ERNST LUBITSCH – II
setembro 22, 2011Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, Ernst Lubitsch partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchell Leisen) como Margarida mas sua mãe a proibiu de atuar num filme no qual uma jovem mata seu bebê.
Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan, tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época, roteirizado por Edward Knoblock, a partir do argumento de Hanns Kräly e Norbert Falk, inspirado na peça francêsa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atraí a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn) porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado.
Para desenhar os cenários, Lubitsch indicou o cineasta dinamarquês Svend Gade (diretor de Hamlet / Hamlet / 1921 com Asta Nielsen), tendo sido a direção de arte entregue a William Cameron Menzies e os figurinos a Mitchell Leisen. Mary desejava Maurice Chevalier em seu primeiro filme como adulta (ela estava com 29 anos) mas não conseguiu contratá-lo e George Walsh, irmão de Raoul Walsh, ocupou seu lugar. Entre os inúmeros figurantes estava um jovem chamado Charles Farrell, mais tarde o galã de Janet Gaynor em Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1927 de Frank Borzage.
Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela e, entre os atritos, o grande fotógrafo Charles Rosher – Oscar por Aurora / Sunrise / 1927 de F. W. Murnau -, que havia desenvolvido para Rosita uma iluminação de efeitos estereoscópicos, deixou o cargo.
O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela, que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu já fiz; foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.
Entretanto, como revelou Scott Eyman (Ernst Lubitsch: Laughter in Paradise, Simon and Schuster,1993), assim que o filme ficou pronto, Pickford disse para seu advogado, Cap O’Brien, que ela ainda considerava Lubitsch o maior diretor do mundo e estaria disposta a patrocinar outras realizações dele, se tivesse condições financeiras. Seis dias depois, quando consentiu mudar o título do filme originário de The Street Singer para Rosita, reiterou para o causídico que estava satisfeita com Rosita e achava que o espetáculo faria sucesso. Somente anos depois, consumida pelo alcoolismo, perturbada pelo divórcio de Fairbanks e outros problemas, foi que ela começou a desenvolver uma idéia fixa negativa sobre o filme.
O fato é que, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador … tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, Rosita foi saudado como obra-prima. Em uma sessão pública no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente.
Jeanine Basinger estava lá e o descreveu assim: “Rosita tem cenários dispendiosos, inclusive uma Sevilha em exteriores, lindos jardins, salas do castelo com tetos abobadados, móveis adornados, e espelhos e portas magníficos. O ritmo é soberbo e a direção de Lubitsch do típico “elenco de milhares” retrata um mundo de pessoas reais e ação pitoresca. Holbrook Blinn como o velho rei lascivo está absolutamente maravilhoso e os figurinos, penteados e jóias são todos muito bonitos. Pickford excelente como a cantora de rua que dança, flerta e entretém as massas”.
Janine destacou uma cena de comédia na qual Rosita, uma garota faminta, é levada pela primeira vez ao palácio. Na sala de espera, ela avista uma taça enorme cheia de doces. Enquanto Rosita passa repetidas vezes diante da taça e sai do quadro, a câmera fica paralisada na taça. Após alguns momentos de hesitação, a jovem apanha um bombom, põe na sua boca, e parte logo para fazer o mesmo com um outro. Esta cena é um exemplo perfeito de como Lubitsch e Pickford casaram seus estilos harmoniosamente. A colocação da câmera é puro Lubitsch; a ação cômica, muito bem cronometrada, é Pickford pura.
Após Rosita, circularam notícias de um novo filme com Mary Pickford mas ela iniciou Entre Duas Rainhas. Douglas Fairbanks ofereceu a Lubitsch a direção de um filme de piratas – depois transformado em O Pirata Negro / The Black Pirate /1926 e dirigido por Albert Parker. Finalmente, Lubitsch assinou contrato com a Warner Bros. onde – após um projeto não concretizado de filmar a peça Debureau de Sacha Guitry – inaugurou uma série bastante homogênea de comédias sofisticadas nas quais, exercitando seu estilo e refinando seu gosto, ridicularizou os preconceitos e as futilidades mundanas.
