ANATOLE LITVAK III

setembro 19, 2017

Retornando à 20thCentury-Fox, Anatole Litvak fez três filmes que se situam entre os melhores de sua carreira americana: Na Cova das Serpentes / The Snake Pit / 1948, A Vida por um Fio / Sorry, Wrong Number / 1948 e Decisão Antes do Amanhecer / Decision Before Dawn / 1951.

Em Na Cova das Serpentes, internada em uma instituição psiquiátrica pública, a romancista Virginia Stuart Cunningham (Olivia de Havilland depois de cogitada Ingrid Bergman), não está reconhecendo o ambiente em que se encontra, nem seu passado e nem o fato de ser casada. Quando seu marido Robert (Mark Stevens depois de cogitados Richard Conte e Joseph Cotten) lhe faz uma visita, ela não o reconhece. O Dr. Mark Kik (Leo Genn) se interessa muito pelo caso, e fica sabendo por intermédio de Robert, que ele a conheceu em Chicago, e que eles passaram algum tempo se encontrando até que, subitamente, ela o deixou, pouco antes deles irem assistir a um concêrto. Os dois se encontraram novamente em Nova York e se casaram. Alguns dias depois, Robert ao voltar para casa, percebeu que Virginia havia perdido a razão.

Mark Stevens e Olivia de Havilland em Na Cova das Serpentes

Kik tenta um tratamento de choque, e logo Virginia parece estar melhorando, mas ela ainda não se lembra de seu marido, e continua amendrontada por algo que aconteceu no passado. Kik experimenta fazer um tratamento com injeções e eventualmente consegue traçar a história de Virginia desde  sua infância e avaliar os fatores de sua vida regressa, que contribuíram para  a sua presente condição mental. À medida que Virginia  melhora, seu esposo fica ansioso para tirá-la do hospital e levá-la para convalescer na fazenda de seus pais. Porém Kik acha que ela ainda não está pronta para isso. Diante de uma junta médica, sua aptidão mental é testada. Estupidamente conduzida pelo médico superior de Kik, Virginia sofre uma recaída, e é obrigada a permanecer no hospital. Levada para a enfermaria onde ficam os pacientes que logo serão liberados, ela é maltratada pela enfermeira-chefe, que tem ciúmes do Dr. Kik. Em um momento de grande tensão mental, provocado pela enfermeira, Virginia perde o controle de si mesma, é colocada em um camisa-de-fôrça e enviada para uma enfermaria, onde estão alojados os pacientes mais violentos. Entretanto, tratada com muita paciência e compreensão por Kik, ela gradualmente perde suas inibições, medos e dúvidas. Logo se recupera plenamente e, ao se despedir de Kik e deixar o hospital acompanhada pelo marido, diz para seu médico que está indubitavelmente curada, porque não se sente mais apaixonada por ele.

Cena de Na Cova das Serpentes

Durante os seus dias no Exército, Litvak aprendeu muito sobre psiquiatria, realizando vários shorts para o Signal Corps sobre reabilitação, especialmente de soldados sofrendo com desordens de estresse pós-traumático. Ao ler as provas de “The Snake Pit”, o romance semi-biográfico de Mary Jane Ward sobre a experiência cruciante de uma jovem em um hospital psiquiátrico, Litvak ficou fascinado com o livro e comprou os direitos de filmagem, esperando realizar uma produção independente. Entretanto, sem obter os recursos necessários, teve que recorrer a um grande estúdio como a 20thCentury-Fox, onde contou com o apoio de Darryl Zanuck, o qual compreendeu que, no pós-guerra, o público havia mudado, e estava mais interessado em assuntos sobre os problemas da vida corrente.

Cena de Na Cova das Serpentes

Olivia de Havilland e Betsy Blair em Na Cova das Serpentes

Contando com um roteiro didático de Frank Partos, Millen Brand e Arthur Laurents, que tornou o que há de básico em matéria de psicanálise e psiquiatria accessível a todos (o retrato de Freud é visto várias vêzes na sala do médico), sem deixar de apontar algumas falhas do regime hospitalar público, Litvak realizou um filme que se distingue pelo seu realismo quase sempre chocante (v. g. a sessão de eletrochoque, os loucos se entrecruzando como num balé macabro), mas muito eficiente sob o ponto de vista dramático e profundamente comovente em seus instantes de humor e humanidade (v. g. o baile dos pacientes quando uma execução de “Going Home” de Antonin Dvorak transmite uma sensação de calma após tantos instantes deprimentes).

A Cova das Serpentes

Inspirado pela força do tema, o diretor aciona sua câmera sempre móvel e sensível, a voz interior, os close-ups sugestivos e a música estridente e omnipresente nos momentos mais tensos, para analisar com inteligência e compreensão a míséria da loucura e o caso pessoal da protagonista, contando ainda e principalmente com a interpretação inestimável e irrepreensível de Olivia de Havilland. Entre as melhores cenas destaca-se a memorável subida vertical da câmera exibindo em longa distância o ninho de “serpentes” (a multidão de desequilibradas), símbolo forte do que se pretendeu mostrar. O filme foi indicado para o Oscar assim como Litvak como Melhor Diretor e Olivia de Havilland como Melhor Atriz.

Alguns mêses antes de fazer Na Cova das Serpentes, Litvak teve a idéia de dirigir um filme baseado em uma peça de radioteatro de 22 minutos, Sorry, Wrong Number, que foi ar em 1943, como parte de uma série criminal antológica intitulada Suspense  – da qual tive oportunidade de ouvir The Marvelous Balastro,  Donovan’s Brain e  The Hitchhiker todos com Orson Welles -, e se tornou uma campeã de audiência graças à interpretação de Agnes Moorehead, admirável tour de force da atriz. A peça obteve tanto sucesso, que foi retransmitida sete vêzes e traduzida em quinze idiomas. Litvak comprou os direitos de filmagem por 15 mil dólares após a guerra e levou a história para Hal B. Wallis, que adorou. Wallis fêz com que sua companhia readquirisse os direitos por 100 mil dólares e encarregou a autora Lucille Fletcher de expandí-la em um argumento para um filme de longa-metragem que teve o mesmo título da obra transmitida pelo rádio e aquí intitulado A Vida por um Fio. Litvak e Wallis concordaram que Agnes Moorehead não era uma atriz com um prestígio no cinema suficiente para assumir o papel principal e o entregaram a Barbara Stanwyck.

Barbara Stanwyck em A Vida por um Fio

Presa ao leito, em consequência de uma neurose, sozinha no seu apartamento espaçoso em Nova York, Leona Stevenson (Barbara Stanwyck), filha do proprietário de uma cadeia de drogarias e farmácias, procurando em vão falar com seu marido Henry (Burt Lancaster) pelo telefone, escuta por acaso através de uma linha cruzada, dois homens planejando o assassinato de uma mulher para as vinte e três horas e quinze minutos daquele dia. Ela tenta prevenir a polícia, mas não é levada a sério. Graças às ligações que dá e recebe, Leona fica sabendo nas horas que se seguem, que é ela a vítima designada para o assassinato que está sendo tramado. Seu marido, um modesto empregado com quem se casou com a desaprovação do pai, está envolvido com o negócio do tráfico de drogas. A droga foi roubada por Henry dos estabelecimentos de seu sogro, do qual se tornou, depois de casado, o principal auxiliar. Devendo dinheiro a um de seus cúmplices, que ele quís trair, Henry não encontra outra solução para pagar suas dívidas senão matar sua esposa, a fim de receber a indenização do seguro. Leona conhece enfim o diagnóstico que seu médico formulou sobre seu estado de saúde: suas crises cardíacas reiteradas  têm uma origem nervosa e não orgânica. Arrependido de sua decisão, Henry, cercado pela polícia, telefona para Leona alguns instantes antes da hora fatídica, e lhe implora que se dirija até a janela e grite por socorro. Tarde demais: o assassino já entrou no apartamento e ataca Leona. Henry liga novamente. O assassino atende o telefone e responde secamente: “Desculpe, foi engano”.

Barbara Stanwyck e Burt Lancaster em A Vida por um Fio

Barbara Stanwyck em A Vida por um Fio

Litvak extraiu um bom rendimento cinematográfico do original radiofônico movimentando incessantemente a câmera (Sol Polito), usando a música (Franz Waxman) e o som para criar o terror e recorrendo a sete retrospectos (inclusive a um flashback dentro de outro), a fim de incutir ação nos monólogos e revelar certos detalhes úteis para a compreensão do relato  – Henry percebendo que Leona usa seu poder financeiro para controlá-lo e sua dependência do sogro, que propiciaram o conflito entre o casal e o comêço da doença psicosomática de sua esposa.

Burt Lancaster em A Vida por um Fio

Com admirável destreza, o diretor construiu uma atmosfera de mistério e expectativa constante até o climax brutal, contando com a ajuda valiosa de Barbara Stanwyck. Expressando com exuberância uma máscara de angústia e desequilíbrio emocional, ela mereceu a indicação para o Oscar de Melhor Atriz concorrendo com Olivia de Havilland por A Cova das Serpentes. Ambas as divas de Litvak saíram da cerimônia de mãos abanando: a estatueta tão cobiçada foi entregue a Jane Wyman por Belinda / Johnny Belinda. Por curiosidade, a TV Tupi de São Paulo, dois meses depois de inaugurada, colocou no ar a telepeça A Vida por um Fio, adaptação do filme de Litvak dirigida por Cassiano Gabus Mendes com Lia de Aguair, conhecida atriz do rádio, do cinema, do teatro e da televisão na época.

Em Decisão Antes do Amanhecer, o Tenente Dick Rennick (Richard Basehart) apresenta-se ao Quartel General do Coronel Devlin (Gary Merrill), instalado em um convento. Devlin recruta, entre os prisioneiros germânicos, espiões para colher informações além das linhas alemãs. Alguns, como o sargento Rudolph Barth, apelidado de “Tiger” (Hans-Christian Blech) aceitam cumprir esta tarefa por oportunismo e por dinheiro. Outros, como o jovem cabo do corpo médico da Luftwaffe, Karl Maurer, também chamado de Happy (Oskar Werner), por razões mais nobres. Ele pensa que uma vitória rápida dos americanos será benéfica para seu povo, desencaminhado por chefes irresponsáveis. “Tiger”, Karl e Rennick são lançados de paraquedas em diferentes pontos da Alemanha. Karl tem a incumbência de localizar a Primeira Divisão Panzer. Ele faz amizade com Heinz Scholtz da S.S (Wilfried Seyfert) que acaba suspeitando dele, porém Karl é avisado por Hilde (Hildegard Neff), uma jovem alemã que as circunstâncias arrastaram para a prostituição, de que Scholtz mandou que ela o espionasse.

Cena de Decisão antes do Amanhecer

Richard Basehart, Gary Merrill e Hans-Christian Blech em Decisão Antes do Amanhecer

Karl consegue sair da cidade na manhã seguinte, mas Scholtz faz circular sua descrição.  A van que transporta Karl, Hilde e outros soldados, é parada pelo comandante da Divisão Panzer e os soldados são levados para substituições de emergência. Como enfermeiro, Karl é designado para um trabalho temporário, atendendo ao comandante Oberst von Ecker (O. E. Hasse), que tem um problema cardíaco. No quarto de von Ecker, Karl dá uma olhada em um mapa, que mostra a disposição da Divisão Panzer. Durante a noite, von Ecker sofre um ataque do coração. Karl aplica-lhe uma injeção, que salva sua vida. Como recompensa, von Ecker lhe dá permissão para se juntar a sua unidade. Entretanto, o agente das S.S. que viajara com ele na van, ainda o está esperando. Durante um bombardeio aliado, Karl mata seu perseguidor. Sua esperança é encontrar Rennick e “Tiger” em Munique. Chegando ao endereço onde eles se reuniam, Karl encontra a casa semidestruída e outro bombardeio em curso.  Quando eles se dirigem para a residência dos parentes de “Tiger”, o menino da casa ouve a conversa entre eles, e os denuncia à S.S. Após uma perseguição excitante, os três chegam ao rio Reno, e tentam atravessá-lo a nado.”Tiger” não os acompanha, tenta fugir, e é morto por Rennick. Rennick e Karl chegam a uma ilha no meio do rio, onde Happy corajosamente se entrega aos alemães, a fim de que Rennick possa alcançar a outra margem com a informação obtida.

Oskar Werner em Decisão Antes do Amanhecer

Hildegarde Neff e Oskar Werner em Decisão Antes do Amanhecer

O roteiro de Peter Viertel baseado no romance “Call it Treason” de George Howe, resultou em um filme de guerra e espionagem original, onde se formula o problema ético da traição e do patriotismo. Karl opta pela deslealdade ao seu país por  idealismo, justificando sua conduta pela esperança de que a abreviação do colapso total do regime nazista, evitará mais sofrimento para o povo alemão. Ele sacrifica sua honra e sua vida em benefício de seus compatriotas e a interpretação de Oskar Werner exprime admiravelmente as dúvidas e a angústia no íntimo de seu personagem.

Oskar Werner em Decisão Antes do Amanhecer

Cena de Decisão antes do Amanhecer

A análise psicológica das motivações do jovem enfermeiro está em adequacão perfeita com a descrição em chave de semi-documentário, de uma Alemanha em ruínas e em chamas, que Franz Planner fotografa suscitando um realismo áspero e asfixiante. O único defeito em termos de autenticidade é o fato de que todos falam em inglês no filme, tanto os francêses como os alemães. Entre as melhores cenas destacam-se o assassinato do soldado alemão amigo de Karl por outros soldados alemães por ter insinuado que a Alemanha estava à beira da derrota, a denúncia e perseguição dos espiões por um menino da juventude hitlerista, e o desfecho trágico à margem do Reno. Decisão Antes do Amanhecer recebeu indicações para o Oscar de Melhor Filme e Melhor Montagem.

Litvak fez mais quatro filmes nos anos cinquenta: Mais Forte Que a Morte / Act of Love / 1953, O Profundo Mar Azul / The Deep Blue Sea / 1955, Anastasia, a Princesa Esquecida / Anastasia /1956 e Crepúsculo Vermelho / The Journey / 1959.

Em Mais Forte Que a Morte (Rot: Irvin Shaw baseado em um romance de Alfred Hayes), drama romântico tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, com elenco de apoio predominantemente francês (Barbara Laage, Gabrielle Dorziat, Fernand Ledoux, Brigitte Bardot, Serge Reggiani, Jean Pierre Cassel etc.), fotografia expressiva em claro-escuro (Armand Thirard) e, infelizmente, um andamento cansativo, Robert Teller (Kirk Douglas) recorda como em Paris, onde servia no Exército de Libertação Aliado, conheceu e se apaixonou por Lise (Dany Robin), uma jovem que, tal como ele, estava emocional e espiritualmente perdida. Faminta e sem ter onde morar, Lise aceita a oferta de Robert por comida e abrigo, embora isto signifique dividir com ele um quarto do Café des Deux Anges, onde se registram como marido e mulher. Sem conseguir arrumar emprego, Lise decide vender um medalhão de ouro, seu único bem de valor, no mercado negro, e é presa pela polícia.

Dany Robin e Kirk Douglas em Mais Forte que a Morte

Cena de Mais Forte que a Morte

Kirk Douglas e Barbara Laage em Mais Forte que a Morte

Sem nenhum documento de identidade, pedem-lhe uma certidão de casamento.  Para ajudar Lise, Robert pede permissão ao Comandante Henderson (George Mathews) para esposá-la e, mesmo com a recusa de seu superior, ele promete se encontrar com ela no dia seguinte com o documento necessário. Entretanto, Henderson transferira Robert para Rheims, e ele vem a ser preso pela polícia militar. Ao receber a má notícia pelo telefone por um dos guardas que procedeu a prisão, Lisa entra em desespêro. As lembranças de Robert, sentado no terraço do hotel, onde viveu com Lisa, se interrompem pela chegada de Henderson. Agora um civil, Henderson congratula-se com Robert por tê-lo salvo de um casamento desastroso. “A propósito, o que aconteceu com a moça?”, ele pergunta. “Eles a encontraram no rio”, Robert responde calmamente, “há muito tempo”. Robert se levanta, e entra no quarto do hotel, onde ele e Lisa iriam iniciar uma vida de felicidade.

Em O Profundo Mar Azul (Rot: Terence Rattigan baseado na sua peça), drama psicológico interessante sobre adultério, porém dirigido estáticamente                                                                                                           (apesar das “esticadas” por exteriores sugestivos em CinemaScope, a fim de disfarçar a origem teatral do espetáculo) e interpretado com frieza pela atriz principal, sem a compreensão do ângulo passional da peça, Hester (Vivien Leigh depois de cogitada Marlene Dietrich), é encontrada inconsciente no quarto de uma casa de cômodos por ter tentado o suicídio.

Vivien Leigh e Kenneth More em O Profundo Mar Azul

Há um ano ela abandonou seu marido, Sir William Collyer (Emlyn Wiliams) por um piloto de provas inconsequente, Freddie Page (Kenneth More). Após uma reconciliação passageira com o amante, Hester, sempre se recusando a retornar ao lar apesar da indulgência de Sir William, passa por novas decepções. Após outra tentativa de suicídio, aconselhada por um ex-psiquiatra , Miller (Eric Portman), seu vizinho na pensão, Hester finalmente encontra energia para romper definitavamente com Freddie.

Em Anastasia, a Princesa Esquecida (Rot: Arthur Laurents baseado em uma peça de Marcelle Maurette  – inspirada na história tumultuosa de Anna Anderson que, a partir dos anos vinte, afirmava ser Anastasia Romanoff, filha caçula do Tsar Nicolau II, a única que escapara da execução da família imperial -, adaptada por Guy Bolton para a Broadway), drama combinando mistério e romance, dirigido com elegância, e favorecido por um score fascinante de Alfred Newman e pela interpretação de Ingrid Bergman, no ano de 1928, em Paris, um grupo de Russos Brancos exilados, liderados pelo General Bounine (Yul Brynner), anuncia ter encontrado Anastasia. A intenção de Bounine é exigir como sua herança, a quantia de dez milhões de libras, que havia sido depositada pelo Tsar no Banco da Inglaterra. Favorecidos pelo acaso, Bounine havia encontrado uma jovem amnésica, prestes a se suicidar jogando-se no Sena, chamada Anna Koreff (Ingrid Bergman depois de cogitada Jennifer Jones), e lhe  ensinara a história da realeza e a postura de uma mulher nobre.

Yul Brynnner e Ingrid Bergman em Anastasia

Helen Hayes e Ingrid Bergman em Anastasia

Ivan Desny e Ingrid Bergman em Anastasia

Quando sua aluna absorve totalmente a identidade de Anastasia, ele a apresenta aos membros da côrte russa expatriados, e ela os convence de que é a grã duquesa.  Em seguida, Bounine promove um encontro com o Príncipe Paulo (Ivan Desny), primo de Anastasia, que logo reconhece e se apaixona pela demandante. A Imperatriz Maria Feodorovna (Helen Hayes) – avó viúva da verdadeira Anastasia – a princípio se recusa a ver Bounine e sua protegida; mas eles eventualmente se encontram e a Imperatriz, continua cética até o momento em que um detalhe a faz admitir a jovem como sua neta. Na véspera do seu noivado com o Príncipe Paulo, Anastasia admite para a Imperatriz que é realmente Bounine que ela ama e Maria Feodorovna  aconselha-a a seguir seu coração. Quando chega a hora da cerimônia, nem Bounine nem Anastasia são encontrados. Anastasia, a Princesa Esquecida marcou o retorno triunfal de Ingrid Bergman a Hollywood após o seu escandaloso romance com Roberto Rosselini e lhe propiciou o Oscar de Melhor Atriz. Alfred Newman foi indicado para o mesmo prêmio de Melhor Música de Filme Não Musical.

Em Crepúsculo Vermelho (Rot: George Tabori, Peter Viertel), versão romântica da guerra fria com uma direção tentando dar autenticidade ao ambiente, mas sujeitando-se a um final feliz com bases muito falsas e não conseguindo evitar que o filme se tornasse cansativo, no aeroporto de Budapeste durante o domínio soviético em fins de 1956, um grupo de passageiros que se detina à Austria, é  informado de que irão ser transportados para Viena por ônibus. Os passageiros são de várias nacionalidades. Dois são ingleses: Lady Diana Ashmore  (Deborah Kerr depois de cogitadas Anna Magnani e Ingrid Bergman) e Hugh Deverill (Robert Morley), jornalista da televisão; quatro são americanos: Harold Rhinelander (E. G. Marshall) sua esposa grávida Margie Rhinelander (Anne Jackson) e dois filhos pequenos (Ronny Howard, Flip Mark); um casal de sírios, Teklel Hafouli (Gérad Oury) e Françoise Hafouli (Marie Daems); um professor de Tel-Aviv, Simon Avron (David Kossof); um alemão naturalizado abissínio Von Rachlitz (Siegfried Schürenberg)  e a filha neurótica, Gisela (Maria Urban); um estudante francês, Jacques Fabbry (Maurice Sarfati);  um japonês, Mitzu (Jerry Fujikawa); e o último, um homem misterioso que se diz britânico, usando o nome de Henry Flemming, mas na realidade é o patriota húngaro Paul Kedes (Jason Robards, Jr.) e tem uma ligação romântica com Lady Ashmore. Perto da fronteira com a Austria, eles são interceptados pelo Major Surov (Yul Brynner), homem aparentemente brutal, mas intimamente vulnerável, cheio de dúvidas entre o certo e o errado, e desejoso de conhecer a verdade.

Cena de Crepúsculo Vermelho

Deborah Kerr e Jason Robards Jr, em Crespúsculo Vermelho

Youl Brynner e Deborah Kerr em Crespúsculo Vermelho

Sob pretexto de que seus passaportes não estão em ordem, Surov os informa de que serão hospedados em um hotel, a fim de serem interrogados individualmente. No decorrer dos acontecimentos, a identidade falsa de Kedes é descoberta e alguns dos passageiros acham que a presença dele é muito comprometedora. Quando Kedes e Lady Ashmore tentam escapar para a Austria através do lago, eles são traídos e capturados. Inquietos, alguns passageiros acham bom, para salvar a pele, entregar o falso britânico às autoridades.  A mulher grávida exprime o desejo da maioria: Lady Ashmore deve se entregar ao major que, como todos notam, está atraído por ela. Convencida, Lady Ashmore vai procurar Surov porém, quando ela lhe diz que está ali a pedido dos outros, o major responde que ela só veio porque no íntimo deseja que ele a tome nos seus braços. Diana lhe dá um beijo e parte. Na manhã seguinte, os passageiros são libertados. Diana corre para agradecer a Surov, mas ele lhe assegura que agiu  de acordo com a sua consciência. Momentos depois que Lady Ashmore e Kedes são recebidos na Austria pelos guardas da fronteira, Surov vem a ser morto por uma guerrilheira, Eva (Anouk Aimée).

Por injunções comerciais ou falta de entusiasmo do diretor pelos assuntos abordados, as imperfeições de Mais Forte Que a Morte, O Profundo Mar Azul e Crepúsculo Vermelho repetiram-se em três outros filmes, que Litvak realizou nos anos sessenta / setenta: Mais uma Vez, Adeus / Goodbye Again  / 1961 (lançado nos EUA como Goodbye Roger (Yves Montand), Uma Sombra em Nossas Vidas / Five Miles to Midnight / 1962, e A Garota no Automóvel – Com Óculos e um Rifle / The Lady in the Car with Glasses and a Gun / 1970; somente A Noite dos Generais / The Night of the Generals / 1967 mostrou o cineasta na sua melhor forma.

 

Em Mais Uma Vez, Adeus (Rot: Samuel Taylor baseado em um romance de Françoise Sagan), drama romântico com belas paisagens parisienses enfeitando um argumento e direção anêmicos, Paula Tessier (Ingrid Bergman), decoradora de interiores de meia idade negligenciada pelo seu amante, Roger Demarest (Yves Montand), após muita relutância, encontra uma felicidade temporária com um rapaz de vinte e cinco anos, Philip Van der Besch  (Anthony Perkins). Entretanto, Roger está sempre viajando e se envolvendo com outras mulheres, mas quando volta para  Paula, ela abandona Philip, e se casa com o homem que realmente ama.

Em Uma Sombra em Nossas Vidas, drama criminal com um script fraco, que desperdiça uma premissa intrigante, e com uma direção que não consegue incutir devida emoção a um suposto thriller, o casamento de Lisa (Sophia Loren), uma jovem italiana e Robert Macklin (Anthony Perkins), um americano imaturo e temperamental, chega a um impasse infeliz, depois que ele a surpreende dançando twist em uma boate e a esbofeteia. No dia seguinte, Robert embarca de Paris, onde estavam morando, para Casablanca; Lisa o acompanha até o aeroporto e diz que não quer mais vê-lo. Naquela noite, Lisa na companhia com jornalista correspondente Alan Stewart (Jean-Pierre Aumont), fica sabendo que o avião em que seu marido viajava sofreu um desatre e todos os passageiros estão presumidamente mortos. Algum tempo depois, Lisa abre a porta de seu apartamento e aparece Robert que, sem que ninguém saiba, escapara do acidente. Ele então explica para Lisa seu plano de receber o seguro de cento e vinte mil dólares, usando-a para cobrar a importância da seguradora. Lisa tenta pedir conselho a Alan, mas ele havia sido transferido de volta para a América e em seu apartamento ela encontra outro corespondente, David Barnes (Gig Young) que tenta conquistá-la, sendo repelido. Usando charme e bajulação, Robert convence Lisa a ajudá-lo, prometendo que, após receber o dinheiro, ela ficará livre. Entrementes, Barnes e Lisa estão se apaixonando e Barnes desconfia que Robert está vivo. Depois de passar por algumas dificuldades, Lisa recebe a indenização. Quando se encontra com Robert de carro, ele diz que a entregará para a polícia por ter cometido fraude. Desesperada, Lisa engana-o, fazendo com que saia do carro, e o atropela. Abalada e fora-de-si, Lisa retorna para Barnes, que telefona para as autoridades.

Em A Garota do Automóvel – Com Óculos e um Rifle (Rot: Sébastien Japrisot, Anatole Litvak baseado em um romance de Japrisot), drama criminal com argumento curioso mas implausível e com um desfecho repentino e ridículo, narrado sem a tensão necessária requerida ao tema proposto, Dany Lang (Samantha Eggar), secretária inglesa de uma empresa de publicidade internacional , depois de passar a noite trabalhando na casa do patrão, Michael Caldwell (Oliver Reed), conduz  ele e sua esposa, Anita (Stéphane Audran) ao aeroporto de Orly. Incumbida de levar o carro de volta para casa, Dany, resolve aproveitar o fim-de-semana, passeando no maravilhoso conversível americano, e chega à Côte D’Azur, onde fatos estranhos começam a ocorrer: muitas pessoas a reconhecem na rua; quase é morta por um estranho no banheiro de um pôsto de gasolina; envolve-se  brevemente com um sujeito que pedia carona, Philippe (John McEnery) e que acaba lhe roubando o carro. Seguindo uma pista, Dany consegue localizar o automóvel, encontrando dentro dele um rifle e, na mala, um cadáver. Descobre a residência do morto, vai até lá e encontra roupas suas e fotos mostrando-se completamente nua. Vê-se de repente envolvida em uma trama para fazê-la passar por assassina. Na verdade, tudo fôra armado por Caldwell que matara o homem, um dos amantes de Anita. Na noite em que havia trabalhado na casa de seu chefe, Dany tinha sido narcotizada e fotografada nua, enquanto Anita – conivente no caso – fôra até a Rivier disfarçada,  usando óculos e peruca para se passar por Dany e marcando bem a sua presença no local. Percebendo que Dany descobrira tudo, Caldwell parte para matá-la, mas, no final, a moça leva a melhor.

A Noite dos Generais (Rot: Joseph Kessel baseado em um romance de Hans Helmuth Kirst) reabilitou momentaneamente o veterano artesão. Em Varsovia, 1942, uma prostituta é barbaramente asassinada e as suspeitas recaem sobre três generais. Von Seidlitz-Gabler (Charles Gray), Kahlenberge (Donald Pleasance) e Tanz (Peter O’Toole). O rigor do Major Grau (Omar Sharif depois de cogitado Dirk Bogarde) – oficial da Inteligência Militar Germânica com  uma devoção incrível à Justiça -, na investigação, irrita os generais, que o transferem. Von Seidlitz-Gabler e Kahlenberg inclusive estão envolvidos com a operação Valquíria para matar Hitler, que acabou fracassando. Dois anos depois, na Paris Ocupada, Tanz mata uma prostituta e  deixa provas no local do crime que comprometem o cabo Hartmann (Tom Courtenay), seu ajudante-de-ordens e namorado de Ulrike, filha de Seydlitz-Gabler. Ao descobrir finalmente a verdade, Grau é morto por Tanz. Terminado o conflito mundial, o inspetor Morand  (Philippe Noiret) – que ajudara Grau em Paris – continua à procura de Tanz, agora um criminoso de guerra libertado após ter cumprido sua pena e prestes a ser homenageado em uma reunião neo-nazista em Hamburgo. Diante da acusação de Morand, Tanz nega tudo; Morand recorre a Hartmann, que Tanz deixara fugir de propósito, e está morando no campo com Ulrique. Quando Hartmann o identifica como assassino na presença de Morand e do chefe de políca local, Tanz se suicida.

Peter O’Toole em A Noite dos Generais

Donald Pleasance, Peter O’Toole, Charles Gray e Omar Sharif em A Noite dos Generais

Cena de A Noite dos Generais

Esta combinação de uma investigação criminal “civil” de assassinatos de prostitutas no caos da Segunda Guerra Mundial com o epísódio histórico da tentativa de assassinato de Adolph Hitler em 20 de julho de 1944 é, sem dúvida, singular. Trata-se de um filme policial de guerra, por assim dizer, conduzido por Litvak com bom discernimento cinematográfico.

Joanna Pettet, Coral Browne e Peter O’Toole em A Noite dos Generais

A reconstituição de época é precisa e o elenco estelar desempenha seus papéis de forma corretíssima, destacando-se Peter O’Toole e Omar Sharif. O primeiro, impressiona com o seu olhar perdido e esgazeado de maníaco, o rosto percorrido por espasmos estranhos quando contempla o auto retrato de Van Gogh no Museu Jeu de Paume aberto somente para ele, o andar vacilante de alcoólatra, e sua frieza e fanatismo ao determinar energicamente a destruição de um quarteirão do ghetto de Varsóvia. O segundo, como um militar obcecado pela idéia de fazer justiça enquanto o regime ao qual ele serve, está cometendo crimes horrendos – sua morte súbita e surpreendente é o momento mais chocante do espetáculo.

Tom Courtenay e Perter O’Toole em A Noite dos Generais

Omar Sharif e Philippe Noiret em A Noite dos Generais

Voltando à trama, faço apenas um reparo com relação ao momento em que Tanz, confrontado com a polícia no clube neonazi, pede uma pistola e toma posse dela. Não é crível que os policiais ali presentes não tivessem puxado suas armas para impedí-lo de se matar ou atirar contra eles. Um pequeno descuido que incomoda, mas não tira o mérito da realização.

No outono de 1974, Anatole Litvak foi diagnosticado com câncer no estômago e internado em uma clínica particular em Neuilly-sur-Seine, subúrbio afluente de Paris. Em 15 de dezembro de 1975, após várias semanas no hospital, ele faleceu, aos 72 anos de idade. A ex- modelo e editôra de modas Simone “Sophie” Malgat Steur com quem  ele se casara em 2 de dezembro  de 1955, estava a seu lado até o fim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANATOLE LITVAK II

agosto 31, 2017

Após haver estabelecido contato com vários produtores de Hollywood, Anatole Litvak finalmente assinou contrato com a Warner Brothers, para fazer seis filmes em três anos. O primeiro projeto seria um filme sobre Joana D ‘Arc, estrelado por Claudette Colbert, com roteiro de Joseph Kessel e música de Arthur Honegger. Sete mêses depois, a imprensa anunciou que o estúdio havia abandonado o projeto.

Paul Muni em Inferno entre Nuvens

Miriam Hopkins na filmagem de Inferno entre Nuvens

Antes de começar a trabalhar para Jack Warner, Litvak dirigiu Inferno entre Nuvens / The Woman I Love / 1937 para a RKO, refilmagem de Tripulantes do Céu / L’ Equipage, que ele havia feito na França em 1935. Infelizmente não conheço esta versão americana – é um filme difícil de se ver. De acordo com os comentários emitidos na época de seu lançamento, tanto nos EUA como aquí no Brasil, a versão francêsa era melhor. A maioria dos críticos fêz objeções ao roteiro e ao desempenho letárgico dos três atores principais, Paul Muni, Miriam Hopkins e Louis Hayward. Durante a filmagem, houve muito confronto entre o roteirista Anthony Veiler e seus colegas Frank Wead e Sascha Laurence (Veiler retirou seu nome dos créditos) bem como entre as personalidades temperamentais de Muni e Hopkins, tendo sido preciso muita paciência para Litvak realizar seu trabalho. Pouco antes da estréia em abril de 1937, Colin Clive – que assumira o papel interpretado por Jean Murat na versão original – faleceu com apenas 37 anos de idade. Em 4 de setembro do mesmo ano, Litvak casou-se com Miriam Hopkins, matrimônio que durou apenas dois anos.

