AS COMÉDIAS DA EALING

outubro 10, 2018

Em 1901, o produtor pioneiro Will Barker fundou a Autoscope Company e, no mesmo ano, construiu um estúdio ao ar livre – um palco, andaimes e um fundo de cenário – em Stamfort Hill, norte de Londres. Em 1907, Barker comprou uma mansão em Ealing, oeste da capital londrina, e edificou três estúdios com paredes e tetos de vidro para as suas produções cinematográficas. Em 1911, ele realizou seu primeiro filmes de dois rolos, Henry VIII, no qual o consagrado ator de teatro Sir Herbert Beerbohm Tree (pai de vários filhos ilegítimos entre eles Carol Reed e Peter Reed, progenitor de Oliver Reed) interpretou o papel do Cardeal Wolsey. Em 1913, Barker estava preparando seus atores para o estrelato entre eles Blanche Forsythe e Fred Paul, que apareceram em East Lynne, primeiro filme britânico de seis rolos, dirigido por Bert Haldane. Em 1915, Barker colocou a nova estrela Blanche Forsythe no papel principal de um drama histórico, Jane Shore, a Rosa de Yorke /  Jane Shore, empregando centenas de figurantes, e foi comparado a Griffith.

Will Barker

Em 1920, Barker vendeu o estúdio para a General Film Renters Company, que logo encerrou suas atividades. Durante algum tempo, as instalações foram usadas por produtores independentes e eventualmente, em 1929, compradas pela Associated Radio Pictures Company que, em 1931, construiu um novo estúdio muito perto do velho Barker Studio. A firma era encabeçada pelo ator-empresário Sir Gerald du Maurier, Reginald Baker (contador), Stephen Courtauld (diretor financeiro, membro da riquíssima família da indústria têxtil) e Basil Dean.

Sir Gerald du Maurier

Basil Dean

Dean começou no mundo do espetáculo como ator aos dezoito anos de idade e depois produziu muitas peças e filmes. Ele foi o orientador mais influente do estúdio durante os anos 30 e responsável pelo desenvolvimento da carreira de dois artistas do music-hall, que se tornaram os astros mais populares e bem pagos do período: Gracie Fields e George Formby.

Em 1931, o estúdio mudou seu nome para Associated Talking Pictures e, tal como os demais estúdios do Reino Unido, fez seus próprios filmes e alugou espaço para outras companhias produtoras. Na segunda metade dos anos trinta, David Lean trabalhou na Associated Talking Pictures como montador e Ronald Neame como cinegrafista. Em 1938, após un desentendimento com os Courtald, Dean deixou a companhia e Michael Balcon – que havia sido fundador e presidente da Gainsborough Films, diretor de produção na Gaumont British, e encarregado da produção na MGM-British -, tornou-se o novo chefe do estúdio. Na sua gestão, Balcon trouxe vários ex-colegas da Gaumont British para trabalharem juntos entre eles o ator-diretor Walter Forde e os diretores Sidney Gilliat e Robert Stevenson.

Ealing Studios nos anos 50

Michael Balcon

Ao mesmo tempo, a denominação do estúdio mudou de Associated Talking Pictures para Ealing Studios. Balcon era homem de equipe, encorajando idéias e iniciativas. Durante vinte anos em Ealing ele formou um grupo de diretores talentosos, muitos dos quais haviam sido montadores com Charles Crichton, Charles Frend, Robert Hamer, Leslie Norman e Thorold Dickinson e roteiristas como Alexander Mackendrick, Harry Watt e Basil Dearden, que formou uma longa parceria com o produtor-diretor-cenógrafo Michel Relph. Balcon também deu força para muitos novos roteiristas, inclusive T.E.B. Clarke que escreveu o roteiro de Hue and Cry/ 1947.

Alberto Cavalcanti

Em 1942, o brasileiro Alberto Cavalcanti, diretor, produtor, roteirista e diretor de arte se juntou a Balcon e introduziu a influência documentarista nos filmes de ficção. Cavalcanti fez no Estúdio Ealing, 48 Horas/ Went the Day Well?/ 1942; Champagne Charlie/ 1944, Nicholas Nickleby (na TV) / The Life and Adventures of Nicholas Nickleby / 1947. Entre os filmes produzidos no estúdio nos anos quarenta e cinquenta , distinguiram-se ainda: Johnny Frenchman/ 1945; Na Solidão da Noite/ Dead of Night/ 1945; The Loves of Joanna Godden/ 1947; Corações Aflitos/ The Captive Heart/ 1946; A Manada / TheOverlanders / 1946; Frieda/ Frieda / 1947; It Always Rains on Sunday/ 1947; Heróis Anônimos/ Against the Wind  / 1948, Sarabanda/ Saraband for Dead Lovers / 1948; Epopéia Trágica / Scott of the Antarctic/ 1948; A Lâmpada Azul / The Blue Lamp / 1950; Martírio do Silêncio / Mandy / 1950; Mar Cruel / The Cruel Sea  / 1953; A Morte de um Herói / The Ship That Died of Shame/ 1955; Justiça Final / The LongArm / 1956.

Apesar de ter oferecido ao público bons filmes de todos os gêneros, o estúdio ficou famoso pelo ciclo de comédias inteligentes, produzidas a partir do final dos anos quarenta e na década de cinquenta, que consolidaram o estilo característico do humor britânico e conservam até hoje intacto todo o seu encanto.

Para homenagear o esforço do conhecido estúdio inglês aqui estão algumas informações sobre as suas seis melhores comédias:

UM PAÍS DE ANEDOTA / PASSPORT TO PIMLICO / 1949 (84 min.)

Dir: Henry Cornelius. Rot: T. B. Clarke. Foto: Lionel Barnes. Dir. Arte: Roy Oxley. Mús: Georges Auric. Mont: Michael Truman.

No verão, em Pimlico, bairro residencial do centro de Londres, faz muito calor. Quando o merceeiro Arthur Pemberton (Stanley Holloway) tenta convencer a assembléia local a construir uma piscina e um playground em um terreno vazio, uma bomba – vestígio do conflito mundial recentemente terminado – explode, e ele descobre um tesouro medieval e também um tratado, transferindo o bairro de Pimlico ao ducado de Borgonha. Este tratado, faz dos habitantes de Pimlico cidadãos estrangeiros em território britânico e, portanto, não submetidos às leis do país. A primeira reação do grupo é acabar com o regime de restrições em que vivem. Assim rasgam seus cartões de racionamento e permanecem nos bares dançando e bebendo depois da hora regulamentar de fechamento. Legalmente, os argumentos dos Pimlicanos são irrefutáveis. Os meios diplomáticos se alarmam e o govêrno toma providências: instala barreiras aduaneiras nos limites do bairro, corta o fornecimento de água e energia elétrica, e ordena o bloqueio alimentar aos nativos de Pimlico. Em pleno metrô, a alfândega controla as entradas e saídas. Mas os próprios habitantes de outros bairros manifestam sua solidariedade, fazendo com que víveres sejam entregues aos seus novos vizinhos de fronteira. Por fim, um compromisso é encontrado: os habitantes de Pimlico “emprestarão” seu tesouro à Corôa que, em troca, lhes pagará juros.

Cena de Um País de Anedota

Um País de Anedota marca o início do período curto (1949-1955), mas admirável, durante o qual os estúdios Ealing empreenderam a tarefa de redefinir a comédia inglesa, impondo-lhe a sua marca. O filme passa uma nostalgia através da união social dos anos de guerra, lembrada afetuosamente como “the finest hour” (o melhor momento) da Inglaterra. Isto fica mais explícito em duas sequências mais para o final do filme: a primeira, em um cinejornal louvando a resistência da “pequena e corajosa Borgonha” – exatamente como a Grã- Bretanha se viu na primeira parte da Segunda Guerra Mundial – e a segunda, em um longa sequência de montagem, na qual a populacão de Londres vem em auxílio dos borgonheses assolados pela fome, arremessando-lhes víveres de carros e trens – evocando diretamente o celebrado “espírito de Dunquerque”.

Cena de Um País de Anedota

Cena de Um País de Anedota

Esta investigação do caráter britânico (ou especificamente inglês) está no âmago de Um País de Anedota.Apesar de sua resistência obstinada, os borgonheses nunca perdem de vista a sua verdadeira identidade nacional, como a frase mais memorável do filme deixa claro: “Nós sempre fomos ingleses e e sempre seremos ingleses, e é exatamente porque somos ingleses que estamos defendendo nosso direito de sermos borgonheses”.

Com um espírito de fantasia parecido com o de René Clair, de quem ele foi um colaborador (em Um Fantasma Camarada/ The Ghost Goes West), Henry Cornelius usou com inteligência todos os elementos cômicos de um assunto de total novidade, desencadeando, em um ritmo delirante, peripécias que chegam a um absurdo total. Os intérpretes ajudam muito, cada qual compondo seu tipo com autoridade.

ALEGRIA A GRANEL / WHISKY GALORE / 1949 (82 min.)

Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Compton Mackenzie, Angus Macphail, Foto: Gerald Gibbs. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Ernest Irving. Mont: Joseph Sterling.

Em 1943, em plena guerra, os habitantes de uma ilha perdida no litoral escocês, se vêem diante de uma situação terrível: não há mais whisky! E neste período de racionamento não serão as quatro garrafas permitidas pelas autoridades ao pub local que irão satisfazer as gargantas desses grandes consumidores da bebida. Então, quando vem a notícia de que o SS Cabinet Minister está afundando ao largo da ilha com seu carregamento de 50 mil caixas de whisky, a população fica em um estado de excitação próxima do delírio. Uma vasta operação de salvamento é elaborada e cabe ao capitão Waggett (Basil Radford), comandante da milícia, impedir a pilhagem. Ele avisa aos funcionários da alfândega, que vasculham a cidade, mas não encontram nada.

Cena de Alegria a Granel

Alegria a Granelfoi adaptado de um romance de Compton Mackenzie que, por sua vez se baseou na história verdadeira de um famoso incidente em 1941, no qual o SS Politician – cuja carga incluia 22 mil caixas de whisky – naufragou perto das ilhas Hébridas de Eriskay e South Ulst; dezenas de barcos de todas as ilhas vizinhas logo partiram para o local, resgatando 7 mil caixas.

Cena de Alegria a Granel

O filme é uma celebração do espírito rebelde dos ilhéus, como também uma homenagem aos poderes revigorantes do scotch, que restaura magicamente uma comunidade em profunda depressão por causa do desejo de um “pequeno trago”. Ao contrário da comédia suave de Um País de Anedota, o humor de Alegria a Granelassume às vêzes um tom mordaz às custas do pomposo burocrata Wagget, cujos esforços para frustrar a busca dos ilhéus por whisky, resulta apenas na sua própria ruina.

Cena de Alegria a Granel

Uma sequência memorável da luta dos indivíduos teimosos (e simpáticos) contra  uma autoridade mais poderosa é aquela em que os ilhéus,  avisados a tempo, de que os funcionários da alfândega irão chegar com Waggett – que os havia acionado – escondem as garrafas de whisky em todos os lugares inimagináveis entre eles dentro de um bueiro, de um saco de água quente, de uma caixa registradora e, em uma imagem final, dentro de uma cama portátil, que será ocupada por alguém com ar de inocente.

AS OITO VÍTIMAS / KIND HEARTS AND CORONETS / 1949 (106 min.)

Dir: Robert Hamer. Rot: R. Hamer, John Dighton baseado romance “Israel Rank” de Roy Horniman. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: Mozart. Mont: Peter Tanner.

Em 1868 na Inglaterra, às vésperas de ser executado por assassinato, Louis Mazzini (Dennis Price), duque d’Ascoyne, escreve suas memórias. Ele é descendente de uma família de nobres, cuja mãe havia sido deserdada, por ter se casado com um cantor italiano plebeu, morto logo após o seu nascimento. Sabendo que apenas oito parentes ainda vivos (Alec Guinness) o separam do honroso título nobiliárquico, Mazzini resolve eliminá-los uma a um. Ele consegue realizar seu objetivo, mas a Scotland Yard o prende, acusando-o de um crime, que ele não cometeu: a morte do marido de sua amiga de infância, Sibella (Joan Greenwood), que se tornara sua amante e ficara enciumada por ele ter se casado com Edith (Valerie Hobson), a viúva de sua primeira vítima. Julgado pelos seus pares, a Câmara dos Lordes o condena à morte. Pouco antes de sua execução, Sibella, que havia tramado tudo, lhe propõe um acordo: ela irá inocentá-lo, exibindo a carta que seu marido, arruinado, havia deixado, antes de se suicidar. Em troca, Mazzini deverá fazer desaparecer sua esposa e se casar, com ela. As memórias de Mazzini terminam assim. De manhã, o carrasco se apresenta, mas a execução é suspensa. Sibella manteve sua promessa. Porém ele percebe que esquecera o manuscrito, que relatava seus assassinatos, no interior da prisão…

 

Essa sátira social macabra – estigmatizando a aristocracia inglesa – que estabelece suas próprias leis baseadas no desprezo do gênero humano e na segregação – mistura ironia e cinismo, e é exposta em um tom sêco e dissimulado, eminentemente britânico.

O jovem arrivista, fleugmático e determinado, nos faz entrar no seu jôgo e, sem sentirmos remorso ou consciência pesada, nos tornamos seu cúmplice. No filme o crime perde o seu sentido de violência e aparece sob um manto de suavidade e “finura”. A platéia aguarda a eliminação dos d’Ascoynes com ansiedade e não pode reprimir uma gargalhada à medida que as vítimas vão sendo eliminadas.

Cena de As Oito Vítimas

São muito divertidos os meios engenhosos pelos quais Mazzini se livra dos seus parentes – sobressaindo aquele empregado na morte de Rufus d’Ascoyne, um general do exército entediante, que vive relembrando suas batalhas no seu clube. Quando um garçom lhe traz um pote com caviar, ele interrompe seu relato para observar: “Eu costumava ter muito desta coisa na Criméia. Algo que os russkies(um termo desdenhoso para se referir aos russos) fazem realmente bem”. Em seguida ele espeta a faca no pote e uma bomba escondida dentro dela explode, fazendo-o em pedacinhos.

Dennis Price no final de As Oito Vítimas

Além da boa história e dos diálogos incisivos e espirituosos, o sucesso de As Oito Vítimas deveu-se à composição múltipla de Alec Guiness, interpretando oito papéis diferentes  (inclusive o de uma solteirona sufragista), pequena proeza que o ator realizou com desenvoltura e humor bem como à atuação primorosa de Dennis Price, que encarnou com frieza o vingador intimamente ferido pelas humilhações sofridas, porque o desdém que ele sentia pelos seus familiares era incompatível com a expressão visível de qualquer sentimento de ordem afetiva.

O título do filme é derivado de um verso de Alfred Tennyson, que se tornou um provérbio inglês – Kind hearts are more than coronets-, que significa um bom coração vale mais do que os títulos de nobreza.

O MISTÉRIO DA TORRE / THE LAVENDER HILL MOB / 1951 (78 min.)

Dir: Charles Crichton. Rot: T.E.B. Clarke (premiado com o Oscar). Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: George Auric. Mont: Seth Holt.

Há vinte anos, Henry Holland (Alec Guinness), modesto funcionário do Banco da Inglaterra, em uma rotina impressionante, controla o transporte de barras de ouro da fundição para o Banco, mas acalenta o sonho de se tornar milionário, roubando um dos carregamentos. A primeira dificuldade é a negociação das barras na própria Inglaterra. O jeito então é exportá-las, impasse que o acaso resolve, fazendo-o conhecer um fabricante de “souvenirs”, Alfred Pendlebury (Stanley Holloway), cuja especialidade são moldes de chumbo da Tôrre Eiffel, que em Paris são vendidos aos turistas. O plano é executado com o auxílio de dois ladrões profissionais, Shorty (Alfie Bass) e Lackery (Sidney James), os incidentes se multiplicam, o roubo torna-se assunto do Estado, e uma desabalada perseguição tem início. Penburry é preso, Holland consegue fugir com seis estatuetas de ouro, mas ele será apreendido um ano depois no Rio de Janeiro, onde conseguiu levar durante algum tempo a vida faustosa dos seus sonhos.

Stanley Holloway e Alec Guinness em O Mistério da Torre

Stanley Holloway e Alec Guinness em O Mistério da Torre

Filmagem de O Mistério da Torre

 

Esta comédia policial mostra a aventura de um modesto bancário que se liberta da sua rotina, utilizando sua velha fama de honestidade e sua paciência adquirida como burocrata, para praticar um roubo meticulosamente arquitetado mas, mesmo assim, sujeito ao imprevisto. É o acaso que motiva as sequências mais animadas do filme como, por exemplo, a perseguição de Holland e Pendlebury com a tremenda confusão que eles armam para a Scotland Yard, utilzando o rádio (uma sátira irreverente à polícia inglesa) ou a descida vertiginosa da Tôrre Eiffel pelas escadas em espiral empreendida pelos dois principais membros do bando, para impedir que um grupo de colegiais leve, de volta à Inglaterra, a “evidência” do seu malfeito.

Cena de O Mistério da Torre

Outro momento muito engraçado com um notável sentido de sátira ocorre quando Pendlebury e Holland resolvem embarcar apressadamente da França para a Inglaterra e enfrentam cômicamente uma série de exigências aduaneiras. A visita ao colégio também arranca boas risadas do público, notadamente quando a aluna gorducha insiste em ficar com a sua tôrre apesar das propostas de “propina” por parte dos dois ladrões.

Alec Guinees e Audrey Hepburn (em uma ponta) em O Mistério da Torre

Alec Guiness está magnífico no papel do humilde e aparentemente inofensivo fiscal do banco que se transforma no chefe brilhante e eficiente da quadrilha de Lavander Hill e Stanley Holloway é um coadjuvante à sua altura em termos interpretativos.

O HOMEM DO TERNO BRANCO / THE MAN IN THE WHITE SUIT / 1951 (85 min.)                                                                                                                           Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Roger MacDougall, A. Mackendrick, John Dighton baseado peça de MacDougall. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: Jim Morahan, Mús: Benjamin Frankel. Mont: Bernard Gribble.

Sidney Stratton (Alec Guinness), servente do laboratório de pesquisa de uma fábrica textil, mas formado em química, tem uma idéia-fixa, na qual trabalha clandestinamente – a invenção de um tecido que jamais suja ou rasga. Após várias peripécias, Stratton conclui com êxito suas pesquisas. O fio indestrutível é triunfantemente exbido a Mr. Birnley (Cecil Parker), o dono da fábrica, mas o herói se esquecera de que o objetivo da indústria não é fabricar senão produtos que tenham de ser periodicamente substituidos. Tendo à frente o poderoso (e decrépito) Sir John Kierlaw (Ernest Thesiger), os grandes industriais exigem que Stratton lhes dê a fórmula, que jamais será utilizada e os sindicatos operários, com mêdo do desemprêgo, desejam a mesma coisa. Capital e Trabalho se unem para perseguir o inventor intransigente.

Cena de O Homem do Terno Branco

Esta história tragicômica mostra bem a cupidez dos patrões e o egoismo com que enfrentam qualquer progresso que não resulte em lucros e o egoismo basicamente igual dos operários, que vêem no progresso a alteração de seu “status quo” e, por isso, se reunem aos donos da fábrica para combater o invento revolucionário. Há uma cena, em que o inventor, perseguido nas ruas pelos Rolls-Royces dos patrões em pânico e por seus colegas de fábricas enfurecidos, pode contar com o auxílio de uma criança (que despista os perseguidores), mas não com o auxílio de uma velhinha de uma casa de cômodos, pois ela percebe que o tecido não sujável e indestrutível vai privá-la de seu meio de vida – a lavagem de roupa.

