, ele foi despedido, porque expressou sua insatisfação com a maneira pela qual a produção de seus filmes estava sendo administrada. Não seria a única vez em que a sua franqueza lhe faria inimigos.

Após ter saído da Universal, Ingram foi contratado pela Peralta – W.W. Hodkinson Corporation, para fazer dois filmes com Henry B. Walthall, (um ator de certa estatura, que chamara a atenção como o “pequeno coronel” em O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation / 1915 de D.W. Griffith): His Robe of Honor / 1917 e Humdrum Brown / 1918. Nesta ocasião, Ingram casou-se em 15 de março de 1917 com  a atriz Doris Pawn em Santa Ana, California. Pouco mais de um ano depois, a incompatibilidade de temperamentos os separou. Eles se divorciaram oficialmente no final de 1920.

Em 1918, Ingram alistou-se no U.S. Signal Corps Aviation Section, mas foi rejeitado, porque somente cidadãos americanos natos poderiam ser pilotos. Ele tentou então o Royal Canadian Flying Corps, onde prestou serviço apenas de outubro a dezembro de 1918.

A volta do Canadá foi muito penosa. Ele deixara a Royal Canadian Flying Corps muito doente e sem um tostão no bolso. Seu orgulho impediu que pedisse auxílio à sua família na Irlanda mas restavam alguns amigos. Elizabeth Waggoner, uma professora de arte, abrigou-o em sua residência e o diretor Allen Holubar convidou-o para realizar dois filmes na Universal: The Day She Paid / 1919 e Under Crimson Skies / 1919.

Pouco depois, Ingram procurou Richard Rowland, então gerente da Metro Picture Corporation e este o contratou para dirigir um filme chamado Ao Rugir da Tempestade / Shore Acres. Este primeiro filme para a Metro marcou um novo começo e o início de um período de fama e sucesso para Ingram.

O próximo projeto foi Um Escândalo na Academia / Hearts are Trumps / 1920 e, na sua execução, Ingram contou com o apoio de dois técnicos admiráveis, o fotógrafo John F. Seitz e o montador Grant Whytock, que integrariam a sua equipe durante vários anos. Na equipe estavam também a roteirista June Mathis, que teria grande importância na sua carreira e a atriz Alice Terry, com quem se casaria. Esses dois filmes de Ingram agradaram aos executivos da Metro e reforçaram a sua reputação Com o seu próximo filme, Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1921, ele chegaria ao topo da sua profissão e seria aclamado como um dos diretores mais importantes de Hollywood.

Entre de 1921 e 1932, Rex Ingram realizou ao todo 13 filmes: Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Eugenia Grandet / The Conquering Power / 1921, O Bom Caminho / Turn to the Right / 1923, O Prisioneiro do Castelo de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1922, Frívolo Amor / Trifling Women / 1922, Apsará / Where the Pavements End / 1923, Scaramouche / Scaramouche / 1923 para a Metro Picture; O Árabe Aristocrata / The Arab / 1924, Mare Nostrum / Mare Nostrum / 1925, O Mágico / The Magician / 1926, Jardim de Alá / The Garden of Allah / 1927 para a Metro-Goldwyn;

As Três Paixões / The Three Passions / 1929 para a St. George’s Productions Ltd.; Baroud / 1932 (no qual Ingram fez o papel principal e demonstrou que era melhor diretor do que ator) para a Gaumont British Corporation.

Desses 13 filmes, eu ví Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Eugenia Grandet, O Prisioneiro do Castelo de Zenda, Scaramouche, Mare Nostrum, O Mágico e Baroud, mas só vou falar sobre os cinco primeiros, porque são os meus preferidos, deixando bem claro que os dois últimos têm muitas qualidades.

Em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Julio Madariaga (Pomeroy Cannon), conhecido como Centauro, é um colonizador na Argentina e proprietário de várias fazendas. Ele tem duas filhas, Luisa (Bridgetta Clark), casada com um francês, Marcelo Desnoyers (Josef Swickard) e Elena (Mabel Van Buren), esposa de um alemão, Karl von Hartrott (Alan Hale), que educa seus filhos na tradição prussiana. Julio Desnoyers (Rudolph Valentino) filho do francês, é o neto favorito de Madariaga mas cresce numa vida libertina. Quando o velho morre, as duas famílias dividem sua fortuna e voltam para seus respectivos países.  Em Paris, Marcelo Desnoyers desenvolve uma mania de colecionar antiguidades e compra um castelo para guardar seus tesouros em Villeblanche, na margem do Marne. Seu filho, Julio, estabelece-se como pintor e uma de suas conquistas amorosas é Marguerite Laurier (Alice Terry), casada com um amigo de seu pai, Etienne Laurier (John Sainpolis). O segredo dos dois amantes é descoberto e um divórcio está prestes a se consumar, quando irrompe a Primeira Guerra Mundial. Etienne vai para a guerra e Julio permanece em Paris com Marguerite até que ela, numa crise de consciência, se alista como enfermeira. Num quarto acima do estúdio de Julio, Tchernoff (Nigel De Brulier), um místico russo, evoca a visão dos Cavaleiros do Apocalipse, que trazem a Conquista, a Fome, a Guerra e a Morte. Enquanto isso, Marcelo vai ao seu castelo e testemunha a destruição da aldeia pelas hordas de alemães, sendo obrigado a abrigar os conquistadores, entre os quais estão dois de seus sobrinhos Otto (Stuart Homes) e Heinrich (Henry Klaus) sob as ordens do Tenente-Coronel Von Richtosen (Wallace Beery). Julio finalmente resolve se alistar e reencontra Marguerite, que está cuidando de seu marido cego em Lourdes e decide ficar ao lado dele. Julio retorna à frente de batalha e é morto ao mesmo tempo em que, na Alemanha, a família germânica, chora a morte de seus filhos. Na cena final, Marcelo, sua filha Chichi (Virginia Warwick) e o namorado dela, René (Derrick Ghent) vão visitar o túmulo de Julio  e o Tchernoff os acompanha. Ajoelhado diante do túmulo, Marcelo pergunta a Tchernoff se ele conhecia Julio. O místico olha para o vasto mar de cruzes de madeira e responde que conhecia todos.

Baseado no romance de Vicente Blasco Ibanez, o filme tornou-se um empreendimento monumental: um milhão de dólares gastos, seis meses de filmagem, doze assistentes de diretores, quatorze cinegrafistas, milhares de figurantes.

Como chefe do departamento de roteiros da Metro, June Mathis persuadiu o então presidente da companhia, Richard Rowland,  a comprar os direitos da obra de Ibanez. June também convenceu o estúdio a usá-la como roteirista e a contratar Ingram como diretor.

Atendidos esses pedidos, ela insistiu em colocar um ator desconhecido no papel principal. June havia descoberto Rudolph Valentino numa pequena intervenção em Os Olhos da Juventude / Eyes of Youth / 1919 e seu instinto lhe disse que ele era um astro. Sua intuição resultou num dos filmes mais bem sucedidos de sua época,  que deu um lucro de quatro milhões de dólares e lançou o ator como “The Great Lover”, transformando-o num  grande ídolo da tela.

A direção de Ingram – que soube descrever com sensibilidade pictórica as ruas de Paris,  a entrada dos alemães na aldeia destruída de Villebranche, a histeria  e os terrores da guerra, os horrores do campo de batalha, o meio social, as visões do místico Tchernoff quando ele tem a visão apocalíptica e a cena final impressionante no cemitério de guerra militar com suas fileiras de cruzes brancas – complementada pela pungência das cenas de amor entre Valentino e Alice Terry e pela sutil fotografia de John F. Seitz, no mesmo nível das produções germânicas então muito apreciadas na América, deram ao filme uma qualidade extraordinária.

No enredo de Eugenia Grandet, M. Grandet (Ralph Lewis), um antigo toneleiro, conquistou durante a Revolução uma fortuna prodigiosa. Como é avarento, ele leva uma existência mesquinha em Samour, numa casa sombria, na companhia de sua mulher (Edna Demaurey), que ele tiraniza, de sua criada Nanon (Mary Hearn) e de sua filha Eugénie (Alice Terry). Modesta e submissa ao despotismo de seu pai, Eugénie é a herdeira mais rica do país e duas famílias, a dos Cruchot e a dos Grassins, estão em competição para obter sua mão para seus filhos respectivos, Bonfons Cruchot (George Atkinson) e Adolphe de Grassins (Ward Wing); porém a jovem, indiferente a tudo, vive reclusa e definha como uma flor privada de luz. M. Grandet recebe a visita de um sobrinho, cujo pai falido se suicidou. Eugénie é atraída por seu primo Charles (Rudolph Valentino), um elegante dândi parisiense; e seu amor, misturado com piedade, leva-a ao sacrifício: enquanto Grandet manobra para se apoderar do espólio de seu irmão, ela oferece a seu primo todas as suas economias, uma “dezena” de peças de ouro, que seu pai lhe dera uma a uma nos dias de seu aniversário. Assim Charles poderá partir para a Martinica, a fim de fazer fortuna e, no seu retorno, ele se casará com a prima. Ao saber que sua filha deu todo o seu ouro, Grandet intercepta as cartas de Charles para Eugénie e a tranca num quarto. Mas avisado pelo tabelião de que, em caso da morte de sua mulher, Eugénie poderia exigir a sua parte na sucessão, ele se reconcilia com ela. Mme. Grandet  morre após um longo martírio e Grandet consegue convencer Eugénie a renunciar a herança materna. Com a mente afetada pela morte da esposa em consequência de sua agressão, Grandet é obcecado por terríveis visões e acaba morrendo, esmagado por um cofre em forma de berço cheio de ouro, que caíra sobre ele. Eugénie está prestes a assinar um contrato de matrimônio com Bonfons quando, depois de uma longa ausência, Charles chega para se casar com ela.

