IRMÃS FAMOSAS NO CINEMA AMERICANO CLÁSSICO I

maio 24, 2018

Foi um filme chamado A Parada das Maravilhas / The Show of Shows / 1929, que chamou minha atenção para a quantidade de irmãs trabalhando no cinema americano desde seu período silencioso. Este filme, um dos musicais-revista que proliferaram logo após o advento do som, compunha-se de vários segmentos, em um dos quais, intitulado “Meet my Sister” (traduzido por ocasião do lançamento no Brasil como “Irmãs Unidas”) e apresentado por Richard Barthelmess, sete pares de irmãs de Hollywood, apareciam cantando e dançando, cada qual representando um país diferente: Dolores e Helene Costello; Sally O’Neil e Molly O’Day; Lola Vendrell e Armida: Alice e Marceline Day; Ada Mae e Roberta Vaughn; Sally Blane e Loretta Young; Marion Byron e Harriet Lake (depois conhecida como Ann Sothern); Shirley Mason e Viola Dana. Somente Marion Byron e Harriet Lake, não eram aparentadas. Começo pelas que  se destacaram mais no cinema mudo.

Lillian e Dorothy Gish

 

Lillian (1893-1993) e Dorothy Gish (1898-1968).

Lillian Diana e Dorothy Elizabeth iniciaram sua carreira na Biograph, introduzidas por sua amiga íntima Gladys Smith (também conhecida como Mary Pickford). David Wark Griffith colocou-as em An Unseen Enemy/ 1912. Depois, elas fizeram outros filmes juntas (Corações do Mundo / Hearts of the World / 1918, Orfãs da Tempestade / Orphans of the Storm / 1921, Romola / Romola / 1924) ou separadas (Lillian dedicou-se mais ao drama: v. g. Nascimento de uma Nação / Birth of a Nation / 1915, Intolerância / Intolerance, Broken Blossoms / 1919, Horizonte Sombrio ou Gente do Sertão / Way Down East / 1920, Irmã Branca / The White Sister / 1923, A Letra Escarlate / The Scarlet Letter 1926, La Boheme / La Boheme / 1926, Vento e Areia / The Wind / 1928); Dorothy fez drama e comédia: v. g. A Gazela de Ouro / Turning the Tables / 1919, A Jovem Duquesa de Malvania / Little Miss Rebellion / 1920, Remodelando seu Marido / Remodeling her Husband / 1920 (dirigido por sua irmã Lillian), A Preferida do Rei / Nell Gwynn / 1926, Com Cupido Não se Brinca / Tiptoes / 1927, Madame Pompadour/ Madame Pompadour / 1927 (os três últimos na Inglaterra).

Lillian Gish

No cinema sonoro, Lillian trabalhou até 1987: v. g. Os Comandos Atacam de Madrugada / Commandos Strike at Dawn / 1944, Duelo ao Sol / Duel in the Sun/ 1946 (indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), O Retrato de Jennie / The Portrait of Jennie / 1948, Mensageiro do Diabo / The Night of the Hunter / 1955, Paixões sem Freios / The Cobweb / 1955, O Passado não Perdoa / The Unforgiven / 1960, Baleias de Agosto / The Whales of August / 1987); Dorothy trabalhou até 1963: v. g. Almas em Flor / Our Hearts Were Young and Gay / 1944, Noites de Verão / Centennial Summer / 1946, O Direito de Viver / The Whistle at Eaton Falls / 1951, O Cardeal / The Cardinal / 1963).

Buster Keaton e as ormãs Talmadge (Norma, Natalie e Constance)

Norma (1893-1957), Constance (1898-1973) e Natalie (1896-1969) Talmadge.

Numa manhã de Natal, quando seu marido alcoólatra saiu de casa para o supermercado e não voltou, sua esposa, Margaret “Peg” Tamadge, ficou com a tarefa de criar as três filhas pequenas do casal. ”Peg” educou-as no Brooklyn em Nova York com muito esforço e decidiu que elas seriam um meio para garantir a segurança financeira da família.

Norma, a mais bonita das três irmãs, começou posando para as illustrated songs (canções ou hinos patrióticos ilustrados por slides de lanterna mágica, mostrando as letras e canções, que eram apresentadas antes dos filmes de um rolo), e depois chamou a atenção dos produtores de cinema como modelo. Após seu papel em A Tomada da Bastilha / A Tale of Two Cities / 1911 interpretando Mimi, a costureirinha que acompanha Sidney Carlton à guilhotina, ela se tornou uma das atrizes mais promissoras da Vitagraph. Quando se casou com Joseph Schenck (eles se divorciariam em 1934), ele logo fundou a Norma Talmadge Corporation, para produzir dramas no andar térreo de seu estúdio em Nova Yok; a Constance Talmadge Film Corporation, para produzir comédias sofisticadas no segundo andar; e a Unidade Cômica com Roscoe “Fatty” Arbuckle no último andar.

Norma Talmadge

Natalie Talmadge exercia a função de secretária na Unidade Cômica e interpretava ocasionalmente pequenos papéis nos filmes de suas irmãs. Buster Keaton depois assumiu o lugar de “Fatty” e se casou com Natalie, que teve um momento de fama, atuando ao lado do marido em Nossa Hospitalidade / Our Hospitality / 1923.

Entre os filmes mais famosos de Norma estão: Pantéia / Panthea / 1917, Papoula Viçosa ou Visão do Amor / Poppy / 1917, Cidade Proibida / The Forbidden City / 1918, Flor de Paixão / Passion Flower / 1921, Quanto Pode o Amor / Love’s Redemption / 1921, Morrer Sorrindo / Smilin’ Through / 1922, A Duquesa de Langeais / Eternal Flame / 1922, Kiki / Kiki / 1926, A Dama das Camélias / Camille / 1926, Mulher Cobiçada / The Dove / 1927. No cinema sonoro, Norma fez apenas Noites de Nova York / New York Nights / 1929 e Du Barry, a Sedutora / Du Barry, Woman of Passion / 1930.

Constance teve sua grande chance depois de atuar como figurante como a Menina da Montanha no segmento da Babilônia em Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith e depois fez, entre outros: Arabella, a Romântica / Romance and Arabella / 1919, Esposa Tempestuosa / A Temperamental Wife / 1919, O Que Importa às Mulheres / Who Cares? / 1919, Peixinho Dourado / The Goldfish / 1924, Noite Romântica ou Noite Romanesca / Her Night of Romance / 1924, A Que Não Sabia Amar / Learning to Love / 1925, A Mana de Paris / Her Sister from Paris / 1925, A Duquesa Yankee / The Duchess of Buffalo / 1926, A Vênus de Veneza / Venus of Venice / 1927, Marido de Mentira / Breakfast at Sunrise / 1929.

Dolores e Helene Costello

Dolores (1905 -1979) e Helene (1903-1957) Costello.

Ainda crianças, Dolores e sua irmã mais moça Helene se juntaram ao seu pai, o ator Maurice Costello, na Vitagraph, onde ele era um ídolo do público. Em 1924, foram “descobertas” pela Warner Bros. Dolores atingiu o estrelato quando John Barrymore a colocou ao seu lado em A Fera do Mar / The Sea Beast / 1926. Eles trabalharam juntos também em Quando o Homem Ama / When a Man Loves / 1927, e se casaram em 1928. Em 1929, ela foi a estrela de uma superprodução A Arca de Noé / Noah’s Ark e, no ano seguinte, resolveu se dedicar ao lar e aos filhos. Após seu divórcio de Barrymore em 1935, Dolores retornou às telas e, depois de atuar em Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942 de Orson Welles, retirou-se definitivamente do cinema.

Dolores Costello

Helene fez menos sucesso. Ela ficou mais conhecida por ter estrelado o primeiro filme todo falado, Lights of New York / 1928 e por atuar ao lado de Dolores em A Parada das Maravilhas. Sua última aparição no cinema em um papel principal foi em Quando os Sonhos se Realizam / When Dreams Come True / 1929, passando em seguida a figurar em pequenos papéis ou como extra, tendo sido vista pela última vez nesta condição em O Cisne Negro / The Black Swan / 1942.

Edna Flugrath , Viola Dana e Shirley Mason

Edna Flugrath (1893-1966), Shirley Mason (1900-1979) e Viola Dana (1897- 1987).

Lendo seus nomes, ninguém suspeita de que as três irmãs são filhas dos mesmos pais. Edna, que manteve seu nome de nascença; Virginia que, como Viola Dana seria a mais famosa do trio; e Leonie, que se tornaria Shirley Mason – todas começaram como artistas infantís no palco, impulsionadas pelo desejo da mãe de transformá-las em atrizes.

Edna tornou-se uma das artistas principais da Edison Film Company, onde conheceu o diretor Harold Shaw e, quando este se transferiu para a Inglaterra, ela o acompanhou. Edna trabalhou em muitos filmes ingleses dirigidos por Shaw como, por exemplo, A Christmas Carol / 1914 (não confundir com o filme do mesmo nome de 1910 citado adiante) e The King and the Rajah / 1914. Em 1917, retirou-se temporariamente do cinema, depois que se casou com ele; porém nos anos vinte participou de outros filmes sob a direção de seu marido e de Case of Identity / 1921 (Dir: Maurice Elvey) e Pela Honra Alheia / The Social Code / 1923 (Dir: Oscar Apfel). Ao voltar aos Estados Unidos, não conseguiu engrenar um retorno às telas, e abriu um salão de beleza em Hollywood.

Shirley Mason

Shirley Mason participou de alguns filmes curtos na Edison Film Company ainda com o nome de Leonie Flugrath. Em 1917, depois de obter o papel principal em O Despertar de Ruth / The Awakening of Ruth, ela conseguiu se destacar mais ainda como Eve Leslie em Os Sete Pecados Mortais / The Seven Deadly Sins, uma série de sete episódios da McClure / Triangle, sucedendo-se, entre outros, A Ilha do Tesouro / Treasure Island / 1920 (com Lon Chaney e direção de Maurice Tourneur), Simplesmente Maria Ana / Merely Mary Ann / 1920, Ardor da Juventude / Flame of Youth / 1920, A Francesinha / Molly And I / 1920, O Jovem Vagabundo / The Little Wanderer / 1920, Desde o Tempo de Eva / Ever Since Eve / 1921, Senhorita Sorriso / Little Miss Smiles / 1922 e Maldição Gloriosa ou Lord Jim / Lord Jim / 1925. Em 1927, Shirley casou-se com o diretor Sidney Lanfield. Seu último filme foi Dark Skies /1929.

Viola Dana

Viola Dana também encontrou trabalho na Edison Film Company, aparecendo (com sua irmã Shirley Mason) em A Christmas Carol / 1910 sob seu nome de nascença, que continuou a usar até mudá-lo para Viola Dana no filme Molly the Drummer Boy / 1914. Enquanto estava na Edison, conheceu John H. Collins, e eles se casaram. Collins foi o diretor e roteirista de muitos dos seus filmes, e ela se tornou uma das atrizes mais populares da companhia (v. g. Descendentes de Eva / Children of Eve / 1915; O Chicote do Cossaco/ The Cossacks Whip/ 1916, Ruth, a Inocente / The Innocence of Ruth / 1916). O casal se transferiu para a Metro e o sucesso dela continuou sob a orientação do marido (v. g. Os Portões do Eden / The Gates of Eden / 1916, Flor das Trevas / Flower of the Dusk / 1918), porém Collins faleceu em 1918 vitimado pela epidemia de gripe. Nos anos vinte, entre muitos outros filmes, ela brilhou, em A Gatinha Borralheira / Cinderella’s Twin / 1920 ainda na Metro; O Cinemaníaco / Merton of the Movies / 1924 e Uma Noite de Amor / Open All Night / 1924, ambos produzidos pela Paramount; Nas Auras da Fortuna / Bred in Old Kentucky / 1926 e Cheia de Graça / Lure of the Night Club / 1927 da Robertson-Cole; O Meu Segredo / That Certain Thing / 1928, produzido pela Columbia e dirigido por Frank Capra. Após aparecer em Uma Hora EsplêndidaOne Splendid Hour / 1929, Dana não conseguiu fazer a transição para o cinema sonoro, e se aposentou.

Alice e Marceline Day

Alice e Marceline Day em A Parada das Maravilhas

Alice (1905 – 1995) e Marceline (1908 – 2000 ) Day.

Ambas iniciaram sua carreira no cinema como figurantes e, em 1923, passaram a integrar o grupo de bathing beauties de Mack Sennett. Um ano depois, Alice (Jacquiline Alice Newlin) obteve um papel no filme de Norma Talmadge, Segredos da Mocidade / Secrets e depois fez parte das Mack Sennett Comedies, contracenando principalmente com Harry Langdon, Ralph Graves e Eddie Quillan. Em 1928, foi a atriz principal ao lado de William Haines em uma produção da Metro, O Petulante / The Smart Set, porém nos anos trinta não estava mais trabalhando para grandes estúdios, e terminou sua carreira em 1932, fazendo dois westerns com Tim Mc Coy, A Lei da Coragem / Two-Fisted Law e Ouro Maldito / Gold.

Marceline (Marceline Newlin), tal como sua irmã Alice, começou como bathing beauty e trabalhou nas Mack Sennett Comedies. Depois de atuar com alguns cowboys da era silenciosa como Hoot Gibson, Jack Hoxie ; Art Acord, ela apareceu em papéis dramáticos ao lado de grandes astros (v. g. John Barrymore em Amor de Boêmio / 1927; Ramon Novarro em Romance / The Road to Romance / 1927 e O Galante Conquistador/ A Certain Young Man /1928; Lon Chaney em London After Midnight / 1917 e Piratas Modernos / The Big City / 1928; Buster Keaton em O Homem das Novidades / The Cameraman / 1928; Douglas Fairbanks Jr. em A Loucura do Jazz /  The Jazz Age). Em 1929, cantou e dançou com sua irmã Alice em A Parada das Maravilhas mas, a partir dos anos trinta, seus papéis foram caindo de qualidade e ela trabalhou primordialmente para companhias pequenas. Em 1933, Marceline voltou ao gênero western, contracenando com Tim McCoy, Ken Maynard, Rex Bell, Hoot Gibson. Seu último filme foi Um Triste Prazer / Damaged Lives / 1933, um “filme de exploração” dirigido por Edgar G. Ulmer, sobre … doenças venéreas.

Molly, Sally e Isabelle O’Neil

Molly O’Day (1911-1998) e Sally O’Neil (1908-1968).

Molly O’Day, cujo nome verdadeiro era Suzanne Dobson Noonan, era filha de um juiz e de uma cantora de ópera, Hannah Kelly. Quando seu pai faleceu, a família se mudou para a Califórnia. Ao chegarem lá, Molly e duas de suas irmãs entraram para o cinema. A mais velha, Isabelle, parou de fazer filmes logo depois, mas Molly e sua irmã Virginia Louise (renomeada artisticamente Sally O’Neil) tornaram-se duas atrizes populares. Molly apareceu com Sally em três filmes: Espinhos do Amor / The Lovelorn / 1927, Marido e Nada Mais / Sister / 1930 e A Parada das Maravilhas.

A estréia de Molly na tela foi em um curta-metragem da dupla O Gordo e o Magro, Forty-five Minutes from Hollywood /1926. Sua grande chance surgiu ao ser escolhida para contracenar com Richard Barthelmess em Entre Luvas e Baionetas / The Patent Leather Kid / 1927, produzido pela First National. Molly fez outro filme com Barthelmess, Vencendo o Destino / The Little Shepherd of Kingdom Come / 1928, também da First National. Entretanto, o estúdio obrigou-a a emagrecer sob pena de não receber mais bons papéis. A partir de 1931, ela atuou quase sempre como coadjuvante e em companhias modestas, encerrando sua performance com Bars of Hate / 1936 da Victory Films.

Sally O’ Neil

Sally O’Neil começou sua carreira artística no vaudeville, onde era apresentada como “Chotsie Noonan”. Ela começou no cinema fazendo comédias curtas no Hal Roach Studio e teve sua grande oportunidade na Metro em Sally Irene e Mary / Sally, Irene and Mary / 1925, dirigida por Edmund Goulding, e formando com Constance Bennett e Joan Crawford a trinca de coristas – cada qual com uma diferente visão da vida e do amor – que dá nome ao filme. Na Metro fez também Família Ambulante / Mike / 1926 ao lado de William Haines, com quem já contracenara no filme anterior. Ainda na Metro, Sally obteve outro bom papel em Boxe por Amor / Battling Bob /1926, estrelado por Buster Keaton e O Convencido / Slide. Kelly, Slide / 1927 novamente com William Haines. Em 1928, teve a honra de participar de um filme de D. W. Griffith, A Luta dos Sexos / The Battle of the Sexes mas, daí em diante sua carreira foi declinando, embora tivesse obtido o papel principal em um filme de John Ford, A Garota / The Brat / 1931. Sua derradeira aparição na tela deu-se em uma produção anglo-irlandesa, Kathleeen / 1938, dirigida por Norman Lee.

Laura e Violet LaPlante

Laura (1904-1996) e Violet (1908-1984) La Plante.

Laura Isobel Laplant e Violet Virginia Laplant (elas ainda não tinham ganho o “e”) nasceram em St. Louis, Missouri, filhas de uma família pobre. Quando seus pais se divorciaram, elas foram com a mãe para a casa de parentes na Califórnia. Aos quinze anos de idade, Laura entrou para o cinema nas comédias produzidas por Al Christie, entre elas duas baseadas nas histórias em quadrinhos de George MacManus, Jiggs and Maggie (no Brasil: Pafúncio e Marocas). Depois, atuou ao lado de cowboys famosos como Tom Mix, Art Acord, e principalmente Hoot Gibson (Triunfo às Avessas / Dead Game / 1923, A Força do Amor / Shootin’ to Love / 1923, Sem Sorte / Out of Luck / 1923, O Moço Corredor / The Ramblin’ Kid / 1923, Caçador de Emoções / The Thrill Chaser/ 1923, Aventuras de Amor / Ride for Your Life / 1924) bem como em dois seriados com William Desmond (Os Perigos do Yukon / Perils of the Yukon / 1922; A Volta ao Mundo em 18 Dias / Around the World in Eighteen Days /1923). Em meados da década até o seu final, Laura teve alguns papéis de destaque em filmes de diretores renomados (À Mingua de Amor / Smouldering Fires / 1925 de Clarence Brown, O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1927 e A Última Ameaça / The Last Warning / 1929 de Paul Leni; Cilada Amorosa / The Love Trap / 1929 de William Wyler); em uma comédia de sucesso, Charlestonmania / Skinner’s Dress Suit / 1926, na qual foi dirigida por seu marido William A. Seiter; na versão parcialmente falada do romance de Edna Ferber, Boêmios / Show Boat / 1929. O advento do som encurtou sua carreira: ela fez seu último trabalho para a Universal (onde esteve por muito tempo) em O Rei do Jazz / The King of Jazz / 1930, e se tornou free lance, aparecendo em God’s Gift to Women / 1931 na Warner, em Assim São os Homens / Arizona / 1931 da Columbia, contracenando com John Wayne. Em 1934, foi para a Inglaterra, onde fez quatro filmes no Teddington Studios da Warner Bros., destacando-se Sublime Pecado / Man of the Moment / 1935 com Douglas Fairbanks. Jr. Voltando para os Estados Unidos, fez mais dois filmes, um em 1947 (O Pequeno Mister Jim / Little Mister Jim / 19477 e O Amor Chegou com a Primavera / Spring Reunion / 1957.

Laura La Plante

Violet fez apenas dez filmes, sobressaindo em três westerns com Buddy Roosevelt (Battling Buddy /1924, Walloping Wallace / 1924, The Ramblin’ Galoot / 1926), e um western com Hoot Gibson, A Corrida para a Felicidade / The Hurricane Kid / 1925.

Eva e Jane Novak

Jane (1896-1990) e Eva (1898-1988) Novak.

Nascidas em St. Louis, Missouri, filhas de um imigrante da Boêmia, o pai morreu quando elas ainda eram crianças, e a mãe teve que criar cinco filhos. Aos quatorze anos de idade, Jane fugiu do colégio com sua amiga Frieda Spitz, e as duas criaram um número de vaudeville, apresentando-se como as “Randolph Sisters”. Aos dezessete anos, Jane visitou sua tia, a atriz Anne Schaefer, na California e começou a aparecer nos filmes de Anne na Vitagraph, depois em comédias de Harold Lloyd na Rolin Company de Hal Roach. Em 1915, assinou contrato com a Universal, onde atuou ao lado de Harry Carey no seriado Subôrno / Graft / 1915 e de Hobart Bosworth em The Iron Hand / 1916. Entretanto, ela se notabilizou sobretudo por cinco westerns com William S. Hart (O Homem Tigre / The Tiger Man / 1918, Eu Acima de Tudo / Selfish Yates / 1918, Fados Adversos / The Money Corral / 1919, Missão de Vingança / Wagon Tracks / 1919 e O Homem de Três Palavras / Three Word Brand / 1921).

Nos anos vinte, Jane e sua irmã Eva apareceram juntas em Problema da Felicidade ou Amigo Traidor / The Man Life Passed By / 1923. No ano seguinte, Jane recebeu muitos elogios pelas suas interpretações em dois melodramas: O Amor é Tudo / Thelma e Suplicio de Mãe / The Lullaby. Com o advento do cinema falado, sua carreira foi decaindo e, após um filme interessante com Richard Dix, Pele Vermelha, Alma de Neve / Redskin / 1929, no qual já fazia papel secundário, Jane só retornaria às telas esporadicamente ainda nesta condições (v. g. Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940) ou sem ser creditada (v. g. Almas em Fúria / The Furies / 1950), encerrando definitivamente sua presença nas telas em Sombras Que Vivem / About Mrs. Leslie / 1954.

Jane Novak

Eva (Barbara) Novak iniciou sua trajetória cinematográfica nas comédias curtas da L-Ko Company em1917 e, dois anos depois, passou para os longas-metragens e se tornou a leading lady de Tom Mix em sete de seus westerns (A Vertigem da Velocidade / Speed Maniac / 1919, Ódio Feudal / The Feud / 1919, O Arriscado Diabólico / The Daredevil / 1920, Amor e Justiça / Desert Love / 1920, De Vaqueiro a General / The Rough Diamond / 1921, A Voz do Sangue / Traili’n / 1921, Pelas Alturas / Sky High / 1922 e O Envenenado / Chasing the Moon / 1922). Ela também apareceu em dois filmes de William S. Hart (Mãos Poderosas / The Testing Block / 1920 e Martírio / O’Malley of the Mounted / 1921) e em 1921 se casou com o stuntman William Reed, que conheceu durante uma locação. Tom Mix havia ensinado Eva a fazer suas cenas arriscadas e a jovem atriz provou que era muito boa nisso; porém Reed insistiu para que ela passasse a utilizar uma dublê. Com a vinda do som, a popularidade de Eva diminuiu e ela foi fazer filmes na Australia com seu marido (v. g. The Romance of Runnibede /1928). No período sonoro, Eva retornou ocasionalmente a fazer filmes em Hollywood, mas quase sempre em papéis obscuros e / ou sem ser creditada como em Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950 ou O Homem Que Matou o Facínora / 1962). Seu filme derradeiro foi Vítima do Pecado / Wild Seed / 1965.

Mae Marsh

Mae (1894-1968), Marguerite (1888-1925) e Mildred Marsh (1898-1975).

Irmã das atrizes Marguerite Marsh e Mildred Marsh, do diretor de fotografia Oliver T. Marsh, da montadora Frances Marsh, e de Elizabeth, a única irmã que não trabalhou na indústria de cinema, Mae Marsh começou como figurante na Biograph em 1912 sob direção principalmente de D. W. Griffith, até que obteve seu primeiro papel principal em Man’s Genesis / 1912. Depois de sua aparição em O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation / 1915 e Intolerância / Intolerance: Love Struggle’s Throughout the Ages / 1916, ela foi contratada por Samuel Goldwyn; porém nenhum dos filmes que fez na Goldwyn Pictures teve a mesma qualidade dos que fez com Griffith. Em 1918, Mae casou-se com Louis Lee Arms, um agente de publicidade de Goldwyn, e durante os anos vinte trabalhou nos EUA (inclusive em mais um filme de Griffith, A Rosa Branca / The White Rose / 1923, ao lado de Ivor Novello) e na Inglaterra (v. g. The Rat / 1925, também com Novello, dirigido por Graham Cutts). Nos anos trinta, ela prosseguiu sua carreira atuando como coadjuvante em filmes bastante populares (v.g. A Canção de Bernadette / The Song of Bernadette / 1943, Amar Foi Minha Ruina / 1945, O Manto Sagrado / The Robe / 1953, Nasce Uma Estrela / A Star is Born / 1954), tornando-se uma favorita do diretor John Ford, pois apareceu na maioria de seus filmes de Ao Rufar dos Tambores / Drums Along the Mohawk / 1939 a Crespúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964, quando deixou o cinema.

Marguerite Marsh

Marguerite atuou primeiro no teatro e depois, inicialmente sob o nome de Marguerite Loveridge (sobrenome de seu marido Donald Loveridge), entrou para a Biograph, onde apareceu em filmes dirigidos por D. W. Griffith e Mack Sennett. Emprestada para a Essanay, Marguerite contracenou com G. M. “Broncho Billy” Anderson em alguns westerns. Quando a Biograph foi para a Califórnia, ela prestou serviço a outras companhias como Keystone, Selig Polyscope, Majestic (quase sempre na Apollo Comedies com Fred Mace), Tanhauser, Flamingo (de novo com Mace), Reliance, Fine Arts. Marguerite participou ainda de seriados (como coadjuvante em Runaway June / 1915; como atriz principal em O Homem de Aço / The Master Mystery / 1919 ao lado de Harry Houdini e Duelo Misterioso / The Carter Case / 1919, como parceira de Herbert Rawlinson. Marguerite compareceu em Intolerância como uma debutante e em um filme de Douglas Fairbanks, O Verdadeiro Americano / The Americano / 1916 como coadjuvante. Seu último filme foi The Lion’s Mouse / 1923, produzido pela Granger Films-Hollandia.

Mildred mostrou-se diante das câmeras em apenas cinco filmes, interpretando pequenos papéis em Hearts United / 1915, The Kinship of Courage / 1915, The Daredevil /1918, Remodelando seu Marido / Remodeling her Husband / 1920 e Rosa, Rosa de Amor / The Country Flapper / 1922, os dois últimos estrelados por Dorothy Gish.

Mary e Lottie Pickford , a mãe das Gish, Dorothy e Lillian Gish

Outras irmãs foram contempladas nas telas dos cinemas na fase muda: Mary e Lottie Pickford; Grace e Mina Cunard; Olive e Alma Tell; Rosette e Vivian Duncan; Constance e Faire Binney; Katherine Mac Donald e Mary MacLaren; Priscilla e Marjorie Bonner; as gêmeas Madeline e Marion Fairbanks; Ella, Ida Mae e Fay McKenzie; Beatriz e Vera Michelena; Mary e Florence Nash; Mabel e Edith Taliaferro; Rosetta e Vivian Duncan; as The Dolly Sisters (as gêmeas húngaras Rose e Jane Dolly: nomes verdadeiros Roszika e Janzieka Deutsch); The Sisters G (as alemãs Eleanor e Karla Gutchrlein); The Brox Sisters (Patricia, Bobbe e Lorayne Brox: nomes verdadeiros: Eunice, Josephine e Kathleen Brock). Mary Pickford, “A Namorada da América” e Grace Cunnard, “A Rainha dos Seriados” foram grandes estrelas, mas suas irmãs não estiveram à sua altura nem artística nem comercialmente.

 

JOE E. BROWN, O “BOCA LARGA”

maio 10, 2018

Mencione o nome Joe E. Brown hoje em dia, e provavelmente a única lembrança que vem à mente é a sua aparição no filme de Billy Wilder de 1959, Quanto Mais Quente Melhor / Some Like it Hot. Joe interpreta o papel do playboy milionário Osgood Fielding III e está enrabixado por Jack Lemmon, que está fingindo que é uma saxofonista de uma orquestra só de mulheres, para escapar de uns gangsters da Era da Lei Sêca. Osgood não se perturba quando Lemmon, fazendo-se passar por “Daphne”, remove sua peruca no final do filme e lhe diz que não podem se casar, porque ele é um homem. “Bem, ninguém é perfeito”, Osgood responde alegremente, em uma fala de encerramento que tem sido amplamente citada como a melhor de todas na História do Cinema.

Joe E. Brown e Jack Lemonn em Quanto Mais Quente Melhor

O que nossa cultura esqueceu é que Joe E. Brown – figura simpática com uma boca enorme e elástica, que lhe valeu o apelido de “Boca Larga” -, foi um grande astro das comédias musicais da Broadway nos anos vinte e uma das maiores atrações de bilheteria nas telas de Hollywood na década de trinta, concorrendo com Shirley Temple em termos de popularidade. Durante a Segunda Guerra Mundial ele divertiu incansávelmente as tropas americanas no Pacífico, induzindo o General Douglas MacArthur a declarar que nenhum civil contribuiu mais para o esfôrco de guerra do que Joe E. Brown.

Joe E. Brown

Joseph Evan Brown (1891-1973) nasceu em Holgate, Ohio, no seio de uma família relativamente pobre de descendência galesa (seu pai era pintor de casas), e passou a maior parte de sua juventude em Toledo, situada perto de Holgate. Em 1902, aos dez anos de idade, ele se juntou a uma trupe de acrobatas circenses conhecidos como os Five Marvelous Asthons, dirigidos por Billy Ashe, que excursionavam pelo país. Brown gostava de dizer que ele foi o único jovem no show business que fugiu de casa para trabalhar em um circo com a benção de seus pais.

Os Asthons executavam um número de trapézio no qual um acrobata é arremessado, dá uma cambalhota no ar, e vem a ser apanhado no final. Sendo o menor participante do grupo, Brown é que era arremessado e apanhado. Os Ashtons atuaram em vários circos (Sells & Downs, Busby Bros., John Robinson, Floto), mas eram sempre despedidos, por não corresponderem às expectativas. Brown ficou com os Ashtons durante quatro temporadas até que sua família o tirou de lá, quando soube dos maus tratos pelos quais o menino estava passando.

The Five Marvelous Ashtons

O próximo emprego de Brown foi em um espetáculo intitulado Prevost-Bell Trio, no qual atuava com os acrobatas Frank Gude (Prevost) e Tony Bell (o patrão). A tarefa de Brown era ficar nos ombros de um acrobata, saltar em cima de uma cama elástica, dar uma cambalhota no ar, e aterrissar nos ombros do outro acrobata. Bell era mais cruel do que Ashe. Um dia, intencionalmente, deixou de segurar Brown em um de seus saltos, e ele quebrou a perna.

Quando Brown se recuperou, formou com Frank Gude um número de acrobacia intitulado Prevost e Brown, trazendo uma novidade: quando estava no circo, Brown estudara os palhaços, imitando suas expressões faciais etc., e ele então introduziu comicidade nos números acrobáticos. No curso de nove anos, Prevost e Brown atuaram em espetáculos de variedades burlescos e chegaram finalmente ao vaudeville no Teatro Palace na Broadway. Depois fizeram o Circuito Pantages e, mudando o nome para Rochelle e Brown, apresentaram-se no Circuito Orpheum. Após a última temporada com Prevost em 1917-1918, Brown decidiu se tornar um comediante solo, voltando para os espetáculos burlescos. Ele assinou contrato de cinco anos com o produtor John Jermon, mas quebrou seu compromisso, a fim de assumir o papel de maior destaque em um show chamado Listen Lester, quando o ator principal ficou doente. Na noite em que o espetáculo de Brown ia começar, irrompeu uma greve, e Brown ficou sem trabalho por várias semanas, quase morrendo de fome. Ironicamente, ele conseguiu ser reaproveitado – relutantemente pelo produtor, que jurara nunca mais empregá-lo – em uma companhia itinerante, que apresentava aquele mesmo show. Brown explorou muito bem cada momento de seu papel de dez minutos, e os críticos e as platéias o adoraram. Daí em diante, ele representou em várias comédias musicais e obteve êxito em todas elas, inclusive em Jim Jam Jems (ao lado de Harry Langdon e Frank Fay); Betty Lee; Captain Jinks of the Horse Marines; e Twinkle Twinkle.

Depois de participar de um short de 11 minutos da Vitaphone intitulado Popular Musical Comedy Star in Twinkle, Twinkle / 1927, Brown iniciou sua carreira cinematográfica propriamente dita em 1928 no filme A Vitória é dos Bons / Crooks Can’t Win, produzido pela FBO (Film Booking Offices of America) e dirigido realmente por Ralph Ince, porém assinado pelo montador, George M. Arthur. Na FBO, ele fez ainda O Grande Sucesso / Hit of the Show, também dirigido por Ralph Ince e O Rapaz do Circo / The Circus Kid, sob direção de George B. Seitz. Em seguida, Brown fez Me Leva Prá Casa / Take Me Home / 1928 (Dir: Marshall Neilan) na Paramount; três filmes na Tiffany: Sonho de Bastidores / Molly and Me / 1929 (Dir: Albert Ray), Passado de Minha Mulher / My Lady’s Past / 1929 (Dir: Albert Ray) e Painted Faces (Dir: Albert Rogell); e participou de Toca a Música / On With the Show / 1929, a primeira comédia musical toda colorida (em Technicolor de duas cores) e falada, produzida pela Warner Bros. e dirigida por Alan Crosland.