Alec Guinness em O Homem do Terno Branco

O filme faz uma crítica ácida tanto da empresa como da mão de obra sindicalizada e, como contraste, apoia e avaliza o espírito individualista do cidadão médio. Vestindo o imaculável terno branco feito com o seu tecido prodigioso, que brilha na obscuridade, Stratton parece um “cavaleiro andante, iluminando seu caminho pelo mundo” como define Daphne (Joan Greenwood), a filha do industrial – a certa altura da narrativa vemos uma imagem dele lutando com uma tampa de uma lata de lixo como se fosse um escudo. O terno evidentemente simboliza pureza, inocência, e a verdade desinteressada da ciência.

Cena de O Homem do Terno Branco

Cena de O Homem do Terno Branco

Alec Guinness e Joan Greenwood em O Homem do Terno Branco

O diretor soube utilizar todos os recursos da técnica, inclusive o som – o barulho  do complicado aparelho do inventor que nós ouvimos como leitmotiv ao longo de todo o filme, exprime às mil maravilhas a marcha inexorável e angustiante do progresso, e produz um efeito cômico irresístivel. No final, a multidão ataca o homem do terno branco, e a estrutura do tecido – para alegria de todos – subitamente se desintegra, deixando-o de cueca, humilhado. Porém, na cena derradeira do filme, quando Stratton se afasta da câmera, surge a música-tema associada ao aparelho barulhento do inventor, sugerindo que talvez ele consiga superar o problema da instabilidade de sua roupa e vai começar tudo de novo.

QUINTETO DA MORTE / THE LADYKILLERS / 1955 (97 min.)

Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Willliam Rose. Foto: Otto Heller em Technicolor. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Tristram Cary. Mont: Jack Harris,

Mrs. Wilberforce (Katie Johnson), velhinha cândida e bondosa, hospeda no seu sobrado antigo em Londres o “professor” Marcus (Alec Guinness), figura estranha e dentuça com testa larga e cabelos desgrenhados, que se diz músico, membro de um quarteto de cordas, e obtém permissão para ensaiar (invariavelmente o minueto de Bocherini) em seus aposentos com os amigos. Os outros “músicos” são: One Round, brutamontes de voz surda com cara de pugilista (Danny Green); Claude, o falso “Major” Courtney (Cecil Parker), gorducho bigodudo com um sorriso nervoso; Harry (Peter Sellers), rapaz meio desastrado com aparência de delinquente juvenil e Louis (Herbert Lom), sujeito com pinta de assassino profissional. Marcus expõe aos companheiros os planos de um roubo, que lhes renderá 60 mil libras. O assalto é bem sucedido e os cinco bandidos pedem para a velha apanhar a mala com o produto do roubo, que eles esconderam na estação de King’s Cross, pois ela é a última pessoa no mundo capaz de atrair suspeitas da polícia. Mrs. Wilbeforce concorda, acreditando que se trata de uma encomenda do interior para o seu hóspede. Quando finalmente ela percebe com que gente está metida, os cinco delinquentes procuram intimidá-la, dizendo-lhe que, para todos os efeitos, ela é cúmplice do assalto. Porém o retrato austero do seu falecido marido, um capitão da marinha mercante que afundou com seu barco, inspira Mrs. Wilberforce: ela e o “quinteto” comparecerão à delegacia para devolver o dinheiro. Diante disso, os larápios resolvem eliminá-la. Os cinco tiram a sorte, mas quem executará a tarefa? As discussões conduzem a brigas e os cinco bandidos acabam por se matarem entre si (apenas o último morre acidentamente).  Ao contar sua história para a polícia, Mrs. Wilberforce é considerada doida e aconselhada a ficar com a grana.

A Lady e os Killers

 

Esta comédia criminal macabro-satírica, que fechou com chave de ouro o ciclo do estúdio Ealing, contém vários elementos noir (tipos sinistros e inquietantes, passos e silhuetas ameaçadoras na noite, assalto a carro blindado, iluminação em claro-escuro (apesar do uso da cor), uma série de mortes, e a presença de uma mulher fatal (embora muito peculiar); mas tais elementos são usados para se obter efeitos cômicos da melhor qualidade.

Cena de Quinteto da Morte

Abundante em achados humorísticos  (v. g. a sequência do chá das velhas senhoras ao qual os criminosos são obrigados a participar; a mala que contém o produto do roubo transportada até a casa de Mrs. Wilberforce por dois policiais, pois ela fôra parar na delegacia por ter descido de um taxi a fim de defender um cavalo da irritação de um verdureiro, provocando um conflito, tratado em tom de pastelão; o enterro do “Major”, seu corpo colocado dentro de um carrinho de mão, empurrado pelo brutamontes e acompanhado pelo cérebro do grupo com se fosse um padre; a morte do “professor” Marcus atingido pelo sinal ferroviário e caindo dentro de um vagão), possuindo em cada personagem um tipo curioso e em cada ator um especialista em composição (sobressaindo naturalmente a interpretação deliciosa de Katie Johnson – então com 87 anos), o espetáculo é inusitado e imensamente divertido.           .

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MAX OPHULS II

setembro 27, 2018

Em 1950 Ophüls encerrou sua fase americana e retornou à França, onde realizou seus últimos quatro filmes: Conflitos de Amor/ La Ronde / 1950, O Prazer/ Le Plaisir / 1952; Desejos Proibidos / Madame D …/ 1953 e Lola Montez / Lola Montès / 1955.

Anton Walbrook, Danielle Darrieux e Daniel Gélin em Conflitos de Amor

Simone Simon e Serge Reggiani em Conflitos de Amor

Odette Joyeux e Jean-Louis Barrault em Conflitos de Amor

Em Conflitos de Amor (Rot: Jacques Natanson e M. Ophüls baseado livremente na peça “Reigen” de Arthur Schnitzler), na Viena de 1900, o narrador (Anton Walbrook), que faz a Roda do Amor girar como um carrossel, apresenta os amores da prostituta Léocadie (Simone Signoret) com o soldado Franz (Serge Reggiani). Depois, Franz seduzindo a empregadinha Marie (Simone Simon), que iniciará no sexo o jovem de boa família, Alfred (Daniel Gélin). Alfred, por sua vez, faz sucumbir a virtude de Emma (Danielle Darrieux), uma mulher casada. Emma se reune com seu marido Charles (Fernand Gravey) no seu leito conjugal e falam sobre Stendhal. Charles busca uma aventura amorosa com a costureirinha Anna (Odette Joyeux), que é uma presa fácil do poeta-dramaturgo Robert Kuhlenkampf (Jean-Louis Barrault), que a abandona, para se encontrar com a atriz (Isa Miranda) que, por sua vez, se entregará ao conde (Gérard Philie), blasé e cerimonioso. Ele não voltará para um segundo encontro, passando a noite com Léocadie. E assim a Roda termina, onde havia começado.

Daniel Gélin e Danielle Darrieux em Conflitos de Amor

Fernand Gravey e Danielle Darrieux em Conflitos de Amor

Max Ophüls dirige Danielle Darrieux em Conflitos do Amor

Gérard Philipe e Simone Signoret em Conflitos de Amor

Simone Signoret e Serge Reggiani em Conflitos de Amor

A idéia do narrador omnisciente que não somente introduz os espectadores em cada história, mas assume pequenos papéis e intervém durante a transição de um episódio para outro é original e, algumas vêzes, humorística (v. g, a cena em que o mecanismo que movimenta o carrossel para, quando Alfred falha momentaneamente durante o ato sexual, e depois volta a funcionar, quando ele se recupera do fracasso copulativo ou quando o meneur du jeu corta um pedaço de celulóide, censurando um momento mais ousado da trama). Entre cada um dos encontros amorosos,  volta a imagem insólita do carrossel e a melodia de uma valsa  langorosa (Oscar Straus / Louis Ducreux) em perfeita harmonia com o visual ophulsiano, como sempre apoiado em suntuosos interiores (Jean D’Eaubonne) e na movimentação da câmera (Christian Matras), destacando-se o longo traveling de abertura que permite ao narrador mudar de roupa para se tornar um personagem de 1900, atravessar um palco de teatro que se transforma em um estúdio de cinema,  cantar “tourne, tourne,  mes personnages … “ e começar a animar a sarabanda  de relacionamentos efêmeros em busca do prazer sensual. Pena que haja um excesso de dialogação em algumas situações, tornando-as um tanto monótonas.

O Prazer (Rot: Jacques Natanson, M. Ophüls) é baseado em três contos de Guy de Maupassant: Le Masque, La Maison Tellier e Le Modèle. Em Le Masque (A Máscara), um homem mascarado, elegantemente vestido, vai ao Palais de la Danse, e demonstra grande agilidade, antes de cair no salão, esgotado. Tiram-lhe a máscara, trata-se de um velho (Jean Galland). Um médico (Claude Dauphin) o acode e o leva para casa, onde sua esposa (Gaby Morlay), resignada, lhe explica que seu marido, ex-cabelereiro outrora muito estimado pelas mulheres, continua comparecendo nos bailes, na tentativa de recuperar o frescor de sua juventude. La Maison Tellier  (A Casa Tellier) é um bordel frequentado tanto por marujos como por “respeitáveis senhores”. Uma noite, os frequentadores do local encontram a porta fechada. Os burguêses ficam desolados e os homens do mar brigam entre si. A cafetina Madame Julia (Madeleine Renaud) e suas “pensionistas” partiram para uma aldeia da Normandia, a fim de assistirem à primeira comunhão da filha do irmão de Julia, o carpinteiro Joseph Rivet (Jean Gabin). Na igreja, comovidas, elas vertem lágrimas nostálgicas de sua pureza perdida e, por contágio, fazem chorar todos os presentes.  No caminho de volta, elas colhem flores nos campos para enfeitar a Maison Tellier e, quanto a Rivet, ele fica atraído particularmente por Madame Rosa (Danielle Darrieux), uma das “pensionistas”. Em Le Modèle (A Modêlo), Jean (Daniel Gélin), um jovem pintor, apaixona-se por uma de suas modêlos, Joséphine (Simone Simon). Quando ele se cansa dela e tenta romper o relacionamento, a jovem se joga pela janela do ateliê. O remorso obrigará Jean a cuidar de Joséphine, imobilizada em uma cadeira de rodas, por toda a sua vida. Esta última história é contada, tal como as duas precedentes, por um narrador (Jean Servais) que desta vez aparece como um amigo de Jean.

Jean Galland em O Prazer

Jean Gabin e Danielle Darrieux em O Prazer

Simone Simon e Daniel Gélin em O Prazer

Para Ophüls, a adaptação (livre) dos três contos de Maupassant serviu de pretexto para um exercício diretorial de uma virtuosidade deslumbrante (travelings rodopiantes no salão de dança e volantes em uma visita à Mansão Tellier vista unicamente do exterior; interposição de objetos e partes do cenários entre a câmera e os personagens), e para uma reflexão sobre o prazer (a futilidade do prazer evocada melancolicamente em A Máscara; sua gravidade, mostrada com tristeza mórbida em A Modelo, e sua inocência e simplicidade,  apresentada com ironia e alegria no parêntese bucólico de A Casa Tellier) e a felicidade ( “a felicidade não é alegre”, conclui o narrador). Armam-se assim cenas inesquecíveis: o mau humor dos clientes do lupanar; a viagem de trem e a intrusão de Julien Ledentu (Pierre Brasseur), um caixeiro viajante excitado pela prova das ligas; as lágrimas de Rosa e de suas companheiras na igreja; o lirismo no campo florido, digno de Jean Renoir; o agradecimento murmurado por Madame Rosa a Rivet, que se desculpa timidamente por haver faltado com o respeito; o silêncio da noite campestre que não deixa as moças dormirem; Rosa e um menino que tem igualmente medo do escuro, adormecendo tranquilos nos braços um do outro; o contraponto entre os prazeres mundanos e os rústicos, com sua natureza, e a pureza da gente rural.

Em Desejos Proibidos  (Rot: M. Ophüls, Marcel Achard, Annette Wademant baseado no romance homônimo ade Louise de Vilmorin), para pagar suas dívidas, a Condessa de … (Danielle Darrieux) resolve se desfazer de um par de brincos de diamantes em forma de coração, presente de casamento de seu marido, o Conde André de … (Charles Boyer). Vende-os ao joalheiro da família (Jean Debucourt), rogando sigilo, e simula tê-los perdido na Ópera. O zêlo do administrador do teatro conduz o caso à polícia e, em consequência, aos jornais. Preocupado com a situação, o joalheiro leva as jóias ao Conde que torna a comprá-los, para presenteá-los agora a uma amante (Lia de Leo), que está remetendo para Constantinopla … sem bilhete de volta. Lá os brincos são vendidos para alimentar a roleta e comprados por um diplomata italiano, Barão Frabrizio Donati (Vittorio de Sica). Quando Donati assume seu novo pôsto em Paris, ele fica encantado pela Condessa, e quando o Conde (que também é general) parte para manobras militares, o Barão tem oportunidade de cortejá-la e lhe oferecer os brincos. Habituado e lisongeado com a atração que a mulher desperta nos salões, o Conde não leva a sério o flerte. O mesmo acontece com a mulher e o diplomata, até descobrirem que se amam. Ela tenta esquecê-lo, viajando. mas em vão. O barão lhe escreve sem parar, e ela acaba se encontrando com ele. A condessa se embaraça nas suas mentiras para fazer crer a seu marido que reencontrou seus brincos. O general a obriga a dar os brincos para uma sobrinha, os revende, e a Condessa os compra, considerando-os agora como relíquias. Furioso, o general desafia o rival para um duelo. A Condessa, que havia ofertado os brincos para o altar da Virgem para salvar o barão, corre para impedir o combate mas, ao ouvir o primeiro tiro (que, presumivelmente, matou o diplomata), sofre um ataque cardíaco e morre.

Dannielle Darrieux em Desejos proibidos

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Desejos Proibidos

Danielle Darrieux e Vittorio De Sica em Desejos Proibidos

A história – que poderia ser um vaudeville agradável, mas se torna um drama com observações sarcásticas sobre a Belle Époque – é organizada engenhosamente em torno da circulação de um par de pedras preciosas e esta circularidade é tratada no mesmo estilo barroco que se tornou a marca pessoal de Ophüls. Grande requinte nos cenários (Jean D’Eaubonne) e figurinos (Georges Annenkov, Rosine Delamare), ângulos e enquadramentos bem estudados (Christian Matras), diálogos nos quais transparece o espírito fino de Marcel Achard, bela partitura (Oscar Straus / George Van Parys), interpretação insubstituível do trio central, despontando porém Danielle Darrieux, que soube criar com inteligência a personagem fútil e frívola de Madame de …. , completam o quadro, e confirmam que a arte do cineasta vienense atingiu o seu apogeu.

No seu lançamento, Lola Montès (Rot: Cecil Saint-Laurent, M. Ophüls, Annette Vademan baseado no romance de Saint-Laurent “La Vie Extraordinaire de Lola Montès”) foi mal recebido pelo público, a tal ponto que os produtores o retiraram de cartaz, para ser apresentado de novo  com uma redução considerável da metragem e uma montagem que tornava a narrativa linear, retirando exatamente o que melhor caracterizava a originalidade da técnica empregada pelo diretor. De modo que ele só foi visto na edição original, com os flash-backs, muito mais tarde.

Em 1880, Maria Dolorès Porriz y Montez, dançarina e cortesã conhecida como Lola Montès (Martine Carol), é exibida em um circo gigantesco em New Orleans, onde Monsieur Loyal, um mestre de cerimônias (Peter Ustinov), com a ajuda da trupe, ilustra passagens de sua vida, e os espectadores podem interrogá-la sobre seu passado. Cinco retrospectos de lembranças de Lola pontuam a representação. 1. Na Itália, Lola termina sua aventura com Franz Lizt (Will Quadflieg), que se tornara tediosa; 2. Em Paris, para se esquivar de um casamento por interêsse com um barão velho e rico, Lola se entrega, e depois se casa, com o tenente Thomas James (Ivan Desny), o amante de sua mãe. 3. Na Escócia, Lola se liberta do marido alcoólatra e brutal. 4. Em Nice, Lola interrompe sua dança para esbofetear o maestro Pirotto (Claude Pinoteau), seu amante, após ter descoberto que ele era casado. Em seguida, perante toda a platéia, ela entrega à mulher dele (Jacqueline Canterelle) o bracelete que o músico lhe dera. 5. Na Baviera, onde foi concorrer a um concurso de Ópera, ela se torna amante do Rei Ludwig I (Anton Walbrook), e depois é obrigada a deixar o país, porque sua presença desagradou a população, causando uma revolta. Na sua fuga, Lola é protegida por um estudante (Oskar Werner), que se propõe a desposá-la; porém ela recusa, porque um futuro menos pacífico, mais corajoso, mais digno dela, a tenta: o circo.  Doente, em plena decadência, Lola executa todas as noites um salto mortal e, após ser encerrada em uma gaiola dourada, fica exposta aos espectadores, que pagam um dólar para beijar sua mão.

Peter Ustinov e Martine Carol em Lola Montès

Anton Walbrook, Martine Carol e Max Ophüls na filmagem de Lola Montès

Martine Carol e Oskar Werner em Lola Montès

Anton Walbrook e Martine Carol em Lola Montès

Na versão restaurada de Lola Montès, pode-se perceber a ambição formal do cineasta, como sempre fazendo a câmera (Christian Matras) acompanhar a marcha dos personagens ou se movimentar eufóricamente, para nos mostrar o reverso de um espetáculo, aquilo que ninguém viu: o rosto interior de Lola, sua intimidade e, ao mesmo tempo, denunciar a exploração da decadência de uma mulher fatal lendária em benefício da curiosidade indecente dos espectadores, que lhe fazem perguntas indiscretas. A crítica de Ophüls estava adiante de seu tempo e foi sublinhada por uma encenação onde o seu rebuscamento estético chegou a um ponto culminante, servido pelas cores berrantes e pelo CinemaScope.

Martine Carol em Lola Montès

Cena de Lola Montès

As cenas de circo são todas memoráveis com seus motivos purpúreos e dourados que sugerem esplendor e suntuosidade, mas cuja acumulação revela sua natureza opressiva e mórbida, pois Lola é de fato uma prisioneira desse mundo, uma heroína despossuída de si mesma, fatigada, debilitada, e quase em agonia.  Já os retrospectosque fazem reviver em desordem alguns momentos de uma existência tumultuada, eles são tratados mais convencionalmente e, por contraste, em cores mais suaves. Os cenários de Jean d’Eaubonne e o vestuário de Annenkov e Marcel Escoffier (para Martine Carol) também contribuem para o delírio barroco ophülsiano. Entretanto, o brilho plástico e toda aquela algazarra permanente no picadeiro em  torno de uma figura imóvel que mal se sustenta em pé e se exprime por uma voz inaudível, não foi capaz de disfarçar algumas lentidões no ritmo da narrativa. Martine Carol, super estrela e símbolo erótico do cinema francês na época, era uma atriz de recursos limitados, mas se saiu muito bem, principalmente nas sequências circenses compondo sóbriamente uma máscara de morta-viva, enquanto Monsieur Loyal explorava  comercialmente o relato de sua vida escandalosa.

O último filme Max Ophüls, exibido no Brasil como Lola Montez, talvez tenha sido um dos motivos que apressaram sua morte em Hamburgo aos 54 anos de idade, no dia 26 de marco de 1957, vitimado por uma doença cardíaca, de que sofria há muito tempo, dois anos após tentar desesperadamente preservar a integridade de sua obra.

MAX OPHULS I

setembro 13, 2018

Ele foi um exímio narrador de histórias de amor, que confirmaram sua sensibilidade romântica, sua identificação com a consciência e os apuros femininos, sua preferência por temas relacionados com a Viena do final do século, e seu gôsto pelo estilo barroco. A chave de sua brilhante encenação era o domínio do plano-sequência, especialmente da câmera continuamente em movimento e a luxúria decorativa, ambos usados sempre com notável compreensão cinematográfica.