Trata-se de uma adaptação bastante livre do romance de Honoré de Balzac, que tinha um final bem diferente: na obra literária, Eugénie recebe uma carta de Charles que, tendo enriquecido rapidamente, fez um casamento de intêresse. Eugénie se resigna a casar com um dos pretendentes, mas fica logo viúva e continua a viver sozinha, parcimoniosamente,  consagrando sua fortuna às obras de caridade.

Contando novamente com a colaboração de June Mathis, John F. Seitz, Grant Whytock e do par romântico Rudolph Valentino e Alice Terry, Ingram realizou outro filme plasticamente impecável e com belas cenas de amor. Porém é uma  história  intimista bem distante da linha espetacular do filme anterior.

A velha casa decadente e claustrofóbica de Grandet, com suas entradas e corredores estreitos, quartos escuros e tristes, sótãos e porões empoeirados (com o detalhe da aranha andando sobre as cartas roubadas), espelha a atmosfera deprimente e grotesca do lugar e o estado d’alma dos personagens.

Uma das cenas mais intensas da narrativa é a das alucinações de Grandet, na qual ele vê mãos esqueléticas saindo das paredes e o fantasma da sua falecida esposa, até ser esmagado pelo cofre.

Eu gosto muito da cena em que Charles chega à casa dos Grandet. As famílias de Grandet e dos pretendentes estão vestidas com roupas simples, a porta se abre, e surge Valentino com um terno muito bem cortado e um chapéu, carregando uma bengala magnífica. A tomada dura um certo tempo, para que o público possa contemplá-lo de alto a baixo e apreciar as suas vestimentas e a sua postura elegante.

Em O Prisioneiro do Castelo de Zenda, Rudolph Rassendyll (Lewis Stone) sabendo da próxima coroação de um parente, que é seu sósia, na Ruritânia, deixa sua casa na Inglaterra e vai caçar naquele país. Rudolph, o futuro rei (Lewis Stone) é um homem fraco e desregrado e planeja passar seus dias antes da coroação em Zenda, no chalé de caça de seu meio-irmão, o Grão-Duque “Black” Michael (Stuart Holmes), que cobiça o trono. Alí ele é drogado e Rasendyll, tendo entrado em cena sem querer, é persuadido pelos amigos do rei, Coronel Sapt (Robert Edeson) e Fritz von Tarlenheim (Malcolm McGregor), a personificá-lo na cerimônia, para frustrar o golpe de estado de “Black Michael”. No dia da coroação, Rassendyll conhece a Princesa Flavia (Alive Terry), a noiva do rei e os dois se apaixonam. O rei está prisioneiro no castelo de “Black” Michael em Zenda e quando Michael é avisado do embuste por sua agente, Antoinette de Mauban (Barbara La Marr), ele planeja, com seu seguidor Rupert of Hentzau (Ramon Samaniegos), assassinar Rassendyll. O casamento do rei e Flavia é anunciado, o atentado contra a vida de Rassendyll fracassa e o rei é resgatado. Porém Flavia e Rassendyll devem se separar, porque colocam seu senso de dever acima de sentimentos pessoais.

Para esta versão do romance de Anthony Hope (a terceira das sete adaptações da  do popular clássico de aventura), Ingram teve mais uma vez a colaboração preciosa de Seitz e Whytock e da atriz Alice Terry mas Valentino trocou a Metro pela Famous Players-Lasky e June Mathis  o acompanhou. Lewis Stone assumiu o papel principal duplo do rei e Rassendyll e Ingram, determinado a criar um novo astro, introduziu no elenco Ramon Samaniegos, que viu atuando em uma pantomima espanhola, The Royal Fandango, num pequeno teatro em Hollywood. Foi Novarro quem procurou Ingram e só depois de fazer três testes é que ele foi contratado. Ingram ficou impressionado com o rapaz e sentiu que encontrara um substituto para Valentino. Samaniegos fez um grande sucesso como o arrojado e charmoso vilão Rupert of Hentzau e se tornou o famoso Ramon Novarro dos filmes subsequentes de Ingram. Ele atingiria o auge de sua carreira como o protagonista de Ben-Hur, o super-espetáculo dirigido por Fred Niblo para a Metro-Goldwyn. Curiosamente, Ramon não despertara nenhuma atenção como extra em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Ele era um dos jovens oficiais na cena em que uma mulher canta a Marselhêsa enrolada na bandeira bleu-blanc- rouge.


Drama romântico perfeito, O Prisioneiro do Castelo de Zenda combina a história de um amor condenado com aventura de capa-e-espada num reino imaginário. O espetáculo tem cenários faustosos, lutas de espadas excitantes, troca de identidades, auto-sacrifício idealista, intriga palaciana e foi cuidadosamente encenado por Ingram com o apoio de seus dois técnicos favoritos e de um elenco bem afinado. Evidentemente que não chega aos pés da versão de 1937, com Ronald Colman, porém seria injusto comparar a versão silenciosa com a sonora, porque são efetivamente dois meios de expressão diferentes. O filme de Ingram, deve ser apreciado de acordo com o tempo em que foi feito e, por ocasião de seu lançamento, obteve a aprovação da crítica e do público. Em 5 de novembro de 1921, durante a filmagem dessa produção, Ingram casou-se com Alice Terry.

A ação de Scaramouche transcorre no tempo da Revolução Francêsa. André-Louis Moreau (Ramon Novarro), estudante de direito, protesta por justiça, quando seu amigo eclesiástico e revolucionário Philippe de Vilmorin (Otto Matiesen) é morto num duelo injusto pelo Marquês de La Tour d’Azyr (Lewis Stone). André promete vingança e se refugia no meio de um bando de artistas itinerantes, interpretando no palco o papel de Scaramouche. Ele está apaixonado por Aline de Kerkadiou (Alice Terry), filha de seu padrinho, Quintin Kerkadiou (Lloyd Ingraham). Ela, porém, sente-se atraída pelo marquês e André fica noivo de Climène (Edith Allen), filha do diretor da companhia de teatro ambulante,  Challefau Binet (James Marcus). Climène, como o rapaz descobre, vem a ser amante do marquês. Aline também fica sabendo sobre este relacionamento e percebe que ama André, agora deputado na Assembléia Nacional e exímio espadachim. André começa a matar em duelo alguns deputados da nobreza, para provocar uma reação do marquês. Eles finalmente ficam frente à frente numa luta de espadas, porém André, embora tendo levado vantagem, poupa a vida de seu oponente. Enquanto isso,  o povo, atiçado por Danton (George Siegmann), desfila armado pelas ruas. Aline e a condessa Thérèse de Plougastel (Julia Swayne Gordon), sendo aristocratas, correm grave perigo. André fica sabendo que o marquês é na realidade seu pai e sua mãe a condessa Thérèse. O marquês se reconcilia com o filho e decide enfrentar a turba, morrendo corajosamente. Alice, André e sua mãe são detidos na saída de Paris, mas André consegue convencer os revolucionários a deixá-los partir.

O romance de Rafael Sabatini já continha os ingredientes básicos para um grande sucesso popular e Ingram – ainda com Seitz e Whytock – soube transportá-lo para a tela de maneira magnífica. O filme reflete realisticamente um período histórico particularmente dramático, possui grande beleza visual nos figurinos, nos cenários e na composição das cenas e é interpretado por um elenco brilhante, no qual sobressaem Lewis Stone e Ramon Novarro. Stone está maravilhoso no papel do aristocrata cínico e impiedoso e Novarro perfeito no jovem indignado com a injustiça, que se torna um orador eloquente.

A reconstituição da época é muito bem feita, destacando-se as imagens da aldeia e do castelo de Gravillac, a praça de Rennes onde André discursa para o povo em frente de uma estátua equestre e se dá  a repressão da cavalaria, o luxuoso teatro no qual se representa a peça Figaro-Scaramouche e André do tablado avista no camarote o marquês, Aline e a condessa, o ambiente superlotado da Assembléia Nacional, os salões da nobreza ricamente decorados, o duelo entre André e o marquês sob o arco fotogênico e, finalmente, o movimento do povo enfurecido que o marquês, debilitado, enfrenta sem temor.

Alguns primeiríssimos planos cuidadosamente escolhidos, desde a face marcada pela varíola de Robespierre ao rosto lindo como uma porcelana-da-china de Alice Terry, desempenham um papel tão importante na criação da atmosfera quanto o vestuário autêntico e os  cenários impressionantes.