Lilian Gish e Joe em A Noiva 66

Joe e Ginger Rogers em Valente Como Trinta

Joe E. Brown e Alice White em A Very Hoborable Guy

Joe E. Brown e Maxine Doyle em Pedalando com Gôsto

Durante os anos 1929-1936 Brown fez muitos filmes de sucesso para esse estúdio e foi, de fato, o seu astro cômico reinante. Neste período incluem-se: Sally / Sally / 1929 (Dir: John Francis Dillon); Song of the West / 1930 (Dir: Ray Enright); Com Unhas e Dentes / Hold Everything / 1930 (Dir: Roy Del Ruth); Ganhando o Mundo / Top Speed / 1930 (Dir: Mervyn LeRoy); Maybe It’s Love / 1930 (Dir: William Wellman); A Noiva 66 / The Lottery Bride / 1930; Going Wild / 1930 (Dir: William Seiter); Na Corda Bamba / Sit Tight / 1931; Broad Minded / 1931 (Dir: Mervyn LeRoy) / 1931 (Dir: Mervyn LeRoy); Local Boy Makes Good; Fogo e Fumaça / Fireman, Save My Child / 1932 (Dir: Lloyd Bacon); Valente Como Trinta / The Tenderfoot / 1932 (Dir: Ray Enright); Até Debaixo D’ Água / You Said a Mouthful / 1932 (Dir: Lloyd Bacon); De Bom Tamanho / Elmer, the Great (Dir: Mervyn LeRoy; Cavando o Dele / Son of a Sailor / 1933 (Dir: Lloyd Bacon); A Very Honorable Guy / 1934 (Dir: Lloyd Bacon); Somos de Circo / The Circus Clown / 1934 (Dir: Ray Enright); Pedalando Com Gôsto / 6 Day Bike Rider / 1934 (Dir: Lloyd Bacon); Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike (Dir: Ray Enright); Pilhérias da Vida / Bright Lights / 1935 (Dir: Busby Berkeley); Sonho de Uma Noite de Verão / A Midsummer Night’s Dream / 1935 (Dir: William Dieterle); No Teatro da Guerra / Sons o’ Guns / 1936 (Dir: Lloyd Bacon); Tirando o Pé da Lama / Earthworm Tractors / 1936 (Dir: Ray Enright); Campeão de Polo / Polo Joe / 1936 (Dir: William McGann).

Joe E. Brown e Ann Dvorak em Pilhérias da Vida

Busby Berkeley, Esther Burke e Joe na filmagem de Pilhérias da Visa

Os filmes mais famosos nesta época foram os da chamada Trilogia do Baseball (Fogo e Fumaça, De Bom Tamanho e Esfarrapando Desculpas). O basebol fazia parte integrante da vida pessoal e profissional de Brown. Quando ele assinou contrato com a Warner, ficou estipulado que teria o seu próprio time de basebol no estúdio. Sempre que arranjava um tempo de folga no palco ou na tela, ia praticar seu esporte predileto, e chegou a jogar no time St. Paul’s Saints da segunda divisão. Infelizmente sua trajetória como jogador de basebol foi curta, porque quebrou a perna duas vêzes, chegando a conclusão de que o show business era o melhor caminho para o sucesso.

A paixão de Brown pelo basebol foi imortalizada nesses três filmes nos quais ele personificou jogadores do esporte predileto dos americanos. Brown interpreta basicamente o mesmo personagem em cada um deles – um rapaz rústico que possue um grande talento atlético, mas que está sempre se metendo em encrencas. As sequências de basebol eram bem feitas porque Brown fazia questão de que fossem contratados profissionais como extras.

Joe E. Brown em Fogo e Fumaça

Em Fogo e Fumaça, ele é Smokey Joe Grant, o bombeiro de uma cidade pequena, que inventou uma nova “bomba para extinção de fogo”, mas precisa de dinheiro para fabricá-la e, eventualmente, casar com sua noiva Sally Toby (Evalyn Knapp). Grant arruma emprego como jogador de basebol, mas somente para que possa ver onde os incêndios estão ocorrendo, pois o campo de basebol fica no tôpo de uma colina. Ele acaba se revelando como um craque no tal esporte. A cena mais engraçada do filme ocorre quando Grant está demostrando as virtudes de seu invento em uma empresa, mas abre a mala errada, e quase incendeia o local.

Jode E. Brown em De Bom Tamanho

Em De Bom Tamanho, Brown é Elmer Kane, excelente jogador de basebol em Gentryville, pequena cidade do Estado de Indiana. O Chicago Cubs, quer contratá-lo, mas ele não quer se separar de sua noiva Nellie (Patricia Ellis). Entretanto, depois que esta finge que não gosta dele, ele assina o contrato. Os outros jogadores do time acham que Elmer é um caipira e caçoam dele, porém ele ganha o respeito deles, quando eles o vêem jogando. O time vai disputar a World Series e tudo parece correr bem até que Elmer começa a apostar no pano verde, pensando ingenuamente que as fichas são de graça, e perde uma grande quantia. Uns apostadores inescrupulosos querem que Elmer perca propositadamente o jôgo na World Series, mas Elmer se recusa. Furiosos, os bandidos tentam convencer os donos do time de que Elmer não deve entrar em campo, mas finalmente tudo se resolve, e Elmer ganha o jôgo. Aclamado como herói, ele é entrevistado pelo rádio e faz o pedido de casamento a Nellie no ar. Foi uma das melhores comédias de Brown com um elenco que incluia o lubitschiano Sterling Holloway e Frank McHugh. Brown gostava tanto do personagem de Elmer Kane que o interpretou no palco tanto antes como depois do filme ser exibido e no rádio. Durante suas performances no Pacífico na Segunda Guerra Mundial, os soldados clamavam por Elmer, e Brown com prazer agradecia.

Olivia de Havilland e Joe E. Brown em Esfarrapando Desculpas

Cena de Esfarrapando Desculpas

Em Esfarrapando Desculpas, o Chicago Cubs não anda bem e Cap (William Frawley) tem que ganhar o campeonato, para manter seu emprego. Sua única esperança é o lançador novato Frank X. “Alibi Ike “ Farrell (Joe E. Brown) que ainda não chegou para o treino, mas quando finalmente chega, dá uma desculpa qualquer para o seu atraso. Frank não consegue dizer a verdade sobre coisa alguma (daí seu apelido de Alibi Ike), mas é um jogador extraordinário e encanta a jovem Dolly Stevens (Olivia de Havilland), cunhada de Cap. Dolly e Frank se apaixonam, mas logo ela parte para sua casa. Eles se correspondem, e quando o importunam sobre suas cartas, Frank nega que elas sejam de Dolly. Mesmo assim, ele decide comprar um anel para ela, mas de novo finge que é para sua irmã e não para Dolly. A qualidade atlética de Frank atrai a atenção de uns apostadores desonestos. Eles ameaçam quebrar seu braço se ele se recusar a “entregar” as duas próximas partidas, e ele, para se salvar, concorda. Quando Dolly retorna, Frank pede-a em casamento. Ela aceita, mas quando ouve ele negando que realmente a ama na frente dos outros jogadores, Dolly se irrita, rompe o noivado, e deixa a cidade. Frank fica tão triste, que perde o próximo jogo, porém Cap pensa que ele se vendeu. A esposa de Cap, Bess (Ruth Donnelly), está convencida da inocência de Frank, e lhe promete que trará Dolly de volta, se ele trair os gângsteres. Antes que ele possa fazer isto, os bandidos, descobrem seus planos e o sequestram. Durante o jôgo, sem Frank, o Cubs está perdendo. Ele consegue escapar dos bandidos e chegar ao estádio para garantir a vitória para o Cubs em uma sequência vertiginosa (filmada sob a chuva no Los Angeles Wrigley Field). Frank se casa com Dolly, e promete nunca mais mentir.

Joe e James Cagney em Sonho de Uma Noite de Verão

Merece ser lembrada também a atuação de Brown no meio de um elenco fabuloso – onde estavam, entre outros, Dick Powell, Olivia de Havilland, Mickey Rooney e James Cagney – em Sonho de Uma Noite de Verão, a adaptação da peça de William Shakespeare, realizada pelo produtor e diretor teatral alemão Max Reinhardt com a ajuda de seu ex-discípulo William Dieterle, espetáculo no qual sobressaía a fotografia deslumbrante de Hal Mohr, a direção de arte de Anton Grot e arranjo da música de Mendelsohn por Erich Wolfgang Korngold. Brown faz o papel de Flute, o conserta-foles escolhido para o papel feminino de Thisbe na peça “hilariante de tão ruim”, escrita e encenada por trabalhadores locais no palácio do Duque. O Flute de Brown nada ficou a dever ao Bottom de Cagney e ao Puck de Rooney.

Joe E. Brown foi uma das dez maiores atrações de bilheteria em 1933 e 1936. Em 1937 ele deixou a Warner Bros. para fazer filmes para David L. Loew, e foi um desastre. A maioria era realizada com pouco dinheiro e valores de produção e, com exceção de O Gladiador, obtiveram pouco sucesso. Para a David Loew Productions ele fez: Feiticeiro Enfeitiçado / When’s Your Birthday / 1937 (Dir: Harry Beaumont), O Rei Sem Corôa / Fit For a King / 1937 (Dir: Edward Segdwick), Um Fanfarrão das Arábias / Wide Open Faces / 1938 (Dir: Kurt Neumann), O Gladiador / The Gladiator / Edward Segdwick), O Homem das Calamidades / Flirting With Fate / 1938 (Dir: Frank McDonald).

Divertindo os soldados durante a Segunda Guerra Mundial

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Brown trabalhou incansavelmente para divertir as tropas enquanto sua carreira cinematográfica entrava em declínio. A recepção entusiástica dos soldados permitiu que ele superasse a perda do seu filho, Capitão Don E. Brown, em um vôo de treinamento no avião A-20 Havoc em Palm Springs, California. Aos 50 anos, Brown era muito velho para se alistar, mas viajou quilômetros às próprias custas, para transmitir um pouco de alegria aos rapazes que estavam lutando no além-mar. Ele foi o primeiro a fazer isto, antes da United Organization Camp Shows ser organizada. Foi um dos dois únicos civís agraciados com a Estrela de Bronze das Forças Armadas na Segunda Guerra Mundial.

Joe E. Brown e Martha Raye em Boca Não é Garganta

Entre 1939 e 1944 Brown participou de mais alguns filmes para outras companhias – Boca Não é Garganta / $1000 a Touchdown / 1939 (Dir: James P. Hogan, Paramount) ao lado de Martha Raye, que tinha uma boca tão grande quanto a dele; Palácio das Gargalhadas / Beware Spooks! / 1939 (Dir: Edward Segdwick, Columbia); Barbudo da Fuzarca / So You Won’t Talk / 1940 (Dir: Edward Segdwick, Columbia); Cala a Boca! / Shut My Big Mouth / 1942 (Dir: Charles Barton, Republic); A Garota do Barulho / Joan of Ozark / 1942 (Dir: Joseph Santley, Republic); Um Rapaz Decidido / The Daring Young Man / 1942 (Dir: Frank R. Strayer, Columbia); O Charlatão / Chatterbox / 1943 (Dir: Joseph Santley, Republic); A Preferida / Pin Up Girl / 1944 (Dir: Bruce Humberstone, 20thCentury Fox) – e Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1944 (Dir: Delmer Daves) para a Warner.

Gus Schilling, Joe e Judy Canova em O Charlatão

Em 1947, Brown estava de volta ao palco, atuando em uma excursão teatral da comédia “Harvey”, que lhe proporcionou um Tony Award Especial, e seu primeiro papel no cinema em quase quatro anos de ausência nas telas foi no drama Ternuras de Infância / The Tender Years / 1948 (Dir: Harold D. Schuster), produzido pela Also Production de Edward L. Alperson e distribuido pela 20thCentury Fox. Neste filme Brown é William “Will” Norris, pastor de uma comunidade rural nos anos 1880, que protege os cães que chegam à sua casa fugindo dos maus tratos de seus donos e com seu filho Ted (Richard Lyon) desperta a opinião pública contra a crueldade cometida contra animais.

Joe E. Brown em O Barco das Ilusões

Joe E. Brown e Jack Lemmon em Quanto Mais Quente melhor

Nos anos cinquenta, Brown desempenhou um papel importante como o Capitão Andy Hawks no musical da MGM O Barco das Ilusões / Show Boat / 1951 (Dir: George Sidney) ao lado de Kathryn Grayson, Howard Keel, Ava Gardner, Marge e Gower Champion; fez uma aparição curta como o chefe da estação ferroviária de Fort Kearney em A Volta ao Mundo em 80 Dias / Around the World in 80 Days / 1956 (Dir: Michael Anderson), integrando um elenco impressionante de astros; e teve a sua brilhante performance como Osgood Fielding III em Quanto mais Quente Melhor / Some Like it Hot / 1959, uma das obras-primas de Billy Wilder. Nos anos sessenta, sua trajetória no cinema se encerrou com os cameos em Deu a Louca no Mundo / It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World / 1963 (Dir: Stanley Kramer) como um líder sindical e Farsa Trágica / The Comedy of Terror / 1963 (Dir: Jacques Tourneur) como o zelador do cemitério. Nessas décadas, ele trabalhou também no rádio (onde já vinha atuando desde os anos trinta) e na televisão, a partir de 1952, como O Palhaço na série The Buick Circus Hour, comparecendo também como convidado em vários shows.

Joe E. Brown em Farsa Trágica

O popular comediante faleceu de arteriosclerose na sua residência em Brentwood, Los Angeles, três dias antes de seu 82º aniversário e pela suas contribuições para a indústria cinematográfica ganhou uma estrela na Hollywood Walk of Fame em 1960.

 

DANIELLE DARRIEUX II

abril 27, 2018

Ao se iniciar a década de quarenta, Danielle Darrieux já tinha sido reconhecida como uma verdadeira estrela: adulada pelo público feminino, que procurava se parecer com ela, e adorada pelo público masculino, pelo charme de sua beleza, ela era capaz de atuar tão bem no drama quanto na comédia.

Danielle Darrieux

Um novo filme, Battement de Coeur / 1940, dirigido por seu marido Henri Decoin, colocou-a no tôpo das pesquisas de popularidade das atrizes francesas, ultrapassando Viviane Romance, a outra grande estrela feminina do final da década de trinta. No enredo, Arlette (Danielle Darrieux), jovem orfã de dezoito anos,foge da casa de correção, e se apresenta em uma escola, após ter lido um anúncio que prometia uma formação com vistas a um emprego. O diretor, Aristide (Saturnin Fabre), é professor de uma matéria muito particular: ele ensina seus alunos a se tornarem exemplares batedores de carteira. Arlette se mostra uma boa aluna e faz camaradagem com um de seus colegas, Yves (Carette). Ele a convence de que a unica solução para ela é fazer um casamento branco, para conseguir sua “liberdade”, antes de completar vinte e um anos. Ela aceita roubar, para obter o dinheiro necessário para o casamento; mas logo no seu primeiro furto, é presa em flagrante por um embaixador (André Luguet). Em vez de denunciá-la à polícia, ele se aproveita da circunstância, para obrigá-la a ajudá-lo a obter uma prova de que sua esposa (Junie Astor) está lhe traindo com o jovem adido da embaixada, Pierre de Rougemont (Claude Dauphin). Sob falsa identidade, Arlette acompanha o embaixador a um baile, onde é apresentada a Pierre, que a corteja ostensivamente. De volta à escola, sua aventura é descoberta pelo matreiro Aristide, que a expulsa por deslealdade, porque trabalhou por conta própria. Ela decide então contar tudo a Pierre, mas seu relato não é bem acolhido pelo jovem diplomata. Mesmo assim, ele consente em hospedá-la temporariamente com o projeto de lhe arranjar um casamento branco com seu amigo Roland (Jean Tissier), antigo diplomata sem dinheiro. Entretanto, Arlette manobra é para se casar com Pierre – e consegue seu objetivo, sendo muito lembrada a sequência em que Pierre se aproxima de Arlette em silêncio, completamente subjugado pela sua sensualidade, quando ela aparece sentada na varanda de maiô, mostrando suas lindas pernas, penteando um cachorrinho preto e cantando “Une Charade”, a canção de Paul Misraki, que faria muito sucesso comercialmente.

Danielle Darrieux e Claude Dauphin em Battement de Coeur

Danielle Darrieux e Saturnin Fabre em Battement de Coeur

Essa comédia sentimental obteve um êxito merecido, pela originalidade de seu argumento, pelo ritmo ágil, pela presença sempre cintilante de Danielle Darrieux e sobretudo pela atuação memorável de Saturnin Fabre, um dos grandes coadjuvantes excêntricos do cinema francês, notadamente quando ele expõe pomposamente os princípios “científicos” da “arte” de furtar ou quando demonstra suas técnicas com manequins-vítimas, que fazem soar o alarme, quando os discípulos não mostram habilidade para furtar as carteiras com a discrição exigida.

Danielle Darrieux e Louis Jourdan em Premier Rendez-Vous

Durante a chamada “Guerra de Mentira”, período de oito meses que se seguiram à invasão da Polonia pelas tropas nazistas, Danielle divorciou-se de Henri Decoin, mas ficaram bons amigos. Em 1941, ele a convidou para fazer Premier Rendez-Vous na firma Continental, companhia administrada por Alfred Greven e destinada a produzir na França filmes alemães com mão de obra francesa. Micheline (Danielle Darrieux) é uma orfã sem dinheiro, que vive em um pensionato. Pensando em fugir, ela responde a um pequeno anúncio colocado por um desconhecido, que lhe marca um “primeiro encontro” em um café. Micheline espera que esse homem misterioso seja um belo rapaz, que logo se apaixonará por ela, mas se depara com Nicolas Rougemont (Fernand Ledoux), um velho professor. Para não decepcioná-la, NIcolas lhe diz que veio no lugar de seu sobrinho, Pierre (Louis Jourdan), que ficara impedido de comparecer. Ele leva Micheline para sua casa, onde conhece Pierre, nascendo o romance entre os dois. Os alunos de Nicolas convencem seu mestre a adotar Micheline e organizam uma coleta, a fim de reembolsar as somas devidas por ela ao pensionato. Daí em diante, ela fica livre para se casar com o homem de sua vida. Com uma direção que soube exaltar a beleza, a voz e o talento da estrela, o filme, assim como a canção-título, fez muito sucesso.

Albert Préjean, Danielle Darrieux  e jean Parédès em Caprices

Como antes da guerra não só Danielle, mas muitos de seus colegas haviam trabalhado na Alemanha, e ela não tinha uma idéia bem precisa do que representava a Continental, então achou normal aceitar o convite de Greven, para atuar em Premier Rendez-Vous; mas seus outros dois filmes nessa empresa, Caprices / 1941 e La Fausse Maîtrese / 1942, lhe foram impostos por Greven através de uma chantagem. Danielle havia conhecido e se apaixonado por Porfirio Rubirosa, diplomata da República Dominicana na França, que detestava os alemães e manifestava seu ódio em público. Protegido por seu passaporte diplomático, ele parecia intocável até o dia em que os alemães o acusaram de espionagem e o levaram para uma prisão em Bad Nauheim, ao norte de Frankfurt. Como Danielle revelou nas suas memórias, (Danielle Darrieux, Filmographie Commentée par elle-même, Ramsay Cinéma, 1995), Greven obrigou-a a fazer os dois filmes “se não quizesse que uma pessoa que lhe era muito querida sofresse graves aborrecimentos”. Greven prometeu salvar Rubirosa, se ela participasse de uma viagem organizada para mostrar a “colaboração” das vedetes do cinema francês com a Alemanha. Para proteger Rubirosa, Danielle concordou em ir, mas só aceitou uma “escala” em Berlim para a pré-estréia de Premier Rendez-Vous.

Danielle Darrieux e Bernard Lancret em La Fausse Maîtresse

Rubirosa foi sôlto, e ele e Danielle tentaram em vão chegar à Espanha e depois Inglaterra. Eles se casaram em Vichy e, após La Fausse Mâitresse, Danielle se recusou categoricamente a filmar com a Continental. Em consequência, Greven interditou toda aparição do nome dela e de suas fotos na imprensa. Depois, os alemães enviaram os dois para Megève em prisão domiciliar. Eles decidiram fugir, e conseguiram em agosto de 1944. Usando documentos falsos – ela, com o nome de Denise Robira – chegaram a Paris, refugiando-se no subúrbio de Septeuil, onde Danielle tinha uma casa, habitada por sua irmã, seu cunhado e seus filhos. Quando Paris foi libertada, o Comitê de Depuração convocou Danielle, mas ela não foi inquietada, ao contrário do que aconteceu com Arletty, Sacha Guitry e alguns outros.

Caprices foi realizado por Léo Joannon e La Fausse Mâitresse por André Cayatte. No primeiro, Danielle é Lise, uma atriz de renome que se faz passar por uma pobre florista e seu companheiro é Albert Préjean. No segundo, baseado em um conto de Balzac, Danielle é Lilian, uma trapezista de circo e seu companheiro é Bernard Lancret. Estas duas comédias foram bem recebidas pelos espectadores, embora Danielle não gostasse de nenhum dos três filmes que fez para a Continental.

André Luguet e Danielle Darrieux em Au Petit Bonheur

O primeiro filme de Danielle depois da guerra, Au Petit Bonheur / 1945, foi realizado por Marcel L ‘Herbier, adaptação de uma peça de Marc-Gilbert Sauvajon. É uma comédia de “guerra dos sexos” com uma tonalidade macabra: dois jovens casados, Martine (Danielle Darrieux) e Denis (François Perier), não param de brigar por causa das infidelidades dele. Após uma disputa mais violenta que as outras, Denis vai para a Côte d ‘Azur, e Martine, exasperada pela fuga de seu marido infiel, se aproxima de Du Plessis (André Luguet), escritor famoso com uma obsessão mórbida por uma mulher morta que o traíra. Du Plessis quer acabar com sua vida e Martine decide acompanhá-lo no seu projeto mórbido; mas finalmente faz as pazes com Denis.

Louis Salou e Danielle Darrieux em Até Logo, Querida!

Depois, Danielle fez Até Logo, Querida! / Adieu Chérie / 1945 de Raymond Bernard, interpretando o papel de Chérie, uma garota de boate à qual um jovem burguês, Bruno Brétillac (Jacques Berthier), pede para ela se fazer passar por sua noiva e se casar com ele, a fim de lhe evitar uma união com uma rica herdeira desgraciosa, como querem seus pais. Mediante a promessa de uma recompensa e um imediato divórcio após o matrimônio, ela aceita participar do seu plano. Ostentando todas as qualidades de uma donzela virtuosa, Chérie consegue se fazer amar pela família Brétillac. Tudo correria perfeitamente se, em um acesso de franqueza, Chérie não revelasse a verdade para seus futuros sogros. Para evitar a vergonha pública, que não deixaria de se abater sobre os Brétillac, o casamento é realizado, mas Chérie, deixará para sempre a casa do seu príncipe encantado.

Danielle Darrieux e Paul Meurisse em História de um Pecado

Danielle Darrieux e Georges Marchal em História de um Pecado

Embora tivessem seus méritos, Danielle considerava insípidas essas duas produções e quando Léonide Moguy lhe propôs História de um Pecado / Betsabée / 1947, ela manifestou imediatamente a sua concordância, contente em mudar de gênero de intriga e mesmo de ambiente, pois a filmagem deveria se desenrolar na África do Norte. O filme é adaptação de um romance de Pierre Benoît, inspirado na história da heroína bíblica. No melodrama, Arabella (Danielle Darrieux) reune-se com seu noivo, o capitão Dubreil (Georges Marchal) em um quartel de spahis nos confins do Marrocos. Arabella está separada de seu primeiro marido, Lucien Sommerville (Paul Meurisse), que sucumbiu ao alcoolismo, porque ela o deixou e ignora que Sommerville é colega de Dubreil. Arabelle suplica-lhe que lhe conceda o divórcio, mas ele se recusa. Quando Sommerville vê Arabelle nos braços Dubreil, passa a atormentá-la, acusando-a de ter sido a causa do suicídio de um amigo que era loucamente atraído por ela. O comandante do forte (Jean Murat), também sensível aos encantos de Arabella, tem uma filha, Évelyne (Andrée Clement) que, apaixonada por Sommerville, sente ciúmes de Arabella. Esta tenta explicar a Dubreil que não é responsável pelas paixões que desperta, porém ele acusa sua noiva de traição. O pai de Évelyne envia Sommerville para uma missão no lugar de Dubreil, e o militar encontra a morte, mas a tempo de perdoar Arabella. Évelyne, enraivecida, mata então Arabella com um tiro de revólver. Contrariando todas as expectativas, História de um Pecado não recebeu boa acolhida da crítica e, durante a filmagem, o relacionamento entre Danielle e Rubirosa terminou oficialmente com a decretação do seu divórcio

Jean Marais e Danielle Darrieux em Entre o Amor e o Trono

O filme seguinte da atriz, Entre o Amor e o Trono / Ruy Blas / 1947, foi anunciado com entusiasmo pela imprensa, pois se tratava de uma grande produção baseada na peça célebre de Victor Hugo, adaptada em prosa para a tela por outro poeta: Jean Cocteau. Admirador de Danielle, Cocteau convidou-a para protagonizar a rainha da Espanha, e ela aceitou, achando que poderia retomar seus personagens românticos de sucesso como Marie Vetsera em Mayerling ou Katia no filme do mesmo nome, de Maurice Tourneur. A adaptação concebida por Cocteau transformou o drama lírico hugoliano essencialmente em uma aventura de capa-e-espada e ele impôs, ao lado de Danielle, a presença de seu protegido, Jean Marais, no papel duplo de Ruy Blas e de Don César de Bazan. O atlético Marais fez questão de realizar ele mesmo as cenas arriscadas. Danielle, quase sem conseguir se mexer nos seus vestidos sufocantes de rainha, esforçou-se para representar razoavelmente a soberana. O diretor Pierre Billon procurou evitar a teatralidade, levando suas câmeras para os exteriores – mas a recepção do espetáculo foi decepcionante. Pouco depois do término da filmagem de Ruy Blas, por intermédio de seu irmão Olivier, que fazia um pequeno papel no filme, Danielle conheceu Georges Mitsinkidès, com que se casou em junho de 1948. Eles adotaram um filho, Michel, em 1956, e viveram juntos até a morte de Mitsinkidès em 1991.

Danielle Darrieux e Marcel Archard

No final de 1948, Danielle assumiu o principal papel feminino de Jean de la Lune, baseado na peça de Marcel Achard e realizado totalmente em estúdio pelo próprio autor. Marceline (Danielle Darrieux) é uma mulher incorrigivelmente volúvel. Infiel a Richard (Pierre Dux), ele é acobertada por seu irmão complacente, Clo Clo (François Périer). Não suportando mais sua conduta, Richard rompe com Marceline enquanto ela vai visitar Jeff (Claude Dauphin), seu amigo florista, apelidado de Jean de la Lune, porque é um doce sonhador. Apaixonado por Marceline, Jeff, apesar de seu mau comportamento, pede-a em casamento. Comovida, ela aceita mas, apesar da sinceridade tocante de Jeff, continua a levar uma vida dissoluta, sempre acobertada por Clo Clo. Este acaba por se cansar da atitude de sua irmã e revela a Jeff que sua esposa está prestes a deixá-lo por um novo amante, ambos a caminho do Brasil. Na rota de sua fuga, Marceline ouve inesperadamente crianças cantando o refrão “Jean de la Lune”. Perturbada, ela parece se dar conta de seus sentimentos por seu marido. Com mansidão, Jeff finge que não sabe de nada, e a acolhe de braços abertos. O comentarista de Télérama proferiu um veredicto sucinto: “Marcel Achard visivelmente mais à vontade com suas (boas) palavras do que com as imagens”.

Jean Desailly e Danielle Darrieux em Meu Amigo, Amélia e Eu

Foi ainda com uma peça filmada que Danielle prosseguiu sua carreira: em Meu Amigo, Amélia e Eu / Occupe-toi d’Amélie / 1949, cuja ação se desenrola na Belle Époque. Ela é Amélie Pochet (Danielle Darrieux), outrora camareira, que agora atende pelo nome de Amélie d’Avranches, graças à proteção e às liberalidades de seu amante Étienne de Milledieu (André Bervil), tenente dos hussardos. Marcel Courbois (Jean Desailly) necessita de dinheiro e pede Amélie “emprestada” ao seu amigo Étienne, para um casamento branco. Assim, seu tio (Victor Guyau) poderá lhe transmitir a herança que o falecido pai de Marcel havia reservado ao filho para o dia de seu matrimônio. Retornando inesperadamente, Étienne percebe, consternado, que Marcel se ocupou demais de Amélie. Ao saber da infidelidade de Amélie, o militar arma sua vingança: do falso matrimônio planejado, ele prepara um verdadeiro. Marcel fica furioso, porém, Amélie assinou o livro de registro do casamento com seu nome falso, Amélie d’Avranches e, neste caso, o matrimônio é nulo. Mesmo assim, em um final feliz, Marcel e Amélie percebem que se amam, e partem para a lua-de-mel, obtendo no último momento a complacência do tio e um cheque polpudo.

Cena de Meu Amigo, Amélia e eu

Claude Autant-Lara e seus roteiristas prediletos, Jean Aurenche e Pierre Bost, fizeram uma releitura da obra de Georges Feydeau, mantendo intactos seus diálogos maliciosos, sua incessante e agitada movimentação, seus quiproquós e acontecimentos imprevistos. Autant-Lara encontrou a maneira cinematográfica de reproduzir a vivacidade do texto original pela utilização frenética da câmera e pela interpretação quase histérica dos atores. E há também novidades formais: o roteiro mistura os atores do teatro Palais-Royal com a platéia, que assiste à representação nesse mesmo teatro, vendo-se por exemplo, em mais de uma ocasião, uma família buguesa que assiste ao espetáculo invadir a ribalta para protestar contra a conduta imprópria dos personagens; além disso, um personagem nos é apresentado como ator, antes que ele comece a interpretar o papel que lhe foi atribuído e, em outros momentos, o pano de boca se fecha sobre os atos da peça. Danielle, está encantadora como Amélie, a cocote brejeira que é o centro de todas as atenções.

Danielle Darrieux e Daniel Gelin em Conflitos de Amor

Jean Gabin e Danielle Darrieux em O Prazer

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Desejos Proibidos

Os anos cinquenta foram muito favoráveis à atriz. Ela fez vinte e sete filmes em dez anos, entre eles seus maiores sucessos artísticos e/ou comerciais, e interpretou uma grande variedade de papéis: a mulher casada em Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (Dir: Max Ophuls); Princesse Louise em Romance de Amor / Romanzo d’amore (Toselli) / 1951 (Dir: Duilio Coletti); Gabrielle Bonadieu em La Maison Bonnadieu / 1951 (Dir: Carlo Rim); Élisabeth Donge em Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952 (Dir: Henri Decoin); Rosa em O Prazer / Le Plaisir / 1952 (Dir: Max Ophuls); Condessa Anna Slaviska em Cinco Dedos / Five Fingers / 1952 (Dir: Joseph L. Mankiewicz); Christiane em Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque); Marie Devrone em Rica, Bonita e Solteira / Rich, Young and Pretty / 1952 (Dir: Norman Taurog); Condessa Louise de … em Desejos Proibidos / Madame de … / 1953 (Dir: Max Ophuls); Janine Fréjoul em Le Bon Dieu sans Confession / 1953 (Dir: Claude Autant-Lara); Geneviève em Château en Espagne El Torero / 1954 (Dir: René Wheeler); Madame de Rénal em Vermelho e Negro / Le Rouge et le Noir / 1954 (Dir: Claude Autant-Lara); Madame Berthier em Criadinha Indiscreta / Escalier de Service / 1954 (Dir: Carlo Rim); Constance Andrieux em Bonnes à Tuer / 1954 (Dir: Henri Decoin); Eléonore Denuelle em Napoleão / Napoléon / 1955 (Dir: Sacha Guitry); Madame de Montespan em Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 (Dir: Henri Decoin); Constance Chatterley em O Amante de Lady Chatterley / L’Amant de Lady Chatterley / 1955 (Dir: Marc Allégret); Agnès Sorel em Si Paris nous était Conté / 1956 (Dir: Sacha Guitry); Olympias em Alexandre Magno / Alexander the Great / 1956 (Dir: Robert Rossen); Isabelle Lindstrom em Le Salaire du Péché / 1956 (Dir: Denys de La Patellière); Françoise Fabre em Tufão sobre Nagasaki / Typhon sur Nagasaki / 1957 (Dir: Yves Ciampi); Caroline Hédoin em As Mulheres dos Outros / Pot Bouille / 1957 (Dir: Julien Duvivier); Brigitte de Lédouville em Le Septième Ciel / 1958 (Raymond Bernard); Thérèse Marken em Vício Maldito / Le Désordre et la Nuit / 1958 (Dir: Gilles Grangier); Monique Lebeaut em A Mentira do Amor / La Vie à Deux / 1958 (Dir: Clément Duhour); Catherine Bourvil em Un Drôle de Dimanche / 1958 (Dir: Marc Allégret); Marie Octobre em Marie Octobre / Marie Octobre / 1959 (Dir: Julien Duvivier); Jeanne Moncatel em Os Olhos do Amor / Les Yeux de l’Amour / 1959 (Dir: Denys de La Patellière).