Max Ophuls

Max (Maximilian) Ophüls nasceu em Saarbrücken, Alemanha, filho de Leopold Oppenheimer, fabricante de roupas e dono de várias lojas no país e de sua esposa Helen. Quando iniciou sua carreira teatral, Max adotou o sobrenome de Ophüls, para não criar dificuldades para os pais, porque sua família, muito respeitada no âmbito da indústria têxtil, desaprovava seu desejo ardente pelo teatro.

Ele estreou no palco em 1919 e atuou no Teatro Aachen de 1921 a 1923 porém, decepcionado com a carreira de ator, abandonou o tablado pela encenação, tornando-se o primeiro diretor do teatro da cidade de Dortmund. Em 1924, dedicou-se à produção teatral e se tornou diretor criativo do Bürgtheater de Viena. Em 1926, casou-se com a atriz Hilde Wall, com quem teve um filho, Marcel, o futuro documentarista de Le Chagrin et la Pitié/ 1971.  Em 1929, com cerca de duzentas peças no seu currículo, Ophüls iniciou sua trajetória cinematográfica como assistente de Anatole Litvak na UFA, em Berlim.

Em 1931, no período que viu a emergência do cinema sonoro, Ophüls dirigiu seu primeiro filme, a comédia curta Dann schon lieber Lebertran (Eu prefiro óleo de fígado de bacalhau), seguindo-se seu primeiro longa-metragem, Die verliebte Firma / 1932 (A Companhia Apaixonada), que gira em torno da filmagem de um musical em uma idílica aldeia alpina: quando a estrela temperamental (Anny Ahlers) abandona a produção, é substituida por uma jovem funcionária do correio local (Lien Deyers) e os rapazes da equipe se apaixonam por ela, inclusive o diretor da companhia produtora (Gustav Frölich). No mesmo ano,Ophüls realizou Die verkaufte Braut (A Noiva Vendida) em cuja trama, passada na Bohemia no século dezenove, o condutor de carruagem Hans (Willy Domgraf-Fassbaender) se apaixona pela filha do prefeito Maria (Jarmila Novotna), que está prometida para Wenzel (Paul Kemp), filho de um fazendeiro rico que, por sua vez, apaixonado por Esmeralda (Annemarie Sörensen), filha do diretor do circo. São duas comédias musicais muito divertidas, a segunda aproximando-se mais da opereta (pois foi baseada em uma composição de Smetana), e em ambas já se vislumbra a sensibilidade romântica do diretor, sua mise-en-scènefrenética, e sua capacidade de construir com exatidão os ambientes nos quais transcorre a ação.

Lien Deyers e Heinz Rühmann em Lachende erben

Conheço apenas um trecho de Lachende erben / 1933 (Herdeiros Sorridentes), a terceira comédia que Ophüls fez na UFA. É a história de um rapaz, Peter Frank (Heinz Rühman), que herda do tio uma vinícula, sob a condição de que não poderá consumir bebida alcoólica durante um mês. Como Peter não tem a reputação de ser sóbrio, as tentações se multiplicam, e ainda por cima ele se apaixona pela filha (Lien Deyers) de seu principal competidor. Nas cenas que pude ver, não identifiquei a marca do estilo ophulsiano, porém elas prometiam uma boa diversão.

Magda Schneider e Wolfgang Liebeneiner em Uma História de Amor

O último filme realizado por Ophüls na Alemanha, Uma História de Amor Liebelei / 1933, adaptação (com algumas modificações da obra original, entre elas a  exposição da futilidade e estupidez da mentalidade teutônica do “código de honra”) de uma peça de Arthur Schnitzler, é um melodrama romântico melancólico e cruel, pondo em cena dois tenentes da cavalaria do exército austríaco do imperador Francisco José, que encontram o amor com duas jovens simples e sinceras. Fritz Lobheimer (Wolfgang Liebeneiner) está vivendo um romance adulterino com a Baronesa Eggersdorff  (Olga Tschechowa), mas se apaixona pela doce e pura, Christine Weiring (Magda Schneider), filha de um modesto músico de orquestra da Ópera,  (Paul Hörbinger) enquanto seu colega Theo Berg (Willi Eichbwerger), namora Mizzi Schlager (Luise Ullrich), amiga de Christine. Quando o Barão (Gustaf Gründgens) descobre a traição da esposa, desafia Fritz para um duelo. O Barão é o primeiro a atirar e ele mata Fritz. Quando Christine é informada de sua morte, ela se joga de uma janela.

Ophüls descreve, – com a câmera flutuante de Franz Planner que às vêzes omite tanto quanto mostra (v. g. Fritz morrendo no duelo; somente a janela aberta a indicar o salto de Christine para a morte) ou deixa planos vazios no início ou no fim de uma cena -, a passagem do sonho de amor da jovem vienense para um desenlace trágico, conseguindo fazer com que os próprios personagens transmitam suas emoções, principalmente Christine. A interpretação de Magda Schneider chega a ser profundamente tocante quando ela, em um longo close-upsob o fundo musical da Quinta Sinfonia de Beethoven, expressa seu desespêro – sem chorar nem sofrer um colapso nervoso -, ao ouvir a notícia devastadora de que Fritz perdeu sua vida por causa de outra mulher. Outra atuação marcante é a de Gustaf Gründgens, usando apenas seus gestos e olhares frios, exprimindo todo seu ódio e sua raiva pela fumaça de seu cigarro e pelas suas corridas – perseguidas velozmente pela câmera – atrás do amante de sua mulher.

Os nomes dos judeus Arthur Schnitzler e Max Ophüls foram retirados dos créditos e foi feita uma versão francêsa com Magda Schneider e Wolfgang Liebeneiner com os atores francêses Simone Héllard (no papel de Mizzi), Georges Rigaud (Theo) e Abel Tarride (Weiring). Em 1933, prevendo a ascendência nazista, Ophüls foi para a França onde, de 1934 a 1940, fêz sete filmes, intercalados entre uma realização na Itália e outra na Holanda. Em 1938, ele adquiriu a cidadania francêsa. Menciono em seguida os filmes francêses, dos quais vi apenas Yoshiwara, Le Roman de Werthere De Mayerling a Sarajevo.

Prisioneiro de uma Mulher/ On a Volé un Homme / 1934 (Rot: René Pujol, Hans Wilhelm), drama romântico no qual um jovem banqueiro, Jean de Lafaye (Henri Garat), está prestes a concluir um negócio que arruinará seus concorrentes. Estes o sequestram e o levam para uma casa de campo, onde ele fica sob a guarda de uma linda aventureira (Lili Damita). O banqueiro e sua carcereira se apaixonam e conseguem escapar e ajustar contas com os que tramaram contra ele.

Divine / 1935 (Rot: Colette baseado na sua peça “L ‘envers du Music Hall”). Adapt: M. Ophüls, Jean-Georges Aurio), melodrama focalizando uma jovem do interior, Ludivine Jarisse (Simone Berriau) que, convidada por sua amiga Roberte (Yvette Lebon), atriz em um music hall de Paris, aceita substituí-la, e se torna uma vedeta no L‘Empyrée sob o nome de Divine. Um de seus colegas tenta tirar vantagem de sua ingenuidade, mas quando ela resiste, ele a envolve em um negócio de entorpecentes, do qual ela se liberta graças ao amor de Antonin, um honesto e formoso leiteiro (Georges Rigaud). Ele lhe promete casamento e ela abandona o palco, para começar uma nova vida na região de onde veio.

Georges Vitray e Simone Berriau em La Tendre Ennemie

La Tendre Enemie / 1936 (Rot: Curt Alexander, M. Ophüls baseado na peça L‘Ennemie” de André-Paul Antoine), comédia romântico-fantástica com uma história original, cáustica e irônica, impulsionada por três fantasmas, que aparecem na festa de noivado de Line, (Jacqueline Daix), filha de Annette (Simone Berriau), a mulher que todos amaram no passado. Os três – um deles, Dupont (Georges Vitray) é o pai da noiva e os outros dois são o primeiro namorado da mãe dela, um marinheiro (Lucien Nat) e o seu ex- amante, um domador de leões (Marc Valbel) – relembram como seus relacionamentos com a “inimiga” (ela mesma vítima de um casamento arranjado)  arruinaram suas vida, e intervêm junto a Annette, a fim de que ela impeça o casamento. Sensível às preces que lhe dirigem essas testemunhas do seu passado, a velha senhora cede, e sua filha poderá esposar o intrépido piloto, que escolheu para marido.

Yoshiwara / Yoshiwara / 1937 (Rot: Arnold Lipp, W. Wilhelm, Dapoigny, M. Ophüls baseado no romance de Maurice Dekobra), drama sobre amor interracial com um pano de fundo de espionagem cuja ação transcorre em 1860 quando, após a morte de seu pai, que cometera o suicídio ao verificar que estava falido, Kohana (Michiko Tanaka) vai para Yoshiwara, o bairro da prostituição de Tokyo, para ser geisha. Neste local, Serge Polenoff (Pierre Richard-Willm), oficial da Marinha Russa, portador de documentos secretos do estado-maior japonês, apaixona-se por ela, e entra em conflito com um condutor de riquixá Yasamo (Sessue Hayakawa), que também a ama. O plano de Polenoff de levar Kohana consigo para São Petersburgo é frustrado quando Yasamo o denúncia ao serviço da contra-espionagem do país. Atacado e ferido, Polenoff entrega os documentos para Kohana, pedindo-lhe que o faça chegar a qualquer um de seus companheiros de farda. Mas Kohana é presa como cúmplice de Polenoff. Desesperado, Yosama avisa a Polenoff de que ela vai ser condenada à morte, e os dois partem para tentar salvá-la; porém, Polenoff morre em razão dos ferimentos enquanto Kohana é executada.

Michiko Tanaka e Pierre Richard-Willm em Yoshiwara

Ophüls fez o que pôde para disfarçar a falta de valores de produção, que prejudicou o seu cuidado especial para com os adornos cenográficos e talvez tenha contribuído para paralizar a sua câmera deambulatória; porém mesmo assim, ele conseguiu dar um sôpro melodramático e criar alguns toques mágicos nessa história de amor irrealizável, como naquela cena em que Polenoff expõe os seus sonhos de futuro e as maravilhas do mundo ocidental para a sua bela geisha.

Pierre Richard-Willm e Annie Verney em Le Roman de Werther

Le Roman de Werther / 1938 (Prod: Nero-Film (Seymour Nebenzal). Rot: Hans Wilhelm. Adapt: H. Wilhelm, M. Ophüls), baseado em “Leiden des jungen Werthers”, romance de Johan Wolfgang von Goethe), drama romântico sobre o amor impossível de Werther (Pierre Richard-Willm), jovem poeta e músico que chega em Walheim, na Alemanha, para assumir o posto de referendário no Palácio de Justiça local e Charlotte (Annie Vernay), que está prometida ao juiz Albert (Jean Galland), superior hierárquico de Werther. Quando Werther vem a saber disso, ele passa as noites no cabaré embriagando-se e se entrega a diversas extravagâncias, que suscitam a reprovação de Albert. Werther escreve uma carta para Charlotte, contendo um apelo desesperado. Em vez de responder, Charlotte vai se confessar (“Eu não mentí e não disse a verdade”, diz ela ao padre, referindo-se ao fato de não ter dito logo a Werther que estava noiva de Albert). Por ocasião de uma discussão profissional a respeito de um assassino que matou por amor, Albert, que desconfia de algo, ordena que Werther peça demissão. Uma noite, Werther vai para o lugar no campo em que ele encontrara Charlotte, e se mata com um tiro de pistola.

Ophüls consegue traduzir fielmente um romance epistolar em termos de cinema, sem torná-lo teatral, usando sua inventividade técnica para mantê-lo sempre interessante, até o desenlace trágico, pois na sociedade paternalista na qual Charlotte vive, sempre existe um limite para a paixão. A cena mais bonita é a do pedido de casamento que Werther faz a Charlotte diante de uma bela paisagem campestre e ela abaixa a cabeça, abraçando um buquê de flores. Aquele momento em que Charlotte finalmente revela a Werther que está comprometida com outro também está carregada de muita emoção. O cineasta não usa tanto os seus movimentos de câmera extravagantes, preferindo a sobreposição (v. g. dos sinos da igreja) e a elipse (v. g. não vemos a morte de Werther, somente seu cavalo, e ouvimos o tiro).

Georges Rigaud e, Edwige Feuillère em Sans Lendemain

Sans Lendemain / 1939 (Prod: Ciné-Alliance (Gregor Rabinovitch). Rot: Hans Wilhelm. Adapt: H. Wilhelm, Jacot, Curt Alexander, M. Ophüls), melodrama tendo como figura central, Evelyn Morin (Edwige Feuillère), dançarina em uma boate. Seu marido, aventureiro sem escrúpulos, abandonou-a friamente, deixando-a com um monte de dívidas e um filho de dez anos, que ela tenta educar como pode. O acaso a faz reencontrar um antigo amor, Dr. Georges Brandon (Georges Rigaud), agora um médico canadense de prestígio, ainda apaixonado, por ela. Para dissimular sua decadência, Evelyn pede dinheiro emprestado, e passa alguns dias na companhia de Brandon como uma mulher respeitável; porém, uma imprudência de seu filho a trai.  Decidida a se redimir, ela confia a guarda do filho ao generoso amigo, que retorna para o Canadá, prometendo juntar-se a eles brevemente. Depois, desaparece no nevoeiro.

Edwige Feuillère e John Lodge em De Mayerling a Sarajevo

De Mayerling a Sarajevo / De Mayerling à Sarajevo / 1940 (Prod: BUP e Eugène Tucherer. Rot: Carl Zuckmayer. Adapt: Curt Alexander, Marcelle Maurette, Jacques Natanson, André-Paul Antoine, M. Ophüls), drama histórico versando sobre um amor que terminou em tragédia. Franz Ferdinand (John Lodge) herdeiro do Império Austro-Húngaro, apaixona-se pela condessa Sophie Chotek (Edwige Feuillère). Ele já é um problema para a côrte por causa de suas idéias progressistas e esse caso de amor não é bem visto pela Corôa, que permite a união, mas impõe condições: um casamento morganático e proibição de desfrutar de quaisquer privilégios na côrte. O imperador ainda neutraliza Franz, nomeando-o inspetor geral do exército e enviando-o para longe do lar. Em junho de 1944, temendo por sua segurança, Sophie pede permissão para acompanhar Franz a Sarajevo; de acôrdo com o protocolo, nenhuma tropa do exército deve estar a serviço de Franz enquanto ela estiver presente. Um assassino ataca. Suas mortes em 28 de junho de 1914 acendem a faísca para a Primeira Guerra Mundial.

Ophüls apresenta uma visão nostálgica do fim do Império Austro-Húngaro, justapondo um romance pessoal com a história política, pois tanto a paixão do casal como os ideais avançados de Ferdinand são igualmente oprimidos pelas regras da sociedade repressora. O amor triunfa sobre a ordem e o dever, mas vem a ser derrotado pelo destino. Um bom exemplo disso, é a cena em que Sophie é barrada no salão de baile, o melhor momento do espetáculo. Tal como ocorreu em Yoshiwara, o cineasta usa a câmera com mais sobriedade mas, nesta oportunidade, teve meios para exercitar seu pendor ornamental.

 

Isa Miranda em La Signora di Tutti

No filme italiano, La Signora di Tutti / 1934 (Rot: Curt Alexander, Hans Wilhelm, M. Ophüls baseado no romance de Salvatore Gotta), após uma tentativa de suicídio, Gabriella Murge (Isa Miranda), que adotou o nome artístico de Gaby Doriat, e ficou conhecida como “la signora di tutti” por alusão ao título mais célebre de seus filmes, é transportada com urgência para um hospital. Conduzida para a sala de operação, a estrela, sob efeito da anestesia, recorda os episódios mais marcantes de sua existência; o escândalo provocado por sua beleza quando ainda era muito jovem; o acidente fatídico de Alma  (Tatyana Pavlova), a esposa paralítica de seu amante, o rico negociante Leonardo Nanni (Memo Benassi) e a falência e morte deste, depois que ela o deixou; sua ascenção no meio cinematográfico. O único homem que Gaby amou foi Roberto Nanni (Federico Benfer), filho de Leonardo, porém Roberto preferiu se casar com a irmã de Gaby, Anna (Nelly Corradi). Não encontrando mais nenhum sentido para sua existência infeliz, Gaby escolheu o suicídio. Quando a máscara de anestésico é retirada, os médicos confirmam seu falecimento.

Isa Miranda em La Signora di Tutti

Ophüls reencontra sua melhor forma neste estudo psicológico e melodramático de uma estrela de cinema que se liberta de um mundo patriarcal exacerbado e depois se torna vítima do seu rigor. Gaby vive sempre atormentada pela lembrança do comportamento de seu pai austero por ocasião do incidente ocorrido quando cantava no côro do colégio e fôra seduzida por um professor que abandonou a família, e acabou se matando. Mais tarde, ao se tornar amante do pai de seu amado, sente novamente o mesmo tormento, chegando à histeria e às alucinações (v. g. a música no fogo). Sua última decepção, leva-a forçosamente a tirar sua própria vida. No estúdio da Cines, Ophüls recobrou sua capacidade de invenção formal, recorrendo não só à sua câmera vertiginosa  (v. g.  a correria de um assistente de direção pelo estúdio; a dansa de Roberto e Gaby no baile) como também ao uso original da música (v. g. o disco rodando na vitrola, ouvindo-se uma voz feminina cantando “eu sou a senhora de todos”, uma presença simbólica da estrela enquanto seus empresários discutem sobre ela); do retrospecto (v. g. às vêzes é Gaby que se lembra do passado, outras, seu publicista narra a biografia de sua cliente); da panorâmica (v. g. Gaby remando no lago e, paralelamente, Leonardo acompanhando-a no seu carro pela estrada); da elipse (v. g. só ouvimos a voz do pai de Gaby esbravejando); do traveling (v. g. a câmera que vai e vem sobre a mesa de reunião na empresa de Leonardo); e finalmente  um maravilhoso close-up estático de Gaby quando ouve pelo telefone Roberto lhe dizendo que se casou com Anna, no qual se nota com maior evidência o excelente trabalho de interpretação de Isa Miranda. Sua Gaby é, sem dúvida, uma das figuras mais atraentes do universo feminino ophülsiano. O filme foi premiado no Festival de Veneza.

Cena de Komedie am Geld

O filme holandês, Komedie om Geld / 1936 (A Comédia do Dinheiro), com roteiro de Walter Schlee, M. Ophüls, Alex de Haas baseado em uma idéia de W. Schlee, tem início em um circo, onde o mestre de cerimônias  (Edwin Gubbins Doorenbos) narra para os espectadores uma comédia (mais uma farsa na verdade), que tem como herói um mensageiro de banco, Brand (Herman Bouber). Ele perde uma vultosa quantia de dinheiro sob sua responsabilidade (havia um furo na sua pasta) e, embora o desfalque não possa ser provado, Brand é demitido desonrosamente. As tentativas dele e de sua filha Willie (Rini Otte) para conseguir emprego falham e o pobre homem está tentado a cometer suicídio, quando acontece um milagre: os administradores do banco lhe oferecem a posição de diretor de uma sociedade imobiliária. Os magnatas da superendividada instituição de crédito pensam que Brand escondeu o dinheiro e pretendem se recapitalizar às suas custas. Brand aceita, mas posteriormente pede demissão, por se recusar a participar de operações inescrupulosas. Depois, ele por acaso recupera a quantia perdida, e imediatamente a devolve ao seu antigo empregador. Entretanto, a côrte de justiça entende que o numerário recuperado é a prova do desfalque, e o bancário é preso. Neste momento o diretor do circo intervém: “Querido público, não vamos deixar que este drama o deixe preocupado: encontraram uma testemunha a favor do bancário, e ele foi sôlto”.