Sátira matrimonial ambientada na Viena às vésperas da Primeira Guerra Mundial, baseada na peça Nur ein Traum de Lothar Goldschmidt, adaptada por Paul Bern (e Kräly não creditado), O Círculo de Casamento / The Marriage Circle / 1924 seguia o modelo shakespereano de “muito barulho por nada”. O Professor Josef Stock (Adolphe Menjou) vê a oportunidade, ansiosamente aguardada, de se divorciar da esposa, Mizzi (Marie Prevost), quando ela começa um flerte com o Dr. Franz Braun (Monte Blue, substituindo Warner Baxter após oito dias de filmagem), marido de sua melhor amiga, Charlotte (Florence Vidor) que, por sua vez, é cortejada pelo Dr. Gustave Müller (Creighton Hale), sócio de Braun. No desenlace, após muitos enganos e falsas suspeitas, tudo volta ao normal, como se nada tivesse acontecido.
Filme de Lubitsch favorito de Chaplin, Hitchcock e Kurosawa, O Círculo do Casamento, fotografado por Charles van Enger, serviu de modelo para vários cineastas pelas sutilezas eróticas e psicológicas e pelas elipses e detalhes significativos. Desenvolvendo o tipo que compusera em Casamento ou Luxo, Menjou impôs-se como um dos atores prediletos de Lubitsch e sua interpretação minimalista é um dos pontos altos do filme. Entretanto, Menjou preferia Chaplin como diretor: “Tudo o que eu tinha que fazer para deixar Lubitsch feliz era ficar diante da câmera imitando todos os gestos que ele fazia para mim”.
Uma das melhores cenas do filme antecipa a descoberta do rei que é enganado em A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934: o detetive mostra a Joseph o relatório sobre os encontros de Mizzi e Franz, que Josef considera absurdos. Josef senta-se num sofá em cima de um chapéu, o qual retira sorridente, e o entrega ao detetive. Este diz que este chapéu não lhe pertence e mostra o seu. Neste momento (como o rei ao ver que o cinturão não era o seu em A Viúva Alegre), Josef cai na realidade. Brilhante também é a cena que nos mostra a relação amorosa entre Franz e Charlotte, sem que seja preciso vermos os dois personagens. A câmera enquadra a mesa na qual eles tomam o café da manhã. O braço dele bate com a colher no ovo; o dela, mexe o café. Os movimentos normais vão se atenuando, e de repente param, quando as mãos se encontram. E aí nos lembramos da frase de François Truffaut: “Dans la gruyère de Lubitsch chaque trou est genial!”(No queijo de Lubitsch cada buraco é genial!”).
Insólito no currículo lubitscheano (tal como seria Não Matarás / The Man I Killed ou Broken Lullaby/ 1932 no período sonoro) e sofrendo flagrante influência de Casamento ou Luxo, As Três Mulheres / Three Women / 1923, é um melodrama puro com incisivas observações, puramente visuais, sobre a psicologia feminina.
O roteiro original de Kräly / Lubitsh baseado num romance de Jolanthe Marès, gira em torno de uma viúva rica, Mabel Wilton (Pauline Frederick) e sua filha, Jeanne (May McAvoy), apaixonadas pelo mesmo homem, Edmund Lamont (Lew Cody), um aproveitador indigno das duas e da amante, Harriet (Marie Prevost). Pauline Frederick na figura da mulher de meia idade que procura conservar a juventude é um exemplo de contenção interpretativa, sabendo mostrar num pequeno gesto e olhar tudo o que se passa no seu íntimo: a série de planos em que ela estuda a iluminação de forma a escolher o melhor ambiente para esconder as rugas é um prodígio da psicologia, não só da atriz, como de Lubitsch. A fotografia competiu a Charles van Enger, que fora acionado em O Círculo do Casamento e seria da equipe de Lubitsch até o final de1925, participando de cinco filmes.