Por todos esses predicados, Scaramouche talvez seja o melhor filme de Ingram e, se o apreciarmos tendo em vista a época em que foi feito, podemos dizer que ele é tão bom quanto a versão de 1952 com Stewart Granger.

A história de Mare Nostrum foi baseada no romance de Vicente Blasco Ibanez sobre amor e espionagem durante a Primeira Guerra Mundial. O Capitão Ulysses Ferragut (Antonio Moreno), último de uma família de homens do mar de Barcelona e proprietário do navio Mare Nostrum, apaixona-se por Freya Talberg (Alice Faye), uma bela mulher que trabalha para os alemães. Ele é induzido a ajudar a abastecer os submarinos germânicos no Mediterrâneo. Quando seu filho é morto num navio torpedeado por um desses submarinos, ele jura vingança e perde a vida destruindo o inimigo. Freya é traída pela sua própria organização e é executada pelos francêses como espiã. O tema místico subsidiário mostra Freya simbolizando a deusa Amphitrite, reunida com Ulysses na morte.

Em 1924, Ingram estava desgostoso com Hollywood. Após várias batalhas com o chefe do estúdio da MGM, Louis B. Mayer, ele insistiu que todos os seus filmes para esta empresa fossem anunciados como lançamentos da “Metro-Goldwyn”, recusando terminantemente que Mayer fosse creditado. No mesmo ano, ele saiu de Hollywood, para filmar O Árabe Aristocrata com Ramon Novarro e Alice Terry em Nice na França.

Para Mare Nostrum, ele comprou o estúdio La Victorine em Nice por cinco milhões de dólares (e depois cedeu o espaço para a MGM por um aluguel bem alto). Na biografia Rex Ingram – Master of the Silent Cinema (Le Giornate del Cinema Muto / BFI, 1993), o autor, Liam O’Leary narra as condições que Ingram encontrou durante a filmagem. Os telhados de vidro de La Victorine eram muito quentes durante o dia e muito frios à noite, quando a maioria das cenas era rodada. O sistema de iluminação era precário e levou algum tempo para que os técnicos francêses, italianos e americanos se entrosassem. Os laboratórios francêses mostraram-se insatisfatórios. O equipamento dos estúdios apresentavam defeitos e foram necessários muitos retakes.  Os custos de produção eram altos, porque incluíam os gastos com a modernização do estúdio. As dificuldades de linguagem por parte da equipe atrasava a produção. Quanto aos figurantes, não havia problema, porque os emigrados russos em Nice, inclusive duques e príncipes, ficaram contentes em conseguir algum meio de subsistência. Enquanto isso, a produção de Ben-Hur estava chegando ao fim em Roma. Ingram visitou a Itália, retornando com uma quantidade de geradores e refletores e com muitos técnicos. O bom relacionamento de Ingram com o exército e o governo francês permitiu-lhe obter homens e dois submarinos para as cenas marítimas,  que constituíam uma parte importante do filme. Além das complicadas cenas submarinas, a produção requereu locações em três países – França, Espanha e Itália.

O filme levou quinze meses para ser feito e a montagem foi uma tarefa imensa, pois a quantidade enorme de material filmado exigia um eliminação drástica. Tal como Ouro e Maldição / Greed / 1925 de Stroheim, sequências inteiras e episódios subsidiários foram extirpados. Mas, mesmo encurtado, o espetáculo obteve um triunfo crítico. Herman Weinberg descreveu- o como “um poema de amor ao Mediterrâneo, uma história trágica de um destino inflexível contada em imagens de grande beleza”. A execução de Freya pelo pelotão de fuzilamento francês na madrugada é uma das cenas mais comoventes que Ingram realizou. Outras imagens marcantes foram a da deusa Amphitrite cavalgando num delfim sobre as ondas, observada por Netuno de uma rocha; os amantes afogados, unindo-se para sempre no fundo do mar e, finalmente,  o encontro dos dois, ainda vivos, em frente a um aquário contendo um polvo gigantesco, que foi o progenitor daquela cena em A Dama de Shanghai / Lady from Shanghai / 1948 quando os personagens de Rita Hayworth e Orson Welles, também estão diante de um aquário,  desta vez cheio de peixes predatórios.

Em maio de 1934, depois da filmagem de Baroud, Ingram deu adeus a Nice e voltou para os Estados Unidos. Ele nunca gostou realmente dos “talkies” e havia perdido o interesse pela realização de filmes. Sentia dificuldade em se adaptar à nova técnica, que punha em questão todas as suas concepções, notadamente rejeitando para o segundo plano as preocupações puramente visuais. Em 1942,  soube que a Paramount iria filmar For Whom the Bell Tolls de Hemingway e se interessou pelo projeto, mas como estava afastado da profissão há dez anos, os executivos da companhia acharam que o risco era muito grande.

Em 1947, Ingram visitou parentes e amigos em Londres e depois viajou por outros países. Quando retornou a Hollywood, estava muito magro e abatido. Os médicos recomendaram-lhe repouso por causa de sua hipertensão. Ele havia sofrido dois ataques do coração em Tânger e Sevilha.

Em 21 de julho de 1950, Rex Ingram morreu de hemorragia cerebral. Seu corpo foi cremado e o funeral teve lugar no Forest Lawn Memorial Park Cemetery em Glendale, California. Tinha 57 anos.

ALBERT LEWIN

março 31, 2011

Cineasta estranho e singular, de sólida formação cultural e artística, Albert Lewin realizou apenas seis filmes entre 1942 e 1957, mas a sua importância não se limita a esta obra porque, de 1922 a 1939, ele esteve sempre relacionado com o cinema, primeiramente como leitor a serviço de Samuel Goldwyn, depois como roteirista na Metro-Goldwyn-Mayer e finalmente como produtor e braço direito de Irving Thalberg no mesmo estúdio. Nesta última função, o papel de Lewin foi considerável, influenciando em certas escolhas de Thalberg tanto no que se refere aos assuntos levados à tela como no que concerne a diretores e roteiristas.

Atuando sempre na sombra, Lewin foi um daqueles  homens de cinema cujo gosto e inteligência foram preponderantes na produção da MGM. Quando assumiu as funções de diretor, não foi por acaso que seus três primeiros filmes tivessem sido adaptações de Somerset Maugham, Oscar Wilde e Guy de Maupassant.

Albert Parsons Lewin nasceu em 23 de setembro de 1894 no Brooklyn, Nova York, Estados Unidos. Seu pai, Marcus Lewin e sua mãe Yetta Mindlin, pertenciam a uma família de emigrantes russos de origem judaica.

Em 1903, quando Albert tinha nove anos de idade, a família deixou o Brooklyn  e foi para Newark em New Jersey. Ele estudou na Barrister High School de Newark e, em 1915, se diplomou em literatura britânica na Universidade de Harvard, tornando-se membro da Harvard Poetry Society, fundada no mesmo ano. Convidado para cursar o doutorado em Harvard, Lewin preferiu aceitar  o cargo de professor do Departamento de Literatura Inglêsa na Universidade do Missouri.

Em Nova York, Lewin fez amizade com o poeta objetivista Charles Reznikoff, que seria um dos seus maiores amigos. Os laços artísticos que ligaram Lewin a Reznikoff, a mesma paixão pela poesia e a vontade de fugir às convenções intelectuais da época, esclarecem a formação e a personalidade do cineasta.

Foi igualmente nessa ocasião que Lewin conheceu o assistente social e filantropo Jacob Billikopf, com o qual trocaria em seguida uma importante correspondência até a morte deste em 1950.

Integrado cada vez mais na inteligentsia judaica americana, Lewin assina na Jewish Tribune críticas teatrais e cinematográficas em 1921 e 1922 e, nesta condição, se apaixona pelas pesquisas estéticas do expressionismo alemão. Graças a Billikopf, Lewin chegou à presença de Samuel Goldwyn. Foi o ponto de partida de sua carreira cinematográfica, apesar de Abraham Lehr, o executivo que o acolheu no estúdio, lhe ter dito: “Você nunca fará carreira no cinema. É muito culto para isso”.

Lewin começou trabalhando para Goldwyn em Nova York e depois em Hollywood e aproveitou a sua posição ao lado do famoso produtor, não somente para aconselhar este último nos seus diversos projetos, mas também para se iniciar nas diferentes engrenagens da máquina de produção de um grande estúdio.

Dalí em diante, Lewin se associou – em variadas funções – à realização de vários filmes. Ele foi inicialmente,  leitor  na produção de Os Três Solteirões / Three Wise Fools / 1923 de King Vidor e, nesta mesma época, participou da criação da Little Theater Films, uma fundação preocupada com a melhoria da qualidade artística dos filmes (os outros membros eram Curtis Melnitz, Paul Bern e os realizadores Ernest Lubitsch, Rex Ingram e Maurice Tourneur).

Em 1923, Lewin foi contratado por Louis B. Mayer. Ele trabalhou  – ainda como leitor – em Juiz e Réu / Name the Man / 1924 de Victor Seastrom e em seguida desenvolveu uma atividade de roteirista. Seu nome apareceu nos créditos de O Pão Nosso de Cada Dia / Bread / 1924 de Victor Schertzinger, produzido por Mayer; O Destino de um Flirt / The Fate of a Flirt / 1925 de Frank R. Strayer, produzido por Harry Cohn; Moças Ociosas / Ladies of Leisure / 1926 de Thomas Buckingham, produção da Columbia. Lewin foi inclusive o autor da história na qual se baseou este último filme. Sua cultura e originalidade eram muito apreciadas e lhe permitiram trabalhar para diferentes produtores.