Ophüls expõe com espírito satírico o lado sombrio do poder financeiro, deixando que o relato seja conduzido pelo mestre de cerimônias do circo, que interrompe o filme em alguns instantes, para se dirigir à platéia com uma canção ou um comentário. Além da crítica ao capitalismo, o diretor nos regala com as viravoltas da câmera algumas sombras expressionistas; magníficos close-ups; uma montagem paralela do conselho dos acionistas do banco que querem tomar uma decisão “radical” com o protagonista prestes a se enforcar; um pesadêlo surrealista do humilde empregado que se tornou patrão e não tem mais a consciência tranquila; e um palácio modernista filmado de todos os ângulos.

Quando a França foi ocupada pelos alemães, em 1940, Ophüls e sua família se refugiaram na Suiça, mas um problema de cidadania com o governo suiço, resultou no fim do seu projeto de filmar École des Femmes com a trupe de Louis Jouvet, e na sua expulsão do país.

Em 1941, Ophüls chega em Hollywood, após ter atravessado os Estados Unidos de automóvel com a mulher e os filhos. Os primeiros anos na “Cidade dos Sonhos” foram muito difíceis para o diretor e seus familiares. Ele vivia graças à ajuda dos amigos refugiados ou de antigos colegas de Berlim.  Ophüls ficou desempregado até 1946, quando Preston Sturges, impressionado com Liebelei, conseguiu que ele dirigisse Vendetta Vendetta para RKO; porém a filmagem foi muito conturbada,  notadamente pelas interferências constantes de Howard Hugues. Uma discordância com Hughes causou a saída de Ophüls, substituído por Preston Sturges, que foi também demitido. Stuart Heisler e Mel Ferrer ajudaram a terminar o filme, que só foi lançado em 1950.

 

 A primeira oportunidade de Ophüls sentar atrás das câmeras em Hollywood finalmente chegou com o auxílio de Robert Siodmak, que fez o que era necessário para que ele dirigisse Douglas Fairbanks, Jr. em O Exilado / The Exile / 1947, filme que o próprio ator escreveu e produziu, para ser distribuido pela Universal. Neste filme de aventura histórica, cuja ação transcorre em 1660, caçado pelos “Cabeças Redondas” de Oliver Cromwell, o rei Charles II está exilado na Holanda. Seus amigos o pressionam para retornar à Inglaterra, mas ele lhes diz que ainda é muito cedo para isso. Charles aguarda o apêlo unânime do seu povo e se esconde na estalagem de Katie (Paule Croset, outro nome artístico de Rita Corday), uma vendedora de tulipas e se coloca a seu serviço. Enquanto os homens de Cromwell, e notadamente o Coronel Ingram (Henry Daniels), pensam que ele está tramando contra o govêrno, Charles está ocupado com pintinhos, pescando ou ajudando sua hospedeira no mercado, por quem está apaixonado. Outro inglês exilado, o ator itinerante desempregado (Robert Coote), faz-se passar pelo rei, mas a visita de uma condessa francêsa (Maria Montez), que conhece o verdadeiro soberano, traz complicações. Finalmente, os “Cabeças Redondas” descobrem o paradeiro de Charles que, perseguido, trava um duelo com o Coronel Ingram (Henry Daniell), e o mata. Os partidários de Charles chegam em seu socorro. Ele volta para o seu trono, porém os deveres do cargo lhe obrigam a abandonar Katie.

Douglas Fairbanks Jr. e Maria Montez em O Exilado

Max Ophuls e Douglas Fairbanks Jr, em um intervalo de filmagem de O Exilado

Ophüls  (nos filmes americanos seu nome aparece nos créditos como Max Opuls) perde algum tempo até que o filme comece a ficar excitante, mas aos poucos a narrativa vai crescendo de intensidade, e vão surgindo bons momentos de criação cinematográfica (v. g. o primeiro beijo de Charles e Katie; o encontro na hospedaria do rei incógnito com o chefe dos “Cabeças Redondas”; o aparecimento do falso Charles II; e, principalmente, a perseguição e o duelo no moinho). O espetáculo foi fotografado em sepia por Franz Planner, o mesmo de Liebelei. Fairbanks Jr. desempenha as cenas agitadas com a destreza herdada do pai e compõe com sabedoria a personalidade daquele monarca que descobriu no destêrro a felicidade pessoal, e logo teve de esquecê-la, para se reintegrar na sua alta função.

O segundo filme americano de Ophüls, Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948, produzido por John Houseman para a Rampart Productions (fundada por William Dozier e sua então esposa Joan Fontaine) e distribuído pela Universal, é um melodrama (com roteiro de Howard Koch e M. Ophüls baseado na novela de Stefan Zweig), contando a história de um amor obsessivo e ilusório. O tema era perfeito para Ophüls e o diretor soube emprestar sobriedade à atmosfera do filme, evitando a pieguice e, com a força de seu estilo, impregná-lo de beleza plástica.

Louis Jourdan e Joan Fontaine em Carta de uma Desconhecida

Na Viena de 1900, pouco antes de participar de um duelo, do qual pretende fugir, Stefan Brand (Louis Jourdan), um pianista envelhecido e em decadência recebe uma longa carta de uma desconhecida, Lisa Berndle (Joan Fontaine), e se concentra na sua leitura. Ainda adolescente, Lisa se apaixonou por Stefan, que era seu vizinho. Um dia, sua mãe viúva (Mady Christians) anunciou que ia se casar com um comerciante de Linz, e era preciso que elas se mudassem para lá. No último minute antes de embarcar na estação ferroviária, Lisa decide voltar para casa, a fim de ver Stefan mais uma vez; porém surpreende-o com outra mulher. Aos dezoito anos de idade, um jovem tenente lhe propõe casamento porém, para espanto dele, ela responde que ficara noiva de um músico de Viena. Contrariando sua progenitora e seu padrasto, Lisa retorna para essa cidade e vai trabalhar como manequim em um  ateliê de moda. Todas as noites ela ronda a casa de Stefan e, uma vêz, ele lhe dirige a palavra. Eles passam então uma noite encantadora, jantando em um boxe recatado, “viajando” em um falso trem do parque de diversões, passeando pela cidade até que ele a conduz para o seu quarto. Algum tempo mais tarde, Stefan diz para Lisa que vai participar de um concerto em Milão por duas semanas, mas nunca mai volta. Lisa dá a luz uma criança e, quando o menino faz nove anos, ela se casa com um diplomata, Johann Staufer (Marcel Journet). Um dia, Lisa revê Stefan na Ópera, não resiste e,  contra o desejo do marido, vai procurá-lo. Stefan tenta seduzí-la como se nunca a tivesse visto, Liza compreende que ele a esquecera totalmente, e foge. Seu filho morre de tifo e ela foi atingida pelo mesmo mal. Uma nota acrescentada à carta, indica que Lisa morreu. O adversário de Stefan no duelo, Johann Staufer, chega com suas testemunhas. Stefan não foge. Ele está pronto para duelar e, sem dúvida, para morrer.

Max Ophuls e Joan Fontaine em um intervalo da filmagem de Carta de uma Desconhecida

Louis Jourdan e Joan Fontaine em Carta de uma Desconhecida

O drama nasce da incapacidade do egocêntrico Stefan enxergar o amor de Lisa e, ao mesmo tempo da ingenuidade, conjugada com um certo masoquismo, da jovem sonhadora. Inicialmente, Lisa está sempre escondida atrás de uma porta, de uma parede ou encoberta pelas sombras mas, mesmo quando fica diante de Stefan, ele não percebe o que ela sente por ele. Por outro lado, Lisa idealizou a figura de Stefan, e portanto não o conhece realmente pois, se conhecesse, saberia porque ele não se lembra dela. As consequências desse desconhecimento mútuo foram trágicas.  Lisa viveu toda a sua vida para Stefan e no final perdeu tudo por causa disso, e acabou morrendo. Ele, por sua vez, nunca compreendeu o que tinha até que era tarde demais. Quando ficou sabendo do que havia feito, entendeu que não havia mais razão para viver.

Joan Fontaine e Louis Jourdan em Carta de uma Desconhecida

Com a ajuda dos arranjos musicais de Daniele Amfitheatrof, direção de arte de Alexander Golitzen, fotografia de Franz Planner e figurinos de Travis Banton, Ophüls conduz o relato mórbido e fatalista, utilizando muito a câmera alta – sempre do alto de escadas fotogênicas – e os close-ups, além, é claro, de sua grua irriquieta, servindo-se outrossim da música erudita (Lizst, Mozart, Strauss) e dos cenários, para recriar com precisão os sentimentos dos personagens e os ambientes. Duas cenas simbólicas ficaram mais na memória dos espectadores. A primeira, é a do passeio no trem fictício do parque de diversões onde, em um vagão estático, Stefan e Lisa contemplam telões com paisagens pintadas da Suiça, que passam diante de sua janela, movidos febrilmente por um maquinista; a segunda, quando eles dançam ao som de uma valsa de Strauss, interpretada por uma orquestra de mulheres.

A carreira de Ophüls em Hollwood prossegue com mais dois filmes realizados em 1949: Coração Prisioneiro / Caught na Metro e Na Teia do Destino / The Reckless Moment na Columbia.

Robert Ryan e Barbara Bel Geddes em Coração Prisioneiro

Robert Ryan e Barbara Bel Geddes em Coração Prisioneiro

Em Coração Prisioneiro (Rot: Arthur Laurents baseado no romance “Wild Calendar” de Libbie Block), melodrama psicológico (e não filme noir como muitos o classificaram), Leonora Ames (Barbara Bel Geddes), que trabalha como garçonete, divide um modesto apartamento com sua companheira Maxine (Ruth Brady), e se matricula em uma escola de etiquêta para se tornar uma modelo e melhorar suas chances de subir na vida. Por acaso, seu caminho se cruza com o do multimilionário Smith Ohlrig (Robert Ryan). A princípio suspeitando que ela fosse uma caçadora de ouro, Ohlrig sente-se aos poucos atraído pelo seu decôro e pela sua resistência a um relacionamento ocasional. Os dois se casam e parece que os sonhos de Leonora vão se realizar, mas ela não estava preparada para a natureza fria e dominadora de seu marido. Deprimida, Leonora abandona Smith e obtém emprego como recepcionista em um consultório de dois médicos que atendem a uma clientela pobre, o pediatra Dr. Larry Quinada (James Mason) e o obstreta Dr. Hoffman (Frank Ferguson). O tempo passa, e Smith implora a Leonora que ela volte para ele. Ela retorna para a mansão, e tem uma nova desilusão. Leonora deixa seu marido mais uma vez e retoma sua função no consultório médico. Nasce então um romance entre Larry e Leonora, mas ela vai ter um filho de Smith, e este só lhe concederá o divórcio, se ficar com a guarda da criança. Leonora permanece na mansão de Smith, e passa seus dias isolada e triste. Uma noite, depois de um de seus acessos de raiva, Smith sofre um ataque cardíaco. Quando o bebê de Leonora nasce prematuramente e morre, Larry a convence de que a morte da criança a libertará de seus laços com o passado, e lhe permitirá começar uma nova vida com ele.

Ophüls limita-se a narrar fluentemente essa história com aspectos femininos – a moça pobre que procura um casamento rico e encontra um marido neurótico e autoritário – e sociais – a crítica ao sistema capitalista e aos valores burguêses – , mas  eventualmente surgem sinais do seu estilo típico como, por exemplo, na primeira aparição de Smith; na suntuosidade da decoração de sua mansão; na conversa entre Smith e Leonora no salão de bilhar; na cena em que Leonora e Larry dançam e ele a pede em casamento; e nos close-upsLarry e Smith quando este diz que é casado com Leonora. Paralelamente, a fotografia em claro-escuro de Lee Garmes ajuda o diretor a criar o clima dramático e a atmosfera opressiva do “cativeiro” de Leonora.

Em Na Teia do Destino (Rot: Henry Garson, Robert Soderberg baseado na história  “The Blank Wall” de Elisabeth Sanxay Holding publicada no Ladies Home Journal), drama criminal no seu subgênero filme noir (impuro), Lucia Harper (Joan Bennett) vive com sua família classe média em Balboa, no litoral da Califórnia. Na ausência do  marido, que viajou para Berlim, ela vai até Los Angeles procurar Ted Darby (Shepperd Strudwick), gigolô de meia-idade que está saindo com sua filha Bea (Geraldine Brooks). Darby pede dinheiro para deixar Bea e Lucia vai embora, indignada. Na mesma noite, Bea encontra-se com Darby na garagem de barcos. anexa à sua residência. Quando este admite que pediu dinheiro à sua mãe, Bea o golpeia na cabeça com uma lanterna, e foge assustada, sem saber que ele perdeu os sentidos, caiu sobre uma âncora, morrendo.  Pensando que Bea matou Darby, Lucia esconde o corpo dele em uma tentativa desesperada de proteger a família de um escândalo. É então que intervém um chantagista, Martin Donnelly (James Mason), oferecendo-lhe cartas de amor, que Bea trocara com Darby. Entretanto, Donnelly torna-se sensível à situação de sua vítima, passa a admirar Lucia e sua dedicação à família e, para ajudá-la, estrangula seu cúmplice Nagel (Roy Roberts) que, inconformado com a demora do pagamento da extorsão, fôra atormentá-la. Na sua fuga, Donnelly morre em um acidente de carro, após ter entregue as cartas de Bea para Lucia e se acusado falsamente da morte de Darby para a polícia.

James Mason e Joan Bennett em Na Teia do Destino

Joan Bennett em Na Teia do Destino

Lucia e Donnelly são protagonistas noirclássicos, oprimidos pelas circunstâncias. Lucia tem que manter a respeitabilidade de seu lar burguês e Donnelly é obrigado a praticar a chantagem que o sócio lhe impõe. Quando a simpatia por Lucia chega ao auge, Donnelly investe contra o parceiro com toda a sua angústia desesperada e obtém a redenção que tanto desejava. É bom notar que Lucia não é uma mulher fatal típica, mas uma daquelas heroínas igualmente poderosas que surgem nos filmes noirese penetram no labirinto de uma investigação e a fotografia de Burnett Guffey  – sem desprezar as sombras – dá mais preferência ao cinza do que ao preto e branco contrastado. Ophüls, sempre movimentando a câmera em panorâmicas e travelings velozes, soube evitar os escolhos melodramáticos da história e criar uma atmosfera de aflição, como na longa sequência praticamente muda, quando Lucia arrasta o cadáver de Darby pela praia até sair com a lancha, para se desfazer dele no mar.

W. S. VAN DYKE

agosto 30, 2018

Ele era um diretor típico de estúdio, técnico competente e confiável, conhecido por sua fidelidade ao orçamento e compromisso com o cronograma de trabalho. Por sua rapidez e eficiência como realizador ganhou o apelido de “One Take Woody” e seus filmes eram bem aceitos pelo público e, consequentemente, muito lucrativos.

W. S. Van Dyke

Woodbridge Strong Van Dyke II, conhecido como W. S. Van Dyke (1889 – 1943), era natural de San Diego, Califórnia, filho de Laura Winston e Woodbridge Strong Van Dyke, jovem advogado sócio do escritório de advocacia Hunsaker and Britt, e nasceu no dia seguinte da morte de seu pai aos 24 anos de idade. Mrs. Van Dyke mudou-se para San Francisco quando Woody tinha três anos de idade e aderiu à companhia de repertório Morosco Players, onde seu filho estreou no palco em um papel infantil na peça “Damon and Pythias”.

Mãe e filho continuaram atuando em companhias ambulantes, mas aos quatorze anos, Van Dyke, tendo completado seus estudos secundários, desejou entrar para uma universidade ou para uma escola de comércio. Como o dinheiro que ganhavam não era suficiente, ele resolveu ir para Seattle e viver com sua avó, até encontrar emprego fora do tablado. Alto e espantosamente forte, passava facilmente por um rapaz de dezoito anos, e assim exerceu várias atividades: empregado de um armazém, rapazinho de recados em uma estação ferroviária, vendedor de aspiradores de pó de porta em porta etc. Depois de terminar o curso de comércio, Van Dyke foi para Ashford, Washington, a fim de trabalhar em uma serraria, e lá conheceu Zina Ashford, filha do dono da única loja da cidade, que recebeu o seu nome. Após o casamento, Van Dyke reuniu-se novamente com sua mãe na companhia de repertório, e levou sua esposa com ele. Bonitão e simpático, ele interpretava os papéis principais contracenando com sua mãe, formando uma combinação inusitada, e poucas pessoas sabiam que eles eram mãe e filho, porque Mrs. Van Dyke continuara a ser anunciada como Laura Winston.

Woody, Ruth Mannix e filhos

Van Dyke chegou ao cinema por intermédio do ator Walter Long, que era amigo de sua progenitora, e o introduziu na equipe de Intolerância / Intolerance / 1916, de David Wark Griffith, primeiramente como figurante, passando depois a um dos vários segundo assistentes de direção que depois, tal como ele, se tornariam diretores (Tod Browning, Jack Conway, Allan Dwan, Victor Fleming, Sidney Franklyn, Christy Cabanne, George William Hill). Foi Van Dyke quem mostrou a Mr. Griffith como devia ser um rei babilônico, improvisando a maquilagem adequada e deixou o “Pai do Cinema” apoplético quando, ao conduzir uma biga, quase estragou a investida contra a cidade da Babilônia. Promovido a segundo assistente de direção, ele sempre dava um jeito de ficar perto do diretor, observando o que ele estava fazendo. Maravilhado com tudo o que via, convenceu-se de que havia encontrado o seu nicho. Não era o palco. Eram os filmes.

W. S. Van Dyke

Quando Griffith decidiu se dedicar a produções menos pretenciosas, teve que diminuir sua equipe, e Van Dyke estava entre os que foram dispensados; mas logo foi aproveitado como assistente de James Young, um dos diretores mais importantes do Famous Players-Lasky Studio. Young reconheceu talento no seu novo assistente e deixou que ele cuidasse de toda a sua montagem. Embora trabalhasse para Jesse L. Lasky, Van Dyke considerava Mr. Young como seu patrão, e ficou sempre perto dele, tal como fizera com Griffith. Quando Young foi para o Essanay Studios em Chicago, ele convidou Van Dyke para acompanhá-lo.

Os donos da Essanay eram o astro-cowboy “Broncho Billy” Anderson e George K. Spoor. “Broncho Billy” logo notou que Van Dyke tinha facilidade para escrever, especialmente histórias de cowboys, e o deixou inventar algumas para ele. Durante esse período na Essanay, Woody organizou a escala de trabalho das produções, tentnado colocar uma ordem, ajudando o estúdio a poupar dinheiro. Satisfeito, Spoor convidou-o para se encarregar do novo estúdio da companhia na Califórnia, para onde ele foi, acompanhado pela mãe, que já havia abandonado o teatro e aceitado um emprego na Vitagraph.

Na Essanay, Van Dyke dirigiu em 1917: The Land of the Long Shadows, The Range Boss, Open Places e Men of the Desert (todos estrelados por Jack Gardner) e Gift of Gab e Julinha Vai para o CéuSadie Goes to Heaven em 1918, o primeiro ainda com Gardner, e o segundo com Mary McAllister. Ainda em 1918, Van Dyke dirigiu ainda A Dama do EsconderijoThe Lady of the Dugout, western curiosamente estrelado por Al e Frank Jennings, os famosos ex-ladrões de banco na vida real, produzido por uma companhia fundada pelo próprio Jennings. Van Dyke fez também um short com Al Jennings intitulado Fate’s Frame-Up / 1919.