Assumindo seu compromisso com a Warner Brothers, Litvak realizou, ainda nos anos trinta, quatro filmes – Nobres Sem Fortuna / Tovarich / 1937, O Gênio do Crime / The Amazing Dr. Clitterhouse / 1938, As Irmãs / The Sisters / 1938 e Confissões de um Espião Nazista / Confessions of a Nazy Spy / 1939 -, demonstrando em todos sua habilidade para conduzir uma história em um compasso firme, mantendo sempre o interesse do espectador.

Em Nobres Sem Fortuna (Rot: Casey Robinson baseado em peça de Jacques Deval), comédia leve e espirituosa, dois aristocratas russos, o Príncipe Mikail Alexandrovitch Ouratieff (Charles Boyer) e a Grande Duquesa Tatiana Petrovna Romanov (Claudette Colbert), fogem da Revolução Bolchevique para Paris, levando consigo quarenta milhões de francos, com a intenção de utilizá-los para financiar a contra-revolução. Eles procuram refúgio na casa do banqueiro Charles Dupont (Melville Cooper) e de sua esposa (Isabel Jeans), fazendo-se passar respectivamente como Michel e Tina Dubrowsky, mordomo e arrumadeira, enquanto salvaguardam o dinheiro. Quando eles chegam, o lar dos Dupont está um caos, mas Mikail e Tatiana encantam a família, ensinam-lhes canções folclóricas russas, e colocam a casa em ordem.

Charles Boyer e Claudette Colbert em Nobres sem Fortuna

Charles Boyer e Claudette Colbert em Nobres sem Fortuna

Na noite de um jantar em honra do Comissário Soviético Gorotchenko (Basil Rathbone), sua condição nobre é revelada. Após o jantar, Gorotchenko visita Tatiana e Mikail na cozinha. Ele lembra que embora os tivesse torturado na Rússia, ficara tão impressionado por Tatiana, que os deixara escapar. Agora, ele implora a Mikail, que entregue a fortuna do czar para os revolucionários, para que sejam preservados os campos petrolíferos soviéticos. Surpreendentemente Tatiana concorda e convence Mikail de que assim estarão ajudando o seu povo e o país que amam. Inspirado na lealdade dos dois nobres, o banqueiro pede que eles continuem como seus empregados, uma situação que eles aceitam muito felizes.

Em O Gênio do Crime (Rot: John Wexley, John Huston baseado em peça de Barré Lydon), hábil mistura de drama criminal com humor negro, suspense e um final Pirandelliano, o Dr. Clitterhouse (Edward G. Robinson depois de cogitado Ronald Colman)), cirurgião respeitado, está intensamente interessado nas reações mentais e físicas dos criminosos, no momento em que praticam suas atividades. Decidindo que a melhor maneira de resolver a questão é usar a si mesmo nas suas próprias experiências, ele inicia uma carreira no crime. Mantendo um registro de suas reações, o Dr. Clitterhouse comete quatro roubos. Sua enfermeira (Gale Page) descobre um montão de jóias na sua maleta e ele admite que haviam sido roubadas, explicando que está fazendo isso como um meio de adiantar suas investigações sobre psicologia criminal.

Humphrey Bogart e Edward G. Robinson em O Gênio do Crime

Claire Trevor e Edward G. Robinson em O Gênio do Crime

Edward G. Robinson e Humphrey Bogart em O Gênio do Crime

Por lealdade, ela mantém-se calada. Continuando sua pesquisa, ele acaba se envolvendo com uma quadrilha de ladrões de jóias, chefiada por Jo Keller (Claire Trevor), e acaba se tornando o líder do bando. Após escapar de uma tentativa de morte por parte de um capanga com ciúmes dele, ”Rocks” Valentine (Humphrey Bogart), Clitterhouse se despede de Jo, uma vez que seu trabalho está completo. Entrementes, “Rocks” descobre a verdadeira identidade do doutor, e faz uma visita à sua residência, a fim de chantageá-lo. Acuado, Clitterhouse põe veneno na bebida de “Rocks”. Isto leva ao desmascaramento da vida dupla do doutor, que vai a julgamento, sendo aconselhado a alegar insanidade. No tribunal, perguntam-lhe se ele se considerava insano, quando cometeu o crime. Ele responde honestamente que não, e o júri logo o absolve por demência, não pelo seu crime, mas porque, ao prestar depoimento, arruinou sua própria defesa.

Anita Louise, Bette Davis e Jane Bryan em As Irmãs

Bette Davis e Errol Flynn em As Irmãs

Errol Flynn e Bette Davis em As Irmãs

Em As Irmãs (Rot: Milton Krims, Julius J. Epstein baseado no romance de Myron Brinig), drama de atmosfera rica e pitoresca, evocando com fidelidade e em ritmo dinâmico um período histórico americano a partir do pequeno condado de Silver Bow, Montana, cada uma das três filhas de Ned e (Henry Travers) e Rose (Beulah Bondi) segue um destino diferente. Louise (Bette Davis), a mais velha, casa-se com um jornalista esportivo de San Francisco, Frank Medlin (Errol Flynn), que tem a pretensão frustrada de se tornar um escritor e uma tendência para o alcoolismo. Helen, a mais frívola (Anita Louise), esposa um viúvo milionário, Sam Johnson (Alan Hale), que lhe oferece segurança. Grace (Jane Bryan), a mais moça e caseira, casa-se com Tom Knivel (Dick Foran), o pretendente rejeitado por Louise. No decorrer dos acontecimentos, Frank abandona Louise e ela passa por maus momentos, (inclusive o terremoto de San Francisco em 1906), o marido bem mais velho de Helen, morre, e Grace é traída pelo seu marido; porém, no final, Louise e Frank se reencontram e Helen e Grace também se sentem felizes por sua irmã ter recobrado a alegria.

Edward G. Robinson e Paul Lukas em Confissões de um Espião Nazista

 

Francis Lederer em Confissões de um Espião Nazista

George Sanders em Confissões de um Espião Nazista

Em Confissões de um Espião Nazista (Rot: Milton Krims, John Wexley baseado nos textos jornalísticos de Leon G. Turrou), filme anti-nazista em formato semi-documentário (ver meu artigo de 15/5/2015 “Hollywood na Segunda Guerra Mundial I”), narrado com vigor e realismo, são reveladas as atividades de um médico alemão, Dr. Karl Kassell (Paul Lukas), líder da sucursal de Nova York do German American Bund (Partido Nazista Americano) e um germano-americano desertor do Exército dos Estados Unidos e fracassado, Kurt Schneider (Francis Lederer), que oferecera seus serviços à inteligência militar nazista em uma tentativa patética de ganhar dinheiro e recuperar sua auto-estima. Através dele, os agentes do FBI comandados por Ed Renard (Edward G. Robinson) conseguem prender todo o bando de quinta-colunistas, cujos líderes são  Schlager (George Sanders) e o Dr. Kassel (Paul Lukas).

Nos anos quarenta, Litvak fez mais cinco filmes para a Warner Brothers – Dias Sem Fim / Castle on the Hudson / 1940, Tudo Isto e o Céu Também / All This and Heaven Too / 1940, Dois Contra uma Cidade Inteira / City for Conquest / 1940, Quando a Noite Cai / Out of the Fog / 1941 e Uma Canção para Você / Blues in the Night / 1941 – confirmando sua cinematografia impecável, um pouco debilitada apenas no último filme citado.

Em Dias sem Fim (Rot: Seton I. Miller, Brown Holmes, Courtney baseado no livro de Lewis E. Lawes), refilmagem energética do drama criminal de prisão 20.000 Anos em Sing Sing / 20.000 Years in Sing Sing / 1932, Tommy Gordon (John Garfield), gangster convencido e arrogante pensa que pode fazer o que quiser, desafiando a lei. Sua única fraqueza é Kay (Ann Sheridan), que ele adora. Uma tarde, eles estão dançando em uma boate, quando a polícia o prende pelo seu roubo mais recente e, apesar de suas “conexões”, é mandado para Sing Sing.

Burgess Meredith, Pat O’Brien e John Garfield em Dias sem Fim

John Garfield e Ann Sheridan em Dias sem Fim

Na prisão, Tommy não faz muito esfôrço para se adaptar à nova vida, e está sempre se metendo em encrencas, apesar do esforço de Warden Long (Pat O’Brien), diretor do estabelecimento penal, para reabilitá-lo. Durante a fuga de Steve Rockford (Burgess Meredith), Tommy não tenta escapar, o que faz com que Warden confie nele, quando pede permissão para ver Kay, que ficara seriamente ferida em um acidente. Ele dá sua palavra a Warden de que retornará, e corre para seu apartamento, onde fica sabendo que seu advogado, Ed Crowley (Jerome Cowan), foi o responsável pelo acidente. Quando Crowley aparece, Tommy o ataca, eles lutam e, para salvar a sua vida, Kay atira em Crowley. Tommy é procurado por assassinato e, embora tenha a chance de fugir, volta para a prisão, a fim de salvar Warden da humilhação pública, sendo condenado à cadeira elétrica.

Em Tudo Isto e o Céu Também (Rot: Casey Robinson baseado no romance de Rachel Field), melodrama romântico – abordando fato real escandaloso durante a Monarquia de Julho – dirigido com delicadeza e discrição, e fortalecido pela música de Max Steiner, Henriette Deluzy-Desportes (Bette Davis depois de cogitadas Helen Hayes, Miriam Hopkins e Greta Garbo)) é contratada pelo Duque de Paslin (Charles Boyer), para ser governante de seus filhos. Por sua doçura, Henriette conquista a afeição do duque, porém o ciúme doentio da Duquesa Francine (Barbara O’Neil) provoca uma tragédia.

Anatole conversa com Bette Davis em um intervalo da filmagem de Tudo Isto e o Céu Também

Charles Boyer e Bette Davis em Tudo Isto e o Céu També

Barbara O’Neil, Charles Boyer e Bette Davis em Tudo isto e o Céu Também

Depois de muitas cenas desagradáveis, a duquesa despede Henriette, e esta pede ao duque uma carta de recomendação, a fim de que possa arranjar outro emprego. No dia seguinte, o duque assassina sua esposa e Henriette é acusada de cumplicidade; porém o duque, antes de se suicidar, deixara uma carta, assumindo a culpa. Henriette é libertada, e parte para a América na companhia de um jovem pastor, Henry Field (Jeffrey Lynn), que a ajudará a esquecer o triste episódio. O filme, Barbara O’Neil e o fotógrafo Ernest Haller foram indicados para o Oscar.

Anthony Quinn, Ann Sheridan e Janes Cagney em Dois Contra uma Cidade Inteira

James Cagney em Dois Contra uma Cidade Inteira

Em Dois Contra uma Cidade Inteira (John Wexley, Robert Rossen baseado no romance de Abel Kandel), drama de profundidade humana e social impregnado de sentimentalismo, mas tratado primorosamente em termos de cinema e com soberbo trabalho fotográfico (James Wong Howe, Sol Polito), Danny Kenny (James Cagney), chofer de caminhão, para impressionar a namorada, Peggy (Ann Sheridan depois de cogitada Ginger Rogers), vira um pugilista; porém ela foge com um dançarino (Anthony Quinn). Danny fica cego em uma luta , passa a vender jornais para sobreviver, e encoraja o irmão, Eddie (Arthur Kennedy), a realizar seu sonho de se tornar um compositor erudito. No final, na sua banca de jornais, ele ouve pelo rádio a ovação que seu irmão recebeu pela sua “Sinfonia de uma Grande Cidade” e, subitamente, seu nome é chamado. Ele se volta, e vê, de maneira indistinta, que Peggy reapareceu, para ser sua namorada, definitivamente.

John Garfield e Ida Lupino em Quando a Noite Cai

Em Quando a Noite Cai (Rot: Robert Rossen, Jerry Wald, Richard Macaulay baseado em uma peça de Irwin Shaw), drama criminal com atmosfera claustrofóbica e sombria (foto de James Wong Howe), roteiro original (são as vítimas do crime, e não a lei, que reagem) e direção mantendo um clima nervoso, dois moradores na isolada Sheepshead Bay no Brooklyn, que amam a paz do lugar, Jonah Goodwin (Thomas Mitchell) e seu amigo, Olaf Johnson (John Qualen), costumam pescar à noite quatro vêzes por semana, na esperança de ganhar dinheiro suficiente para comprar um bote maior. Certa noite, o gangster Harold Goff (John Garfield depois de cogitado Louis Hayward), que se autointitula “Almirante de Sheepshead Bay”, os ameaça, vendendo-lhes “proteção” por cinco dólares semanais e, a fim de garantir o pagamento da extorsão, obriga-os a assinar uma nota de débito no valor de mil dólares.

Ida Lupino, Anatole Litvak e John Garfield na filmagem de Quando a Noite Cai

Jhhn Qualen, Thomas Mitchel e ida Lupino em Quando a Noite Cai

Desconhecendo a conexão de seu pai com o gangster, Stella (Ida Lupino) conhece Goff, e fica fascinada pelo seu ousado atrevimento. Quando descobre este relacionamento, Jonah oferece a Stella, uma quantia em dinheiro para uma viagem a Cuba, que vai exaurir todas as suas economias. Stella recusa o sacrifício mas, inadvertidamente, o menciona para Goff. Quando Goff lhe exige 190 dólares, Jonah se revolta, e o denúncia à polícia; porém, na côrte de justiça, a nota de mil dólares comprova o direito de Goff. Na mesma noite, o gangster espanca Jonah brutalmente; em seguida, Jonah e Olaf planejam o seu assassinato. Fingindo que Stella tem uma mensagem para ele, os dois amigos conduzem Goff no seu pequeno barco. Olaf não consegue atacar Goff, que percebe a trama. Após derrubar ambos os homens, ele perde o equilíbrio, cai na água, e se afoga. Depois que tudo é esclarecido pela polícia, Stella percebe as qualidades positivas de seu antigo admirador, George (Eddie Albert) e se reconcilia com ele.

Em Uma Canção para Você (Rot: Robert Rossen, baseado em uma peça de Edwin Gilbert), melodrama com enredo pouco vibrante e nada convincente, exposto pelo diretor de forma quase sempre letárgica, mas apresentando boas canções, cinco músicos formam uma banda de jazz e blues. O pianista Jigger Pine (Richard Whorf depois de cogitados John Garfield e James Cagney), o baterista Peppi (Billy Halop), o clarinetista Nickie Haroyan (Elia Kazan), o contrabaixista Pete Bassett (Peter Whitney) e o trompetista Leo Powell (Jack Carson). Juntamente com a esposa de Leo, a cantora Ginger Powell (Priscilla Lane), apelidada de “Character”, o grupo se apresenta por todo o Sul dos Estados Unidos, pedindo carona e saltando de um trem para outro.

Cena de Uma Canção para Você com Priscilla lane no centro

Richard Whorf e Betty Field em Uma Canção para Você

Durante uma excursão, Ginger fica grávida, mas não conta para Leo, com receio de que ele a abandone. Uma dia, um condenado fugitivo, Del Davis (Lloyd Nolan), viaja no mesmo trem do grupo e rouba o pouco dinheiro que eles possuem. Os músicos não o denunciam e Davis lhes oferece um emprego em uma estalagem de New Jersey, onde se encontram também seus ex-cúmplices, Sam Paryas (Howard da Silva), o aleijado Brad Ames (Wallace Ford) e a provocante Kay Grant (Betty Field). Os três estão descontentes em rever Davis, para o qual eles haviam armado uma trama para que ele fosse preso no lugar deles. A banda atrai muita gente para o local. Esperando causar ciúmes em Davis, Kay flerta com Leo, e Jigger lhe pede que não abandone o grupo.

Cena de Uma Canção para Você

Quando Leo fica sabendo que vai ser pai, ele se devota a Ginger. Kay então transfere sua atenção para Jigger, que tenta resistí-la. Quando o médico diz a Ginger que ela deve parar de cantar até o nascimento do bebê, Jigger propõe que Kay a substitua. Apesar dos protestos do grupo, Jiggger procura melhorar o desempenho de Kay como cantora e diz a ela que a ama. Brad ouve esta confissão de amor e aconselha Jigger a se afastar de Kay, acrescentando que foi o seu próprio amor por ela, que resultou no acidente, que o aleijou. Quando Kay tenta reconquistar Davis, revelando-lhe o plano de Sam de entregá-lo para a polícia, ele mata Sam, e manda Kay ir embora. Apesar de sua lealdade ao grupo, Jigger vai ser pianist em uma outra banda mais tradicional e parte com Kay.

Elia Kazan na frente do quadro em Uma Canção para Você

Jigger depois pensa em voltar para o grupo, mas quando pede a Kay, que volte com ele, ela rí, dizendo que sempre amara Davis. Rejeitado, Jigger sai para beber em um bar, onde é eventualmente encontrado pelos amigos, que o levam para a estalagem, a fim de se recuperar. Pouco depois, Kay também retorna, para pedir a Davis, que a aceite de volta. Quando ele recusa, Kay ameaça entregá-lo à polícia, forçando-o a puxar uma arma contra ela. Jigger sai em defesa de Kay e, na luta , Davis deixa sua arma cair, a qual Kay usa para matá-lo. Jigger está prestes a partir com Kay, mas o grupo interfere, dizendo-lhe que o stress da última separação, fizera Ginger perder seu bêbe. Não querendo que Jigger arruine sua vida, Brad conduz Kay no seu carro e o joga em um despenhadeiro, perdendo ambos a vida. Juntos novamente, o grupo volta à sua rotina pelas estradas. O filme foi indicado para o Oscar de Melhor Música (Heinz Roemheld) e Canção Original (Harold Arlen, Johnny Mercer), mas só continua sendo lembrado através dos anos por causa da presença de Elia Kazan como ator.

Um ano antes de seu contrato com a Warner expirar, algumas companhias interessadas no seu serviço, começaram a entrar em contato com ele, mas Litvak estava determinado a não ficar preso por um contrato com nenhum grande estúdio de Hollywood. Em vez disso, filiou-se a uma companhia fundada recentemente, chamada Group Productions, constituida or seu agente, Charles Feldman. Este havia reunido vários artistas renomados (inclusive Charles Boyer, Irene Dunne, Ronald Colman e Lewis Milestone) que, como Litvak, preferiram produzir ou trabalhar na indústria cinematográfica independentemente. Em novembro de 1941 a reorganização levada a efeito na 20thCentury-Fox, acolheu uma companhia produtora independente, e um acordo de colaboração foi celebrado com a Group Productions.

De modo que foi quase natural para Litvak dirigir seu primeiro filme com a Fox, Isto Acima de Tudo / This Above All / 1942 (Rot: R. C. Sherriff, baseado no romance de Eric Knight), drama romântico servindo à propaganda de guerra pró-britânica, um tanto vagaroso no início, mas desenvolvendo-se depois com mais emoção, nos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, Prudence Cathaway (Joan Fontaine), filha de um cirurgião de Londres, anuncia para a sua família aristocrática que se alistou na Women’s Auxiliary Force, sob objeção de sua tia Iris (Gladys Cooper). Prudence critica seus valores ultrapassados e, no campo de treinamento da WAAF, conhece Clive Briggs (Tyrone Power depois de cogitados Robert Donat, Laurence Olivier e Richard Greene), rapaz de classe média baixa amargurado, que está se recuperando de um ferimento que sofreu em Dunquerque e, desde então está foragido.

Filmagem de Isto Acima de Tudo

Tyrone Power e Joan Fontaine em Isto Acima de Tudo

Sem que ela saiba disso, eles começam a namorar, e passam a noite juntos em um hotel, onde recebem a visita de um amigo de Clive, Marty (Thomas Mitchell), que veio insistir para que ele volte logo ao seu regimento, antes de ser considerado um desertor. Quando Clive revela a Prudence que desertou por que não tinha certeza de que depois do conflito haveria uma igualdade de classes, sem diferenças sociais. Prudence faz uma preleção cívica apaixonada sobre a glória da Inglaterra mas, na manhã seguinte, ele parte, deixando uma carta de adeus. Mais tarde ao fugir da polícia militar, Clive se refugia em uma igreja e, após uma conversa com o pároco, ele próprio um veterano de guerra aleijado, que lhe fala sobre a Fé, Clive resolve se apresentar na sua unidade. Antes porém, marca um encontro com Prudence na estação de Charing Cross, onde é preso. Ele pede ao seu comandante duas horas, a fim de que possa ver Prudence mais uma vez. Retornando a Londres, Clive prova sua bravura resgatando mãe e filho encurralados em um prédio bombardeado pelos alemães durante a Blitz.

Joan Fontaine e Tyrone Power em isto Acima de tudo

Tyrone Power e Joan Fontaine em Isto Acima de Tudo

Ferido, Clive é levado para o hospital e operado pelo pai de Prudence. Enquanto a vida de Clive ainda está em risco, Prudence consegue realizar um casamento improvisado com o seu amado. Monty é o padrinho e dá de presente aos noivos um exemplar da peça “Hamlet”, de Shakespeare. Uma enfermeira recita a fala de Polônio para seu filho Laertes: “This above all: to thine own self be true … Thou canst not then be false to any man”(E sobretudo, isto: sê fiel a ti mesmo … Jamais serás falso pra ninguém). Clive abre os olhos, vê Prudence diante do seu leito, e murmura uma frase patriótica (“Nós vamos ganhar esta guerra!”). Oscar de Melhor Direção de Arte em preto-e-branco(Richard Day, Joseph C. Wright) e Decoração de Interiores (Thomas Little); Indicações: Melhor Fotografia em preto-e-branco (Arthur C. Miller), Melhor Som (Edmund H. Hansen) e Melhor Montagem (Walter Thompson).

Frank Capra

Alguns mêses depois de terminar Isto Acima de Tudo, Litvak, já naturalizado americano, alistou-se na Special Services Film Unit do Exército Americano e, pouco tempo depois, convidado por Frank Capra, ajudou-o a realizar a série Porque Combatemos / Why We Fight, a partir de uma idéia do General George C. Marshall, que desejva que todo soldado conhecesse a razão pelo qual deveria servir, e talvez morrer, pelo seu país. Capra começou seu trabalho em Washington no início de 1942, criando o 834th Photo Signal Department, usando a competência de cinco homens-chave: os escritores Anthony Veiler e Eric Knight, o montador William Hornbeck, o documentarista Edgar Peterson, e o co-diretor Anatole Litvak. Ele dirigiu sozinho Batalha da Rússia / The Battle of Russia / 1944 (indicado para o Oscar de Melhor Documentário) e co-dirigiu com Capra Prelúdio de Guerra / Prelude to War / 1943, Os Nazistas Atacam / The Nazi Strike / 1943, Divide e Vencerás / Divide and Conquer / 1943, The Battle of China / 1944 e War Comes to America /1945. Litvak supervisionou ainda outros três filmes de orientação para o Exército: Substitution and Conversion / 1943, Operation Titanic / 1944, e D-Day: The Normandy Invasion / 1945.

Noite Eterna / The Long Night / 1947 (Rot: John Wexley), refilmagem americana (para a RKO) de Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève / 1939, o inesquecível filme francês com Jean Gabin, Jacqueline Laurent, Arletty e Jules Berry que Marcel Carné dirigiu em 1939, marcou o retôrno de Anatole Litvak a Hollywood mas, apesar de ter um bom elenco (Henry Fonda, Barbara Bel Geddes, Vincent Price e Ann Dvorak) e um bom fotógrafo (Sol Polito), o cineasta não conseguiu reproduzir o clima angustiante da obra de Carné, desfigurada com a substituição do desenlace fatídico por um final feliz falso e banal.

Barbara Bel Geddes e Henry Fonda em Noite Eterna

Ann Dvorak e Henry Fonda em Noite Eterna

Cena de Noite Eterna

No filme de Carné, em síntese (cf. meu livro Uma Tradição de Qualidade: O Cinema Clássico Francês (1930-1959), Ed. PUC-Contraponto, 2010), nas escadas de uma casa no subúrbio ouve-se o barulho de uma discussão acalorada. Um tiro é disparado. Uma porta se abre, um homem rola pelos degraus e morre. O assassino, François, se refugia em seu quarto. A polícia chega, mas ele se recusa a sair e o imóvel é cercado. Durante a noite, François, sabendo que não poderá escapar, relembra sua história de amor com Françoise, uma jovem florista, seu encontro com Valentin, o adestrador de cães, e com Clara, a companheira deste último. No filme de Litvak, Françoise chama-se Joe Adams, Françoise é Jo Ann, Valentin é Maximilian (o homem que foi morto por François), Clara é Charlene, a história transcorre em uma cidade industrial do Ohio e o protagonista escapa de um fim trágico, entregando-se à polícia.

ANATOLE LITVAK I

agosto 18, 2017

Diretor cosmopolita, ele realizou filmes na Russia, Alemanha, Inglaterra, França e nos Estados Unidos, onde obteve seus maiores sucessos trabalhando em Hollywood com a Warner Brothers e a Twentieth Century-Fox. Um dos méritos desse cineasta camaleônico era o de se adaptar sem a menor dificuldade ao modo de existência de cada país onde residia e de ser capaz de reconstruir muito fielmente seus ambientes sob os aspectos mais diversos. A fluência de sua mise-en-scène com incessante mobilidade da câmera, suas invenções formais, e a sábia utilização dramática do som e da elipse, completam seu perfil de realizador. Ele pode não ter deixado a marca de um estilo facilmente identificável como John Ford ou Alfred Hitchock, mas foi, sem dúvida, um profissional muito qualificado. Como disse o historiador Richard Schickel, “um homem competente, adaptável, e engenhoso; o tipo de diretor que Hollywood gosta mais”.

Anatole Litvak

Mikhail Anatol Litvak nasceu em maio de 1902 em uma comunidade judaica na Ucrânia, quando este país era território da Rússia. Sabemos ao certo apenas o local, o mês e o ano do seu nascimento, porque todos os documentos oficiais foram destruídos durante a Revolução Russa, mas algumas fontes apontam o dia 10 para a sua chegada ao mundo.

Nos seus filmes alemães, ele pediu para ser creditado como Anatol Litwak. Na Inglaterra e na França, mudou para Anatole Litvak, o mesmo prenome e sobrenome que usou em 1939, ao ser naturalizado como cidadão americano.

Quando Anatol ainda era uma criança, seu pai, gerente de banco, transferiu-se com sua família para São Petersburgo. Com quatorze anos de idade, o jovem Tola, como todos o chamavam, ingressou na Universidade, formando-se cinco anos depois como doutorando em filosofia.

Enquanto estava na universidade, Litvak viajava frequentemente para Moscou, onde assistiu algumas aulas de Vsevolod Meyerhold e Yevgeny Vakhtangov (aluno de Stanislavski), dois grandes professores e inovadores do teatro experimental soviético.

Em 1922, após sua graduação, Litvak juntou-se a uma pequena companhia teatral de vanguarda em São Petersburgo, agora renomeada Petrograd (depois Leningrado) e conseguiu ser admitido na Escola Estatal de Teatro, onde aprendeu cada fase da experiência teatral da interpretação à direção, e também à operar as luzes e ajudar a escrever uma peça.

Cena de Le Chant de l’amour Triomphant

Em 1923, prestou serviço na sucursal soviética da companhia dinamarquêsa Nordisk no estúdio Nordkino de Leningrado e estreou como assistente de direção de Viktor Tourjansky em Le Chant de l’amour Triompant, produção russo – francêsa muda passada na Itália do século XVI, baseada em um um conto de Ivan Tourgenev. Litvak ficou fascinado pelo trabalho experimental dos jovens diretores do novo cinema soviético, que davam particular importância à montagem e à fotografia, e imerso nessa atmosfera excitante, ele dirigiu Tatiana, seu primeiro filme silencioso de curta-metragem, do qual a única informação que obtive é que se tratava de “um filme para crianças” com Nikolai Petrov, ator russo muito popular. Litvak dirigiu Petrov no seu segundo filme curto, Serdtsa I Dollary para a Kino-Sever e filmado no estúdio Lens em Leningrado, uma história com um subtexto anti-americano: dois russos com o mesmo nome, mas vivendo em diferentes condições econômicas, são ambos visitados por um parente distante dos Estados Unidos. Como assinalou Michelangelo Capua no seu livro Anatole Litvak, The Life and Films, McFarland, 2015, que me foi muito útil para obter informações, o diretor, em uma entrevista concedida em 1953 para a revista francêsa Cinémonde, repudiou Tatiana e Serdtsa I Dollary, classificando-os como “atrozes”.

Cartaz de Serdtsa I Dollary

Não se sabe porque Litvak deixou a União Soviética no final de 1924 e foi para a Alemanha via Paris. Vários boletins para divulgação de alguns de seus filmes de Hollywood declararam de modo conciso: “O importante estúdio UFA (Universum Film AG) em Berlim atraiu-o para a Rússia”. Sua primeira experiência na Alemanha foi como montador assistente de Rua das Lágrimas / Die freudlose Gasse / 1925, melodrama silencioso dirigido por G.W.Pabst, estrelado por Greta Garbo no seu terceiro filme e com Marlene Dietrich em um pequeno papel.

Por um curto período, Litvak retornou a Paris como um dos muitos assistentes de direção no set do épico silencioso Napoleão / Napoleon de Abel Gance. Na locação, Litvak conheceu Nikolai Alexander Volkoff, um cineasta emigrado soviético que conseguira escapar da Rússia durante a Revolução. Volkoff subsequentemente contratou-o como assistente de direção para três de suas produções, Casanova / Casanova / 1927, Segredos do Oriente / Gehimnisse des Orients / 1927 e O Diabo Branco / Der Weisse Teufel / 1930, todas produzidas por Noé Bloch (tio de Litvak) e Gregor Rabinovitch na UFA.

Após quatro anos trabalhando com Volkoff, Litvak foi convidado pela UFA para dirigir seu próprio filme. Sua fluência no idioma russo, alemão, francês e inglês básico eram uma habilidade inestimável, porque muitos filmes europeus, nos primeiros tempos do som, eram feitos em diferentes versões.

Litvak fez duas comédias musicais na Alemanha: Dolly Macht Karriere / 1930, com Dolly Haas e Não Há Mais Amor / Nie wieder Liebe! / 1931, com Lilian Harvey, sendo que esta última teve uma versão francêsa, Calais- Douvres, co-dirigida por Jean Boyer, mantida a mesma atriz no papel principal.

Cena de Não Há mais Amor

Como não pude ver nenhuma das duas comédias alemãs, assinalo apenas que o enorme sucesso desses dois filmes na França e na Alemanha convenceu a Société des Films Osso a contratar Litvak para trabalhar em Paris. Entretanto, logo de início, ele foi emprestado para a Fifra, pequena companhia produtora promovida pela roteirista americana Dorothy Farnum e seu marido, Maurice Barber, que haviam comprado os direitos da peça “Coeur de Lilas” de Tristan Bernard e Charles Henry Hirsh.

Por sua intriga e atmosfera o filme pode ser considerado um precursor do realismo poético. Um grupo de crianças descobre acidentalmente o corpo de Novion, um industrial. O inspetor André Lucot (André Luguet) não concorda com a opinião do juiz de instrução de que o culpado foi um dos empregados do morto. Uma luva pertencente a uma prostituta conhecida, Lilas Couchoux (Marcelle Romée), foi encontrada junto ao cadáver de Novion. Assumindo a identidade de um mecânico desempregado, Lucot decide investigar por conta própria. No bar que Lilas frequenta, o inspetor conhece Martousse (Jean Gabin), leão-de-chácara desse local, e ex-amante da prostituta. Os dois homens entram em conflito e mais tarde Martousse é preso durante uma batida da polícia. Lucot e Lilas acabam se apaixonando, e ela espera iniciar uma nova vida. Porém Martusse depois de recuperar a liberdade, encontra o casal em um hotel onde estão hospedados e revela a Lilas que seu novo namorado é um policial. Perturbada por esta revelação, ela se entrega à polícia e confessa seu crime.

Visão melancólica e pitoresca do submundo parisiense, com uma trama apoiada sobre um enigma judiciário e um dilema Corneliano (o debate entre paixão e dever na mente de um policial), o filme vale sobretudo pela maneira eminentemente cinematográfica como os acontecimentos são mostrados, a começar pela sequência inicial, quando vemos soldados marchando e em seguida uma panorâmica acompanha um grupo de meninos, imitando-os, e depois correndo até às velhas fortificações (construídas entre 1841 e 1845 para prevenir uma invasão militar prussiana), onde encontram o cadáver de Novion.

No ponto culminante da narrativa, ocorre uma festa de casamento promovida em uma pousada, que se mistura, sem que os convidados saibam, à ação patética que se desenrola em um dos quartos, quando Lilas verifica que Lucot é mesmo um policial, como lhe informara Martousse. É um momento em que a alegria se mistura com as tristeza, como acontece na realidade, os casais que dançam a farândola surgindo a todo momento e interrompendo a cena dramática entre os dois amantes.

Cena de Coeur de Lilas

Falando sobre Coeur de Lilas por ocasião da estréia em 1932, Litvak afirmou que o “verdadeiro cinema” deve evitar a influência do “teatro filmado” através da atenção dada à “luz, ritmo e imagens”. Ele comentou: “em Coeur de Lilas meu elenco só fala quando a situação exige”. E concluiu: “Eu simplesmente quero fazer cinema; nada mais nada menos”. Litvak trouxe a competência técnica e alto nível de sofisticação visual adquiridos no cinema alemão para o cinema francês do início dos anos trinta, que procurava uma maneira de competir com os modelos da produção de Berlim e Hollywood.