O Pão Nosso de cada Dia marcou também o encontro de Lewin com Irving Thalberg, encontro que não começou sob os melhores auspícios. Deste primeiro – e ligeiro – antagonismo nasceriam entretanto uma profunda confiança, uma admiração verdadeira e uma grande amizade.

A Samuel Goldwyn Pictures acabaria sendo absorvida, juntamente com a Metro Pictures e  a Louis B. Mayer Pictures, pela Loew’s Inc. de Marcus Loew e Nicholas Schenck. Seria o nascimento da Metro-Goldwyn-Mayer em 17 de abril de 1924.

Albert Lewin entrou para a jovem MGM graças a dois amigos seus, Arthur M. Loew e David L. Loew, filhos de Marcus Loew, para ler romances, peças teatrais ou roteiros originais com vistas a uma possível adaptação para a tela. A cultura de Lewin lhe proporcionou um lugar privilegiado como assessor de Irving Thalberg, de quem ele se tornaria um dos colaboradores mais preciosos, juntamente com Paul Bern, que em pouco tempo passou a ocupar a chefia do Departamento de Roteiros.

Lewin foi assim levado a assistir as nove horas de projeção de Ouro e Maldição / Greed / 1923 de Erich von Stroheim, antes que o filme fosse remontado para poder ser exibido, experiência ao mesmo tempo apaixonante e frustrante como ele contou em 1967 a Patrick Brion – autor da biografia Albert Lewin – Un esthète à Hollywood (Bifi / Durante, 1997). Lewin viu logo que o filme de Stroheim não poderia ser exibido na sua versão integral, mas acrescentou que Stroheim deu um jeito de contar praticamente duas vezes situações idênticas, o que poderia ter permitido cortar o filme sem mutilá-lo.

O gôsto que Lewin manifestou pela literatura, fez com que ele participasse na elaboração de outros roteiros como Fraqueza de Hércules / Blarney / 1926, dirigido Marcel de Sano; Capacetes de Aço / Tin Hats / 1926 de Edward Sedgwick; Uma Viagem Acidentada / A Little Journey / 1927 de Robert Z. Leonard; Prestígio Social / Spring Fever / 1927 de Edward Sedgwick; Beleza Moral / Quality Street e A Atriz / The Actress / 1928, ambos de Sidney Franklyn.

Sob a direção de Irving Thalberg, Lewin tornou-se supervisor da produção de  vários filmes sem que seu nome aparecesse nos créditos e depois produziu, para a MGM: Só Ela Sabe / The Guardsman / 1931 de Sidney Franklin; A Mulher de Cabelos de Fogo / Read-Headed Woman / 1932 de Jack Conway ; Mares da China / China Seas / 1935 de Tay Garnett; O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 de Frank Lloyd; Terra dos Deuses / The Good Earth / 1937 de Sidney Franklin.

Em 14 de setembro de 1936 Irving Thalberg morreu com a idade de 37 anos. Muito apegado a Thalberg para continuar na MGM, Lewin deixou o estúdio e foi para a Paramount, onde produziu: Confissão de Mulher / True Confession / 1937 de Wesley Ruggles; Lobos do Norte / Spawn of the North / 1938 de Henry Hathaway; Zaza / Zaza / 1939 de George Cukor.

Em 1940, Lewin se associou a David L. Loew e formou a Loew-Lewin Inc., que tinha David Loew como presidente, Lewin como vice-presidente e David Tannembaum como secretário geral e tesoureiro. O primeiro filme produzido pela Loew-Lewin foi  Náufragos / So Ends Our Night / 1941, dirigido por John Cromwell e baseado no romance Flotsam de Erich Maria Remarque. Infelizmente, após o ataque a Pearl Harbour, os numerosos projetos imaginados por Lewin entre eles Don Quixote, Moby Dick e  A Iliada – ficaram na gaveta.

Lewin aproveitou sua companhia produtora para passar à direção. Ele realizou seis filmes, em quinze anos, quatro dos quais eu reví recentemente e é sobre eles que vou falar (os outros dois, Saadia / Saadia / 1953 e O Ídolo Vivo /The Living Idol / 1957, são obras de menor importância na filmografia do diretor).

Os filmes de Lewin – com roteiros escritos por ele mesmo –  são notáveis por sua fascinação pelo estético e pelo esotérico bem como pelos seus protagonistas fora do comum – artistas e homens decadentes cujas obsessões sombrias os coloca em desacôrdo com o mundo convencional. Como lembraram Jean-Pierre Coursodon e Betrand Tavernier (50 Ans de Cinéma Américain, Nathan, 1991) seu tema essencial é a dificuldade de viver e de se realizar para um ser requintado  e ávido do absoluto enfrentando o universo materialista do qual é prisioneiro. Sua  maneira de filmar conjuga o estilo clássico de Hollywood com uma paixão pelos cenários exóticos e obras de arte extravagantes.

Um Gosto e Seis Vinténs / The Moon and Six Pence / 1942 é uma  adaptação do romance de Somerset Maugham (ele próprio livremente baseado na vida de Gauguin). Na sua estréia atrás das câmeras, Lewin aborda alguns temas que estarão presentes em todos os seus filmes como a oposição entre liberdade individual e preconceito social, a obstinação de um indivíduo que tenta se encontrar para alcançar a sua verdade e a procura de uma paz espiritual.

Charles Strickland (George Sanders) é um corretor da Bolsa de Valores bem instalado na vida, casado e pai de dois filhos, até que, subitamente, larga a família e parte para Paris, a fim de se tornar um pintor. Sua arte não é imediatamente reconhecida, mas nada o impede de continuar. Ele tem uma necessidade imperiosa de pintar. “Já lhe disse que tenho de pintar. É qualquer coisa mais forte do que eu. Quando um homem cai na água, tem de nadar, bem ou mal, não importa: precisa é salvar-se”.  Juntamente com essa inquietude artística e vital  Strikland se caracteriza por suas manifestações ferinas e incisivas, quase escandalosas para a mentalidade da época.

Tudo isto nos é relatado no filme por um personagem, Geoffrey Wolfe (Herbert Marshall), que vai acompanhando intermitentemente o percurso de Strikland, mesmo quando este sai de Paris e parte para o Taití (mostrado em sépia), onde finalmente encontra a tranquilidade para trabalhar, casa-se com uma nativa e morre vitimado pela lepra. Quando atingiu a genialidade na pintura, Strickland não procurou a posteridade, antes incumbiu a sua mulher nativa de incendiar as telas, privando a humanidade da contemplação e desfrute de seus quadros. Bastava-lhe a sua própria certeza. Pintara para atingir uma meta interior.

O filme de Lewin é um tanto verboso, mas tem excelentes desempenhos de George Sanders e Herbert Marshall, muita destreza no uso do retrospecto, inspirada partitura musical de Dmitri Tiomkin, esplêndida fotografia em preto-e-branco (de John F. Seitz) com uma iluminação que por vezes chega à beira do expressionismo e do surrealismo e apresenta uma curiosidade: nunca mostra as obras de Strickland até a derradeira sequência do incêndio, na qual vê-se em cores os quadros que as labaredas consomem.

O Retrato de Dorian Gray / The Picture of Dorian Gray / 1945 é uma adaptação do romance de Oscar Wilde passado na Inglaterra no final do século XIX.  Basil Hallward (Lowell Gilmore) pinta o retrato de um rapaz atraente e sedutor, Dorian Gray (Hurd Hatfield). Este fica encantado com o quadro, mas é alertado pelo amigo de Basil, Lord Henry (George Sanders) – um dândi amoral e cínico que se gaba de viver somente para o prazer – de que sua beleza não irá durar para sempre. Aterrorizado pela idéia da velhice e da feiúra, Dorian deseja pesarosamente em voz alta, que ele permaneça sempre jovem e a pintura é que envelheça no seu lugar. Dorian não percebe que seu desejo foi misteriosamente concedido e que sua vida mudaria para sempre. Ele adota as teorias hedonísticas de Lord Henry e continua eternamente jovem enquanto a sua imagem no quadro, a cada ato de depravação que comete, vai se modificando, até ficar com uma expressão de pura maldade.

Trata-se de uma variação hábil do tema exposto no Fausto de Goethe e do personagem mitológico Narciso. Lord Henry representa a figura diabólica e Dorian Gray é Fausto e também um reflexo do amor próprio.  O retrato simboliza a alma de Dorian. Lord Henry instiga Dorian a ter indulgência com um estilo de vida imoral, indiferente aos sentimentos das pessoas que seduz e depois rejeita.  O elemento sobrenatural se desenvolve em torno da misteriosa escultura do gato egípcio, diante da qual Dorian exprime seu desejo e nas transformações do quadro, que vai se tornando cada vez mais repulsivo.