Depois dessa experiência inusitada, Woody começou a fazer seriados: O Homem de Ferro / The Hawk’s Trail / 1920 / Cia. Prod: Burston Films, com King Baggot; Vivo ou Morto / Daredevil Jack / 1920 / Cia. Prod: Pathé, com o pugilista Jack Dempsey; A Dupla Aventura / Double Adventure / 1921 / Cia. Prod: Pathé, com Charles Hutchinson; A Flecha Vingadora / The Avenging Arrow / 1921 e A Águia Branca / White Eagle / 1922, ambos também da Pathé, com Ruth Roland.

Ainda em 1922, Louis Burston percebeu que Van Dyke trabalhava mais rápido e melhor do que qualquer outro na sua equipe e o contratou para fazer dois filmes com seu astro, David Butler: o western The Milky Way (Cia. Prod: Western Pictures Exploitation Co.) e a comédia According to Hoyle. (Cia. Prod: David Butler Productions). Como resultado da qualidade do seu trabalho nestes dois filmes, Van Dyke teve a oportunidade de dirigir Não Te Esqueças de Mim / Forget Me Not / 1922, (Cia. Prod: Louis Burston Productions), história dramática de uma menina orfã, interpretada por Bessie Love. Quando Louis B. Myer, então um dos produtores independentes mais importantes da cidade, viu o filme, contratou Burston, David Butler e Van Dyke, para fazerem oito filmes, mas um acidente de automóvel tirou a vida de Burston, e Mayer cancelou o contrato, tendo em vista que, sem ele para supervisionar a produção, o estúdio não conseguiu um financiador.

Gareth Hughes e Bessie Love em Não Te Esqueças de Mim

Até ingressar na Metro-Goldwyn-Mayer, Van Dyke dirigiu 18 filmes (sendo um não creditado e por pouco tempo) para diversas companhias, entre os quais se destacam os estrelados por Buck Jones na Fox: O Novo Patrão / The Boss of Camp Four / 1922 (Fox, com Buck Jones); Diante do Perigo / You Are in Danger também conhecido como The Little Girl Next Door /1923 (Blair Coan Prod., com Pauline Starke); Anjo Exterminador / The Destroying Angel /1923 (Arthur F. Beck, Prod., com Leah Baird); The Miracle Makers / 1923 (Leah Baird Prod., com Leah Baird); Ruth, a Veloz / Ruth of The Range (Ruth Roland Serials – Pathé, seriado com Ruth Roland. Obs. O diretor Ernest C. Warde foi substituído temporariamente por Van Dyke e depois Frank Leon Smith entrou em seu lugar); Mentiras de Amor / Loving Lies / 1924 (Associated Authors, com Evelyn Brent, Monte Blue); Ladrões Terríveis / The Beautiful Sinner / 1924 (Perfection Pictures, com William Fairbanks, Eva Novak); A Força do Destino / Half a Dollar Bill / 1924 (Graf Prod., com Anna Q. Nilsson); Ou Tudo ou Nada / Winner Take All / 1924 (Fox, com Buck Jones, Peggy Shaw); Combatendo Por Quem Ama / The Battling Fool / 1924 (Perfection Pictures, William Fairbanks, Eva Novak); Corta-Vento / Gold Heels (Fox, com Robert Agnew, Peggy Shaw); O Nível do Amor / Barriers Burned Away / 1925 (Encore Pictures, com Mabel Ballin); Corações e Esporas / Hearts and Spurs / 1925 (Fox, com Buck Jones, Carole Lombard); O Estouro da Boiada / The Trail Rider /1925 (Fox, com Buck Jones); Amor Soberano / Ranger of the Big Pines / 1925 (Vitagraph, com Kenneth Harlan); O Lobo dos Montes / The Timber Wolf / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Preço do Deserto / The Desert’s Price / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Pacificador / The Gentle Cyclone / 1926 (Fox, com Buck Jones)

“Van Dyke, gostaríamos de tê-lo conosco”. “Não existe nenhum lugar no qual eu mais gostaria de estar, Mr. Mayer!” Eles se acertaram quanto ao salário, apertaram as mãos e Van Dyke disse: “Quando começo?”. “Agora mesmo”, respondeu Mayer. “Nós temos um novo astro sob contrato e depois da maneira esplêndida com que você lidou com Buck Jones, estamos convencidos de que você é o homem certo para o trabalho”. “Quem é o seu astro, Mr. Mayer?”. O astro era Tim McCoy. Assim teve início a longa carreira de Van Dyke na MGM, a companhia na qual realizou seus melhores filmes.

Nessa fase inicial, ele dirigiu o popular cowboy em 7 filmes (Surpresas de um Beijo / War Paint / 1926, com Pauline Starke; Espadas e Corações / Winners of the Wilderness / 1927, com Joan Crawford; Califórnia / Califórnia / 1927, com Dorothy Sebastian; Demônios Brancos / Foreign Devils / 1927, com Claire Windsor; Despojadores do Deserto / Spoilers of the West / 1927, com Marjorie Daw; Ódio Fraternal / Wyoming / 1928 e O AventureiroThe Adventurer / 1928, sendo que, neste último, ele substituiu, sem ser creditado, o diretor russo Viktor Tourjansky, afastado da produção por desentendimento com Irving Thalberg. No mesmo período, Van Dyke fez, ainda para a MGM: Sob a Águia Imperial / Under The Black Eagle / 1928, drama sobre um cão (Flash), que salva vidas durante a Primeira Guerra Mundial, estrelado por Ralph Forbes e Marceline Day e dois filmes para a efêmera H. C. Weaver Prod.: The Heart of the Yukon / 1927 e Olhos Felinos / The Eyes of the Totem / 1927, ambos com Anne Cornwall no elenco.

Monte Blue e Raquel Torres em Deus Branco

Filmagem de Deus Branco

Cenas de Deus Branco

Cena de Deus Branco

 

O próximo compromisso de Van Dyke foi um ponto decisivo na sua trajetória artística. Em novembro de 1927, A Metro-Goldwyn- Mayer concebeu um projeto de filme de aventura (que seria Deus Branco / White Shadows of the South Seas / 1928), introduzindo uma idéia nova: ficção, com um pano de fundo autêntico. Van Dyke desejava esta incumbência, porém o estúdio achou que a história requeria alguém que conhecesse bem as ilhas dos Mares do Sul, e trouxeram Robert Flaherty por causa de seu êxito fotografando O Homem  Perfeito / Moana of the South Seas  e Nanook do Norte / Nanook of the North.  A Van Dyke ofereceram o encargo de diretor associado, mas na divulgação do filme algum redator abreviou  a palavra “associate” e ela pareceu significar assistente. Segundo o Film Daily noticiou, “Flaherty cuidaria de todas as tomadas atmosféricas e da direção da expedição enquanto Van Dyke seria encarregado das sequências dramáticas.” Van Dyke passou três meses filmando no Tahiti, primeiramente em colaboração com o célebre documentarista, tornando-se depois  o único diretor, e durante esse tempo manteve um diário que em 1996 veio a ser publicado pela Scarecrow Press e anotado por Rudy Behlmer. O filme descrevia como a chegada do homem branco corrompeu as comunidades primitivas; daí o título . Monte Blue e Raquel Torres foram trazidos de Hollywood para os papéis principais , porém os ilhéus interpretaram a si mesmos.  A MGM decidiu adicionar música sincronizada e efeitos sonoros, e até uma palavra falada: “Hello”. Ponto alto do espetáculo  foram as imagens belíssimas que Clyde de Vinna extraiu das exóticas locações, sendo com toda justiça premiado como  o Oscar de Melhor Fotografia. O filme até hoje impressiona como uma fusão muito bem executada de drama, travelogue e ilustração romântica dos usos e costumes dos Mares do Sul.

No outono de 1928, Van Dyke estava de novo nos Mares do Sul, desta vez para filmar O Pagão / The Pagan / 1929, filme mudo com sequências musicadas sincronizadas pelo processo Movietone, apresentando um tema musical, “The Pagan Love Song”, que se popularizou por toda a nação.

Doroty Janis e Ramon Novarro em O Pagão.

Renne Adoree e Ramon Novarro em O Pagão

A equipe técnica era quase a mesma de Deus Branco, incluindo o fotógrafo Clyde De Vinna, e nos papéis principais estavam Ramon Novarro, Renee Adoree, Dorothy Janis, e Donald Crisp. Conjugando romance com o esplendor visual do ambiente paradisíaco a trama focaliza um mestiço, Henry Shoesmith, Jr. (Ramon Novarro), filho de um branco com uma nativa, que herdou um armazém e uma fazenda, mas está mais interessado em absorver as belezas naturais do que administrar seu negócio. Quando se apaixona por Tito (Dorothy Janis), jovem polinésia, também mestiça, Henry incorre na ira de um comerciante branco brutal, Roger Slater (Donald Crisp), que se diz guardião da moça, e acha que é seu “dever Cristão” civilizá-la, mas também a deseja. Renee Adoree faz o papel de uma prostituta de bom coração que gosta de Henry. No Brasil o filme foi ansiosamente aguardado pelo público graças a imensa propaganda que lhe dispensaram e a curiosidade de ouvir Ramon cantando, daí resultando um êxito retumbante, o qual aliás, ocorreu no mundo inteiro.

Cena de Trader Horn

Van Dyke na filmagem de Trader Horn

Harry Carey, Duncan Renaldo e Edwina Booth em Trader Horn

Cena de Trader Horn

Trader Horn / Trader Horn / 1931 clássico filme de aventuras na África, rodado em locação, sob árduas condições, foi outro tremendo sucesso de bilheteria mundial. Foram contratados Harry Carey para ser Trader Horn, Duncan Renaldo, Little Peru, e Edwina Booth, Nina T. a “Deusa Branca”. Van Dyke disse-lhes francamente sobre os perigos que teriam que enfrentar, e perguntou se ainda desejavam ir. Todos concordaram. Edwina contraiu febre tropical e nunca se recuperou totalmente, abrindo um rumoroso caso judicial contra a MGM. Insatisfeito com o copião apresentado por Van Dyke, o chefe de produção da MGM, Irving Thalberg mandou refazer algumas cenas e adicionou outras filmadas em estúdio e no México. Sua persistência valeu, pois, além da boa rentabilidade, o filme foi indicado para o Oscar.]

Leslie Howard e Conchita Montenegro em Delírio de Amor

Lionel Barrymore e Kay Francis em Mãos Culpadas

Lawrence Tibbett e Lupe Velez em Melodia Cubana

Ainda em 1931, Dyke fez três filmes mais modestos, porém interessantes: Delírio de Amor / Never the Twain Shall Meet, Mãos Culpadas / Guilty Hands e Melodia Cubana / Cuban Love Song. O primeiro, é um drama romântico no qual Conchita Montenegro é Tamea, a quase selvagem nativa de uma ilha da Polinésia, filha de um dos capitães dos navios de Dan Pritchard (Leslie Howard) que, ao morrer, a deixara sob a proteção do rico armador. Apesar de ser noivo de Maisie (Karen Morley), Dan se apaixona por Tamea, e vai viver com ela na ilha, mas se decepciona devido às diferenças culturais. O título original do filme é uma frase do poema de Rudyard Kipling, “East is east and west is west, and never the twain shall meet”, sempre citado como um exemplo das atitudes de Kipling em relação a raça e império. O segundo filme é um drama criminal no qual Lionel Barrymore interpreta um advogado, Richard Grant que, como ele diz para uns amigos logo no início da narrativa, entende que há casos nos quais o assassinato é justificado – e que é possível cometê-lo, sem ser descoberto. Ao saber que um cliente seu, Gordon Rich (Alan Mowbray), está seduzindo sua filha inocente, Barbara (Madge Evans), ele o mata, e depois ameaça incriminar Marjorie West (Kay Francis), sua amante de longa data, tudo terminando com um final surpreendente. O terceiro filme, é um musical romântico que conta a história de um fuzileiro naval, Terry (o barítono Lawrence Tibbett) que se apaixona por uma vendedora de amendoim, Nenita (Lupe Velez) em Havana. Ele vai lutar na França durante a Primeira Guerra Mundial, retorna ferido para o seu país e se casa com sua antiga namorada, Crystal (Karen Morley). Passam-se os anos, ele se lembra de Nenita, vai procurá-la em Havana, mas fica sabendo que ela faleceu, e lhe deixara um filho. Quando volta para casa é recebido por Crystal, que quer continuar a ser sua esposa e mãe de Terry Jr. Jimmy Durante e Ernest Torrence são os companheiros de Terry e se ocupam dos momentos cômicos.

Johnny Weissmuller e Maureen O’Sullivan em Tarzan, o Filho das Selvas

Maureen O’Sullivan e Johnny Weissmuller em Tarzan, o Filho das Selvas

Cena de Tarzan, o Filho das Selvas

A MGM não sabia o que fazer com as tomadas que haviam sobrado de sua produção, Trader Horn, quando surgiu a idéia de aproveitá-las em um filme de Tarzan. Escolhido para dirigir o primeiro exemplar da série, Van Dyke começou a procurar o ator ideal para o Rei das Selvas e, afinal, escolheu o campeão olímpico Johnny Weissmuller. Johnny foi o intérprete mais popular do personagem de Edgar Rice Burroughs, estrelando 12 filmes, sendo seis da MGM ao lado de Maureen O’ Sullivan. A de Van Dyke, Tarzan, o Filho das Selvas / Tarzan the Ape Man / 1932 e a segunda, A Companheira de Tarzan / Tarzan and His Mate / 1934, dirigida por Cedrick Gibbons e Jack Conway, são consideradas as melhores, não só pelos cuidados de produção como pelo erotismo, surpreendente para a época. A partir de 1934, o Código Hays obrigou Jane a vestir trajes menos sumários. Por seu charme absoluto (sem esquecer as macaquices de Cheeta) a série desafiou o tempo.

Depois de Tarzan, O Filho das Selvas, vieram: Injustiça / Night Court / 1932; Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933; O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933; Esquimó / Eskimo / 1933; Amor Selvagem / Laughing Boy / 1934; Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, uns melhores do que outros, mas todos – com exceção de um – cativantes.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Injustiça, drama criminal eficaz sobre um magistrado corrupto (Walter Huston) que, não obstante a vigilância de um colega honrado (Lewis Stone), persegue um chofer de taxi (Phillips Holmes) e sua esposa (Anita Page), achando que eles têm a posse de um documento, comprovando seus malfeitos, e chega até a condenar a jovem inocente à prisão. O anúncio do filme no Brasil dizia: “Uma mulher atirada à lama da desonra pela própria Justiça”.

Myrna Loy e Warner Baxter em Pela Vida de Um Homem

Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933, agradável mistura de filme de gangster com comédia (emoldurada pela cenografia suntuosa de Cedric Gibbons), tendo Warner Baxter como Jackson Durant, um advogado criminal que recorre a uma garota de programa muito esperta Gertie Waxted (Myrna Loy) para expor as atividades de um chefão do crime (C. Henry Gordon). “Esta garota vai ser uma grande estrela”, declarou Van Dyke sobre Myrna Loy, que até então vinha desempenhando somente pequenos papéis exóticos. O próprio diretor se encarregou de concretizar a sua predicão escolhendo Myrna para formar a dupla famosa de A Ceia dos Acusados / The Thin Man, realizado no ano seguinte. Van Dyke dirigiu-a em um total de oito filmes.

Walter Huston e Max Baer em O Pugiiista e a Favorita

O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933, comédia romântica   divertida – sobre uma artista de boate Belle Mercer Morgan (Myrna Loy), que conquista o coração de um pugilista Steve Morgan (Max Baer) -, cujo climax é um combate (de mentirinha) entre o personagem de Baer e Primo Carnera. A filmagem desta cena foi um acontecimento no set, uma vez que Baer e Carnera disputavam na vida real o título de campeão de peso pesado. O ex-campeão Jack Dempsey era outra atração no papel do árbitro e Walter Huston era o empresário de Steve. Frances Marion ganhou uma indicação para o Oscar de Melhor História Original. Durante a realização de O Pugilista e a Favorita, Van Dyke foi apresentado a Ruth Mannix, sobrinha de Eddie Mannix, alto executivo da MGM e mais tarde gerente do estúdio. Após obter o divórcio de sua esposa Zina em janeiro de 1935 (por deserção pois ela o deixara em 1923), ele se casou com Ruth em fevereiro do mesmo ano em Nova Orleans. Eles tiveram três filhos: Barbara, Woodbridge III e Winston.

Cena de Esquimó

Cena de Esquimó

Esquimó / Eskimo / 1933, docudrama antropológico sobre um caçador esquimó Mala (interpretado por um nativo do norte do Alasca) procurado pela policia por ter matado o comerciante branco, que estuprou sua mulher. Após ter ido aos Mares do Sul para filmar Deus Branco e à África para filmar Trader Horn, Van Dyke dirigiu-se ao Ártico, onde filmou (com a ajuda inestimável de Clyde De Vinna e seus assistentes), as belas paisagens eternamente brancas, cenas da vida selvagem mostrando caçadas de morsas e baleias, milhares de renas em disparada, curiosidades do modus vivendi dos esquimós. Os nativos falam em língua esquimó, traduzida com legendas. Van Dyke aparece como um guarda da Polícia Montada do Canadá e Conrad Nervig arrebatou o Oscar de Melhor Montagem.

Lupe Velez e Ramon Novarro em Amor Selvagem

Amor Selvagem / Laughing Boy /1934, drama romântico em ambiente de western, girando em torno de um índio Navajo, Laughing Boy (Ramon Novarro), que, contra o desejo de sua família, casa-se com uma índia, Slim Girl (Lupe Velez), de moral questionável, devido ao contato com o homem branco, e tratada como uma desterrada. Slim tenta se comportar como uma boa esposa indígena, mas retorna aos maus costumes, ocasionando uma tragédia. Ao surpreendê-la com um amante, Laughing Boy desfecha uma flecha contra ele, porém atinge Slim Girl pelas costas. Ao morrer em seus braços, Slim pede perdão a Laughing Boy, e promete esperá-lo no Paraíso. O filme é moroso e Ramon (com uma peruca horrível) soa falso como índio, ainda mais trabalhando ao lado de índios navajos verdadeiros. Tanto ele como Lupe foram desastradamente escolhidos para interpretar seus personagens. O diretor tentou dar autenticidade ao relato inserindo tomadas de fundo projetado e acelerando as cenas de luta, mas isso só serviu para distrair a atenção do espectador. Incomodada com a interferência do Código Hays, a MGM lançou o filme discretamente. Ele foi desprezado pelos críticos e resultou em um fracasso de bilheteria. Foi logo depois desse fiasco que Ramon veio ao Brasil, apresentando-se com sucesso ao lado de sua irmã bailarina, Carmencita Samaniego,  no palco do Palácio-Theatro e arrebatando o público ao cantar em português, “Se a Lua Contasse” de Custódio Mesquita, já conhecida pela voz de Aurora Miranda.

Clark Gable e william Powell em Vencido pela Lei

Van Dyke dirige Vencido pela Lei

Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, drama criminal focalizando dois amigos de infância que seguem caminhos diferentes na vida. Jim Wade (William Powell), promotor público, tem de acusar Blackie Gallaghan (Clark Gable), que se tornara um delinquente e matara um bandido, para salvar a vida de Jim. Eleanor (Myrna Loy) começa como amante de Gable, mas depois se apaixona por Powell. A história original sensibilizou os membros da Academia rendendo um Oscar a seu autor Arthur Caesar. Bem preparada pelos roteiristas Joseph L. Mankiewicz e Oliver Garrett e conduzida fluentemente por Van Dyke, caiu também no gôsto do público. O filme adquiriu fama ainda por outro motivo: John Dillinger acabara de assistí-lo, quando foi morto pelos agentes do FBI, ao sair do cinema.