A Paramount reuniu Pola Negri e Lubitsch em Paraíso Proibido / Forbidden Paradise / 1924, deliciosa zombaria da fragilidade das mulheres (e particularmente das rainhas), vagamente inspirada nas intrigas amorosas da Catarina da Rússia. Modernizando a peça de autoria dos húngaros Lajos Biró e Melchior Lengyel, os roteiristas Hanns Kräly e Agnes Christine Johnston contam como o jovem oficial Alexei Czerny (Rod La Rocque) salva a Czarina (Pola Negri) de um minúsculo país europeu dos conspiradores revolucionários e é recompensado com seu amor. Apaixonado, Alexei abandona a antiga namorada, Anna (Pauline Starke), dama de companhia da soberana mas logo vem a saber da infidelidade desta. Desesperado, junta-se aos revoltosos que o chanceler da Corte (Adolphe Menjou) apaziguara … com um talão de cheques. No desfecho, a Czarina liberta Alexei da prisão para os braços de Anna e busca consolo com o Embaixador francês (Fred Malatesta).
Inserindo divertidos anacronismos numa Rússia do século XVIII (reconstituída em opulentos interiores barrocos por Hans Dreier) e suas costumeiras alusões espirituosas, estritamente pictóricas, Paraíso Perdido – como observou Manoel Cintra Ferreira num livrinho precioso editado pela Cinemateca Portuguesa – é um verdadeiro aperitivo para os suntuosos banquetes que seriam Alvorada do Amor / The Love Parade / 1929, A Viúva Alegre e O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant. O mesmo reino de fantasia e as mesmas intrigas de alcova, nos bastidores da política. Todo o espetáculo é extremamente rico em pormenores tipicamente lubitscheanos, que proporcionam algumas das situações mais divertidas como, por exemplo, o caso das pontas dos caídas dos bigodes que a czarina quer bem erguidas (uma conotação erótica bem evidente) ou o caso do fabuloso gag das condecorações (que testemunham a passagem dos oficiais pela cama da czarina) ou, ainda, a cena em que a czarina sobe num banquinho, a fim de poder beijar Alexei nos lábios, talvez inspirada na famosa frase de Sacha Guitry de que os saltos altos foram inventados por uma mulher cansada de ser beijada na testa.
No elenco, sobressai a atuação de Pola Negri: ”Jamais encontrei uma criatura de tanta vitalidade e magnetismo. Artista de uma sensibilidade muito viva e tipo humano único. Foi ela que trouxe para Hollywood o que eles chamam de temperamento continental que, a meu ver, não é senão um extraordinário dom de atrair a atenção na tela como na vida, o que Pola possuía em maior quantidade que ninguém”.
Retornando à Warner, Lubitsch filmou Beija-me Outra Vez / Kiss Me Again / 1925, comédia doméstica, versando sobre o eterno triângulo familiar, segundo os que a viram, intelectualmente atraente e com penetrante estudo do mecanismo do amor romântico. No script de Kräly, inspirado na peça Divorçons de Victorien Sardou e Émile de Najac, Loulou Fleury (Marie Prevost), mulher de Gaston (Monte Blue), demonstra interesse por um pianista, Maurice (John Roche). Embora não querendo realmente deixá-la nas mãos de Maurice, Gaston finge estar disposto a conceder-lhe o divórcio. Loulou cansa-se de Maurice e as inteligentes manobras de Gaston fazem com que ela deseje ardentemente a reconciliação. Expondo as situações através de seus célebres epigramas visuais, Lubitsch burlou com muita classe a censura e assim prosseguiu durante a sua trajetória cinematográfica. Como desabafou um dos homens do Hays Office, “a gente sabia o que ele estava dizendo, mas não podíamos provar o que estava insinuando”.
Clara Bow estava perdendo a sua qualidade de estrela numa série de quickies produzidos por B.P. Schulberg, quando Lubitsch a convidou para fazer um teste com vistas a uma pequena participação em Beija-me Outra Vez. Ela ganhou o papel de Grizette, a graciosa secretária com a qual Gaston flerta numa buate, a fim de suscitar um motivo para o seu divórcio. Infelizmente, nenhuma cópia do filme sobreviveu, fazendo com que a combinação deleitável de Lubitsch e Bow ficasse inédita para várias gerações.