                                         Cenas de Coeur de Lilas

Durante e após a filmagem ocorreram dois acidentes horríveis. A explosão de um refletor de arco voltaico quase cegou Fernandel (que faz uma ponta no filme, cantando) e, pouco depois que o filme ficou pronto, Marcelle Romeé, a atriz de apenas 29 anos de idade, suicidou-se, atirando-se no Sena.

A reputação de Litvak como realizador habilidoso firmou-se com o êxito financeiro e crítico de Coeur de Lilas, e ele retornou a Berlim depois que a UFA lhe ofereceu a oportunidade de dirigir no mesmo ano uma outra comédia musical, desta vez em versão tripla com estes títulos: Das Lied einer Nacht em alemão, La Chanson d’une Nuit em francês e Tell Me Tonight em inglês.

No Brasil, foi exibida a versão inglêsa com o título que o filme recebeu nos Estados Unidos, Be Mine Tonight, traduzido em português como A Voz do Meu Coração. Trata-se de uma história de troca de identidade, que tem início quando um tenor famoso, Enrico Ferraro (Jan Kiepura), para escapar de sua gerente mandona (Betty Chester), foge para Zern, pequena aldeia da Suiça. No caminho, faz amizade com um simpático vigarista, Koretsky (Sonnie Hale no papel que Pierre Brasseur e Fritz Schulz desempenham em outras versões), que, por uma série de coincidências, é confundido com Ferraro, o qual, para ter sossego de seus amiradores, deixa que a confusão de identidades prossiga. No decorrer dos acontecimentos, Ferraro se apaixona por Mathilde (Magda Schneider), a filha do prefeito local e, depois de muita confusão, tudo volta ao normal.

Os belos cenários naturais perto de um lago, fotografados magnificamente por Fritz Arno Wagner; a música, que tanto traz trechos da “Traviata”, da Bohème” e da “Rigoletto” como a deliciosa canção tema “Tell me Tonight”; algumas cenas muito divertidas como aquela na qual Ferraro, escondido pelos arbustos, cantada por Koretsky; e uma direção que deixa a câmera correr à vontade, ensejam um espetáculo sempre vivo e interessante.

Ivor Novello em O Galã do Expresso

O sucesso internacional dos primeiros filmes de Litvak, tornaram-no um dos novos diretores mais requisitados da Europa, e assim ele assinou contrato com a Gaumont British para fazer O Galã do Expresso / Sleeping Car / 1933 na inglaterra com os astros Ivor Novello e Madeleine Carroll. No enredo, Gaston Bray (Ivor Novello) é um atendente de vagão-dormitório, que tem numerosos casos amorosos em cidades diferentes, nas quais o trem transcontinental para. Mas ele se apaixona verdadeiramente por uma jovem inglêsa rica, Anne Howard (Madeleine Carroll) que, ao se recusar a responder a uma intimação por ter dirigido em alta velocidade, está prestes a ser expulsa da França. É explicado a ela que, só poderá permanecer na França se contrair matrimônio com um cidadão francês, e ela então anuncia que está procurando um marido. Muitos candidatos se apresentam, entre eles Gaston, que consegue o pôsto. Porém quando uma ex-namorada de Gaston, Simone (Kay Hammond) entra em cena, seguem-se inúmeras complicações antes que tudo finalmente se esclareça.

Embora tivesse sido bem sucedido comercialmente, o filme desapareceu das telas após seu lançamento em 1933, e só reapareceu quando uma versão restaurada pelo National Film Archive foi apresentada no London Film Festival de 1992. Não encontrei o título na relação de filmes da mediateca do BFI (British Film Institute) e nem existe dvd do mesmo. Por ocasião da estréia, o Variety elogiou a fotografia e a direção e existem comentários de pessoas que puderam ver o filme, dizendo que há momentos comparáveis às melhores operetas que Ernst Lubitsch realizou com Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald. Infelizmente, não tenho como conferir.

No verão de 1933, depois de tirar férias na Riviera Francêsa, Litvak voltou para Paris, decidido a ficar ali permanentemente, pois Hitler chegara ao poder na Alemanha. Em colaboração com Serge Veber, que havia escrito os diálogos de Coeur de Lilas, ele começou a adaptação da peça de Fernand Nozière, que resultou no seu novo filme, Ave de Rapina / Cette Vieille Canaille (Cipar Films).

Harry Baur em Ave de Rapina

O melodrama tem início quando, em um parque de diversões de Neuilly, o professor Guillaume Vautier (Harry Baur), célebre cirurgião aposentado, cuida do ferimento de Hélène (Alice Field), uma vendedora, após ela ter brigado com outra mulher enciumada de seu amor pelo jovem trapezista Jean (Pierre Blanchar). Hélène acaba sendo presa, mas na mesma noite, vem a ser solta misteriosamente e conduzida para uma luxuosa mansão, onde se encontra novamente com Vautier, que pagara sua fiança. Ele lhe oferece a residência como se fosse sua. Hélène aceita a oferta generosa e logo esquece sua antiga vida e seu amante Jean. Embora Vautier aparentemente não tenha intenções amorosas para si próprio (parece que a quer em sua casa apenas como um enfeite, para lhe alegrar a vista ou para amenizar sua velhice), ele procura impedir qualquer tentativa de outro homem se aproximar de Hélène. Um dia, ela se encontra com Jean e percebe que não pode viver sem ele, trocando Vautier pelo acrobata. Passado algum tempo, ao apresentar seu número circense em um teatro, Jean avista Vautier, que se sentara ao lado de Hélène no camarote por ela ocupado. Ao vê-los, Jean sofre uma alucinação, desmaia, e cai do trapézio. Vautier põe de lado seu orgulho e realiza uma cirurgia delicada, salvando nobremente a vida do acrobata.

Em uma interpretação magistral, Harry Baur dá força e emoção ao “vieille canaille”, personagem tragi-cômico amável, mas com um leve toque sinistro, cuja visão de ave de rapina (daí o título em português) diante de uma mulher jovem e bonita, se ilumina no fulgor de um desejo de posse. A intriga – cujo motivo, a luta do amor contra o dinheiro, da juventude contra a velhice, não era novo -, torna-se apaixonante pela sua encenação impecável e montagem nervosa até a sequência particularmente brilhante da operação (com o uso de imagens sobrepostas) tentada pelo cirurgião em seu rival, cujo olhar se enche de pavor – um detalhe de poderosa intensidade dramática. Mais uma vez na sua carreira, Baur fez uma grande composição, deixando um pouco na sombra seus parceiros: Alice Field, Pierre Blanchar, Paul Azaïs (o companheiro de Jean no trapézio), e a gorducha Madeleine Guitty (a mãe abominavelmente cupida e vulgar de Hélène).

O próximo filme de Litvak, Tripulantes do Céu / L’Equipage / 1935 (Pathé-Nathan), baseado no romance de Joseph Kessel, conta uma história de triângulo amoroso, que já fôra filmada em 1928 por Maurice Tourneur.

Jean-Pierre Aumont e Annabella em Tripulantes do Céu

Charles Vanel e Jean-Pierre Aumont em Tripulantes do Céu

Jean Herbillon (Jean-Pierre Aumont) jovem tenente, se apaixona, e é correspondido, por Denise (Annabella), sem saber seu sobrenome. De volta para a frente de batalha, Jean inicia uma grande amizade com o tenente Maury (Charles Vanel). Eles fazem vários vôos juntos, até que Jean obtém umas semanas de licença, e Maury lhe pede que entregue uma carta para sua esposa, Hélène, dizendo: “Ela é tudo para mim”. De volta a Paris, Jean e Denise passam um tempo muito felizes e, quando ele está prestes a retornar ao quartel, lembra-se da missiva. Jean vai até casa da esposa de Maury, e descobre que ela é … Denise. Ele fica de coração partido com essa descoberta e também apreensivo, ao pensar em encarar Maury, seu melhor amigo. Tenta esquecer Denise, mas sempre que vê Maury, lembra-se dela. Sentindo saudade de Jean, Denise decide visitar seu marido no aeródroageo. Jean faz todo o possível para evitá-la, porém Denise se infiltra no seu alojamento, e lhe diz que a vida não significa nada para ela, sem ele. Jean tenta em vão fazê-la compreender a camaradagem que existe entre ele e Maury e também o significado de uma equipage (tripulação). A guerra está perto do fim e um ataque final é planejado. O esquadrão recebe suas ordens e Jean e Maury partem. Maury já pressentiu tudo o que se passa entre Jean e Denise (“Ela o ama, eu sei”), mas durante o combate eles deixam de lado seus sentimentos pessoais e demonstram muita coragem. Quando voltam para a base, Maury, ferido, descobre que Jean está morto e, em sua mão, encontra uma foto de sua esposa. No hospital, em convalescência, Maury perdoa Denise.

Annabellla e Charles Vanel em Tripulantes do Céu

É um estudo psicológico com um toque de ironia cruel, quando um romance proibido é transformado em uma crise de consciência. Usando mais as imagens que as palavras, Litvak nos faz penetrar no íntimo dos três personagens principais, que se deparam com um dilema moral e, ao mesmo tempo, descreve com realismo, embora brevemente, os combates aéreos de uma esquadrilha francêsa durante a Primeira Guerra Mundial.

Cena de Tripulantes do Céu

Cena de Tripulantes do Céu

O filme tem início com um surpreendente primeiro plano de Denise espantada, ao saber que Jean vai para a esquadrilha onde seu marido está servindo, seguindo-se no decorrer da narrativa outras cenas muito boas: o pianista tocando Chopin enquanto Maury voa no meio da neblina; a mulher que lê a mão de Denise e lhe diz tudo no seu ouvido, sem que a gente saiba o que lhe sussurrou, enquanto se ouve uma canção; Denise desesperada, repetindo três vêzes para Jean “Eu o amo!; a morte do capitão Thélis (Jean Murat, na época marido de Annabella) andando, depois ao sair do seu avião alvejado, e depois caindo ao solo; o duelo das aeronaves no céu; o perdão mudo e discreto no hospital.

Apesar do êxito retumbante de Tripulantes do Céu, Litvak continuava um solitário, fora da produção corrente de Paris, mas a situação mudou radicalmente, quando ele resolveu dirigir Mayerling / Mayerling / 1936 (Nero Films), a história trágica do romance entre o Arquiduque Rudolph da Áustria e sua amante a Baronesa Marie Vetsera.

Danielle Darrieux e Charles Boyer em Mayerling

Na Viena de 1888, o Arquiduque Rudolph (Charles Boyer), desgostoso com a política conservadora de seu pai, o velho imperador Francisco José (Jean Dax), juntou-se ao partido dos jovens liberais. Seu melhor amigo, Maurice Szeps (René Bergeron) editor de um jornal radical, acaba de ser preso. A noticia é trazida a Rudolph pelo Conde Taafe (Jean Debucourt), que o espiona incessantemente. Rudolph pede uma audiência com o pai, esperando interceder pelo seu amigo. À tarde, ele sai para um passeio no Prater, onde vê uma jovem sendo importunada por um estranho, e vai em seu socorro. Após passarem algum tempo juntos, a jovem retorna para casa, onde vive com sua mãe (Marthe Régnier) e irmã (Nane Germon). À noite, Rudolph comparece a uma performance de gala na Ópera, acompanhado de sua esposa, a Arquiduquesa Stephanie (Yolande Laffont) e, no camarote em frente ao seu, avista a jovem do Prater. Ele fica sabendo que ela é Marie Vatsera (Danielle Darrieux), que está fazendo sua primeira aparição em sociedade. Marie reconhece Sua Alteza Real como o seu misterioso salvador. A tia de Rudolph, Condessa Larish (Suzy Prim) arranja um encontro entre os dois. Rudolph fica encantado com a sinceridade de Marie, por quem se apaixona perdidamente. Taafe e seus espiões informam o imperador sobre os encontros clandestinos de Rudolph e Marie, e um bilhete anônimo é enviado para a mãe de Marie, revelando o segredo de sua filha. Marie se recusa a dizer o nome do homem que ama, e é enviada para fora de Viena por seis semanas. Rudolph, em desespêro, volta à sua antiga vida de libertinagem. Quando Maria retorna, confronta-se com um Rudolph mudado, mas sua piedade gentil o subjuga. Rudolph percebe que sua única salvação está em Marie. Ele escreve ao Papa, pedindo-lhe que lhe conceda o divórcio da arquiduquesa. Quando o imperador fica sabendo pelo Papa do desejo de seu filho, ele ameaça mandar Marie para um convento se o príncipe não renunciar a ela. Rudolph implora para ficar com ela por vinte e quatro horas, antes de atender ao desejo do pai. Os dois amantes vão ao pavilhão de caça do príncipe em Mayerling. Quando a noite cai, eles firmam um pacto de morte. De madrugada, um tiro de pistola é ouvido pelo criado de Rudolph, seguido alguns minutos depois por um segundo tiro

Cena de Mayerling

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Em vez de realizar um filme histórico com suas implicações políticas, Litvak optou pelo aspecto puramente romântico da história de amor entre Rudolph de Habsburgo e Marie Vetsera, filmando com delicadeza a obra de Claude Anet, inspirada no caso célebre que abalou o Império Austro-Húngaro no final do século dezenove.

Cena de Mayerling

Cena de Mayerling

O domínio técnico do realizador, sobretudo nas cenas de intimidade entre Rudolph e Marie, quando a câmera se aproxima do rosto dos personagens para realçar melhor suas emoções, o desenho de produção (Serge Piménoff), a direção de arte (Andrej Andrejew, Robert Hubert), os figurinos (Georges Annenkov), e a música (Arthur Honneger) tornam o filme envolvente, mas é preciso dizer que ele deve muito de sua força ao desempenho dos dois intérpretes centrais.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Charles Boyer compõe com perfeição o Rudolph depressivo, revoltado e atormentado que ele era na vida real, basicamente um herói passivo, tratado com respeito mas que, essencialmente, não tem poder. Os cortesãos se inclinam diante dele, porém ele não consegue nem obter uma audiência com seu pai, quando a necessita com urgência. Sua frustração se manifesta na sua melancolia e fastio (como no bordel e no seu aniversário de casamento) ou por uma violência virada para dentro de si mesmo, como no momento em que metaforicamente desfere um tiro no seu reflexo no espelho.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Danielle Darrieux encarna uma Marie bastante verossímil, ainda mais por ter a mesma idade da sua personagem quando o filme foi realizado. Ela está perfeita, quando nos mostra seu encantamento com a idéia de que é amada por um príncipe; ou sua firmeza, quando não se inclina diante da arquiduquesa em uma cerimônia da côrte, como todos fazem; ou, ainda, sua completa submissão a Rudolph, quando tomou a decisão ousada de se entregar totalmente a ele, colocando sua vida e morte nas suas mãos.

Mayerling marca uma mudança importante na filmografia do cineasta, porque foi seu último longa-metragem francês antes de sua partida para os Estados Unidos. Os produtores americanos, atraídos pelo triunfo alcançado pelo filme, convidaram-no imediatamente para trabalhar com eles, e Litvak aceitou.

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THEDA BARA

agosto 3, 2017

Ela era uma das atrizes cinematográficas mais populares nos anos dez, só perdendo em termos de apoio do público para Mary Pickford e Charles Chaplin, e foi sempre apontada como a primeira vampe da tela embora, em 1912, Rosemary Theby, em um filme da Vitagraph, The Reincarnation of Karma, já tivesse interpretado uma mulher tentadora chamada Quinetrea e Musidora, mais ou menos na mesma época do primeiro filme de Theda Bara no papel principal, fazia o mesmo na série Os Vampiros / Les Vampires / 1915 de Louis Feuillade como Irma Vep.

Theda Bara

Theda pode não ter sido a primeira vampe, mas foi certamente a mais famosa. Atuou em 42 filmes de 1914 a 1926, porém não conseguiu fazer a transição para o cinema falado. Nunca poderemos saber o que a tornou uma das primeiras grandes estrelas da cena muda, porque pouquíssimos filmes dela sobreviveram e eles não são representativos do que o público e a crítica consideravam seu melhor trabalho.

Nascida em 22 de julho de 1890 em Cincinnati, Ohio, filha de Bernard Goodman, nome provavelmente americanizado de um alfaiate judeu da Polônia, e de Pauline Louise Françoise deCoppet, suiça de origem judia, cujos progenitores eram o francês François Baranger e a alemã Regine deCoppet Baranger, Theodosia Goodman tinha um irmão mais velho chamado Marque e uma irmã mais nova chamada Esther. Esta, divorciada de seu primeiro marido, casou-se com o ator e diretor Ward Wing e, sob o nome de Lori Bara, assinou o roteiro de um filme dele, Samarang / Samarang / 1933.

O interesse de Theda pelos livros e pela arte dramática manifestou-se muito cedo e, após estudar dois anos na Universidade de Cincinnatti, ela foi em 1905, para Nova York, decidida a entrar no mundo teatral, apesar da objeção de seu pai. Em 1908, apareceu no palco em The Devil, adotando o nome artístico de Theodosia DeCoppet, e depois passou a representar em companhias itinerantes, apresentando-se no musical, The Quaker Girl, na comédia, Just Like John, e em outros espetáculos até que o diretor Frank Powell colocou-a como figurante no filme da Pathé, The Stain / 1914.

A esta altura, William Fox, que acabara de filmar no seu novo estúdio em Fort Lee, Nova Jersey, Life’s Shop Window, obtendo lucros modestos, contratou Powell para dirigir Escravo de uma Paixão / A Fool There Was, que então escolheu Theda para encabeçar o elenco desta produção, a qual iria colocar a Fox Film Corporation em uma posição de maior prestígio na indústria cinematográfica.

Cena de Escravo de uma Paixão

O filme foi baseado em uma peça de Porter Emerson baseada no poema “The Vampire” de Rudyard Kipling, o qual por sua vez havia sido inspirado em uma pintura de Philip Burne Jones, exibida em Londres em 1897, que mostrava uma mulher se debruçando triunfalmente sobre um jovem, cujo sangue parecia ter sido sugado. Por sugestão de William Fox, o sobrenome Baranger da árvore genealógica da família foi abreviado para Bara e combinado com o seu apelido de criança, Theda, surgindo assim o nome artístico de Theda Bara.

Enquanto o filme ainda estava sendo rodado, Fox contratou dois jornalistas, Al Selig e John Goldfrap, para promovê-lo, e eles criaram a mais ousada e ridícula campanha de publicidade do país, divulgando a informação de que “Theda Bara” seria um anagrama de “Arab Death” e que ela era filha de uma artista francêsa, Theda de Lyse e de um escultor italiano, Giuseppe Bara. Segundo explicaram, a aventureira Lyse estava fazendo uma excursão pelo Egito, quando encontrou Giuseppe perdido nas areias do deserto. A atriz salvou sua vida e foi o começo “de um dos romances mais doces do mundo”. No tempo devido, a pequena Theda nasceu, filha do formoso casal, que construiu seu lar em uma tenda enorme perto da Esfinge.

Como observaram Eve Golden (de cuja obra Vamp, The Rise and Fall of Theda Bara, 1966, colhí algumas informações) e Robert S. Birchard (autor de vários livros sobre Cinema), entrevistados em um documentário biográfico sobre a atriz (The Woman With Hungry Eyes / 2006), o mais extraordinário a respeito dessa lenda foi que os espectadores perceberam desde o início que ela era apenas isso, uma lenda, e assim puderam assistir horrorizados as seduções impiedosas da vampe e ao mesmo tempo amar e aplaudir Theda Bara. Por outro lado, como percebeu Molly Haskell (From Reverence to Rape, 1974), sua imagem de sexualidade exótica, vagamente maligna era suficientemente distante das mulheres de verdade para ser considerada perigosa.

Escravo de uma Paixão foi um dos filmes mais vistos de 1915 na América e, para surpresa de todos, Theda Bara foi a primeira atriz de cinema a passar do anonimato para o estrelato da noite para o dia. Os publicistas inventaram cláusulas de um contrato que nunca existiu, prevendo que ela só poderia ser transportada em limousines brancas com as cortinas cerradas e criados de libré “núbios” em serviço, teria que conceder entrevistas em salas escurecidas e perfumadas, não poderia se casar nem aparecer em público com um acompanhante. Sua vampe, sempre fotografada para efeitos de publicidade ao lado de um esqueleto, de uma caveira ou de cobras, era uma mulher “não exatamente humana”, que seduzia entusiasticamente homens respeitáveis por mera diversão, levando-os à ruína e, quase sempre, à morte – o tipo de mulher que o espectador de cinema nunca tinha visto antes. A Fox anunciava-a como “A mulher mais perversa do mundo”.

Theda, a Vampira

No Brasil, onde passaram todos os seus filmes, sendo constantemente reprisados, a popularidade de Theda Bara foi imensa, tendo sido apelidada de “Sereia Satânica da Tela”. No Correio da Manhã de 13/9/1925, na seção “No Mundo da Tela”, em uma coluna intitulada “Theda Bara a moderna Circe”, um jornalista assim a descreveu em termos hoje antiquados: “Delgada, angulosa, seios pequenos mortos sobre o peito, cheia de trepidações estranhas, boca nervosa, olhos grandes, carregados de sombra e a cabeça mergulhada numa orla de martírio. As mãos delas devem casquinar quando acariciam e os lábios, ao beijar, devem beber num sorvo de loucura os lábios do amado. Como nos seus filmes, ela deve ser na vida real a aspiração surda, a aflição, a dor, o desespêro, a loucura, o delírio dos homens”.

Theda Bara

O poder de fascinação de Theda Bara era inimaginável. Sua fama era tanta, que chegou a ser parodiada pela atriz Josephina Barco em uma cena da comédia “Tinha de Ser” – que contava ainda com a presença de Alexandre Azevedo, Apolonia Pinto, Restier Junior e Augusto Aníbal -, fazendo rir o público do Trianon.

Theda Bara

Seus olhos grandes e negros, acentuados com uma sombra escura nas pálpebras, destacando o seu rosto de uma brancura cadavérica, e adereços elaborados tais como tapete de pele de tigre e uma longa piteira dourada, embelezavam sua exentricidade assim como sua tendência para usar véus, corôas, brincos em forma de argola e braceletes de bronze. Com seus cabelos, compridos e escuros e o corpo voluptuoso coberto por vestidos longos e leves, a sua vampe perpetuava um estereótipo europeu conhecido de paixão e exotismo. Mulher sensual e poderosa, Theda Bara dominava e triunfava sobre os homens e contrastava nítidamente com as personagens de mocinhas virtuosas retratadas por Mary Pickford e Lilian Gish. Apesar de seu estilo de interpretação histriônico e de suas caracterizações extravagantes, as platéias da época não se importavam com isso, bastando ver sua face pálida e seu olhar longo e fixo, que despertava a imaginação popular.

No decorrer de sua carreira, Theda repetiu seu papel de vampe em muitos filmes com titulos sugestivos como Destruição / Destruction, A Raposa / The Vixen, Gioconda, a Filha do Diabo / The Devil’s Daughter, Rosa Cor de Sangue / The Rose of Blood, Lolotte, a Endiabrada / The She-Devil etc. Ela interpretou também heroínas vampes da História e da Literatura como Carmen, Salomé, Madame Du Barry, Cleopatra bem como também não vampes, notadamente a Julieta de William Shakespeare em Romeo and Juliet, a cigana Esmeralda de Victor Hugo em Favorita de Paris / The Darling of Paris e a Cigarette de Ouida (Marie Louise Ramé) em Sob Duas Bandeiras / Under Two Flags.

Theda em Carmen

 

Theda Bara e G. Raymond Nye em Salome

Theda em Cleopatra

Theda em Romeu e Julieta

O canadense J. Gordon Edwards dirigiu a maioria dos seus filmes (23 ao todo) e ela recebeu ordens por atrás das câmeras de futuros diretores de prestígio como Herbert Brenon (A Sonata de Kreutzer / The Kreutzer Sonata, Infidelidade / The Clemenceau Case, As Duas Orfãs / The Two Orphans, O Anjo de Marfim do Purgatório / Sin), Raoul Walsh (Carmen / Carmen, A Serpente / The Serpent ) e Charles Brabin (Sonho Revelador / Kathleen Mavourneen, A Mulher Serpente,) com quem se casou em 1921, matrimônio que durou até a morte da atriz em 1955.

Theda e seu marido, o diretor Charles Brabin

A maioria dos filmes de Theda foram realizados durante um período curto de quatro anos. Quando seu contrato não foi renovado pela Fox, ela tentou a Broadway, mas não obteve sucesso. O gosto do público havia mudado. As vampes foram superadas pelas heroínas virginais. Theda retornou a Hollywood, para tentar ressuscitar sua carreira, mas acabou interpretando caricaturas de sua antiga personalidade fílmica.

Em 1926, assinou contrato com Hal Roach para participar nos curtas-metragens das suas All Star Comedies. Co-dirigida (com Richard Wallace) por Stan Laurel, a primeira comédia, Madame Mystery, tinha Theda no papel título como uma agente secreta carregando um explosivo ultra secreto dentro de um navio (cujo capitão era Oliver Hardy). Dois ladrões desastrados tentam roubar a carga da Madame e um deles, acidentalmente, engole a bomba, para alarme de todos.

Originalmente em dois rolos, o filme foi exibido entre nós no Cinema Rio Branco na Praça Onze de Junho do Rio de Janeiro com o título de Madame Misteriosa, mas só sobrevive hoje uma cópia reduzida, em 9,5 mm., usada pelo mercado de aluguel de filmes para projeções em residências. Segundo os que viram, a atriz, elegantemente vestida, teve um bom desempenho porém, descontente com as cenas de pastelão, Brabin proibiu-a de continuar na série. Após doze anos, a carreira de Theda Bara estava encerrada. Ela nunca mais faria outro filme.

                                                 FILMOGRAFIA DE THEDA BARA

1914

THE STAIN (Theodosia deCoppett, como figurante)

1915

ESCRAVO DE UMA PAIXÃO / A FOOL THERE WAS

A SONATA DE KREUTZER / THE KREUTZER SONATA

INFIDELIDADE / THE CLEMENCEAU CASE

GIOCONDA ou A FILHA DO DIABO / THE DEVIL’S DAUGHTER

O SEGREDO DA ALTA SOCIEDADE / LADY AUDLEY’S SECRET

AS DUAS ORFÃS / THE TWO ORPHANS

O ANJO DE MARFIM DO PURGATÓRIO / SIN

CARMEN / CARMEN

CHAMAS DO ÓDIO / THE GALLEY SLAVE

DESTRUIÇÃO / DESTRUCTION

1916

A SERPENTE / THE SERPENT

A MALDIÇÃO DO OURO / GOLD AND THE WOMAN

A ETERNA SAFO / THE ETERNAL SAPHO

TRAIÇÃO / EAST LYNNE (Filme sobrevivente)

SOB DUAS BANDEIRAS / UNDER TWO FLAGS

SOB O NOME DA OUTRA / HER DOUBLE LIFE

ROMEU E JULIETA / ROMEO AND JULIET

A RAPOSA / THE VIXEN

1917

A FAVORITA DE PARIS / THE DARLING OF PARIS

CORAÇÃO DE TIGRE / THE TIGER WOMAN

SEU GRANDE AMOR / THE GREATEST LOVE

CORAÇÃO E ALMA / HEART AND SOUL

A DAMA DAS CAMÉLIAS / CAMILLE

CLEÓPATRA / CLEOPATRA (Sobrevivem somente vinte segundos do filme)

ROSA COR DE SANGUE / THE ROSE OF BLOOD

MADAME DU BARRY / MADAME DU BARRY

1918

ESTRADA PROIBIDA / THE FORBIDDEN PATH

ALMA DE BUDHA /THE SOUL OF BUDDHA

O CATIVEIRO / UNDER THE YOKE

SALOMÉ / SALOME

QUANDO UMA MULHER PECA / WHEN A WOMAN SINS

A ENDIABRADA OU LOLOTTE, A ENDIABRADA / THE SHE DEVIL

1919

A LUZ / THE LIGHT

O LOBO E A OVELHA / WHEN MEN DESIRE

O CANTO DA SEREIA / THE SIREN’S SONG

ETERNO SOFRIMENTO / A WOMAN THERE WAS

SONHO REVELADOR / KATLEEN MAVOURNEEN

A MULHER SERPENTE / LA BELLE RUSSE

A FORÇA DA AMBIÇÃ0 / THE LURE OF AMBITION

1925

MULHER LIBERTINA / THE UNCHASTED WOMAN (Filme sobrevivente)

1926

MADAME MISTERIOSA / MADAME MYSTERY (Filme sobrevivente incompleto)

KING VIDOR NO CINEMA MUDO

julho 21, 2017

Como David Wark Griffith, Charles Chaplin ou Cecil B. DeMille, ele pertenceu à geração dos pioneiros, e sua carreira foi uma das mais longas do cinema clássico – de 1919 a 1959. Com sua consciência social, sua facilidade de tratar de um modo épico ou lírico os problemas da civilização ou da condição humana, foi sem dúvida um grande cineasta. Tal como fiz com Fritz Lang (v. meu post de 1/7/2012), recordo sua trajetória artística no cinema mudo.

King Vidor

King Wallis Vidor (1895-1982) nasceu em Galveston, neto de um imigrante oriundo da Hungria, que se tornou cidadão americano naturalizado em 1868. O pai de Vidor, Charles Sheldon Vidor, chegou a ser um homem próspero na época do nascimento do seu filho, o primeiro das duas crianças que teve com sua esposa, Kate Wallis, de uma família descendente de Davy Crockett. Charles S. Vidor foi dono de uma floresta de madeira de carvalho na República Dominicana e de serrarias no East Texas e no Estado de Louisiana, e havia introduzido outra serraria em uma pequena comunidade do Texas, que levou o nome de Vidor em 1910. Porém, logo depois, perdeu sua fortuna em negócios de seguro e especulação no ramo do petróleo.

Após ter se formado na Peacock Military Academy em San Antonio, a educação de King Vidor continuou em uma escola particular em Maryland. Sua mãe o iniciou na Christian Science (da qual um dos credos é que o mal, físico ou moral, pode ser curado por meios espirituais). Todavia, aos dezesseis anos de idade, Vidor entrou para o mundo do cinema como bilheteiro e projecionista ocasional em um nickelodeon em Galveston. Um furacão ocorrido em 1913 forneceu o assunto para seu primeiro filme, rodado com uma câmera feita em casa por um amigo. Em seguida, algumas atualidades, a começar por uma parada militar em Houston, foram vendidas para o cinejornal Mutual Weekly.

Sua primeira tentativa de fazer um filme de ficção, intitulado In Tow, foi, segundo ele próprio contaria mais tarde, incompetente sob todos os pontos de vista. Quando estava filmando, conheceu Florence Arto, ainda uma adolescente e filha de família rica. Ela mostrou grande interesse nos seus esforços para fazer o filme e, ansioso por mantê-la a seu lado, ele ampliou o papel da heroína; porém os pais dela tinham noções diferentes sobre os “flickers”: segundo eles, uma aparição na tela só poderia desgraçar sua filha. O jovem aprendiz de cineasta teve que aguardar até que fossem casados.

Dando um próximo passo no caminho do cinema, Vidor uniu-se a Edward Sedgwick, um conterrâneo que, com sua família atuante no vaudeville, havia participado de alguns filmes regionais. Juntos, eles formaram a Hotex Motion Picture Company e realizaram (entre outras não identificadas) duas comédias, dirigidas por Sedgwick e co-roteirizadas por Vidor: The Heroes, sobre a captura de um bandido e Beautiful Love, uma intriga “européia” sobre o rapto de uma condessa.

Após o casamento de Vidor com Florence, o casal partiu para Nova York onde, finalmente, uma distribuidora aceitou distribuir as duas comédias; mas, um mês depois, faliu, e não devolveu as cópias e negativos, nem pagou nenhum centavo para a Hotex. Sedgwick foi para Hollywood e conquistou uma reputação dirigindo comédias de Buster Keaton. Vidor ficou em Galveston, a fim de fazer um documentário industrial sobre uma refinaria de açúcar. Quando terminou o filme, ele deu entrada na compra de um carro Ford Modelo T e rumou com Florence para a Costa Leste.

Florence Vidor

Quando Florence e Vidor chegaram em Hollywood, um dos centros de produção de filmes era “Inceville” (o estúdio de Thomas H. Ince) na costa norte de Santa Monica enquanto que o estúdio concorrente, a Vitagraph, ficava no centro. Corinne Griffith, que Vidor havia conhecido no Texas e agora estava começando uma carreira de atriz no cinema mudo, conseguiu um emprego fixo para Florence na Vitagraph enquanto Vidor aceitou todo e qualquer trabalho – figurante, ator em pequenos papéis, aderecista, e assistente de câmera -, primeiro na mesma companhia e em “Inceville”, passando depois a funcionar como roteirista de comédias curtas na Universal.

Sua primeira oportunidade de dirigir filmes narrativos chegou por meio de um certo Willis Brown, ex-juiz do Tribunal de Menores de Salt Lake City, que havia fundado uma “Cidade dos Meninos” (parecida com aquela do Padre Flanagan/Spencer Tracy em Com os Braços Abertos / Boy’s Town / 1938) e escrito dezenove scripts baseados nas suas experiências bem sucedidas com os jovens. Vidor filmou dez deles, de dois rolos cada um, todos exibidos entre janeiro e maio de 1918, antes que problemas financeiros interrompessem a série.