Nota-se ainda nesta fábula moral o ingrediente extra da sexualidade. Entretanto, com exceção do episódio de Sybil Vane (a jovem cantora – interpretada por Angela Lansbury – que Dorian seduz e abandona, levando-a ao suicídio), nós não ficamos sabendo exatamente o que Dorian faz que é tão “imoral”. A cena mais aterrorizante ocorre no final, quando o retrato medonho revela a verdadeira natureza de Dorian e a elegante fotografia em preto-e-branco (Harry Stradling laureado com o Oscar) muda repentinamente para Technicolor, provocando um efeito assustador.

Lewin soube reconstituir magistralmente o clima da Inglaterra vitoriana, bloqueada pelos tabus morais e pela hipocrisia e preservar os epigramas irônicos e espirituosos de Oscar Wilde, como aquele que abre o filme e diz que Lord Henry “aperfeiçoou a arte aristocrática de não fazer absolutamente nada”. George Sanders está perfeito como Lord Henry, dizendo os diálogos com um sorriso afetado e malicioso, lendo Les Fleurs du Mal e asfixiando as borboletas.  Aliás, a literatura está presente ao longo de todo o filme. Tal como Pandora, O Retrato de Dorian Gray começa com  a citação de versos dos Rubayat de Omar Khayam.

Outra grande atuação é a de Angela Lansbury (reconhecida como uma indicação ao Oscar) como a ingênua Sybil Vane. Ela está especialmente boa na cena em que Dorian tenta convencê-la a passar a noite com ele. Com apenas um pequeno franzimento das sobrancelhas e uma única lágrima, Angela mostra como a felicidade, que Sybil pensou que tivesse encontrado, se despedaçou. Alguns críticos lamentaram a passividade com a qual Hurd Hatfield compôs o seu personagem. Outros acharam inesquecível aquela figura marmórea, quase inexpressiva. Porém, de fato, é difícil acreditar que ele estivesse sofrendo um tumulto interior. Nem quando a cena é reforçada emocionalmente pelo expressivo score de Herbert Stothart, que incorpora peças musicais de Chopin e outros compositores clássicos.

O Homem sem Coração / The Private Affairs of Bel Ami / 1947 é uma adaptação  do romance de Guy de Maupassant, cuja ação transcorre em Paris no século XIX.  O filme descreve, sem o menor compromisso, a personalidade de Georges Duroy (George Sanders), apelidado de Bel-Ami. Ele encontra na rua seu antigo camarada no serviço militar, Charles Forestier (John Carradine), que lhe arruma um emprego como jornalista num jornal de propriedade de Monsieur Walter (Hugo Haas). Apresentado à sociedade pela bela mulher de Forestier, Madeleine (Ann Dvorak), Duroy conhece a melhor amiga desta, Clotilde de Marelle (Angela Lansbury), viúva e mãe de uma menina chamada Laurine. Ele conhece também Norbert de Varenne (David Bond), um organista cego que toca na catedral de Notre Dame e sua esposa Marie, que é violinista. Com a ajuda de Madeleine, Duroy começa a escrever uma coluna intitulada “Echoes”, através da qual espera manipular os pilares sociais e financeiros de Paris. Ao mesmo tempo, Duroy e Clotilde se apaixonam. Uma noite porém, Clotilde fica sabendo que Duroy se envolveu com uma jovem dançarina do Folies Bergère, Rachel (Marie Wilson) e compreende que ele nunca lhe será fiel. Charles morre de tuberculose e Duroy casa-se com Madeleine. Ele diz a Clotilde que se trata de um casamento de conveniência e que sempre a amará. Mas Duroy logo acha vantajoso seduzir a esposa (Katherine Emery) de Monsieur Walter, que se apaixonara desesperadamente por ele e assedia Marie de Varenne (Frances Dee), que o rejeita. Duroy forja uma relação amorosa entre Madeleine e seu adversário mais feroz, Laroche-Mathieu (Warren William), para surpreendê-los em um falso adultério e pedir o divórcio dela, com o fim de cortejar Suzanne (Susan Douglas), a filha de Monsieur Walter, herdeira de uma fortuna. Para se casar com Suzanne, Duroy compra um título de nobreza e se torna doravante Georges Duroy de Cantel. Enfurecida, ao saber da noticia das bodas, Madame Walter avisa Philippe, o autêntico herdeiro dos Cantel. Este chama Duroy de ladrão e o desafia para um duelo. Duroy morre pronunciando o nome de Clotilde (O Código Hays impôs uma morte sem glória para o herói. No livro de Maupassant, Bel Ami casa-se com Suzanne e Madame Walter morre de desgosto).

Georges Duroy é um arrivista, que se vale de sua condição de conquistador de corações femininos, para ir subindo rapidamente os degraus da alta sociedade parisiense, a fim de se integrar num contexto, do qual só quer obter riqueza  e poder. Seus objetivos serão cumpridos com uma frieza e uma precisão quase matemática, pois Duroy é no fundo um profundo analista e crítico do meio em que vive.

O filme é uma sucessão de diferentes etapas da ascenção social de Bel Ami. George Sanders está particularmente notável neste papel de um indivíduo ambicioso e sem escrúpulos e o ator o interpreta com elegância e cinismo. Patrick Brion descreve assim o personagem: “Duroy lê Mademoiselle de Maupin; enxuga sua navalha cheia de espuma na carta de amor de uma de suas conquistas, Clotilde de Marelle; cantarola Auprès de ma blonde; vê uma de suas amantes – Madame Walter – prender seus cabelos num dos botões de sua jaqueta e morre apertando em sua mãos duas pequenas bonecas, verdadeiros símbolos desta “comédia humana” da qual ele foi o ator e a vítima”.

Os diálogos maravilhosos; a fotografia de Russel Metty (e John Mescall) o cuidado dedicado aos cenários; a reconstituição estilizada da Paris de 1880; a música assinada por Darius Milhaud; a idéia de comparar aquela sociedade, onde circulam sedutores, jornalistas, homens de negócios e políticos à imagem do “Petit Gignol”, que encerra o filme; a utilização do quadro La Tentation de Saint Antoine em Technicolor; e uma surpresa como aquela cena no qual Madeleine, ao saber do pedido de divórcio, coloca soberbamente sua aliança no copo de cerveja de Georges Duroy, também enriquecem artisticamente este drama naturalista belo e cruel.

A fim de provocar um movimento de curiosidade em torno do filme, Lewin organizou um concurso entre artistas contemporâneos de renome, destinado a encontrar a melhor representação de La tentation de saint Antoine (Flaubert). O tema do quadro no livro de Maupassant era Le Christ Marchant sur les Eaux, mas as autoridades do Código de Censura informaram-lhe que este tema seria inaceitável. A censura não permitia a representação do Cristo na tela. Ainda mais porque Maupassant usara a imagem do Cristo de uma maneira irônica, fazendo Jesus se parecer com Bel Ami. Quem ganhou o certame foi Max Ernst e é sua tela que aparece no filme; porém a pintura que Salvador Dali criou para o concurso, tornou-se célebre.

Em Pandora / Pandora and the Flying Dutchman / 1951, no pequeno porto de Esperanza na costa espanhola, em 1930, os pescadores trazem em suas redes dois cadáveres enlaçados. O arqueólogo britânico Geoffrey Fielding (Harold Warrender), que reconheceu o casal, conta a sua história, lembrando a frase de um escritor da Grécia antiga: “ A medida do amor é o que estamos dispostos a sacrificar por ele”. A jovem e linda cantora americana Pandora Reynolds (Ava Gardner) tem em torno dela uma pequena côrte de admiradores e de apaixonados, que fazem parte da população anglo-saxã e ociosa do porto. Um deles, Reggie Demarest (Marius Goring) pede Pandora em casamento. Após ser rejeitado, ele se envenena e morre declamando um de seus poemas. O corredor automobilista Stephen Cameron (Nigel Patrick) também quer se casar com Pandora. Querendo testar a profundidade de seu amor, Pandora lhe pergunta se ele sacrificaria seu bem mais precioso, a saber o seu carro de corrida, cuja construção lhe havia tomado dois anos.  Logo Stephen joga o precioso carro no mar. Pandora promete então esposá-lo no terceiro dia do nono mês do ano. Muito intrigada pela visão de um iate solitário ancorado na baía, Pandora interroga Geoffrey, que lhe conta a lenda do Holandês Errante, um capitão de navio do século XVII condenado a vagar sem destino sobre os mares até o fim dos tempos. De sete em sete anos ele era autorizado a ir à terra durante seis meses. Se numa dessas estadias descobrisse uma mulher disposta a sacrificar sua vida por amor a ele, a maldição terminaria e ele poderia morrer como qualquer outro ser humano. Pandora nada nua em direção ao iate. Ele parece vazio. Somente um homem se encontra a bordo, o holandês  Hendrick Van der Zee (James Mason), que está ocupado pintando uma tela representando uma alegoria do mito de Pandora. A Pandora do quadro se parece espantosamente com Pandora Reynolds.

Aí começa o drama fantástico e romântico, que combina inteligentemente o mito grego, a lenda do holandês errante (que inspirou Richard Wagner para compor o seu “Navio Fantasma”) e o ambiente da “Geração Perdida”.  Da conjunção desses três elementos resultou uma obra magnificada pela beleza perfeita da protagonista e pela fotografia deslumbrante em Technicolor de Jack Cardiff. Estes são o ponto alto do espetáculo. Como verdadeiro esteta, conhecido por sua extravagância, Lewin nos oferece um espetáculo visualmente suntuoso – misturando o barroco e o surreal – à altura de sua intriga.