Myrna Loy, Asta e William Powell em A Ceia dos Acusados

Myrna Loy e William Powell em A Ceia dos Acusados

Filmagem de A Comédia dos Acusados

Baseado no romance de Dashiel Hammett, A Ceia dos Acusados / The Thin Man / 1934 mistura comédia sofisticada com policial de mistério e lança o mais charmoso casal de detetives de Hollywood, Nick e Nora Charles , saborosamente interpretados por William Powell e Myrna Loy. Van Duke, talvez inspirado pelo espirituoso e bem elaborado roteiro adaptado da obra de Dashiel Hammett elaborado por Albert Hackett e Francis Goodrich, improvisou bastante durante as filmagens, que levaram apenas 16 dias para serem feitas, fato raro na produção classe “A”. O filme foi indicado para o Oscar, o mesmo ocorrendo com Van Dyke, William Powell, Hackett e Goodrich e, de 1936 a 1947, o estúdio MGM realizou uma série de mais cinco exemplares (três dos quais também sob a direção de Van Dyke: A Comédia dos Acusados / After the Thin Man / 1936, O Hotel dos Acusados / Another Thin Man / 1939 e A Sombra dos Acusados / Shadow of the Thin Man / 1941) com os mesmos personagens, os mesmos predicados de um bom passatempo, e o cãozinho Asta, uma atração à parte.

Robert Montgomery, Joan Crawford e Clark Gable em Quando o Diabo Atiça

Depois de A Ceia dos Acusados, Van Dyke realizou outros dois bons entretenimentos: Amor Que Regenera / Hide-Out / 1934 e Quando o Diabo Atiça / Forsaking All Others / 1934. No primeiro filme, um gângster “Lucky” Wilson (Robert Montgomery) é ferido ao fugir da polícia e vaiesconder em uma propriedade rural. Alí ele se apaixona pela filha do fazendeiro, Pauline (Maureen O’Sullivan), e diante dos exemplos positivos das pessoas boas que a cercam, adota seus valores, regenerando-se. No segundo filme, Jeff Williams (Clark Gable) retorna do exterior a fim de propor casamento à socialite Mary Clay (Joan Crawford), a quem amava secretamente desde a infância, sem saber que Mary concordou em se casar com Dillon Todd (Robert Montgomery), por quem ela era apaixonada desde criança. Estes três grandes astros da MGM formam o triângulo amoroso nesta comédia romântica cujo roteiro, escrito por Joseph L. Mankiewicz, surpreende pela quantidade de cenas pastelão. Até Joan Crawford em certo ponto do relato se vê fazendo acrobacia em uma bicicleta, para acabar caindo em um chiqueiro. Van Dyke conseguiu que o filme alcançasse a sua finalidade: simplesmente divertir.

Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em Oh, Marieta!

O ano de 1935 marcou o encontro de Van Dyke com a soprano Jeanette MacDonald e o barítono Nelson Eddy. A opereta Oh, Marieta! / Naughty Marietta / 1935,e passada a maior parte na Lousiana dos tempos coloniais, reúne pela primeira vez na tela a dupla famosa. Com roteiro agradável de John Lee Mahin, Frances Goodrich e Albert Hackett, score de Victor Herbert, do qual sobressai “Ah, Sweet Mystery of Life”, e direção competente de Van Dyke, a realização agradou em cheio o público, tendo sido escolhida para concorrer ao Oscar.

Jeanette MacDonald e NelsonEddy em Rose Marie

Era inevitável que a combinação de Jeanette MacDonald e Nelson Eddy tivesse que ser repetida tal como havia sido o caso de William Powell e Myrna Loy depois de A Ceia dos Acusados. Van Dyke dirigiu mais quatro filmes com eles – Rose Marie / Rose Marie /1936, Cancão de Amor / Sweethearts / 1938 Divino Tormento / Bitter Sweet / 1940 e Casei-me Com um Anjo / I Married an Angel / 1942 -, todos mantendo o mesmo nível artístico, e outros diretores se encarregaram dos demais.

Van Dyke, Nelson Eddy e Jeanette MacDonald conversam durante a filmagem de Canção de Amor

Entre os anos de 1935 até o final de sua carreira cinematográfica o prolífico Van Dyke incumbiu-se de mais 17 filmes, além dos já citados: Só Assim Quero Viver / I Live My Life / 1935 (comédia sofisticada com Joan Crawford e Brian Aherne); Cidade do Pecado / San Francisco / 1936; A Mulher do Meu Irmão / His Brother’s Wife / 1936 (drama romântico com Barbara Stanwyck e Robert Taylor; O Diabo é um Poltrão / The Devil is a Sissy / 1936 (comédia dramática com Freddie Bartholomew, Jackie Cooper e Mickey Rooney); Do Amor Ninguém Foge / Love on the Run / 1936 (comédia romântica com Joan Crawford, Clark Gable e Franchot Tone); Seu Criado, Obrigado / Personal Property / 1937 (comédia romântica com Jean Harlow e Robert Taylor); O Mundo Ensinou-me a Matar / They Gave Him a Gun / 1937 (drama criminal com Spencer Tracy, Franchot Tone e Gladys George); Rosalie / Rosalie / 1937 (adaptação de um musical da Broadway, renovado pelas canções de Cole Porter, com Nelson Eddy e Eleanor Powel) ; Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938; O Amor de um Espia / Stand Up and Fight / 1939 (drama histórico com Robert Taylor, Wallace Beery e Florence Rice);

Que Mundo Maravilhoso! / It’s a Wonderful World / 1939 (screwball comedy com Claudette Colbert e James Stewart); Andy Hardy é o Tal / Andy Hardy Gets Spring Fever / 1939 (comédia romântica da série Andy Hardy com Mickey Rooney, Lewis Stone e Ann Rutherford); A Mulher Que Eu Quero / I Take This Woman / 1940 (drama com Spencer Tracy e Hedy Lamarr); Nem Só Os Pombos Arrulham / I Love You Again / 1940 (comédia screwball com William Powell e Myrna Loy); Fúria no Céu / Rage in Heaven / 1941 (thriller psicológico com Robert Montgomery, Ingrid Bergman e George Sanders); Ciúme Não é Pecado / The Feminine Touch (comédia com Rosalind Russell, Dom Ameche e Kay Francis); Seu Grande Triunfo / Dr. Kildare ‘s Victory /1942 (drama criminal da série Dr. Kildare com Lew Ayres e Lionel Barrymore); Cairo / Cairo / 1942 (comédia-dramática com Jeanette MacDonald e Robert Young) e Sublime Alvorada / Journey for Margaret (drama passado durante a Segunda Guerra Mundial com Robert Young, Laraine Day e Margaret O’Brien).

Entre esses 17 filmes não há nenhum ruim, merecendo todos uma cotação entre regular e bom, com exceção de Cidade do Pecado e Maria Antonieta, que se destacam com uma melhor avaliação.

Clark Gable e Spencer Tracy em Cidade do Pecado

D.W. Griffith e W.S.Van Dyke na filmagem de Cidade do Pecado


Clark Gable, Jack Holt, Spencer Tracy e Jeanette MacDonald em Cidade do Pecado

A MGM gastou cerca de um milhão de dólares na produção de Cidade do Pecado, adaptação feita por Anita Loos da história de Robert Hopkins, cujo climax é a espetacular recriação do terremoto que devastou San Francisco em 1906, sequência com efeitos especiais a cargo de James Basevi e seus colaboradores, entre eles, no montage, Slavo Vorkapich. Blackie Norton (Clark Gable) é o dono de um cabaré em Barbary Coast e o Padre Tim Mullin (Spencer Tracy), seu amigo de infância. Ambos, cada um por motivos diferentes, se preocupam com Mary Blake (Jeanettte MacDonald), cantora cortejada por outro empresário Jack Burley (Jack Holt). Indicado para o Oscar, o filme faturou quatro milhões de dólares. Van Dyke, Spencer Tracy, Robert Hopkin e Joseph Newman (como assistente de diretor) também receberam indicações. Quando Van Dyke soube que David Wark Griffith ia visitar o seu set, ele mandou colocar o nome dele em uma cadeira de diretor: como gesto de seu profundo respeito pelo mestre, entregou-lhe a direção de uma das cenas do terremoto, e se colocou atrás dele ao fundo, observando-o.

Tyrone Power e Norma Shearer em Maria Antonieta

Van Dyke, Norma Shearer e Tyrone Power no intervalo de filmagem de Maria Antonieta

Retornando às telas depois de ficar afastada dois anos por causa da morte do marido, Irving Thalberg, Norma Shearer encabeçou o elenco de Maria Antonieta produção magnificente baseada na biografia de Stefan Zweig, que já vinha sendo planejada desde 1933. Para formar o par romântico, a MGM foi buscar Tyrone Power (Conde Fersen) na Fox e, para representar Luis XVI, depois de cogitado Charles Laughton, trouxe Robert Morley da Inglaterra. Depois de Norma Shearer (indicada para o Oscar) é Robert Morley (também indicado) quem marca melhor a presença, seguido por John Barrymore no pitoresco Louis XV. O diretor de arte Cedric Gibbons foi outro indicado para a estatueta da Academia. Às vésperas do primeiro dia de filmagem, Louis B. Mayer e o produtor Hunt Stromberg resolveram substituir o diretor Sidney Franklin pelo rápido Van Dyke.

Robert Morley e Norma Shearer em Maria Antonieta

Além de sua capacidade profissional, o cineasta ficou conhecido por ter empregado atores que estavam sem trabalho e em dificuldades. Ele também atuou anônimamente, refilmando cenas de filmes de outros diretores, com as quais o estúdio não estava satifeito (v. g. em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937) ou, alternativamente, filmando cenas adicionais julgadas necessárias para uma boa continuidade.

Diagnosticado com câncer e um sério problema cardíaco no início dos anos 40, sendo um Cientista Cristão convicto, Van Dyke se recusou a se submeter a qualquer tratamento médico de suas doenças. Sua saúde deteriorou-se muito em 1943, e ele cometeu suicídio em 5 de fevereiro do mesmo ano. Tinha 53 anos de idade.

O PERIGO DE IR AO CINEMA NA AMÉRICA

agosto 16, 2018

Durante os primeiros cinquenta anos do Cinema Americano o ato de ir ao cinema era um processo arriscado, cheio de perigos físicos e morais. Os incêndios de filmes eram inúmeros, ceifando muitas vidas assim como os assaltos a cinemas, que se tornaram particularmente comuns durante a Grande Depressão. Disputas trabalhistas provocavam a explosão de bombas nos cinemas enquanto que assassinos, prostitutas e molestadores exerciam suas atividades nas salas escuras. Isso sem falar da propagação de doenças, tanto reais (v. g. gripe) como imaginárias (v. g. fadiga ocular), devido a locais de exibição sanitariamente precários e mal ventilados.

Os espectadores ainda se confrontavam com um conjunto de perigos morais combatidos por Leis Puritanas que proibiam exibição de filmes aos domingos. Prêmios e loterias nos palcos dos cinemas eram outro problema, condenados por políticos e clérigos por serem considerados um jogo imoral.

Em inúmeras ocasiões, ocorreram desabamentos do teto ou o elevado número de pessoas na sala de espera fez o assoalho desmoronar. Em outras vezes, os espectadores causavam distúrbios durante a projeção do filme, fazendo barulho, gritando palavras obcenas, jogando objetos contra a tela ou em outros membros da platéia, brigando entre si ou vandalizando o cinema. O pânico provocado por um alarme falso de incêndio ou um simples cheiro de fumaça também era um transtorno.

Fiquei ao par de tudo isto ao ler “The Perils of Moviegoing in America: 1896-1950” de Gary D. Rhodes (Continuum Press, 2012), pesquisa profunda, original e inédita sobre a prática de assistir filmes nas primeiras décadas do cinema. O autor, professor com doutorado da Queen’s University de Belfast, Irlanda do Norte, consultou centenas de jornais, revistas especializadas e outros documentos, e organizou seu livro em sete capítulos, cada qual abordando um perigo associado com o assunto tratado.

No primeiro capítulo, Rhodes investiga os inúmeros incêndios relacionados com a projeção de filmes que ocorreram entre 1897 e 1950, verdadeira praga nos primeiros tempos do novo invento, provocados por luzes muito quentes e próximas de materiais inflamáveis, como o celulóide em cabines de projeção improvisadas dentro de edifícios destinados a outros propósitos que o de exibir filmes – quando o filme de nitrato pegava fogo, ele queimava rapidamente, pois seu grau de combustão era 15 vezes maior que o da madeira, em parte porque gerava o seu próprio oxigênio.

Gary D. Rhodes

Rhodes cita vários incêndios ocorridos em diversas cidades dos Estados Unidos como, por exemplo, um ocorrido na cidade de Seneca Falls em 1889, quando as chamas do projetor incendiaram as cortinas e, durante o pânico, uma mulher deixou cair seu filhinho ao desmaiar; felizmente um fazendeiro conseguiu retornar pelo meio da multidão a fim de salvar a criança. Outro acidente mais dramático relatado por Rhodes, aconteceu em Lockport, Nova York em 1907. Albert Phillips, um projecionista de 21 anos do Arcana Theatre liderou o combate ao fogo que saiu de uma lâmpada que estava colocada diretamente sobre o seu projetor. Ajudado por duas pessoas da platéia, ele calmamente encaminhou as pessoas para a saída do cinema. Em consequência, todos escaparam ilesos. Todos menos Phillips. Mesmo quando suas roupas já estavam pegando fogo, ele permaneceu no recinto em um esforço inútil para extinguir as chamas com suas próprias mãos. Quando os bombeiros entraram na cabine de projeção, encontraram seu corpo carbonizado ao lado do projetor.

Incêndios criminosos também causaram muitos danos. Após alguns deles, bombeiros encontravam sinais como latas de gasolina entre os destroços mas geralmente tinham muita dificuldade em identificar os culpados. A sociedade secreta Mão Negra foi supostamente responsável por um incêndio em um cinema em Nova York. Um fato nada surpreendente foi a descoberta de que alguns incendiários mal intencionados eram exibidores que necessitavam do dinheiro do seguro.

Cinema Lyric

Muitos empregados dos cinemas ajudaram a fazer parar o pânico. Quando o barulho de uma tempestade levou uma jovem a gritar, “Fogo!”, em Hartford, Connecticut em 1911, um projecionista escreveu às pressas em um slide e exibiu na tela a mensagem: “Não corram para fora. Somente os pecadores têm medo de trovão”. Músicos que trabalhavam em cinemas obtiveram muito sucesso em interromper o pânico. No Cinema Lyric em Wheeling, West Virginia no mesmo ano de 1911, uma pianista de 13 anos de idade, Amy Harris gritou para a platéia “Permaneçam sentados”, e tocou uma marcha excitante, para impedir a fuga precipitada dos espectadores. Esses são apenas alguns exemplos do que Rhodes relata no seu magnífico livro.

No segundo capítulo, ele examina os roubos, centenas dos quais ocorreram entre os primórdios do cinema até os anos 40. Excluídos os bancos, poucos estabelecimentos – especialmente em tempos de dificuldades econômicas como o da Grande Depressão – tinham normalmente mais dinheiro à mão do que os cinemas. E ao contrário dos bancos, eles raramente contavam com guardas de segurança. Os roubos em cinemas eram em geral de diferentes categorias. Quando os nickelodeons começaram a proliferar, os batedores de carteira roubavam os espectadores enquanto eles aguardavam na fila, na sala de espera, no banheiro ou enquanto assistiam o filme. Mais tarde, com o advento do filme de longa-metragem, os ladrões começaram a roubar as receitas da bilheteria. Alguns esperavam que os cinemas fechassem, arrombando cofres. Outros assaltavam cinemas durante as suas horas de operação, frequentemente ameaçando as pessoas com armas de fogo. Alguns batedores de carteira eram muito inventivos. Rhodes cita um caso ocorrido em um cinema de Nova York em 1923, quando um deles jogou pimenta malagueta no homem sentado ao seu lado. Assim que o homem começou a espirrar, o ladrão meteu a mão no seu bolso e levou dez dólares.

North Center Theater

Bandidos inteligentes perceberam que podiam roubar o dinheiro de um cinema sem estar dentro dele. Em 1926, dois ladrões sequestraram o tesoureiro do North Center Theater em Chicago, obrigando-o a entrar no cinema e abrir o seu cofre. Um dos sequestros mais lucrativos ocorreu em Kansas City. Os ladrões prenderam a esposa de um gerente de cinema em 1930 até que o marido lhes entregasse oito mil dólares. Ele fez tudo o que lhe mandaram e os malfeitores libertaram sua mulher sem um arranhão.

Porém o negócio de roubar cinemas foi se tornando mais perigoso. Em 1929, oito bandidos roubaram o Fox Folly no Brooklyn durante a exibição de um filme. A polícia chegou e houve um tiroteiro. Em 1929, em Mansfield, Ohio, dois homens armados disfarçados de mulher penetraram na sala do gerente Edward Rafter. Apesar das ameaças, ele se recusou a abrir o cofre e se agarrou a um dos bandidos. O pistoleiro desfechou quatro tiros, três dos quais atingiram Rafter. A dupla fugiu sem levar nada, deixando um Rafter ensaguentado, murmurando: “Eu fiz o que pude, fiz o que pude”. Ele morreu alguns dias depois no hospital.

Assalto e tiroteio no Hollywood Boulevard

Rhodes encerra o segundo capítulo relatando três estudos de caso sobre roubos de cinemas, um dos quais relativo ao do Grauman Chinese Theatre no dia 15 de julho de 1929, com perseguição e troca de tiros entre um policial e os assaltantes pelo Hollywood Boulevard.

O terceiro capítulo explora o problema do contágio e doença nos nickelodeons. Nos primeiros tempos da exibição cinematográfica na América, muitos especialistas argumentavam que a experiência de ver filmes poderia ser perigosa, causando por exemplo uma “fraqueza dos nervos”. Em Nova York, uma mulher assistia uma exibição de The Forest Ranger (Essanay, 1910). Quando os índios na tela escalpelaram suas vítimas, a mulher deu um grito e caiu da sua poltrona, deixando seu bebê cair também. Acendendo as luzes da sala de projeção, a administração se deparou com a mulher se convulsionando, supostamente induzida pelo filme. O bebê não sofreu nada, mas a mulher teve que ser conduzida para um hospital próximo, onde as convulsões continuaram. Os médicos informaram ao The New York Times que ela estava quase morta.

Outra idéia era a de que ver muitos filmes afetava a visão, causando fadiga ocular, que ganhou um novo nome em 1908: “Picturitis”. Um estudo mais condenatório foi feito por Ernest A. Dench o qual declarou que ver filmes por muito tempo era um “mal” para os olhos e contou a historia de uma jovem que teve problemas de retina danificada pela visão de filmes tremeluzentes. O optometrista aconselhou-a a não ver filmes de novo, senão “a paralisia do nervo ótico poderia ocorrer”. O medo contínuo da “Picturitis” levou a uma variedade de novas invenções, para tentar eliminar o tremor das imagens na tela, tais como o Vanoscope ou a Glifograph Screen. Aos poucos, o medo foi desaparecendo. Houve um pequeno retorno dele, quando os estúdios lançaram o programa duplo, porém logo ninguém mais tocou no assunto.

Havia também o temor de apanhar doenças contagiosas dentro dos nickelodeons, que eram insalubres e abafados. Vários produtos emergiram nos anos 10 para ajudar a melhorar esse ambiente desde desinfetantes a perfumes desodorizantes, destacando-se os sistemas de ventilação à base de ozônio. Entre as doenças possíveis de contágio estavam, varíola, escarlatina, difteria, coqueluche, poliomielite e a gripe.

Antes do final de outubro de 1918 (quando a Gripe Espanhola, pandemia do virus influenza que se espalhou por quase toda parte do mundo), o U. S. Surgeon General anunciou que os cinemas e outros prédios públicos deveriam ser fechados em toda a comunidade americana, embora alguns médicos achassem que isto não fosse necessário. Alguns estados interromperam a exibição de filmes dentro de suas fronteiras e, nas cidades onde os cinemas puderam continuar abertos, as receitas de bilheteria cairam tanto que alguns exibidores acharam melhor fechar suas portas voluntariamente. No início de 1919, a epidemia de gripe se dissipou, mas outras ocorreram durante os anos vinte embora o número de cinemas fechados fosse diminuindo na medida em que o tempo passava.