Em O Leque de Lady Margarida / Lady Windermere’s Fan / 1925, Lubitsch realizou um tour-de-force, adaptando (com a ajuda de Julien Josephson) a peça de Oscar Wilde, sem utilizar um só epigrama espirituoso do texto original mas mantendo o espírito do dramaturgo inglês na denúncia das imposturas e afetação da alta sociedade londrina. A difamada Mrs. Erlynne (Irene Rich), julgada morta há muito tempo pela filha, Lady Windermere (May McAvoy), volta a Londres e pede ao genro, Lord Windermere (Bert Lytell) dinheiro para manter o segredo. Ela se introduz no ambiente em que vivem os Windermere, com o objetivo de recuperar a respeitabilidade por via de um casamento com o rico Lord Augustus (Edward Martindel) e, sacrificando sua reputação e seu futuro, acaba salvando a filha da desonra, fazendo-se passar por amante de seu admirador, Lord Darlington (Ronald Colman, substituindo Clive Brook).
Lubitsch deixa os espectadores adivinharem os sentimentos dos personagens através do que eles fazem para dissimulá-los e revela só com a câmera, sem desperdiçar uma tomada sequer, seus impulsos secretos. Raros subtítulos explicam a intriga.
Lubitsch se exprime visualmente pelos cenários grandiosos e vazios (de Harold Grieve), pelos movimentos de câmera (de Charles van Enger), e pela montagem.
Uma das cenas mais expressivas do toque lubitscheano é a do hipódromo, onde a linda Mrs. Erlynne, focalizada pelos binóculos sob diferentes pontos de vista, parece estar encerrada numa rede de olhares, “massacrada” pela sociedade galante.
Em meados de 1926, divulgou-se que Mary Pickford e Douglas Fairbanks estrelarian um filme dirigido conjuntamente por Max Reinhardt e Ernst Lubitsch mas isto não aconteceu. Ao invés, Lubitsch fez Em Paris é Assim / So This is Paris / 1926, outra comédia doméstica, adaptada por Kraly do original francês Réveillon de Henri Leilhac e Ludovic Halévy.
Suzanne Giraud (Patsy Ruth Miller) avista pela janela um homem vestido de sheik, aparentemente despido, e envia o marido, Dr. Paul Giraud (Monte Blue) para tomar satisfações. Paul constata que se trata de um casal de atores, Maurice (André Béranger) e Georgette (Lilyan Tashman), ensaiando uma cena de As Mil e uma Noites. Ele descobre na mulher uma sua antiga amante e passa a cortejá-la. Paul afirma a Suzanne ter “imposto” a ordem, quebrando inclusive sua bengala nas costas do agressor, mas Maurice aparece depois para entregá-la em perfeito estado, revelando a mentira. Georgette, entretanto, disposta a reconquistar o antigo amante, consegue fazê-lo sair de casa a pretexto de uma consulta médica e Maurice, por sua vez, aproveita a “saída” para uma visita a Suzanne, surgindo uma série de outros equívocos.
Com este enredo, Lubitsch construiu uma soberba e minuciosa encenação de um vaudeville à francesa, impregnado de um sentimento de alegria e graça incomparáveis e utilizou mais uma vez o espaço cênico e a montagem para extrair efeitos cômicos irresistíveis. Casais trocados são a especialidade de Lubitsch mas poucas vezes (vg. em Sócios do Amor / Design for Living / 1933) eles foram assumidos e trocados com tal despudor.
Para o clímax, Lubitsch providenciou uma sequência de baile feita com múltiplas exposições, sendo muito comentados os arranjos caleidoscópicos cubistas (pré Busby Berkeley) na cena do concurso de charleston, verdadeira “rapsódia futurista”. Em Paris é Assim consolidou a fama de Lubitsch e muitos apontaram o filme como uma de suas comédias mais divertidas.