Em 1919, com a ajuda monetária de um grupo de nove médicos, que fundaram a Brentwood Films, Vidor dirigiu e escreveu o roteiro de quatro filmes (Herança Paterna / The Turn in the Road, A Estalagem do Tio Libório / Better Times, A Outra Metade / The Other Half e Humilhação / Poor Relations), lançados nacionalmente pela Robertson-Cole, os dois últimos com Florence Vidor e ZaSu Pitts nos papéis principais.

No final do mesmo ano, Vidor recebeu um cheque de 75 mil dólares da First National Exhibitors para a produção do primeiro dos dois filmes que se comprometera a fazer, e pôde construir seu próprio estúdio, batizado de “Vidor Village”, no Santa Monica Boulevard em Hollywood. Os dois filmes, produzidos pela sua recém-formada King W. Vidor Productions foram The Family Honor / 1920 e The Jack-Knife Man / 1920, ambos com Florence Vidor destacando-se no elenco.

Seu filme seguinte, Sky Pilot / 1921 (com Colleen Moore) – financiado em parte por uma das poucas mulheres produtoras na época, Cathrine Curtis – teve uma locação muito conturbada em Truckee, no norte da Califórnia (para reproduzir o Canadá), o que motivou um excesso de gastos, fazendo com que o filme derradeiro da King W. Vidor Productions, O Amor Nunca Morre / Love Never Dies / 1921 (com Madge Bellamy), tivesse que ser completado com a ajuda financeira da Thomas Ince Productions. Em 1923, Vidor vendeu o estúdio e começou a procurar emprego.

A esta altura, Florence Vidor havia se tornado uma atriz importante na Paramount e o casal conseguiu celebrar um contrato para fazer quatro filmes para a Associated Exhibitors. King Vidor dirigiu os três primeiros: Gloriosa Aventura / The Real Adventure, Do Crepúsculo à Aurora / Dusk to Dawn e Conquering the Woman (todos de 1922); porém, como seu casamento se dissolveu, ele passou a direção do quarto filme, Alice Adams / 1923 para Rowland V. Lee.

Cena de Audácia e Timidez

Na Metro, Vidor transferiu três peças de teatro para a tela: Peg do Meu Coração / Peg O’ My Heart / 1922, Felicidade / Happiness / 1924 e A Mulher de Bronze / The Woman in Bronze / 1923. Intermitentemente, fez dois filmes para o Goldwyn Studios: Os Três Solteirões / Three Wise Fools / 1923 (seu primeiro filme com sua futura esposa, Eleanor Boardman) e Audácia e Timidez / Wild Oranges / 1924, filmado na Flórida. Quando esses dois estúdios se fundiram em abril de 1924, sob o contrôle de Louis B. Mayer, como Metro-Goldwyn-Mayer, Vidor foi junto por causa do seu contrato com a Goldwyn. Vinho, Jazz, Riso e Amor / Wine of Youth, Confissão Suprema / His Hour, A Esposa de um Centauro / Wife of the Centaur (todos de 1924) e Jornada Romântica / Proud Flesh / 1925 foram os filmes que fez antes de sua primeira obra de maior relêvo, O Grande Desfile / The Big Parade / 1925.

Vidor teve a sorte de chegar à MGM no mesmo tempo em que Irving Thalberg. Um dia, conversando com Thalberg, ele lhe contou que estava cansado de fazer filmes efêmeros. Thalberg respondeu que seus desejos eram os mesmos que os dele e então perguntou ao jovem cineasta se ele tinha algumas idéias proporcionais à sua meta ambiciosa. Vidor disse que gostaria de fazer um filme sobre qualquer um desses assuntos: aço, trigo, ou guerra … e Thalberg subitamente perguntou se ele tinha uma história particular em mente. Foi assim que O Grande Desfile nasceu.

Na primavera de 1917, a América goza de uma prosperidade pacífica enquanto a guerra irrompe na Europa. Em Nova York, o operário Slim Jensen (Karl Dane) labuta na construção de um arranha-céu e no Bowery, Michael “Bull” O’Hara (Tom O’Brien) presta serviço como garçom em um bar. Do outro lado da cidade, o jovem de família rica James Apperson (John Gilbert) rejeita zombeteiramente a idéia de trabalhar na fábrica do pai. A vida desses três homens são interrompidas com a notícia da declaração de guerra da América contra a Alemanha. Quando os amigos de Jim lhe dizem excitadamente, que vão se alistar, ele impulsivamente se junta a eles; porém evita contar para a mãe, para não deixá-la preocupada. Entretanto, a noiva de James, Justyn Reed (Claire Adams), orgulhosa, acidentalmente revela tal fato, que angustia Mrs. Apperson (Claire McDowell), mas causa satisfação em Mr. Apperson (Hobart Bosworth). No campo de treinamento de recrutas, James conhece Slim e Bull. Após um período de treinamento, a companhia parte para a França onde, depois de muitos dias de marcha, os soldados acampam na pequena aldeia de Champillon, onde James conhece Melisande (Renée Adorée), jovem fazendeira, que vive sozinha com a mãe. Usando um dicionário francês, James e Melisande conseguem comunicar sua atração mútua. Quando a companhia recebe ordens de seguir em frente, James lhe promete que vai voltar. Desesperada, Melisande corre atrás do caminhão que conduz a tropa, abraça as pernas do seu amado, sendo arrastada pela viatura no esforço vão de impedir sua partida. James lhe joga seu relógio, sua corrente, sua bota militar, e ela cai de joelhos na estrada.

Renée Adorée e John Gilbert em O Grande Desfile

O filme mistura três gêneros: comédia, romance e drama. Na primeira parte predominam a comédia e o romance por meio de vinhetas das quais a mais memoráveis são aquelas em que Melisande encontra James dentro de um barril e depois aprende com ele a mascar chiclete. Depois dessas cenas burlescas, ocorre a cena cômico-dramática do adeus, na qual James e Melisande buscam um ao outro, finalmente se encontram e se abraçam até o último momento, quando se separam. Agarrando-se à perna de James, Melisande é arrastada pelo caminhão que conduz as tropas até que a velocidade do veículo faz com que ela caia na rodovia. Ele lhe joga beijos e tudo que consegue pegar: seu relógio, sua corrente, e sua botina militar. Melisande, de joelhos no meio da estrada, abraça a bota ternamente enquanto o caminhão se afasta.

Cena de O Grande Desfile

Na segunda parte, surgem as sequências terríveis da guerra: os aviões inimigos que se aproximam metralhando uma fileira de soldados, uma marcha forçada através de uma floresta cheia de franco atiradores (ritmada por um metrônomo) e a batalha noturna cruciante nas trincheiras. Finalmente, desobedecendo ordens, James salta da trincheiraem que se encontra e denuncia a guerra. A última cena, justamente célebre, é de uma grande beleza: Mélisande no campo, puxa um arado, e percebe a silhueta estranha de um homem claudicante, sobre uma colina inteiramente nua. Ela tem uma intuição de que ele é James, e corre em sua direção. A guerra os separou, mas ele manteve sua promessa, e voltou. O amor triunfa, o ambiente é bucólico, mas o rosto de James não tem o mesmo frescor de outrora.

Cenas de O Grande Desfile

Feito por um custo de apenas 245 mil dólares, o filme ficou em cartaz no Astor em Nova York durante dois anos e lucrou somente neste cinema mais de 1 milhão e meio de dólares. Através dos anos rendeu um total de 18 milhões de dólares nas bilheterias. Depois do sucesso de O Grande Desfile, Vidor deixou por um momento o trigo e o aço de lado e realizou La Bohème / La Bohème e O Cavalheiro dos Amores / Bardelys the Magnificent, ambos de 1926.

La Boèhme, drama romântico, baseado no romance “Scènes de la vie de Bohème” de Henri Murger, tem o seguinte enrêdo: Mimi (Lillian Gish), costureira pobre do Quartier Latin, não consegue pagar seu aluguel e está para ser despejada, quando Rodolphe (John Gilbert), um jovem dramaturgo que admira a sua beleza frágil, a introduz no seu círculo de amigos bôemios. A gratidão de Mimi para com Rodolphe transforma-se em um amor idílico. À medida que o tempo passa, Rodolphe ganha a vida com dificuldade, escrevendo para um jornal enquanto trabalha em uma peça, inspirado por Mimi. Ele é demitido, mas Mimi o mantém ignorante do fato, fingindo entregar seus artigos e costurando secretamente à noite para garantir o sustento de ambos. O Visconde Paul (Roy D’Arcy), cínico frequentador dos bulevares de Paris, atraído por Mimi, é induzido por ela a levar a peça de Rodolphe a um gerente de teatro, e ela o acompanha, vestida com roupas emprestadas por sua amiga Musette (Renée Adorée). Rodolphe suspeita de sua infidelidade e Mimi o deixa. Mais tarde, a peça de Rodolphe obtém sucesso e, no auge de sua fama, Mimi retorna para ele irremediavelmente doente, e morre em seus braços.

John Gilbert e Lillian Gish em La Bohème

A MGM concedeu a Lillian Gish o direito de escolher o diretor e os astros contratados do estúdio e Thalberg lhe mostrou alguns filmes recentes, inclusive dois rolos de O Grande Desfile, que ainda estava em produção. Gish ficou deslumbrada e pediu que fossem utilizados não somente o diretor do filme, King Vidor, mas também os astros John Gilbert e Renée Adorée.

King Vidor e Irving Thalberg na filmagem de La Bohème

John Gilbert e Lillian Gish em La Bohème

Ela insistiu em ensaiar todo o filme antes de começar a filmagem, tal como fazia sempre com Griffith, e Vidor foi em frente, esperando aprender mais sobre os métodos do “Pai do Cinema”. Ele preparou um mínimo de cenário para os ensaios, mas Gish exigiu que o palco ficasse inteiramente vazio. O ensaio começou e Miss Gish, como Mimi, para espanto de toda a equipe, subia e descia escadas fictícias, entrava e saia do seu quarto, abrindo fechaduras, virando maçanetas, e abrindo e fechando portas que não estavam ali. Aproximando-se de uma penteadeira que não existia, ela abria suas gavetas, removia uma escova de cabelos imaginária e escovava seu cabelo de uma maneira encantadora, diante de um espelho pendurado em cima de uma penteadeira inexistente. Convém frisar que as gesticulações da época estão exageradas e às vêzes dão um caráter teatral ao filme.

John Gilbert e Lillian Gish em La Bohème

A cena mais célebre é a da morte de Mimi. A fim de se preparar, Gish foi a um hospital para observar pacientes nos vários estágios da tuberculose, a doença que reclamou a vida de Mimi. A atriz pediu também a Vidor que lhe avisasse com antecedência de três dias, quando iria filmar a cena. Ele programou a mesma para os últimos dias de filmagem e, quando Gish apareceu, pálida e magra, para fazer a cena, o cineasta ficou na dúvida se ela poderia levá-la até o fim. Gish ficou sem comer e beber durante dias e colocou bolas de algodão na sua bôca para absorver toda saliva. No momento da morte de Mimi, Gish parou de respirar. Vidor estava aguardando que ela desse uma respirada depois de segurar a respiração para simular a morte, antes de gritar “Corta”, mas ela não fez isso. Finalmente, John Gilbert debruçou-se sobre ela, sussurou seu nome, e os olhos dela se abriram lentamente. Foi necessário molhar seus lábios antes que ela pudesse falar. Vidor diria mais tarde na sua biografia: “O Cinema nunca conheceu uma artista mais dedicada do que Lillian Gish”.

O Cavalheiro dos Amores, drama de capa-e-espada baseado no romance “Bardelys il Magnifico” de Rafael Sabatini, conta esta história: o nobre Chatellerault (Roy D’Arcy) tenta em vão se casar com Roxalanne de Lavedan (Eleanor Boardman). O Marquês de Bardelys (John Gilbert), exímio espadachim e grande conquistador da corte de Louis XIII (Arthur Lubin), aposta todos os seus bens contra os de Chatellerault, que consegue seduzir a moça em menos de três mêses. No seu caminho, Bardelys encontra um moribundo que lhe entrega um medalhão e algumas cartas com o nome de Lesperon, cuja identidade ele assume; mas Lesperon era um revolucionário, adversário do rei. Ferido pelos guardas do monarca que procuravam Lesperon, Bardelys chega na propriedade dos Lavedan, família simpatizante dos revoltosos. Embora assustada, Roxalanne o acolhe, cuida dele, e depois os dois se apaixonam; porém um outro pretendente de Roxalanne, o intrigante St. Eustache (George K. Arthur), lhe revela que Lesperon está noivo de uma tal de Mademoiselle Mersac. Decepcionada, Roxalanne, ainda pensando que Bardelys é Lesperon, rompe com ele. Bardelys acaba sendo preso como se fosse Lesperon e, julgado e condenado por Chatellerault, que finge não o reconhecer, é conduzido para o cadafalso. Entrementes, Roxalanne, casa-se com Chatellerault para salvar a vida de Bardelys, que afinal escapa da execução com a chegada do rei. Chatellerault e Bardellys se confrontam em um duelo e Chatellerault, derrotado, suicida-se, propiciando o triunfo do amor entre Bardelys e Roxalanne.

John Gilbert e Eleanor Boardman em O Cavalheiro dos Amores

Cena de O Cavalheiro dos Amores

Cena de O Cavalheiro dos Amores

Considerado perdido durante muitos anos, O Cavalheiro dos Amores é um filme de aventura dirigido com energia e humor por Vidor. Entre seus momentos mais famosos destaca-se o interlúdio romântico no qual Bardelys e Roxalanne estão em um bote a remos, flutuando sob um tunel de ramos de árvores de salgueiro-chorão como se estivessem acariciando a superfície das águas.

Cena de O Cavalheiro dos Amores

Cena de O Cavalheiro dos Amores

Cena de O Cavalheiro dos Amores

Outra sequência admirável é o climax espetacular, copiando o modelo Douglas Fairbanks – a única diferença é que John Gilbert foi dublado em vários saltos enquanto Doug fazia ele mesmo as suas acrobacias; porém, mesmo assim, as façanhas atléticas do herói nada ficam a dever às dos personagens interpretados por Fairbanks nos seus filmes de ação. Terminada a filmagem, Vidor casou-se com Eleanor Boardman.

O próximo filme de Vidor, A Turba / The Crowd / 1928, é uma das obras-primas do cinema silencioso americano. Nascido em 1900, no Dia da Independência dos Estados Unidos, John Sims (James Murray) acreditou, desde sua infância, que se tornaria alguém importante. Entretanto, o pai de John morre cedo e, aos vinte e um anos, ele é apenas um empregado anônimo em uma gigantesca companhia de seguros, Atlas Insurance Co., sediada em Nova York. Bert (Bert Roach), um de seus colegas de trabalho, arranja um encontro de John com Mary (Eleanor Boardman), amiga de sua namorada, Jane (Estelle Clark). Após passar uma noite agradável no parque de diversões de Coney Island com Mary, John a pede em casamento. Ela aceita, e eles passam sua lua-de-mel na cataratas do Niagara.

Cena de A Turba

Cena de A Turba

Cena de A Turba

Embora John tivesse prometido a Mary uma casa opulenta “quando meu navio chegar”, eles vão morar em um modesto apartamento adjacente a uma linha de trem que passa em um elevado. Na Véspera de Natal, a mãe de John (Lucy Beaumont) e seus dois irmãos prósperos, Jim (Daniel G. Tomlinson) e Dick (Dell Hendeson), que antagonizam John, visitam o casal. Quando John vai ao apartamento de Bert para pedir mais bebida, ele se depara com uma festa, e retorna para casa bêbado, após seus convidados terem partido. Mary o perdoa mas, pouco tempo depois eles estão questionando sobre problemas com o apartamento e com sua aparência.

Cena de A Turba

Sem conseguir se concentrar no seu trabalho, John tem um colapso nervoso na véspera de um piquenique da companhia e deixa seu emprego, sem contar para Mary. Durante o piquenique Mary pede a Bert, que agora ocupa uma posição de gerente, para ajudar John a subir de posição na empresa. John então é obrigado a admitir que se demitiu. Mary o conforta, dizendo-lhe que existem outros lugares melhores, mas John só encontra desencanto e rejeição ao procurar um novo emprego, obrigando Mary a trabalhar como costureira.

James Murray e King Vidor na filmagem de A Turba

Filmagem de A Turba

Depois que John rejeita uma oferta por parte dos irmãos de Mary por caridade, ela o chama de fanfarrão e molenga, e o esbofeteia. Mais tarde, após pensar em suicídio, o ânimo de John é levantado pelo seu filhinho, e ele aceita o trabalho de homem-cartaz malabarista, para promover um restaurante, um emprego que ele havia escarnecido no seu primeiro encontro com Mary. Quando ele volta para casa, encontra Mary deixando o lar, para viver com seus irmãos. Acreditando que sua sorte mudou, John trouxe-lhe um pequeno buquê e ingressos para um teatro de vaudeville, e consegue convencê-la a não abandoná-lo. John, Mary e os filhos assistem o espetáculo e ficam encantados de ver que o slogan idealizado por John, figura no programa impresso do teatro. Finalmente sentindo-se de acordo com a turba, John e Mary riem entusiasticamente do acrobata cômico, e contemplam um futuro mais brilhante.

Eleanor Boardman e James Murray em A Turba

O tema de A Turba é a solidão do homem no meio de uma sociedade indiferente ou cruel que engole o indivíduo. O herói é um americano médio, que nós acompanhamos nos seus esforços irrisórios para conquistar a felicidade e o sucesso: o namoro, o casamento, a viagem de núpcias clássica nas cataratas do Niagara; depois, as primeira brigas, a morte do filho etc. Em contraponto, vemos a esperança de uma promoção social, a mediocridade de uma existência estagnante e, constantemente, a pressão inexorável da multidão. É um tema de um realismo amargo e sem ilusões, que era bastante novo diante do otimismo oficial da América dos “happy twenties” (os anos 20 felizes).

Cena de A Turba

A influência do cinema alemão é bem perceptível, tanto do cinema expressionista como do cinema de câmera (Kammerspiel), assim como o uso notável dos movimentos de câmera e de maquetes e dissolvências. Uma das cenas inesquecíveis é aquela, em que John, ainda criança, toma conhecimento da morte de seu pai, filmada em câmera alta em uma escada onde todas as saídas estão fechadas (a câmera de um lado, a multidão do outro). Outra cena memorável é aquele momento em que John desce na rua para pedir o silêncio dos transeuntes para o repouso de seu filho doente – um dos instantes mais dilacerantes do entrecho.

Cena de A Turba

Além de seus méritos propriamente cinematográficos, A Turba foi um dos primeiros filmes no qual um diretor americano teve a coragem de mostrar que, nos Estados Unidos às vésperas da grande crise de 1929, os mitos do sucesso, da energia conquistadora, do dinamismo do “American way of life” podiam ensejar fracassos dolorosos e que a vida não era sempre “como no cinema”.

Cena de A Turba

O ator James Muray, até então um extra obscuro, teve a sua grande chance neste filme, mas não soube aproveitá-la; tornou-se alcoólatra, não quis participar de um outro filme de Vidor, O Pão Nosso / Our Daily Bread / 1934, e morreu afogado no rio Hudson, não se sabe se por acidente ou suicídio.

A pedido de Louis B. Mayer, Vidor dirigiu Marion Davies – protegida de William Randolph Hearst, dono da Cosmopolitan Productions, companhia que produzia os filmes da atriz em associação com a MGM – em duas comédias mudas deliciosas: Filhinha Querida / The Patsy e Fazendo Fita / Show People, ambas de 1928.

Marion Davies em Filhinha Querida

Baseado em uma peça teatral do mesmo nome, o primeiro é uma comédia romântica – cuja heroina tem algum parentesco com a Gata Borralheira -, sustentada pela magnífica direção de Vidor, pelos diálogos muito espirituosos, e pela naturalidade da interpretação.

Marion Davies e Marie Dressler em Filhinha Querida

Patricia Harrington (Marion Davies), é a filha negligenciada de uma matrona dominadora (Marie Dressler) e de um pai intimidado (Dell Henderson), que a consola. Grace é cortejada por Tony Anderson (Orville Caldwell) de quem Pat também gosta. A familia vai a um jantar dançante no Iate Clube, onde Grace chama a atenção do playboy local, Billy (Lawrence Gray). Quando ela aceita dancar com Billy, Tony fica amuado, e Patsy vê sua chance de se aproximar dele. Ela lhe pede sugestões sobre como melhorar sua personalidade, e se tornar mais atraente para os homens. Seguindo o conselho de Tony, Patsy consulta um livro de auto-ajuda sobre desenvolvimento da personalidade, mas só consegue convencer sua mãe e sua irmã de que está enlouquecendo. Tony começa a se interessar por Patsy, não por causa de sua “personalidade melhorada”, mas porque ela é a única que demonstra interesse no seu desejo de se tornar arquiteto.

Cena de Filhinha Querida

Neste ponto, percebendo que o interesse de Tony está mudando para Patsy, Grace decide finalmente que ela o quer para si. Desesperada, Patsy, apoiada pelo pai, vai até a casa de Billy para tentar seduzí-lo e suscitar o ciúme de Tony. Infelizmente, Billy está de ressaca e nem nota sua presença. Patsy imita em vão três das atrizes favoritas dele em uma tentativa de despertar seu interesse e, finalmente se tranca no quarto de Billy, chama Tony pelo telefone, e começa a gritar por socorro. Billy levanta-se de repente e tenta salvá-la, derrubando a porta, e neste momento Tony chega e repreende Patsy por ter ido à casa de Billy. Quando parece que a esperança de conquistar Tony terminou, seu pai se afirma como o verdadeiro manda-chuva do lar dos Harrington e caminha para fora da casa. Entretanto, o pai de Patsy e Tony retornam, e os casais se reconciliam.

Marion Davies imitando Pola Negri

Marion Davies (pronta para imitar Lillian Gish) e King Vidor na filmagem de Filhinha Querida

Marion Davies imitando Mae Murray

Marion faz imitações hilariantes de Mae Murray, Pola Negri e Lillian Gish, porém seu talento de comediante é visível em todas as cenas nas quais participa. Pode-se dizer que ela é a alma do filme, muito bem assessorada por Marie Dressler e Dell Henderson, ambos mimícos exímios, que nos divertem com suas caretas e rompantes. Todavia, a comédia é balanceada com momentos enternecedores: o aconchego que Mr. Harrington dá para a filha menosprezada e a paz selada entre ele e Mrs. Harrington, são capazes de arrancar lágrimas dos espectadores mais sensíveis.

Inspirada na vida de Gloria Swanson que, tal como Peggy, começou como atriz nas comédias de pastelão (de Mack Sennett), antes de se tornar uma “verdadeira” estrela e depois se casou com um nobre francês (no caso de Swanson, um nobre de verdade: Henri, Marquis de la Falaise de la Coudraye), Fazendo Fita é também uma aexcelente comédia.

Cena de Fazendo Fita (no cdentro, Dell Henderson e Marion Davies)

Após conduzir sua filha Peggy Pepper (Marion Davies) em seu carro, de Georgia para Hollywood, o Coronel Marmaduke Oldfish Pepper (Dell Henderson) chega em um estúdio de cinema, determinado a provar que sua filha será a maior estrela que já houve. Ela faz um teste no departamento de elenco, mas enquanto aguardam resposta, vão ao refeitório do estúdio, e percebem que só lhes resta quarenta centavos. Billy Boone (William Haines) senta na mesa deles e, percebendo sua situação desesperadora, oferece-se para arranjar emprego para a moça no Comet Studios, onde ele trabalha. Pensando que vai ser aproveitada em um filme dramático, Peggy apresenta-se usando um de seus vestidos mais bonitos, sem perceber que está participando de uma comédia de pastelão, até levar um banho de água mineral gasosa enquanto a câmera rodava. Embora o elenco e a equipe técnica tivessem ficado impressionados com sua reação natural de surpresa, a horrorizada Peggy foge do palco de filmagem. Na pré-estréia do filme, Peggy torna-se um sucesso de público. Ela ainda anseia interpretar papéis dramáticos que considera “a verdadeira arte”, mas Billy lhe explica que comédia é melhor, porque mantém a platéia rindo e feliz. Posteriormente, Billy e Peggy recebem um chamado do High Arts Studio, mas quando chegam lá, descobrem que o estúdio só está interessado em Peggy. Ela diz a Billy que não vai assinar com o estúdio, a não ser que ambos sejam contratados, porém ele a encoraja a seguir seu sonho. No seu primeiro teste no novo estúdio, Peggy faz uma cena dramática, mas só depois de muito esforço, consegue chorar. Seu leading man, André Telfair (Paul Ralli), tenta confortá-la e sugere que ela adquira uma nova personalidade, oferecendo-se para introduzí-la na elite de Hollywood. Confidencialmente, ele lhe revela que é realmente André de Bergerac, Comte d’Avignon e Peggy, acatando seu conselho, muda seu nome para Patricia Pepoire e desenvolve maneirismos afetados, que ela acredita evocarem refinamento.

Cena de Fazendo Fita

Quando Billy a convida para jantar, ela recusa, porque está saindo com André. Um dia, Billy descobre que seus amigos do Comet Studio estão rodando em locação perto do local onde Peggy e André estão filmando. Quando Peggy apresenta André para Billy, este o reconhece como Andy, um ex-garçom que lhe servia espaguete em um restaurante barato. Mais tarde, Peggy é chamada ao escritório do seu produtor e este lhe mostra vários telegramas de exibidores através do país, queixando-se da sua nova imagem e pedindo que ela volte a ser de novo a “verdadeira Peggy Pepper”. No dia do casamento de Peggy com André, Billy penetra no sala que está preparada para a festa. Billy suplica a Peggy que mude de idéia, acusando-a de ter arruinado sua carreira e querendo se casar por causa de um título de nobreza falso. Para ajudá-la a se lembrar dos velhos tempos, ele impulsivamente borrifa-a com água gasosa. Furiosa, ela atira comida nele e, quando ele se prepara para arremessar o bolo de casamento, ela desvia e consequentemente quando André entra na sala, recebe o bolo na cara. Peggy cai em si, diz a André que eles são ambos uma falsidade e cancela o matrimônio. O próxino filme de Peggy passa-se em uma aldeia européia durante a Primeira Guerra Mundial. Por sua sugestão, o diretor King Vidor contrata um novo galã, que não sabe que Peggy será sua companheira. Quando a câmera é ligada, Billy, que interpreta o papel de um soldado que se encontra sua namorada, fica surpreso ao ver que esta é interpretada por Peggy. Eles se beijam apaixonadamente e ainda estão se beijando, quando a equipe técnica recolhe seu equipamento e encerra as atividades daquele dia.

Vidor, uma jornalista e  seus artistas em um intervalo da filmagem de Fazendo Fita

O filme é antes de tudo uma sátira sentimental de Hollywood e de suas pretensões, servido por uma atriz naturalmente dotada para a comédia que, com seus olhos alvoroçados, seu sorriso ligeiramente dentuço e seu rosto elástico, faz caretas, se contorce e arranca sempre o sorriso das platéias.

William Haines, Marion Davies e Charles Chaplin em Fazendo Fita

São muitas as cenas nas quais isto acontece. Por exemplo: quando Peggy demonstra diferentes emoções (“Meditação”, Paixão”, Raiva”, “Tristeza”, “Alegria”), usando um lenço aberto que corresponde a um corte e a abertura para o escritório de seleção de elenco como moldura; quando, depois da estréia exitosa de seu primeiro filme, Peggy recebe um pedido de autográfo de Charles Chaplin, não o reconhece, trata-o rudemente (“Who was that short little guy? “) – e quando Billy lhe diz quem ele é, desmaia!); quando Peggy vê uma estrela e não dá importância – é Marion Davies!; quando Peggy finamente consegue um papel dramático e não consegue chorar! O diretor tenta de tudo para fazê-la lacrimejar e, depois de ser bem sucedido, ela não consegue interromper o pranto! E tem uma cena em que Vidor goza “a si mesmo”, quando Peggy e Billy vão a um cinema e assistem à cena do bote em O Cavalheiro dos Amores. Billy diz: “Para quê você quer assistir um drama podre como este?

William Haines e Marion Davies em Fazendo Fita

De quebra, o espectador tem oportunidade de ver uma parada de astros, almoçando no refeitório do estúdio, focalizados por uma panorâmica longa, sentados lado a lado e encarando a câmera: Polly Moran (que também trabalha no filme como criada de Peggy), Louella Parsons, Estelle Taylor, Claire Windsor, Aileen Pringle, Karl Dane, George K. Arthur, Leatrice Joy, Renée Adorée, Rod LaRocque, Mae Murray, John Gilbert, Norma Talmadge e Peggy, vestida como Marie Antoinette, espremida entre Douglas Fairbanks e William S. Hart.

Vidor já tinha planejado Alelluia / Hallellujah / 1929 ainda no período silencioso. Quando veio o cinema sonoro, ele sentiu que um filme, tratando da populacão negra, seria adequado para a tela falada, porque o som era próprio para descrever encontros de orações, spirituals, e execução de cantos, danças e instrumentos musicais. Entretanto, o presidente do conselho de administração da Loew’s Inc ( a matriz da MGM), Nicholas Schneck, estava com receio de que um filme sobre negros no Tennessee não pudesse ser exibido nos cinemas “brancos” do Sul. Somente quando Vidor lhe assegurou que ele pessoalmente tinha confiança nessa produção ousada, a ponto de investir seu alto salário na mesma, a MGM foi em frente.

Nina Mae McKinney

Nina Mae McKinney em Aleluia

Zake (Daniel L. Haines), fazendeiro arrendatário negro, leva a colheira de algodão de sua família para o mercado e a vende por cem dólares. A sedutora Chick (Nina Mae McKinney), atrai Zeke para um jôgo de dados com seu amante, Hot Shot (William E. Fontaine), que ganha todo o dinheiro de Zeke usando dados viciados. Percebendo a trapaça, Zeke enfrenta Hot Spot e, ao tomar a arma de seu adversário, ele a dispara a êsmo, e um dos tiros mata acidentalmente seu irmão mais jovem, Spunk(Everett Mcgarrity). Em penitência, Zeke torna-se um evangelizador. Ele se encontra de novo com Chick durante uma de suas pregações, e ela se converte, abandonando Hot Spot.Zeke fica tentado novamente por Chick e se afasta de Missy Rose (Victoria Spivey), sua irmã de criação e prometida para casamento. Hot Spot retorna e a inconstante Chick parte com ele. Zeke os persegue, a charrete de Hot Spot vira na estrada, e Chick morre no acidente. Após uma perseguição pelo pântano, Zeke estrangula Hot Spot. Depois de cumprir pena, Zeke volta para a sua fiel Missy Rose, com a consciência aliviada, tocando seu banjo.

Cena de Aleluia

Cena de Aleluia

King Vidor dá instruções para Daniel Haines e Nina Mae McKinney na filmagem de Aleluia

Cena de Aleluia

No que diz respeito ao conteúdo, fazendo com que seus negros se enfrentem entre si mesmos e não contra antagonistas brancos, Vidor cria um universo irreal e, consequentemente, se afasta dos verdadeiros problemas confrontando negros e brancos na América. A miséria no seio da população de cor é praticamente escamoteada em proveito da religião e dos cantos, e os dramas individuais – envolvendo o tema Bíblico da luta entre o Bem e o Mal – predominam sobre a abordagem sociológica. Entetanto, o simples fato de escolher como assunto dramático emoções sentidas pelos negros, foi, na época, um ato revolucionário ou, pelo menos, inusitado.

Cena delirante de Aleluia

No que concerne à forma, Vidor adere ao som, explora-o, sem sacrificar o estilo visual, sem deixar que o diálogo comprometa a composição pictórica. No início, sobretudo, o filme se imobiliza em conversas excessivas, que foram o defeito essencial do começo do cinema falado, mas logo a perfeição rítimica e plástica se insinua, surgindo cenas magníficas como a do batismo no rio e a da cerimônia noturna, na qual os negros começam a orar, a cantar, e a atingir uma espécie de êxtase bárbaro.

King Vidor, Victoria Spivey e Daniel Haines na filmagem de Aleluia

A experimentação sonora atinge o auge na sequência da perseguição silenciosa através do pântano. De tempos em tempos ouve-se um estrépito de galhos, um espirro de água; depois, cada vez mais, a respiração ofegante do perseguido. No meio de um silêncio mais longo, um pássaro solta três gritos. Vidor filmou toda a sequência silenciosa com a câmera continuamente em movimento. Depois, no estúdio, ele acrescentou uma trilha sonora contendo os sons naturalistas, que haviam sido gravados separadamente e, com essa descoberta da pós-sincronização, deu mais um passo para o desenvolvimento do cinema como forma criativa.

CABIRIA, MACISTE E UMA CENA DE SANGUE

julho 7, 2017

Produzido pela Itala Film, Cabiria / Cabiria / 1914 (subintitulado “Visione Storica dei Terzo Secolo A.C.”) não foi baseado em nenhuma obra literária. Apenas os produtores tiveram a idéia de interessar o grande escritor Gabriele D’Annunzio a participar do projeto, a fim de conferir um título de nobreza ao filme (inicialmente intitulado “Il Romanzo delle Fiamme”) e, ao mesmo tempo, garantir seu êxito comercial. O que atraiu D’Annunzio para o cinema foi sobretudo o interesse financeiro. Os temas extraídos de seus livros lhe rendiam bastante dinheiro, sendo que, com a sua colaboração em Cabiria, ganhou 50 mil liras.