Porém o debate sobre como ventilar os cinemas tomou novo vigor, surgindo vários sistemas fabricados por companhias como a Typhoon e Arctic Nu-Air. O método preferido durante o referido decênio foi o ”Mushroom Ventilation”, que utilizava túneis sob o cinema para soltar ar através de orifícios no auditório. Nos meados da década, uma quantidade de cinemas havia instalado ar condicionado e, por volta de 1932, aproximadamente 300 cinemas dos Estados Unidos já tinham feito o mesmo.

O capítulo quarto cobre as centenas de bombas que detonaram durante a projeção de filmes entre 1912 e 1941. Durante os anos vinte, o State, tornou-se o mais famoso palácio do cinema de Hammond, Indiana. Uma noite, em novembro de 1927, várias bombas explodiram, transformando a sua bela e ornamentada arquitetura em um monte de destroços. Meses se passaram até a polícia prender dois homens em março de 1928. Um deles assinou uma confissão, revelando que se tratava de um golpe do magnata William Kleiheg para entrar com um pedido de indenização junto a companhia seguradora. Kleiheg pagou 2.500 dólares ao projecionista Joseph Million para colocar as bombas.

Cinema Hammond destruído

Outras foram usadas por motivo de vendeta entre donos de cinema concorrentes ou por mera intenção de pregar uma peça em alguém e criar um caos, sendo usadas, nesses casos, bombas de mau cheiro. Entretanto, a maioria delas jogadas em cinemas não foram resultado de vinganças ou travessuras. A maior parte foi fruto de disputas entre os sindicatos e as administrações dos cinemas. As razões dessas disputas variaram através dos anos. Por exemplo, com o advento do cinema falado no final dos anos vinte muitos donos de cinema decidiram despedir os músicos de suas orquestras. Como consequência, músicos sindicalizados coordenaram ataques com bombas a esses cinemas.

Porém os projecionistas (ou “operadores” como eram mais comumente chamados) preocupavam mais os administradores dos cinemas do que qualquer outra espécie de empregado. Embora os sindicatos desaprovassem formalmente suas ações, eles foram responsáveis pela maioria dos ataques, pois viam como ininigo os mesmos cinemas que empregavam operadores não sindicalizados ou que empregavam membros de um sindicato rival. Algumas vezes eles coordenaram várias explosões no mesmo dia. Em abril de 1934, bombardeadores em Pittsburgh, colocaram dinamite em quatro cinemas para explodirem na mesma manhã. No mesmo ano, em New England, atentados abalaram quatro cinemas em três diferentes cidades em uma mesma noite.

Cinema Mayfair

Durante a Grande Depressão, cinemas de Nova York também sofreram ataques de bombas. Dois cinemas da cadeia Loew foram atingidos em 1932. Quatrocentos espectadores sairam correndo do Cinema Mayfair após a explosão de bombas de mau cheiro em 1934. Em fevereiro de 1937 bombas de gás explodiram simultaneamente em seis cinemas na área da Broadway. Cada qual estava com a lotação quase completa o que significa que aproximadamente 6 mil espectadores tiveram que escapar do gás. Na tarde de 12 de setembro de 1937, Manhattan e o Bronx experimentaram a mais elaborada e coordenada série de ataques jamais montada nos Estados Unidos, quando bombas de gás explodiram em 21 cinemas diferentes. Rhodes dá outros exemplos e, tal como fez no final do segundo capítulo, encerra este, narrando três estudos de caso sobre o assunto.

O capítulo quinto aponta os molestadores e assassinos, que se aproveitavam do escuro do cinema para as suas práticas libidinosas ou criminosas bem como a atividade sexual consentida e a prostituição ilegal que aconteciam nesse ambiente.

Já em 1907, dois padres em Pasterson, New Jersey, aconselharam as mulheres jovens a não frequentar nickelodeons e, em 1915, a cidade de Dallas decretou leis especificamente proibindo conduta “lasciva, indecente ou vulgar” nos cinemas. Os reformadores apontavam a escuridão como o principal problema e uma das críticas mais virulentas dos nickelodeons, Anna Richardson, ofereceu uma solução bem simples: “Luz”. Alguns donos de cinema concordaram. Um deles em Yanktown, South Dakota anunciou que seu cinema tinha luz suficiente no auditório para “ler um jornal sem dificuldade”. Delegacias de Polícia e o Corpo de Bombeiros determinaram uma melhor iluminação nas salas e um senador da Califórnia, chegou a propor um projeto de lei que proibia toda sessão de cinema que não fosse à luz do dia.

Inventores também responderam a esse movimento tentando criar projetos que superariam o motivo pelo qual a escuridão parecia ser necessária: uma qualidade de imagem aceitável. Em 1910, o Variety publicou uma reportagem sobre o processo “Photoplane”, inventado por S. L. Rothapfel e no ano seguinte a Moving Picture World descreveu o “Casey Process” como extraordinário. Porém, apesar do anúncio ocasional de novos projetores e telas, a maioria das salas de cinema permaneceram escuras durante os anos dez e na décadas que se seguiram.

Em consequência, algumas cidades procuraram outras espécies de respostas. Em 1914, autoridades de Chicago promoveram a idéia de segregar a platéia em três setores, uma para homens, uma para mulheres e uma para homens e mulheres que vieram assistir o filme juntos. Embora este plano pudesse limitar a possibilidade para as prostitutas encontrar seus clientes, ele não impediria a atividade entre os casais que entraram no cinema juntos e por isso a idéia não vingou. Nos anos dez, algumas comunidades designaram policiais femininas para manter uma vigilância cuidadosa sobre os espectadores, mas a preocupação com os contatos indesejáveis continuou.

Em 1913, o Atlanta Constitution declarou que as sessões de cinema eram “lugares de procriação de vício” como a prostituição, e uma conferência de clérigos em Nova York abordou até o tema de que mulheres jovens estavam sendo recrutadas para a prostituição durante as sessões de cinema.

Conforme Rhodes nos informa, uma boa quantidade de “paqueradores”” e predadores sexuais de mulheres e crianças, também se aproveitou, da escuridão das salas de cinema, assim como, embora menos comumente, assassinos e vítimas de suicídio. O autor descreve inúmeros casos ocorridos em cinemas bem como as providências que foram tomadas a respeito. Em muitos casos os “paqueradores” foram presos e condenados, mas nem todos aceitaram tranquilamente a sua punição. Após ter sido preso por assediar uma moça em um cinema em Chicago em 1936, Robert Chrisouslas de 40 anos despejou sua raiva para Irving Fehlberg, o gerente do cinema, para o qual atirou e matou. Logo depois da meia-noite no dia 15 de outubro de 1937 o estado de Illinois executou Chrisouslas na cadeira elétrica.

O capítulo sexto investiga o dilema moral de assistir filmes aos domingos e a resultante luta contra as Leis Puritanas (“Blue Laws” como eram conhecidas) inspiradas no livro do Genesis, 2.2-3. Para protegê-las e expandí-las, formaram-se diversas organizações religiosas, sendo a Lord’s Day Alliance a mais influente com escritório na 5a Avenida em Nova York. Mas nem todos clérigos e fiéis a apoiaram questionando inclusive a base Bíblica para o fechamento dos cinemas no sétimo dia da semana. Alguns párocos preferiram exibir filmes religiosos aos domingos em suas próprias igrejas.

A indústria promoveu várias campanhas contra esse tipo de legislação. Em 1921, a Universal produziu uma comédia de dois rolos, Blue Sunday, na qual a dupla cômica Eddy Lyons e Lee Moran se encontrava “em toda situação concebível em conexão com o mais azul dos Domingos Azuis”. Porém em muitas ocasiões as autoridades foram inflexíveis. Em um cinema em 1927, por exemplo, um policial marchou para o auditório durante uma exibição, instruiu o organista para parar de tocar e – enquanto as luzes ainda estavam apagadas – usou uma lanterna e leu uma proclamação, ordenando que os espectadores se dispersassem dentro de uma hora ou seriam presos. Um grupo tão grande recusou-se a sair, que a polícia só conseguiu forçar um vigésimo deles a entrar no seu carro de patrulha.

Cinema Belmont

O capítulo sete conclui o livro com um estudo sobre os prêmios e loterias nos palcos dos cinemas. Eles já existiam desde os primeiros tempos dos nickelodeons, mas se intensificaram durante a Grande Depressão, quando os prêmios aumentaram de valor, apesar das restrições morais e legais que eles sofriam. No verão de 1933, Spyros Cardas, gerente do Cinema Belmont em Los Angeles, inventou a “Catalina Night”, premiando o ganhador felizardo com duas viagens para a Catalina Island e duas caixas de cerveja. Para evitar a acusação de jogatina, Cardas distribuia cartões tanto para as pessoas que haviam comprado ingresso como para o público em geral que estava fora do cinema, separando assim a possibilidade de ganhar o prêmio da necessidade de comprar entrada. Cards acreditava que, como um vencedor em potencial não precisava pagar para poder ouvir o anúncio de sua vitória e receber o prêmio, a Catalina Night” era legal. Mas, em agosto de 1933, um juiz municipal entendeu que a “Catalina Night” privilegiava aqueles que estavam dentro do cinema no momento do sorteio e condenou Cardas por ter violado a lei da Califórnia sobre loterias. Entretanto, a Superior Court of Los Angeles County, revogou a sentença de primeira instância, abrindo caminho para mais distribuições de prêmios nos cinemas através da América.

Uma das loterias mais famosas foi a “Bank Night”, lançada por Charles Yeager em um pequeno cinema em Las Cruces, New Mexico em 1933, e depois espalhada por todo o país. Embora ele não pudesse estar presente no primeiro sorteio, telefonou para o gerente do cinema, e soube de duas notícias: de um lado, os jornais locais e um grupo de cidadãos se queixaram dizendo que se tratava de um jogo imoral. De outro, o cinema faturou mais com a “Bank Night” do que havia ganho durante toda a semana precedente. Em consequência, Yeager e seu patrão, Frank H. “Rick” Ricketson, Jr., um advogado dono de uma cadeia de cinemas, formaram uma companhia chamada Affiliated Enterprises, para explorar a “Bank Night” como uma franquia alugada aos cinemas por 5 a 50 dólares por semana, dependendo do seu tamanho. No esquema da “Bank Night”, qualquer pessoa podia assinar seu nome em um livro colocado no saguão do cinema, sem ser obrigada a comprar um ingresso. Um número era escrito ao lado da assinatura e depois os números eram colocados em um cilindro giratório. Na noite do sorteio uma pessoa (preferencialmente uma menina) era selecionada na platéia, para tirar um número do cilindro. As regras determinavam que o feliz possuidor deste número deveria reclamar o prêmio dentro cinco, dez ou quinze minutos (a critério do gerente do cinema) a partir do momento em que o número vencedor fosse anunciado. Não era necessário que o vencedor estivesse no auditório, na calçada, ou em casa. Desde que chegasse no cinema dentro do tempo estabelecido, ele poderia reclamar o prêmio. Os que estavam fora do cinema eram informados do resultado por um alto falante ou pela colocação do nome do vencedor na bilheteria. Se um vencedor não aparecesse para reclamr seu prêmio, o dinheiro ficava acumulado para o sorteio da próxima semana. Em muitos casos, muitas semanas se passaram antes que um vencedor aparecesse. Prosseguindo na sua impressionante pesquisa, Rhodes se refere a vários problemas ocorridos com a “Bank Night” envolvendo batalhas legais de toda espécie, incluindo até responsabilidade por acidentes e tragédias como, por exemplo, o caso do senhor Fred Jung, um carpinteiro de 65 anos desempregado que, ao ouvir seu número anunciado como vencedor do prêmio de 400 dólares, sofreu um ataque cardíaco e morreu mais tarde na mesma noite. E houve ainda seu enfrentamento contra os competidores: Screeno, Cash Night, Gold Mine, Treasury Nights etc.

Cenas de Cinema de Bairro

Os males da “Bank Night” foram expressos em uma comédia curta de Hal Roach, Cinema de Bairro / Neighborhood House / 1936 na qual Charley Chase (interpretando ele mesmo) vai à uma “Bank Night com sua esposa Rosina (Rosina Lawrence) e sua filha Mary (Darla Hood). Quando o gerente do cinema (George Meeker) pede um voluntário, Mary corre para o palco para retirar o número do felizardo que vai receber o prêmio de 500 dólares. A príncipio ela acidentalmente recita o número de Charley, levantando assim as suspeitas da platéia. Então o gerente lê o mesmo número corretamente que, coincidentemente, é o de Mary. Charley corre para o palco com a finalidade de acalmar a multidão cada vez mais enfurecida, e pede ao gerente para tirar um novo número. É quando Rosina vence. A assistência indignada persegue Charley até sua casa e seu patrão (Dick Elliott) imediatamente o despede. Para apaziguar os ânimos, Charley insiste em devolver o dinheiro, a fim de que o cinema faça outra “Bank Night.” A turba o congratula, embora insistindo que o juiz da cidade (Gus Leonard) tire o novo número. Sua excitação se transforma em fúria novamente quando o patrão de Charley vence.

Enfim, “The Perils of Moviegoing in America” (do qual dei apenas uma amostra) é um livro que recomendo entusiasticamente para todos os que se interesssam pela História do Cinema, e ele me fez lembrar dois acidente trágicos que aconteceram aqui no nosso país: o pseudo incêndio do Cinema Oberdan em São Paulo e o desabamento do Cinema Rink em Campinas.

Cinema Rink

O Cinema Oberdan, inaugurado em 1927 pela Empresa Taddeo de Cinemas de Fernando Taddeo e irmão, era uma sala elegantíssima, luxuosa e entre os cinemas do bairro do Brás o mais moderno de sua época. Decorado com grandes estátuas, teto ricamente ornamentado com azulejos portugueses e com uma cúpula que se assemelhava a do Teatro Municipal, era uma sala (de 1216 lugares), que vivia lotada tanto em seus horários noturnos como em suas concorridas matinês. Tudo ia bem até o fatídico dia 11 de abril de 1938, quando uma idéia infeliz de um garoto deu início a uma tragédia que contabilizaria 32 mortos (31 crianças e 1 mulher). Um menino que assistia à matinê, sentindo fortes dores de barriga, tentou o auxílio de um lanterninha para se dirigir até o banheiro e, não encontrando nenhum, ele seguiu sozinho até lá. Sem ter tempo de chegar, ele acabou por fazer parte de suas necessidades no caminho e, ao se encontrar no toalete, as luzes estavam desligadas. Não tendo como se limpar no escuro, o menino decidiu atear fogo em um pequeno pedaço de jornal. Uma pessoa viu a chama e pensando que se tratava de um incêndio, gritou “fogo!”. Imediatamente começou uma correria desesperada que provocou todas essas mortes, a maioria por pisoteamento. O filme que estava sendo exibido naquele momento era Criminosos do Ar / Criminals of the Air / 1937, produzido pela Columbia, com Rita Hayworth em início de carreira. Por causa do terrível acidente, o seriado que viria em seguida, Ameaça das Selvas / Jungle Menace / 1937, com Frank Buck, não pôde ser exibido.

Cinema Oberdan

Na tarde do dia 16 de setembro de 1951, um domingo, a notícia correu célere pelo Brasil afora. Cerca de 1.200 pessoas, na maioria crianças, constituiam a assistência imensa da matinê do Cinema Rink em Campinas, quando teve início a projeção do segundo filme do programa duplo, Amar foi Minha Ruína / Leave Her to Heaven / 1945 (o primeiro havia sido A Noiva Era Ele / I Was a Male War Bride / 1949). Eram precisamente, 15.30 horas, quando um barulho impressionante foi ouvido e a parte central do telhado veio abaixo, soterrando centenas de pessoas. O balanço trágico desse desabamento assim se traduziu: mortos – 19 crianças e 11 adultos; feridos – mais de duzentos. O Cinema Rink fora inaugurado em 1878, inicialmente com uma casa de espetáculos especializada em patinação, possuindo também um salão para bailes e conferências; a partir de 1901 passou a haver sessões regulares do Cinematógrafo.

Cinema Alhambra

Outro acidente lamentável foi o incêndio do Cinema Alhambra, que pertencia ao empresário Francisco Serrador, situado na Praça Mahatma Gandhi, e com capacidade para 1448 espectadores. Funcionou de 9 de junho de 1932 a 9 de abril de 1939. Depois do seu fechamento para ser demolido, foi atingido por um grande incêndio em 11 de março de 1940. Uma explosão no depósito que guardava os celulóides facilmente inflamáveis dos cinemas da Empresa Serrador na Cinelândia, iniciou o incêndio, que destruiu a sala de projeção e os pisos superiores do edifício, praticamente não atingindo as lojas que haviam no pavimento térreo viradas para a rua. Parte de sua estrutura foi aproveitada para a construção, que já era prevista, do Edifício Serrador. Felizmente só decorreram prejuízos materiais, perdendo-se os guarda- roupas, malas e cenários da Companhia Procópio Ferreira, que estavam guardados em uma das salas do prédio, no qual não havia ninguém por ocasião do sinistro.

 

DULCINA E CACILDA NO CINEMA

agosto 2, 2018

Elas fizeram a glória do nosso teatro, mas tivemos poucas oportunidades de vê-las na tela. Dulcina apareceu somente em um filme de longa-metragem e Cacilda atuou apenas em dois.

Dulcina de Moraes de Azevedo (1908-1996) veio ao mundo em Valença no Estado do Rio, durante uma excursão pelo Brasil da companhia de Francisco Santos, na qual seus pais, Conchita (nascida em Cuba, filha de pais espanhóis) e Átila de Moraes, trabalhavam. Ela começou sua carreira profissional na Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Correia e Niccolino Viggiani, estreando no Teatro Trianon, aos quinze anos de idade, na peça “Travessuras de Berta”, de Antonio Guimarães, em um pequeno papel no segundo ato, suscitando este comentário do crítico Mario Nunes no Jornal do Brasil: “louve-se também a Srta. Dulcina de Moraes, cujas rápidas passagens pela cena evidenciam a sua vocação para o palco”. Na mesma companhia, contracenou em “Zuzu” (o maior sucesso da temporada) com dois futuros monstros sagrados dos palcos brasileiros: Procópio Ferreira e Jaime Costa.

Dulcina de Moraes

Porém a grande chance ocorreu quando outro ator eminente, Leopoldo Fróes, viu-se em sérias dificuldades para arranjar uma atriz que faria o papel de Jeaninne em “Lua Cheia” de André Birabeau. No seu livro Dulcina e o Teatro de Seu Tempo, Sergio Viotti conta em detalhes como foi o teste da jovem Dulcina diante de Fróes e do ensaiador Eduardo Vieira, e conclui com a percepção dela de que o papel seria seu: “Eu espiei com o rabo de olho, num movimento de cabeça, e vi que o Fróes também estava reagindo ao que eu estava dizendo. Ele estava me ouvindo, Atentíssimo! Vieira aproximou a cabeça da dele. O Fróes, sem desviar os olhos de cima de mim, disse alguma coisa. Dava pra perceber que era aprovação. Era o sinal que eu estava esperando. Que até aquela hora eu estava meio perdida. Aí, eu sentí toda a segurança da vida. Ninguém mais ia me botar medo. Nem nada. Aí começou a leitura das minhas cenas. O elenco já estava familiarizado com o texto. Já haviam feito umas leituras antes, sem mim. Eu dei tudo. Tudo. Me sentí à altura daquelas senhoras elegantes. Como se estivesse bem vestida. Bem vestidísssima. Igualzinha a elas. De chapéu! Não tinha mais jeito. Eu sentí que o papel ia ser meu. Sabia que já era meu. E foi.”