Em 1927, transferindo-se para a Metro, Lubitsch assumiu a direção (prevista para Erich von Stroheim) de O Príncipe Estudante / The Student Prince in Old Heidelberg, filme baseado na peça Alt Heidelberg, de W. Meyer-Förster, e na opereta de Dorothy Donnelly e Sigmund Romberg.
Adaptada por Kraly, a história já havia sido filmada pela Triangle por John Emerson, com a supervisão de D.W. Griffith, interpretação de Dorothy Gish e Wallace Reid, e consultoria de Erich von Stroheim na parte de cenografia e vestuário. Na versão Lubitsch, a decoração ficou sob a responsabilidade de Cedric Gibbons e Richard Day – que desenhara os cenários de alguns filmes de Stroheim como A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1926.
Trata-se de uma delicada história de amor, finalmente frustrada, que transforma as duas pessoas que a viveram, sobretudo o jovem sensível e retraído, que só teve em sua vida uma pequena oportunidade para sair dessa teia real, tecida pelas Instituições, pelo Estado e pela Tradição.
Karl Heinrich (Ramon Novarro) é o príncipe herdeiro de um reino da Europa central. A sua vida de criança é solitária e sujeita aos constrangimentos impostos pelo protocolo da corte. O seu único amigo é o velho preceptor, Dr. Juttner (Jean Hersholt). Quando atinge a idade própria, Karl parte com Juttnerpara a Universidade de Heidelberg, onde conhece finalmente a alegria de viver, a camaradagem estudantil e o amor, na pessoa de Kathi (Norma Shearer), a filha de um estalajadeiro. Mas quando o rei morre, Karl é chamado para assumir o trono e obrigado a se casar com uma princesa.
Para realizar este precursor silencioso (e melancólico) dos seus musicais do período sonoro, Lubitsch contratou os serviços de Ali Hubert (seu colaborador na maioria dos filmes mudos alemães) para desenhar os figurinos; os de Andrew Marton (que depois se tornaria um diretor de segunda unidade) para ser o montador do filme e também os serviços do fotógrafo John Mescall (que já havia trabalhado com ele em Paris é Assim).
Destaco duas cenas entre tantas admiráveis deste filme. A primeira é a do encontro de Karl e Kathi num jardim coberto de flores sob as estrelas brilhantes. Quando eles se deitam sobre a relva, o vento começa a soprar, primeiro lentamente e depois com força, num crescendo que acompanha a manifestação de amor entre eles, para acalmar depois do beijo. É uma cena metaforicamente erótica que antecipa de certa forma aquela cena do defloramento de Rosie no filme de David Lean, A Filha de Ryan / Ryan’s Daughter, realizado muitos anos mais tarde.
A outra cena, ou melhor, as outras, são os planos que mostram o mesmo comentário dito por gerações diferentes: os meninos vendo o retrato do príncipe ainda criança na vitrine de uma loja e afirmando “como deve ser ótimo ser príncipe”; depois as meninas contemplando o retrato do príncipe já adulto na mesma vitrine e exclamando “como deve ser ótimo ser príncipe (com ênfase na palavra ótimo); e, no desfile final do casamento, os velhos na janela murmurando “como deve ser ótimo ser rei”, todas estas frases contrapondo-se ironicamente ao que se passa no íntimo de Karl.
Depois de O Príncipe Estudante, Lubitsch deu a Josef von Sternberg a idéia de A Última Ordem / The Last Command / 1927, interpretado por Emil Jannings e, contratado novamente pela Paramount, abordou um assunto russo em Alta Traição / The Patriot / 1928, igualmente estrelado por Jannings. Melodrama histórico adaptado por Kräly (Oscar de Melhor Roteiro) de uma peça de Alfred Neumann, Der Patriot, levada aos palcos berlinenses com muito sucesso, o filme, completado pouco antes do advento do Cinema Falado, recebeu trilha musical sincronizada e efeitos sonoros nos momentos culminantes (no final, Jannings gritava: “Pahlen! Pahlen!”, chamando o amigo que o traíra por amor à pátria.