Giovanni Pastrone

Giovanni Pastrone começou sua carreira em 1905, trabalhando como contador no estúdio Carlo Rossi & C. Em setembro de 1908, ele e o engenheiro Carlo Sciamengo, que ficara encarregado da liquidação do estúdio, reestruturaram a empresa e lhe mudaram o nome para Itala Film. Nessa nova estrutura, Pastrone tornou-se diretor artístico enquanto Sciamengo cuidava da parte financeira da companhia. A Itala Film contratou diversos atores francêses como o cômico André Deed, intérprete de vários filmes da série Cretinetti, muito apreciados pelo público e que contribuiram grandemente para as receitas da empresa, e lhe permitiram se afirmar no mercado europeu. Em 1911, a Itala Film transformou-se em sociedade em nome coletivo e adotou a razão social Itala film-Ing. Sciamengo & Pastrone:snc.

A filmagem de Cabiria durou vários meses em Turim para as cenas de interiores e nos Alpes para os exteriores. O espetáculo durava mais de duas horas e compreendia sequências com uma cenografia inponente para a época e o emprego tímido do travelling lateral tentando produzir efeito estereoscópico. Entre as cenas mais impressionantes: o cerco de Siracusa, a travessia dos Alpes pelo exército de Aníbal, a escalada de Fulvio nos muros de Cartago; o incêndio das naves romanas com a utilização dos espelhos de Arquimedes, a invocação dos sacerdotes no templo de Moloch.

Cenas de Cabiria

A trama, de veia romântica, e com evidentes defeitos de grandiloquência e ingenuidade dramática, transcorre no tempo das Guerras Púnicas. Piratas cartaginêses assombram as costas italianas, raptam romanos, que são vendidos como escravos. A menina Cabiria (Carolina Catena) é comprada pelo sumo sacerdote de Moloch, que deseja queimá-la viva em louvor à sua divinidade. Ela é salva pelo romano Fulvius Axilla (Umberto Mozzato) e seu escravo africano Maciste (Bartolomeo Pagano). Mas quando eles tentam sair de Cartago, a fim de salvar Roma do ataque iminente de Aníbal, são emboscados. Fulvius consegue escapar, mas Maciste, depois de entregar Cabiria para Sofonisba, (Italia Almirante Manzini), a filha do Rei Asdrúbal, é aprisionado. Cabiria recebe um novo nome, Elissa (Lidia Quaranta), e se torna escrava de Sofonisba.

Dez anos depois, Fulvius retorna a Cartago e resgata Maciste. Porém os dois são capturados pelos cartaginêses. Elissa lhes dá água e os trata com bondade. Maciste foge, entortando as barras de ferro da prisão, e ele e Fulvius se refugiam em uma adega subterrânea. Sofonisba, persuade Massinissa, agora governando Cartago, a poupar a vida deles e, antes de sacrificar a própria vida para não se entregar a ele, ela liberta Elissa. Fulvius e Elissa se apaixonam enquanto Maciste os acompanha na sua viagem vitoriosa de volta a Roma.

Cena de Cabiria

Na noite de 18 de abril de 1914, no Teatro Vittorio Emanuelle de Turim, com uma orquestra de noventa professores e um côro de setenta vozes para executar a partitura original de Manlio Mazza e um interlúdio de onze minutos especialmente composto por Ildebrando Pizzetti, deu-se a pré-estréia de Cabiria, seguida um mês depois pela sua apresentação simultânea em Paris, Londres e Nova York.

Após o lançamento de Cabiria a imprensa e as platéias nacionais e internacionais aclamaram Maciste como um herói italiano, admirado por sua força e bravura, assim como pela sua bondade e gentileza, logo apelidando-o de “Il Gigante Buono”.

Bartolomeo Pagano

Bartolomeo Pagano, nascido em Sant’Ilario Ligure, Gênova em 1878, trabalhava como estivador no pôrto quando Pastrone (que procurava um desconhecido para interpretar o escravo em Cabiria) ”descobriu-o”, e o levou para os estúdios da Itala Film em Turim. Ele conquistou a admiração do público no papel secundário do homenzarrão simpático e sorridente e continuou na tela como ator principal (na Itala Film, na Jakob Karol Film da Alemanha, e na Fert Film e Società Anonima Pittaluga) a partir da série inaugurada com Maciste / Maciste / 1915, tornando-se um dos astros mais bem pagos do cinema italiano.

Cenas de Maciste Alpino

De escravo africano em Cabiria a soldado alpino ou gentilhomem burguês nos tempos modernos, Maciste era uma figura que refletia o ideal clássico de beleza masculina e virilidade, que seria depois usado por Mussolini com intenções políticas. A palavra “Maciste” entrou para o vocabulário italiano como um termo geral para um colosso ou gigante; alguém diria que uma pessoa “era um verdadeiro Maciste”. Muitos anúncios de filmes nos quais Pagano não fazia papel de Maciste, o anunciavam como Maciste ou pelo menos colocavam o nome do personagem em parêntesis ao lado do nome do ator.

Bartolomeo Pagano

Cena de Maciste no Inferno

Maciste em ação

A cinematografia italiana possuía então o maior grupo de atletas cujas proezas na tela faziam as delícias do público daquela época – Bruto Castellani (o Ursus nos dois Quo Vadis?, o de 1913 e o de 1924); Mario Guaita (o Spartaco em Spartaco / 1913), Alfredo Boccolini (Galaor); Domenico Gambino (Saetta); Carlo Aldini (o Aquiles em Helena, filme alemão de 1924); Giovani Raicevich (“O Rei da Força”); Adelardo Arias e Lionel Buffalo (juntos em A. O Príncipe Enrique / Sua Alteza Reale, Il Principe Enrico / 1916) -, porém nenhum desses rivais de Maciste o suplantaram em popularidade.

Bruto Castellani, o Ursus de Quo Vadis?

Mario Guaita em Spartaco

Giovani Raicevich, “O Rei da Força”

Anúncios de exibição de um filme de Lionel Buffalo no Brasil

Um dia, o telégrafo anunciou que Maciste morrera na frente de batalha pelos austríacos, em consequência de uma luta corpo a corpo à baioneta. A notícia causou consternação no Brasil. Depois veio o desmentido: a pessoa citada no despacho – Ernesto Pagani – não era o querido a ator peninsular!

Pagano ainda faria quase duas dezenas de filmes e abandonaria o cinema somente quando da fase final do cinema mudo de sua pátria, não por causa do advento do som, mas devido a um caso severo de diabetes e arterioesclerose. Ele faleceu em sua residência, Villa Maciste, na cidade de Gênova, em 1947, aos 69 anos.

Conforme noticiou o Correio da Manhã de 11 de fevereiro de 1916, uma cena de sangue ocorreu no Cinema Odeon no Rio de Janeiro durante a exibição do filme Maciste: um espectador foi ferido a bala, no ventre. Aconteceu na sessão das oito da noite do dia anterior. O ferido era o capitalista João Vaz de Carvalhaes, de 25 anos de idade, solteiro, brasileiro e portador de um título nobiliárquico. O senhor Visconde de Carvalhaes, como era geralmente conhecido, foi educado em Paris, onde tinha pessoas da sua familia. Ali conheceu Mme. Louise Duchen, que se tornou sua amante, vindo com ele para o Rio de Janeiro, há uns três mêses.

A polícia apurou que o tenente-coronel Mendes de Moraes, diretor da Cooperativa Militar, acompanhado de uma senhora e do seu amigo, o sr. João Cavalcanti do Rego, tenente-coronel da Guarda Nacional e gerente da Cooperativa Militar, foi ao Odeon assistir a Maciste. Na frente deles, sentaram-se João Vaz e Mme. Louise e, quando começou a projeção, o jovem se manteve de chapéu, impedindo que a senhora que acompanhava Mendes de Moraes e João Cavalcanti pudesse ver o filme. Mendes de Moraes reclamou, discutiram, João Cavalcanti interveio, houve troca de insultos e agressões e, no meio da confusão que se estabeleceu, ouviu-se um tiro. Uma testemunha ocular do fato, o guarda que o desarmou, apontou o tenente-coronel Cavalcanti do Rego como autor do disparo. Por ser crime inafiançável, o acusado foi conduzido para o Estado-Maior da Brigada Policial. Quanto ao tenente-coronel Mendes de Moraes, foi ele pela madrugada, posto em liberdade.

                                    FILMOGRAFIA DE MACISTE

1914: CABIRIA / CABIRIA

1915: MACISTE / MACISTE

1916: MACISTE ALPINO / MACISTE ALPINO

1918: MACISTE POLICIAL / MACISTE POLIZIOTO

1918: MACISTE ESPÍRITA / MACISTE MEDIUM

1918: MACISTE ATLETA / MACISTE ATLETA

1919: MACISTE CONTRA A MORTE / MACISTE CONTRO LA MORTE

1919: A VIAGEM DE MACISTE / IL VIAGGIO DI MACISTE

1919: O TESTAMENTO DE MACISTE / IL TESTAMENTO DI MACISTE

1919: MACISTE ENAMORADO/ MACISTE INNAMORATO

1919: MACISTE EM FÉRIAS / MACISTE IN VACANZA

1919: A DESFORRA DE MACISTE / LA RIVINCITA DI MACISTE

1922: AVENTURAS DE MACISTE E DO MOLEQUE GIBI ou MACISTE E O GAROTO GIBI / MACISTE UND DIE JAVANERIN

1922: MACISTE E O FORÇADO / MACISTE UND DER STRÄFLING Nr. 51

1923: MACISTE UND DIE CHINESISCHE TRHUE.

1923: MACISTE NOIVO / MACISTE UND DIE TOCHTER DES   SILBERKÖNIGS

1924: MACISTE E IL NIPOTE D’AMERICA

1924: MACISTE IMPERADOR / MACISTE IMPERATORE

1924: MACISTE CONTRO LO SCEICCO

1924: MACISTE NO INFERNO / MACISTE ALL’INFERNO

1926: MACISTE NA JAULA DOS LEÕES / MACISTE NELLA GABBIA DEI LEONI  ou VIDA DE CIRCO

1927: MACISTE, O GIGANTE DAS MONTANHAS / IL GIGANTE DELLE DOLOMITI

1927: O POSTILHÃO DE MONT CENISI / IL VETTURALLE DEL MONSENISIO

1928: GLI ULTIMI TZAR

1928: GIUDITA E OLOFERNE

JAMES STEWART

junho 22, 2017

Alto, magro, reconhecido pelo público pela sua maneira de falar lenta e hesitante, James Stewart encarnou como ninguém a figura de um homem correto, tornou-se um símbolo do patriotismo como o primeiro ator de Hollywood a entrar para o serviço das Fôrças Armadas na Segunda Guerra Mundial, e conquistou uma popularidade consistente ao longo de toda a sua trajetória artística.

James Stewart

James Maitland Stewart (1908 – 1997) nasceu em Indiana, cidade da Pennsylvania, filho de Elizabeth Ruth Jackson e Alexander Maitland Stewart, dono de uma loja de ferragens muito próspera. Seus pais eram respectivamente de descendência irlandêsa e escocêsa e Stewart foi criado como Presbiteriano. Ainda bem jovem, ele aprendeu a tocar acordeão e, na escola secundária Mercersburg Academy, dedicou-se ao esporte, arte dramática e música. Durante as férias de verão, Stewart trabalhou com operário na construção de estradas. Posteriormente, na Universidade de Princenton, integrou o Triangle Club, trupe teatral da faculdade, passando rapidamente de acordeonista para papéis principais em comédias musicais. Formou-se em arquitetura em 1932.

A Depressão oferecia pouca procura por arquitetos, de modo que Stewart aceitou o convite de um colega de universidade, Joshua Logan, para ingressar na University Players, companhia intercolegial que apresentava peças teatrais apenas durante o verão em West Falmouth, Massachussetts. Ali ele conheceu Henry Fonda, que se tornaria um grande amigo por toda a sua vida.

O jovem Stewart e seu acordeão

No final da temporada, Stewart foi para Nova York, onde atuou brevemente em peças que ficavam pouquíssimo tempo em cartaz até que, a partir de 1934, recebeu um importante papel em “Yellow Jack”, como um soldado que servia de cobaia em uma pesquisa sobre febre amarela. Finalmente, na representação de “Divided by Three”, interpretando um jovem atordoado pelo adultério de sua mãe, chamou a atenção de um caçador de talentos da MGM. Depois de fazer alguns testes, ele assinou um contrato com “A Marca do Leão” em abril de 1935 com o salário de 350 dólares por semana. Por curiosidade, em 1934, ele já havia participado de uma comédia curta de Shemp Howard na Warner Bros., intitulada Art Troubles, que lhe serviu apenas para dizer no futuro, que havia contracenado com um dos Três Patetas. Como ele recordaria, “Eu não estava interessado em fazer o filme, mas a oferta de 50 dólares por dia parecia inacreditável para mim na época, e tive que saber se não era uma piada. Não era”.

Stewart na porta da loja de ferragens do pai

O primeiro trabalho de Stewart no estúdio foi como participante de testes para as novas estrelinhas. A princípio ele teve dificuldade em ser escolhido para compor o elenco dos filmes por causa de sua aparência (muito alto – um metro e noventa um), magro, desajeitado, e uma presença na tela tímida e humilde. O ator relatou como a MGM tentou em vão aproveitá-lo no papel de um camponês chinês em Terra dos Deuses / 1937: “O trabalho de maquilagem durou toda a manhã. Eles colocaram uma careca de borracha na minha cabeça, puxaram minhas pálpebras com um adesivo, e cortaram minhas pestanas … Como eu era muito alto, eles tiveram que cavar uma vala, na qual eu entrei e caminhei lado a lado com o astro, Paul Muni. Então Muni começou a perder o equilíbrio, tropeçou, e caiu dentro da vala. Após três dias de tentativas, Mayer finalmente mandou parar, e deu o papel para Keye Luke”.

Stewart fez sua estréia em um longa-metragem como um repórter novato em Entre a Honra e a Lei / The Murder Man / 1935 ao lado de Spencer Tracy, que, percebendo sua aflição, lhe disse “para esquecer que a câmera estava lá” e depois recordaria que, desde a sua primeira cena, ele já demonstrava todas as aptidões para ser um bom ator.

James Stewart, Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em Rose Marie

Em seguida, Stewart ficou afastado das câmeras por três mêses, exceto para participar dos testes. Mas com Rose Marie / Rose-Marie / 1936, opereta estrelada por Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, na qual fez um papel de destaque – o irmão fugitivo da heroína -, conseguiu garantir sua presença em mais oito filmes no mesmo ano: Amemos Outra Vez / Next Time We Love, emprestado para a Universal a pedido de Margaret Sullavan, a atriz principal do filme, que o estimulou a ser ele mesmo totalmente, e mais confiante nos seus dotes interpretativos; Ciúmes / Wife vs. Secretary, figurando em quarto lugar nos créditos, depois de Clark Gable, Jean Harlow e Myrna Loy, como um pretendente da secretária desempenhada por Harlow;

James Stewart e Janet Gaynor em Garota do Interior

Joan Crawford, Barbara Stanwyck (de visita), James Stewart e Henry Fonda (de visita) no set de Mulher Sublime

Cena de Nascí para Bailar

James Stewart como assassino em A Comédia dos Acusados

Garota do Interior / Small Town Girl, como rival romântico (e rústico) de Robert Taylor pelas afeições de Janet Gaynor; No Limite da Velocidade / Speed, no seu primeiro papel principal – como um mecânico obcecado em desenvolver um carburador mais aperfeiçoado – ao lado de Wendy Barrie; Mulher Sublime / The Gorgeous Hussy, como um dos namorados, além de Robert Taylor, Melvyn Douglas e Franchot Tone, da personagem de Joan Crawford; Nascí para Bailar / Born to Dance, como um marujo envolvido em um romance com Eleonor Powell, que é atrapalhado por Virginia Bruce – e ele canta “Easy to Love” para Eleonor, ajudado por Cole Porter; A Comédia dos Acusados / After the Thin Man, no papel surpreendente de um assassino em mais um filme da série The Thin Man, estrelada por William Powell e Myrna Loy.

James Stewart e Simone Simon em Sétimo Céu

Robert Young, Tom Brown e James Stewart em Juventude Valente

Em 1937, Stewart foi novamente emprestado, desta vez para a 20thCentury-Fox, a fim de compor o elenco da refilmagem de Sétimo Céu / Seventh Heaven, como o limpador de esgotos enamorado de uma jovem sofrida das ruas de Montmartre (Simone Simon), e fez mais dois filmes na MGM: O Último Gangster / The Last Gangster e Juventude Valente / Navy, Blue and Gold, neles interpretando, respectivamente, um repórter que se casa com a ex-esposa de um gângster (Edward G. Robinson) e um cadete passando por atribulações na Academia Naval em Annapolis, ao tentar limpar a honra de seu pai.

Walter Huston, Beulah Bondi e James Stewart em Ingratidão

O ano de 1938 foi muito vantajoso artisticamente para a carreira de Stewart, porque, depois de fazer na MGM: Ingratidão / Of Human Hearts, como o filho de um pregador religioso (Walter Huston) que se torna cirurgião graças aos esforços de sua mãe (Beulah Bondi) e O Último Beijo / The Shopworn Angel, como o inocente fazendeiro do Texas prestes a embarcar como soldado para a Primeira Guerra Mundial, relacionado sentimentalmente com uma irreverente artista do teatro de revista (Margaret Sullavan) e, na RKO: Que Papai Não Saiba / Vivacious Lady, como um professor de botânica assistente apaixonado por uma cantora de boate (Ginger Rogers), que custa a encontrar coragem para anunciar seu matrimônio a seus pais e à sua ex-noiva. Na RKO, ele se encontrou com Frank Capra, que seria responsável por três grandes sucessos do ator.

Cena de Do Mundo Nada se Leva

Frank Capra em uma comemoração com o elenco no intervalo da filmagem de De Mundo Nada se Leva

Cena de Do Mundo Nada se Leva (James Stewart e Jean Arthur no centro)

Foi o realizador nascido na Itália que solicitou Stewart da MGM para a adaptação da peça “You Can’t Take It With You” de George S. Kaufman e Moss Hart (intitulada no Brasil, Do Mundo Nada se Leva), na qual o ator, como o filho de um milionário (Edward Arnold) apaixonado pela neta (Jean Arthur) do patriarca (Lionel Barrymore) de uma família excêntrica, demonstrou uma espontaneidade maior do que a que Margaret Sullavan lhe havia sugerido e teve seu nome ligado pela primeira vez a uma produção premiada com o Oscar.

James Stewart e Claudette Colbert em Que Mundo Maravilhoso

Ainda na década de trinta, Stewart fez mais cinco filmes: Nascidos para Casar / Made for Each Other, como um advogado as voltas com problemas no seu casamento (com a personagem de Carole Lombard); Folia no Gelo / The Ice Follies of 1939, compondo com Joan Crawford, um par de patinadores no gelo que vê seu matrimônio abalado quando ela busca o estrelato no cinema; Que Mundo Maravilhoso / It’s a Wonderful World, como um detetive particular que, ao fugir da polícia, depois de ter sido preso por uma acusação injusta, sequestra uma poetisa (Claudette Colbert), por quem se apaixona; A Mulher Faz o Homem / Mr. Smith Goes to Washington (com Jean Arthur na Columbia) e Atire a Primeira Pedra / Destry Rides Again (Com Marlene Dietrich na Universal), assumindo em ambos os traços de um jovem honesto, que luta contra a corrupção.

James Stewart em A Mulher faz o Homem=

James Stewart e Jean Arthur em A Mulher faz o Homem

No primeiro filme (orientado mais uma vez por Frank Capra), como o senador idealista do interior, Stewart expressou admiravelmente as virtudes do bom moço americano, atingindo excepcional eloquência nas cenas finais, quando discursa por horas a fio. Stewart tinha que ficar rouco nos momentos derradeiros de sua obstrução, mas teve dificuldade em fingir sua rouquidão, principalmente quando tinha que projetar sua voz. Capra consultou um otorrinolaringologista e perguntou: “Doutor, o senhor sabe como reduzir a rouquidão, mas será capaz de induzí-la? “. “Sim, eu acho que posso”, ele respondeu. Duas vêzes ao dia a garganta de Stewart foi esfregada com algodão embebido de uma detestável solução de mercúrio, que inchava e irritava suas cordas vocais. O resultado foi espantoso. Pelo seu trabalho, Stewart recebeu sua primeira indicação para o Oscar.

James Stewart e Marlene Dietrich em Atire a Primeira Pedra

No segundo filme, seu primeiro western, gênero com o qual se tornaria identificado mais tarde na sua carreira, Stewart também interpretou um rapaz decente, desta vez como o xerife pacifista de uma pequena cidade do faroeste, que expõe um bando de assassinos e impõe a justiça – pelo menos até o final da trama – sem necessidade de usar armas. Esses dois filmes foram até então os mais expressivos da carreira do ator.

Comemoração na filmagem de Tempestades d’Alma (o diretor Frank Borzage à direita de Margaret Sullivan diante do bolo)

James Stewart, Margaret Sullavan e Robert Young em Tempestades d ‘Alma

John Howard, Cary Grant, James Stewart e Katharine Hepburn em Núpcias de Escândalo

James Stewart e Margaret Sullavan em A Loja da Esquina

Ernst Lubitsch orienta James Stewart e Margaret Sullavan na filmagem de A Loja da Esquina

Rosalind Russell e James Stewart na filmagem de A Vida é uma Comédia. ã direito, sentado no sofá, o diretor William Keighley.

Os últimos sete filmes de Stewart antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial, foram: A Loja da Esquina / The Shop Around the Corner; Tempestades d’Alma / The Mortal Storm; A Vida é uma Comédia / No Time for Comedy (na Warner); Núpcias de Escândalo / The Philadelphia Story; Pede-se um Marido / Come Live With Me; Ouro do Céu / Pot O’ Gold (United Artists) e Este Mundo é um Teatro / Ziegfeld Girl, todos, salvo as duas exceções apontadas, produzidos pela MGM. Nos dois primeiros filmes Stewart foi respectivamente um húngaro, balconista de uma loja de calçados e um alemão anti-nazista (sem fazer nenhum esforço para imitar os sotaques), contracenando em ambos com Margaret Sullavan. Juntamente com Núpcias de Escândalo, no qual faz o papel de um repórter encarregado de cobrir um casamento na alta sociedade com sua colega (Celeste Holm), estes filmes se destacam dos outros cinco, principalmente pelo encaminhamento cinematográfico primoroso que lhe deram seus diretores, respectivamente Ernst Lubitsch, Frank Borzage e George Cukor.

James Stewart e Ginger Rogers recebendo seus Oscar

Núpcias de Escândalo proporcionou a Stewart o Oscar de Melhor Ator. O próprio Stewart disse para todo mundo que o prêmio de melhor ator deveria ser concedido a seu grande amigo Henry Fonda pelo seu papel como Tom Joad em Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath / 1940. Após ter perdido com A Mulher Faz o Homem no ano anterior, ele também deixou óbvio que não tinha desejo de presenciar outra noite agonizante, vendo os apresentadores abrindo envelopes. Stewart mudou de idéia, somente quando recebeu um telefonema enigmático de um representante da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pouco antes da cerimônia marcada para acontecer no Biltmore Hotel. Segundo o ator, o homem disse, “Sei que não é da minha competência dizer isto, mas realmente acho que é do seu maior interesse comparecer”. Stewart pensou em dois significados para este convite: uma indicação de que ele ganhara o Oscar ou um aviso de que, se um indicado não comparecesse à cerimônia, poderia esquecer sobre outras indicações. Stewart era o único candidato a Melhor Ator presente no Biltmore Hotel em 27 de fevereiro de 1941, quando o apresentador Alfred Lunt anunciou o seu nome como vencedor. Antes mesmo dele subir ao palco para aceitar seu prêmio, já existia um consenso de que estava sendo honrado como compensação por ter sido recusado com A Mulher Faz o Homem doze mêses atrás.

Hedy Lamarr e James Stewart em Pede-se um Marido

Lana Turner e James Stewart em Este Mundo é um Teatro

Em A Vida é uma Comédia, Stewart é o autor de uma comédia de sucesso para uma atriz (Rosalind Russell), com quem se casa; mas as coisas se complicam, quando ele resolve escrever um drama de “significação social”. Em Pede-se um Marido, é um escritor maltrapilho que aceita um “empréstimo semanal” de uma imigrante (Hedy Lamarr), em troca de se casar com ela, salvando-a de ser deportada para o seu país controlado pelos nazistas. Em Ouro do Céu, é o gerente de uma loja de instrumentos musicais que, aliado à filha (Paulette Goddard) do dono de uma pensão, ajuda uma banda a fazer sucesso no rádio. Em Este Mundo é um Teatro, é um chofer de caminhão namorado de uma (Lana Turner) das três (as outras são Judy Garland e Hedy Lamarr) aspirantes a corista no Ziegfeld Follies.

James Stewart no curta-metragem de propaganda de guerra Quem Quiser ter Asas

Stewart, que já obtivera um brevê de piloto particular (em 1935) e um de piloto comercial (em 1938), foi convocado em outubro de 1940 para o Exército, mas não alcançou o peso exigido para os novos recrutas. Para chegar aos 65 quilos necessários, ele procurou ajuda do professor de musculação do ginásio da MGM, Don Loomis, que era famoso por sua capacidade de ajudar as pessoas a adicionar ou subtrair peso. Finalmente, Stewart conseguiu ser aceito, e se tornou o primeiro astro do cinema americano a vestir um uniforme na Segunda Guerra Mundial. Depois de prestar serviço militar, exercendo funções de propaganda no rádio e em curtas-metragens (v. g. Quem Quiser ter Asas / Winning your Wings) bem como de treinamento de pilotos de bombardeiros, ele foi promovido a capitão em 9 de julho de 1943, e designado comandante de esquadrilha. Após vários treinamentos, voou na sua primeira missão de combate em 13 de dezembro de 1943, para bombardear instalações de submarinos em Kiel na Alemanha e, três dias depois, Bremen.

James Stewart piloto de guerra

James Stewart e sua tripulação no bombardeiro (ele é o quarto a partir da esquerda na segunda fila)

Stewart condecorado

Em 22 de março de 1944, executou sua décima segunda missão de combate, liderando uma esquadrilha em um ataque sôbre Berlim. Ele foi um dos poucos americanos a emergir de soldado raso a coronel em apenas quatro anos durante a Segunda Guerra Mundial, recebeu por duas vêzes a Distiguinshed Flying Cross, e foi agraciado também com a Croix de Guerre Francêsa e a Air Medal. Depois do fim do conflito mundial, Stewart foi promovido a coronel em 1953 e serviu como Comandante da Reserva da Fôrça Aérea. Em 23 de julho de 1959, foi promovido a general brigadeiro. Em 20 de fevereiro de 1966, voou como um observador em um B-52 em uma missão durante a Guerra do Vietnã. Após 27 anos de serviço, reformou-se em 31 de maio de 1968, recebendo a United States Air Force Distinguished Service Medal.

Donna Reed e James Stewart em A Felicidade não se Compra

Retornando da guerra no final de 1945, Stewart não renovou seu contrato com a MGM e recorreu, como free lancer, à agência MCA, comandada por Lew Wasserman. Como seu primeiro filme depois de cinco anos, ele apareceu no terceiro e último filme com Frank Capra, A Felicidade Não Se Compra / It’s Wonderful Life / 1946. Capra comprou os direitos da história da RKO e formou (com Samuel Briskin e depois William Wyler e George Stevens) sua própria companhia produtora, Liberty Films. Stewart deu vida a George Bailey, um jovem banqueiro de uma pequena cidade, com dificuldades financeiras e existenciais que, levado ao suicídio na véspera do Natal, é salvo por um “anjo de segunda classe”, Clarence Odbody (Henry Travers), que o ajuda a reavaliar sua vida.

Frank Capra e James Stewart no intervalo da filmagem de A Felicidade Não Se Compra

Embora tivesse sido indicado para o Oscar em cinco categorias (inclusive a terceira nomeação de Stewart para Melhor Ator), o filme recebeu críticas divergentes (alguns o julgaram demasiadamente sentimental) e obteve apenas um sucesso moderado na bilheteria. Entretanto, a partir da década de setenta, devido às suas constantes exibições na televisão na época do Natal, atingiu imensa popularidade, passou a ser considerado um clássico, e Stewart declarou em uma entrevista de 1973, que ele era seu filme favorito. Porém, como consequência do mau resultado financeiro da produção, a Liberty faliu.

Cena de Sublime Devoção

Por intermédio de Wasserman, Stewart estrelou cinco filmes para diversas companhias: Cidade Encantada / Magic Town / 1947 (RKO com Jane Wyman), como um pesquisador de opinião pública que tenta encontrar a cidade que reflita perfeitamente o ponto de vista médio da população americana; Sublime Devoção / Call Northside 777 / 1948 (20thCentury-Fox com Richard Conte), como um jornalista que, convencido da inocência de um condenado, reabre um caso policial para prová-la; No Nosso Alegre Caminho / On Our Merry Way / 1948 (United Artists com Henry Fonda), com um músico de jazz em um dos três episódios nos quais um repórter pergunta às pessoas qual o impacto que uma criança teve nas suas vidas; Festim Diabólico / Rope / 1948 (Warner Brothers com Farley Granger e John Dall, depois de cogitados Cary Grant e Montgomery Clift), como ex-professor de dois assassinos, que matam um colega somente pela emoção de praticar o ato, e se desafiam a si próprios, oferecendo um jantar para os amigos e familiares do morto – com o cadáver escondido no local; A Conquista da Felicidade / You Gotta Stay Happy / 1948 (Universal com Joan Fontaine), como um piloto de avião de carga envolvido com uma noiva fugitiva. Sublime Devoção e Festim Diabólico foram os mais interessantes, não pela atuação de Stewart, mas pela adoção do estilo semidocuentário, no caso do primeiro e pela experiência técnica hitchcockiana de ausência recortes, no caso do segundo.

Farley Granger, James Stewart e John Dall em Festim Diabólico

Farley, Hitchcock, Stewart e Dall na filmagem de Festim Diabólico

Os dois últimos filmes de Stewart nos anos quarenta, Sangue de Campeão / The Stratton Story e Malaia / Malaya, produzidos pela MGM em 1949, mostraram, pela ordem, o ator como o jogador de basebol que teve uma perna amputada em virtude de um acidente, mas não interrompeu sua carreira e como um jornalista que, juntamente com um presidiário (Spencer Tracy), transformado em mercenário, contrabandeavam a borracha dos japonêses na península malaia durante a Segunda Guerra Mundial. O primeiro obteve um êxito enorme na bilheteria e era ligeiramente melhor do que o segundo; porém ambos proporcionaram um bom divertimento.

James Stewart e Agnes Moorehead em Sangue de Campeão

James Stewart e Spencer Tracy em Malaia

James Stewart e Gloria no dia do casamento

No mesmo ano, Stewart casou-se com Gloria Hatrick, filha de Edgar Hatrick, responsável pelo cinejornal Metrotom Atualidades / Hearst Metrotone News (depois conhecido como Notícias do Dia / News of the Day) de William Randolph Hearst. Gloria era divorciada e tinha dois filhos e, com Stewart, teve gêmeas. Eles permaneceram casados até a morte de Gloria em 1994.

Jeff Chandler e James Stewart em Flechas de Fogo

Barbara Hale, Patricia Medina e James Stewart em Radiomania

James Stewart em meu Amigo Harvey

Os anos cinquenta foi o período dourado profissional de James Stewart, graças à negociação esperta de seu agente Lew Wasserman, que lhe abriu caminho para papéis mais variados – ex-entregador de correspondência a cavalo e batedor do exército que intermedia um acordo de paz com os Apaches em Flechas de Fogo / Broken Arrow / 1950 (20thCentury-Fox); vencedor de um concurso radiofônico que não consegue pagar os impostos sobre os prêmios que ganhou em Radiomania / The Jackpot (1950 20thCentury-Fox); solteirão que gosta de beber acima da conta, amigo de um coelho gigante invisível em Meu Amigo Harvey / Harvey / 1950 (Universal), atuação que rendeu mais uma indicação para o Oscar;

James Stewart em O Maior Espetáculo da Terra

James Stewart como Charles Lindbergh em Águia Solitária

Lee Remick, James Stewart e Ben Gazzara em Anatomia de um Crime

engenheiro que tenta desesperadamente convencer o piloto e os passageiros de que o avião que os transporta corre o risco de cair em Na Estrada do Céu / No Highway in the Sky / 1951 (20thCentury-Fox); palhaço com um passado misterioso em O Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952 (Paramount); inventor de um rifle famoso em Dupla Redenção / Carbine Williams / 1952 (MGM); célebre aviador Charles A. Lindbergh em Águia Solitária / The Spirit of St. Louis / 1957 (Warner Brothers); ex-funcionário de uma ferrovia cujo irmão (Audie Murphy) tenta roubá-la em Passagem da Noite / Night Passage / 1957 (Universal); editor assediado por uma bela feiticeira em Sortilégios do Amor / Bell, Book and Candle / 1958 (Columbia); agente do FBI em A História do FBI / The FBI Story / 1959 (Warner Brothers); advogado de defesa de um militar em Anatomia de um Crime / Anatomy of a Murder / 1959 (Columbia), suscitando mais uma recomendação para o prêmio da Academia – e para o seu trabalho, sob as ordens de dois grandes diretores: Anthony Mann e Alfred Hitchcock.