Como Lewin declarou, “Era natural, para mim, tentar fazer um filme deliberadamente surrealista. Este desejo tomou forma para Pandora. O hábito que tinham os surrealistas de justapor imagens antigas e modernas, que é particularmente notável na obra de De Chirico e Paul Delvaux, sempre me perturbou. Encontrei no personagem do holandês errante, que havia sido condenado à viver durante vários séculos, um símbolo desta justaposição de épocas. Já falei do episódio no qual ele pinta um retrato de mulher que, nós descobrimos mais tarde, havia sido sua mulher, há centenas de anos”.

Entre outros episódios surrealistas do filme, podemos discernir a cena da corrida automobilística na praia: um bólido que passa a toda velocidade diante da estátua de uma deusa grega, erguida na areia. E o baile na praia, no curso da qual os homens de casaca dançam com as mulheres de maiô sob o som da música “You’re driving me crazy”, executada por um conjunto de jazz colocado, de uma maneira erótica, entre os fragmentos de estátuas antigas, tendo o mar como pano de fundo.

Infelizmente tenho que apontar alguns tropeços da direção: o andamento da narrativa é um pouco lento, faltando a movimentação febril que o enredo pedia; o filme perde muito tempo com certos incidentes (por exemplo, uma sequência prolongada na qual Stephen bate o recorde de velocidade) e com o longo retrospecto explicando a maldição de Hendrick; os vestidos e os penteados das mulheres não são de 1930, mas totalmente contemporâneos; o relacionamento entre os dois amantes é um tanto tépido. Entretanto, a originalidade do argumento sobre um amor que transcende a vida, a morte e o tempo, a cinematografia plasticamente requintada e a presença de Ava Gardner compensam essas deficiências.

Nos anos cinquenta, Lewin realizou seus dois últimos filmes e planejou múltiplos projetos, que não conseguiu concretizar. Em 1959, ele foi vítima de um ataque cardíaco, que o obrigou a renunciar à produção e à realização. Lewin mudou-se da Califórnia para Nova York, instalando-se nas imediações do Central Park, no meio de seus quadros (essencialmente surrealistas) e de seus objetos pré-colombianos.

No dia 9 de maio de 1968, Albert Lewin faleceu em virtude de uma pneumonia. Foi seu fiel amigo, Charles Reznikoff que pronunciou o elogio fúnebre.

TOTÓ

março 22, 2011

Filho ilegítimo do Marquês Giuseppe De Curtis e de Anna Clemente, Totó (Antonio Vincenzo Stefano Clemente) nasceu em Nápoles no dia 15 de fevereiro de 1898 no segundo andar de um prédio da Via Santa Maria Antesaecula no bairro Stella apelidado de Sanitá (Saúde) por causa do seu ar, naquele tempo, particularmente salubre. Registrado no Cartório do Registro Civil com o sobrenome materno, Totó seria reconhecido legalmente como filho do marquês (que depois da morte de seu progenitor se casou com Anna em 24 de fevereiro de 1921) em 1937. Em 1933, ele se fez adotar  – em troca de uma renda vitalícia -pelo marquês Francesco Maria Gagliardi, que lhe transmitiu seus títulos de nobreza.

Após ter frequentado a escola primária, Totó ingressou no colégio Cimino, onde um professor, numa luta de boxe, lhe causou aquele desvio de septo nasal que, com o tempo, tornar-se-ia um traço característico de sua máscara teatral e cinematográfica.

Aos 14 anos de idade, ele abandona os estudos e começa a fazer imitações do artista do teatro de variedades Gustavo De Marco, sendo sempre delirantemente aplaudido.

Em 1915, Totó se alista como voluntário para lutar na Primeira Guerra Mundial, mas evita a frente de batalha, fingindo um ataque epilético. Em 1918, no final do conflito, retorna a Nápoles e arranja emprego numa companhia teatral de segunda classe, onde apresenta imitações das caricaturas de De Marco; porém  suas exibições são recebidas com vaias e assovios.

O primeiro sucesso de Totó ocorre quando, mudando o repertório, ele resolveu trilhar o caminho da paródia. Em 1919, o encontramos na Sala Napoli parodiando Vipera (Serpente), a célebre canção celebrizada pela cantora Anna Fougez. Reescrita por Totó, Vipera conta, em chave autobiográfica, a história de um jovem que, tendo frequentado uma prostituta, pega uma doença venérea. Totó cantou-a erguendo um ferrolho na braguilha de sua calça. A caricatura grosseira divertiu o público, mas não podia ser repetida indefinidamente. Assim, o jovem ator reescreveu-a, chamando-a Biscia (Cobra) e, para interpretá-la, começou a mover o corpo e sobretudo o  pescoço, com aquele movimento de contorcionista que se tornaria uma de suas caraterísticas.

No ano seguinte, Totó retoma seu repertório de imitações de De Marco e de novo o público decreta seu insucesso. Depois de receber uma saraivada de vaias no Teatro Valle di Aversa, ele se transfere para Roma com seus pais e arranja emprego na empresa de Francesco De Marco, que se exibia no Teatro Diocleziano. Infelizmente, dentro de poucas semanas Totó foi dispensado por inveja de um ator que via com maus olhos  a sua popularidade.

Novamente desempregado, ele frequenta o Caffè Canavera e o Caffè Vesuvio, onde costumavam se reunir os atores, sobretudo os desocupados. Totó se sente no seu ambiente porém, exasperado pela inatividade e desanimado com o seu futuro, tenta o suicídio com éter. Salvo a tempo por sua mãe, ele decide experimentar o teatro de variedades.

Numa manhã, Totó se apresenta a Giuseppe Jovinelli, proprietário do teatro homônimo na praça Guglielmo Pepe. Totó se diz disposto a fazer de tudo, porém refaz uma imitação de De Marco que diverte muito Jovinelli. Ele é contratado por uma semana e, bem acolhido pelo público (bem diferente daquele que ele havia enfrentado até então), obriga o empresário a lhe renovar o contrato por mais alguns meses e a colocar o seu nome com destaque nos cartazes de promoção do espetáculo.

Terminado o compromisso com Jovinelli, Totó assina contrato com Salvatore Cataldi e Wolfango Cavaniglia, proprietários do Teatro Sala Umberti I. Já na primeira noite na Sala, Totó conquista a platéia, rodopiando o corpo, contorcendo o rosto numa mímica irresistível, fazendo trejeitos de duplo sentido e caretas surreais, que suscitam muitos aplausos e pedidos de bis. É a consagração.

De 1923 a 1927, ele se exibiu em vários teatros e afirmou a sua figura de marionete desarticulada, de chapéu de côco, fraque fora da medida, sapato baixo e meia colorida, que começa a ser conhecida como “o homem de borracha”(l’uomo gomma).

Em 1927, Totó é contratado por Achille Maresca, titular de duas companhias de revista e de opereta. Nas numerosas temporadas nos anos 1928 e 1929 o primeiro cômico-grotesco da história contemporânea – assim ele começou a ser definido pelos críticos – afirmou-se ainda mais como um grande ator dos palcos italianos.

Em 1929, Totó inicia uma relação amorosa com a cantora de café-concerto Liliana Castagnola. Em 1930, ele aceita o convite da soubrette Cabiria e parte numa turnê. Sentindo-se abandonada pelo amante, Liliana, dotada de um temperamento mórbido e doentio, suicida-se. Em sua homenagem, o ator dará o nome de Liliana à sua filha, que nascerá do seu matrimônio com Diana Rogliani. Após a turnê com Cabiria, no final de junho de 1930, Totó está de novo em Roma, na Sala Umberto I, apresentando uma nova criação: num esquete intitulado “Totó Carlitos por amor”, ele imita com perfeição o célebre personagem de Charles Chaplin.

Durante uma excursão teatral em Florença, Totó conhece uma jovem de 17 anos, Diana Bandini Rogliani, corteja-a, e finalmente os dois se casam – somente no civil – na primavera de 1932.

Entrementes, na Itália, desde o início dos anos 30, começou a ser difundido o avanspettacolo, ou seja, aquele espetáculo ao vivo no estilo do teatro de revista ou do vaudeville, apresentado nos cinemas antes da projeção, que foi inventado pelo empresário americano Sid Grauman com o nome de Prologue e difundido, como um complemento cinematográfico, em outros países como a França (avant-cinéma) e o Brasil (prólogo). Totó participa desses espetáculos de abertura com sua irrefreável comicidade, conquista plenamente a simpatia do público e afirma, de uma vez por todas, a  sua personalidade artística.

Sua filha Liliana nasce em 10 de maio de 1933. O pai está no teatro Eliseo de Roma na revista Al Pappagallo. Quando lhe avisam do acontecimento, ele sai do palco desculpando-se com o público e anunciando que vai conhecer sua filha, mas que retornará dentro de poucos minutos.