James Mason e Danielle Darrieux em Cinco Dedos

Entre os filmes citados destacam-se os três filmes que ela fez com Max Ophüls (Conflitos de Amor, O Prazer, Desejos Proibido); Cinco Dedos de Mankiewicz; Vermelho e Negro de Autant-Lara (grande êxito de bilheteria); As Mulheres dos Outros e Marie Octobre de Julien Duvivier; e Amor Traído de Henri Decoin. Quanto aos seus melhores papéis, o meu preferido é o de Bébé Donge em Amor Traído.

Danielle Darrieux e Gérard Philipe em Vermelho e Negro

Gerard Philipe e Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Julien Duvivier dirige Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Danielle Darrieux em Marie Octobre

No leito de uma clínica, durante uma longa agonia, François Donge (Jean Gabin) recorda o passado. Rico industrial da província e colecionador de amantes, ele casou-se com Elisabeth d’Onneville (Danielle Darrieux), chamada de Bébé, mais por cansaço do que por amor. Bébé, jovem idealista e apaixonada, não encontrou nele o que esperava. Dez anos mais tarde, sentimentalmente decepcionada, ela o envenena. Compreendendo tarde demais os seus erros, François morre. Elizabeth, como um autômato, acompanha o juiz de instrução que veio para prendê-la.

Filme sombrio e desesperado, com uma construção dramática rigorosa e fiel ao universo dos romances de Simenon. O mistério concebido pelo romancista não é policial, mas psicológico: por que Bébé, jovem pura e sincera, envenenou o marido após dez anos de matrimônio? No decorrer dos seus dias nos quais fica entre a vida e a morte, François Donge procura a resposta, faz um exame de consciência e descobre a verdade. A culpa foi dele, que não soube amá-la. Ele espera viver como não vivera até então. Porém, é tarde demais. Esse drama da incompreensão foi magníficamente interpretado pela dupa Gabin-Darrieux, talvez o melhor papel de Darrieux e a composição mais trabalhada de Gabin.

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

 

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

Jean Gabin em Amor Traído

Danielle Darrieux em Amor Traído

Entre 1960 e 2010, Danielle fez mais quarenta filmes: Assassinato em 45 R.P. M. / Meurtres en 45 Tours / 1960 (Dir: Étienne Périer); L’Homme à Femmes /1960 (Dir: Jacques-Gérard Cornu); Fruto de VerãoThe Grengage Summer /1961 (Dir: Lewis Gilbert); Os Amores de um Rei / Vive Henri IV, Vive L’ Amour! (Dir: Claude Autant-Lara); Os Leões Estão Sôltos / Les Lions Sont Lâchés / 1961 (Dir: Henri Verneuil); Les Bras de la Nuit / 1961 (Dir: Jacques Guymont); Le Crime Ne Paie Pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); O Diabo e os Dez Mandamentos / Le Diable et les Dix Commandements / 1962 (Dir: Julien Duvivier); Landru, A Verdadeira História do Barba Azul / Landru / 1963 (Dir: Claude Chabrol); Méfiez-Vous, Mesdames! / 1963 (Dir: André Hunebelle); Du Grabuge Chez Les Veuves / 1964 (Dir: Jacques Poitrenaud); Pourquoi Paris? / 1964 (Dir: Denys de La Patellière); O Desquite de Papai / Patate / 1964 (Dir: Robert Thomas); L ‘Or du Duc /1965 (Dir: Jacques Baratier); Le Coup de Grâce / 1966 (Dir: Jean Cayrol, Claude Durand); Le Dimanche de la Vie / 1967 (Dir: Jean Herman); Duas Garotas Românticas / Les Demoiselles de Rochefort / 1967 (Dir: Jacques Demy); O Homem do Buick / L’Homme à la Buick / 1968 (Dir: Gilles Grangier); Desejo Insaciável / Les Oiseaux Vont Mourir au Pérou /1968 (Dir: Romain Gary); Vingt-Quatre Heures de la vie d’une Femme / 1968 (Dir: Dominque Delouche); La Maison de Campagne / 1969 (Dir: Jean Girault); No Encontré Rosas Para Mi Madre – Rose Rouges et Piments Verts / 1974 (Dir: Francisco Rovira Beleta);Divine / 1975 (Dir: 1975); L’Année Sainte / 1976 (Dir: Jean Girault); Le Cavaleur / 1979 (Dir: Philipe de Broca); Une Chambre en Ville / 1982  (Dir: Jacques Demy); En Haut des Marches / 1983 (Dir: Paul Vecchiali); A Cena do Crime / Le Lieu du Crime / 1986 (Dir: André Téchiné); Corps et Biens / 1986 (Dir: Benoit Jacquot); Quelques Jours Avec Moi / 1988 (Dir: Claude Sautet); Bill en Tête / 1989 (Dir: Carlo Conti); Le Jour des Rois / 1991 (Dir: Marie-Claude Treilhou); Les Mammies / 1992 (Dir: Annick Lanöe); Ça Ira Mieux Demain / 2000 (Dir: Jeanne Labrune); 8 Mulheres / Huit Femmes / 2002 (Dir: François Ozon); Uma Vida a Tua Espera / Une Vie à t’Attendre / 2004 (Dir: Thierry Klifa); Nouvelle Chance / 2006 (Dir: Anne Fontaine); Persepolis / 2007, animação – a voz da avó (Dir: Marjane Satrapi); L’Heure Zero / 2007 (Dir: Pascal Thomas); Piéce Montée / 2010 (Dir: Denys Granier-Deferre).

O único dos seus filmes nesse período que permaneceu na memória de todos os fãs de cinema, foi inegavelmente Duas Garotas Românticas, realização que se tornou cult no decorrer do tempo, e que contribuiu muito para a persistência da notoriedade de Danielle Darrieux entre os jovens cinéfilos de hoje.

Elenco principal de Duas Garotas Românticas

Danielle Darrieux em Duas Garotas Românticas

Recordemos brevemente o enredo do filme: Solange (Françoise Dorléac) e Delphine (Catherine Deneuve) são irmãs gêmeas, dedicam-se à música e à dança, e têm um único sonho: encontrar seus respectivos príncipes encantados. Maxence (Jacques Perrin), marinheiro-pintor que está servindo em Rochefort, onde vivem as irmãs, fizera o retrato da mulher-ideal, que muito se assemelha a Delphine. Andy Miller (Gene Kelly), concertista de piano, encontra uma partitura musical na rua, e deseja conhecer o autor, que não é outra pessoa senão Solange. A mãe (solteira) de Solange e Delphine, Madame Garnier (Danielle Darrieux), dona de um café, vive lamentando ter perdido o homem com o qual se recusara a casar (porque achava seu nome ridículo – não queria ser chamada de Madame Dame), e que desapareceu, sem saber que ele, Simon Dame (Michel Piccoli), abriu recentemente uma loja de instrumentos musicais em Rochefort. Durante uma grande feira comercial na cidade (onde dois caminhoneiros (George Chakiris, Grover Dale) convidam as duas irmãs para substituir suas parceiras no show que pretendem apresentar), os casais vão se formar: Solange com Andy, Yvonne com Simon, e Maxence com Delphine, em um final feliz.

 

Eternamente bela!

Nesta agradável comédia musical francesa à moda americana, movimentada pela câmera de Jacques Demy e embalada pela música e de Michel Legrand, Danielle foi a única que gravou ela mesma suas canções, sem precisar ser dublada. No papel de mãe de Catherine Deneuve, DD tinha 50 anos, e ainda estava muito bem físicamente. Mais tarde, ao 85 anos, reencontrou-se com Catherine em 8 Mulheres, e esta assim se pronunciou a seu respeito: “É a única mulher que me impede de ter medo de envelhecer”.

 

DANIELLE DARRIEUX I

abril 13, 2018

Que outra atriz de cinema no mundo inteiro pode se gabar de ter iniciado sua carreira com quatorze anos incompletos para encerrá-la com a idade de noventa e três anos? Entre 1931 e 2010, mantendo-se sempre miraculosamente bela, ela fez cento e três filmes para o cinema, suscitando a admiração do público e dos realizadores com os quais trabalhou.

Danielle Darrieux

Danielle Darrieux (1917-2017), cujo nome verdadeiro era Danielle Yvonne Marie Antoinette Darrieux, nasceu em Bordeaux, filha do oftalmologista Jean Darrieux e Marie-Louise Witkowski de origem polonesa por parte de pai e alsaciana por parte de mãe. Quando tinha dois anos de idade, seus pais mudaram de domícilio para Paris, instalando-se em um apartamento espaçoso na rue de la Pompe, onde recebiam convidados de renome no mundo musical, pois tanto Jean como Marie-Louise eram melômanos: ela sonhava com uma carreira de cantora e ele tocava piano maravilhosamente bem.

Em 1924, Danielle, então com sete anos, perdeu seu pai, vitimado por um ataque cardíaco, e sua mãe passou a dar lições de canto, tanto por paixão como pela necessidade de sustentar a família que, a esta altura contava ainda com Claudette, a filha mais nova, e o menino Olivier. Desde muito cêdo Danielle demonstrou gôsto pela música, aprendendo a tocar piano e violoncelo, além de cantar com uma voz clara, pura, pouco possante, mas promissora.

Pensando no futuro da filha, Marie-Louise fez com que ela prestasse concurso para o Conservatório Nacional de Música de Paris, onde foi aceita imediatamente, apesar de ter apenas treze anos e meio. Certo dia, por intermédio do marido de uma aluna de sua mãe, Marie Serta, Danielle ficou sabendo que dois produtores, Delac e Vandal, estavam procurando uma heroína de quatore ou quinze anos para sua próxima produção, intitulada Le Bal. O argumento, baseado em um romance de Irène Némirovsky, relatava a história da vingança de uma adolescente, Antoinette Kampf (Danielle Darrieux), cujos pais novos-ricos (André Lefaur, Germaine Dermoz), procuram se introduzir na alta sociedade parisiense, organizando um baile suntuoso em sua residência. Sentindo-se abandonada por sua mãe, Antoinette, encarregada de levar os convites ao Correio, joga os envelopes no Sena. Ninguém comparece na festa, porém a harmonia familiar se fortalece.

Danielle Darrieux (usando o nome de Lydie Darrieux) em Le Bal

A versão alemã, Der Ball, já havia sido filmada por Wilhelm Thiele com Lucie Mannheim e Dolly Haas mas, para a versão francêsa, que seria dirigida também por Thiele, parecia impossível encontrar uma jovem atriz, que respondesse aos critérios exigidos. Danielle apresentou-se nos estúdios Épinay, passou nos testes, e assim estreou na tela mocinha, cantando perfeitamente bem duas canções escritas especialmente para ela, “Le Beau Dimanche” e “La Chanson de la Poupée”, demonstrando desembaraço diante das câmeras.

Quando Le Bal foi lançado em 1931, era o nome de Lydie Darrieux que aparecia nos créditos, pseudônimo que Danielle deixou de usar já no seu segundo filme, Coquecigrole / 1931, que ela fez, emprestada por Delac e Vandal ao produtor Jacques Haik. Nesta adaptação de um romance de Alfred Machard, dirigida por André Berthomieu, Danielle é Coquecigrole, orfã dotada de uma voz fora do comum. Ela é recolhida por um garçom, o velho ator cômico Macarol (Max Dearly) que, juntamente com seu colega Tulipe (Raymond Galle), lança a menina nos palcos. Após alguns incidentes, incluindo o sequestro de Coquecigrole pelo seu pai verdadeiro, ela se casa com Tulipe, nascendo uma filha dessa união.

Danielle Darrieux e Gerard Sandoz em Panurge

No seu terceiro filme, Panurge / 1932, produzido pela Écrans de France e dirigido por Michel Bernheim, Danielle é Régine, uma lavadeira que, seduzida por uma vida de luxo, se afasta temporariamente de seu namorado Panurge (Gérard Sandoz), um pobre sapateiro. No seu quarto filme, Le Coffret de Laque / 1932, um policial produzido por Jacques Haik, dirigido por Jean Kemm e baseado em um romance de Agatha Christie, Danielle é Henriette Stenay, filha de um casal (Alice Field, Maurice Varny), que está entre as pessoas investigadas pelo detetive Préval (René Alexandre), suspeitas de tentativa de roubo de uma fórmula de grande valor para o Ministério da Guerra e do envenenamento do químico que a concebera.Em 1933, após umas férias, Danielle voltou ao estúdio convocada por Geza von Bolvary para participar, com Jaque Catelain, de Château de Rêve, dirigido conjuntamente com Henri Georges Clouzot e co-produzido pela UFA. No enredo, um diretor que está realizando um longa-metragem sobre o Mar Adriático, precisando de figurantes, pede ao comandante de um navio (Jaque Catelain) para usar seus marinheiros e lhe oferece o papel de um príncipe no seu filme. Quando a filmagem passa para o ambiente campesino, a equipe encontra uma bela pastora, Béatrix (Danielle Darrieux) e, como em um conto de fadas, o comandante, que é realmente um príncipe, se apaixona por ela, sem saber que, na verdade, a moça é a filha do castelão local.

Jaque Catelain e Danielle Darrieux em Château de Rêve

Com Volga em Chamas / Volga em Flammes / 1934, de Victor Tourjansky, rodado na Tchecoslováquia, Danielle tem pela primeira vez como companheiro Albert Préjean, com o qual vai logo formar uma dupla célebre do cinema francês (seis filmes juntos ao todo). Trata-se de uma grande producão de aventura histórica, adaptada de um romance de Puchkin, sobre um líder de bandidos, Silatchoff (Valéry Inkijinof), que se proclama tsar do povo e executa seus adversários com muita crueldade. Danielle é Macha, jovem apaixonada pelo Tenente Orloff (Albert Préjean), um oficial que se opõe ao tirano.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Volga em Chamas

De volta a Paris, Danielle filma sob o comando de Billy Wilder (em colaboração com Alexandre Esway), Horas do Diabo / Mauvaise Graine / 1934, cuja ação transcorre na sua maior parte em exteriores, algo inusitado na época. Como Jeannette, irmã do chefe de um grupo de desocupados que roubam carros, ela se apaixona pelo jovem Henri (Pierre Mingand), rapaz honesto que, por fraqueza, se envolvera com os delinquentes. A função de Jeannette é seduzir os proprietários de veículos luxuosos, a fim de que o bando tenha tempo de roubá-los.

Pierre Mingand e Danielle Darrieux em Horas do Diabo

O filme seguinte de Danielle, Mon Coeur T’Appelle / 1934, co-produção franco-italiana realizada por Carmine Gallone e Serge Veber, coloca Danielle nos braços de Jan Kiepura. Ele é Mario Delmonti, tenor talentoso, mas ainda desconhecido, que não perde oportunidade de demonstrar seus dons, cantando nos lugares mais incovenientes. A bordo de um navio que o transporta para Mônaco, onde o chefe de sua trupe (Lucien Baroux) conta com um novo compromisso na Ópera de Monte-Carlo, Mario se apaixona por Nicole Nadin (Danielle Darrieux), uma secretária que havia perdido seu emprego. Ao chegarem ao seu destino, o diretor da Ópera, que parece ser amnésico, se recusa a recebê-los. Ajudado por Nicole, Mario usa todo tipo de astúcia para atrair a atenção do diretor e finalmente consegue seu objetivo, cantando a Tosca no átrio da Ópera de Monte Carlo, ao mesmo tempo que os artistas estão em cena. Por curiosidade, quem assumiu o papel de Danielle na versão alemã, Meu Coração Te ChamaMein Herz ruft nach Dir, foi Martha Eggerth. Martha e Kiepura se odiaram durante a filmagem mas, tempos depois. tornaram-se marido e mulher na vida real.

Danielle mal teve tempo de retornar a Paris para rever seus parentes e amigos, porque um outro compromisso a esperava mais uma vez na Alemanha. L ‘Or dans la Rue / 1934 de Kurt Bernhardt, comédia policial construída em torno dela e de Albert Préjean. Ele é Albert Perret, que se mete em uma trapaça que consiste em fabricar ouro sintético para enganar os incautos, mas acaba sendo desmascarado, e não lhe resta senão fugir para a América na companhia de uma jovem operária, Gaby (Danielle Darrieux), por quem se apaixonara.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em L’Or Dans la Rue

Pela segunda vez a dupla Darrieux-Préjean entusiasma os espectadores e portanto os dois estão novamente juntos em La Crise est Finie / 1934, desta vez sob a direção Robert Siodmak. O argumento é simples: uma trupe de comédia musical está desempregada por causa da crise econômica. No centro da companhia encontra-se um casal formado pela atriz Nicole (Danielle Darrieux) e pelo pianista Marcel (Albert Préjean). Em um teatro abandonado eles montam uma revista sob o signo do otimismo, praticando pequenos furtos (e até um sequestro), e entoando uma série de canções bem alegres compostas pelo alemão Franz Wachsmann, futuro Waxman quando ele emigrou para os Estados Unidos para fugir do nazismo.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em La Crise est Finie

Em 1934, um sentimento xenófobo se expandiu no meio da indústria do entretenimento. A polícia chegou até a ameaçar a produção de interromper a filmagem e a Nero Film foi constrangida a informar que dos quinhentos técnicos, atores e figurantes , somente sete não eram francêses. Um dia, sobre a porta do estúdio, foi colocado um cartaz, com estes dizeres: “Siodmak, volte para casa!” Soube-se depois que o autor do aviso era Henri Chomette, irmão de René Clair e antigo assistente de Siodmak. Após sete semanas de trabalho, mesmo assim, o filme foi completado, e pôde ser lançado, obtendo um grande sucesso popular.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Dédé

Adaptação de uma opereta, DedéDédé /1934, realizada por René Guissart, brinca com o apelido que Danielle Darrieux passou a receber depois de adquirir certa notoriedade: “DD”. O personagem Dédé, interpretado por Claude Dauphin, é um milionário, que compra uma sapataria, pertencente ao marido de Denise (Danielle Darrieux), mulher que ele ama, a fim de poder se encontrar com ela, sem se comprometer. Porém uma linda vendedora, Odette (Mireille Perrey), não o deixa indiferente, e Denise se consola com Robert (Albert Prejean), rapaz, alegre e decidido, cheio de idéias malucas para atrair a clientela. No elenco encontra-se o nome de algumas futuras vedetes do cinema francês: Ginette Leclerc, Viviane Romance, Suzy Delair e, na parte musical, desenvolvem-se bons números como, por exemplo, o dos grevistas “entregues” às Blue Bell Girls.

No ano seguinte, um outro filme interpretado por Danielle Darrieux e Albert Préjean chega às salas de cinema: Cuidado com Ela / Le Contrôleur des Wagons-Lits, produção franco-alemã, dirigida por Richard Eichberg, A história se passa em 1900 e tem início quando Bernard (Albert Préjean), inventor de um carburador capaz de decuplicar a velocidade dos veículos, é confundido com Mr. Bernard (Lucien Baroux), diretor da fábrica de automóveis Júpiter, e se encontra com uma corista do teatro de revista, Annie Bourguet (Danielle Darrieux), que se faz passar por condessa. No decorrer dos acontecimentos, Bernard descobre a verdadeira identidade da moça e ela verifica que ele é apenas o controlador do carro-domitório de um trem, cujo hobby é a mecânica. Com a ajuda de Annie, Albert toma o lugar do verdadeiro diretor, e experimenta o novo carburador em uma corrida automobilística, finalmente ganha pela Júpiter.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em Pequena Sapeca

É ainda com Albert Préjean que Danielle divide o cartaz de Pequena Sapeca / Quelle Drôle de Gosse / 1935, comédia maluca dirigida por Léo Joannon. O argumento, escrito por Yves Mirande, é o seguinte: Alfred Gaston (Lucien Baroux), um quinquagenário patrão de uma fábrica, está apaixonado por uma de suas secretárias, Lucie (Danielle Darrieux). A fim de não fazer um matrimônio desigual, ele decide despedir Lucie, para pedí-la em casamento no dia seguinte. Desesperada com a dispensa, Lucie vai se jogar no Sena, quando é salva por Gaston Villaret (Albert Préjean) que, para impedí-la de pular de novo no rio, leva-a para uma recepção em sua casa. Irritada por ter sido contrariada no seu plano de suicídio, e com o auxílio de alguns copos de uísque, Lucie cria uma imensa confusão (completamente embriagada, a moça caminha titubeando sobre o telhado da residência de Gaston, ameaçando se jogar no vazio diante dos pedestres horrorizados; ela esquece de fechar uma torneira e causa uma inundação). Mas Gaston e Lucie se amam e na manhã seguinte, revelarão um para o outro seus sentimentos mútuos.

Com este papel de garota travessa, a atriz transpôs uma etapa na sua carreira: a partir de agora ela estará sempre no centro do filme, será o motor de toda a ação. A crise de nervos de Danielle Darrieux tornou-se uma espécie de passagem obrigatória em  seus filmes cômicos.

Danielle Darrieux e Pierre Mingand em Mademoiselle Mozart

Em 1936, ela faz Mademoiselle Mozart, comédia musical comandada por Yvan Noé, reunindo-se novamente com Pierre Mingand, que esteve ao seu lado em Horas do Diabo. Mingand é Maxime, rapaz rico que, entediado no meio dos seus e de sua noiva, uma provinciana triste e enfadonha, se interessa por Denise (Danielle Darrieux), a bela proprietária de uma loja de instrumentos musicais na Avenida Mozart. Como os negócios não vão muito bem, ele vem em socorro de Denise e, com a maior discreção, se emprega como vendedor. Depois de muitos incidentes e canções, um cai nos braços do outro na sua loja.

Depois de Mademoiselle Mozart, Danielle participou, mais uma vez ao lado de Jan Kiepura, de J’Aime Toutes les Femmes / 1935, versão francêsa de um filme alemão, Ich liebe alle Frauen, dirigido pelo tcheco Carl Lamac (obs. no Brasil só passou a versão alemã com o título de Amo Todas as Mulheres). Ela fez algumas cenas em Berlim, porém o essencial da filmagem teve lugar em Paris sob a direção de Henri Decoin, substituto de Lamac. Kiepura é o tenor, Jean Morena, que quer se livrar de sua glória e, para isso, envia em seu lugar à uma recepção um rapaz empregado de uma mercearia, Eugène (Jan Kiepura), que se parece muito com ele, provocando inúmeros incidentes com suas respectivas noivas, Danièle (Danielle Darrieux) e Camille (Hélène Robert). Enfim tudo se reolve, quando os dois heróis formam um dueto. Nesta ocasião Danielle e Decoin começaram a namorar.

Subsequentemente, Danielle foi contratada por Alexis Granowsky para atuar em um filme de aventura histórica, Tarass Boulba / Taras Boulba / 1936, baseado em um romance de Nicolas Gogol, ao lado de Harry Baur e Jean-Pierre Aumont. Trabalhar com Harry Baur era um sonho de Danielle, que aceitou imediatamente o papel de Marina, a filha do governador de uma província polonêsa, cujo palácio é sitiado pelo chefe cossaco. Infelizmente, quando ela chegou ao palco da filmagem, ficou sabendo que não iria contracenar com o grande Harry Baur, mas somente com Jean-Pierre Aumont, que personificava André, o filho de Tarass Boulba, o rapaz por quem Marina estava apaixonada. Apenas oito dias de trabalho para Danielle, que lhe deixaram a impressão de ter participado de um simples esquete.

Daniel Darrieux em Mulher Mascarada

Danielle Darrieux e Henri Decoin

No final de 1935, Danielle e Decoin se casaram, ela com 18 anos, ele com 45, um mês depois da atriz ser dirigida por seu marido em  Mulher MascaradaLe Domino Vert,  produzido pela UFA e rodado nos estúdios de Neue Babelsberg simultaneamente com a versão alemã, Dominó VerdeDer grüne Domino, dirigida por Herbert Selpin e estrelada por Brigitte Horney. Danielle faz um papel duplo, o de Hélène de Richemond e o de sua mãe, Marianne. Hélene de Richemond, uma rica herdeira, foi criada por seu tio e a tia após a morte de sua mãe Marianne. Na véspera de seu casamento, Hélène recebe de um tabelião amigo da família, Maitre Laurent, uma carta escrita por sua mãe, revelando que seu verdadeiro pai se chama Henri Bruquier (Maurice Escande) e que ainda está vivo, condenado a vinte e cinco anos de prisão. A pedido de Hélène, Maitre Laurent lhe conta a história de Bruquier. Em 1914, ele era um crítico de arte, esposo pouco feliz de Lily (Jany Holt), que o traía com o escultor Nébel (Charles Vanel); mas Lily, pôs um fim neste relacionamento, para não perder seu marido que, por sua vez, havia se apaixonado por Marianne. Quando Lily é encontrada morta, Bruquier, pensando que foi Marianne a autora do assassinato, se acusa do crime. Desesperada após o encarceramento de Bruquier, Marianne, grávida dele, casou-se com o senhor de Rochemond. Ela morreu ao dar à luz à Hélène. No presente, Hélène promove a defesa do pai e consegue libertá-lo.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Danielle Darrieux e Charles Boyer em Mayerling

Lançado no início de 1936, Mayerling / Mayerling, drama histórico sobre o amor impossível de Marie Vetsera (Danielle Darrieux) e do arquiduque Rodolphe de Habsburg (Charles Boyer), dirigido com delicadeza por Anatole Litvak para a Nero Film, marcou o primeiro grande momento de Danielle como atriz, tanto pela importância da produção como pela profundidade de seu papel. Seu triunfo foi internacional e Hollywood começou a ficar de ôlho nela.

Danielle Darrieux em Só Para Mulheres

Depois de Mayerling, Danielle tomou parte de mais três filmes no ano de 1936. O primeiro, Só Para Mulheres / Club de Femmes, dirigido por Jacques Deval, mostra um grupo de moças – Greta (Betty Stockfield), Juliette (Josette Day), Alice (Else Argal) -, que se refugia na pensão de Gabrielle Aubry (Valentine Tessier) e Madame Fargeton (Ève Francis), para ficar ao abrigo das tentações e dos perigos do cotidiano. Na pensão circulam ainda Hèlene (Junie Astor), a telefonista perversa ligada a um rufião e, enfim, Claire (Danielle Darrieux), corista do Folies Bergères, dançarina ambiciosa e obstinada. No decorrer da narrativa, o ambiente do clube se revela o lugar das experiências infelizes de Greta, Juliette, Alice e Hélène e de uma aventura sentimental de Claire, afinal bem sucedida – desprezando as regras do Clube, ela introduz no estabelecimento seu noivo (Raymond Galle) vestido de mulher.

Adolf Wohlbrück e Danielle Darrieux em Port Arthur

O segundo filme, Port Arthur / Port Arthur, dirigido por Nikolas Farkas, tem como pano de fundo a guerra russo-japonesa de 1904. Danielle faz o papel de Youki, filha de pai russo e mãe japonesa, mas casada com um capitão da marinha russa, Boris Ranewsky (Adolf Wohlbrück), que, perseguida pelo comandante Vassidlo (Charles Vanel), é injustamente acusada de espionagem e prefere morrer nos braços de seu marido.

O terceiro filme, Uma Dupla do Barulho / Un Mauvais Garçon, dirigido por Jean Boyer gira em torno de uma jovem advogada, Jacqueline Serval (Danielle Darrieux), cujo pai quer casá-la com o filho de uma família amiga, os Feutrier. Cansada de brigar com seu progenitor, Jacqueline aceita um acordo: se ela não encontrar um cliente dentro de dezoito meses, terá que esposar o rapaz escolhido. Ela acaba defendendo um escroque simpático, Pierre Mesnard (Henri Garat), por quem se apaixona, sem saber que ele é o filho dos Feutrier.

No período 1937-1939, Danielle fez três filmes sob a direção de seu marido Henri Decoin (Senhorita Minha Mãe / Mademoiselle Ma Mère / 1937, Abuso de Confiança / Abus de Confiance / 1937, A Volta ao Lar/ Retour a L’ Aube / 1938); um filme americano dirigido por Henry Koster, Sensação de Paris / The Rage of Paris / 1938; e Katia / Katia / 1938 sob responsabilidade diretorial de Maurice Tourneur.

Em Senhorita Minha Mãe, após romper quatorze noivados para desespêro de seus pais, a linda e frívola Jacqueline Vignolle (Danielle Darrieux) aceita esposar o “primeiro homem que aparecer”. O felizardo é um viúvo quinquagenário, Albert Letournel (André Alerme); porém ela exige um casamento branco. Mr. Letournel tem um filho de vinte e cinco anos, Georges (Pierre Brasseur), que não resiste evidentemente aos encantos de sua madrasta.

Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Pierre Mangand e Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Em Abuso de Confiança, Lydia (Danielle Darrieux), jovem orfã e sem recursos para estudar Direito, se faz passar pela filha natural de Jacques Ferney (Charles Vanel), um escritor célebre. Mme. Fernay (Valentine Tessier) descobre a fraude, mas se cala, para poupar o marido de uma decepção. Quando Lydia, tomada pelo remorso e apaixonada por Pierre (Pierre Mangand), o secretário de Ferney, confessa sua impostura para Mme. Ferney, esta se cala para sempre, deixando a jovem viver feliz ao lado do seu amado.

Danielle Darrieux em A Volta ao Lar

Em A Volta ao Lar, Anita (Danielle Darrieux), jovem provinciana romântica, esposa de Karl Ammer (Pierre Dux) chefe da estação ferroviária de Thaya, um vilarejo sossegado da Hungria, sonha com uma outra vida, vendo os trens passando em direção a Budapeste, onde ela chega um dia, para assistir ao enterro de uma tia e receber parte da herança. Depois de preencher as formalidades, Anita perde o trem de volta, e se deixa levar pelo turbilhão da vida noturna da capital; mas, retorna finalmente para aquele que lhe traz a verdadeira felicidade.

Douglas Fairbanks Jr e Danielle Darrieux em A Sensação de Paris

Cenas de A Sensação de Paris

Em 1937, Danielle assinou um contrato de sete anos com a Universal, conservando a possibilidade de fazer um filme por ano na França. Ela pediu também que Henri Decoin tivesse o direito de opinar sobre os argumentos e a escolha dos seus parceiros. A estada hollywoodiana do casal iria durar oito meses, no curso dos quais Danielle apareceu no seu primeiro filme americano, A Sensação de Paris / The Rage of Paris (intitulado na França, La Coqueluche de Paris), sob a direção de Henry Koster. Daniele é Nicole de Cortillon, jovem francêsa chegada recentemente em Nova York à procura de um emprego de modelo. Ela entra por engano no escritório de um empresário, Jim Trevor (Douglas Fairbanks Jr.) e, pensando que ele é um fotógrafo profissional, começa a se despir, para posar. Desconfiando que ela é uma chantagista, que quer comprometê-lo, Trevor expulsa Nicole. Sem recursos, ela é recolhida por sua amiga Gloria Patterson (Helen Broderick), que decide se ocupar do futuro de Nicole, ao mesmo tempo que o seu. Com a ajuda de seu comparsa, Mike Lavetovitch (Mischa Auer), um mordomo que deseja abrir seu próprio negócio, Gloria arma um plano para casar Nicole com um milionário, fazendo-a passar por uma rica herdeira. O plano funciona muito rapidamente e o riquíssimo Bill Duncan (Louis Hayward) não resiste aos encantos da linda francesinha. No curso de uma noite na ópera, Bill apresenta a Nicole seu melhor amigo, que não é outro senão Jim Trevor. Ele logo reconhece sua suposta chantagista e, para proteger seu amigo, sequestra Nicole no dia de seu noivado com Bill, levando-a para seu chalé na montanha. Após algumas confrontações, os dois se aproximam e se apaixonam.

John Loder e Danielle Darrieux em Katia. 

Em seguida, Danielle fez Katia, a Tzarina sem Coroa, mas adoeceu, e ficou na França apesar de seu compromisso com a Universal. A ruptura de seu contrato lhe valeu algum prejuízo financeiro, mas a atriz francesa persisitiu em seu desejo de permanecer na sua pátria, alegando principamente sua vontade de escapar à padronização hollywoodiana, à qual queriam submetê-la: “Eles queriam modificar meu rosto, mudar meu penteado, eles queriam me dar uma outra alma, e pois bem, eu estava farta. Gosto daquí e não retornarei aos Estados Unidos”.

Com Katia, filme de orçamento vultoso, dirigido por Maurice Tourneur, os produtores quiseram reiterar o grande sucesso de Mayerling, colocando em cena os amores contrariados do tsar Alexandre II (John Loder) e de sua amante, a aristocrata Cartherine Yourevska Dolgouky, cognominada Katia (Danielle Darrieux). É uma evocação romanceada dos fatos históricos, tentando conciliar as duas facetas da persona de Danielle: a “garota travessa” das comédias e a jovem romântica dos dramas, tudo sob o contrôle rígido do reputado diretor do cinema mudo.

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OS WESTERNS DE SAM PECKINPAH

abril 4, 2018

Recomendado como roteirista de TV pelo seu amigo e mentor Don Siegel, Sam Peckinpah escreveu scripts para alguns episódios de várias séries de westerns inclusive Gunsmoke / Gunsmoke, com James Arness e O Homem do Rifle / The Rifleman com Chuck Connors. Além de roteirista, Peckinpah funcionou também como diretor em The Westerner, cujo ator principal, Brian Keith, o indicou à Pathe America / Carousel Productions, para assumir a direção de O Homem Que Eu Devia Odiar / The Deadly Companions / 1961, seu filme de estréia no cinema. Peckinpah aceitou o encargo, esperando poder melhorar o roteiro que A. S. Fleishman havia escrito, mas o produtor Charles K. FitzSimmons (irmão de Maureen O’Hara) não permitiu que ele fizesse isso.