James Stewart, Will Geer e Stephen McNally em Winchester 73

James Stewart em E Sangue Semeou a Terra

James Stewart, Millard Mitchell e Ralph Meeker em O Preço de um Homem

James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

Eles o ajudaram a formar uma nova persona na tela, uma imagem mais complexa: seus personagens deixaram de ser aqueles inocentes tímidos que ele interpretou no final dos anos trinta e anos quarenta e deram lugar para protagonistas amargurados, irritados ou obsessivos, como os que ele interpretou nos cinco westerns maravilhosos de Anthony Mann, Winchester 73 / Winchester 73 / 1950 (Universal), ganhando uma fortuna pela participação nos lucros em vez de receber salário; E O Sangue Semeou a Terra / Bend of the River /1952 (Universal); O Preço de um Homem / The Naked Spur / 1953 (MGM); Região do Ódio / The Far Country / 1955 (Universal); Um Certo Capitão Lockhart / The Man from Laramie /1955 (Columbia) – ver meu post Os Westerns de Anthony Mann de 22 de março de 2010.

Anthony Mann dirige James Stewart e Dan Duryea em Borrasca

James Stewart e June Allyson em Música e Lágrimas

James Stewart, Jay C. Flippen e June Allyson em Comandos do Ar

No anos cinquenta, ele fêz mais três filmes, nos quais foi: inventor (com Dan Duryea) de uma plataforma de perfuração de petróleo à prova de tempestades em confronto com pescadores de camarão na Louisiana em Borrasca / Thunder Bay / 1953 (Universal); famoso chefe de orquestra em Música e Lágrimas / The Glenn Miller Story / 1954 (Universal); jogador de basebol reconvocado para a Fôrça Aérea em Comandos do Ar / Strategic Air Command / 1955 (Paramount). Com Hitchcock, Stewart chegou ao auge de sua trajetória artística, participando de: Janela Indiscreta / Rear Window / 1954 (Paramount); O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much / 1956 (Paramount) e Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958 (Paramount). Neste último filme, mais do que um homem obcecado, o personagem de Stewart é a própria obsessão personificada.

James Stewart e Grace Kelly em Janela Indiscreta

Alfred Hitchock, James Stewart e Grace Kelly na filmagem de Janela Indiscreta

Doris Day e James Stewart em O Homem Que Sabia Demais

James Stewart e Kim Novak em Um Corpo Que cai

Hithcock dá instruções para Kim Novak e James Stewart

Stewart participou de treze filmes nos anos sessenta: O Homem Que Destrói / The Mountain Road / 1960 (Columbia), como um major encarregado de comandar um grupo de demolição na China, a fim de impedir o avanço dos japonêses durante a Segunda Guerra Mundial; Terra Bruta / Two Rode Together / 1961 (Columbia), como um xerife contratado para resgatar crianças e mulheres de pioneiros capturados pelos comanches, uns dez anos depois do rapto; O Homem Que Matou o Facínora / The Man Who Shot Liberty Valance / 1962 (Paramount), como um senador que se tornou famoso por ter eliminado um bandido perverso e, no enterro de um velho amigo (John Wayne), revela para um jornalista toda a verdade sobre seu feito;

John Wayne, John Ford e James Stewart na filmagem de O Homem Que Matou o Facínora

James Stewart e Carroll Baker em A Conquista do oOste

As Férias de Papai / Mr. Hobbs Take a Vacation / 1962 (20th Century-Fox), como um banqueiro que deseja passar férias tranquilas em uma praia, porém sua esposa convida toda a família para ficar com eles; A Conquista do Oeste / How The West Was Won /1963 (20thCentury-Fox), como um caçador de ursos que ajuda uma família de pioneiros a se livrar de bandidos; Papai Não Sabe Nada / Take Her, She’s Mine /1963 (20thCentury-Fox), como presidente do conselho de diretores de uma escola que se mete em encrencas, tentando defender a virtude de sua filha adolescente;

James Stewart e Arthur Kennedy em Crepúsculo de uma Raça

Crepúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964 (Warner Brothers), como Wyatt Earp em um interlúdio de quatorze minutos; Minha Querida Brigitte / Dear Brigitte / 1965 (20thCentury-Fox), como professor adepto das ciências humanas cujo filho é um gênio da matemática com uma paixão por Brigitte Bardot; Shenandoah – Paraíso Perdido / Shenandoah / 1965 (Universal), como fazendeiro viúvo indiferente à Guerra Civil até sua família ser envolvida no conflito; O Vôo do Fênix / The Flight of the Phoenix / 1966 (20thCentury Fox), como piloto de um avião que caiu no deserto do Sahara ao transportar um grupo de trabalhadores de um campo de petróleo; Raça Brava / The Rare Breed / 1966 (Universal), como um vaqueiro de má sorte que concorda em levar um touro Hereford para um rancheiro; O Último Tiro / Firecreek / 1968 (Warner Brothers), como fazendeiro que enfrenta um bando de foras-da-lei; O Preço de um Covarde / Bandolero! / 1968 (20thCentury-Fox), como irmão de um bandido que procura ajudar a se regenerar, mas tem como ele, um fim trágico. O melhor filme foi O Homem Que Matou o Facínora, apesar da pobreza dos cenários de interiores e das cenas de exteriores terem sido rodadas dentro do estúdio.

Cena de Shenandoah

Nos anos setenta, Stewart trabalhou um pouco mais na televisão, onde já vinha aparecendo desde 1955, e fez de início Cheyenne / The Cheyenne Social Club / 1970 (National General), como o caubói que recebe como herança deixada por um irmão, um clube que não passa de um bordel disfarçado e O Olho da Justiça / Fool’s Parade / 1971 (Columbia), como ex-presidiário que, com dois amigos, resolve abrir um negócio com o cheque de vinte e cinco mil dólares que economizou, mas tem que enfrentar um grupo de assassinos de ôlho no seu dinheiro, liderados por um policial corrupto e pelo dono do banco onde a importância vultosa seria sacada – ambos os filmes de pouca relevância na sua folha corrida cinematográfica. Depois de O Olho da Justiça, Stewart foi um dos narradores de Era Uma Vez em Hollywood / That’s Entertainment / 1974.

James Stewart e Robert Mitchum em A Arte de Matar

Na sua fase crepuscular como ator, Stewart apenas contribuiu com participações especiais, para enriquecer o elenco de alguns filmes: O Último Pistoleiro / The Shootist / 1976 (Warner Brothers), como médico que informa o pistoleiro protagonista (John Wayne) de que ele está morrendo de câncer; Aeroporto 77 / Airport’ 77 / 1977 (Universal), como bilionário que aguarda ansiosamente que a Marinha dos Estados Unidos remova seu jato luxuoso do fundo do oceano; A Arte de Matar / The Big Sleep / 1978 (Winkast/ITC), como milionário que contrata o detective Philip Marlowe (Robert Mitchum) para desmascarar um chantagista; A Magia de Lassie / The Magic of Lassie / 1981 (Lassie Productions), como viticultor que se esforça para reunir Lassie com sua neta; Afrika Monogatari, produção japonesa intitulada The Green Horizon nos EUA/ 1981 (Sanrio Communications), como veterano das regiões selvagens da África, que detesta cidades e adora animais.

Este último filme foi o projeto mais bizarro da carreira de Stewart e marcou sua derradeira aparição na tela grande, não se contando o uso de sua voz para o personagem do xerife Wylie Burp, uma década depois, no desenho animado Um Conto Americano: Fievel Vai Para o Oeste / An American Tail: Fievel Goes West.

Em outubro de 1980, em visita ao Rio de Janeiro, para promover o relançamento de quatro filmes de Alfred Hitchock, James Stewart concedeu entrevista coletiva à Imprensa. Nesta ocasião, tive oportunidade de lhe fazer algumas perguntas e, no final, entreguei-lhe uma foto de Janela Indiscreta, pedindo seu autógrafo. Ele colocou sua assinatura no ombro de Grace Kelly, e se desculpou, com aquela voz calma e pousada que todos nós conhecemos: “I hate to do this with Grace”.

Stewart nos cativou a todos pela sua simplicidade e honestidade, ao relatar fatos de sua vida particular e profissional, deixando bem claro sua admiração pelo sistema de estúdio, que lhe permitiu aprender seu ofício com os melhores diretores e técnicos da indústria.

Entre outras homenagens, Stewart recebeu o Life-Achievement Award do American Film Institute em 1980, um Oscar especial “por 50 anos de desempenhos memoráveis, por seus nobres ideais, ambos dentro e fora da tela em 1985” e a Presidential Medal of Freedom, a honraria mais alta da nação americana concedida a um cidadão que não é militar.

CAROL REED II

junho 9, 2017

Como membro da Army Officer’s Emergency Reserve, no qual se alistara juntamente com Rex Harrison, Reed recebeu o pôsto de capitão-ator na Royal Army Ordnance Corps (RAO), que tinha sob sua responsabilidade o Army Kinematograph Service (AKS), sediado no antigo estúdio da Fox British. Sua missão era fazer filmes de treinamento, o primeiro dos quais destinado aos futuros chefes de desembarque em uma invasão anglo-americana na Europa, com a finalidade de abrir uma nova frente de batalha.

Após três semanas de preparação para o filme. Reed foi designado para trabalhar com os roteiristas Eric Ambler e Peter Ustinov, e os três foram para Troon na Escócia, a fim de se apresentarem a Thorold Dickinson. Os quatro ficaram alarmados sobre os fatos que iam descobrindo sobre os planos do exército para o desembarque nas praias, principalmente no que se referia ao número de baixas esperado; porém subitamente o projeto foi cancelado.

Cena de The New Lot

Ficou então decidido que o short a ser feito, intitulado The New Lot, seria para ajudar os recrutas a se adaptarem à vida militar. Quando o filme de 40 minutos acabou de ser exibido para um comitê de generais na sala de projeção do War Office, um deles, dirigindo-se a Reed, desabafou: “Você não pode chamar esses homens de soldados; eles não fazem outra coisa senão resmungar. Soldados de verdade nunca resmungam”. O curta-metragem foi considerado inútil e possivelmente subversivo, inclusive proibido de ser mostrado não somente aos recrutas como também para qualquer outra pessoa estranha ao War Office.

Tanto a Marinha quanto a Aeronáutica haviam sido beneficiadas por filmes que fizeram sucesso popular nos cinemas. A Marinha teve Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve, filme comercial dirigido por Noel Coward e David Lean, sobre os sobreviventes de um destróier torpedeado e a Royal Air Force, E … Um Avião Não Regressou / One of Our Aicraft is Missing, dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger sobre a tripulação de um bombadeiro abatido na Holanda ocupada pelos nazistas. O Exército necessitava de um filme como esses para levantar a moral dos novos recrutas. David Niven, tecnicamente major na Rifle Brigade, foi solicitado como interlocutor, pois desfrutava da posição de intermediário entre as forças armadas e os estúdios cinematográficos como Two Cities, que produzira Nosso Barco, Nossa Alma. Primeiro, ele pediu a Noel Coward que fizesse um filme semelhante para o exército, mas Coward delicadamente recusou. Então mostraram a Niven The New Lot, do qual ele gostou muito. Finalmente, ficou decidido que Carol Reed seria liberado do serviço militar e ficaria responsável pela direção de Têmpera de AçoThe Way Ahead, versão ampliada do curta, a ser produzido pela Two Cities de Filippo del Giudice.

Cena de Têmpera de Aço

Trata-se de um filme de guerra sobre a Infantaria, seguindo passo a passo o treinamento de um grupo de recrutas composto por pessoas de diferentes profissões e classes sociais, que se transformam de novatos imaturos em soldados disciplinados, e prontos para enfrentar o inimigo, substituindo o ressentimento pelo respeito por seus superiores, representados pelo afável Tenente Jim Perry (David Niven) e pelo rigoroso sargento Fletcher (William Hartnell). Embora realizado com fins de propaganda, o espetáculo não glamouriza nem glorifica, apenas tenta mostrar tudo com realismo.

Cenas de Têmpera de Aço

A narrativa é simples, mas eficiente, e o sentimentalismo é reduzido ao mínimo. Reed deixou as sequências de ação para o final, quando o navio que conduz a tropa é bombardeado por um submarino alemão e em seguida os homens enfrentam o inimigo no Norte da África, revelando sua coragem e espírito coletivo. Nesses momentos, Reed demonstra sua habilidade técnica, mais notadamente na cena do afundamento do navio, por meio de uma montagem rápida e uso de angulações inusitadas, para transmitir o choque inicial e a desordem entre a tripulacão. Além disso, durante todo o desenrolar do relato – escrito por Eric Ambler e Peter Ustinov – as figuras do grupo que aprendem progressivamente o ofício de combatente, são sempre enquadradas com muito equilíbrio dentro de cada plano.

A Verdadeira Glória / The True Glory / 1945 é um exemplo raro na história do filme documentário de uma colaboração bem sucedida entre dois diretores de países diferentes, Carol Reed (Grã Bretanha) e Garson Kanin (Estados Unidos), trabalhando sob a supervisão de um comitê militar. A principal tarefa dos dois cineastas foi selecionar e dar unidade artística a uma quantidade enorme de sequências filmadas pelos cinegrafistas de combate de nove nações aliadas (sem falar nos episódios de cinejornais feitos pelos inimigos, que haviam sido capturados), entrecortando-as com mapas para facilitar o acompanhamento pelo público do progresso dos Aliados das praias da Normandia até a conquista da Alemanha propriamente dita.

Cenas de A Verdadeira Glória

Cena de A Verdadeira Glória

O que mais impressiona é o trabalho de montagem através de uma sucessão rápida de planos curtos ligados por uma pontuação que lhes dá uma fluência, uma continuidade perfeita. Além da narração explicativa dos fatos, ouvem-se comentários na primeira pessoas nos mais variados sotaques, por soldados, enfermeiras, e alguns civis – na verdade, Richard Attenborough, Françoise Rosay, Claude Dauphin, Sam Levene, Peter Ustinov, Arthur MacRae, Jimmy Hanley, Frank Harvey, John Laurie, Reed e Kanin falando em voz over, textos escritos pelos roteiristas. Os eventos panorâmicos da guerra são contrapostos sutilmente com pequenos detalhes de caráter pessoal – um toque possivelmente providenciado por Reed – como uma senhora idosa vestida de preto andando entre as ruínas de uma cidade. Em uma escala maior, o filme contrabalança a chegada das tropas americanas em Rennes, o retorno triunfante de De Gaule a Paris com o barbarismo dos campos de concentração, onde chama atenção a cena comovente de uma sobrevivente vista beijando a mão de um soldado. Pelos seus méritos indiscutíveis, A Verdadeira Glória arrebatou o Oscar de Melhor Documentário de longa-metragem.

Cena de A Verdadeira Glória

O fim da guerra trouxe muitas oportunidades para Reed, agora conhecido em ambos os lados do Atlântico (seus filmes Gestapo e Sob a Luz das Estrelas fizeram grande sucesso nos Estados Unidos) como um mestre no thriller, na comédia de costumes, no drama de época, no filme de ação e no documentário. Ele sentiu que estava sendo tão solicitado, que poderia escolher um assunto, e ter certeza de que um patrocinador arranjaria o dinheiro para o seu filme ser feito. O assunto que escolheu (prontamente aceito por Filippo del Giudice) para Condenado / Odd Man Out / 1946, foi o de tom mais sombrio do que quaisquer outros de seus projetos anteriores: a história um líder de uma organização revolucionária da Irlanda do Norte, Johnny McQueen (James Mason) que, ferido mortalmente em uma tentativa de assalto a uma fábrica, vagueia pelas ruas de Belfast na escuridão da noite, em busca de segurança.

Na sua fuga, Johnny vai se seconder em um abrigo anti-aéreo. Seus amigos procuram por ele, porém são rapidamente presos ou mortos pela polícia, que estende suas redes e procede a várias investigações. Kathleen (Kathleen Ryan), a jovem em cuja casa estava se escondendo desde que fugira da prisão, também procura por ele. Seguida pelo chefe da polícia (Denis O’Dea), ela procura ajuda junto ao sacerdote, Padre Tom (W. G. Fay). Este recebe a visita de um vendedor de pássaros excêntrico, Shell (F. J. MacCormick), que sabe onde Johnny se encontra, mas quer vender sua informação.

Kathleeen Ryan e James Mason em Condenado

Entrementes, Johnny sai do abrigo e se arrasta de porta em porta. Ele desmaia na rua e duas transeuntes o recolhem, pensando ter sido atropelado. Quando descobrem quem ele é, Johnny parte, e se infiltra no taxi de “Gin” Jimmy (Joseph Tomelty) que, ao reconhecê-lo, o deixa em um depósito de ferro-velho, onde Shell o encontrou. Finalmente, Johnny chega em um bar no qual está um pintor perturbado mentalmente, Lukey (Robert Newton), que leva o moribundo para a sua casa a fim “captar o brilho do olhar que vê a morte”. Johnny consegue escapar novamente. Kathleen o encontra, lhe revela seu amor e, sabendo que ambos estão perdidos, ela atira na direção dos policiais que se aproximam. Uma rajada de balas, e Johnny e Kathleen caem mortos na praça em frente do porto, onde estava de partida, o navio que levaria Johnny para bem longe dalí.

Carol Reed dirige James Mason em Condenado

Assumindo também a posição de produtor, Reed conduz de maneira excitante a narrativa na sua primeira parte, mas quando, na segunda parte, começa a sublinhar os aspectos teológicos do enredo, o andamento do filme fica um pouco pesado, principalmente no diálogo entre o padre e o vendedor de pássaros, que aliás se torna implausível, quando o sacerdote dissuade um sujeito mal afamado como Shell de vender Johnny em troca da fé.

James Mason e F. J. McCormick

F.J. McCormick e Robert Newton em Condenado

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Sob o ponto de vista puramente cinematográfico, Reed, com o auxílio precioso do fotógrafo Robert Krasker (o mesmo de O Terceiro Homem / The Third Man / 1948), produz efeitos de luz expressionista muito parecidos com aqueles que a dupla John Ford-Gregg Toland ensejou em A Longa Viagem de Volta / The Long Voyage Home / 1940 e com os dos films noirs, tão em voga na época. O clima pessimista e fatalista evoca filmes do Realismo Poético Francês de antes da guerra como Cais das Sombras / Quai des Brumes / 1938 de Marcel Carné, notadamente naquele final de uma grandeza trágica no porto.

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Kathleen Ryan e James Mason em Condenado

Reed forja cenas marcantes: a bola que um transeunte chuta e vai cair no esconderijo de Johnny; a menina contemplando-o silenciosa e mais tarde tímida atrás do poste, indicando ao companheiro do fugitivo onde achá-lo; o encontro com o casal furtivo no abrigo anti-aéreo; as imagens em câmera alta sobre a rua cercada pela polícia; a briga no ônibus; a chegada de Johnny à cabine telefônica, última esperança de salvação que se esvai, vendo-a ocupada por duas mulheres risonhas; o uso do relógio significando a passagem inexorável do tempo para quem tem os minutos de vida contados; as bolhas de espuma da cerveja na mesa do bar com a visão alucinatória dos rostos das pessoas com as quais Johnny cruzou na sua fuga e o grito desesperado do moribundo, causando um silêncio paralisante naquele ambiente barulhento e cheio de gente; os quadros que, no delírio de Johnny, se movem no atelier do pintor desequilibrado; e o clímax na praça coberta de neve, onde Kathleen finaliza o drama.

Penelope Dudley Ward

Em 1948, Reed divorciou-se de Diana Wyniard, casou-se com Penelope Dudley Ward e, mantendo a capacidade de funcionar também como produtor, que lhe havia sido assegurada no seu filme anterior, começou a trabalhar com Alexander Korda, dono da London Films Productions. O Ídolo Caído / The Fallen Idol / 1948 foi uma co-produção Anglo-Americana, financiada por Korda e David Selznick, baseada em um conto de Graham Greene, “The Basement Room”, e com roteiro do próprio autor da obra literária.

Depois de algumas modificações, aceitas por Greene, a história ficou assim: um menino, Felipe (Bobby Henrey), filho do embaixador francês em Londres, é deixado por seus pais aos cuidados do mordomo da embaixada, Baines (Ralph Richardson), e de sua esposa (Sonia Dresdel). Felipe idolatra Baines e testemunha as brigas constantes dele com sua mulher tirânica e perversa. Ele também descobre que Baines está vivendo um romance com uma francêsa, esteno-datilógrafa da embaixada, Julie (Michele Morgan). Mrs. Baines finge sair de casa durante um fim-de-semana, mas logo retorna, a fim de surpreender Baines com sua amante. Ao vigiá-los, sofre uma queda fatal tentando abrir uma janela. Como o breve interlúdio que separou uma discussão entre o casal presenciada por Felipe e o acidente, foi apenas imaginado por este ao descer a escada de incêndio, o garoto está certo de que Baines matou a esposa.

Cena de O Ídolo Caído

Ralph Richardson e Bobby Henrey em O Ídolo Caído

Cena de O Ídolo Caído

Desorientado, ele sai correndo de pijama pela rua molhada até ser levado para a delegacia por um guarda. Os policiais o levam de volta para a embaixada e começa a investigação sobre a morte da esposa de Baines, considerando-o principal suspeito. Desejando salvar o amigo, o menino se envolve em uma série de mentiras, que comprometem o mordomo quase irremediavelmente. A descoberta ocasional de um vaso quebrado estabelece a inocência do acusado, mas, ironicamente, esta prova é falsa, e quando o menino – ainda achando que Baines foi o culpado – procura explicar aos policiais que foi ele quem quebrou o vaso (pela primeira vez dizendo a verdade), ninguém lhe dá crédito.

Michele Morgan e Ralph Richardson em O Ídolo Caído

Embora integrando o gênero policial, o filme tem ressonância psicológica, pois é uma evocação da infância e sua relação com um mundo adulto confuso. A historia é contada do ponto de vista do menino, que observa as paixões de um triângulo romântico, em torno do qual Reed criou uma narrativa interessante e cheia de suspense. À proporção que os conflitos emocionais se amontoam, é o menino que ouve, que deduz e, finalmente, que confunde as intenções daqueles que espreita. Felipe é uma criança separada emocionalmente de seus pais, segregada do convivio com outras crianças de sua idade, e educada por uma mulher, que é uma verdadeira megera. Porém Baines lhe dedica uma atenção extremada, leva-o ao jardim zoológico ou o fascina com histórias fantásticas de uma frica imaginária, cativando a sua mente infantil; daí sua idolatria pelo mordomo.

Carol Reed dá instruções para Bobby Henry

Reed dirige Ralph Richardson

Reed dirige Michele Morgan

O essencial no argumento é a progressiva desilusão do menino que atinge o auge, quando o mordomo diz a polícia jamais ter estado na África. Porém o público mereceu um final feliz: o amor entre Julie e Baines prevalece e Felipe adquire uma visão mais madura da vida. Duas sequências de puro cinema tornaram-se inesquecíveis: o jogo de esconde-esconde na mansão deserta e escura, salientando-se as colocações de câmera, ângulos e efeitos de iluminação inusitados, e o momento no qual o avião de papel, contendo um telegrama condenatório de Baines, rodopia graciosamente do alto da escadaria até aterrissar nos pés do detetive.

Depois de O Ídolo Caído, Reed continuou a trabalhar como produtor-diretor para a London Films em O Terceiro Homem / The Third Man, colaborando mais uma vez com Graham Greene.

A ação do filme situa-se na Viena do pós-guerra, dividida pelas quatro forças de ocupação aliadas, uma cidade que quase parece ser um personagem da história. Ali chega um escritor americano de romances populares, Holly Martins (Joseph Cotten), com pouco dinheiro no bolso, a convite de seu amigo de infância, Harry Lime (Orson Welles, depois de cogitado Noel Coward), que lhe oferecera um emprego. Holly vai ao apartamento de Harry, e fica sabendo pelo porteiro, que seu amigo foi atropelado por um carro e morto. Três homens carregaram a vítima mas Holly só consegue identificar dois: falta-lhe o terceiro. No enterro de Harry, Holly é informado pelo Major Calloway (Trevor Howard) de que Harry era um escroque notório. Mais tarde, Holly conhece a amante de Harry, Anna Schmidt (Alida Valli, uma atriz que se apresenta no Josefstadt Theatre), que suspeita de que a morte de Harry não foi um acidente.

Alida Valli e Joseph Cotten em O Terceiro Homem

Eles começam a investigar e, depois de alguns incidentes, o Major Calloway põe Holly a par do mercado negro de penicilina, do qual Harry fazia parte, explicando que os traficantes costumam aumentar seus lucros, diluindo o remédio e provocando assim efeitos médicos desatrosos. Holly fica estupefacto com as atividades de seu amigo, vai procurar Anna, diz que está voltando para os Estados Unidos, e admite seus fortes sentimentos por ela. Após deixar o apartamento de Anna, Holly percebe um homem nas sombras e quando um vizinho abre uma janela, a luz ilumina o rosto de Harry Lime, que desaparece antes que Holly possa alcança-lo. Holly pede ajuda a Calloway que novamente traça a rota de fuga de Harry, e descobre um quiosque, que conduz subterrâneamente a um esgôto. Calloway manda abrir o caixão de Harry e o corpo encontrado é o do chofer dele. Através de um intermediário, Holly consegue marcar um encontro com seu amigo “desaparecido” na roda gigante de um parque de diversões.

Orson Welles em O Terceiro Homem

Cinicamente e com muita calma, Harry repudia o ultraje moral de Holly com relação ao contrabando de penicilina e o adverte de que deve parar de falar com a polícia. Sem se intimidar, Holly oferece-se para ajudar Calloway a capturar Harry em troca de um salvo-conduto para Anna, que está prestes a ser presa pelos russos. Quando Anna rejeita furiosamente este acordo, Holly quer desistir de seu auxílio à polícia militar, mas Calloway o leva a um hospital infantil, para que ele veja as jovens vítimas com o cérebro danificado pela penicilina adulterada de Harry. Deprimido pelo que viu, Holly concorda em servir de isca para a captura de Harry. Após aguardar Harry durante horas em um café, Holly de Anna que o repreende por estar colaborando com a polícia. Quando Harry chega, Anna o avisa da emboscada, e ele escapa pelo esgoto, sendo perseguido por Holly, Calloway e seus homens. Harry atira e mata um soldado e Holly mata Harry, quando ele tentava se arrastar até uma saída para a superfície. Depois do segundo enterro de Harry, Holly vê Anna passar silenciosamente na sua frente, como se ele não existisse.

Reed e Graham Greene examinam o roteiro de O Terceiro Homem

Reed na direção de O Terceiro Homem

O Terceiro Homem, é um thriller policial, mas também drama de consciência e defesa de uma tese: luta do Bem contra o Mal. Vemos um mundo corrupto, que perdeu sua humanidade e seu limite ético. Harry acha que “o mundo não é dos trouxas, e se os governos têm planos quinquenais, ele também pode tê-los pois, afinal”, diz com um sorriso, “a Itália dos Borgia conheceu trinta anos de guerra, terror, derramamento de sangue, mas dela saíram Miguel Angelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. A Suiça conheceu a fraternidade e quinhentos anos de democracia. E o que foi que eles produziram? O relógio de cuco!”. Porém Holly não dá ouvidos ao canalha, e prefere ficar do lado do Bem e da Verdade, sacrificando a Amizade pela Coletividade.

Trevor Howard e Alida Valli em O Terceiro Homem

Joseph Cotten em O Terceiro Homem

Joseph Cotten e Orson Welles em O Terceiro Homem

Visualmente, a instabilidade histórica e moral é expressa por uma escuridão frequente, sombras imensas e planos inclinados, providenciados pela admirável fotografia expressionista de Robert Krasker, notando-se outrossim a influência do formalismo russo, no que se refere aos primeiros planos, tudo isto reforçado pela música inquietante oriunda de um único instrumento, a cítara de Anton Karas, que adquire uma força de expressão maior do que uma orquestra.

Orson Welles em O Terceiro Homem

O filme está repleto de ótimas sequências, destacando-se a primeira aparição de Harry Lime na entrada escura de um prédio, quando um gato se acomoda nos seus pés; o encontro de Holly e Harry no parque de diversões; a perseguição do criminoso pelos esgôtos onde avulta a admirável montagem visual sonora e simbólica de Oswald Hafenrichter (que depois iria prestar serviço nas produções da nossa Vera Cruz); e o desenlace da trama, quando Holly aguarda por Anna na longa alameda do cemitério, coberta pelas fôlhas das árvores ressecadas. Ela é uma pequena figura que vai crescendo progressivamente enquanto algumas folhas caem e se ouve uma música suave. Anna passa lentamente por Holly, sem olhar para ele, e sai do quadro, neste que é um dos finais mais melancólicos da História do Cinema.

Cena final de O Terceiro Homem

O sucesso de O Terceiro Homem impulsionou Reed para o pico de sua carreira, tornando-o um diretor de importância internacional e, entre vários compromissos possíveis, ele escolheu a adaptação do segundo romance de Joseph Conrad, “An Outcast of the Islands”, uma obra que Korda o estava pressionando para filmar.

No relato de O Pária das Ilhas / 1952, Peter Willems (Trevor Howard, depois de cogitado Stewart Granger) é um vagabundo que, graças à bondade do Capitão Lingard (Ralph Richardson), consegue atingir boa posição na firma Hudig em Singapura, mas um dia trai a confiança de seus patrões, rouba, é demitido, e volta à antiga condição de pária. Seu protetor resolve dar-lhe mais uma oportunidade, e o leva para Sambir, uma ilha remota onde tem um entreposto comercial, que opera sem concorrência, por ser o único a conhecer a rota marítima perigosa ao local. Sua presença desperta o receio de Almayer (Robert Morley) encarregado dos negócios do capitão, casado com a filha adotiva deste (Wendy Hiller), e espicaça o interesse de Babalatchi (George Colouris), líder dos nativos. Este induz Peter a revelar o caminho marítimo. Ele se recusa até o dia em que, para assegurar o amor de Aissa (Kerima), uma nativa por quem se apaixonara tremendamente, trai seu benfeitor, ensinando a um mercador amigo de Babalatchi o segredo da rota, que apenas ele e o capitão conheciam. Peter participa ainda da pilhagem das instalações de Lingard. Afinal, com a chegada do capitão, a ordem se restabelece. Lingard pensa em matar Peter, porém depois muda de idéia, e o deixa em exílio permanente na selva com Aissa.

Trevor Howard e Ralph Richardson em O Pária das Ilhas

Trebvor Howard em O Pária das Ilhas

Conservando a história básica de Conrad, Reed registra a degradação do protagonista, sem sentimentalizar a narrativa, mantendo-se fiel ao ceticismo do autor sobre a natureza humana. Desde a primeira visão de Willems da sensual e orgulhosa Aissa até a sua compreensão final de que ela é a sua perdição, a câmera segue o curso de sua crescente paixão com uma eloquência silenciosa, quase sem diálogo. Animada somente pela atração física, essa relação é vista como uma maldição, que vai destruir aquele homem degenerado moralmente, e também tudo que o cerca. Ele será condenado a errar no caos que provocou e, daí em diante, ser desprezado (por não ter tido a coragem de matar Lingard) por aquela que ele tanto perseguiu.

Cena de O Pária das Ilhas

Trevor Howard em O Päria das Ilhas

Trevor Howard e Kerima no clímax de O Pária das Ilhas

O virtuosismo pictórico do diretor é visível em todo o desenrolar da ação, ajudado pela arte fotográfica de John Wilcox e Edward Scaife, orientada para um preto-e-branco de alta qualidade. A sequência mais dramática do filme ocorre no final: chove torrencialmente, e quando Lingard, depois de um confronto físico com o traidor (O velho homem do mar esbofeteia Willems várias vêzes) e verbal (“… Você não é um ser humano para ser perdoado ou destruído … Você é minha vergonha”), se retira altivo, e Aissa, que entregara um revólver para Willems, a fim de que ele se vingasse da afronta, amarga desiludida a covardia do homem que ama.

Em junho de 1952, a nova Rainha da Inglaterra concedeu o título de Sir a Carol Reed, o primeiro diretor a receber tal honraria. A partir de 1953, Reed fez mais dez filmes: O Outro Homem / The Man Between / 1953, A Rua da Esperanca / A Kid for Two Farthings / 1955, Trapézio / Trapeze / 1956, A Chave / The Key / 1958, Nosso Homem em Havana / Our Man in Havana / 1959 e, depois de ter sido despedido da filmagem de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1960, A Sombra de uma Fraude / The Running Man / 1963, Agonia e Êxtase / The Agony and the Ecstasy / 1965, Oliver! / Oliver! / 1968, Fúria Audaciosa / The Last Warrior / 1970 e De Olho na Esposa / Follow Me / 1971. Nenhum deles atingiu o mesmo nível artístico das suas quatro últimas realizações, que marcaram o período áureo de sua carreira.