Na intriga, o Czar Paulo I (Emil Jannings), filho da Grande Catarina, vive cercado por conspiradores e só confia no Conde Pahlen (Lewis Stone). Pahlen quer proteger o amigo mas, por causa dos atos tresloucados do monarca, decide alijá-lo do trono, para o bem da nação, com a ajuda da sua amante, a Condessa Ostermann (Florence Vidor). Esta porém, trai Pahlen e conta ao Czar o plano. Conduzido à presença do soberano, Pahlen convence-o de sua lealdade e, mais tarde, o extermina.
Alta Traição é considerado um filme perdido; somente há pouco tempo foi descoberto o seu trailer, apresentado no Festival de Pordenone em 1996, que dá uma idéia da suntuosidade dos cenários de Hans Dreier e da qualidade da fotografia de Bert Glennon. Como não ví o filme, tenho que me amparar nas críticas da época, selecionando uma, eufórica, da revista Cinearte, da qual cito alguns trechos: “Indiscutivelmente, um dos melhores filmes, senão o melhor filme até agora feito … É um filme colosso! … O trabalho de Jannings, mais dramático, mais impressionante, mais cheio de peripécias, causa maior impressão. Mas o de Lewis Stone, calmo, imperturbável, másculo, impressionante na sua singeleza, é uma página admirável de arte e beleza … O filme, todo ele, é irrepreensível em técnica … Lubitsch é um diretor fantástico! Esta é a sua obra-prima!”. Acrescento apenas que, algumas tomadas da multidão, foram aproveitadas seis anos depois por von Sternberg em A Imperatriz Galante / The Scarlet Empress (cf. Fun in a Chinese Laundry de Josef von Sternberg, Mercury House, 1965, pg. 266).
Amor Eterno / Eternal Love / 1929, derradeiro filme mudo de Lubitsch, produzido pela Feature Productions (Joseph M. Schenck) e distribuído pela United Artists, assinala a última colaboração do roteirista Hänns Kraly, o mais assíduo companheiro do diretor.
No roteiro de Kräly, tirado do drama romântico de Jakob Christoph Herr, Der König der Bernina, durante as guerras napoleônicas, Marcus Paltram (John Barrymore), um caçador rebelde das montanhas da Suiça, desafia os invasores de seu país. Embora apaixonado por Ciglia (Camilla Gorn), filha do pastor da aldeia (Hobart Bosworth), ele é adorado por Pia (Mona Rico), que odeia a rival e aguarda uma oportunidade de separá-la de Marcus. Aproveitando um baile de máscaras, no qual Marcus se embriaga, Pia, disfarçada, consegue fazê-lo sucumbir aos seus desejos. Para reparar o erro, Marcus casa com ela e Ciglia logo se une a Lorenz Gruber (Victor Varconi), um antigo e insistente admirador. Sabendo que sua esposa ainda ama Marcus, Gruber tenta suborná-lo, para que ele saia da aldeia; Marcus recusa e, num incidente, é forçado a matar Gruber em legítima defesa. Acusado de assassinato, Marcus foge com Ciglia para as montanhas, perecendo ambos soterrados por uma avalanche.
Amor Eterno não é um dos trabalhos mais importantes de Lubitsch. “O filme foi feito para honrar um compromisso” – revelaria mais tarde o montador Andrew Marton – , “nem Lubitsch, nem John Barrymore, nem Camilla Horn entraram nele com entusiasmo”. Lubitsch procurou compensar a banalidade da história com um esplendor visual. A maior atração do filme são justamente as sugestivas cenas nas montanhas, fotografadas em exteriores no Canadá por Oliver T. Marsh, notando-se ainda a marca do diretor nos ambientes, nos movimentos de câmera e em algumas elipses e subentendidos como, por exemplo, na sequência da noite em que Pia arrasta Marcus para a cama ou na sequência do casamento duplo, pontuada com o bater dos sinos e os comentários dos sineiros. Tal como ocorreu em Alta Traição, houve adição de um score musical e efeitos sonoros.