Sam Peckinpah

No enredo, um ex-sargento (Brian Keith) – apelidado de Yellowleg em razão de uma fita amarela costurada em suas calças do exército da União -, persegue o velho Turk (Chill Wills), um desertor rebelde que tentou escalpelá-lo enquanto estava ferido em um campo de batalha na Guerra Civil. Ele o encontra em uma cantina, salva-o de ser enforcado e, sem revelar sua verdadeira intenção, o convence, juntamente com seu companheiro Billy (Steve Cochran), a se unirem a ele, a fim de roubarem um banco na cidade de Gila, Arizona. Lá eles descobrem que outros bandidos também estão na cidade pelo mesmo motivo. Durante um tiroteio, Yellowleg mata acidentalmente um menino, filho de uma viúva, Kilt Tilden (Maureen O’Hara), que trabalha em um saloon. Quando Kit decide enterrar seu filho ao lado da sepultura de seu marido em Siringo, Yellowleg, dominado pelo remorso, a acompanha, apesar de suas objeções, e força seus companheiros a irem junto. Uma noite, Billy tenta estuprar Kit, Yellowleg intervém, e manda-o embora. Turk o segue e os dois voltam para roubar o banco de Gila. Yellowleg e Kit seguem viagem através do território Apache e chegam exaustos à cidade fantasma de Siringo. Ben e Turk, depois do roubo bem-sucedido, ressurgem, e os três homens se enfrentam em duelo. Billy atira em Turk, mas este fica apenas ferido e consegue matar Billy, atingindo-o pelas costas. Yellowleg quer escalpelar Turk, mas Kit o impede. A cavalaria de Gila chega, atrás dos dois assaltantes. Turk é preso e Kit e Yellowleg, depois do enterro do menino, vão embora, tendo encontrado o amor.

Brian Keith e Maureen O’Hara em O Homem Que Eu Devia Odiar

O argumento – contando o longo e difícil percurso do corpo de um menino morto através de uma região desértica dominada pelos índios; o desejo de vingança de um escalpelado, retardado pelo seu remorso por ter sido o causador da morte da criança; e a presença de um vilão psicopata que deseja criar sua própria República ditatorial com o dinheiro que roubaria, e utilizar os índios como escravos – era original. Entretanto, os poucos recursos da produção, o uso de uma película colorida imprópria para a filmagem em exteriores noturnos, a intromissão calamitosa do produtor na fase de montagem prejudicaram a narrativa, que segue com pouca ação, num tom lúgubre, vislumbrando-se no entanto algumas caraterísticas do cinema de Peckinpah como o gosto pelas cenas sangrentas ou bizarras e a descrição de heróis maltratados pela vida, perdedores ou desajustados, que buscam a redenção.

Brian Keith,Chill Wills e Steve Cochran em O Homem Que Eu Devia Odiar

Depois de O Homem Que Eu Devia Odiar, Peckinpah fez suas três obras-primas, tendo sido inegavelmente o realizador que mais se destacou no gênero na década de sessenta. Seus westerns foram chamados de dirty westerns (westerns sujos), de tal modo que este diretor destruiu os mitos do herói, do cowboy, do xerife, assim como o do soldado de uniforme azul. Ao western clássico, impregnado de bons sentimentos, ele opôs um mundo brutal e sem escrúpulos, de aventureiros amargurados, militares paranóicos, assassinos sádicos, bandidos idosos e fatigados que se matam entre sí em um Oeste agonizante. Seus três westerns admiráveis foram: Pistoleiros do Entardecer / Ride the High Country / 1962, Juramento de Vingança / Major Dundee / 1965 e Meu Ódio Será Sua Herança / The Wild Bunch / 1969.

Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

Randolph Scott e Joel McCrea em Pistoleiros do Entardecer

Em Pistoleiros do Entardecer, o ex-xerife Steve Judd (Joel McCrea) é contratado para escoltar um carregamento de ouro de uma mina para um banco da cidade. Steve convoca como ajudantes seu antigo colega Gil Westrum (Randolph Scott) e o jovem Heck Longtree (Ron Starr). No caminho, junta-se a eles a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) que está fugindo de um pai puritano e violento para se encontrar com o noivo Billy Hammond (James Drury) no acampamento dos mineiros. Após uma cerimônia matrimonial grotesca em um bordel, Elsa tem que ser resgatada das atenções brutais dos irmãos de Billy (John Anderson, Warren Oates, L. Q. Jones, John Davis Chandler). Na viagem de volta, perseguidos pelos Hammond, Judd frustra as tentativas de seus dois companheiros para roubar o ouro. Em uma confrontação final com os Hammond, Westrum, que havia fugido, retorna para ajudar Heck e Judd, que morre, ouvindo a promessa de Westrum de conclui a missão.

Cena de Pistoleiros do Entardecer

Mariette Hartley e James Drury em Pistoleiros do Entardecer

Os heróis estão envelhecidos. Logo nas primeiras cenas vemos o primeiro esconder sua miopia e se trancar no banheiro para ler um contrato e o segundo, fantasiado de Buffalo Bill, com cabelos longos e barba postiços, explorando um estande de tiro em um parque de diversões. Antigos guardiães da lei, eles sobreviveram à invasão do Oeste pela civilização e encontrarão juntos a oportunidade de viver sua última aventura, seu último duelo, e de readquirir o respeito próprio.

Não tendo enriquecido, nem formado uma família nem conseguido se estabelecer em algum lugar, Judd se considera um fracassado, mas espera recuperar sua dignidade. Deseja, segundo suas próprias palavras, “morrer justificado” consigo mesmo; daí sua recusa de embolsar o ouro que lhe fora confiado pelos garimpeiros, sua tristeza de se ver traído por um amigo nde sua confiança, e sua morte redentora, pois sabe que Westrum terminará a tarefa que ele não pôde cumprir.

Amoral e oportunista, irônico e mais maleável que Judd, Westrum também está consciente de seu fracasso no plano do êxito social e, ao contrario de Judd, pensa em se apoderar do ouro. Porém, ao ver seus companheiros prestes a serem massacrados por um trio sinistro, não hesitará em intervir e reverter uma situação deseperada. Aceitando concluir a missão de Judd, Westrum irá operar igualmente a sua redenção e recobrará a sua auto-estima.

Mariette Hartley, Ron Starr, Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

De seu passado aventureiro – constantemente relembrado – Judd e Westrum conservaram um certo senso de honra (mesmo Westrum, que queria se apossar do ouro) e de amizade e, em contato com os dois idosos, o jovem Heck aprende a se tornar um homem digno deste nome.

A escaramuça nas montanhas varridas pelo vento é uma das várias cenas magistrais do espetáculo. Há também o jantar, no qual Judd recita versículos dos Provérbios, o pai de Elsa retruca com Isaías e Westrum, encantado com a comida, “cita” Apetite, Capítulo I. Ainda melhor é a festa de casamento em um bordel, celebrada por um juiz bêbado e com as prostitutas como damas de honra.

Na sequência final antológica, Judd, ferido, e Heck, são encurralados em uma vala enquanto Billy e seus dois irmãos atiram neles da casa do rancho e do celeiro. De repente, em uma cavalgada emocionante, Westrum aparece para socorrê-los. Com um sorriso nos lábios Judd e Westrum tornam-se parceiros novamente. Os cinco homens se confrontam e todos são alvejados. Os Hammond morrem. Westrum assegura ao agonizante Judd que vai entregar o ouro “tal como este teria feito”. Judd responde: “Diabos, eu sei, sempre soube. Você apenas esqueceu por alguns momentos. Só isso”. O tom triste e nostálgico e as cores outonais da paisagem celebram a agonia de uma época e dão ao filme não somente grandeza, mas também poesia.

Charlton Heston em Juramento de Vingança

Em Juramento de Vingança, no ano de 1864, o Major Dundee (Charlton Heston), comandante de uma guarnição encarregada da guarda de prisioneiros sulistas e malfeitores de toda espécie, sob o pretexto de vingar o massacre cometido pelo apache Sierra Charriba, organiza uma tropa composta por seus soldados, pelos rebeldes – que só obedecem às ordens de seu chefe, Capitão Tyreen (Richard Harris) – e pelosdetentos civís.

O filme se concentra nos conflitos entre o oficial nortista severo e pragmático e o irlandês extravagante que havia aderido à causa confederada. Dundee, amargurado pelos seus fracassos no passado, encara a missão como um meio de salvação pessoal; Tyreen, romântico incorrigível, questiona seus sentimentos e seu valor. Para ambos a expedição punitiva é ao mesmo tempo a ocasião de resolver seus próprios dramas.

Richard Harris em Juramento de Vingança

Essa busca de identidade pessoal é ligada ao tema paralelo da definição nacional, ou melhor, à reflexão sobre as raízes da América. Soldados da União, prisioneiros confederados e negros cansados de lavar estábulos; ladrão de cavalos e pregador; batedor veterano e corneteiro ingênuo; tenente da artilharia inexperiente e sargento mexicano que conhece bem os Apaches, evocam as anomalias e as divisões da nação que está se formando.

A princípio reina a desconfiança entre os integrantes do grupo heterogêneo, porém ocorre uma aproximação quando eles entram em combate orgulhosamente contra os índios e depois os franceses do imperador Maximiliano. Tal como a nova nação, os homens se mantêm unidos pelo empenho decidido de destruir o inimigo – eles agora têm uma só identidade: são americanos. Apesar das mutilações ordenadas pelo produtor, o espetáculo não perdeu sua força cinematográfica (v. g. a carga da cavalaria francesa através do rio e a morte de Tyreen investindo loucamente contra os lanceiros) e seu significado.

Em um estudo estruturalista (Six Guns and Society, 1975), Will Wright defendeu a tese de que houve uma evolução no western de Hollywood de um interesse pelo herói solitário que luta contra os vilões em defesa da comunidade para uma preocupação com um grupo de heróis de elite que lutam simplesmente para se afirmar como profissionais. Estes novos heróis estão dispostos a defender a sociedade apenas como um emprego, que eles aceitam pelo dinheiro ou pelo prazer de lutar, e não pelo compromisso com as idéias de lei e justiça. A própria luta e a camaradagem que ela cria são uma justificativa suficiente para as suas ações. É o que Wright chamou de western “profissional” cujos representantes mais bem sucedidos foram Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 19060 de John Sturges; Os Profissionais / The Professionals / 1966 de Richard Brooks e Meu Ódio Será Sua Herança de Sam Peckinpah.

Robert Ryan em Meu Ódio Será Tua Herança

Ben Johnson, Warren Oates, William Holden e Ernest Borgnine em Meu Ódio Será Tua Herança

A ação do filme de Peckinpah começa na fronteira do Texas, em 1915, onde chega um bando envelhecido de foras-da-lei: Duth Engstrom (Ernest Borgnine), Lyle Gorch (Warren Oates), Hector Gorch (Ben Johnson), Angel (Jaime Sanchez) e Sykes (Edmond O’Brien), liderados por Pike Bishop (William Holden). Após assaltarem uma companhia ferroviária, são perseguidos pelos caçadores de recompensa de Duke Thornton (Robert Ryan), ex-parceiro de Bishop. Os ladrões fogem para o México e verificam que foram logrados (nos sacos de dinheiro havia apenas arruelas sem valor); logo se envolvem com o General Mapache (Emilio Fernandez), para quem assaltam um trem carregado de munição em troca de dez mil dólares em ouro. Angel, o membro mais jovem do bando, é também um revolucionário e, quando o general descobre isto, manda torturá-lo. Os outros companheiros a princípio tentam ignorar o compromisso de Angel mas, traídos por Mapache, eles honram seus princípios, redimindo-se em uma catarse de sangue.

Sam Peckinpah e William Holden na filmagem de Meu Ódio Será Tua herança

A “horda selvagem” é constituída por indivíduos violentos, inadaptados e solitários em uma época que eles não compreendem mais. A única virtude desses homens consiste no senso de honra pessoal e lealdade mútua. Já o magnata da estrada de ferro é totalmente desprovido de escrúpulos, pois permite a matança de cidadãos inocentes ao preparar uma cilada para o bando de Bishop, e depois organiza um grupo de perseguidores raivosos, dispostos a exterminá-los. A ferocidade dos perseguidores e dos perseguidos ainda é superada pela bestialidade dos mexicanos.

Peckinpah não analisa claramente as causas dessa violência, tentando apenas impressionar os espectadores para que estes fiquem horrorizados com ela. O excesso de gore (em cadência lenta) e a evocação de um oeste desglamourizado, levou muitos críticos a considerar Meu Ódio Será Tua Herança como mais uma ode à destruição inspirada pelos “western spaghetti”, obscurecendo o fato de que se trata de um filme de uma grandeza trágica raramente igualada no gênero.

Os outros westerns de Peckinpah, A Morte Não Manda Recado / The Ballad of Cable Hogue /1970 e Pat Garrett and Billy the Kid / Pat Garrett e Billy the Kid / 1973 incluem-se entre os “crepusculares”, pois retomam o tema do fim do Oeste.

Jason Robards em A Morte Não Manda Recado

Abandonado no deserto do Arizona por seus parceiros Bowen (Strother Martin) e Taggart (L. Q. Jones), que o despojam de seu cavalo e de seus bens, o garimpeiro Cable Hogue (Jason Robards) entrega-se à misericórdia de Deus. Após quatro dias perambulando sem destino, ele descobre água. Tomando posse desse pedaço de terra árida, Hogue cria Cable Springs, um oásis para viajantes cansados, servindo aos passageiros da linha de diligências entre Deaddog e Gila. Um desses viajantes itinerantes é um evangelista libertino chamado Joshua Sloane (David Warner), que toma conta do poço enquanto Hogue vai até a cidade de Deaddog para registrar sua descoberta e obter um empréstimo bancário. Lá ele conhece Hildy (Stella Stevens) uma bela prostituta e lhe oferece refúgio, quando ela é expulsa de Deaddog por religiosos. Os dois se apaixonam, mas Hildy parte para são Francisco atrás de um marido rico. Sua partida coincide com a chegada dos ex-parceiros de Hogue, que têm a intenção de roubá-lo; mas o garimpeiro monta uma armadilha para eles, aprisionando-os em um ninho de cobras. Quando Hildy reaparece, viúva e rica, para levar seu amado consigo para New Orleans, Hogue é acidentalmente atropelado pelo seu carro e, ao morrer, recebe a extrema unção pelas mãos de Joshua Sloane.

Jason Robards e Stella Stevens em A Morte Não Manda Recado

A Morte Não Manda Recado, tal como Pistoleiros do Entardecer e Meu Ódio Será Tua Herança, antes dele e Pat Garrett e Billy the Kid depois, é uma obra elegíaca simbolizando o ocaso de uma era e Cable Hogue um símbolo vivo do velho mundo eliminado pelo progresso. Trata-se de um western inusitado na filmografia de Peckinpah, concebido em tom de farsa e cruzando com outros dois gêneros: a comédia – recorrendo à câmera acelerada (quando Hildy chega e Hogue arruma a casa em poucos segundos) e ao desenho animado (o índio da cédula bancária piscando o olho para Hogue) – e o drama (o romance com final trágico entre a prostituta e o rústico empreendedor). Embora surjam aqui e ali algumas cenas interessantes, o espetáculo, acompanhado por canções folclóricas, tem pouca brutalidade e pouco dinamismo, transcorrendo em um ritmo moroso, que frustra o espectador acostumado com os filmes sangrentos e movimentados do diretor.

Kris Kristofferson e James Coburn em Pat Garrett e Billy the Kid

Em Pat Garrett e Billy the Kid os tempos lendários do Oeste não têm mais vez, superados pela modernidade e pelo capitalismo. Percebendo isso, Pat Garrett (James Coburn), que começa a envelhecer, aceita o cargo de delegado, oferecido por poderosos rancheiros (representantes do poder econômico), seus antigos inimigos. Ex-bandido, Garrett é nomeado guardião da lei em troca da promessa de respeitabilidade, e se empenha em prender seu amigo Billy the Kid (Kris Kristofferson), fora-da-lei mais jovem do que ele. Billy personifica o romantismo e o espírito de liberdade de um Oeste selvagem, que está desaparecendo. Garrett adverte-o de que, a partir de agora, estão em lados opostos, mas ele ao contrário ainda acredita no mito – é preso, mas consegue fugir. O perseguidor cumpre sua missão com desgôsto e retarda o momento quando deverá liquidar o amigo. Finalmente, Garrett descobre o paradeiro de Billy e o mata, sem lhe dar a menor chance de defesa. Alias (Bob Dylan) é um trovador, ao qual Peckinpah confiou um pequeno papel enigmático de testemunha da ação e da intriga.

Sam Peckinpah, James Coburn e Kris Kristofferson na filmagem de Pat Garrett e Billy the Kid

O filme, de índole alegórica (resistência a opressão, os tempos que mudam) e fatalista (a inevitabilidade do confront final), tem um ritmo lento, alternando cenas estáticas e lânguidas com sequências de violência gratuita (v. g. a matança dos galináceos a tiros por mera diversão). Compensando em parte a falta de dinamismo do relato, surgem alguns momentos de inspiração, tais como a fuga de Billy e aquela imagem simbólica da embarcação transportando uma família de mudança, com seus pertences e animais, tendo à proa um velho que dispara sua arma sem propósito contra as águas.

Apesar de certos acêrtos diretoriais em ambos, esses dois derradeiros westerns de Sam Peckinpah, abalados também pelos combates do diretor com os respectivos estúdios (Warner / Seven Arts e MGM), não têm a mesma significação artística do que os três que os antecederam.

 

ANÁLISE DE CIDADÃO KANE

março 23, 2018

Produto do sistema de estúdio, Cidadão Kane foi o primeiro filme que fez importantes modificações no cinema clássico, abrindo caminho para o cinema moderno.

Cia. Prod: Mercury Productions / RKO Radio Picrtures

Chefe do Estúdio: George J. Schaefer

Produtor: Orson Welles

Prod. Associado: Richard Baer (Richard Barr)

Assistentes de Produção: William Alland, Richard Wilson

Diretor: Orson Welles

Assistentes de Direção: Eddie Donahue, Freddie Fleck

Roteiro: Herman J. Mankiewicz, Orson Welles

Diretor de Fotografia: Gregg Toland

Assistente de Câmera: Eddie Garvin

Retakes e cenas adicionais: Harry J. Wild

Operador de Câmera: Bert Shipman

Montagem: Robert Wise

Assistente de Montagem: Mark Robson

Efeitos de montage: Douglas Travers

Direção de Arte: Perry Ferguson, Van Nest Polglase (Chefe do Departamento)

Decorador de Interiores: Darrell Silvera

Efeitos Especiais: Vernon L. Walker

Pintor de Matte: Mario Larrinaga (auxiliado por Chesley Bonestell, Fitch Fulton)

Efeitos óticos: Linwood G. Dunn (auxiliado por Cecil Love, Bill Leads)

Fotógrafo de efeitos visuais: Russell Cully

Música / Direção Musical: Bernard Hermann

Canção “Charlie Kane”: Herman Ruby

Figurinos: Edward Stevenson

Som: Bailey Fesler, James G. Stewart

Maquilagem: Maurice Seiderman

Distribuição: RKO

Filmagem: 22 de julho a 23 de outubro de 1940

Duração: 119 minutos

Lançamento nos EUA: 1 de maio de 1941 no RKO Palace em Nova York.

Estréia no Rio de Janeiro: 29 de setembro de 1941 no Cinema Plaza.

Orson Welles

Gregg Toland

ELENCO PRINCIPAL:

Orson Welles – Charles Foster Kane

Joseph Cotten – Jedediah Leland

Susan Alexander Kane – Dorothy Comingore

Agnes Moorehead – Mary Kane, a mãe de Kane

Everett Sloane – Bernstein

George Colouris – Walter Parks Thatcher

Ruth Warryck – Emily Monroe Norton Kane, a primeira mulher de Kane

Paul Stewart – Raymond, o mordomo

William Alland – o repórter

Ray Collins – James W. Gettys

Harry Shanon – Jim Kane, o pai de Kane

Fortunio Buonanova – Matisti

Buddy Swan – Kane com 8 anos de idade

Philip Van Zandt – Mr. Rawlston

RESUMO DO ARGUMENTO:

Charles Foster Kane morre isolado em seu fabuloso castelo. Ninguém consegue explicar a última palavra que pronunciou: Rosebud. É isso que um repórter é encarregado de elucidar quando começa a interrogar os ex-colaboradores e a segunda esposa do falecido. Assim, reconstitui o quebra cabeça da vida de Kane, porém não decifra o enigma. Só nós, espectadores, ficamos sabendo que Rosebud era simplesmente o trenó que Kane possuia quando criança, símbolo da felicidade perdida e jamais recuperada.

GÊNERO DO FILME:

Reportagem biográfica. Drama de mistério. Ensaio para apreender, em uma abreviação dinâmica, a vida de um homem em toda a sua complexidade.

ÉPOCA E LUGAR DA AÇÃO:

A América contemporânea. A duração da “vida de um homem”. Ou seja, de 1871 (Kane com 8 anos) a 1941 (morte de Kane).

Marion Davies e William Randolph Hearst

Harold B. McCormick e Ganna Walska

ROTEIRO:

Trata-se de um roteiro original, escrito por Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, utilizando elementos da vida de William Randolph Hearst, conhecido magnata da imprensa americana (1863-1951) e também da vida do próprio Orson Welles. Nós podemos dizer que Cidadão Kane é um film à clef, isto é, muitos dos personagens são inspirados em pessoas reais. Por exemplo: Leland seria o crítico de teatro Ashton Stevens (tio de George Stevens), que era amigo do pai de Welles e que trabalhava para Hearst; Susan seria uma mistura da atriz de cinema Marion Davies, protegida e amante de Hearst e da polonesa Ganna Walska, cantora de ópera de Chicago, protegida e amante de outro magnata, Harold B. McCormick; Bernstein seria uma alusão ao Dr. Bernstein, médico, admirador e possivelmente amante da mãe de Welles e que depois foi seu guardião.

Orson Welles e Herman Mankiewicz

O roteiro foi escrito pelos dois da seguinte maneira: Mankiewciz escreveu o arcabouço da história e Welles depois ia revisando, cortando e / ou acrescentando novos incidentes. A idéia da multiplicidade de pontos de vista foi de Welles, que já a havia usado em uma peça que escrevera nos seus tempos de colégio, intitulada “Marching Song”, versando sobre o líder abolicionista John Brown. A idéia do enigma de Rosebud foi de Mankiewicz. Quem colocou mais fatos sobre a vida de Hearst foi também Mankiewciz, porque conhecia o Hearst intimamente e sabia muitas anedotas a seu respeito. O Welles introduziu mais acontecimentos sobre o outro magnata, McCormick, e sua própria vida. Nesta questão de autoria Mankiewciz contribuiu muito para dar consistência ao roteiro, mas foi Welles que deu o brilho cinematográfico à narrativa, impondo seu extraordinário estilo visual barroco, seu cinema essencialmente dinâmico.

DIVISÃO DO FILME:

O filme se divide em 4 partes:

  1. Um prólogo, mostrando a grade com o aviso No Tresspassing, e a morte de Kane.
  2. O cine-jornal mostrando de forma sucinta e didática (imitando o estilo da série A Marcha do Tempo / The March of Time, produzida nos anos 1935-1951 por Louis de Rochemont) a vida pública, política e sentimental de Kane. O ator William Aland imita a voz estentória do locutor do famoso newsreel, Westbrook Van Voories. Mais de quarenta anos antes de Zelig / Zelig / 1983, de Woody Allen, Welles inseriu o personagem de Kane nas tomadas de arquivo ao lado de figuras históricas famosas como Adolf Hitler e Teddy Roosevelt.
  3. Os trechos com as entrevistas e os flashbacks mostrando de forma prismática a verdadeira vida de Kane.
  4. Um epílogo, mostrando a fumaça que sobe e novamente a grade com o aviso No Trespassing.

 

 

CONSTRUÇÃO DRAMÁTICA:

Podemos observar:

1. O abandono da forma tradicional de narração clássica:

Em lugar do relato linear, Orson Welles optou por um relato “desintegrado”, “atomizado”, justapondo momentos isolados da vida de Kane, peças de um quebra cabeça que se arma diante de nossos olhos, e somente a última peça nos dará a chave do mistério. Através da verdade de cada um, vamos desmontando a personalidade de Kane do exterior para o interior, isto é, da sua vida pública, aparente, superficial, para a sua vida privada, onde se constata uma angústia profunda. Apesar dessa estrutura difusa, dispersiva, os roteiristas conseguiram dar ao relato uma continuidade bastante densa, a continuidade do que passou, do que foi vivido, enfim, conseguiram passar uma dimensão existencial ao relato.

2. A preocupação de não dizer tudo:

O filme inteiro apresenta apenas uma metade de Kane, e só as últimas cenas nos revelam a outra metade, aliás, a mais importante. Existe durante todo o tempo a preocupação de não dizer tudo. O repórter não fica sabendo quem era Kane. A verdade subjetiva de Kane nos é dada como um presente visual; somente nós, espectadores, conseguimos encaixar a última peça do quebra cabeça.

3. O uso original do flashback (uma década antes de Rashomon / Rashômon / 1950, de Kurosawa):

Em Cidadão Kane, o elemento tempo assume uma importância fundamental, tal como ocorre na obra literária de Marcel Proust ou William Faulkner. Para jogar com o tempo, geralmente usa-se o flashback. Só que, em Cidadão Kane, os flashbacks não representam as recordações apenas de uma pessoa, que é a forma mais comum, mas sim de várias pessoas. São cinco pessoas: Thatcher, Bernstein, Leland, Susan, e o mordomo Raymond. Isso além do jornal cinematográfico, que não deixa de ser também um retrospecto. Cada um desses flashbacks começa em um momento posterior àquele que o precede, mas um acontecimento ou período é recordado por dois ou três pontos de vista: a estréia de Susan na ópera é vista no jornal cinematográfico, no retrospecto objetivo de Leland e no retrospecto subjetivo da própria Susan.

Robert Wise, Richard Wilson e Orson Welles

4. O uso do montage como parte da ação:

Não confundir montage com montagem, que em inglês é editing. São duas coisas diferentes. O montage (ou sequência de montagem) é uma série de cenas rápidas condensando acontecimentos. Por exemplo: quando Kane obriga Susan a continuar cantando, vemos cenas rápidas mostrando diferentes teatros e manchetes de jornais estampando o nome de Susan com letras cada vez maiores. Geralmente o montage é usado à margem da ação ou como elemento de transição, mas em Cidadão Kane ele é usado como parte da ação.

TEMA:

Existe um tema filosófico e um tema social.

O tema filosófico é, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a felicidade e uma meditação sobre a existência. Charles Foster Kane teve riqueza e poder, mas não conseguiu ser feliz. Talvez fosse até melhor dizer que foi justamente a riqueza e o poder que o impediram de ser feliz. Rosebud simboliza o reconhecimento do seu fracasso existencial, a nostalgia do “paraíso perdido”, que era a sua infância tranquila, antes de ser obrigado a se separar dos pais. Inconsciente de sua ambição desenfreada, de seu delírio de poder, de seu egoismo e de seu orgulho, é só na hora da morte que percebe cruelmente a sua solidão. E aí nós lembramos de uma cena importante do filme, quando Kane, garoto, agride com o trenó o homem que lhe traria a fortuna. Era como se o menino estivesse pressentindo o seu destino. Ainda no plano filosófico, percebemos uma reflexão sobre o conhecimento. O repórter tenta apreender a vida de um homem na sua complexidade, tarefa que, segundo o aviso simbólico na grade de Xanadu, é impossível de realizar. No Trespassing, entrada proibida.

O tema social se desdobra em vários aspectos:

1. a crítica a uma concepção do homem e a uma certa forma de civilização baseada no mito do sucesso e no gigantismo. Crítica ao capitalismo e ao materialismo. Apesar da profusão de obras de arte e de amplos aposentos, Xanadu é um lugar sem vida, onde reina a solidão. Kane não capta o conteúdo espiritual das obras de arte, compra-as como mercadoria, como adorno. Trata-se apenas de acumular riqueza. Kane passou a vida inteira tentando usar seu dinheiro para fazer com que as pessoas gostassem dele. Criado por um banqueiro, em vez de seus pais, foi o dinheiro, e não o amor, que governou seus anos de juventude; portanto é natural que ele pensasse que o dinheiro devesse reger seu relacionamento com as pessoas.

2. a crítica à imprensa venal, à pressão que um truste da comunicação pode exercer sobre a opinão pública, inclusive impondo o sucesso de certos artistas. Apesar das críticas negativas dos demais jornais e do seu próprio comentarista de arte, a temporada lírica de Susan é noticiada nos jornais de Kane com manchetes efusivas e elogiosas. O magnata da imprensa faz tudo o que julga necessário para transformar a sua segunda esposa em uma das grandes cantoras do mundo operístico.3. a crítica aos costumes eleitorais. Ao tipo de publicidade empreendida por Kane contra seu adversário na eleição para governador, “Boss” Jim Gettys (os jornais de Kane publicam desenhos retratando Gettys em um uniforme de presidiário) e à chantagem política (os detetives que Gettys contratou, documentam o envolvimento de Kane com a amante e ele arranja um encontro com Kane e sua primeira esposa Emily no apartamento de Susan). Gettys oferece silêncio em troca da desistência de Kane de disputar a eleição, mas Kane se recusa. Os jornais rivais publicam a história do adultério e Kane perde a eleição – mas seus jornais proclamam que houve fraude.

Ray Collins, Dorothy Comingore, Welles e Ruth Warryck

Essas mensagens trazidas pelo filme eram das mais agressivas até então saídas de Hollywood. Assuntos “audaciosos” como esses, só costumavam ser abordados quando se tratava da adaptação de algum best seller cuja perspectiva de lucro acalmava os produtores como foi, por exemplo, o caso de As Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath / 1940 de John Ford. Atacar um “Deus” da América como Kane, mostrar o inverso de sua vida, questionar o mito do sucesso, doutrina pouco conforme àquela que era pregada em 95% dos filmes americanos, trouxe evidentemente muitos inimigos para Orson Welles e explica a cólera de Hearst.

DIREÇÃO:

Com um conteúdo tão original, Cidadão Kane merecia receber uma forma também original e Welles, apropriando-se, com poder de síntese extraordinário, de tudo o que havia de mais expressivo em termos de linguagem cinematográfica até então, renovou-a com o seu gênio. Pode-se dizer que, desde os filmes de Griffith, nenhum outro filme marcou mais a História do Cinema como Cidadão Kane. O cinema que se fazia por ocasião do lançamento de Cidadão Kane em 1941 era praticamente aquele inventado por Griffith com predominância da montagem de planos curtos, e que chegou ao auge no fim do período silencioso com as obras de diretores como Eisenstein, Murnau, Fritz Lang, Stroheim, Chaplin, Victor Sjostrom, Carl Dreyer etc. Esses cineastas foram enriquecendo a linguagem criada por Griffith. Eisenstein, propondo a montagem intelectual; Murnau, mobilizando a câmera ao máximo e projetando, com Fritz Lang, o expressionismo; Stroheim, introduzindo o naturalismo no cinema; Chaplin, o humanismo e a poesia; Sjostrom, a natureza; Dreyer, compondo uma sinfonia com os primeiros planos.

Com o advento do cinema sonoro, houve um retrocesso. A câmera, por imposição da nova tecnologia, ainda não aperfeiçoada, voltou a se imobilizar como nos tempos de Lumière, e o cinema reaproximou-se do teatro. Foi preciso um certo tempo para que outros tantos cineastas inventivos como Rouben Mamoulian, King Vidor, Ernst Lubitsch, René Clair, John Ford etc. reconduzissem o cinema para o seu caminho mais legítimo, porém ainda formulado de acordo com o padrão griffithiano. Em 1939, surgiu o filme famoso que representa bem esse tipo de cinema … E O Vento Levou / Gone With the Wind. A estética do cinema estava nesse estágio, quando um jovem de 25 anos lhe deu uma sacudidela, tornando-se o precursor do cinema moderno.

Orson Welles e Gregg Toland

Welles contava com sua experiência no teatro e no rádio, setores onde havia demonstrado o seu gênio e causado sensação. Mas, de cinema mesmo, não conhecia nada. Foi na sala de uma cinemateca que viu os clássicos pela primeira vez, notadamente No Tempo das Diligência / Stagecoach / 1939 de John Ford e, com espantosa intuição, aprendeu como funcionava o maravilhoso brinquedo, que lhe puseram nas mãos. Antes de Welles, já se usava os big close ups (por exemplo, Dreyer em O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D ‘Arc / 1928, os expressionistas e os russos); já se usava a iluminação contrastada (por exemplo, John Ford em O Delator / The Informer / 1935 e os expressionistas); já se usava imagens surrealistas (por exemplo, Cocteau e Buñuel); já se usava cenários com tetos de verdade (por exemplo, Ford em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939); já se usava a profundidade de campo (por exemplo, Jean Renoir em A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939): já se usava a estrutura prismática (por exemplo, William K. Howard em Glória e Poder / The Power and the Glory / 1933) etc. Portanto, Welles não inventou nada. Apenas se apropriou de tudo o que havia sido feito e empregou esses elementos de uma maneira nova.

Orson Welles e Gregg Toland

Muitos acham que há em Cidadão Kane um excesso de efeitos. Esta é a maior crítica que fazem ao fime. Por exemplo, a decisão tomada do uso da câmera baixa ao nível do chão na cena em que Leland está bêbado ou na repetição inútil do lance da grua entrando pela clarabóia da boate. Talvez haja de fato um excesso aqui e ali, mas não prejudicam o filme. Vejamos os acertos, que são abundantes.