O mais aceitável desse grupo foi O Outro Homem, produzido pelo próprio Reed para a London Films. Quatro anos depois de O Terceiro Homem, que lhe valeu o Grand Prix do Festival de Cannes e um imenso sucesso mundial, ele retorna ao ambiente de uma cidade semi-destruída e ocupada, para contar a história de um personagem dilacerado entre (o “entre” do título original) as duas Zonas, ocidental (soviética) e oriental, em que está dividida Berlim.

Cena de O Outro Homem

Cena de O Outro Homem

A narrativa tem início quando Suzanne Mallison (Claire Bloom) chega de Londres para passar alguns dias com o irmão, Martin (Geoffrey Toone), médico militar da guarnição inglêsa e sua mulher alemã Bettina (Hildegarde Neff). Por ocasião de uma visita à Zona Russa, Suzanne conhece Ivo Kern (James Mason), antigo marido de Bettina, que está a serviço dos comunistas e procura valer-se de sua ex-esposa para sequestrar Kaster (Ernest Schroeder), agente aliado que estava ajudando refugiados a escaparem da Berlim Ocidental. Entretanto, a tentativa falha, devido ao alerta dado por Bettina, ela própria espiã. Os agentes soviéticos então planejam raptar Bettina mas, por engano, capturam Suzanne. A esta altura, Ivo já envolvido sentimentalmente com Suzanne, ajuda-a a fugir e, durante a fuga, lhe revela que, sendo um antigo advogado brutalmente colhido pelos acontecimentos da guerra e do pós-guerra, se vê obrigado a trabalhar para a polícia popular da zona russa, ajudando-a a fazer contrabando humano de um setor para outro, porque esta possui documentos comprometedores de suas negociatas no mercado negro na zona ocidental. Na fronteira entre as duas zonas, quando Ivo é surpreendido pelos guardas no fundo de uma camionete, ele se lança em uma desabalada carreira, é abatido, e rola sob a neve sob o olhar angustiado de Suzanne dentro do carro.

Cena de O Outro Homem

Cena de O Outro Homem

Hildegarde Neff e James Mason em O Outro Homem

James mason e Claire Bloom em O Outro Homem

O filme tem pontos de contato com Condenado (a longa sequência de fuga e o desenlace na neve, especialmente quando um cachorro corre em direção ao corpo de Ivo), O Ídolo Caído (o garoto na bicicleta que percorre doidamente o filme de um extremo a outro, espionando por conta de Ivo e assistindo impotente à dramática execução do amigo) e O Terceiro Homem (o personagem de James Mason, Ivo Kern, reminiscente do Harry Lime de Orson Welles), mas esta repetição não significa um sinal de exaustão, e sim de inspiração para a uma nova obra que, apesar de não ter o mesmo brilho das suas realizações precedentes citadas, é narrada com o vigor comum do diretor e permanece como um interessante exercício de suspense. A melhor sequência do filme, é a do rapto de Suzanne em um automóvel inteiramente coberto de neve, tal como uma fera aterrorizante que se aproxima silenciosamente da caça, e finalmente a engole.

Cena de A Rua da Esperança

Em Rua da Esperança, fábula excêntrica e poética com um revestimento de folclore judaico, um menino, filho de pai ausente, sob a influência de um alfaiate filósofo, imagina que sua cabra é um unicórnio, que pode satisfazer qualquer desejo.

Burt Lancaster, Gina Lollobrigida e Tony Curtis em Trapézio

Em Trapézio, desenvolve-se um drama envolvendo um trîangulo amoroso e acrobático, composto por um astro do trapézio aleijado por uma queda, seu aluno talentoso, e uma bela italiana arrivista e arrogante.

Sophia Loren e William Holden em A Chave

Em A Chave, filme de guerra e ao mesmo tempo drama de amor de caráter psicológico, uma mulher traumatizada com a morte do noivo, comandante de rebocador na Segunda Guerra Mundial, passa a vê-lo em todos os seus colegas que se sucedem na posse da chave de seu apartamento.

Alec Guiness e Maureen O’hara em Nosso Homem em Havana

Em Nosso Homem em Havana, sátira do serviço de espionagem britânico, um vendedor de aspirador de pó é convocado para ser espião em Havana – missão para a qual não possui o menor perfil – e então ele inventa informações para servir aos seus superiores.

Lee Remick e Alan Bates em A Sombra de uma Fraude

Em A Sombra de uma Fraude, um homem, com a colaboração forçada de sua esposa, costuma fraudar algumas seguradoras, assinando apólices sob nome falso e forjando sua própria morte, até que a intervenção do investigador de uma das companhias seguradoras, provoca uma tragédia.

Em Agonia e Êxtase, biografia histórica, expõem-se os conflitos artísticos entre o pintor Miguelangelo e o Papa Júlio II durante a construção da Capela Sistina.

Carol Reed e seu Oscar

Em Oliver! repetem-se os dissabores do Oliver Twist de Charles Dickens em chave de musical.

Anthony Quinn em Fúria Audaciosa

Em Fúria Audaciosa, comédia dramática sobre um índio beberrão e rebelde inconformado com a opressão social de seu povo na reserva onde foram confinados, acaba se tornando um mártir.

Mia Farrow, Michael Jayston e Topol em De Olho na Esposa

Em De Olho na Esposa, um banqueiro inglês pudico contrata detetive particular para seguir sua esposa independente, que ele suspeita de o estar traindo, mas o investigador verifica que ela simplesmente necessita de mais afeto e diversão na sua vida.

Com exceção de A Sombra de uma Fraude e Oliver!, que tinham certas sequências sôltas no conjunto, onde se espelhava a fina concepção cinematográfica de Reed (Oliver! lhe ensejou até o Oscar de Melhor Direção), os filmes restantes evidenciaram uma perda de rendimento do rigor artístico do cineasta, tornando-se em consequência espetáculos entediantes.

CAROL REED I

maio 26, 2017

Ele foi, juntamente com Alfred Hitchock, David Lean e Michael Powell, um dos mais renomados diretores britânicos do cinema clássico e, tal como seus colegas citados, atingiu fama internacional. Sua imaginação visual muito fértil foi testada em vários gêneros e, como um mestre na arte de contar histórias, expressou-se sempre por meio de uma excelência técnica e uma linguagem eminentemente cinematográfica.

Carol Reed

Carol Reed (1906 -1976) nasceu no distrito de Putney Hill, Londres. Era filho ilegítimo do ator Sir Herbert Beerbohm Tree (1853-1917) e de sua amante Beatrice May Pinney, com a qual manteve uma vida conjugal doméstica convencional, que nunca conseguiu ter com sua legítima esposa, a atriz e sua parceira no palco, Helen Maud Holt (obs. ela pode ser vista na tela como a enfermeira do rei em Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933, sob o nome artístico de Lady Tree). Além de Carol, Sir Beerbohm teve com Beatrice mais quatro filhos (Claude, Robin, Guy, Peter) e uma filha (Juliet). No início dos anos 1890, Beatrice mudou seu nome para Reed e explicou anos depois: “Because I was but a broken Reed at the foot of the mighty Tree”.

Sir Herbert Beerbohm Tree

Reed estudou na King’s School em Canterbury, um das mais antigos internatos da Inglaterra e decidiu que queria ser ator. Preocupada com sua pretensão artística (Claude, seu filho mais velho, já havia tomado a mesma decisão e acabou sendo vítima de alcoolismo), a mãe mandou-o para os Estados Unidos em 1922, onde seu irmão Guy trabalhava em uma fazenda. Durante algum tempo, Reed tornou-se um cuidador de galinheiros, porém, em menos de um ano, voltou para a Inglaterra, e sua progenitora, desistiu de fazer com que ele não seguisse a profissão que escolhera.

Reed estreou no palco em 1924, aos dezoito anos de idade, na peça “Heraclius” de Lord Howard de Walden. Pouco depois, a companhia de Sybil Throndyke encontrou um lugar para ele na peça “St. Joan” de Bernard Shaw, estrelada pela própria Sybil. Após participar de outros espetáculos, ele foi aceito em uma trupe liderada por Edgar Wallace, o autor de romances de mistério, que estava tentando transferir sua enorme popularidade das livrarias para a ribalta. Reed desempenhou o papel de um detetive na peça de Wallace “The Terror” e depois passou a atuar também nos bastidores como diretor de cena até ser escolhido para supervisionar as adaptações cinematográficas das obras do escritor, realizadas pela British Lion Film Corporation.

Após a morte de Wallace em 1932, Reed transferiu-se para a Associated Talking Pictures (A.T.P.) fundada por Basil Dean, cujo estúdio era em Ealing. Primeiramente, trabalhou como diretor de diálogos em Nine Till Six /1932 e foi logo promovido a assistente de direção, funcionando nessa capacidade em Autumn Crocus; The Constant Nymph; Sing As We Go; Sign of Four; Three Men in a Boat, Loyalties, Love, Life and Laughter, Looking on the Bright Side, Lorna Doone, todos de 1934, salvo o último, que é de 1935.

John Loder em It Happened in Paris

No ano seguinte, ele co-dirigiu com Robert Wyler (irmão de William Wyler) It Happened in Paris, adaptação da peça “L’Arpete” de Yves Mirande feita por John Huston. Nesta comédia romântica, um milionário americano Paul (John Loder) descontente com a vida que leva, vai a Paris para estudar pintura, fingindo ser pobre. Ele conhece uma jovem, Jacqueline (Nancy Burne), que vem a ser sua vizinha, e os dois se apaixonam. A moça é uma desenhista de moda que, a pedido de seu chefe, desfila para uma cliente e chama a atenção de um velho americano rico (Edward H. Robins), que fica entusiasmado por ela. No decorrer dos acontecimentos, Jacqueline descobre que ele é pai do seu namorado, surgindo outras complicações. Tal como os primeiros filmes de Reed, este ficou muito tempo desaparecido, mas hoje podem ser vistos em dvd da The Ealing Studios Rareties Collection. Trata-se de uma comédia bem divertida, agilmente encenada por Reed e Wyler desde a abertura com a anágua passando de mãos em mãos pelas ruas. Sucedem-se outros momentos cômicos irresistíveis (v. g. a “natureza morta” devorada pelos vizinhos esfomeados) e boas surpresas (v. g. quando Jacqueline descobre que o velho americano rico é pai de seu amado; quando Paul vai se casar com outra e verifica que quem está vestida de noiva é Jacqueline).

Cena de Midshipman Easy

No mesmo ano, Dean permitiu que Reed dirigisse sozinho Midshipman Easy, adaptação de uma história muito popular escrita pelo Capitão Frederick Marryat, lida por milhares de adolescentes. O romance trata da iniciação de um agitado e precoce aspirante da Marinha, mostrada em episódios, nos quais se alternam façanhas heróicas e situações cômicas.

Margaret Lockwood e Hughie Green em Midshipman Easy

Em 1850, Master Jack Easy (Hughie Green) embarca no HMS Harpy sob o olhar vigilante do capitão do navio (Roger Livesey), que é amigo de sua família. Sempre falando que “Igualdade e confiança são as bases da cooperação”, ele demonstra sua coragem no confronto com alguns companheiros de má índole, e depois em uma série de aventuras que envolvem: a captura de um navio espanhol carregado de ouro; o salvamento da tripulação durante uma tempestade; um flêrte idílico com Donna Agnes Ribiera (Margaret Lockwood), a filha núbil de uma família espanhola da Sicília; um duelo triplo; e a prisão de Don Silvio (Dennis Wyndham), perigoso bandido italiano. Easy é sempre protegido pelo cozinheiro negro Mesty (Robert Adams) que, no final, é promovido a marinheiro e luta contra Don Silvio, jogando-o do alto de um despenhadeiro. A classe e a bravura deste personagem em um filme britânico de 1935 contrasta com o tratamento estereotipado dos negros nos filmes americanos da época.

Cena de Midshipman Easy

Tecnicamente, o filme revela um jovem realizador dotado de intuição cinematográfica, que soube dar energia e movimentação constante à narrativa. Esta fluência evidencia-se principalmente no confronto entre o grupo de Easy e a horda fora-da-lei de Don Silvio na mansão de Don Ribiera (Arnold Lucy) e no resgate dos prisioneiros do navio que está afundando. Nesta última sequência, Reed cria uma excitação visual e até uma tensão moral e dramática, porque Easy e seus homens estão salvando seus inimigos, os quais poderão se virar contra eles depois.

O crítico de cinema contemporâneo mais eminente, Graham Greene, saudou a chegada do novo cineasta, atribuindo a ele “mais senso de cinema do que a maioria dos diretores britânicos veteranos”.

O segundo filme de Reed para a Associated Talking Pictures, Laburnum Grove / 1936, é uma adaptação da peça de J. B. Priestley sobre um cidadão da classe média alta, decente e respeitado (Edmund Gwenn), que deixa seu cunhado (Cedric Hardwicke) e sua cunhada (Ethel Coleridge), sua filha (Victoria Hopper) e o namorado mau caráter dela (Francis James) estupefactos e apavorados de serem responsabilizados como cúmplices, ao revelar casualmente durante o jantar que não é um fabricante de papel, como eles acreditam, mas sim um falsário, procurado pela Scotland Yard. Na verdade, ele pregou essa mentira para afastar de sua casa os cunhados parasitas e o detestável namorado da filha, mas depois que se livra deles, ficamos sabendo que ele de fato dedica-se à contrafação.

Cena de Laburnum Grove

Reed fez o melhor que pôde para fazer cinema em vez de teatro em conserva embora o filme permaneça centrado, como havia sido no palco, no texto espirituoso de Priestley (lembrando o humor de Bernard Shaw) e nas interpretações divertidas do elenco, onde se destacam Edmund Gwenn inflexivelmente jovial e com um olhar de sabido e Cedrid Hardwicke com seus tiques faciais e a mastigação constante de bananas.

Edmund Gwenn, Victoria Hopper e Carol Reed na filmagem de Laburnum Grove

Victoria Hopper e Edmund Gwenn em Laburnum Grove

Graham Greene manifestou-se mais uma vez sobre um trabalho de Reed, escrevendo: “Aqui finalmente está um filme inglês que se pode louvar sem reserva”. Ele disse que sentiu um prazer particular na habilidade de Reed para avivar a matéria teatral, transmitindo a história e a atmosfera através tanto de detalhes visuais como de palavras, sentimento com o qual compartilhei ao ver este e outros filmes do começo de carreira do diretor graças aos dvds da The Ealing Studios Rarities Collection.

Afastando-se da Associated Talking Pictures, Reed foi contratado pela companhia de Herbert Wilcox, British & Dominions para fazer Talk of the Devil / 1936 (anteriormente intitulado The Man with Your Voice), drama criminal baseado em uma história original do próprio Reed, construída na suposição de que um bom mímico pode personificar uma pessoa totalmente estranha, escutando-a falar por apenas alguns minutos. Stephen Rindlay (Basil Sidney) planeja roubar a firma de construção naval presidida por seu meio-irmão John Findlay (Randle Ayrton), incriminando-o falsamente. Para obter informações, o vilão contrata um mímico talentoso, Ray Allen (Ricardo Cortez), que começa a namorar Ann (Sally Eilers), a filha de Ayrton. Rindlay consegue seu objetivo e, em consequência, Ayrton se suicida, para salvar a companhia. Mais tarde, o vilão tenta matar o mímico, mas felizmente este sobrevive, denuncia o vilão à polícia, que é preso, e Ray prova ser merecedor do amor de Ann.

Por muito tempo o filme foi considerado perdido, mas o BFI National Archive tinha uma cópia e o exibiu em 2006 no centenário de Carol Reed. Em vez de reconstruir seu estúdio em Elstree, que havia se incendiado, a B&D preferiu erguer, em parceria com outras firmas, uma nova instalação em Pinewood, onde Talk of the Devil acabou de ser rodado.

Segundo Raquel Low (Film Making in 1930s Britain, 1985), apesar de ter sido concebido como uma produção modesta, o filme foi um melodrama ágil, tenso e muito bem dirigido por Carol Reed. Como não tive a sorte de estar presente na exibição do BFI, tenho que confiar no comentário da excelente historiadora.

Poster espanhol de Who’s Your Lady Friend

Poster da versão austríaca de Who’s Your Lady Friend?

Depois de Talk to the Devil, Reed dirigiu para a Dorian Films, Who’s Your Lady Friend? / 1937, refilmagem de uma comédia musical austríaca de sucesso, Herr ohne Wohnung (dirigido por E. W. Emo em 1934), no qual um médico especialista em cosméticos (Vic Oliver) que aguarda uma cliente francêsa muito importante, manda seu secretário (Romney Brent) recebê-la na estação ferroviária mas ele a confunde com uma artista de cabaré (Frances Day). Quando sua namorada (Margaret Lockwood) o vê com esta mulher, ela imediatamente suspeita de que ele a está traindo e quando a esposa do médico (Betty Stockfield) vê seu marido com ela, suspeita da mesma coisa, resultando as complicações de praxe.

Não encontrei cópia nem na magnífica BFI Mediatheque – South Bank. Vi apenas a versão austríaca, que não é má, porém, levando em conta as boas comédias que Reed fez nesta fase de sua carreira, suspeito que seu filme seja melhor, embora a filmagem tivesse sido abalada por vários acidentes: o chefe eletricista sofreu uma queda, ficando seriamente ferido; o diretor de fotografia Jan Stallich foi parar no hospital com uma crise de apendicite aguda; Margaret Lockwood teve problemas domésticos e isso afetou sua interpretação.

Ainda em 1937, Reed começou a filmar para a Gainsborough, Bank Holiday, grande sucesso popular que ajudou a firmar sua reputação como diretor. Passado durante um feriado bancário, o enredo acompanha um grupo de personagens de diferentes classes sociais, que embarca em um trem de Londres para o litoral fictício de Besborough. Entre eles estão uma balconista de loja candidata a um concurso de beleza, Doreen (Renee Ray) e sua melhor amiga Milly (Merle Tottenham); a candidata favorita da competição, “Miss Mayfair” (Jeanne Stuart); e uma família cockney chefiada por Arthur (Wally Patch) e May (Kathleen Harrison); porém a trama central gira em torno de uma relação triangular entre o récem enviuvado Stephen (John Lodge), a enfermeira Catherine (Margaret Lockwood) e seu namorado Geoffrey (Hugh Williams). Catherine estava de serviço na maternidade e presenciou a morte de uma jovem durante o parto. Seu marido, Stephen, profundamente afetado pelo trágico acontecimento, retorna para casa, apesar de Catherine ter desejado acompanhá-lo. Geoffrey aguarda-a ansioso para eles tomarem o trem para Besborough, onde ele planeja se hospedar com ela em um hotel luxuoso. Quando Catherine e Geoffrey chegam ao seu destino, não conseguem vaga em nenhum hotel e acabam passando a noite (junto com muitos outros) na praia. Durante sua estadia em Besborough, Catherine não consegue tirar a imagem de Stephen de sua cabeça e, subitamente, tem uma premonição de que ele está em perigo. Preocupada, deixa Geoffrey, reconhecendo que não o ama, e volta para Londres. Seu pressentimento estava certo e ela chega com a polícia a tempo de salvar Stephen de uma tentativa de suicídio.

John Lodge e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Cena de Bank Holiday

Hugh Williams e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Trata-se ao mesmo tempo de um filme de observação realista (através de vinhetas alegres dos diferentes frequentadores do balneário) e de um melodrama (marcado pela situação lúgubre que liga os personagens da enfermeira e do viúvo). A ação é um pouco mais do que uma sucessão de episódios e incidentes desconexos, mas Reed liga os fios com habilidade e consegue traduzir sua larga compreensão da condicão humana na tela de uma forma simpática. O domínio contínuo de Reed da linguagem fílmica é demonstrado por exemplo nas tomadas de abertura resumindo o aspecto de formigueiro humano do mundo trabalhador de Londres e depois na tempestade no balneário. O cineasta teve também algumas idéias criativas que ampliaria ou refinaria em filmes futuros como aquele gato preto na janela do apartamento de Stephen, quando ele vagueia pelos cômodos, lembrando-se de sua falecida esposa. O gato reapareceria em The Girl in the News / 1941 e em O Terceiro Homem / The Third Man / 1949.

Mais ou menos na mesma época Reed escreveu uma história sobre um vagabundo que, por engano, é contratado como chofer para a fuga de ladrões de jóias, mas depois realiza finalmente seu sonho de ser atendente em um estacionamento. Seu argumento foi aproveitado no filme No Parking, dirigido por Jack Raymond, com Gordon Hacker no papel do vagabundo.

Retornando à A.T.P., Reed dirigiu Penny Paradise / 1938, comédia cuja ação transcorrre em Liverpool, onde o capitão de um rebocador, Joe Higgins (Edmund Gwenn), acreditando ter ganho uma fortuna na loteria esportiva, pede demissão do seu cargo e dá uma festa em uma taverna local, onde sua família e seus amigos – alguns dos quais estão de ôlho no seu dinheiro – se reunem para celebrar a sua boa sorte. Higgins corteja a viúva Clegg (Maire O’Neill) enquanto sua filha Betty (Betty Driver) é assediada por Bert (Jack Livesey), um oportunista, que fareja dinheiro. A festa é interrompida com a chegada de Pat (Jimmy O’Dea), o primeiro imediato irlandês de Higgins no rebocador (e pretendente de Betty), que é obrigado a admitir que esqueceu de postar o bilhete vencedor. Agora parece que não há mais motivo para a comemoração, mas Higgins fica em paz, quando seu ex-patrão lhe oferece o comando do melhor rebocador do Rio Mersey, posição que ele tanto almejara.

Edmund Gwenn em Penny Paradise

Os incidentes da trama são entremeados por vários números musicais interpretados por Betty Driver (uma Gracie Fields menor) e um, para efeito cômico, por Jimmy O’Dea. O humor é em geral complacente, mas sem se tornar grosseiro, com exceção de alguns momentos de puro pastelão. Exemplo de uma sequência cômica eficiente: logo no início, Pat tem que guiar o rebocador na direção de um navio mas é distraído por duas lindas jovens – para as quais acena – e o rebocador bate na embarcação maior. A solidariedade entre Pat e Higgins é mostrada através deste incidente, pois Higgins defende a negligência de Pat. Estamos diante de uma produção modesta, porém Reed, como sempre, consegue criar uma atmosfera realista, dar credibilidade aos personagens e vida ao espetáculo.

Jessie Mathews e Michael Redgrave em Climbing High

Cena de Climbing High

Alastair Sim em Climbing High

As origens de Climbing High / 1938, que Reed realizou para a Gaumont-British, são obscuras, mas alguém deve ter tido a idéia de que Jessie Matthews, uma das estrelas de primeira grandeza do musical na Inglaterra, agradaria ao público mesmo sem as canções e as danças, além de já ser conhecida pelas platéias americanas. Aliás, o que os roteiristas fizeram foi simplesmente copiar o modelo das screwball comedies de Hollywood. Nick Brooke (Michael Redgrave) é um rapaz rico que, para conquistar uma modesta modelo de uma empresa de publicidade, Diana Castle (Jesse Matthews) e escapar de uma noiva (Margaret Vyner) e da mãe dela (Mary Clare), somente interessadas na sua fortuna, finge ser pobre. A partir daí, sucedem-se inúmeras situações cômicas envolvendo um comunista (Alastair Sim), um irmão ciumento e genioso (Torin Thatcher) e um lunático (Francis L. Sullivan), fugitivo de um asilo e metido a entoar árias de óperas, ocorrendo o final da intriga com os personagens principais escalando os Alpes. Entre as cenas mais engraçadas está a de uma máquina descontrolada de fazer vento no estúdio fotográfico, colocando todos os objetos em movimento e derrubando as pessoas inclusive, entre outras coisas, com tortas no rosto, uma sequência-pastelão muito bem encenada por Reed, que soube também manter o espetáculo em um ritmo trepidante. Jessie e ele viveram um romance, que só durou o tempo da filmagem.

O próximo filme de Reed, Garotas Apimentadas / A Girl Must Live / 1939, realizado para a Gainsborough, foi outra tentativa de copiar Hollywood, desta vez o gênero backstage musical, usando como modelo, por exemplo, filmes como Rua 42 / 42nd Street / 1933 ou a série Gold Diggers. Uma jovem de boa família (Margaret Lockwood), foge de um internato para moças na Suiça, porque sua mãe viúva não pode mais pagar a mensalidade. Antes de escapar pela janela do dormitório, uma de suas colegas sugere que ela adote o nome artístico de “Leslie James”, pois sua progenitora com este nome fôra uma estrela famosa do music hall e ele ajudará Margaret a “se fazer” como dançarina. “Leslie” hospeda-se em Londres na pensão de Mrs Wallis (Mary Clare), frequentada na sua maioria por pessoas do meio teatral, entre elas duas coristas “cavadoras de ouro”, Renee Houston (Gloria Lind) e Clytie Devine (Lilli Palmer), que competem entre si na sua busca por maridos milionários ou velhotes ricos – uma briga entre as duas vislumbrada em parte através de uma fechadura foi muito bem encenada, com as meninas convertendo todo objeto concebível em uma arma. Com a ajuda de um chantagista, Hugo Smythe Parkinson (Nauton Wayne), “Leslie”, Gloria e Clytie se alternam, tentando conquistar o Lorde Pangborough (Hugh Sinclair); e é “Leslie” quem acaba nos braços dele.

Margaret Lockwood,  Lili Palmer e Renee Houston em Garotas apimentadas

Cena de Garotas Apimentadas

Cen de Garotas Apimentadas

As coristas e Hugh Sinclair em Garotas Apimentadas

A revista musical na qual as três coristas aparecem, é dirigida por um ensaiador americano muito exigente, Joe Gold (David Burns) parecido com aquele interpretado por Warner Baxter em Rua 42; porém os números de dança são medíocres, principalmente se comparados com os de Busby Berkeley nos filmes do mesmo gênero do cinema americano. Com esta deficiência, um assunto já rançoso em 1939, excesso de diálogos e cenas românticas muito mornas entre o Lorde e “Leslie”, Reed (talvez cansado de dirigir comédias frívolas) não conseguiu impedir que o espetáculo se tornasse cansativo a partir de certo ponto da narrativa.

Seu filme seguinte, Sob a Luz das Estrelas / The Stars Look Down / 1940, produzido por uma companhia modesta, Grafton Films, distribuido na Inglaterra pela efêmera Grand National Studios e baseado em um romance de A. J. Cronin, é um drama sobre mineiros que arriscam sua vida em proveito de interesses particulares.

Michael Redgrave e Margaret Lockwood em Sob a Luz das Estrelas

No centro da ação está a família Fenwick de Sleescale, pequena cidade do Norte da Inglaterra. Robert Fenwick (Edward Rigby) lidera os mineiros da Neptune Colliery (Mina de Carvão Neptune) em uma greve por causa da preocupação com a segurança dos trabalhos sob o mar de Scupper Flats. O Sindicato manifesta-se contra a greve, porém os mineiros persistem e passam fome. A violência irrompe com o saque de comida e Robert Fenwick tentando impedí-los e “Slogger” Gowlan (George Carney) encorajando-os, são presos. A greve fracassa e os mineiros voltam ao trabalho. As reações a esta situação são cristalizadas em dois personagens, cada qual seguindo seu próprio caminho, para escapar da sua condição social. O filho de Robert, David (Michael Redgrave) estuda na universidade em Tynecastle e tenciona usar esta educação para transformar a sociedade através do ativismo politico. Entretanto, o filho de “Slogger”, Joe (Emlyn Williams), amigo de infância de David, inteligente mas inescrupuloso, escolhe um rumo diferente. Ele rouba uma loja durante os distúrbios, instala-se como bookmaker em Tynecastle, e se torna comprador de carvão. A vida dos dois homens se entrelaçam quando David se casa com a namorada rejeitada de Joe, a vulgar e volúvel Jenny Sunley (Margaret Lockwood), que o faz esquecer seus grandes projetos e se conformar em ser apenas um professor em Sleescale. Um dia, Joe retorna, e David percebe que ele quer convencer o dono da mina, Richard Barras (Allan Jeayes), a reativar Scupper Flats, apesar da ameaça de inundação. Ele surpreende Joe com sua esposa e lhe dá uma surra. Quando David solicita aos dirigentes do Sindicato que impeçam a perigosa exploração, eles acham que ele está querendo apenas se vingar de Joe. Mas em breve a mina desaba, invadida pelas águas e, apesar de seus esforços, David não consegue salvar seu pai e seu irmão mais novo, Hughie (Desmond Tester). Como consequência da tragédia, os mineiros pedem a David que os represente no inquérito e há a insinuação de que poderão surgir mudanças.

Michael Redgrave, Margaret Lockwood e Emlyn Williams em Sob a Luz das Estrelas

Reed descreve com realismo quase documental os efeitos devastadores de uma greve de mineiros e as consequências trágicas de um desastre em uma mina, mostrando a ganância dos proprietários, a covardia do Sindicato e o heroismo dos trabalhadores e suas familias. A filmagem começou em Cumberland e depois o diretor levou uma equipe reduzida para Ashby-de-la-Zouch em Leicestershire, para ver realmente como era o subterrâneo de uma mina de carvão, a fim de que depois ela pudesse ser recriada no estúdio de Twickenham, sendo que as cenas na superfície foram rodadas em Shepperton.

Edward Rigby e Michael Redgrave em Sob a Luz das estrelas

Cena de Sob a Luz das Estrelas

A sequência inicial mostrando a saída dos mineiros do seu local de trabalho com os rostos sujos da poeira do carvão; as ruas residenciais com suas casas minúsculas, cinzentas, todas parecidas umas com as outras; o confronto dos operários com o patrão e o representante do Sindicato; a greve, a fome e a pilhagem do açougue; a cena comovente da partida de David para a universidade em Tynecastle sob o olhar empedernido da mãe (que demonstra apenas levemente sua perturbação quando o chama de volta e lhe dá alguma comida que ela havia preparado), são passagens magníficas de autenticidade cinematográfica, somente igualadas pelo longo trecho final da catástrofe no interior da mina, onde os homens buscam frenéticamente a segurança, tentativas desesperadas de resgate são realizadas, e onde a moral daqueles seres condenados à morte vai caindo pouco a pouco até que as águas avassaladoras invadem o local, enquanto do lado de fora desse inferno esposas e crianças ansiosas aguardam silenciosamente por notícias.

A filmagem de Sob a Luz das Estrelas terminou exatamente em 29 de setembro de 1939, dia em que as tropas de Hitler chegaram a Varsóvia e a Inglaterra declarou guerra à Alemanha. Um mês antes, Reed havia sido contratado para dirigir um filme repleto de nazistas e heróis da resistência, intitulado Report on a Fugitive; porém, no momento em que a guerra estourou, todas as filmagens cesssaram, porque os estúdios foram requisitados pelo govêrno para outros usos. O estúdio em Islington, (usado pela companhia produtora 20thCentury-Fox), onde Report on a Fugitive deveria ser rodado, foi simplesmente fechado. Quando a produção de filmes veio a ser retomada, Reed continuou debruçado sobre a realização de Report on a Fugitive (agora nos estúdios de Lime Grove, porque o Islington permanecia interditado), imediatamente reintitulado Gestapo, tornando-se parte integral do esforço de guerra. Por ocasião do lançamento em 1940, o título mudou para Night Train to Munich, mas no Brasil, continuou sendo Gestapo

A história começa quando a Alemanha está invadindo a Checoslováquia. Axel Bomasch (James Harcourt), cientista checo importante, consegue fugir de avião para a Inglaterra, mas sua filha Anna (Margaret Lockwood), que ia se juntar a ele, é capturada a caminho do aeroporto e internada em um campo de concentração. Ela escapa com a ajuda de um oficial nazista, Karl Marsen (Paul von Henreid), que se faz passar por prisioneiro, e a leva para Londres, com a finalidade de trazer Anna e seu pai de volta para o Reich. O agente britânico Gus Bennett (Rex Harrison), especializado em assumir identidades falsas, salta de paraquedas na Alemannha, disfarça-se em oficial nazista do alto escalão e se vincula ao caso Bomasch, fingindo ser amante de Anna, acompanhando o pai e a filha em uma viagem de trem noturno para o quartel general da Gestapo em Munich. Durante o trajeto, dois passageiros ingleses, Charters (Basil Radford) e Caldicott (Nauton Wayne), deduzem que Bennett é um espião e o avisam de que ele está para ser preso. Com a ajuda destes dois aliados, Bennett improvisa um plano desesperado para fazer com que Anna e seu pai cruzem a fronteira com a neutra Suiça.

Margaret Lockwood e Paul von Henreid em Gestapo

O espetáculo lembra muito A Dama Oculta / The Lady Vanishes / 1938 de Alfred Hitchcock, pois ambos têm um tema parecido, idênticos roteiristas (Frank Launder e Sidney Gilliatt), atriz principal (Margaret Lockwood) e dois personagens secundários (os inglêses fleumáticos amantes do críquete, Charters e Caldicott, interpretados pelos mesmos Basil Redford e Nauton Wayne), transcorrem em boa parte em um trem e oferecem os mesmos prazeres: um thriller de espionagem, dosando habilmente ação, humor, suspense e típicas implausibilidades hitchcockianas como, por exemplo, aquele salto de Bennett de um veículo teleférico para outro no clímax alpino.