Em 1934, Totó realiza finalmente seu desejo de possuir uma casa em Roma, onde poderá se refugiar depois dos espetáculos cansativos ao lado da família. Entretanto, o ciúme obsessivo e imotivado que ele tem de sua jovem esposa começa a abalar seu casamento. Apesar disso, em abril de 1935, o ator esposa Diana numa cerimônia religiosa e continua com êxito o seu trabalho na companhia de avanspettacolo, tirando o melhor proveito de sua capacidade cômica, das invenções linguísticas e da mímica grotesca.

No ano de 1937, Totó estreou no cinema com o filme Fermo con le Mani, dirigido por Gero Zambuto. Não foi a primeira vez que propuseram a Totó sua transferência para o cinema. Já no final de 1930, Stefano Pitaluga, que havia produzido para a Cines La Canzone dell’amore, o primeiro filme sonoro italiano, pensara em convidar Totó para trabalhar num filme intitulado Il Ladro Disgraziato; porém quando o diretor lhe disse que ele teria que imitar Buster Keaton, o cômico lhe respondeu que ele era Totó e não Buster Keaton, e abandonou a produção. Alguns anos depois, Totó poderia ter sido Blim, o mendigo suicida que, no início de Darò un Milione de Mario Camerini, salvava o milionário Gold (Vittorio De Sica). Mas enquanto Cesare Zavattini, autor do argumento e do roteiro, torcia por ele, o diretor não quis utilizar um ator ainda desconhecido do público cinematográfico.

O convite para participar de Fermo con le Mani foi feito por Gustavo Lombardo, o dono da Titanus, destinada a ser uma das companhias produtoras mais importantes da Europa. O filme deu a Totó a oportunidade de se tornar conhecido de um público diferente do avanspettacolo.

A crise conjugal entre Totó e Diana aumenta e o casal concorda em anular seu matrimonio. Porém, como na Itália ainda não tinha sido instituído o divórcio, eles só conseguiram requerer a dissolução de seu vínculo em Bruenn, na Hungria. Em 27 dezembro de 1939, a anulação seria declarada válida também na Itália, pela Corte de Apelação de Perugia.

Apesar de não ter ficado satisfeito com o resultado de seu primeiro filme, que foi uma tentativa frustrada de se criar um “Carlitos italiano”, Totó se achava pronto para fazer uma nova tentativa. Lombardo ainda acreditava nele e o confiou ao humorista Achille Campanile que, juntamente com o diretor Carlo Ludovico Bragaglia, se encarregou de dar vida a Animali Pazzi / 1939; porém o resultado não foi satisfatório. Por causa da pobreza financeira da produção e da banalidade do argumento, Bragaglia realizou uma direção medíocre e Totó foi o primeiro a sofrer as consequências.

Pouco depois, Cesare Zavattini escreveu para ele o argumento Totó il buono, que afinal não se tornou um filme de Totó, mas foi a inspiração para Milagre em Milão / Miracolo a Milano, realizado anos mais tarde (1951), em pleno neorrealismo, pela dupla De Sica-Zavattini.

A idéia de um terceiro filme de Totó concretizou-se em San Giovanni Decollato / 1940,  dirigido por Amleto Palermi com base numa comédia de Nino Martoglio e roteiro escrito por A. Palermi, Cesare Zavattini e Aldo Vergano.  Como observou Ennio Bíspuri – no seu extraordinário livro Totó Attore (Gremese, 2010), no qual o autor comenta exaustivamente todos os filmes do grande cômico – o personagem de Totó, graças ao texto sólido de Martoglio, ao trabalho severo dos roteiristas e à direção comedida de Palermi, deixa entrever pela primeira vez os grandes recursos cinematográficos  do  ator.

Poucos dias depois do lançamento do filme, Totó estreou ao lado de Anna Magnani no Teatro Quattro Fontane de Roma na revista Quando meno te l’aspetti de Michele Galdieri. Anna já era famosa como Totó, tanto por suas interpretações teatrais como cinematográficas. A cena pela qual a revista se tornou famosa na história do teatro ligeiro foi aquela em que Totó e Anna faziam a caricatura dos jovens frequentadores dos bares da Via Veneto, imitando o seu linguajar contraído, no qual “bici” quer dizer bicicleta, “tele”, telefone, “occu”, ocupado, etc.

Antes de estrear na revista de Galdieri, Totó interpretou no cinema Alegre Fantasma L’Allegro Fantasma / 1941, novamente sob a direção de Amleto Palermi, no qual fez o papel de três personagens, três gêmeos envolvidos na disputa de uma herança. No comentário do crítico Osvaldo Scaccia, “em L‘Allegro Fantasma a gente rí só por causa de Totó, um Totó mais do teatro revista do que do cinema … é uma velha cena cômica baseada essencialmente nas caretas de Totó e em algumas idéias que, na verdade, não são novinhas em folha.

Em fevereiro de 1942, o ator atuou no Teatro Lírico de Milão numa outra revista que Galdieri escreveu para ele e Anna Magnani: Volumineide. Neste espetáculo Totó fez uma de suas caracterizações mais célebres como Pinocchio além de parodiar o Conde Wromsky de Anna Karenina e o lobo mau de Chapeuzinho Vermelho, Anna, por sua vez, parodiava a heroína de Malombra (o filme de Mario Soldati), Anna Karenina e Chapeuzinho Vermelho. Orio Caldiron, no seu excelente livro Il principe Totò (Gremese, 2001), de onde extraímos a maior parte das informações para este artigo, entra em mais detalhes sobre este e outros trabalhos de Totó no teatro – inclusive reproduzindo trechos muito engraçados dos textos das revistas.

Prosseguindo na sua carreira cinematográfica, Totó assinou contrato com a Bassoli Film para interpretar um novo filme, Due Cuori fra le Belve que, após a guerra, foi distribuído como Totò nella fossa dei Leoni / 1943, dirigido por Giorgio Simonelli. No enredo, Totó, enamorado de uma moça, filha de um cientista desaparecido na selva, metia-se numa expedição em busca do sábio e quase servia de refeição para os canibais. De acordo com Bíspuri, o filme demonstrava de modo evidente que os diretores e produtores continuavam a perceber, a enquadrar e a limitar a comicidade do ator napolitano no âmbito do exagêro, em detrimento do realismo.

Após mais algumas revistas contracenando com a Magnani, Totó voltou às telas com Il Ratto delle Sabine / 1945, dirigido por Mario Bonnard. Neste filme, Totó personificou um diretor de companhia teatral que encena uma comédia, na qual ele faz o papel de rei. Depois da morte do pai biológico, o ator, ajudado por especialistas em heráldica, quís indagar a fundo sobre sua origem nobre. Descobriu assim que era descendente direto dos imperadores de Bisâncio com uma nobreza que remontava ao 362 anos A.C. Em abril de 1946, a Corte de Apelação de Nápoles confirmou Totó como o último descendente da estirpe imperial bizantina. Conforme Bìspuri, Il Ratto delle Sabine, que pode ser considerado o primeiro filme realista de Totó, permitiu que críticos e o público descobrissem um personagem inédito, destinado a evoluir ulteriormente  após a série imediatamente sucessiva dos primeiros quatro filmes  dirigidos por Mario Mattoli: I Due Orfanelli / 1947, Pegando Touro a Unha Fifa e Arena /1948, Totò al giro d’Italia / 1948 e I Pompieri di Viggiù / 1949, que ocuparam boas posições entre os filmes de maior renda na Itália

Dos diretores que mais trabalharam com Totó, (Mattoli (16 filmes), Camilo Mastrocinque (11 filmes), Steno (10 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Monicelli),  Sergio Corbucci (7 filmes), Carlo Ludovico Bragaglia (6 filmes),  Mario Monicelli (3 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Steno), Mattoli foi o primeiro  a intuir as grandes possibilidades do ator. Ele percebeu que não se tratava de sobrepor a Totó um personagem definido, mas sim de criar em torno  do ator as condições mais adequadas para que ele pudesse expor todo o tesouro de gracejos e de gestos que vinha sedimentando no curso de uma longa experiência teatral no contato cotidiano com o público.

O êxito financeiro dos filmes de Totó continuou com Totò Cerca Casa/ 1949, Totò le Moko / 1949, L’Imperatore di Capri / 1950, Nápoles Milionária / Napoli Milionaria / 1950, Barbeiro em Sevilha / Figaro Quà, Figaro Là / 1950, Totò Tarzan / Totò Tarzan / 1950, O Filho do Xeque / Totò Sceicco / 1950, O Homem da Caixinha / 47 , Morto que Parla / 1950, etc. e sua popularidade – que era mais nítida  entre os espectadores da periferia e da província – não diminuiu.

Entre os filmes dos anos 50 sobressaíram por sua qualidade artística superior: Onde Está a Liberdade? / Dov’è  la Libertà …? / 1952 de Roberto Rosselini (Federico Fellini dirigiu a cena em que Totó morde a orelha de seu advogado); Ouro de Nápoles / L’oro di Napoli / 1954 de Vittorio De Sica e Os Eternos Desconhecidos / Il Soliti Ignoti / 1958 de Mario Monicelli.