  1. Utilização interessante dos meios técnicos:

1.1. No plano visual:

a) o emprego da profundidade de campo (ou foco profundo) e do plano-sequência.

A profundidade de campo tende a substituir as constantes mudanças de planos. Seu objetivo é dar ao espectador maior liberdade em relação ao acontecimento. O crítico francês André Bazin chamou isso de “a democratização da mise-en-scène”. A profundidade de campo enseja o plano-sequência, que registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes. Enquanto na decupagem clássica o diretor mostra uma ação em vários planos por meio de cortes, com a profundidade de campo ele permite que a gente veja essa ação de uma só vez como no teatro. A importância de cada momento da ação não é mais acentuada arbitrariamente pelo diretor. O espectador pode escolher o foco de sua atenção entre diversos pontos de interesse, que são mostrados simultaneamente. O diretor de fotografia Gregg Toland disse em uma entrevista: “Nós queríamos que o público, ao ver Cidadão Kane, tivesse a impressão de estar vendo não um filme, mas a própria realidade”. E Welles declarou: “Na vida a gente vê tudo em foco ao mesmo tempo e por que não no cinema?”

O problema era como obter a imagem nítida no fundo do quadro e isso foi solucionado por Toland usando uma lente grande angular (24mm, 28mm) anti-reflexo (AR Coating Lens) e fechando o diafragma ao máximo (f. 8 e f. 16); um filme super sensível (negativo Eastman Kodak Super XX); e forte iluminação, obtida com refletores de alta potência.

Profundidade campo e plano sequência

Em Cidadão Kane podemos apontar vários momentos nos quais se usou a profundidade de campo: nas cenas dos pais de Kane dentro da casa discutindo sobre o futuro do menino e este visto através da janela brincando lá fora na neve; na cena da entrada de Leland no fundo da sala de redação do jornal enquanto Kane está trabalhando na máquina de escrever e acaba por despedí-lo; na cena da lição de canto, quando Kane surge no fundo da sala; na cena do envenenamento de Susan com o frasco com o veneno em primeiro plano; nas cenas do banquete e da festa na séde do Inquirer etc.

b) o emprego do travelling.

Há quatro, magistrais, cada qual um tour de force de fluidez e continuidade: 1. O travelling inicial da grade com o cartaz No Trespassing até a boca de Kane. 2. O travelling na boate El Rancho, quando a câmera sobe verticalmente até as letras de vidro de gás néon e depois desce através da clarabóia. O movimento continua após uma rápida dissolvência (disfarçada por um relâmpago e um trovão), para ir apanhar embaixo Susan Alexander Kane e um repórter conversando em uma mesa no interior do estabelecimento (que era um antigo set da RKO). 3. O travelling vertical nos bastidores do teatro, durante a representação da ópera, até o teto onde estão os maquinistas. 4. O longo travelling final com a câmera sobrevoando o amontoado de caixotes até chegar à lareira, onde é jogado o trenó.

c) o emprego do simbolismo.

O simbolismo da palavra Rosebud, cujo significado nós já vimos: a felicidade perdida etc.o simbolismo das grades de ferro e o aviso No Tresspassing cujo significado nós também já vimos: não se pode penetrar totalmente na vida de um homem etc.

O simbolismo da bola de vidro com a miniatura da cabana de neve, cujo significado é bem claro: a nostalgia da paisagem da infância, les neiges d’antan, como diria o poeta François Villon.

O simbolismo da sombra dominadora de Kane sobre Susan e da boneca de pano de Susan.

O simbolismo das obras de arte encaixotadas, focalizadas do alto, sugerindo a vista aérea de uma grande metrópole e significando a capital do império que Kane construiu para seu uso e gozo.

d) o emprego da elipse.

Por exemplo, uma elipse cronológica quando Tatcher deseja ao pequeno Kane um feliz Natal e logo em seguida um próspero Ano Novo ao mesmo Kane mais velho.

e) o emprego irônico do chicote (whip pan), que é um elemento de pontuação no qual a câmera abandona uma imagem e vai colher a seguinte em uma panorâmica rapidíssima. Por exemplo, o uso de vários chicotes para mostrar a deterioração do casamento de Kane e Emily, sua primeira mulher, na mesa do jantar. Kane aparece cada vez mais vagaroso e Emily acaba lendo o jornal concorrente. São seis cenas de dois minutos, cada uma cobrindo nove anos de matrimônio.

f) o emprego das fusões ou dissolvências (lap dissolves).

Susan Alexander

As dissolvências foram muito usadas em Cidadão Kane. Por exemplo, para resumir em poucas imagens o suplício de Susan na ópera ou combinadas com o movimento de câmera, como no travelling da boate El Rancho.

g) o emprego da iluminação.

O papel da iluminação em Cidadão Kane, aliás tomada da escola expressionista, é importantíssimo, contribuindo frequentemente para a dramaticidade. Welles contou com a inestimável colaboração de um grande diretor de fotografia, Gregg Toland. (1904-1948). Curiosamente, foi Toland quem se ofereceu para trabalhar com aquele jovem de 25 anos, porque sentiu que ia poder ter liberdade para fazer experiências. A relevância da colaboração de Toland está refletida nos créditos do filme, nos quais o seu nome aparece com o mesmo destaque que o do diretor.

Welles não somente encorajou as experimentações de Toland, como positivamente insistiu para que ele fizesse isso. Desde os primeiros dias de trabalho eles mantiveram um espírito de fervor revolucionário com relação ao filme e esta atmosfera continuou a caracterizar o seu relacionamento durante toda a produção.

Há uma tendência no filme para iluminar violentamente os personagens que escutam e deixar na sombra os que falam. Também as luzes, às vêzes, vêm de uma só fonte de iluminação, para aumentar a dramaticidade como, por exemplo, na cena da biblioteca ou quando Kane e Susan estão na enorme sala de visitas de Xanadu, que é iluminada só pelo fogo da lareira.

Durante o comício, somente Leland está visível; o restante da multidão, está obscurecido por sombras. Outro exemplo do uso de sombras ocorre quando, depois da terrível performance de sua esposa na ópera, Kane fica de pé e bate palmas sozinho, vendo-se apenas sua silhueta. Mais um exemplo: Kane apanha um pedaço de papel no qual escreveu a “Declaração de Princípios” e, enquanto lê em voz alta, seu rosto cai na sombra, obscurecendo suas feições.

A utilização da backlighting (contra-luz), que faz com que as figuras apareçam na sombra ocorre na cabine, após a projeção do cine-jornal. Tudo o que vemos são as silhuetas dos jornalistas e o contôrno de suas mãos se movendo.

h) o emprego do surrealismo.

Emprego sutil de imagens surrealistas. Por exemplo: o estranho castelo e o big close up da boca de Kane. Um efeito surreal é a imagem distorcida da enfermeira que entra no quarto de Kane moribundo como se a câmera estivesse vendo através de pedaços quebrados de vidro.

i) o emprego do jump cut (corte interrompido, quebra abrupta da continuidade de uma cena, também chamado de salto de montagem, o efeito que se obtém na tela quando se projetam dois fragmentos que não montam), para acelerar o tempo. Um exemplo é o corte para o discurso político no Madison Square Garden, onde vemos Kane falando diante de seu poster gigantesco.

1.2. No plano auditivo:

a) SOM:

Com sua experiência radiofônica, Welles deu ao elemento sonoro uma importância quase igual à imagem. Podemos notar, por exemplo:

  1. a atmosfera sonora na cena da visita à biblioteca com o emprego dos ecos.
  2. o afastamento progressivo do som à medida em que o travelling vertical nos bastidores do teatro nos conduz até o alto, onde estão os maquinistas.
  3. a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo delirante, exprimindo o esgotamento da personagem incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido.
  4. o grito da cacatua após a partida de Susan em uma metáfora sonora exprimindo todo o desespêro de Kane. É como se ele estivesse tendo um ataque do coração.

  1. emprego do som para provocar um choque, uma surpresa brutal, uma comoção. Por exemplo, naquele corte para a música estridente iniciando o jornal cinematográfico, “News on the March”.
  2. a montagem sonora por analogia dos aplausos forçados de Kane e os aplausos também falsos de seus partidários.
  3. a montagem sonora pela qual os planos são interligados rapidamente não pela lógica da narrativa de suas imagens mas pela continuidade na trilha de som. Por exemplo, o crescimento de Kane de criança para adulto é transmitido em questão de segundos por uma técnica que Welles chamou de “lightning mix”: o guardião dá um trenó para o menino e lhe deseja “um feliz Natal” montado com o plano do mesmo homem completando a frase, agora endereçada a um adulto: “e um Feliz Ano Novo”. Ou seja, as cenas são ligadas pela trilha de som, e não pelas imagens.

b) MÚSICA:

A música acompanha a ação nas passagens cômicas ou dramáticas e é tão variada quanto o tom do filme. Um leit motif grave persegue Kane o tempo todo. Quando a narrativa ganha tons mais leves, esta gravidade desaparece como na sequência musical na séde do Inquirer. Pode-se notar um efeito interessante de sincronismo com a imagem quando a música para no momento em que se apagam as luzes do castelo.

Bernard Herrmann e orson Welles

O autor da música, Bernard Herrmann, que já havia colaborado com um Welles ainda mais moço na radiofonização de “Macbeth” no Mercury Theater of the Air e seria o futuro colaborador de Alfred Hitchock, compôs uma fictícia Ária de Salammbô (Dorothy Comingore deliberadamente dublada por uma soprano lírico leve, Jean Forward, para dar a impressão de que a personagem era inadequada para interpretá-la) especialmente para o filme, e aproveitou trechos de Chopin, Rossini, Handel, Mendelssohn e música de jazz (“This Can’t Be Love”, com o arranjo do Nat King Cole Trio).

Para simbolizar a deterioração gradual do casamento de Kane com sua primeira esposa, que transcorre na mesa do café da manhã, Herrmann usou um tema de valsa lenta com uma série de variações, que ficam cada vez menos parecidas com uma valsa e mais sombrias, na medida em que o clima entre os dois se torna progressivamente mais frígido.

O significado da palavra Rosebud, em torno da qual o filme inteiro gira, é expresso através da música, muito antes de ser revelado nas imagens. Um fragmento melódico (o motivo de Rosebud) é ouvido desde quando Kane a pronuncia no instante de sua morte e depois esse mesmo motivo é ouvido quando, ainda criança, ele está brincando na neve com o seu trenó, e mais uma vez quando a identidade de Rosebud é revelada visualmente. Outro fragmento melódico (o motivo do Poder) simboliza a sede insaciável de Kane pelo poder e sucesso indiferente às consequências.

c) DIÁLOGOS:

Os diálogos normalmente cumprem sua função de sustentar a progressão dramática ou de expor as idéias do autor. Em Cidadão Kane porém nenhum personagem é porta-voz do autor. Cada personagem dá a sua opinião sobre Kane, mas exprime apenas uma parte da verdade. A verdade total não é revelada pelos diálogos mas pela imagem do trenó se queimando na lareira. As réplicas que os roteiristas puseram na boca de Kane contribuem para exprimir as contradições do seu caráter. E as dos outros personagens também o retratam muito bem como na frase “Tudo o que ele realmente desejava na vida era amor, mas simplesmente não tinha nenhum para dar”, ou esta outra, “Ele só sabia dar gorjetas”.

Nota-se o uso do overlapping (diálogos justapostos) ou seja, quando várias pessoas falam ao mesmo tempo (como na realidade) e não uma depois da outra como fazem no teatro. Diálogos justapostos entre atores principais de um filme já haviam sido utilizados desde 1931 por Lewis Milestone em A Primeira Página / The Front Page, porém não para produzir uma impressão de conversação coletiva, como ocorreu em Cidadão Kane. Um exemplo de diálogos justapostos neste filme ocorre na cabine após a projeção do cinejornal “News on the March”.

Cenas dramaticamente expressivas:

a) a cena da chantagem de Gettys, especialmente nas últimas imagens, quando ele vem em direção à câmera para o primeiro plano com uma expressão de indiferença desdenhosa enquanto, no fundo, Kane explode de raiva.

b) a cena da cólera de Kane , quebrando o quarto de Susan.

Nessas duas cenas, a interpretação de Welles é notável. Ela tem uma grande intensidade dramática e um ritmo ofegante, e os enquadramentos, sensacionais. Por falar em interpretação, todos os atores eram desconhecidos no cinema, oriundos, como Welles, do Mercury Theatre, e por isso a equipe era bastante homogênea. Todos estão ótimos, destacando-se Welles por causa de seu papel mais importante. Outra prova da sua capacidade como ator Welles deu ao personificar com 25 anos um homem em várias fases de idade até a velhice. Mesmo com o auxílio da excelente maquilagem de Maurice Seiderman foi preciso também um esforço interpretativo por parte de Welles.

Toland, Welles e Maurice Seiderman

CENÁRIOS:

Com relação aos cenários, em interiores, aparece o teto. Na maioria dos filmes até então, nunca se via o teto, porque a iluminação vinha de cima. Para fotografar o teto, Toland colocou a câmera ao nível do assoalho com a iluminação também vindo de baixo. Os tetos que aparecem sempre que os ângulos de câmera ficam mais baixos (low angle), eram feitos de tecido (mousseline), e a captação do som, com o microfone atrás do tecido. Os cenários com tetos contribuiam para fechar o universo em que se moviam os personagens, tornando-o mais angustiante, mais “esmagador”.

Darrell Silvera e Van Nest Polglase

A gente pode perguntar qual é o significado daquela imensa biblioteca de estilo expressionista. Será que era para abrir pomposamente o livro da vida daquele homem pomposo ou, mais simplesmente, para criticar o abuso americano dos meios desproporcionados aos seus fins?

Em muitas cenas Welles e Perry Ferguson reutilizaram cenários de outros filmes da RKO e na sequência em Everglades eles usaram tomadas de arquivo de O Filho de King Kong / Son of Kong / 1933.

Perry Ferguson

Cumprindo instruções de Welles, Perry Ferguson desenhou cada cena (story board), pois o diretor queria que os cenários do filme fizessem parte integral da narrativa do filme; eles deveriam contribuir para a ação do filme, e não meramente funcionar como seu pano de fundo.

O principal interior de Xanadu é uma vasto salão definido por uma escadaria muito alta de pedra, uma lareira gigantesca e estátuas colossais – frequentemente a única companhia do casal. A esposa de Kane se entretem com um jogo de quebra cabeças enorme – tudo neste lugar é demasidamente grande. Neste aspecto Cidadão Kane é um refêrencia aos filmes de horror como Drácula / Dracula / 1931 realizados anteriormente por Charles D. Hall na Universal.

EFEITOS ESPECIAIS:

Em Cidadão Kane há um trabalho consideravelmente maior de efeitos especiais do que na maioria dos filmes de Hollywood na época. Uma das razões é de ordem financeira. Cidadão Kane foi realizado dentro de um orçamento que, devido à natureza e extensão de seu tema, era bastante limitado, e todo o empenho foi necessário para manter seu custo reduzido. Por exemplo, Welles foi obrigado a recorrer a artifícios óticos: nos planos do Madison Square Garden, somente a plataforma dos oradores é um set de ação com atores; o gigantesco salão e a platéia são pintados.

Na RKO, ao contrário de outros estúdios, as funções dos efeitos especiais estavam agrupadas em um departmento único e integrado, chamado Efeitos de Câmera, dirigido por Vernon L Walker. Havia câmeras especificamente projetadas ou adaptadas para a filmagem de efeitos. Mario Larrinaga era o pintor de matte e Linwood Dunn operava a trucagem ótica. Há no filme muito pouca projeção de fundo; essa técnica opunha-se à paixão de Welles pela profundidade de campo e pelo movimento sofisticado da câmera.

Vernon L. Walker e Linwood Dunn

Quanto ao uso do matte (que ocorre quando um elemento da cena sendo filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada), temos dois exemplos notáveis: 1. Na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane apenas um detalhe do set foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados por Larrinaga; 2. Na cena do cortejo para o piquenique em Everglades, a ação com atores foi filmada na praia de Malibu, onde o terreno em volta é montanhoso. Larrinaga pintou um panorama mais nivelado e uma vegetação mais típica de uma locação na Flórida. O castelo de Xanadu foi inspirado na mansão de San Simeon de propriedade de Hearst e no famoso Mont Saint Michael da França.

Um efeito ótico memorável providenciado por Lindwood Dunn foi aquele travelling já mencionado nos bastidores da ópera: Welles lhe pediu que o movimento de câmera fosse bem longo para que ela chegasse até o teto. Dunn construiu uma miniatura e, na medida em que a câmera subia, alternaram-se imagens da miniatura com as reais. Cinquenta por cento das tomadas de Cidadão Kane foram obtidas por efeitos especiais.

 

ATORES E ATRIZES BRASILEIROS NA ANTIGA HOLLYWOOD

março 9, 2018

Como todos sabem, Carmen Miranda foi a estrela brasileira que mais brilhou no céu de Hollywood. A vida e a obra da “pequena notável” foram abordadas exaustiva e exemplarmente por Ruy Castro, de modo que nada mais posso acrescentar à sua magnífica biografia. Vou lembrar apenas outros artistas brasileiros que tentaram se infiltrar no cinema americano.

Syn de Conde

O primeiro a chegar a Hollywood parece ter sido o paraense Sinésio Mariano de Aguiar, com o nome de Syn de Conde (1894 – 1990).  Por ocasião de uma exposição em sua homenagem na Cinemateca do MAM em 6 de março de 1974, ele já estava com quase oitenta anos de idade e não se lembrava com exatidão de todos os seus papéis e do número de filmes nos quais participou, mas sua presença é assinalada em pelo menos oito filmes, tendo sido identificados alguns dos personagens que interpretou: Revelação / The Revelation / 1918, estrelado por Alla Nazimova (Duclos);

Alla Naziomva e Syn de Conde em Revelação

A Defesa de uma Inocente / Out of the Shadow / 1919; A Garota Que Ficou em Casa / The Girl Who Stayed at Home, de D. W. Griffith / 1919 (Count de Brissac); Mary Regan / 1919 ; Rosa do Norte / Rose of the West / 1919; A Chama do Deserto ou A Chama do Amor / Flame of the Desert / 1919 (Abdullah); Audaz Conquista / Rouge and Riches / 1920 (Jose); Dinheiro da Lua / Moongold / 1921 (Arlequim ). Sobre sua atuação no filme de Griffith, Sinésio contou: “D. W. Griffith era um deus no estúdio. Não se ouvia um barulho. Um respeito extraordinário. Ele soube de mim por causa de Revelation com a Nazimova. Precisava de um francês, alguém que soubesse namorar, cativar uma moça … Quando Griffith queria filmar, só fazia um gesto assim, e tudo parava”.

Outro paraense, Archimedes Machado de Labor (1896 – 1943) esteve nos EUA no começo dos anos vinte. Com o nome artístico de Antonio Rolando, trabalhou como figurante em Romance das Planícies / Prairie Trails / 1920, western de Tom Mix; A Mulher que Deus Mudou / The Woman God Changed / 1921; Tesouro Tentador / Buried Treasure / 1921; Sacrifício de Mulher / A Virgin’s Sacrifice / 1922; A Volta ao Mundo em 18 Dias / Around the World in 18 Days / 1921; Fascinação / Fascination / 1922; A Lei Comum / The Common Law / 1923.

No Brasil, sua filmografia como ator inclui: Dioguinho / 1916; Ubirajara / 1919; Corações em Suplício / 1925; Filmando Fitas / 1926 (tb. como diretor); Anchieta entre o Amor e a Religião / 1931; Rosa de Sangue / 1934 (tb. como arg. e diretor); Caçando Feras / 1936 (tb. como ass. direção); Alma e Corpo de uma Raça / 1938; Sedução do Garimpo / 1941; O Dia é Nosso / 1941. Produziu com Luiz de Barros: Vivo ou Morto / 1915. Foi maquilador em A Carne / 1925. Segundo Jurandyr Noronha (Dicionário de Cinema Brasileiro, EMC Edições, 2008), Antonio Rolando retornou aos EUA, adquiriu a cidadania norte-americana, e embarcou com os comboios que levavam material bélico para os russos na Segunda Guerra Mundial, morrendo quando seu cargueiro foi torpedeado.

Os próximos brasileiros que tiveram contacto com a cinematografia americana foram Lia Torá e Olympio Guilherme,vencedores, entre rapazes e moças anônimos e outros candidatos que já atuavam no cinema nacional (Lelita Rosa, Luiz Sucupira, Georgette Ferret, Amanda Maucery, Diogenes Nioac, Bruno Mauro – nome artistico de Francisco Mauro, irmão de Humberto Mauro -, Carlos Modesto e Olyria Salgado), do Concurso de Beleza Fotogênica Feminina e Varonil realizado pela Fox Film em 1927, para escolher um casal de brasileiros, que seria contratado pelo estúdio em Hollywood.

Adhemar Gonzaga, Olympio Guilherme, Lia Torá e o crítico Pedro Lima

Um júri no Rio de Janeiro (composto pelos escritores Coelho Neto e Rosalina Coelho Lisboa; pelo crítico teatral do Jornal do Brasil, Mario Nunes; por José Mariano Filho, diretor da Escola de Belas Artes; Alberto Rosenval, diretor-geral da Fox Film no Brasil; e pelo publicista, José Matienzo), selecionou cinco candidatos, e um júri em Nova York (composto por William Fox, Winfield Sheehan, Sol Wurtzel e outros do alto escalão da companhia) escolheu entre estes cinco os ganhadores. O cinegrafista Paul Ivano (que havia sido operador de câmera de Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim e diretor de fotografia de 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925 de Fred Niblo) veio especialmente ao Brasil para filmar os concorrentes escolhidos pelo júri. No Rio os testes foram feitos no estúdio da Benedetti Filme e em São Paulo, nos estúdio da Redondo Filme no Parque Antártica.

A carioca Lia Torá (1907 – 1972), cujo verdadeiro nome era Horacia Corrêa d’Avila, viveu parte da infância no Rio de Janeiro e depois foi com a família para a Espanha, onde cursou a Academia de Dança de Barcelona e integrou o corpo de dança da Companhia de Revistas Velasco. Voltando a sua pátria, apaixonada pelo cinema, inscreveu-se no concurso da Fox e obteve a primeira colocação.

Lia Torá

Olympio Guilherme

Olympio Guilherme (1901-1973), nascido em Bragança Paulista, já com vinte anos era repórter de A Gazeta na capital do Estado e foi este jornal que o designou para acompanhar o concurso da Fox. Como nenhum dos rapazes já fotografados tivesse agradado aos chefões da Fox em Hollywood, Ivano resolveu fazer um teste com o repórter da Gazeta, que aceitou o desafio, por ver nele um bom assunto jornalistico, e acabou sendo o escolhido.

Os brasileiros foram lançados ainda em 1927 como figurantes em uma comédia curta, A Low Necker (Dir: Wallace MacDonald), juntamente com os vencedores de um concurso semelhante realizado na Espanha (obs. houve outros também na Argentina, Chile e Itália), Maria Casajuana e Antonio Cumellas. Nenhum dos quatro sairia vencedor do duro páreo do estrelato se bem que, com o nome de Maria Alba, a espanhola chegasse a obter alguns papéis mais destacados.

Olympio Guilgerme e Lia Torá mestres de cerimônia em O Rei do Jazz

Lia e Olimpio tornaram a trabalhar juntos como extras em Bastará ser Rico / Making the Grade / 1928 (Dir: Alfred E. Green) e em 1930 atuaram como mestres de cerimônia na versão brasileira de O Rei do Jazz / King of Jazz (Dir: John Murray Anderson). Lia fez pontas e pequenos papéis em outros filmes e, em 1919, ela e seu marido, o piloto automobilista e herdeiro de uma grande fortuna, Julio de Moraes, venderam para a Fox um argumento de sua autoria intitulado Mud (Lama), que foi transformado em roteiro e, sob a direção de Emmett Flynn, resultou no filme A Mulher Enigma / The Veiled Woman. Esta produção deu a Lia o seu único papel de protagonista no referido estúdio.

Com o fim do contrato com a Fox, Lia e o marido fundaram sua própria companhia nos Estados Unidos, a Brazilian Southern Cross, e rodaram o filme Alma Camponesa / 1929 (preliminarmente intitulado Progresso e Justiça e Num Cantinho de Portugal), estrelada pela atriz e dirigida por ele. Era a história de pequenos proprietários rurais que se sentiam prejudicados com a abertura de um estrada de rodagem e o elenco compunha-se ainda de: Agostino Borgato, Sherman Ross, Alfredo Sabato, Clélia Torá (irmã de Lia), Mariza Torá (sobrinha de Lia), Zacharias Yaconelli, Luiz Reis, Nina Rei, Luiz Monteiro. Mariza subiu ao palco do Cine Glória na Cinelândia para apresentar o filme em pré-estréia aos brasileiros.

Cena de Alma Camponesa

Julio de Moraes, Lia Torá e Adhemar Gonzaga

Em 1930, Lia apareceu brevemente em A Soldier’s Plaything (Dir: Michael Curtiz) e em Martini Cocktail / Dry Martini de Harry D’Abadie D’Arrast e suas demais aparições foram em filmes dialogados em espanhol ou versões de filmes americanos em espanhol, com os quais Hollywood procurava na época manter seus mercados nos países que falavam esse idioma (Don Juan Diplomático / 1931 / versão em espanhol de The Boudoir Diplomat (Dir: George Melford); Soñadores de la Gloria / 1931 (Dir: Miguel Contreras Torres); Hollywood, Cidade do Sonho / Hollywood, Ciudad de Ensueño / 1931 (Dir: George Crone;) Eram Treze / Eran Trece / 1931/ versão em espanhol de Charlie Chan Carries On (Dir: David Howard) com Lia e Raul Roulien como coadjuvantes. O filme passou em São Paulo com o título em português de À Meia-Noite). Um ano antes de morrer, Lia apareceu em As Confissões de Frei Abóbora (Dir: Bras Chediak / 1971).

Lia Torá e Alfred Gran em Martini Cocktail

Olympio Guilherme logo percebeu que não ia conseguir se projetar na Terra do Cinema. Passavam-se as semanas e os meses e o pessoal do estúdio nada mais fazia senão tirar fotografias dele para testar uma nova maquilagem ou ver como uma determinada roupa fotografava. Mas, aproveitando a viagem, estudou Economia e Filosofia na Universidade do Sul da California em Los Angeles e produziu, atuou, e dirigiu por conta própria o filme, Fome / Hunger / 1929, responsabilizando-se também pelo argumento e roteiro. Inspirado em Pudovkin, Olympio quis fazer um filme realista, e, para isso, cerca de oitenta por cento da metragem foram obtidos com a câmera escondida, através do uso de teleobjetivas, para mostrar a “alma popular”, sem disfarce de espécie alguma, sem exagêros e sem mentiras. Pouquíssimo visto nos Estados Unidos e na Europa, Fome, foi exibido no Rio de Janeiro no Cinema Parisiense. O comentarista da Cinearte não gostou do filme, achando que ele tinha “má linguagem cinematográfica”, e acrescentando: “Além disso, Olympio não foi feliz com a fotografia. Nem com os ângulos da máquina que escolheu. Nem com a representação. Nota-se que todos se sentem vacilantes e incertos”.

Olympio Guilherme em Fome

Em 1931, Olympio e Lia voltaram para o Brasil, ambos decepcionados com a “fábrica de sonhos”. Na verdade, o concurso de fotogenia da Fox tinha sido um golpe para a companhia ganhar publicidade de graça no Brasil. De regresso ao seu país, Olympio escreveu um livro intitulado A Verdadeira Hollywood (Freitas Bastos, 1933), revelando-se como escritor. Redator-chefe do Observatório Econômico e Financeiro entre 1936 e 1940, diretor de O Jornal entre 1942 e 1943, manteria sempre um grande interesse pelo jornalismo político e econômico. Entre seus livros estão A Margem da História Americana, A Realidade Norte-Americana, A Revolução Capitalista Norteamericana, Homens e Coisas Norteamericanas, A Luta pela Liberdade nas Américas etc.

Raoul Roulien

Ao contrário de Olympio Guilherme e Lia Torá, um outro artista brasileiro se deu bem em Hollywood: Raul Roulien (1905 – 2000), nome artístico de Raul Salvador Intini Pepe Roulien, natural do Rio de Janeiro. Apesar de ser carioca, ele se tornou conhecido primeiramente na Argentina como Raul Peppe, cantor, pianista e compositor, recebendo o título de Rei do Tango das Américas. De volta ao Brasil, já como Raul Roulien, trabalhou no teatro e gravou discos, entre eles, dois clássicos da música popular brasileira, Guacyra e Favela, de Heckel Tavares e Joraci Camargo. Em 1928, a Companhia Brasileira de Sainetes Abigail Maia – Raul Roulien, organizada por Oduvaldo Viana, lançou um novo tipo de espetáculos (oitenta minutos sem intervalo e a preços de cinema no Trianon) e um novo gênero teatral, “o teatro da frivolidade”, tendo à frente do elenco Abigail e Raul. Outro trabalho de Roulien nos palcos brasileiros foi a formação da Companhia de Filmes-Cênicos, mais uma modalidade de teatro aproximando-se do espetáculo cinematográfico, apresentando números cantados e dançados no velho Teatro Lírico.

Raul Roulien e Janet Gaynor em Deliciosa

Raul Roulien em A Marcha dos Séculos

Em 1931, Roulien casou-se com a atriz e bailarina Diva Tosca, que fazia parte de sua companhia, e resolveu ir para os Estados Unidos levando para a Paramount uma carta de recomendação de Tibor Rombauer, diretor dessa empresa no Brasil, apresentando-se nos estúdios de Long Island em Nova York. Coincidiu entretanto que Raul chegou justamente quando a Paramount fechava estes estúdios e assim mandaram que fosse fazer um teste em Joinville, na França, onde a empresa acabara de abrir novos estúdios para filmagem com elencos estrangeiros. Ele então se lembrou da Fox, onde conseguiu um contrato e estreou em Eram Treze / Eran Trece / 1931, versão em espanhol de Charlie Chan Carries On / 1931, dirigida por David Howard na qual ele canta um tango, um samba, e uma canção de apache.

Sua carreira prosseguiu como coadjuvante ou como protagonista em filmes americanos propriamente ditos ou hablados en español: Deliciosa / Delicious / 1931 (Dir: David Butler com Janet Gaynor e Charles Farrell); Mulheres e Aparências / Careless Lady / 1932 (Dir: Kenneth MacKenna com Joan Bennett e John Boles); Promotor Público / State’s Attorney / 1932 (Dir: George Archainbaud com John Barrymore); A Mulher Pintada / The Painted Woman / 1932 (Dir: John G. Blystone com Spencer Tracy); O Último Varão Sobre a Terra / El Último Varon Sobre la Tierra / 1933, versão em espanhol de It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: James Tinling com Rosita Moreno); Primavera no Outono / Primavera en Otoño / 1933 (Dir: Eugene Forde com Caterina Bárcena e Antonio Moreno); Não Deixes a Porta Aberta / No Dejes la Puerta Abierta / 1933 versão em espanhol de Pleasure Cruise / 1933 (Dir: Lewis Seiler com Rosita Moreno):

Rosita Moreno e Raul Roulien em O Último Varão Sobre a Terra

Conchita Montenegro e Raul Roulien em Granadeiros do Amor

O Homem Que Ficou para Semente / It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: Alfred L. Werker com Edna May Oliver e Gloria Stuart ); Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933 (Dir: Thorton Freeland com Dolores Del Rio, Gene Raymond, Fred Astaire, Ginger Rogers); Granadeiros do Amor / Granaderos del Amor /1934 (Dir: John Reinhardt com Conchita Montenegro); A Marcha dos Séculos / The World Moves On / 1934 (Dir: John Ford com Madeleine Carroll e Franchot Tone); Assegure a su Mujer / 1935 (Dir: Lewis Seiler com Conchita Montenegro ); Piernas de Seda / 1935, versão em espanhola de Silk Legs / 1927 (Dir: John Boland com Rosita Montenegro); Te Quiero con Locura / 1935 (Dir: John Boland com Rosita Moreno). Em Deliciosa, Roulien tornou famosa a canção do mesmo nome de George Gershwin, sucesso que repetiria em Voando para o Rio com o tango Orquídeas ao Luar de Vincent Youmans.

Dolores Del Rio e Raul Roulien em Voando para o Rio

Gene Raymond, Ginger Rogers, Raul Roulien e Fred Astaire em um intervalo de filmagem de Voando para o Rio

Na noite de 27 de setembro de 1933, Diva Tosca morreu em um acidente automobilístico, atropelada pelo filho de um ator famoso, Walter Huston, o futuro roteirista e diretor John Huston. O rapaz, que dirigia embriagado, já havia se envolvido em outro desastre: há pouco tempo o veículo de John Huston havia se chocado com o de Zita Johann, ferindo-a bastante.