Rex Harrison e Margaret Lockwood em Gestapo

Rex Harrison, Basil Radford e Nauton Wayne em Gestapo

Rex Harrison em Gestapo

Depois de Gestapo, Reed fez, novamente para a 20thCentury-Fox, um drama criminal, Ré Inocente / The Girl in the News / 1941, sobre uma enfermeira, Anne Graham (Margaret Lockwood), controvertidamente absolvida da acusação de assassinato de uma paciente idosa, que faleceu em circunstâncias suspeitas. Mudando seu nome, ela consegue um emprego para cuidar de Edward Bentley (Wyndham Goldie), um senhor que vive preso a uma cadeira de rodas, sem desconfiar de que sua esposa, Judith (Margaretta Scott ) e o mordomo Tracy (Emlyn Williams) são amantes, e estão tramando culpar Anne, depois que Bentley for encontrado morto, envenenado por eles, fazendo com que o crime pareça uma repetição daquele no qual a enfermeira fôra injustamente acusada. O policial Bill Mather (Roger Livesey), amigo do advogado de Anne, Stephen Farringdon (Barry K. Barnes), prende Anne, mas Stephen, somente agora convencido plenamente da inocência de sua cliente no caso anterior, defende-a no tribunal e desmaracara os verdadeiros culpados. Judith se suicida diante da Côrte, seu cúmplice Tracy é condenado, e tudo indica que já nasceu um romance entre Anne e Stephen

Margaret Lockwood em Ré Inocente

Margaret Lockwood e Barry K. Barnes em Ré Inocente

Reed proporcionou um entretenimento todo certinho sobre acusações falsas com duas sequências de tribunal, na ;ultima das quais a tensão aumenta significativamente, graças à interpretação de Emlyn Williams , quando seu personagem depões diante dos jurados e assiste horrorizado Judith ir ao encontro da morte. Sob o aspecto estilístico, vale notar que o cineasta usou novamente de maneira simbólica a imagem de um gato (tal como fizera em Bank Holiday e repetiria em O Terceiro Homem), quando a paciente inválida se aproxima cambaleante do armário , onde estão as pílulas que causarão sua morte, e o felino a segue,agarrando-se na barra rasgada  de sua camisola.

MIchael Redgrave em Kipps

Reed realizou ainda para a 20thCentury-Fox, Kipps / 1941 adaptação de um livro de H. G. Wells, o sétimo filme do diretor com origem em uma obra literária ou teatral e pode ser visto como um exemplo de sua preferência por histórias que alguém já havia contado em um romance ou uma peça. Apesar do refúgio constante da equipe sob os abrigos para escapar dos bombardeios alemães, a filmagem terminou dentro do prazo previsto. Apenas uma idéia falhou: não foi possível convencer H. G. Wells a aparecer em uma introducão filmada do espetáculo.

O protagonista do filme, Arthur Kipps (Michael Redgrave), é um jovem aprendiz na loja de tecidos de Mr. Shalford (Lloyd Pearson) em Folkestone, Kent. Através de sua iniciativa – frequentando os cursos de Chester Coote (Max Adrian) em um Instituto Cultural – e a ajuda da herança inesperada de um avô que nunca conhecera, ele monta uma loja de tecidos e se vê envolvido com sua ex-professora no curso, uma dama da sociedade, Helen Walsingham (Diana Wyniard). Kipps sofre com as tentativas de Helen para transformá-lo em um homem aceitável em sua classe social e acaba se casando com a namorada de infância, Ann Pornick (Phyllis Calvert), que estava trabalhando como copeira em um salão de festas. Porém o irmão de Helen, Ronnie (Michael Wilding), investiu mal o capital de Kipps, e sua fortuna desaparece. É nessa hora de aflição que Chitterlow (Arthur Riscoe), um autor teatral pitoresco com o qual fizera amizade, chega magicamente à sua casa de noite e lhe entrega metade do numerário obtido com o sucesso estrondoso da peça, que persuadira Kipps a financiar. O dinheiro é o suficiente para que ele abra uma livraria e viva confortavelmente com Ann e o filhinho de ambos.

Diana Wyniard e Michael Redgrave em Kipps

Michael Redgrave em Kipps

Reed esteve sempre à vontade ao tratar de filmes que tivessem alguma relação com temas sociais e Kipps lhe permitiu examinar o sistema de castas na Grã Bretanha na virada do século dezenove para o século vinte, fazendo comentários ligeiros sobre o mesmo. Com esta predisposição, ele recria com abundância e precisão de detalhes a vida da classe trabalhadora ao recapitular a história dos anos de servidão de Kipps como aprendiz em Folkestone, seu legado inesperado, sua iniciação penosa nas “altas rodas” nas mãos da sôfrega Helen Walshingham, sua reunião com Ann, sua bancarrota e sua salvação por meio de outro milagre financeiro, produzindo despretenciosamente uma comédia de costumes inteligente e agradável.

Embora estivessem em uma ligação amorosa, Reed e Diana Wyniard mantiveram este relacionamento na maior discreção. Diana foi a primeira mulher com quem Reed pensou em se casar, desde que ele “levou o fora” de Daphne du Maurier, a autora de “Rebecca” e de outros romances ou contos que viraram filmes; porém o matrimônio não durou muito tempo.

O último filme de Reed para a subsidiária britânica da Twentieth Century-Fox, O Jovem Mr. Pitt / The Young Mr. Pitt / 1941, foi uma cinebiografia sobre a vida de William Pitt, o Jovem e, particularmente, sua luta com a França revolucionária e Napoleão, feito em regime de grande produção, com o objetivo de instigar os americanos a se juntarem à Inglaterra, para defender sua herança comum contra um ditador fascista. Como os preparativos para o filme levariam vinte e três semanas enquanto os cenários de Cecil Beaton estavam sendo construídos em Lime Grove e o vestuário confecionado por Beaton e Elizabeth Haffender, Reed teve tempo para dirigir um short de 17 minutos, A Letter from Home, realizado sob os auspícios do British Ministry of Information, mostrando um dia na vida de uma mulher – interpretada pela atriz de teatro Celia Johnson no seu primeiro papel no cinema – cujas filhas haviam sido enviadas para os Estados Unidos para maior segurança. Durante a filmagem, ele conheceu uma jovem artista, Penelope Dudley Ward, sua futura esposa.

Robert Donat como Pitt

Robert Donat e Phyllis Calvert em O Jovem Mr. Pitt

Cena de O Jovem Mr. Pitt

O Jovem Mr. Pitt é uma alegoria nacionalista na qual a luta da Inglaterra contra os francêses durante as guerras napoleônicas é implícitamente comparada à sua defesa heróica e solitária contra os nazistas antes da entrada da América no Segundo Conflito Mundial. Pitt é apresentado como um modelo de virtude para que sua imagem possa servir à necessidade de mobilizar o sentimento público diante da ameaça hitlerista. Para attender a este objetivo, o diretor buscou um efeito documentário tanto no uso da voz over identificando, comentando ou julgando os acontecimentos como nas cenas de montagem, dramatizando a nova face industrial e financeira da Grã Bretanha, que possibilitou o triunfo da nação na guerra napoleônica.

John Mills e Robert Donat em O Jovem Mr. Pitt

O enredo se concentra primeiramente nos esforços de Pitt para fazer uma reforma doméstica e depois na sua política externa. Seu maior opositor é Charles James Fox (Robert Morley), politico ambicioso pelo poder, que se recusa a ajudar Pitt na sua proposta reformista, e seu melhor amigo, William Wilbeforce (John Mills), cuja lealdade é indiscutível. Os outros antagonistas do Primeiro Ministro, Napoleão (Herbert Lom) e seu diplomata Talleyrand (Albert Lieven com um leve sotaque alemão), assemelham-se nas suas falas à pregação nazista – a certa altura, este último oferece a Inglaterra a oportunidade de compartilhar o domínio mundial com a França.

Enquanto Pitt adverte seus pares da ambição territorial da Franca, Fox minimiza o perigo francês. Com a vitória do Almirante Horatio Nelson (Stephen Haggard), destruindo a frota francêsa no Egito, Pitt conquista a confiança do povo; mas quando os britânicos são derrotados em terra, ele perde sua popularidade. Pitt se retira da vida política e aqueles politicos a favor da paz com a França assumem o poder. Entretanto, ele retorna ao Parlamento, quando fica claro que o país necessita de uma liderança mais militante. Na sua dedicação total ao seu país, Pitt sacrifica sua vida pessoal com Eleanor Eden (Phyllis Calvert), suas finanças pessoais e finalmente sua saúde.

Quando o filme ficou pronto, o ataque japonês a Pearl Harbor deu a Roosevelt o apoio do Congresso que ele necessitava tanto para se unir aos aliados na Segunda Guerra Mundial. O filme foi entendido na época como uma homenagem à força de liderança de Winston Churchill na adversidade. Tão logo o filme acabou de ser montado com a aprovação de Reed, Churchill foi convidado para assistí-lo e, previsivelmente, o aprovou.

FILMES PERDIDOS DO CINEMA MUDO AMERICANO

maio 12, 2017

A era do cinema mudo americano durou mais ou menos de 1912 a 1929. Durante esse tempo, os realizadores de filmes criaram a linguagem cinematográfica, os filmes que eles fizeram atingiram o auge da perfeição artística e, com seus astros e estrelas e altos valores de produção, espalharam a cultura americana através do mundo. Com o advento do som, os filmes silenciosos sumiram de vista, e muitos desapareceram para sempre.

Houve diversas causas para este desaparecimento:

  1. Era caro armazenar os filmes (se os estúdios quizessem fazer isto de maneira apropriada) e como muitos não tinham mais valor comercial, eles simplesmente os jogavam fora. Quando o longa-metragem se consolidou como formato preferido pelo público, não havia sentido para os produtores manter em estoque os velhos filmes de um ou dois rolos, pois não havia mais mercado para eles. E com o advento do som a partir de 1927, os filmes mudos tornaram-se um estorvo, ocupando espaço sem gerar nenhum lucro.
  2. Os filmes costumavam ser destruídos em incêndios, porque eram feitos de nitrocelulose, que tinha a mesma estrutura química do algodão-pólvora, usado em explosivos. Em consequência, o filme de nitrato era extremamente inflamável e tinha a tendência de sofrer combustão espontânea; uma vez inflamado, criava seu próprio oxigênio enquanto queimava, desprendendo fumaça tóxica. Apesar de regulamentações como o Cinematograph Act de 1909 que estipulava que um projetor devia ser conservado em uma cabine à prova-de-fogo, durante as primeiras seis décadas de vida do cinema, durante cada segundo de quase toda exibição de filme no mundo, uma substância altamente combustível estava passando a milímetros de distância de uma fonte de luz excepcionalmente quente, situada logo atrás de uma sala escura cheia de gente.
  3. Os filmes eram reciclados para o reaproveitamento de sua matéria-prima, dissolvendo-se as películas para a reobtenção da prata ou fornecimento de celulose para a fabricação de vassouras.
  4. Os filmes apodreciam. Mesmo se escapava de pegar fogo, ele ainda se decompunha até literalmente ser reduzido a pó. Muitos tesouros tiveram este triste destino. Por exemplo, a atriz Colleen Moore havia depositado seus filmes silenciosos no Museu de Arte Moderna de Nova York, e eles, sem o necessário cuidado na sua conservação, eventualmente se deterioraram.

Em 2013, em um estudo pioneiro “The Survival of American Silent Feature Films: 1912-1929”, comissionado pela National Film Preservation Board da Biblioteca do Congresso, o historiador e arquivista David Pierce (que entre outros méritos teve o de ser o fundador da Media History Digital Library, projeto que digitalizou e permitiu o acesso grátis a dezenas de revistas de cinema americanas) elaborou um relatório e formou um banco de dados, contendo informações valiosas sobre quase 11 mil títulos de filmes de longa-metragem americanos lançados entre 1912-1929.

Arquivo de Filmes da Biblioteca do Congresso

Não existe um único número para filmes mudos americanos existentes, porque as cópias sobreviventes variam de formato e de inteireza. A pesquisa mostrou que: 1) apenas quatorze por cento (1.575 títulos) dos filmes de longa metragem produzidos e distribuidos no âmbito doméstico de 1912 a 1929, ainda existem no seu formato original de 35 mm. 2) onze por cento (1.174 títulos) dos filmes que estão completos somente existem como versões estrangeiras ou em formatos de baixa-qualidade como 28 mm ou 16mm. 3) cinco por cento (562 títulos) estão incompletos, faltando alguma parte do filme ou existindo apenas como uma versão condensada. 4) dos 3.311 filmes que sobreviveram em qualquer formato, 886 foram encontrados no exterior (destes, vinte e três por cento (210 títulos) já foram repatriados para os Estados Unidos). Os remanescentes 70 por cento são considerados perdidos.

Havia uma área onde os estúdios de Hollywood frequentemente perdiam o contrôle do seu produto: a distribuição internacional. Os filmes americanos rapidamente se tornaram as atrações mais populares nos cinemas do mundo inteiro e os estúdios enviavam seus títulos para todo o mercado estrangeiro que ansiava por eles. O problema era trazer as cópias de volta, considerando que o transporte transoceânico era feito por navio e que a comunicação telefônica entre continentes era rara, dificultando o contato com os representantes estrangeiros que cuidavam do lançamento dos filmes de Holywood. Por causa disso, muitas cópias de filmes americanos permaneceram no exterior.

Entre os filmes mais importantes que sobreviveram fora do país após terem desaparecido no âmbito doméstico e muitos anos depois foram recuperados, estavam: Ridi, Pagliacci ! / Laugh, Clown, Laugh / 1928 de Herbert Brenon – encontrado no Reino Unido; A Torrente da Fama / Upstream / 1927 de John Ford – encontrado na Nova Zelândia; O Monstro do Circo / The Unknown / 1927 de Tod Browning – encontrado na França; Rosita / Rosita / 1923 de Ernst Lubitsch – encontrado na Russia; Oliver Twist / Oliver Twist / 1922 de Frank Lloyd – encontrado na Sérvia; Esposa Mártir / Beyond the Rocks / 1923 de Sam Wood – encontrado na Holanda.

A maior coleção de filmes americanos exportados veio do Národní Filmovy Archiv da República Theca, fundado em 1943. A sua primeira grande aquisição foi no final dos anos quarenta, uma coleção de cerca de 400 filmes mudos de curta e longa-metragem do Sr. Bouda, gerente de um cinema itinerante. Em 1966, o Národní Archiv respondeu um telefonema do Sr. Pisvejc, outro exibidor ambulante, que havia armazenado seus filmes em uma fazenda de criação de galinhas, entre eles 80 longas-metragens dos anos vinte, a maioria westerns estrelados por Tom Mix, Buck Jones, etc.

Nos Estados Unidos, a maioria dos filmes sobreviventes estão na posse de cinco grandes arquivos: The Packard Campus for Audio Visual Conservation, que faz parte da Biblioteca do Congresso; Museum of Modern Art; George Eastman House; UCLA Film & Television Archive; The Academy Film Archive, setor da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.

Uma arquivista mostra uma pequena porção do UCLA Film and Television Archive

UCLA Film and Television Archive

Alguns estúdios perceberam que seus filmes silenciosos tinham valor e tentaram preservá-los. A MGM possui mais dos seus filmes de longa-metragem mudos do que qualquer outro grande estúdio de Hollywood, porque nos anos sessenta decidiu preservar tudo o que ainda estava disponível.

Realizadores e artistas como, por exemplo, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin, William S. Hart, D. W. Griffith, Mary Pickford, Cecil B. DeMille e Harold Lloyd preservaram seus filmes por conta própria (embora Lloyd tivesse perdido boa parte de sua obra em um incêndio no seu acervo no início dos anos quarenta).

John Hampton na sua cabine de projeção

A coleção de filmes em 16mm mais importante fora de um arquivo ou de um estúdio foi formada por John Hampton que, com sua esposa Dorothy, administraram o Silent Movie Theater de Los Angeles de 1942 a 1979. Ela faz parte agora da Stanford Theatre Collection no UCLA Film & Television Archive. Outra grande coleção é a de David Bradley – um fã que se tornou diretor de cinema -, hoje guardada na Lilly Library da Indiana University.

Por fim, convém lembrar La Giornata del Cinema Muto, um festival de cinema silencioso que, a partir de 1982, acontece todo ano no mês de outubro na cidade italiana de Pordenone, quando são exibidos pela primeira vez novos descobrimentos de cópias dadas como perdidas e que foram restauradas, provenientes de filmotecas inernacionais e colecionadores particulares.

 Selecionei os dez filmes perdidos que mais gostaria de ter visto:

1. ALTA TRAIÇÃO / THE PATRIOT/ 1928. Dir: Ernst Lubitsch.

Florence Vidor e Emil Jannings em Alta Traição

Emil Jannings e Ernst Lubitsch na filmagem de Alta Traição

Na Russia do século XVIII, o Czar Paulo (Emil Jannings) está cercado de intrigas homicidas e só confia no Conde Pahlen (Lewis Stone). Pahlen quer proteger seu amigo, o rei louco, mas por causa do horror dos atos praticados pelo monarca, ele sente que deve removê-lo do trono. Stefan (Harry Cording), açoitado pelo czar por não ter o número correto de botões nas suas polainas, junta-se ao conde na conspiracão. O príncipe coroado Alexandre (Neil Hamilton) fica aterrorizado ao saber dos planos deles e adverte o pai que, não sentindo amor pelo filho, manda prendê-lo por suas acusações tolas. Pahlen usa sua amante, a Condessa Ostermann (Florence Vidor), para atrair o czar ao seu quarto, onde ela lhe fala sobre a trama. O czar exige a presença de Pahlen, que o assegura de sua lealdade. Mais tarde naquela noite, o conde e Stefan entram no quarto do czar e logo ele está morto. Porém momentos depois Stefan aponta uma pistola para Pahlen. Enquanto o conde está morrendo caído no chão, a condessa aparece, abraça Pahlen, e ele diz: “Eu fui um mau amigo e amante – mas eu fui um Patriota”.

Obs. Sobrevivem oito minutos do filme, além do trailer, pertencentes à Cinemateca Portugesa. O fragmento de oito minutos, mostra os momentos de angústia do czar enlouquecido, mandando os guardas procurarem o conde Pahlen, que estaria traindo-o. Quando o conde entra na sala e inicia um diálogo com o czar, garantindo-lhe que não o está traindo, a imagem começa a ter falhas e, subitamente, o fragmento termina. O pedaço de filme, exibido pela única vez na Cinemateca Portuguesa em 2005, pertencia à coleção do cinéfilo e cineclubista do Porto, Henrique Alves Costa e foi entregue à Cinemateca em 2002 pela famíla dele. Trata-se provavelmente do que restou de uma cópia exibida em Portugal, onde The Patriot (como título de O Patriota) estreou no Cinema Tivoli em 4 de novembro de 1929.

2A ILHA DO TESOURO / TREASURE ISLAND / 1920. Dir: Maurice Tourneur.

Shirley Mason e Lon Chaney em A Ilha do Tesouro

Cena de A Ilha do Tesouro

O jovem Jim Hawkins (Shirley Mason) ajuda sua mãe viúva (Josie Melville) a administrar a Estalagem Admiral Benbow na costa oeste da Inglaterra. O capitão de navio, Billy Bones (Al Filson), chega na estalagem e pede a Jim que o avise se aparecer por ali um “marinheiro de uma perna só”. Certa manhã, um marujo violento chamado Black Dog (Wilton Taylor) entra na estalagem e exige que Bones lhe entregue a sua parte do tesouro do Capitão Flint. Bones rechaça o intruso e diz a Jim que, se por acaso for morto, ele pode ficar com tudo o que lhe pertence. Algum tempo depois, Pew (Lon Chaney), um pirata cego e medonho, obriga Jim a conduzí-lo até Bones, que mais tarde é encontrado assassinado. Jim encontra nas roupas de Bones um pacote e o entrega aos amigos de sua mãe, Dr. Livesey (Charles Hill Mailes) e Squire Trelawney (Sydney Deane). Dentro do pacote, eles descobrem o mapa com a localização do tesouro do Capitão Flint. O Squire compra um navio, “The Hispaniola,” e organiza uma expedição para achar o tesouro. Long John Silver (Charles Ogle), um marujo com uma perna-de-pau, é contratado como cozinheiro e Israel Hands (Joseph Singleton), George Merry (Lon Chaney) e Morgan (Bull Montana) estão entre a tripulação. Jim embarca clandestinamente e, em alto mar, ouve secretamente um plano de motim, arquitetado por Long John Silver. Ele informa ao Dr. Livesey, ao Squire e a Smollet (Harry Holden), o capitão do navio e, quando a terra é avistada, os amotinados são mantidos a distância até que os três chegam à ilha e se refugiam em um abrigo com Jim e os membros leais da tripulação. Trava-se uma batalha contra os piratas e o mapa cai nas mãos de Long John Silver; porém os piratas são eventualmente derrotados e Jim e os outros encontram o tesouro através de uma revelação por parte de Ben Gunn (não creditado), um pirata que havia sido abandonado por Flint na ilha.

 3. CASTELOS DE ILUSÕES / THE TOWER OF LIES / 1925. Dir: Victor Sjostrom.

Lon Chaney em Castelos de Ilusões

Cena de Castelos de Ilusões

O lavrador escandinavo Jan (Lon Chaney) trabalha pesado na terra durante longas horas, desconhecendo alegrias ou tristezas. Quando nasce sua filha, Goldie (Norma Shearer), a labuta penosa de sua vida transforma-se em felicidade. Ele e sua filha divertem-se com um jôgo favorito no qual ele é o imperador de um reino fictício. Anos depois, o dono da propriedade morre e seu filho Lars (Ian Keith) logo exige o pagamento imediato dos débitos de seus arrendatários, inclusive Jan. A fim de evitar o despejo de seu pai, Goldie vai para a cidade, prometendo-lhe que retornará dentro de poucos mêses. Quando ela compra a fazenda para seus pais, mas não volta como prometido, Jan perde sua sanidade, e retrocede ao passado, brincando com as crianças da vizinhança, vestido como o imperador imaginário. O tempo passa e Goldie finalmente retorna usando roupas extravagantes, o que deixa os vizinhos com a suspeita de que ela se tornou uma prostituta. Não suportando mais os rumores, Goldie volta para a cidade de barco, sem perceber que seu pai a está seguindo. No píer, Jan tropeça, e morre afogado. Um dia, Goldie retorna e se casa com seu namorado de infância, August (William Haines).

4. VAMPIROS DA MEIA-NOITE / LONDON AFTER MIDNIGHT / 1927. Dir: Tod Browning.

Lon Chaney em Vampiros da Meia-Noite

Cinco anos após a morte de Roger Balfour em sua residência em Londres, o Inspetor Burke da Scotland Yard (Lon Chaney) ainda está investigando o caso, recusando-se a acreditar que Balfour cometeu suicídio. Sir James Hamlin (Henry B. Walthall), o amigo mais íntimo de Balfour; Artur Hibbs (Conrad Nagel), sobrinho de Balfour; Lucille (Marceline Day), filha de Balfour; e o mordomo (Percy Williams) ainda são considerados suspeitos. O inspetor acredita que um criminoso sob hipnose vai recriar seu crime. Exímio hipnotizador, ele testa sua teoria magnetizando os principais suspeitos, colocando-os no cenário do crime e observando suas reações. Vampiros também figuram na solução do mistério e no final do relato, o vampiro vem a ser ninguém mais do que o próprio inspetor.

 5. O ROMANCE DE LENA / THE CASE OF LENA SMITH / 1929. Dir: Josef von Sternberg.

Cena de O Romance de Lena

Esther Ralston em O Romance de Lena

Em Viena, por volta de 1894, Lena (Esther Ralston), uma pobre campesina, casa-se secretamente com Franz (James Hall), um oficial do exército devasso e, depois do nascimento do filho, vai trabalhar na casa do marido como empregada, escondendo a verdade do sogro. Este tenta lhe tomar a criança e Franz, sem poder ajudá-la, comete suicídio. Quando a côrte recusa os apêlos de Lena, ela rouba o menino. Ele cresce e marcha para a guerra em 1914 de uma aldeia húngara.

Obs. Um fragmento de quatro minutos do primeiro rolo do filme foi encontrado em Dalian, China, e está agora guardado na Universidade Waseda, no Japão. Este fragmento foi exibido no 22º Festival do Filme Silenciso de Pordenone em 2003.

 6. THE LAST MOMENT / 1928. Dir: Paul Fejós.

Cena de The Lost Moment

Nos últimos momentos de sua vida, uma pessoa visualiza os instantes marcantes de sua existência. A primeira cena do filme mostra um homem (Otto Matteson) debatendo-se na água. Sua mão se ergue, indicando que está se afogando. Segue-se uma série de planos rápidos: duplas e triplas superposições da cabeça de um Pierrot, rostos de mulheres, faróis de automóveis piscando, rodas girando, um punhado de estrelas, uma explosão, um livro de criança. O rítmo do filme desacelera para resumir a vida do homem: tempos de colégio, mãe amorosa, pai severo, uma cerimônia de crisma, uma festa de aniversário, o circo, um romance adolescente com uma atriz do circo, discussão com seu pai, a partida do lar, passageiro clandestino em um navio, perambulando em uma taberna no porto, declamando para os beberrões, sendo atropelado por um carrro, uma operação e a convalescência em um hospital, tornando-se um ator, casando-se com a enfermeira que cuidou dele, uma briga, divórcio, a morte de sua mãe, o enterro, um caso amoroso com uma mulher casada, um duelo com o marido dela, a guerra e seu amigo morrendo em seus braços. Ele retorna à vida civil, retoma sua profissão de ator, apaixona-se pela parceira, se casam, ela morre. Vestido como Pierrot, ele caminha para casa, chega ao lago, olha para seu reflexo, e entra na água até que somente sua mão fica visível. A mão desaparece, e o filme termina com umas bolhas subindo à superfície.

 7. FRÍVOLO AMOR / TRIFLING WOMEN / 1922. Dir: Rex Ingram.

Ramon Novarro e Barbara La Marr em Frívolo Amor

Ramon Novarro e Barbara La Marr em Frívolo Amor

Barbara La Marr em Frívolo Amor

Para dar uma lição à sua filha Jacqueline (Barbara La Marr) sobre os perigos da infidelidade, depois que ela ridicularizou o jovem Henri (Ramon Novarro), porque este a ama loucamente, o romancista Léon de Séverac (Pomeroy Canon) lê para ela sua última história. A cartomante Zareda (Barbara La Marr), mulher formosa e hábil em dominar os homens, recebe em sua residência a alta sociedade de Paris, pedindo previsões do futuro. O jovem Ivan (Ramon Novarro) ama-a com todo o seu coração, mas há um obstáculo para que se una a ela pelo casamento: seu pai, o decrépito Barão François de Maupin (Edward Connelly) também está apaixonado pela cartomante. Esta tolera-o apenas por causa das jóias caras que lhe oferece e, zombeteiramente, as coloca no pescoço do seu macaco de estimação. Quando irrompe a guerra e a perspectiva de uma separação ameaça precipitar o casamento de Ivan e Zareda, o barão joga uma cartada de mestre: apresenta Zareda ao Marquês de Ferroni (Lewis Stone,) que vive em um castelo suntuoso. Depois que o regimento de Ivan parte para o campo de batalha, Zareda fica em Paris a palestrar com o marquês e a sonhar com seu castelo com colunas de mármore e no qual se bebia vinho em taças de ouro. O barão então, para ser o único candidato ao coração de Zareda, derrama veneno na taça destinada a Ferroni. Zareda porém percebe seu gesto traiçoeiro e troca as taças sem que o barão perceba. Durante os quatro anos que Ivan estivera na guerra não recebeu nenhuma notícia de Zareda. Depois do armistício, ele vai procurá-la e a encontra casada com Ferroni. Ela lhe diz que foi insensata, que o ama perdidamente, e que sabe como se libertar de seu esposo: ela lhe dirá que foi insultada por Ivan e o marquês desafiará para um duelo o maior esgrimista do país. No duelo, Ferroni é mortalmente ferido, mas sobrevive o tempo suficiente para matar Ivan e enterrar Zareda viva ao lado do corpo de seu amado morto. Jacqueline fica impressionada por esta história e aceita seu fiel pretendente, Henri.

8. OS QUATRO DIABOS / THE FOUR DEVILS / 1928. Dir: F. W. Murnau.

Cena de Os Quatro Diabos

Cena de Os Quatro Diabos

No circo Cecchi, um palhaço (J. Farrell MacDonald) cuida de duas meninas orfãs, Marion (quando adulta Janet Gaynor) e Louise (quando adulta Nancy Drextel), como se fossem suas filhas. Durante uma temporada, uma mulher entrega ao diretor do circo (Anders Randolf) os garotos Adolf (quando adulto Barry Norton) e Charles (quando adulto, Charles Morton), filhos dos famosos trapezistas Rossy, que haviam perdido a vida, executando um salto mortal. As quatro crianças crescem unidas por uma grande amizade. O tempo passa, e eles se tornam célebres como acrobatas do trapézio chamados de “Os Quatro Diabos”. Marion ama Charles, porém eis que surge uma mulher fatal (Mary Duncan), e Charles não resiste aos seus encantos. Marion, sentindo-se desprezada cai deliberadamente do trapézio. No entanto, ela sobrevive, confessa seu amor a Charles, e ele recupera o juízo diante da tragédia que, por pouco, não ocorreu.

Obs. O documentário em video Murnau’s 4 Devils: Traces of a Lost Film (2003), dirigido por Janet Bergstrom, que saiu como brinde do dvd de Sunrise, em 2003, reconstrói o filme a partir de fotos, desenho de produção e roteiro.

9. BEIJA-ME OUTRA VEZ / KISS ME AGAIN / 1925. Dir: Ernst Lubitsch.

Clara Bow em Beija-me Outra vez

Gaston Fleury (Monte Blue) concorda em se divorciar de sua esposa Loulou (Marie Prevost), que ele acredita estar apaixonada por um amigo dos dois, o professor de piano Maurice Ferriere (John Roche). Para justificar o pedido de divórcio, o advogado Dubois (Willard Louis) tenta encenar uma situação com sua secretária Grisette (Clara Bow) como testemunha, na qual Gaston agride sua mulher; porém Gaston não consegue aceitar a idéia. Em vez disso, ele finge para Loulou que existe alguém na sua vida. Durante algum tempo parece que este alguém é Grisette, um engano que Gaston encoraja, porque causa ciúme em Loulou. Cansada de Maurice, Loulou logo descobre a verdade do suposto romance de Gaston com Grisette, mas se preparando para sua reconciliação com Gaston, Loulou finge acreditar no relacionamento dele com Grisette, para que o seu ego masculino possa ser confortado.

10. O HOMEM MIRACULOSO / THE MIRACLE MAN / 1919. Dir: George Loane Tucker

Lon Chaney em O Homem Miraculoso

Cena de O Homem Miraculoso

Uma quadrilha composta por Frog (Lon Chaney), um contorcionista; Dope (J. M. Dumont), viciado em drogas; Rose (Betty Compson), que finge ser uma prostituta brutalizada por Dope; e o líder, Tom Burke (Thomas Meighan), exploram a compaixão e recebem as contribuições dos otários na Chinatown de Nova York. Ao ler no jornal sobre um surdo, mudo e quase cego, chamado O Patriarca (J. M. Dumont), que seria capaz de curar pela fé, Tom planeja usá-lo, a fim de obter maior vantagem da credulidade das pessoas, e parte com seus cúmplices para a pequena cidade de Fairhope, onde mora o taumaturgo. Quando a população se reune para ver o Patriarca curar os doentes, Frog está ali, fingindo-se de aleijado. Enquanto se arrasta para perto do homem miraculoso, seus membros se endireitam e ele está supostamente curado. Inesperadamente, um menino aleijado de verdade, inspirado ao ver a “cura” de Frog, larga suas maletas e corre em direção ao Patriarca. A história se espalha pelo país e as pessoas afluem de todos os lugares para consultar o milagreiro, fazendo doações para a “construção de uma igreja”. Um milionário, Richard King (Lawson Butt) traz sua irmã Claire (Elinor Fair) e entrega 50 mil dólares para Burke. Durante sua visita, King conhece Rose e os dois se apaixonam. Entrementes, Burke vê seus cúmplices, influenciados pelo Patriarca, se regenerando. Dope livra-se de seu vício; Frog abandona sua vida de crimes e passa a tomar conta de uma viúva; Rose lamenta a partida de King, deixando Burke com ciúmes. Porém, quando King retorna e pede Rose em casamento, ela percebe que ama Burke. O Patriarca morre e Burke se casa com Rose.

Obs. Dois fragmentos do filme sobrevivem: 1. Burke lendo uma notícia de jornal sobre o Patriarca; 2. Frog se arrastando até o Patriarca e depois o menino aleijado ocorrendo a sua cura. Eles aparecem em um short promocional feito pela Paramount para festejar o 20º aniversário de sua fundação, intitulado The House That Shadows Buit (1931) e em um dos segmentos da série Movie Milestones da Paramount, intitulado Movie Memories #2 (1934), mostrando as grandes realizações do estúdio. Nos anos setenta, a Blackhawk Films lançou o documentário Movie Milestones com os fragmentos sobreviventes em formato de 8mm. Estes mesmos fragmentos foram mostrados também no documentário Lon Chaney: Behind the Mask, produzido pela Kino International e incluido na versão em dvd de 2012 do filme The Penalty / 1920.