O primeiro filme, “fábula insólita, amarga e paradoxal, opondo a crueldade impiedosa da vida em sociedade com a doce tranquilidade da vida na prisão”, (Jacques Lourcelles), permitiu a Totó, clown surrealista, demonstrar a extensão de seu talento. O segundo, uma reunião de crônicas deliciosas, que fazem reviver uma Nápoles triste e alegre, permite a Totó demonstrar a sua capacidade dramática como o chefe da família dominada pelo mafioso; o terceiro filme, por seu êxito internacional, faz o cinema italiano passar definitivamente do realismo do pós-guerra para a comédia e nele Totó desempenha, de uma forma precisa, o papel do velho ladrão que dá aula de assalto para os quatro colegas novatos.

No palco de filmagem de Onde Está a Liberdade? foi delineado um projeto, contemplado treze anos atrás por Rosselini, de um filme que, tendo como tema uma reflexão sobre a máscara da comédia-de-arte, deveria concentrar-se sobre Totó, considerado como o ator-máscara típico, a verdadeira, moderna personificação do Polichinelo. Porém o projeto não foi avante.

Nos anos sessenta, o nome mágico de Totó ainda garantia a atração de um vasto público popular. Ele havia se tornado o personagem mais famoso e amado de um vincêndio do cinema italiano, durante o qual exibiu suas qualidades singulares em uma série de filmes realizados para o consumo exclusivo das platéias menos exigentes, das quais soube colher as aspirações e as frustrações.

No palco de filmagem de 47 Morto che Parla Totó contracenou com Silvana Pampanini, exuberante atriz de vinte e cinco anos e começou a cortejá-la. Diante dos mexericos sobre o flerte entre Totó e Silvana, a ex-mulher do ator, Diana (que ainda continuava a viver com ele, embora  o casamento não existisse mais legalmente) resolveu sair de cena. Entrevistada pela imprensa, a Pampanini declarou que gostava muito de Totó mas … como um pai. Em 1 de agosto de 1951, Diana casou-se com o advogado Michele Tufaroli, do qual se separou três anos mais tarde.

Em fevereiro de 1952, Totó ficou encantado com a foto de Franca Faldini, que viu na capa do semanário “Oggi”. A bela jovem de cabelos negros e olhos azuis tinha apenas vinte e um anos e já filmara nos Estados Unidos, onde, contratada pela Paramount, participara (sem ser creditada) do filme  O Marujo foi na Onda /  Sailor Beware ao lado de Dean Martin e Jerry Lewis. Em 15 de março, Totó anunciou o seu noivado com Franca. A sua história de amor durou quinze anos até a morte do ator, porém eles nunca se casaram, talvez pela diferença de idade (Totó tinha cinquenta e quatro anos, trinta a mais do que Franca) ou talvez porque não acharam que havia necessidade disso. Nessa ocasião, Totó colabora na sua biografia, “Siamo Uomini o Caporali? (depois título de um de seus filmes), organizada por Alessandro Ferraú e Eduardo Passarelli para a editora Capriotti, na qual ele recorda os anos de seu longo aprendizado.

Na galeria de personagens interpretados pelo grande ator,  um lugar especial foi ocupado pelo gatuno de Guardas e Ladrões / Guardi e Ladri / 1951, Ferdinando Esposito, que vivia de expedientes e de pequenos furtos, um trabalho que valeu a Totó o prêmio Nastro d’argento como melhor ator protagonista do ano, concedido pelo Sindicato Nacional de Jornalistas Cinematográficos.

Na comicidade de Totó sempre se alternaram os registros surreal e realista. Steno e Monicelli, os realizadores de Guardi e Ladri, usaram ambos os registros neste filme e nos outros que fizeram com o cômico napolitano. Basta lembrar Totò e il Re de Roma/1952, que aborda com humor mordaz o ambiente do funcionalismo público: a frustração, a obtusidade da burocracia, a arte de “arranjar-se”; ou ainda Totò e le Donne / 1952 que, tratando o tema da misoginia, procurava conjugar a realidade social com a comédia.

Quando a dupla se separou, Steno e Monicelli realizaram, cada qual por conta própria, outros filmes com Totó acentuando uma ou outra das constantes do cômico. Steno, concentrando-se sobretudo sobre a componente surreal, aparentada com as origens teatrais; Monicelli, prosseguindo na humanização do personagem, mais ligada à idéia de atualidade e verossimilhança das situações.

Em 1957, Totò teve que interromper uma turnê teatral, porque não estava enxergando nada, tendo sido diagnosticada uma coriorretinite hemorrágica aguda no olho direito, o único com o qual via, porque o outro sofrera, há vinte anos, um deslocamento de retina traumático, operado sem êxito, Totò permaneceu um ano completamente cego e nunca conseguiu recobrar integralmente a vista do olho direito.

O encontro com Pier Paolo Pasolini foi o mais inesperado e surpreendente de toda a biografia artística do grande ator, além de ser um dos mais produtivos no plano criativo. Dele resultaram o longa-metragem Gaviões e Passarinhos / Uccellaci e Uccelini / 1966 e dois curtas-metragens La Terra vista dalla Luna / 1967 e Che cosa sono le Nuvole? / 1967. No longa-metragem, Totó interpreta um monge de São Francisco de Assis no século XII com a missão de evangelizar todos os pássaros. Pasolini expõe, num tom burlesco, os ideais marxistas e cristãos, que poderiam conduzir os homens a viver melhor. Ele viu este filme como “o mais livre e o mais puro de sua obra.

Foi por ocasião desta colaboração frutuosa que Antonio De Curtis, conhecido artísticamente como Totó, faleceu numa manhã de 15 de abril de 1967, vítima de um ataque cardíaco. Poucos dias antes, numa entrevista, ele havia declarado: “Depois que eu morrer, ninguém se lembrará de mim”. Nenhuma profecia foi tão falsa.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes de Totó exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português, que é a informação que o imdb não dá. Totó fez 102 filmes de longa-metragem dos quais ví apenas 23, alguns não exibidos no Brasil. Desses 23, gostei mais de Pegando Touro a Unha, O Imperador de Capri, O Filho do Xeque, Guardas e Ladrões, Onde Está a Liberdade?, Ouro de Nápoles, Os Eternos Desconhecidos, Totó e a Doce Vida.

1941 – ALEGRE FANTASMA / Allegro Fantasma; 1947 – ORFÃOZINHOS DO BARULHO / Il Due Orfanelli; 1948 – PEGANDO TOURO A UNHA / Fifa e Arena; 1949 – MESSALINA E O BOMBEIRO / I Pompieri di Viggiù; 1950 – O IMPERADOR DE CAPRI / L’Imperatore di Capri, NÁPOLES MILIONÁRIA / Napoli Milionaria; TOTÓ TARZAN / Totò Tarzan; O FILHO DO XEQUE / Totò Sceicco; TOTÓ BARBEIRO EM SEVILHA / Figaro Quà, Figaro Là; O HOMEM DA CAIXINHA / 47 Morto Qui Parla. 1951 – GUARDAS E LADRÕES / Guardi e Ladri. 1952 – ONDE ESTÁ A LIBERDADE? / Dov’è la Libertà?. 1953 – UMA DAQUELAS MULHERES / Una di Quelle; O HOMEM, A BÊSTA E A VIRTUDE / L’Uomo, la Bestia e la Virtù; UM TURCO DAS ARÁBIAS / Un Turco Napoletano; UMA COMÉDIA EM CADA VIDA / Questa è la Vita. 1954 – NOSSOS TEMPOS / Tempi Nostri; MISÉRIA E NOBREZA / Miseria e Nobiltà: OURO DE NÁPOLES / L‘Oro di Napoli. 1955 – TOTÓ NO INFERNO / Totò all ‘Inferno; SOMOS HOMENS OU …? / Siamo Uomini o Caporalli?; A CORAGEM / Il Coraggio; ACONTECEU EM ROMA / Raconti Romani; TOTÓ , CHEFE DE ESTAÇÃO / Destinazione Povarolo.  1956 – VENCE O AMOR / Totò, Peppino e … la Malafemmina. 1957 – TOTÓ FORA DA LEI / Totò, Peppino e i Fuorileggi. 1958 – CASEI-ME COM UMA DOUTORA / Totò, Vittorio e la Dottoressa. CONTRABANDISTA A MUQUE / La Legge è la Legge; OS ETERNOS DESCONHECIDOS / I Soliti Ignoti; TOTÓ E MARCELINO / Totò e Marcelino; TOTÓ NA LUA / Totò nella Luna; TOTÓ EM PARIS / Totò a Parigi. 1959 – A CASA INTOLERANTE / Arrangiatevi! 1960 – LADRÃO APAIXONADO / Risate di Gioia; TOTÓ E AS VEDETAS / Signore si Nasce: SINUCA EM FAMÍLIA / Totò, Fabrizi e i Giovani d’Oggi. 1961 – TOTÓ E A DOCE VIDA / Totò, Peppino e la Dolce Vita; TOTÓ VIGARISTA 62/ Tototruffa’62. 1963 – A VIDA ÍNTIMA DE SUAS EXCELÊNCIAS / Gli Onorevoli. 1965 – A MANDRÁGORA / La Mandragola. 1966 – GAVIÕES E PASSARINHOS / Uccelacci e Uccelini.