Em 1935, durante a filmagem de Granadeiros do Amor, Roulien conheceu sua segunda mulher, Conchita Montenegro, na companhia da qual retornou em definitivo ao Brasil um ano depois. Aqui dirigiu e atuou como ator em O Grito da Mocidade / 1937 (com Conchita Montenegro, Jaime Costa, Jorge Murad, Alzirinha Camargo), um grande êxito de público, e filmou ainda: Aves sem Ninho /1939 (com Déa Selva, Rosina Pagã, Lídia Matos, Celso Guimarães e a menina Elza Mendes,); Asas do Brasil / 1940 (concluído, mas nunca lançado, porque um incêndio na Sonofilmes destruiu os negativos. Em 1947, a Atlântida comprou o argumento de Roulien e refilmou a história com os antigos atores principais, Celso Guimarães e Alma Flora); Jangada /1949 (com Fada Santoro que ficou inacabado); e Maconha, a Erva Maldita / 1950 (também inacabado). Roulien fez ainda uma “pontinha” não creditado em A Caminho do Rio / Road to Rio / 1947 (Dir: Norman Z. McLeod), uma das comédias da série Road to … com Bob Hope e Bing Crosby.

De volta ao teatro, Roulien formou uma companhia teatral, onde Cacilda Becker teve sua primeira experiência professional e, segundo consta, um romance muito discreto com Raul. Nos anos 60, Roulien trabalhou na televisão (v. g. dirigiu com Benjamin Cattan a primeira telenovela da TV Cultura, A Muralha / 1961). No mesmo ano, fundou a Placard Produções, empresa especializada na organização de concursos e exposições. Tenta um retorno ao cinema nos anos 80, propondo-se a filmar a vida de Oswaldo Cruz, entre outros projetos não realizados. Faleceu de infarto aos 94 anos e foi enterrado no Cemitério da Consolação em São Paulo. Seu clube favorito, o Botafogo, homenageou-o cobrindo o caixão com a bandeira alvinegra.

Outros brasileiros tentaram a sorte em Hollywood, porém nenhum deles alcançou a projeção de Roulien. No campo masculino: Zacharias Yaconelli, William Schocair, Paulo Portanova, Mario Marano, Carlos Modesto, Wilson Morelli, Eugenio Carlos, Paulo Monte. No campo feminino: Aurora Miranda, Eros Volúsia, Leonora Amar, Maria Belmar, Leonor Rodrighero.

Zacharias Yasconelli

Zacharias Yaconelli (1896 – 1976), um paulista que nasceu com o nome de Zacharias Iaconelli, trabalhou cinco anos em teatro, na companhia da Família Lambertini, tendo atuado como ator também no filme O Grito do Ipiranga / 1917 (Dir: Giorgio Lambertini), produzido pelos Lambertini. Em 1922, aos 25 anos, Yaconelli trabalhava em uma firma americana em São Paulo, quando ganhou um prêmio de viagem para Nova York, onde ficou por dois anos, e depois partiu para Hollywood. No começo só conseguiu aparecer em “pontas”ou como extra, tal como ocorreu por exemplo em O Rei dos Reis / The King of Kings / 1927 de Cecil B. DeMille. Para se sustentar melhor, Yaconelli trabalhou com intérprete nos tribunais de Los Angeles Seu nome constava no Central Casting Bureau com a seguinte informação: fala cinco idiomas: inglês, português, espanhol, italiano e ídiche. Teve um papel de destaque ao lado de Lia Torá em Alma Camponesa / 1929 e a revista Cinearte mostrou uma foto confirmando sua presença como garçom em Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1935. A Fox contratou-o para ser o diretor de diálogo (english instructor) de Carmen Miranda na filmagem de Uma Noite no Rio / That Night in Rio / 1941 e Aconteceu em Havana / Week-End in Havana / 1941. Para o primeiro filme, ele ainda escreveu a letra para They Met in Rio a ser cantada em português por Don Ameche. Yaconelli foi também tradutor e dublador. Foi ele quem dublou o apresentador Deems Taylor na versão brasileira de Fantasia / Fantasia / 1940 e narrou em português o documentário de Osa e Martin Johnson, Casei-me com a Aventura / I Married Adventure / 1940. Quando veio ao Brasil em 1941, acompanhando D. Maria, a mãe de Carmen Miranda, Yaconelli conheceu Joaquim Rolla, que o empregou como diretor artístico do Cassino da Urca.

Zacharias Yaconelli )à esq.) ao lado de Raul Roulien em Voando para o Rio

Nos anos 50, de novo em Hollywood, Yaconelli continuou figurando em várias produções: The Stork Pays Off / 1941; Amazon Quest / 1949; Holiday in Havana / 1949; O Barão Aventureiro / The Baron of Arizona / 1950; Terra em Fogo / Crisis / 1950; Paraíso Proibido / September Affair / 1950; Heróis da Retaguarda / Up Front / 1951; O Grande Caruso / The Great Caruso / 1951; A Lei e a Mulher / The Law and the Lady / 1951; O Poder da Mulher / Westward the Women / 1951; O Convite / Invitation / 1952; Dois Caipiras em Paris / Ma and Pa Kettle on Vacation / 1953; A Espada de Damasco / The Golden Blade; 1953; Meu Amor Brasileiro / Latin Lovers / 1953; Sob o Comando da Morte / The Command / 1954; A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain / 1954; O Segredo dos Incas/ Secret of the Incas / 1954.

Paulo Portanova

Paulo Portanova e Charlie Murray em Com a Boca na Botija

O paulista Paulo Portanova, trabalhou na Companhia Italo Brasileira de Seguros em São Paulo e foi para Hollywood a conselho de amigos que o julgavam parecido com Valentino. Trazendo uma carta de um Banco em Nova York que emprestava dinheiro para a First National, ele conseguiu uma figuração em A Vida Privada de Helena de Tróia / The Private Life of Helen of Troy / 1927 de Alexandre Korda. Depois apareceu em um outro filme de Korda, Hás de Ser Minha / Yellow Lily / 1928 e em O Preço da Virtude / The Heart of a Follies Girl / 1928; A Arca de Noé / Noah’s Ark / 1928 (é o almofadinha que não quer dar lugar para um padre); Com a Boca na Botija / Do Your Duty / 1928; Castigada / Disgraced / 1933; Um Brinde ao Amor / Here’s to Romance / 1935; Serenata Tropical / Down Argentine Way / 1940.

William Shocair e o anúncio de A Lei do Inqulinato

Apaixonado por Cinema, o carioca William Schocair (1902 – 1969) emigrou em 1921 para os Estados Unidos e lá trabalhou fazendo pontas em filmes mudos, inclusive de Rodolfo Valentino, adquirindo experiência na cinematografia então emergente. Voltou para o Brasil e filmou Lei do Inquilinato / 1926 e a comédia burlesa futurista Maluco e Mágico / 1927, nos quais também atuou como ator.

Mario Marano à extrema direita em uma cena de Sombras do Passado

Mario Marano atuou somente em um filme, Sombras do Passado / Out of the Past / 1927, no papel de Juan Sorrano. A revista Cinearte sentenciou: “Argumento batido e já abandonado. Não dá mais nada. Principalmente com um tratamento horrível como o que lhe deram Dallas Fitzgerald (obs. o diretor) e Tipton Stock (obs. o argumentista). Não se aproveita nada. Robert Frazer e Mildred Harris fazem muito mal o par de heróis. Mario Marano, brasileiro, tem um papel secundário. Aliás, esta foi uma das oportunidades de encetar carreira em que ele meteu os pés estupidamente”. Desiludido, Marano foi para Paris, onde conseguiu figurar em A Minha Noite de Núpcias / 1931, a versão portuguesa de Sua Noite de Núpcias / Her Wedding Night / 1930, com Leopoldo Froes e Beatriz Costa. Marano era o porteiro do hotel, cantando uma canção em francês.

Eva Schnoor e Carlos Modesto em Barro Humano

Eva Schnoor, Carlos Modesto e Lia Torá

Carlos Modesto (Carlos Modesto e Souza), estudante de medicina, descoberto por Adhemar Gonzaga quando dançava em um espetáculo do João Caetano foi o candidato de Cinearte ao concurso da Fox Film e o ator principal de Barro Humano / 1929 de Adhemar Gonzaga. Quando concordou em posar para Barro Humano, ele só impôs uma condição: mudar seu nome. Prestes a se formar em medicina, peferiu ocultar o seu nome verdadeiro. Passou a chamar-se Reynaldo Mauro. Mas ninguém o chamou assim. De longe, do Rio Grande do Sul, onde nasceu, chegavam muitas cartas, todas endereçadas a Carlos Modesto e ele acabou assumindo sua verdadeira identidade. Carlos representou o papel de Rodolfo Valentino em um espetáculo teatral para a sociedade beneficente “Pro Matre” e ficou conhecido como o Valentino brasileiro (lembrando que em Barro Humano ele dançou um tango com Carmen Violeta). Em Hollywood, só apareceu em um brevíssimo momento de Capitão dos Cossacos / Un Capitan de Cossacos / 1934, hablado en español estrelado por José Mojica e Rosita Moreno. Modesto logo desistiu do cinema, casando com a atriz Eva Schnoor (sua companheira no filme de Adhemar Gonzaga) e se dedicou integralmente à sua carreira de médico.

Wilson Morelli

Wilson Morelli, um dos elementos mais destacados do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, após terminar o curso de aperfeiçoamento em Nova York com Igor Schwezoff, foi para Hollywood, tentar o cinema. Ele trabalhou como chorus boy em Meu Coração Canta / With a Song in my Heart / 1952; O Professor e a Corista / She’s Working Her Way Through College / 1952; Hans Christian Andersen / Hans Christian Andersen; Três Cadetes em Apuros / About Face / 1952; Morrendo de Medo / Scared Stiff / 1953; Sua Excelência, a Embaixatriz / 1953; Furacão de Emoções / South Sea Woman / 1953; Cabeça de Pau / Knock on Wood / 1954; Rose Marie / Rose Marie / 1954.

Wilson Moreelli

Morelli, fez parte do show da boate “Moulin Rouge”(ex-Earl Carrol’s) e de espetáculos periódicos de dança espanhola com a famosa dupla Antônio e Luisa Triana. Ele lecionou coreografia na escola de Nico Charisse (o primeiro marido de Cyd Charisse) e se tornou partner de Tamara Toumanova, o primeiro bailarino brasileiro a alcançar tal prestígio. Participou também do Balé da Juventude, o grupo de dança que Schwezoff, de volta ao Brasil, transformou em um legítimo balé nacional, e constou dos créditos de um filme brasileiro, Jardim do Pecado / 1946 (Prod: Alexandre Wulfes; Dir: Leo Marten) juntamente com outros bailarinos (Carlos Leite, Tamara Capeller, Adalija Autran, Adelino Palomano etc.), seus colegas no Balé da Juventude.

Eugenio Carlos (de Almeida Barbosa), pernambucano, nascido em 1930, estreou no palco pelas mãos de Paschoal Carlos Magno no T.E.B., e depois, no Teatro Duse, representando inclusive um papel difícil, o de Osvald Alving, em Os Espectros de Henrik Ibsen. No início dos anos cinquenta, foi estudar arte dramática na Pasadena Playhouse em Los Angeles. Nesta escola teve professores como Michael Chekhov. A certa altura, ele foi envolvido no processo de divórcio do ator John Carradine, que acusava sua esposa, Sonia Sorrell, de ter cometido adultério com o jovem brasileiro.

Eugenio Carlos, Sonia Sorrell e John Carradine

Na filmografia de Eugenio Carlos constam duas co-produções: Escravos do Amor das Amazonas / Love Slaves of the Amazons / 1957 (Co-Prod. Brasil / Estados Unidos, Dir: Curt Siodmak, filmado na Amazonia, protagonizado por Don Taylor) e Tumulto de Paixões / The Witch Beneath the Sea / 1959 (Co-Prod. Brasil / Alemanha, Dir: Zygmond Sulistrowski, protagonizado por John Sutton). Em 1958, Eugenio atuou em um filme alemão, Peter Voss, Ladrão de Milhões / Peter Voss, der Millionenlieb (Dir: Wolfgang Becker com O. W. Fischer como Peter Voss) e participou como ator convidado na peça Os 7 Gatinhos de Nelson Rodrigues, fazendo o papel de Bibelot. No início dos anos 60, comandou o programa Notorious na TV Tupi. Depois se tornou artista plástico como entalhador de madeira, ficando conhecido como o entalhador Batista. Ele e sua esposa, a pintora Mady tornaram-se mundialmente conhecidos como “Os Embaixadores da Alma Brasileira”.

Paulo Monte

Paulo Monte

Paulo Monte (1921 – 2014) começou sua carreira como cantor de músicas norte-americanas, apresentando-se nas rádios Mayrink Veiga, Cruzeiro do Sul e Educadora. Logo após, ingressou na orquestra de Carlos Machado participando dos shows dos antigos cassinos da Urca, Icaraí, Copacabana e Atlântico. Fez várias temporadas em Buenos Aires, tendo atuado na rádio Belgrado. Em 1945 viajou para os Estados Unidos, onde foi contratado pelo Copacabana Night Club de Nova York. Em seguida fez várias tournés pelo país com a orquestra dos Lecuona Cuban Boys. Em 1946, permaneceu durante oito meses, cantando e apresentando shows nas cidades do México e Acapulco. Em 1947 retornou aos Estados Unidos, fixando-se em Los Angeles na Califórnia. Ingressou na UCLA, fazendo um curso de arte dramática com Maria Ouspenskaya. De volta ao Brasil tornou-se um dos melhores animadores no rádio e na televisão nos anos 60, servindo como exemplo É Pra Cabeça, programa de prêmios de muito sucessso na TV Tupi. Em 1971 ele lançou na TV Rio o Show de Turismo, transmitido, a partir de 1978, pela TV Bandeirantes: em 8 de julho de 1996, o programa comemorou o recorde de 25 anos de apresentações ininterruptas. No cinema, Paulo fez pontas nos filmes americanos Romance no Rio / Thrill of Brazil / 1946 e Resgate de Sangue / We Were Strangers / 1949; integrou o elenco dos filmes brasileiros Luz Apagada / 1953 (Dir: Carlos Thiré), O Gigante de Pedra / 1954 (Dir: Walter Hugo Khoury) e Sai de Baixo / 1956 (Dir: J. B. Tanko); estava, juntamente com Tonia Carrero, Norma Benguell, Norma Blum, Laura Suarez, Paulo Goulart, Jardel Filho, Sady Cabral, Agildo Ribeiro e Francisco Dantas, coadjuvando Jean-Pierre Aumont nada co-produção Brasil – Estados Unidos –Argentina, Sócio de Alcova / 1961 (Dir: George M. Cahan).

Aurora Miranda

Aurora Miranda da Cunha (1915 – 2005), conhecida como Aurora Miranda, a “outra pequena notável”, como lhe chamou Cesar Ladeira, nasceu no Rio de Janeiro no bairro da Tijuca. Irmã de Carmen Miranda, frequentava a Rádio Mayrink Veiga nos dias do programa de Carmen, quando, aos dezoito anos de idade, em 1932, chamou a atenção de Josué de Barros, e acabou ingressando na emissora no Programa de Ademar Casé. Em 1933, Aurora despertou a curiosidade de Assis Valente. que insistiu com Felicio Mastrangelo, diretor artístico da emissora para fazer um teste de voz com ela. O resultado foi muito bom e Assis a convidou para gravar na Odeon em dupla com Francisco Alves, a sua marchinha junina Cai, Cai Balão. O “Rei da Voz” levou Aurora para cantar esta mesma música com ele no Teatro Recreio, marcando a estréia oficial da jovem cantora diante do público. Pouco depois, ele a convidou para gravarem juntos o foxtrote de Noel e Helio Rosa, Você só … mente. As duas músicas fizeram sucesso e no mesmo ano houve mais um triunfo: a marchinha Se a Lua Contasse de Custódio Mesquita. Outro grande êxito de Aurora foi Cidade Maravilhosa de André Filho que ela iria cantar (além de Ladrãozinho de C. Mesquita) no seu primeiro filme brasileiro, Alô, Alô, Brasil / 1935, produzido por Adhemar Gonzaga e Wallace Downey e dirigido por W. Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro).

Aurora e Carmen Miranda em Alô, Alô Carnaval!

Antes de partir para os Estados Unidos, Aurora integrou o elenco de mais dois filmes de Gonzaga e Downey – Estudantes / 1935 (Dir: W. Downey), no qual cantou Onde está o seu carneirinho de C. Mesquita) e Alô, Alô Carnaval! / 1936 (Dir: W. Downey, João de Barro, Alberto Ribeiro) no qual cantou Cantoras do Rádio de João de Barro, Lamartine Babo e Alberto Ribeiro, em dupla com Carmen, acompanhadas pela orquestra de Simão Boutman e Molha o Pano com Benedito Lacerda e seu conjunto – e, finalmente, Banana da Terra / 1939, produzido pela Sonofilmes (Alberto Byington Jr., W. Downey) e dirigido por Ruy Costa, no qual cantou Menina do Regimento de João de Barro e Alberto Ribeiro.

Depois de anos de sucesso na Odeon, Aurora transferiu-se para a Victor em fins de 1938. Em 1940, casou-se com Gabriel Richaid, e começou a pensar em uma carreira americana. Graças ao prestígio da irmã, Aurora recebeu a proposta de um teste na MGM para uma participação em Lourinha do Panamá / Panama Hattie, filme que teria Red Skelton e Ann Sothern nos papéis principais, porém Carmen, achou o salário que estavam oferecendo muito baixo e encerrou o assunto (Lena Horne acabou sendo a escolhida). Aurora foi avaliada na Warner, vestida de baiana e acompanhada pelo Bando da Lua para um filme que se chamaria Carnival in Rio, mas foi reprovada no teste, e o filme nunca foi feito.

Aurora Miranda em Você Já Foi a Bahia?

Aurora Miranda

Finalmente, no ano de 1944, Aurora foi contratada por Walt Disney, para contracenar com figuras de desenho animado em Você Já Foi à Bahia? / The Three Caballeros / 1945. Ela dança com o Zé Carioca e o Pato Donald sob o som de Quindins de Iaiá de Ary Barroso, que fala no filme, contando a história de um pobre pinguim friorento que vivia no Polo Sul e cujo sonho dourado era passsar o resto da vida em uma ilha de sol nos trópicos. A nova técnica experimentada por Disney encantou o público e, em um dos momentos mais espantosos dessa reunião de criaturas de carne e osso com personagens de animação, Aurora dá um beijo no Pato Donald.

Aurora Miranda e Walt Disney

Enquanto Você Já Foi à Bahia era finalizado, com a inclusão dos desenhos, o contrato de Aurora com Disney já havia expirado e ela aceitou pequenas participações em filmes de outros estúdios: Conspiradores / The Conspirators / 1944 (Prod: Warner. Dir: Jean Negulesco, com Hedy Lamarr, Paul Henreid, Sydney Greenstreet, Peter Lorre, Victor Francen) no qual aparece cantando o fado Rua do Capelão; Brasil / Brazil / 1944 (Prod: Republic. Dir: Joseph Santley, com Tito Guizar, Virginia Bruce, Edward Everett Horton) no qual aparece em um número musical tal como Roy Rogers e Trigger e a dupla de dançarinos Veloz e Iolanda, sendo que a canção Rio de Janeiro de Ary Barroso e Ned Washington foi indicada para o Oscar de Melhor Canção);

Aurora Miranda em A Dama Fantasma

A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1944 (Prod: Universal. Dir: Robert Siodmak, com Franchot Tone, Ella Raines, Alan Curtis) no qual é creditada apenas como Aurora, e faz o papel da cantora temperamental Estela Monteiro que, irritada ao ver na platéia uma mulher (a dama fantasma do título) com o mesmo vestido que o seu, entra no camarim gritando em português “Que coisa horrorosa!” -convenientemente, no anúncio que saiu nos jornais brasileiros a publicidade fez o nome de Aurora Miranda encabeçar o elenco. Em 1945, Aurora fez mais um specialty act em Conte Tudo às Estrelas / Tell it to a Star (Prod: Republic. Dir: Frank McDonald, com Ruth Terry e Robert Livingston).

De volta ao Brasil, Aurora, além trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, atuou no Cassino da Urca na revista Circo de Luiz Peixoto, tendo como colegas Mesquitinha, Manoel Pera, Grande Otelo e os Anjos do Inferno e no Night and Day em um estupendo show de Carlos Machado, Mister Samba, que, sem ser uma biografia cronológica de Ari Barroso, fez uma apresentação teatral do que havia de melhor em sua imensa bagagem musical. Ao lado de Aurora estavam Grande Otelo, Elizete Cardoso, Vera Regina, Marina Marcel, Norma Benguel, Elizabeth Gasper, Norma Tamar, Irma Alvares e Gina le Feu. Em 1989, surgiu em um filme de Cacá Diegues, Dias Melhores Virão.

Eros Volusia

Eros Volusia (1914 – 2004), natural do Rio de Janeiro, filha do poeta Rodolfo Machado e da poetisa Gilka Machado, que lhe deram o nome de Heros Volúsia Machado, pode-se dizer que nasceu bailarina, demonstrando, desde os quatro anos, vocação para a dança. Quando Gilka Machado percebeu a tendência artística da filha, colocou-a em uma escola de balé. Um de seus melhores professores nessa fase de aprendizado foi Ricardo Nemanoff que, vindo ao Brasil com a trupe de Anna Pavlova, aqui se radicara. Depois de aprender a técnica de balé clássico Eros buscou elementos do lundu, do maxixe, do maracatu e das danças indígenas sem contudo romper com as manifestações do academicismo, uma miscigenação que atendia ao que pregava o Manifesto Antropofágico. O jornalista e poeta Carlos Maul saudou-a como “A Bailarina do Brasil”. Eros ganhou projeção internacional quando a revista Life publicou sua foto na capa da sua edição de 22 de setembro de 1941, apresentando-a como uma bailarina exótica em cujas veias fervia o sangue das três raças dominantes no Brasil. O sucesso da brasileira após ilustrar a capa da Life levou-a a ser contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer e assim ela seguiu para os Estados Unidos para participar em um número musical (começando com o Tico-Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e finalizando com Oia a Conga de Benedito Lacerda) do filme Rio Rita / Rio Rita / 1942 (Dir: S. Sylvan Simon), estrelado por Bud Abott e Lou Costello.

Eros Volusia em Rio Rita

Eros Volusia e Eleanor Powell

Apesar do sucesso que foi essa aparição cinematográfica, Eros resolveu voltar para o Brasil onde, além de se dedicar ao ensino do balé no Curso Prático de Dança do Serviço Nacional do Teatro (dentre suas alunas destacavam-se Mercedes Baptista, que foi a primeira negra a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal, e a polêmica Luz Del Fuego); trabalhou nos Cassinos da Urca, Atlântico e Copacabana, no Teatro Municipal e no Teatro de Revista (v. g. com Mesquitinha em Pudim de Ouro; com Walter D’Avila em Passo da Girafa), sempre aclamada como “A Dona dos Ritmos Morenos do Brasil”. Além do filme hollywoodiano, Eros atuou em filmes nacionais: Favela dos meus Amores / 1935 (Dir: Humberto Mauro); Samba da Vida / 1937 (Dir: Luiz de Barros); Caminho do Céu / 1943 (Dir: Milton Rodrigues), Romance Proibido / 1944 (Dir: Adhemar Gonzaga); Pra Lá de Boa / 1949 (Dir: Luiz de Barros).

Leonora Amar

Leonora Amar (1926 – 2014) nasceu no Rio de Janeiro e começou a cantar com apenas quinze anos no programa de calouros de Ari Barroso na Rádio Cruzeiro do Sul. Tendo sido gongada, cantou “Palpite Infeliz” em outro programa desse gênero na Rádio Ipanema, sob a direção de Afonso Scola, e saiu vitoriosa. Desejava estudar medicina, porém foi contratada por essa última emissora, onde permaneceu alguns anos, abandonando a idéia de se tornar médica. A seguir, cantou na Rádio Mayrink Veiga e depois na Rádio Nacional, onde encerrou sua carreira de cantora radiofônica. Em 1943 seguiu para Hollywood, disposta a tentar o cinema americano. Naquela ocasião, anunciou que estava contratada pela Warner para fazer um filme com Errol Flynn, intitulado Equador, que nunca foi realizado. Ela seguiu para Nova York, onde cantou na boate Copacabana e na N.B.C. (National Broadcasting Corporation). De volta ao Brasil, ingressou no Cassino Atlântico como crooner, de onde logo saiu para cantar na Rádio Tupi. Em seguida, sua atuação foi no Cassino da Urca, onde participou de Yes, Carnaval!, show dirigido por Chianca de Garcia.

Cantinflas e Leonora Amar em O Mago

Em 1945, foi para o México, onde se tornou artista brasileira do cinema azteca (cognominada pelos mexicanos “A Vênus do Brasil”), tendo feito O Desquite / El Desquite / 1947; Sob o Céu de Sonora / Bajo El Cielo de Sonora / 1948; Paixão Cigana / Zorina / 1949; Comisario en Turno / 1949; O Mago / El Mago / 1949 (com Cantinflas); Curvas Perigosas / Curvas Peligrosas / 1950 (filme que inaugurou sua própria companhia produtora, Produciones Sol); e Cuide do Seu Marido / Cuide a su Marido / 1950. No Brasil, foi eleita Rainha do Carnaval de 1951 e, em 1952, contratada pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estrelou Veneno (Dir: Gianni Pons) ao lado de Anselmo Duarte e Ziembinski. Voltou para o México onde, enfim, fez um filme americano, Capitão Scarlett / Captain Scarlett, dividindo o topo dos letreiros com Richard Greene.

Leonora Amar e Anselmo Duarte em Veneno

Leonora foi amante de Miguel Alemán Valdès, presidente do México entre 1946 e 1952, um político que, segundo a revista Time, sabia conquistar os homens e encantar as mulheres. Suas aventuras amorosas foram censuradas na imprensa mexicana devido ao contrôle exercido pelo govêrno sobre os meios de comunicação, mas foram divulgadas em revistas e jornais americanos. Logo, esses namoricos chegaram a figurar em relatórios elaborados pelos diplomatas estadunidenses para o Departamento de Estado, inclusive seu romance com Leonora. Ela conheceu Miguel Aléman quando ele ainda era candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) à Presidência. Seus encontros íntimos foram mantidos no mais estrito segrêdo, mas Leonora não foi capaz de guardá-lo para sí e começou a contar para várias amigas que era amante do “próximo presidente do México”. Essa indiscrição transbordou e foi crescendo entre os círculos politicos. Alfred Blumenthal, administrador do Hotel Reforma, que havia contratado Leonora para atuar uma temporada na boate do hotel, solicitou à Embaixada Americana um visto para levar Leonora para os Estados Unidos. O documento pelo qual ele pediu o visto está publicado no livro Mexico in the 1940’s: Modernity, Politics and Corruption, Stephen R. Niblo, Rowland & Littlefield, 2000.

Maria Belmar

A paulista Maria Belmar apareceu no elenco de Eterna Esperança / 1937 -1940 (Dir: Leo Marten) e foi para os Estados Unidos, onde desfilou em um concurso de beleza norte-americano sob o título de Miss Brasil. Após nove anos de ausência, voltou à sua pátria e, em visita à redação da revista Carioca, declarou:”Já viajei por toda a América do Norte, tomando parte em shows, teatro, cinema, sem ter a pretensão de ser Greta Garbo … e participei em 37 filmes, entre os quais O Último Romance da Warner Bros. com Janis Page, Don De Fore, Jack Carson. ”(obs. o título correto do filme era Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas). Na capa de sua edição de 23 de novembro de 1950, a revista estampou uma foto de Maria ao lado de Bob Hope. A Revista da Semana de 27 de abril de 1946 mostrou uma foto dela com Humphrey Bogart.

Maria Belmar e Humphrey Bogart

Além da sua aparição como passageira do navio em Romance em Alto Mar, só pude confirmar sua presença como uma escrava em Perdidos no Harem / Lost in a Harem / 1944 e como uma mulher espanhola em A Maleta Fatídica / Nightfall / 1956, mas é provável que tenha feito uma ponta ou figuração em Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944; Desde Que Partiste / Since You Went Away / 1944; Meu Coração Canta / With a Song in My Heart / 1952; Os Sinos de Santa Maria / The Bell of St. Marys / 1945. Quantos aos outro trinta filmes, não tenho nenhuma confirmação.

A carioca Leonor Rodrighero desembarcou em Nova York em pleno inverno, trajando um belíssimo casaco de pele inteiramente branco, procurando causar sensação, mas teria conseguido apenas um pequeno papel em um seriado protagonizado por Marguerite Clayton, As Treze Noivas / Bride 13 / 1920. Entretanto, o crítico Pedro Lima, que deu esta notícia na revista O Cruzeiro, acrescentou que viu o filme da Fox, mas nunca soube que papel ela teve ou que fim tomou a esperançosa patrícia. No livro Serials and Series, A World Filmography , 1912-1956 de Buck Rainey não consta o nome dela no elenco. Quando o filme passou no Rio de Janeiro o anúncio de jornal mencionava o nome dela.

Três outras atrizes brasileiras quase chegaram a fazer um filme americano: Laura Suarez, Eva Wilma e Alzirinha Camargo,

Laura Suarez (1909-1990), carioca, filha de espanhóis, nasceu com o nome de Laura Soler Pedrosa y Suarez. Em 1927, aos 18 anos, foi eleita Miss Ipanema. Em 1932 estreou no teatro ao lado de Paulo Gracindo (ainda Pelopidas nos letreiros) na revista musical Plaquette de Henrique Pongetti (produzida por Francisco Pepe, irmão do Roulien) e no cinema em Céu Azul / 1940 (Dir: Ruy Costa). Contratada pela rede NBC de rádio, rumou para Los Angeles com seu marido William Melniker, diretor da MGM para a América Latina. Ela chegou a ser indicada para contracenar com Tyrone Power em Sangue e Areia / Blood and Sand / 1941 no papel de Dona Sol (depois entregue a Rita Hayworth), mas um incidente frustrou a ascensão da brasileira na Meca do Cinema.

Laura Suarez

Laura contou, em depoimento para Simon Khoury (em Bastidores – I, Leviatã, 1994): “Estava tudo acertado para o início das filmagens, o papel era meu e houve um coquetel de apresentação dos artistas da fita (…) Numa noite, fui jantar em companhia de um dos figurões lá do estúdio, num dos restaurantes mais conhecidos da época, o Victor Hugo, e enquanto tomávamos alguns aperitivos, ele tentou me acariciar por debaixo da mesa, de maneira pouco convencional. Mostrei meu desagrado; ele insistiu e fui obrigada a empurrá-lo com certa violência. O big shot perdeu o equilíbrio e, para não estatelar no chão, afundou a mão numa gigantesca sorveteira e, daí, deu-se um pequeno escândalo. Um batalhão de fotógrafos espocou seus flashes, houve corre-corre e eu, às pressas, retirei-me do local. Fui diretamente para casa, fiz as malas de qualquer maneira e regressei ao Brasil, pois tinha certeza de que minha carreira no cinema norte-americano estava liquidada”.

Eva Wilma

Eva Wilma, cujo verdadeiro nome é Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini, nasceu em São Paulo em 1933, iniciou sua carreira artística como bailarina e depois se consagrou como atriz de teatro, cinema e televisão. Em entrevistas recentes, ela falou sobre o teste que fez para o papel de uma cubana no filme Topázio / Topaze / 1969 de Alfred Hitchcock. Tudo começou quando o governo americano a premiou com uma viagem de 45 dias aos Estados Unidos para assistir peças e filmes. Durante a viagem, Eva Wilma visitou o estúdio da Universal Pictures, onde o mestre do suspense estava trabalhando. Após ter visto filmes produzidos pela Universal, Wilma chamou a atenção de um agente do estúdio, que pediu licença para tirar fotos, porque Hitchcock estava precisando de uma atriz latino-americana para o papel de uma cubana no filme Topázio. “Tirei as fotos e voltamos para o Brasil. Ele mandou pedir currículo, material filmado e mandaram me buscar”. Infelizmente ela não aprovou e quem ficou com o papel da cubana Juanita de Cordoba foi a atriz alemã Karin Dor.

Alzirinha Camargo e Ciro Rimac

Alzirinha Camargo, declarou para a Scena Muda (outubro 1942, número 1126), que fez um teste na Metro, mas não atuou em nenhum filme. Não consegui confirmar a existência do dito teste. O que apurei foi que em 1939, ela se apresentou no Cassino Atlântico com uma orquestra norte-americana regida pelo peruano Ciro Rimac. Eles se casaram e viajaram para os Estados Unidos, onde  participaram em shows na cadeia de cinemas da Metro com um repertório parecido com o de Carmen Miranda.

RAYMOND GRIFFITH

fevereiro 22, 2018

Walter Kerr, no seu livro The Silent Clowns (Da Capo,1980), colocou-o em um respeitável quinto lugar – depois de Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd e Harry Langdon – no panteão da comédia silenciosa. Os “Quatro Grandes” Comediantes (Chaplin, Keaton, Lloyd e Langdon), todos produziram eles mesmos os seus melhores filmes e tinham o contrôle sobre os argumentos, orçamentos, horário de trabalho e escolha do elenco, mas Raymond Griffith (que não tinha nenhum parentesco com David Wark Griffith nem com Richard Griffith, o sucessor de Iris Barry como Curador da Biblioteca do Museu de Arte Moderna de Nova York), era um simples artista contratado na Famous Players-Lasky / Paramount. Enquanto Chaplin fazia um filme a cada três anos e os outros apareciam em apenas dois filmes por ano, Griffith era obrigado a participar de quatro por temporada.

Raymond Griffith

O maior problema ao se avaliar o status de Raymond Griffith entre os grandes comediantes da cena muda é a disponibilidade de seus filmes. A maioria dos filmes que ele estrelou se perderam ou estão guardados em arquivos como o do MOMA ou do BFI e, que eu saiba, somente dois (felizmente seus maiores sucessos, Pelos Caminhos do Paraíso / Paths to Paradise / 1925 e Golpes de Audácia / Hands Up! / 1926, dirigidos por Clarence Badger), saíram em dvds e um, Casamento por Compra / The Night Club / 1925, ainda existe em VHS.

O personagem de Griffith era diferente de qualquer outro comediante do seu tempo. Seu traje era a cartola e o smoking, estava sempre sorridente, e cada situação em que se encontrava era um jogo, no qual ele tinha que usar a esperteza para salvar sua pele. William K. Everson (American Silent Film, Oxford University, 1978) disse que ele combinava a sofisticação de Adolph Menjou com o humor sêco de Keaton e os clímaxes da comédia-de-arrepios de Lloyd. Kevin Brownlow (The Parade’s Gone By, Da Capo, 1980) achava que ele era um cruzamento de Adolphe Menjou e Max Linder e que seu personagem era o de um homem refinado e auto-confiante, que ficava completamente desnorteado pelas mulheres. Nos Estados Unidos ganhou o apelido de “The Silk Hat Comedian” e no Brasil ficou conhecido como “O Cômico da Cartola Reluzente”.

Raymond Griffith

 

Raymond Griffith (1895-1957) nasceu em uma família teatral em Boston, Massachussets. Seu pai, James Henry Griffith, era um ator de San Francisco, Califórnia. Mary Guichard, sua mãe, era uma atriz nascida na França. O avô de Griffith, Gerald Griffith, também era ator assim como seu bisavô, Thomas Griffith.

De acordo com sua biografia oficial, providenciada pela Paramount em 1927, Raymond tinha quinze meses de idade, quando fêz sua estréia no palco, interpretando um bebê na companhia teatral de seus progenitores. Com sete anos, ele foi Little Lord Fauntleroy e, com oito, fez o papel de uma menininha em uma produção de “Ten Nights in a Barroom”.

Raymond perdeu a voz quando ainda era criança, ficando apenas com um sussurro rouco, ao contrair difteria respiratória, que danificou sua cordas vocais. Durante algum tempo na sua infância ele trabalhou em um circo e depois se juntou a um grupo de pantomima, que fez uma turné pela Europa. Arrumou também emprego dançando em espetáculos de vaudeville. Em janeiro de 1910, mentindo sobre sua idade, Griffith alistou-se na Marinha, onde serviu por dois anos e meio.

Cena de An Aerial Joy Ride

Ele iniciou sua carreira cinematográfica, como Ray Griffith, nas comédias da L-KO Kompany (Lehrman Knock-Out Comedies) em 1915, a maioria delas dirigida por Henry “Pathé” Lehrman e Craig Hutchinson. Em março de 1916, Griffith deixou a L-KO e foi para o estúdio de Mack Sennett na Triangle, onde apareceu em cinco comédias curtas, quase sempre em papéis secundários. Frustrado, afastou-se brevemente da Triangle, surgindo em uma comédia da Fox, An Aerial Joy Ride / 1917. Quando Harry Aitken, o presidente da Triangle, resolveu produzir uma série de comédias de um rolo, chamada Triangle Komedies, Griffith participou de uma dúzia delas. Em 1918, ele procurou Mack Sennett – que havia deixado a Triangle – porém não conseguiu convencê-lo a aproveitá-lo como ator; ele foi contratado como gagman, argumentista e assistente de direção, funcionando em conjunto com Johnny Grey e Albert Glassmeyer. O time Griffith-Grey-Glassmeyer funcionava assim: Griffith escrevia a história, Glassmeyer fornecia os gags, e Grey providenciava os intertítulos.

Em 1921, Griffith passou a trabalhar com um ex- aluno de Mack Sennett, Reggie Morris, em uma série de comédias que não foi bem sucedida financeiramente. Quando Griffith se tornou um astro, essas short comedies foram reunidas em um longa-metragem intitulado When Winter Went / 1925. Posteriormente, Griffith transferiu-se para a unidade independente de Marshal Neilan e Primeiro os Loucos / Fool’s First / 1922 foi um dos melodramas criminais nos quais Griffith figurou como coadjuvante. No ano seguinte, Clarence Badger dirigiu-o em Luzes Cor de Sangue / Red Lights, filme de mistério mais ou menos sério. Badger foi outro aluno de Sennett que posteriormente dirigiria os dois maiores sucessos de Griffith, citados no segundo parágrafo deste artigo.

Juntamente com outras celebridades – tais como Charles Chaplin, King Vidor, Erich von Stroheim, Fred Niblo, Florence Vidor etc – Griffith fez o papel de si mesmo no melodrama Almas à Venda / Souls for Sale, produzido pela Goldwyn em 1923 e, no mesmo ano, foi um dos atores principais em O Tigre Branco / White Tiger. Neste drama da Universal, três vigaristas internacionais, Sylvia (Priscilla Dean), Roy (Raymond Griffith) e “Conde Donelli” (Wallace Beery) chegam na América. Sylvia e Roy não sabem que são irmãos, mas os três se juntam para roubar ricas mansões, usando um artifício conhecido como máquina de jogar xadrês. Eventualmente, Sylvia e Roy descobrem seu parentesco, e ficam sabendo que o “Conde Donelli”, que se chama na verdade Hawkes, matara o pai deles. O diretor Tod Browning, teve problemas de alcoolismo na época e o produtor Irving Thalberg ficou desapontado com o resultado do filme, que recebeu péssimas críticas. Por causa disso, Browning foi impedido de dirigir O Fantasma da Ópera / The Hunchback of Notre Dame / 1923, um grande êxito de Lon Chaney.

Cena de Senhorita Barba Azul

Ainda em 1923, o ator Douglas McLean decidiu produzir seus próprios longas-metragens para a Associated Exhibitors e Griffith escreveu o argumento para o primeiro filme, Pelos Ares / Going Up, que foi um sucesso. Enquanto trabalhou para McLean, Griffith incumbiu-se da adaptação para O Cônsul Americano / The Yankee Consul / 1924 e redigiu outra história, desta vez para É um Caso Sério / Never Say Die/ 1924. Em 1924, Griffith começou a prestar serviço na Famous Players-Lasky / Paramount como ator contratado. Ele era um simples coadjuvante mas conseguia sempre “roubar” o filme de suas “bigger stars”. São desta época, Vamos Trocar de Mulher? / Changing Husbands / 1924 (Dir: Cecil B. DeMille, com Leatrice Joy), Uma Noite de Amor / Open All Night / 1924 (Dir: Paul Bern, com Viola Dana) e Senhorita Barba Azul / Miss Bluebeard / 1925 (Dir: Frank Tuttle, com Bebe Daniels).  Neste último filme, escreveu o crítico Mordaunt Hall no New York Times, “Griffith faz o espectador morrer de rir quando tenta imitar um gato.

Pelos Caminhos do Paraíso foi o primeiro grande sucesso de Raymond Griffith como comediante, formando par com Betty Compson. Griffith e Compson são dois trapaceiros rivais, tentando roubar um valioso colar de diamantes. Para penetrar na mansão onde o está guardado, Griffith faz-se passar por detetive e Compson por uma criada. Após várias tentativas rivais, os dois decidem agir juntos, desenrolando-se cenas de suspense muito engraçadas como aquela em que intervem um detetive de verdade pateta (Edgar Kennedy), que está tomando conta do cofre. Uma dos momentos mais divertidos é a dança de roda sublimemente coreografada, quando os dois ladrões, alternadamente, tentam abrir o cofre durante uma festa, seguindo-se o balé frenético de Griffith, quando ele tenta atravessar o aposento escuro carregando o cofre, até ser iluminado pelo feixe de luz de uma lanterna elétrica enquanto o detetive pateta esforça-se para arrancar a lanterna de um cachorro.

Raymond Griffith e Betty Compson em Pelos Caminhos do Paraíso

Depois de muitas reviravoltas, Griffith e Compson finalmente se apossam do colar e rumam para a fronteira com o México, perseguidos por centenas de motociclistas da polícia em uma sequência onde ocorrem gags visuais hilariantes. Finalmente, eles cruzam a fronteira em segurança mas, em um momento de dúvida, pensam se não seria melhor se entregarem e devolverem o colar ao seu legítimo dono. Originariamente, o filme terminava com eles fazendo isso, porém esta cena não consta na cópia que podemos ver hoje.

Golpes de Audácia é unânimemente considerado o melhor filme de Griffith. Ele interpreta o papel de um espião Confederado durante a Guerra Civil Americana que tenta desviar um carregamento de ouro, do qual o Norte necessita desesperadamente. Em vez da sensação de autenticidade do período histórico que encontramos no filme de Buster Keaton O General / The General / 1926, em Golpes de Audácia estamos diante de um mundo de pura fantasia. Griffith vagueia nele com sua capa e cartola de mágico imperturbável pela explosão do prédio diante dele; ao ensinar o Charleston para índios sanguinários; e ao sobreviver de um pelotão de fuzilamento, jogando pratos para o alto, levando os soldados a participar de uma competição de tiro ao alvo.

Cena de Golpes de Audácia

Convém descrever esta última sequência com mais detalhes, porque ela é muito engraçada: capturado como espião, Griffith está na frente de uma casa, diante de uma fileira de soldados que lhe apontam suas armas. O comandante do esquadrão dá a ordem para atirar, mas eis que chegam dois soldados, cada qual com uma pá, e tiram as medidas do futuro executado, para prepararem sua cova. Quando eles terminam esta tarefa, o comandante ordena novamente o fuzilamento porém, desta vez, abre-se a porta da casa, e sai uma velha com uma cesta cheia de pratos. Griffith aproxima-se da mulher, e diz (através do intertítulo): “Perdoa-me – esta é uma execução particular “. Ao ouvir isto, ela deixa cair a sua cesta e foge horrorizada. Griffith apanha a cesta e corre atrás dela, a fim de devolvê-la. Trazido de volta pelos soldados ele apanha um prato da cesta. Quando nova ordem de atirar é dada, ele arremessa o prato para o ar. Naturalmente, os soldados atiram no prato. Perturbado, o comandante dá mais uma ordem para atirar. Outro prato vai ao ar e os soldados atiram nele novamente. Griffith aplaude o seu próprio pelotão de fuzilamento pela sua precisão. O comandante puxa seu revólver. Griffith segura um prato com uma de suas mãos e o comandante o despedaça com um tiro. Griffith segura outro prato com a outra mão e ocorre o mesmo. Ele aplaude o tiro certeiro e põe o comandante no seu lugar sob sua mira. Desesperado, o comandante manda amarrar Griffith de costas para a parede …

Cena de Golpes de Audácia

Ainda mais audaciosamente, Griffit conhece duas irmãs (Marian Nixon, Virginia Lee Corbin). Ambas se apaixonam por ele que retribui as afeições delas com igual ardor. No final, Griffith continua um homem livre exceto que tem duas jovens pretendentes à sua eterna adoração diante de si. O que fazer? Miss Nixon se oferece para abrir mão dele para Miss Corbin. Miss Corbin se oferece para abrir mão dele para MIss Nixon. Logo as duas estão brigando calorosamente para decidir qual delas vai abrir mão dele. Griffith faz a paz, jurando seu amor absoluto pelas duas.

Cena de Golpes de Audácia

Cada irmã reclina sua cabeça em um de seus ombos e os três formam um lindo trio – solução muito arrojado para a época. Uma carruagem chega pela estrada poeirenta. Um homem barbudo, descendo, reconhece as jovens como suas antigas amigas. Ele apresenta sua esposa, Anna, quando ela sai da carruagem. Ele introduz sua esposa, Grace, quando ela desce da carruagem, ele apresenta sua esposa, Jane, Helen, e muitas outras, porque seu amor é múltiplo. Ele é Brigham Young, o líder Mormon, e este final gratificante deixa o público menos perplexo.

O filme foi muito bem recebido pelo público brasileiro e assim o anunciou o jornalista do Correio da Manhã, um pouco preocupado com seu atrevimento temático: “Raymond Griffith em Golpes de Audácia propõe-se ainda a defender a poligamia no mundo inteiro. Diz o nosso herói que esta coisa de casar um homem só com uma mulher, não está certo: desde que o felizardo possa sustentar, não uma, porém seis ou oito mulheres e desde que as escolhidas do “sultão” se encontrem de perfeito acordo, que mal pode haver para os terceiros, que nada tem a ver com as dimensões do coração de quem tanto ama ?! O Império (o Cinema Império) vai, portanto, colaborar nessa obra de evolução social de grande alcance, a qual se propôs realizar o simpático Raymond Griffith. Resta saber se o nosso mundo social lhe acatará as idéias avançadas talvez demais!”.

Em 1926, Griffith compareceu ainda em duas comédias comandadas por Arthur Rosson, Núpcias Trocadas ou Pintado de Fresco / Wet Paint, Juiz Janota / You’d Be Surprised, o primeiro muito apreciado pelos críticos – o da revista Pictures achou alguns de seus esquetes dignos de Chaplin.

Em 1927, Griffith decidiu romper amigavelmente seu contrato com a Famous Players Lasky e esta decisão quase destruiu sua carreira, pois a empresa praticamente não promoveu seus últimos filmes, O Colar de Brilhantes / Wedding Bills e Na Hora do Amor / Time to Love. Em 8 de janeiro de 1928, Griffith casou-se com Bertha Mann, um atriz de teatro que havia participado de um filme mudo, The Blindness of Divorce / 1918 e seria vista em vários filmes falados no início dos anos trinta. Em 1929, Griffith fez seu último filme silencioso, Trent’s Last Case, produzido pela Fox e dirigido por Howard Hawks.

Hawks considerava o livro de E.C. Bentley uma das melhores histórias de detetives de todos os tempos e se empenhou entusiasticamente na realização daquele que seria o seu primeiro filme falado. Passado em uma imponente mansão britânica, a história diz respeito a um homem, Sigsbee Manderson, que resolve cometer suicídio por meio de circunstâncias que dariam a entender que ele foi assassinado pelo seu secretário, que está apaixonado por sua mulher. Depois que as autoridades fizeram um trabalho mal feito, entra em cena o criminalogista amador, Philip Trent, para investigar o caso. A Fox comprou o romance com a expectativa de produzir um filme silencioso porém, com o advento do som, decidiu transformá-lo em sonoro.

 

Entretanto, mal Hawks havia começado a filmar as primeiras cenas de Murder Will Out (o primeiro título dado a Trent’s Last Case), ele foi comunicado de que deveria voltar a filmá-lo como um filme mudo, porque a voz de Griffith, que faria o papel de Trent seria inapropriada para um filme falado. Hawks, pelo contrário, achava que Griffith seria um sucesso no cinema sonoro precisamente por causa de sua voz. De qualquer maneira, como pensava o cineasta, o papel de Griffith (Philip Trent) poderia ter sido facilmente entregue a outro ator sem necessidade de se fazer um filme silencioso. A verdade, de fato, foi que o departamento legal da Fox havia adquirido apenas o direito para a realização de um filme mudo. Inconformado por terem lhe puxado o tapete e conhecendo o senso de humor particular de seu amigo Griffith, Hawks tratou o romance policial mais como uma comédia, sempre que possível (Todd McCarthy, Howard Hawks -The Grey Fox of Hollywood, Grove, Press, 1997). Como o mercado para filmes puramente silenciosos estava desaparecendo rapidamente, Trent’s Last Case nunca foi exibido comercialmente ou para a imprensa nos Estados Unidos. Na Grã Bretanha, foi um fracasso, mas aqui no Brasil, onde recebeu o título em português de Quem é o Culpado? teve melhor acolhida.

Griffith finalmente aderiu às comédias sonoras no estúdio de Al Christie. Ele assinou um contrato para fazer uma dúzia de comédias de dois rolos, mas apareceu em apenas duas: Post Mortems / 1929 e The Sleeping Porch / 1929, dirigidas por Leslie Pierce. Sua derradeira intervenção no cinema como ator ocorreu no filme Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front (produzido pela Universal e dirigido por Lewis Milestone), no qual ele interpreta o papel de Gerard Duval, um soldado francês durante a Primeira Guerra Mundial. Em uma cena pungente, ele é morto em uma trincheira pelo personagem de Lew Ayres, Paul Baumer, um soldado alemão. Enquanto Duval agoniza (sem dizer uma palavra), Baumer percebe o horror da guerra. O filme ganhou o Oscar de 1930.

Lew Ayres e Raymond Griffith em Sem Novidade no Front

Lew Ayres e Richard Griffith em Sem Novidade no Front

Por volta de 1932, Griffith já era bastante conhecido como “script doctor”, tendo exercido esta função em cinco filmes neste ano. Quatro desses trabalhos foram feitos para a Warner Bros. Depois, sob a proteção de Darryl Zanuck, Griffith foi promovido a produtor associado e produziu vários filmes mesmo tempo, incluindo títulos como Três Ainda é Bom / Three on a Match, 20.000 Mil Anos em Sing Sing / 20.000 Years in Sing Sing e O Tubarão / Tiger Shark.

Zanuck trocou a Warner pela 20thCentury Pictures, que logo se fundiu com a Fox, e levou Griffith com ele. Griffith produziu filmes estrelados por Shirley Temple, Sonja Henie, os irmãos Ritz, Ao Rufar dos Tambores / Drums Along the Mohawk / 1939 e A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1940. Ele e Zanuck foram indicados para o Oscar de Melhor Filme por A Casa de Rotschild / The House of Rotschild / 1934.

Griffith aposentou-se em 1940. Na noite de 25 de novembro de 1957, ele estava no Masquer’s Club, clube privado para atores e produtores em Los Angeles jantando na companhia de dois amigos, quando faleceu. A princípio, parecia que ele havia morrido de um ataque do coração e seus obituários apontaram esta como a causa mortis. Porém uma autopsia, realizada em 27 de novembro, determinou que ele havia sido sufocado pela comida, e morreu de asfixia.

FILMOGRAFIA COMPLETA COMO ATOR:

1915 – Vendetta in a Hospital; Gertie’s Joy Ride; Scandal in the Family; Under New Management; Tears and Sunshine; Ready for Reno; A Saphead’s Revenge; Blackmail in a Hospital; A Scandal at Sea. 1916 – Billie’s Reformation; Mr. McIdiot’s Assassination; Cupid at the Polo Game; A September Morning; Elevating Father; Blue Blood But Black Skin; A Bath House Blunder; The Bankruptcy of Boggs and Schultz; A Dash of Courage; The Great Smash; A Busted Honeymoon; How Stars Are Dade; The Surf Girl; A Scoundrel’s Toll. 1917 – An Aerial Joy Ride; A Royal Rogue; His Social Rise; His Thankless Job; His Fatal Move; His Hidden Talent; His Foothill Folly; Caught in the End; His Busy Day; False to the Finish; A Counterfeit Scent. 1918 – Ruined by a Dumbwaiter; His Double Life; Mud; Their Neighbor’s Baby; The Village Chestnut (todos curtas ); The Red-Haired Cupid. 1919 – The Follies Girl. 1920 – Love, Honor and Behave. 1922 – Nas Encruzilhadas de Nova York / The Crossroads of New York; Primeiro os Loucos / Fools First; Minnie / Minnie. 1923 – Luzes Cor de Sangue / Red Lights; O Eterno Dilema / The Eternal Three; Confiança e Convicção / The Day of Faith; Almas à Venda / Souls for Sale;

O Tigre Branco / White Tiger. 1924 – Paraíso Envenenado / Poisoned Paradise: The Forbidden Story of Monte Carlo; O Problema da Felicidade / The Dawn of a Tomorrow; Flor da Moda / Nellie the Beautiful Cloak Model; Vamos Trocar de Mulher? / Changing Husbands; Lírio do Lodo / Lily of The Dust; Uma Noite de Amor / Open All Night; Casamento por Compra / The Night Club; Senhorita Barba Azul / Miss Bluebeard; O Defensor Desfrutável / Forty Winks; Pelos Caminhos do Paraíso / Paths to Paradise; Amor a Crédito / Fine Clothes; Vida de Príncipe / A Regular Fellow; When Winter Went. 1926 – Golpes de Audácia / Hands Up!; Núpcias Trocadas ou Pintado de Fresco / Wet Paint; Juiz Janota / You’d Be Surprised; The Waiter from the Ritz (Não chegou a ser lançado). 1927 – O Colar de Brilhantes / Wedding Bills; Na Hora de Amar / Time to Love. 1929 – Post Mortems (curta); Quem é o Culpado? / Trent’s Last Case; The Sleeping Porch (curta). 1930 – Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front.

 

CHARLES LAUGHTON II

fevereiro 9, 2018

Nos anos cinquenta e sessenta, Laughton fez (impondo sempre sua presença na tela) mais uma dúzia de filmes, de qualidade artística variável (os melhores são assinalados por um asterisco) – Ainda Há Sol em Minha Vida / The Blue Veil / 1951 (Dir: Curtis Bernhardt / RKO); O Tirano / The Strange Door / 1951 (Dir: Joseph Pevney / Universal); Páginas da Vida / O. Henry’s Full House / 1952 (Dir: Henry Koster / 20thCentury-Fox); Piratas da Perna de Pau / Abbot and Costello Meet Captain Kid / 1952 (Dir: Charles Lamont / Warner Bros.); A Rainha Virgem / Young Bess / 1953 (Dir: George Sidney / MGM); Salomé / Salome / 1953 (Dir: William Dieterle / Columbia); Papai é do Contra / Hobson’s Choice * (Dir: David Lean / British Lion);

Charles Laughton e Jane Wyman em Ainda Há Sol Em Minha Vida

Charles Laughton em O Tirano

Marilyn Monroe e Charles Laughton em Páginas da Vida

Charles Laughton, Bud Abbott e Lou Costello em Pirata da perna de Pau

Charles Laughton em A Rainha Virgem

Charles Laughton, Rita Hayworth e Stewart Granger em Salomé

Charles Laughton, Brenda de Banzie e John Mills em Papai é do Contra

Testemunha de Acusação / Witness for the Prosecution / 1957 * (Dir: Billy Wilder / Arthur Hornblow); Sob Dez Bandeiras / Sotto Dieci Banderi (Dir: Diulio Coletti / Dino de Laurentiis); Spartacus / Spartacus / 1960 * (Dir: Stanley Kubrick / Universal); Tempestade sobre Washington / Advise and Consent / 1962 (Dir: Otto Preminger / Columbia) – mas, com exceção do seu trabalho em Testemunha de Acusação, sua energia criativa foi mais direcionada para outro domínio artístico (o teatro, como professor, ator, diretor e declamador) e outra função no campo da cinematografia (como diretor em Mensageiro do Diabo / The Night of th Hunter / 1955).

Cecil Parker e Charles Laughton em Sob Dez Bandeiras

John Gavin, Charles Laughton e Stanley Kubrick na filmagem de Spartacus

Charles Laughton e Walter Pidgeon em Tempestade sobre Washington

Foi em marco de 1944 que Charles Laughton conheceu Berthold Brecht pessoalmente, na casa de Salka Viertel em Mayberry Road, Santa Monica. Segundo Salka, Laughton ficou “hipnotizado” por Brecht. Certamente um ficou gostando do outro com a paixão de duas pessoas que desejavam algo que somente o outro poderia dar: no caso de Brecht, uma produção, no caso de Laughton, um papel. Entretanto, o que começou como um interêsse mútuo, logo se transformou em algo mais rico e gratificante, tanto pessoal como criativamente. No momento em que Laughton leu (através de uma tradução) “Leben des Galilei (que Brecht havia escrito em 1938 e estava tentando encená-la nos Estados Unidos), ele ficou entusiasmado, não só para interpretar o papel principal como também com a possibilidade de ter uma participação ativa na redação de uma versão radicalmente nova da peça, o que afinal dominou a vida de ambos durante três anos, somente com as interrupções necessárias para que o ator ganhasse algum dinheiro no cinema.

Bertold Brecht e Charles Laughton

Finalmente, no final de 1945, a nova versão, “The Life Of Galileo”, estava pronta para ser produzida com a ajuda financeira de Edward Hambleton, um jovem mecenas do Texas. Laughton começou a fazer leituras privadas da peça para o compositor austríaco Hanns Eisler, os Viertels (Salka e Berthold Viertel) e o romancista e dramaturgo Lion Feuchtwanger, entre outros; e mais uma, para Orson Welles que, imediatamente manifestou interesse em dirigí-la. Brecht gostava dele e Laughton também, embora tivesse sondado outros diretores possíveis, inclusive, Alfred Lunt. A busca continuou de Elia Kazan a Harold Clurman, mas o escolhido afinal foi Joseph Losey, que aceitou, mesmo sabendo que iria ser o diretor nominal, pois Laughton e Brecht é que estariam verdadeiramente no comando. Em todas as apresentações os ingressos logo se esgotaram, porém a peça ficou pouco tempo em cartaz. Os planos para encená-la em Londres falharam, discussões para transformá-la em filme, também não prosperaram. Brecht foi para a Suiça, depois de ter prestado seu famoso depoimento diante da HUAC (House of the Un-American Activities Committee) e, quando as intimações para depor se alastraram, Laughton ficou alarmado e talvez feliz por ter se livrado da obra tão perigosa. Quanto a Brecht, conseguiu o que queria: uma produção americana satisfatória de uma peça sua, e foi Laughton que tornou isso possível. Por outro lado, o ganho de Laughton, em termos de auto-respeito e confiança intelectual, foi enorme.

Laughton-Galileo

No final dos anos quarenta, Laughton deu aulas – com imenso prazer – para um grupo Shakespereano de atores e atrizes americanos (entre eles Suzanne Cloutier, Robert Ryan, Shelley Winters), que se reunia três noites por semana em sua casa em Pacific Palisades. A certa altura, a atriz Eugénie Leontovich, que também havia constituído um grupo de estudo, propôs a Laughton que os dois se unissem para a encenacão de “O Jardim das Cerejeiras”: ela contribuiria com o seu teatro (Stage Theater), ele seria o diretor, ambos interpretariam os papéis principais, e os alunos dele (e nenhum dela) completariam o elenco. A peça estreou em 6 de junho de 1950 e os críticos previram um futuro brilhante para a companhia; mas isso não aconteceu por várias razões, que se concretizaram na introdução de Paul Gregory na vida de Laughton.

Gregory, um agente junior na MCA, a poderosa agência de talentos presidida por Lew Wasserman, tinha visto Laughton ler um episódio do Livro de Daniel na televisão no Ed Sullivan Show, e teve uma idéia brilhante: convenceu Laughton de que ele iria ganhar muito dinheiro, apresentando-se em auditórios por todo o país para uma noite de leituras. Os espetáculos fizeram muito sucesso, até mais do que as projeções entusiásticas de Gregory. Laughton encontrou (ou melhor, Gregory encontrou para ele) um meio ideal para expor o seu dom para memorizar e recitar textos de livros famosos ou peças de teatro, poemas, discursos célebres ou salmos e, desde então, ele passou a usar seus filmes para dar publicidade às suas excursões com esta finalidade.

Charles Laughton,Charles Boyer, Agnes Morehead e Cedric Hardwicke

Charles Laughton como Bottom em A Midsummer’s Night Dream

Entre um filme e outro, estimulado por Gregory, Laughton dirigiu no palco “Don Juan in Hell” (1951 como o Diabo, ao lado de Charles Boyer (Don Juan), Sir Cedric Hardwicke (Estátua) e Agnes Moorehead (Dona Anna) e “Major Barbara (1956 como Andrew Undershaft) de Bernard Shaw e The Party” de Jane Arden (1958 como Richard Brough). Subsequentemente, Laughton dirigiu Tyrone Power, Judith Anderson e Raymond Massey em “John Brown’s Body” de Stephen Vincent Benet (1953) e Henry Fonda, John Hodiak e Lloyd Nolan em “The Caine Mutiny Court Martial” de Herman Wouk (1954) e foi somente ator, como Bottom em “A Midsummer Night’s Dream” (1959) e como Lear em “King Lear” (1959) de Shakespeare no espetáculo comemorativo da centésima temporada do famoso Memorial Theatre de Stratford-upon-Avon organizado pelo seu diretor na época, Glen Byan Shaw

Foi Gregory quem armou o projeto de filmagem de Mensageiro do Diabo / The Night of the Hunter / 1955. Laughton exerceu pela única vez na sua carreira a função de diretor de cinema e convidou Robert Mitchum para o papel do Pregador Harry Powell. O roteiro, inicialmente escrito por de James Agee, baseou-se em um romance best seller de Davis Grubb sobre um fanático religioso e assassino. Na cadeia, o reverendo Powell descobrira que seu companheiro de cela, Ben Harper (Peter Graves), havia escondido dez mil dólares, e, após o enforcamento do homem, se dedica à tarefa de encontrar o dinheiro, para empregá-lo na construção de um templo. Com essa intenção, casa-se com a viúva, Willa Harper (Shelley Winters), do morto, mata-a, e depois ameaça e persegue os dois enteados (Billy Chapin e Sally Jane Bruce), que sabem onde está o dinheiro. Os dois jovens fogem pelo rio e são recolhidos por uma mulher forte e independente, Rachel (Lillian Gish), que os protege.

Charles Laughton diretor

Laughton teve uma forte intuição de que o mundo visual apropriado para Mensageiro do Diabo era o de David Wark Griffith; em consequência, reexibiu todos os seus filmes, e ficou impressionado com o trabalho de Lillian Gish. Quando Lillian lhe perguntou porque ele a queria no filme, ele respondeu: “Quando fui ao cinema pela primeira vez, eles (os espectadores) sentavam direito na poltrona e se inclinavam para a frente. Agora se afundam na poltrona com a cabeça para trás ou comem balas e pipoca. Eu quero que eles se sentem direito outra vez” (Simon Callow).

Lillian Gish em Mensageiro do Diabo em mensageiro do Diabo

James Agee tinha um problema sério de alcoolismo (ele morreu no mesmo ano) e o script que entregou era muito longo para o padrão de Hollywood. Laughton teve que reduzí-lo a uma extensão mais apropriada. Com a ajuda dos irmãos Terry e Denis Saunders (seus diretores de segunda unidade), transformou o romance de Davis Grubb em algo parecido com um conto de fadas gótico (passado em uma Virginia rural) com todos os seus elementos clássicos – crianças orfãs em perigo, um guardião malvado, um segredo que deve ser mantido a todo custo, uma jornada mágica pela margem de um rio povoado de criaturas do mundo animal e coberto de sombras, uma fada madrinha que salva as crianças do vilão -, porém mantendo aquela que ele considerava ser a sua mensagem essencial: uma condenação à confiança cega na religião organizada. Para ele, a fé era melhor praticada por uma velha fazendeira de bom coração do que por um homem que se chamava de “Pregador” e justificava a sua criminalidade em nome da Bíblia.

Charles Laughton dá instruções para Robert Mitchum na filmagem de Mensageiro do Diabo

Charles Laughton e Lilian Gish em um intervalo da filmagem de Mensageiro do Diabo

Em relação direta com a religião, a sexualidade desempenha um papel importante tanto no texto de Grubb como na adaptação de Laughton repleta de imagens demasiadamente chocantes para o público de 1955, por exemplo, quando, no teatro burlesco, o criminoso sexual assiste aos movimentos dos quadris de uma bailarina, ele não se contém ante o impacto erótico do corpo feminino, a sua faca, em um símbolo fálico chocante, rompe abruptamente o seu bôlso; ou na noite de seu casamento, o pastor sublima a impotência que entra provavelmente como uma das causas de sua insanidade, e reage à expectativa da mulher pela sua noite de núpcias, mandando-a mirar-se em um espelho (“Você está vendo o corpo de uma mulher, templo da maternidade, carne de Eva que o homem desde Adão tem profanado. Este corpo foi feito para gerar filhos, não para servir à luxúria dos homens”), deixando bem claro que o seu casamento jamais envolverá consumação.

Robert Mitchum na filmagem de Mensageiro do Diabo

Robert Mitchum em Mensageiro do Diabo

Muito da força do filme é devido à performance de Robert Mitchum, perfeito na sua composição do psicótico reprimido, sendo inesquecível aquela cena da descrição da luta entre o Bem e o Mal que coexistem em todas as criaturas Nos dedos da mão direita, a do Bem, ele tem tatuada a palavra LOVE, e nos da esquerda, HATE; as duas mãos lutam e ele, hipocritamente, faz a mão do Amor vencer a do Ódio.

Stanley Cortez e Laughton na filmagem de Mensageiro do Diabo

Laughton entendeu-se muito bem com o fotógrafo Stanley Cortez. “Antes de começarmos a filmar, eu ia à casa de Charles todo domingo durante seis semanas, e explicava meu equipamento de câmera para ele, peça por peça.        Queria lhe mostrar através da câmera o que as lentes podem ou não podem fazer. Mas logo o instrutor virou um aluno. Não em termos de conhecimento sobre a câmera, mas em termos do que ele tinha para dizer, sua idéias para a câmera … Além de Ambersons (Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942), a experiência mais excitante que eu tive no cinema foi com Charles Laughton em Night of the Hunter” (Simon Callow). O ponto alto do filme é, sem dúvida, a sua plasticidade, de inspiração expressionista e / ou surrealista, que pontua a narrativa de imagens marcantes: o cadáver de Willa no fundo do rio, os cabelos se confundindo com a vegetação subaquática; o cântico que cantam a duas vozes Rachel sentada na sua varanda com um fusil sobre seus joelhos e o Pregador que a espreita no jardim; as crianças no estábulo pressentindo e depois vendo a aproximação do cavaleiro sinistro cuja silhueta se recorta na linha do horizonte; a fuga das crianças rio abaixo no bote do pai, cercados por cenas fantasmagóricas da natureza, o semblante de Lillian Gish aparecendo em um céu estrelado no final do filme.

Após o término da produção de Mensageiro do Diabo, Laughton deu início imediatamente às preparações de uma adaptação de “The Naked and the Dead” de Norman Mailer; porém o fracasso comercial do seu primeiro filme e as críticas indefinidas que recebeu, tirou-lhe a motivação artística como diretor. Ele pôs fim à sua parceria com Paul Gregory (por razões que nunca foram bem explicadas) e voltou a trabalhar como ator e diretor no palco e apenas como ator na tela, além de retormar seus recitais de leitura. Levou várias décadas para que o primeiro esforço diretorial de Laughton no cinema fosse reconhecido como uma obra-prima

Como ator na tela, sua última grande interpretação foi como Sir Wilfred Robarts em Testemunha de Acusação, brilhante adaptação da peça de Agatha Christie feita por Billy Wilder e Harry Kurnitz. Ele está absolutamente sublime como o renomado advogado inglês, recém recuperado de um enfarte, proibido pelos médicos de beber e fumar, e também de aceitar causas criminais. Apesar de ser vigiado o tempo todo por uma enfermeira (Elsa Lanchester), Sir Wilfrid sempre encontra um meio de tomar o seu conhaque e conseguir um charuto, e acaba aceitando defender um homem (Tyrone Power) acusado de assassinato. A própria esposa do acusado (Marlene Dietrich) presta testemunho contra; mas o velho causídico descobrirá a verdade inesperada e incrível.

John Williams, Marlene Dietrich e Charles Laughton em  Testemunha de Acusação

Henry Daniell, Tyrone Power e Charles Laughton em Testemunha de Acusação

Charles Laughton em Testemunha de Acusação

A satisfação infantil de Sir Wilfrid ao manobrar o elevador particular; suas artimanhas para conseguir um charuto ou um conhaque; o uso do monóculo e o reflexo da luz nele para prescrutar a reação das pessoas; seu fingimento de que está ignorando os testemunhos na côrte, contando as pílulas do remédio; suas réplicas brilhantes nos interrogatories; seu piscar de olhos e sua voz poderosa que ele usa sensacionalmente quando grita “LIAR!” para a personagem de Marlene Dietrich, obrigando-a a se desdizer no tribunal, mostram o ator no auge de sua arte. Uma grande performance e uma grande direção. Um filme admirável e empolgante.

Charles Laughton e Marlene Dietrich em Testemunha de Acusação

Marlene Dietrich e Charles Laughton em Testemunha de Acusação

Em uma entrevista, Cameron Crowe perguntou a Billy Wilder se algum ator o teria levado às lágrimas durante uma filmagem, e ele respondeu: “Não sei se me levou às lágrimas, mas algumas vêzes simplesmente me comoveu. Fiquei extasiado com o maior ator que jamais existiu, Mr. Charles Laughton” (Conversations with Wilder, Alfred Knopf, 2001). Laughton foi indicado mais uma vez para o Oscar de Melhor Ator, mas o troféu da Academia foi para Alec Guiness por sua atuação em A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957.

No começo de 1962, embora não estivesse bem de saúde, Laughton fez outra excursão como declamador; em Flint, Michigan, levou um tombo quando estava tomando banho, e quebrou seu ombro. Constatou-se que era câncer; nunca se recuperou. No dia quinze de dezembro do mesmo ano, ele faleceu.

 

CHARLES LAUGHTON I

janeiro 26, 2018

Ele nasceu em 1 de julho de 1899 no Victoria Hotel – na verdade um esplêndido bed and breakfast – em Scarborough, North Yorkshire, Inglaterra, do qual seus pais, Robert e Elizabeth, eram proprietários. Muito ocupados com o seu estabelecimento, os Laughton pouco viam Charles e seus irmãos Tom e Frank, mesmo antes deles serem matriculados em vários colégios católicos (Mrs. Laughton, de descendência irlandesa, era uma católica muito devota) – os meninos ficavam mais aos cuidados dos empregados do hotel

Charles Laughton

Os primeiros passos na educação de Charles foram dados em uma escola preparatória local; depois em um convento na cidade vizinha de Filey, onde ele aprendeu um francês perfeito; finalmente, em Stonyhurst, sob o regime austero dos jesuitas. Quando voltou para Scarborough, por ser o filho mais velho, teve que assumir, relutantemente, a posição de herdeiro do negócio dos seus progenitores, agora donos do Pavilion Hotel. Sua mãe enviou-o para Londres, a fim de fazer um treinamento no luxuoso Hotel Claridge, e foi então que ele começou a frequentar os teatros, impressionando-se sobretudo pela arte interpretativa do eminente ator Gerald du Maurier.

Em 1918, o jovem de dezoito anos de idade alistou-se no exército, não para um cargo que sua educação e classe social ensejariam, mas como soldado raso, pois não se sentia preparado para comandar; após passar um ano nas trincheiras, na última semana antes do armistício, Charles sofreu uma intoxicação de gás, que lhe causou danos nas costas recorrentes durante toda a sua vida e danificou sua laringe e traquéia.

Novamente no seu recanto natal, ele se dedicou à administração do hotel, mas se consolou de sua indesejada sucessão, juntando-se a um dos grupos de amadores locais, o Scarborough Players, interpretando todo tipo de papel, causando boa impressão como o Willie Mossop de “Hobson’s Choice”, que John Mills interpretaria no filme de David Lean de 1954.

Em 1922, com o consentimento da família, ingressou na Royal Academy of Dramatic Art (RADA), onde Claude Rains lecionava; porém foi a professora Alice Gachet, que percebeu seu enorme talento e fez com que ele o revelasse em cena. Em 26 de abril de 1926, contratado por Theodore Komisarjevsky, Laughton fez sua primeira aparição como profissional no Barnes Theatre como Osip na peça “O Inspetor Geral de Gogol, sucedendo-se duas peças de Tchecov (“O Jardim das Cerejeiras”, “Três Irmãs”) e “Liliom” de Ferenc Molnar, na qual ele chamou a atenção da crítica pela sua composição de Ficsur, o batedor de carteiras.

Charles e Elsa Lanchester

Após mais alguns trabalhos, Komisarjevsky incluiu Laughton no elenco de “Mr. Prohack” de Arnold Bennett, papel que, não somente lhe trouxe a fama, como também o relacionamento central de sua vida com a jovem atriz de vinte e cinco anos que interpretava sua secretária: Elsa Lanchester, uma ruiva boêmia, oriunda dos espetáculos de cabaré, filha de pais irlandeses marxistas radicais, aluna de dança de Isadora Duncan (que ela detestava), modelo para fotografias de nú artístico, contratada para ser “co-responsável” em casos de divórcio enfim, uma criatura exorbitante. Eles se casaram e foram morar em Dean Street … na velha residência de Karl Marx.

Depois de “Mr. Prohack” vieram uma performance espantosa de Laughton no papel de Crispin em “A Man with Red Hair” de Hugh Walpole (a primeira de suas composições primorosas como vilão diabólico) e o sucesso retumbante de “On the Spot”, cujo personagem principal, Tony Perelli, foi escrito especialmente para ele por Edgar Wallace. A peça seguinte, “Payment Deferred” de C. S. Forester, tornou-se um ponto crucial na vida e na carreira de Laughton, pois foi durante o ensaio que Elsa tomou conhecimento da homosexualidade de seu marido. Reproduzo a seguir as informações dadas por Simon Callow em Charles Laughton – A Difficult Actor, Vintage, 2012 (uma das melhores biografias de atores que eu já lí e de onde colhí informações para este artigo). “Uma noite, ele chegou em casa na companhia de Jeffrey Dell, o adaptador da peça, e um policial. Disse para Elsa que precisava falar com ela a sós. Quando ficaram sozinhos, ficou perturbado, e lhe contou que as vêzes cedia a um impulso homosexual. O jovem com o qual fizera sexo por dinheiro, estava lhe assediando, pedindo mais. Um policial interveio, e esta foi a consequência. Elsa imediatamente assegurou-lhe que estava “tudo bem” … Ela simplesmente perguntou se ele havia feito sexo com o homem na casa deles. Ele havia. Onde? No sofá. Muito bem. Livre-se do sofá. Nada mais foi dito. Jamais”.

Charles e Elsa

Em 1931, Laughton e Elsa foram para Nova York, onde ficaram amigos de Ruth Gordon, cujo namorado, Jed Harris, persuadiu Laughton a repetir, sob sua direção, o Hercule Poirot que ele fizera em Londres na peça “Alibi”, baseada no romance de Agatha Christie e renomeada “Fatal Alibi” nos Estados Unidos. Quando a temporada chegou ao fim, e Laughton já tinha embarcado em um navio para retornar à Inglaterra (para onde Elsa já havia partido), ele recebeu um telegrama de Jesse Lasky da Paramount, oferecendo-lhe um contrato de três anos, com o direito de escolher seus papéis. Diante da insistência da Paramount, Elsa e Laughton voltaram para a América.

A experiência de Laughton no cinema até então era mínima. Em 1928, ele havia se envolvido em dois curtas-metragens escritos para Elsa por H. G. Wells e dirigidos por Ivor Montagu: Blue Bottles e Day Dreams. Em 1931, Laughton fez três “quota quickiesWolves, Comets e Down River, dos quais nunca mais se ouviu falar. Seu único outro filme pré-Hollywood, é de outra categoria: Picadilly / 1929, com Anna May Wong e dirigido por Ewald A. Dupont, o diretor do admirável filme da UFA, “Varieté”; mas Laughton aparece em apenas uma cena.

Raymond Massey, Charles Laughton, Gloria Stuart, Ernest Thesiger em A Casa Sinistra

Gary Cooper, Tallulah Bankhead e Charles lLughton em Entre Duas Águas

Como o roteiro do seu primeiro filme na Paramount, Entre Duas Águas / Devil and the Deep / 1932 (Dir: Marion Gering) estava demorando para ficar pronto, o estúdio “emprestou-o” para a Universal, onde ele fez A Casa Sinistra / The Old Dark House / 1932 (Dir: James Whale), que somente foi lançado depois. Em Entre Duas Águas, o comandante de submarino, Charles Sturm (Charles Laughton), tem um ciúme doentio de sua esposa Diana (Tallulah Bankhead), embora ela seja inocente de infidelidade, e acaba jogando-a nos braços do Tenente Sempter (Gary Cooper); em A Casa Sinistra, no País de Gales, durante uma tempestade, cinco viajantes (Philip (Raymond Massey) e Margaret (Gloria Stuart) Waverton, seu amigo Penderel (Melvyn Douglas), Sir William Porterhouse (Charles Laughton) e sua amante, a corista Gladys du Cane (Lilian Bond), procuram abrigo em uma casa sombria, onde se confrontam com seus estranhos ocupantes, entre eles, Horace Femm (Ernest Thesiger), um histérico, sua irmã Rebecca (Eva Moore), uma religiosa fanática, e Morgan (Boris Karloff), um mordomo brutal e mudo.

Charles Laughton em O Sinal da Cruz

Cenas de O Sinal da Cruz

No projeto subsequente da Paramount para Laughton, O Sinal da Cruz / The Sign of the Cross / 1932 (Dir: Cecil B. DeMille), o ator personificou um Nero efeminado e gorducho com rosto de bebê. Simon Callow conta que, a seu pedido, o diretor consentiu em colocar um jovem despido sentado no chão ao lado de seu trono. Laughton teria sugerido Elsa no papel do rapaz, mas esta solicitação Mr. DeMille não aceitou.

Charles Laughton em Se Eu Tivesse Um Milhão

Cena de A Ilha das Almas Selvagens

 

Charles Laughton e Dorothy Peterson em Castigo do Céu

Laughton fez mais dois filmes para a Paramount – Se Eu Tivesse Um Milhão / If I Had a Million / 1932 (Dir: Ernest Lubitsch, Norman Taurog, Stephen Roberts, Norman Z. McLeod, James Cruze, William A. Seiter, Bruce Humberstone, Edward Sutherland) e A Ilha das Almas Selvagens / Island of Lost Souls / 1932 (Dir: Erle C. Kenton) – e um para a MGM, Castigo do Céu / Payment Deferred / 1932 (Dir: Lothar Mendes). No primeiro filme, composto por esquetes com astros e estrelas do estúdio, um milionário excêntrico, antes de morrer, resolve repartir sua fortuna entre sete pessoas desconhecidas. Laughton aparece no episódio quase silencioso, dirigido por Ernst Lubitsch, como Phineas V. Lambert, humilde empregado que, ao receber o cheque, atravessa as salas de vários subalternos até à do patrão, e se despede, colocando ruidosamente a língua para fora. No segundo filme, baseado em um romance de H. G. Wells, Laughton é o Dr. Moreau, cientista louco isolado em uma ilha remota, onde transforma feras da selva em criaturas semi-humanas como, por exemplo, uma mulher-pantera (Kathleen Burke). No terceiro filme, repetindo o papel que fizera no palco, Laughton é William Marble, um bancário que, desesperado por dinheiro para pagar as contas da família, decide matar um sobrinho rico (Ray Milland).

Cenas de Os Amores de Henrique VIII

Laughton e Elsa a caminho da cerimônia do Oscar, quando ele levou a estatueta por seu trabalho de Os Amores de Henrique VIII

Em 1933, Laughton estava mais uma vez em Londres com a intenção de continuar sua carreira brilhante no teatro e se aprimorar tecnicamente, introduzindo-se no repertório clássico do Old Vic. Antes disso, porém, teve que cumprir dois compromissos no cinema: um na Inglaterra: Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII (Dir: Alexander Korda), biografia histórica, com boa dose de humor, na qual ele é o monarca inglês e Elsa Lanchester, uma de suas esposas, Ana de Cleves; outro em Hollywood, para a Paramount: O Ídolo Branco / White Woman (Dir: Stuart Walker), drama no qual ele é Horace H. Prin, proprietário cruel e ciumento de uma plantação de tabaco na Malásia, que se casa com uma cantora de cabaré (Carole Lombard) e ela o trai com o seu capataz (Kent Taylor).

Carole Lombard e Charles Laughton em O Ídolo Branco

Korda construiu seu império a partir do sucesso de seu filme e Laughton ganhou o Oscar de Melhor Ator, tornando-se um astro famoso no mundo todo. Duas cenas foram muito comentadas: a do banquete, quando o Rei destrincha um frango com as mãos, devorando-o, e aquela cena em que ele, ao entrar no quarto para a noite núpcias com a feia Ana de Cleves, murmura, suspirando: “As coisas que eu já fiz pela Inglaterra!”.

Após a estréia de Os Amores de Henrique VIII, Laughton, já de volta a Inglaterra, começou a ensaiar para uma série de apresentações no Old Vic, nas quais, dirigido por Tyrone Guthrie, interpretou sucessivamente: Lopakhin em O Jardim das Cerejeiras (Tchecov), Henrique VIII em Henry VIII (Shakespeare), Angelo em Measure for Measure (Shakespeare), Prospero em The Tempest (Shakespeare), Canon Chasuble em The Importance of Being Earnest (Oscar Wilde), Tattle em Love for Love (William Congreve), Macbeth em Macbeth (Shakespeare). No final da temporada, descontente com as condições de trabalho no Old Vic, insuportavelmente frustrantes para o seu perfeccionismo, Laughton achou que no cinema teria mais liberdade para atuar de modo correto, e foi novamente para Hollywood, disposto a fazer algo extraordinário.

Fredric March, Charles Laughton e Norma Shearer em A Família Barrett

Charles Laughton em A Família Barrett com Maureen O’Sullivan e Norma Shearer

A Família Barrett / The Barretts of Wimpole Street / 1934, produção da MGM descrevendo o romance entre os poetas Elizabeth Barrett (Norma Shearer) e Robert Browning (Fredric March) apesar da oposição do pai tirânico da moça, Edward Moulton-Barrett (Charles Laughton), não foi obviamente o filme que lhe permitiu fazer o que pretendia, pois seu papel não era o mais importante e o aspecto mais original do personagem, qual seja a relação incestuosa com a filha foi abafado no roteiro em antecipação às objeções do Código Hays de autocensura. Além disso, o diretor Sidney Franklin era totalmente contra a escolha de Laughton para personificar Moulton-Barrett.

O ator se comprometeu a fazer outro filme na MGM, e se preparou para ser o Micawber de David Copperfield / David Copperfield / 1935; porém quando a filmagem começou, ele perdeu a sua confiança completamente, sentindo que não era o ator ideal para encarnar a extrovertida figura dickensiana, e pediu para ser dispensado de sua obrigação, sendo substituído por W. C. Fields.

Charles Laughton e Leo McCarey na filmagem de Vamos à América

O próximo filme de Laughton (o último acertado com a Paramount), Vamos à América / Ruggles of Red Gap / 1935, é uma comédia deliciosa, dirigida com precisão por Leo McCarey, na qual ele interpreta Ruggles, o mordomo que um lorde inglês (Roland Young) perde no jôgo de pôquer para seu primo, um novo-rico do Oeste americano (Charles Ruggles), casado uma mulher socialmente ambiciosa (Mary Boland). O tímido criado aos poucos vai se emancipando, e se torna senhor do próprio destino. Laughton retrata um tipo humano e simpático, diferente dos personagens sinistros ou exóticos que estava acostumado a interpretar. Não somente ele, mas todo o elenco (que inclui ainda Zasu Pitts) está impagável. Em um momento inesquecível, Ruggles recita o discurso de Abraham Lincoln em Gettysburg, performance que aumentou muito a popularidade de Laughton na América.

Friedrich March e Charles Laughton em Os Miseráveis

Charles Laughton e Clark Gable (à direita) em O Grande Motim

A partir de então, foram surgindo as grandes criações do formidável ator britânico, destacando-se inicialmente o Javert de Os Miseráveis / Les Misérables / 1935 (Dir: Richard Boleslawski, o introdutor do Método Stanislavsky no teatro americano) e o Capitão Bligh de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 (Dir: Frank Lloyd). Laughton evoca a alma de Javert e do Capitão Bligh, com uma força dramática inesquecível, mostrando como a aplicação rígida da lei se infiltrou de tal maneira no seu cérebro, afastando qualquer vestígio de ternura. Seu desempenho ofuscou as atuações dos astros principais dos dois filmes, respectivamente Fredric March e Clark Gable e lhe proporcionou sua primeira indicação para o Oscar de Melhor Ator, afinal ganho por Victor McLaglen por sua atuação em O Delator / The Informer / 1935.

Korda estava ansioso para trabalhar com Laughton novamente, pensando nele para o papel de Cyrano de Bergerac, porém este projeto não foi adiante, surgindo em seu lugar a proposta de uma cinebiografia de Rembrandt. Desde a sua juventude o ator era apaixonado por tudo que era Arte. Quando administrava o Hotel Pavillion, pôde decorá-lo com gravuras e pinturas primeiramente de artistas locais e depois de artistas cujas obras ele havia visto em Londres. Mais tarde, em Nova York, influenciado pelo Dr. Alfred Barnes, dono de uma coleção substancial de impressionistas, tornou-se um colecionador importante

Charles Laughton / Rembrandt

Em Rembrandt / Rembrandt / 1936 Laughton teve a oportunidade de imergir na vida do pintor, lendo todos os livros escritos sobre ele e visitando o Museu Rembrandt. Ele se envolveu em cada detalhe da filmagem, estando sempre presente nas reuniões com o diretor de arte Vincent Korda (o talentoso irmão de Alexandre), com o fotógrafo Georges Périnal e, durante a escolha dos intérpretes, indicou o nome de muitos de seus colegas no Old Vic como Roger Livesey e Marius Goring. Elsa interpreta Hendrickje Stoffles, a criada e depois amante do pintor viúvo. Na sua composição do grande artista, Laughton conseguiu obter o máximo de simplicidade, uma coisa rara no seu currículo cinematográfico. Suas cenas com Elsa foram as melhores que os dois jamais fizeram juntos. Porém o filme, apesar de conter belos trechos – inclusive uma leitura que Laughton faz da Bíblia – não passa de um relato insípido do relacionamento do pintor com suas várias mulheres.

Charles Laughton / Rembrandt

Sem conseguir concretizar dois projetos com Laughton – uma comédia fantástica que René Clair faria com Robert Donat sob o título de Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 e uma adaptação do livro de Romola Nijinsky sobre seu esposo, com Laughton como Diaghilev, Korda finalmente encontrou um assunto perfeito para seu eminente ator que, ao mesmo tempo, tinha elementos espetaculares suficientes para conquistar uma audiência internacional: a festejada obra de Robert Graves, “I Claudius”.

Korda não estava conseguindo pagar uma dívida de mil dólares que tinha com Marlene Dietrich pela participação dela em O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937. Marlene concordou em perdoar a dívida, se ele colocasse como diretor do seu novo filme o seu famoso mentor Josef von Sternberg o qual, segundo ela, poderia talvez fazer por Merle Oberon (cujo relacionamento amoroso com Korda estava inteiramente dependente dele impulsionar sua carreira de uma maneira decisiva), o que ele havia feito por ela.

Josef von Sternberg, Merle Oberon e Charles Laughton na filmagem de I Claudius

A história da filmagem conturbada de I Claudius já é muito conhecida através de um esplêndido documentário de TV, The Epic That Never Was, narrado por Dirk Bogarde; de modo que vou contar apenas o desfêcho. Além da decepção de Laughton por não encontrar em von Sternberg um diretor que o ajudasse a compor seu personagem, ocorreu o acidente de automóvel com Merle Oberon. Os ferimentos de Merle eram de fato muito menores do que pareciam à primeira vista, mas ela ficou em estado de choque, e se recusou a continuar filmando. Porém Merle estava calma, quando recebeu a visita de Herbert Wilcox. Ele ficou surpreso com a extensão modesta do seu dano físico e mais surpreso ainda quando ela lhe disse que a filmagem seria encerrada não por causa dela, mas por causa do “pobre Joe”. “Onde ele está?, Wilcox queria saber. “Charing Cross Hospital Psychiatric Unit”, foi a resposta

Charles Laughton e Elsa Lanchester posam para uma foto de cena de Náufragos da Vida

Vivien Leigh e Charles
Laughton em Nos Bastidores de Londres

Charles Laughton, Maureen O’Hara e Robert Newton em A Estalagem Maldita

Os três filmes seguintes de Laughton na Inglaterra, Náufrago da Vida / Vessel of Wrath / 1938 (Dir: Erich Pommer, reintitulado nos EUA The Beachcomber), Nos Bastidores de LondresSt. Martin’s Lane / 1938 (Dir: Tim Whelan, reintitulado nos EUA Sidewalks of London) e A Estalagem Maldita / Jamaica Inn / 1939 (Dir: Alfred Hitchcock), foram produzidos pela Mayflower Productions, a nova companhia que Pommer, ex- chefe de produção do grande estúdio germânico UFA, acabara de fundar. Pommer convidou Laughton para ser seu sócio, e ele aceitou, porque Pommer, responsável por filmes como O Gabinete do Dr. Caligari, Dr. Mabuse, Os Nibelungos e Metrópolis, era uma garantia de integridade e altos valores de produção. Entretanto, as produções da Mayflower não corresponderam à sua expectativa.

No primeiro filme, baseado em um conto de Somerset Maugham, Laughton é Ginger Ted’ Wilson, vagabundo beberrão e preguiçoso, que é convertido pela irmã (Elsa Lanchester) de um missionário (Tyrone Guthrie). No segundo filme, com roteiro da romancista Clemence Dane, Laughton é Charlie Staggers, um busker (artista de rua) do West End que percebe o talento para a dança de uma jovem batedora de carteiras, Libby (Vivien Leigh), e a acrescenta ao seu número. Eis que surge Harley Prentiss (Rex Harrison), compositor da classe alta, que se apaixona pela moça, escreve um musical para ela, torna-a uma grande estrela, e os dois se casam enquanto Charlie fica para trás, perdido no seu amor sem esperança. No terceiro filme, baseado em um romance de Daphne du Maurier, Laughton é Sir Humphrey Pengallan, chefe de uma quadrilha que afunda navios e mata seus tripulantes, para se apropriar de suas cargas. Apesar de possuirem certos méritos artísticos e sempre interpretações apreciáveis de Laughton, nenhum dos três filmes obteve um grande êxito crítico ou comercial. Debilitado financeiramente por causa do fraco faturamento da Mayflower, Laughton aceitou a proposta da RKO de pagar suas dívidas como parte de um contrato para fazer cinco filmes, e embarcou para a América no verão de 1939.

Seu primeiro filme na RKO foi O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1939 (Dir: Wiliam Dieterle) para o qual Perc Westmore (cedido por Jack Warner) produziu várias versões de maquilagem para o ator, todas rejeitadas por ele. Laughton queria que a corcunda fôsse muito mais pesada. O perito propôs então que ele simplesmente fingisse que era um corcunda, e Laughton, indignado, o insultou. Quando a maquilagem do rosto e da corcunda finalmente ficou pronta, Perc pediu a seu irmão mais novo, Fred, que não fosse à escola naquele dia, porque havia algo que queria que ele visse. Perc introduziu – o no estúdio como seu assistente. Laughton (como Perc havia prometido) ajoelhou-se sobre suas mãos e joelhos (“como um porco”, disse Perc) e entrou na corcunda – uma armação de alumínio forrada de espuma de borracha sobre a qual uma camada fina de elástico foi esticada. Perc começou a ajustar a máscara. Laughton já estava suando copiosamente. Tudo estava ocorrendo como Perc disse que iria ocorrer. “Estou com sêde”, Perc. Me dá uma bebida, por favor” pede Laughton. ”Claro”, responde Perc, aproximando dele uma garrafa de 7-Up, que ele agita para cima e para baixo. “Não Perc, você não vai fazer isto!” grita o ator preso e ajoelhado. “Sim, eu vou”, diz Perc, e borrifa o conteúdo da garrafa sobre o rosto de Laughton. Em seguida, ele vai para o outro lado de Laughton e lhe dá um pontapé no traseiro. “Isto é por tudo o que você me fêz. Eu trouxe meu irmão hoje, porque precisava de uma testemunha, para dizer que isto nunca aconteceu, se você tentar dizer que aconteceu. Mas você não vai fazer isso Mr. Laughton, não vai” (Simon Callow).

 

 

Laughton afinal conseguiu impressionar como Quasimodo mais do que o grande Lon Chaney na versão muda e, a seu lado, a Esmeralda de Maureen O’Hara (fotografada por Joseph August), era a própria Beleza em pleno êxtase. Em um momento dilacerante, o corcunda, confrontado com a beleza resplandecente de Esmeralda, murmura, envergonhado, de cabeça baixa: “Eu nunca percebi até agora como sou feio. Não sou um homem, não sou uma bêsta”. Depois, dá uma gargalhada desesperada e diz: “Sou como o Homem da Lua!”. Um tour de force interpretativo raramente igualado.

Chafrles Laughton e Deanna Durbin em Raio de Sol

Charles Laughton em Para Sempre e um Dia

À direita: Robert Taylor e Charles Laughton em Às Portas do Inferno

Em todos os personagens que Laughton interpretou nos seus filmes da década de quarenta, uns muito bons (assinalados por um asterisco), outros mais fracos – Tony Patucci em Não Cobiçarás a Mulher Alheia / They Knew What They Wanted / 1940 (Dir: Garson Kanin / RKO); Jonathan Reynolds em Raio de Sol / It Started With Eve / 1941 (Dir: Henry Koster / Universal); Charles Smith em Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942 * (Dir: Julien Duvivier / 20thCentury-Fox); Jonas em A Vida Assim é Melhor / The Tuttles of Tahiti (Dir: Charles Vidor, RKO); Bellamy, o mordomo em Para Sempre e um Dia / Forever and a Day /1943 (Dir: René Clair, Edmund Goulding, Cedric Hardwicke, Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson, Herbert Wilcox) / RKO Radio); Jacko Wilson em A Vida Tem Cada Uma / The Man From Down Under / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM); Contra-Almirante Stephen Thomas em Às Portas do Inferno / Stand by for Action / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard); Albert Lory em Esta Terra é Minha / This Land is Mine / 1943 *(Dir: Jean Renoir, RKO);

Ella Raines e Charles Laughton em Dúvida

Charles Laughton, Richard Wallace eDeanna Durbin em Por Causa Dele

Charles Laughton em Arco do Triunfo

George Montgomery, Dorothy Lamour e Charles Laughton em A Garôta de Nova York

Ava Gardner e Charles Laughton em Lábios Que Escravizam

Sir Simonde Canterville – o Fantasma em O Fantasma de Canterville / The Canterville Ghost / 1944 (Dir: Jules Dassin / MGM); Philip em Dúvida / The Suspect / 1945 * (Dir: Robert Siodmak / Universal); Capitão William Kidd em Capitão Kidd / Captain Kidd (Dir: Rowland V. Lee / Benedict Bogeaus); Sheridan em Por Causa Dele / Because of Him / 1946 (Dir: Richard Wallace / Universal); Earl Janoth em O Relógio Verde / The Big Clock /1947 *(Dir: John Farrow / Paramount); Haake em Arco do Triunfo / Arch of Triumph / 1948 / Dir: Lewis Milestone / MGM; Sir Simon Flaquer em Agonia de Amor / The Paradine Case / 1948 (Dir: Alfred Hitchcock / David O. Selznick); O Bispo em A Garôta de Nova York / Girl from Manhatan / 1948 (Dir: Alfred E. Green / Benedict Bogeaus); Inspetor Maigret em Fugitivo da Guilhotina / Man on the Eiffel Tower / 1949 (Dir: Burgess Meredith / RKO); J. J. Bealler em Lábios que Escravizam / The Bribe / 1949 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM) – ele continuou colocando seu enorme talento, mas somente como Charles Smith em Seis Destinos e como Albert Lory em Esta Terra é Minha funcionou como um artista fundamentalmente criativo, como foi como Nero, Capitão Bligh, Javert, Quasimodo e até Phineas V. Lambert.

Charles Laughton e Victor Francen em Seis Destinos

Sua atuação em Seis Destinos é mais eficiente do que a da dezena de astros que participam do filme, cada qual com seu episódio. O fio condutor entre os episódios é uma casaca rasgada vestida sucessivamente por Charles Boyer, Henry Fonda, Edward G. Robinson e Paul Robeson. Laughton interpreta um compositor empobrecido, que finalmente tem sua grande chance, quando um maestro rigoroso (Victor Francen), em cuja orquestra seu melhor amigo toca, concorda em incluir o seu Scherzo no programa. O próprio Smith, vestindo a velha casaca, que sua esposa (Elsa Lanchester) comprou para ele em uma casa de penhor, rege a orquestra. À medida em que a agitação de sua batuta vai se tornando mais vigorosa, a casaca começa a se romper nas costuras. O público primeiramente dá uma risada nervosa, depois passa a gargalhar; finalmente, todo o auditório está rindo estrepitosamente, com uma histeria incontrolável. Laughton, abalado com isso, para de reger, e senta pateticamente na beira do palco de mangas de camisa, tendo rompido o restante da casaca. O maestro estava vendo tudo isto do seu camarote com uma raiva contida. De repente, ele se levanta. O público silencia, quando ele tira o seu fraque. Lentamente de início, e depois cada vez mais rápido, todo homem na platéia faz a mesma coisa. Laughton pega sua batuta, termina o Scherzo, e no final recebe uma tremenda ovação. Não somente neste momento, mas durante todo o transcorrer da história, sua performance é delicada, precisa, e tocante. Muito bem controlada por Julien Duvivier.

Charles Laughton em Esta Terra é Minha

Laughton ficou contente ao receber o script de Esta Terra é Minha e ao saber que o diretor seria Jean Renoir. Ele conhecia Jean há alguns anos; a propriedade da grande tela a óleo do pai de Renoir, “Le Jugement de Pâris”, foi o ponto de partida de sua amizade. Laughton foi testemunha no casamento de Jean e Dido Freire, e havia lido Shakespeare para o casal durante seu exílio americano.

Seu personagem, Albert Lory, é um covarde, mimado e dominado pela mãe, um professor incapaz de controlar sua classe, apaixonado (platônicamente) por sua colega de trabalho, Louise (Maureen O’Hara), aterrorizado pelos bombardeios, e inquestionavelmente obediente às exigências da fôrça de ocupação. Esse filme de propaganda de guerra traça sua passagem da covardia para a resistência, demonstrando que a necessidade de um envolvimento político de todo cidadão submetido ao jugo nazista.

Charles Laughton e Una O’Connor em Esta Terra é Minha

Tal como fizera em Rembrandt, Laughton interpreta Lory com o máximo de comedimento, pois afinal ele é um professor de provincia tímido e inibido. A cena com sua mãe (Una O’Connor) na hora do café da manhã quando ela o sufoca com um beijo, enquanto ele dá comida para o gato, apanha o jornal, e ouve pacientemente a velha falar na cozinha sobre seu problema com o reumatismo é uma demonstração sutil da dependência emocional que existe entre eles. A cena no abrigo subterrâneo, onde a rebeldia de sua progenitora, a coragem das crianças e o idealismo de Louise são contrastados com o terror abjeto de Lory e a cena da leitura que ele faz da Declaração dos Direitos do Homem pouco antes de ser preso, são emocionantes assim como aquele beijo que Louise dá em Lory quando ele é levado preso, um beijo de paixão física, e não de amizade, como se ele tivesse conquistado a Beleza através da Coragem.