Dulcina e Conchita

Dulcina e Procópio Ferreira em 1948

Na sua biografia, As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, Raimundo Magalhães Júnior conta que no jornal A Notícia, o nome de Dulcina chegou a ser colocado acima do de Fróes. Depois de dizer que ele se havia portado admiravelmente em “Lua Cheia”, vinha este período: “A nota de maior êxito, porém, proporcionou-nos a estreante da noite de ontem, senhorita Dulcina de Moraes (Jeaninne), que foi uma verdadeira revelação e vale por uma boa promessa”.

Em 1931, Dulcina casa-se com o mineiro de Santa Rita de Cássia, Odilon Azevedo (1904-1966), filho de um fazendeiro próspero, formado em advocacia, escritor, jornalista que, incentivado por Renato Viana e apresentado a Leopoldo Fróes por Mario Nunes, tornou-se ator. Dulcina e Odilon trabalharam na companhia familiar que Átila de Moraes organizou com seu cunhado (marido de Esther, a irmã caçula de Dulcina), Manuel Durães. Mais tarde, em 1934, essa mesma companhia haveria de se transformar na Cia. Dulcina-Odilon estreando no Rio de Janeiro para inaugurar o Teatro Rival, na rua Alvaro Alvim, com a peça de Oduvaldo Viana “Amor”, um êxito sem precedentes.

Dulcina exibindo seu vestido

Desse momento se inicia a fama de Dulcina, não só por suas qualidades como atriz como também por apresentar-se sempre muito bem vestida em modelos que eram copiados pelas fãs que acorriam aos seus espetáculos. Em 1939, a Companhia transferiu-se do Rival para o Alhambra, da Empresa Serrador, até então cinema e, em breve, Dulcina e Odilon inaugurariam um novo teatro, o Regina, na Rua Alvaro Alvim, que alguns anos comprariam anos após, tornando-o o Teatro Dulcina.

Dulcina

Antes disso, em 1937, o casal viajou para os Estados Unidos, onde teve contato com um teatro de densidade cultural e, ao regressar, começou a planejar mudanças no seu repertório, até então voltado mais para o gosto popular. Animados também pela qualidade das peças apresentadas pelo diretor francês Louis Jouvet, que excursionou pelo Brasil em 1942, Dulcina e Odilon pediram apoio ao governo para a famosa temporada de 1944-45 no Teatro Municipal onde a companhia apresentou “César e Cleopatra” e “Santa Joana” de Bernard Shaw; “Anfitrião 38”, de Jean Giraudoux; “Rainha Vitória” de Lawrence Housman; “O Pirata” de S.N. Behrman e “Chuva” de Somerset Maugham.

Dulcina como Cleopatra

Em 1946, realizaram uma temporada em Buenos Aires, integrando um elenco argentino e representando em espanhol. Como recordou Brício de Abreu, em “Esses Populares Tão Desconhecidos”, a crítica e o público consagraram de forma definitiva a nossa grande atriz, que obteve com “Chuva” (o seu maior êxito no Brasil) um dos sucessos maiores de sua carreira. Era a primeira vez que uma atriz brasileira se apresentava em país estrangeiro, representando em uma língua que não era a sua, dominando completamente o público.

Dulcina em Chuva

De volta à sua pátria, Dulcina e Odilon ainda realizaram várias temporadas de sucesso até que resolveram criar, em 1955, a Fundação Brasileira de Teatro que, com os seus vários cursos e espetáculos, prestaram reais serviços ao nosso teatro. A FBT funcionou primeiramente no prédio do Teatro Dulcina e mais tarde, em 1972, em Brasília, sob a denonimação de Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Em 21 de abril de 1980, foi inaugurado o Teatro Dulcina na nova capital do país.

Dulcina recebida pelo Presidente Getulio Vargas

O único filme de Dulcina, 24 Horas de Sonho, foi exibido na cadeia de cinemas de Luís Severiano Ribeiro, no circuito liderado pelo Cine São Luís, em setembro de 1941. O anúncio do Correio da Manhã dizia: “Uma nova Dulcina! Um Odilon que você ainda não conhece! O par de artistas que o palco já consagrou, agora ainda mais vitoriosos e brilhantes – na tela, em um filme leve, agradável, divertido!”. Entretanto, o filme não obteve aprovação unânime da crítica.

O crítico de A Noite, que assinava R., lamentou: “Na verdade, este filme não representa nada na carreira artística notável da senhora Dulcina de Moraes, que tanto se elevou como intérprete de “Amor”… Não representa nada, não é bem o termo. Representa algo desfavorável, estando abaixo do seu nível de intérprete, de sua categoria de grande comediante da ribalta … 24 Horas de Sonho não é filme, não é teatro, não é cinema, é uma salada, uma mistura inextricável … A culpa máxima é do Sr. Chianca de Garcia, que continua a nos dar coisas características e inexpressivas, sem nenhum valor artístico ou nexo cinematográfico, resolvendo os problemas da película ou por omisssão, ou da maneira mais primária possível”.

Dulcina e Odilon em 23 Horas de Sonho

A apreciação de Maria Andréia na revista Carioca, foi bastante severa: “Falando de 24 Horas de Sonho, devemos acentuar a grande melhoria do som e da fotografia, em condições muito superiores do que as que já temos visto; os cenários esforçaram-se por ser elegantes e “distingués” e em algumas passagens o conseguiram. O mais desagradável em tudo foi um argumento lamentável: as “24 Horas de Sonho” parecem mais vinte e quatro horas de pesadêlo na imaginação de uma criança. O tema é dos mais explorados: uma criatura que quer suicidar-se e resolve gozar, antes, alguns momentos de prazer; no fim, justamente daquelas últimas horas de vida, encontra o “mocinho” aquele que lhe há de fazer a felicidade da vida inteira. Temos visto isto em todas as variantes que lhe pode dar o cérebro de um escritor que encontra qualquer coisa de mais original. Dulcina julga-se antes num palco que diante de uma câmera e emprega aquelas mesmas mímicas, aquela voz arrastada e aqueles exageros que tanto destoam na arte cinematográfica. Aliás, este é o grande mal do cinema: artistas de teatro que pensam que assim é que se faz cinema, daí provem tudo o que fere o nosso senso artístico e a descrença do público pelo cinema brasileiro”.

Chianca de Garcia, Odilon, Fernando de Barros, Dulcina e Adhemar Gonzaga  na filmagem de 24 Horas de Sonho

O comentarista de Cinearte mostrou-se mais benevolente: “Vale a pena ser visto. É uma boa realização do cinema brasileiro, especialmente na parte técnica. Som, fotografia, ambientes luxuosos, movimentação de “câmera”, exteriores variados, tudo mostra os recursos técnicos de uma realização segura e marcante igualando o filme brasileiro às produções americanas do gênero. Uma coisa porém, não está a altura do progresso obtido e por vezes tenta desvalorisar o filme – o argumento. A história da campeã de suicídios que passa 24 horas de vida luxuosa no Rio, pretende ser moderna no gênero das comédias de Hollywood – mas consegue ser apenas artificial dando ao filme uma certa frieza. Assim mesmo há efeitos cômicos interessantes, como o “tratamento” pelo lado da fantasia – mas quando o argumento tem intenções dramáticas levadas a sério pela direção, o filme não convence … Dulcina está feliz na sua estréia; adapta-se ao cinema, revelando personalidade boa para os filmes, leve, desembaraçada, juvenil e, muito expontânea, principalmente na cenas cômicas”.

Graças a Sra. Alice Gonzaga, podemos ver o filme hoje e, na minha opinião, ele tem os seus méritos. A história diz respeito a uma moça, Clarice (Dulcina), que tem a mania de suicídio. Já havia tentando matar-se 43 vezes, sem sucesso. Conhece um motorista de taxi, Cícero (Aristóteles Pena), que tenta demovê-la da idéia, mas ela continua firme no seu propósito de suicidar-se. Cícero propõe a Clarice que passe suas últimas 24 horas realizando todos os seus sonhos, como hospedar-se no Copacabana Palace, encomendar roupas caras e fazer-se passar por uma baronesa. Tudo caminha bem até que aparece Roberto (Odilon), um empregado do hotel, por quem ela se apaixona.

Dulcina e Odilon em 24 Horas de Sonho

Essa imitação das comédias românticas norte-americanas não tem o mesmo brilho das suas congêneres de Hollywood, mas a meu ver é uma produção digna de respeito com um argumento (de Joracy Camargo) interessante e divertido, uma técnica razoável dentro das possibilidades dos nossos estúdios na época, interpretações corretas (distinguindo-se Dulcina, que está muito a vontade diante das câmeras) e, quanto à direção de Chianca de Garcia, se ele não foi tão feliz com relação principalmente ao ritmo, como no seu filme português A Aldeia da Roupa Branca, também não merece desprezo.

Conforme nos informa Lécio Augusto Ramos no seu verbete sobre Dulcina na Enciclopédia do Cinema Brasileiro (org. Fernão Ramos, Luiz Felipe Miranda, Senac, 2004), antes de 24 Horas de Sonho, Dulcina havia tido duas experiências com o cinema. Em 1935, participou de testes de câmera na Cinédia para o elenco do projeto Canção da Felicidade, baseada na peça de sucesso de Oduvaldo Viana, que acabou não se concretizando. Em 1937, depois da viagem que fizeram a Terra do Cinema, Dulcina e Odilon resolveram produzir a peça “Hollywood”, sobre a decadência de uma grande estrela do cinema americano. Decidiram então incluir um pequeno curta-metragem para ambientar a peça, mostrando um dos antigos sucessos da atriz. Intitulado A Mulher que Passa, o filme curto foi realizado na Cinédia (dirigido por Adhemar Gonzaga e fotografado por Edgar Brasil), tendo Dulcina contracenando com o ator Mario Salaberry.

Cacilda Becker

Cacilda Becker Iaconis (1921-1969) nasceu em Pirassununga, São Paulo – filha de um caixeiro-viajante descendente de imigrantes italianos calabrêses, Edmundo Radamés Iaconis e de Alzira Leonor Becker com ascendência alemã na Saxônia – tendo sido registrada no Cartório do Registro Civil como Yaconis pelo pai, que optou pelo Y no sobrenome. Em 1927, a família mudou-se para São Paulo, e foi então que, após onze anos de desacêrtos conjugais, Edmundo abandonou a família para viver com outra mulher e embarcou esposa e três filhas (Cacilda e sua irmãs Dirce e Cleyde) de volta para Pirassununga.

Em 1930, sete meses depois do retorno à cidade natal, Cacilda subiu pela primeira na vida em um palco durante o Festival da Escola de Instrução Militar, que contava com a participação de estudantes normalistas e de crianças “encantadoras, entre as quais ela (aos oito anos de idade) se incluia. Como relata Luís André do Prado na sua excelente biografia, “Cacilda Becker fúria santa”, de onde colhí a maior parte dos dados sobre a grande atriz, o bailado apresentado por Cidinha (a música era Canção do Amor Pagão), foi o ponto máximo do festival. Um repórter profetizou: “Esta menina na arte coreográfica, será uma grande artista”.

Cacilda Becker em 1942

Passado algum tempo, a mãe de Cacilda tornou-se professora do Estado, começando a lecionar em uma escola rural em São Simão, perto de Pirassununga, tendo sido depois transferida em 1932 para o Grupo Escolar de São Vicente no município do mesmo nome vizinho à cidade de Santos. Em 1933, Cacilda prestou exame de admissão para o curso ginasial na Associação Instrutiva José Bonifácio (escola particular e “mista”) onde, com o incentivo de sua professora de música, dona Oraida Amaral, na festa de encerramento do ano de 1935, ela dançou A Dança Ritual do Fogo de Manuel de Falla, causando tal sensação, que a direção do colégio ofereceu gratuitamente o curso todo de Cacilda e das suas irmãs. Esta apresentação amadora foi, pode-se dizer, o início da ascensão da estrelinha Cacilda Becker em sua curta carreira de bailarina em Santos, que duraria de fins de 1935 a 1940, tendo sempre a Dança Ritual do Fogo como carro-chefe.

Após ter concluído o curso de normalista, Cacilda apenas deu aulas até que, com o apoio de Miroel Silveira, que se tornara seu amigo e incentivador, conseguiu fazer um teste de atriz no Teatro do Estudante do Brasil (TEB), então orientado pela escritora Maria Jacinta, em substituição a Paschoal Carlos Magno, que retornara a Londres para assumir o consulado de Liverpool. Maria Jacintha confiara a Miroel a tradução de um texto que pretendia encenar, e ele aproveitou para indicar Cacilda para um teste de atriz, pois estava certo de que a carreira de bailarina da amiga não tinha futuro.

Cleyde Yáconis, Cacilda Becker e Paschoal Carlos Magno

A estréia de Cacilda no palco foi em 1941 na peça “3.200 Metros de Altitude”, de Julien Luchaire, sob os auspícios do Serviço Nacional de Teatro – SNT, no Teatro Ginástico. Ela acabou fazendo também uma substituição de última hora no elenco de “Dias Felizes” de Claude-André Puget, apresentada na inauguração do novo palco do Fluminense Football Clube, recebendo calorosos elogios e um vaticínio promissor por parte de Raimundo Magalhães Junior: “Possuindo uma bela figura, uma dicção clara, expressiva, com verdadeira virtuosidade interpretativa, essa jovem estreante pode ser aproveitada com brilho em qualquer dos nossos elencos profissionais, pois se mostrará à altura das responsabilidades que lhe foram confiadas”.

Após sua estréia brilhante, Cacilda recebeu duas propostas. Dulcina e Odilon ofereceram-lhe um papel em “Nunca me deixarás” de Margaret Kennedy enquanto Raul Roulien lhe propunha outro em “Prometo ser Infiel” de Dario Niccodemi (ambos os títulos traduzidos dos originais). Seguindo orientação de Miroel Silveira, Cacilda optou pela companhia Dulcina-Odilon; porém depois, percebendo a pouca chance que teria de aparecer dividindo um palco com Dulcina, ela repentinamente abandonou os ensaios de “Nunca me Deixarás”, para se juntar ao elenco de “Prometo Ser Infiel, cuja atriz principal era Laura Suarez

Cacilda Becker e Abdias do Nascimento em Otelo

Depois de trabalhar um certo tempo na Companhia de Comédias Íntimas de Roulien, Cacilda ingressou, em 1943, no Grupo Universitário de Teatro- GUT. Em 1944, foi para a Companhia de Comédias de Bibi Ferreira. Em 1945, voltou para o GUT. Em 1947, colaborou com Os Comediantes na remontagem do “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues e em outras peças dirigidas por Zigmunt Turkov e Ziembinski. No mesmo ano, participou de uma festa comemorativa da existência do Teatro Experimental do Negro – TEN, aparecendo em uma cena de Otelo de Shakespeare, ela como Desdêmona e Abdias do Nascimento como o Mouro de Veneza. Na festa do TEN, Cacilda reencontrou Miroel Silveira, agora à frente do grupo Os V Comediantes, no qual ela se integrou, participando, em 1947, da terceira remontagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, que eu gostaria muito de ter visto, pois nela, além de Cacilda (Lúcia) estavam também Maria Della Costa (Alaíde) e Olga Navarro (Madame Clessi). Em 1948, protagoniza “A Mulher do Próximo” de Abílio Pereira de Almeida, um dos espetáculos inaugurais do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC em sua fase amadora. Entre 1949 e 1955, Cacilda esteve presente em quase todas as montagens do TBC, destacando-se “Entre Quatro Paredes”, de Jean Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia, Sergio Cardoso!), “Pega-Fogo” de Jules Renard, “Seis Personagens à Procura de um Autor” de Luigi Pirandello e “Maria Stuart”de Schiller.

Cacilda Becker e Maria della Costa em Vestido de Noiva

Cacilda em Pega-Fogo

Cacilda e Walmor Chagas em Maria Stuart

Em 1953, ela trabalhou na televisão no teleteatro intitulado Teatro Cacilda Becker, estreando com “A Dama das Camélias”. Em 1957, despede-se do TBC e funda com Walmor Chagas, Cleyde Yaconis e Fredi Kleemann, o Teatro Cacilda Becker – TCB, onde encantou o público em “Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite”, de Eugene O’Neill, “A Visita da velha Senhora”, de F. Dürrenmat, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf? “, de Edward Albee, “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia e Sergio Cardoso!) e outros belos espetáculos. Em 1969, durante uma sessão de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, a atriz sofreu um derrame cerebral, e faleceu 38 dias depois aos 48 anos de idade.

Cacilda em A Dama das Camélias

Ziembinski e Cacilda em Jornada de um Longo Dia Para Dentro da Noite

Nydia Licia, Sergio Cardoso e Cacilda em Entre Quatro Paredes

Cacilda e Walmor Chagas em Esperando Godot

Foi Celso Guimarães, o famoso locutor e rádio-ator da Rádio Nacional, que comunicou por um telefonema a Cacilda que a Atlântida Cinematográfica estava interessada em tê-la como protagonista de sua nova produção,  Luz dos Meus Olhos. O filme conta a história de um pianista cego, Roberto (Celso Guimarães), que vive como afinador de piano. Um dia, ao atravessar uma rua, encontra-se com um moleque chamado Basilio (Grande Otelo), que se prontifica a acompanhá-lo como seu guia. Auxiliando-se mutuamente, nasce entre ambos uma forte amizade. Certa tarde, chamado para afinar um piano em uma residência, ao dedilhar as primeiras notas de sua canção predileta, Luz dos meus Olhos, a filha da sua cliente, Suzana (Cacilda Becker), ao ouví-la do seu quarto, reconhece imediatamente a melodia, que fora composta para ela por Renato, no tempo em que estudavam em uma academia de música. Em retrospectos, o espectador fica sabendo que os dois se estimavam muito, mas o amor não vingara porque, ao sentir os sintomas de cegueira, Renato se afastara da moça. De volta ao presente, descobrimos que Suzana está noiva. O guia tenta bancar o cupido, mas quem afinal reaproxima Roberto de Suzana é o próprio rival, que rompe com a noiva, ao perceber que ela gosta mesmo é de Roberto.

Cacilda Becker em Luz dos Meus Olhos

Luz dos Meus Olhos chegou às telas em setembro de 1947, recebendo pouco apoio da crítica e do público. Cumpriu o período obrigatório de exibição para filmes brasileiros e saiu de cartaz. Originalmente o filme tinha cem minutos de duração, mas seu master foi perdido durante um incêndio que destruiu quase todo o acervo da Atlântida e hoje só restam dele 58 minutos em cópia de 16mm.

Jonald em A Noite comentou: “O ponto alto do conjunto, que merece citação em primeiro lugar, é o desempenho de Grande Otelo. Possuindo qualidades natas para o sentido cinematográfico, atua de maneira espontânea e natural, chegando, por vezes, a entusiasmar… Não há dúvida alguma de que Celso Guimarães e Cacilda Becker, respectivamente nos meios radiofônico e teatral, têm provado seus merecimentos. Neste celulóide, apesar de Celso ter momentos bens razoáveis, há outros em que trai – particularmente pela inflexão da voz – a ascendência do rádio. Sente-se também que faltou melhor direção, pois defeitos mais acentuados são encontrados em Cacilda, além do mais, pouco fotogênica … O cenário, de autoria de Paulo Wanderley, revela uma série de concepções interessantes, algumas aproveitadas pelo diretor e outras não … Considerada em conjunto, a direção é nítidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”. Mais adiante, Jonald faz restrições à parte técnica, apontando falhas na iluminação e a presença de algo mais de meia dúzia de sombras de microfone, em movimento, no fundo das cenas, e conclui: “Considerada em conjunto, a direção é nitidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”.

Cacilda Becker e Celso Guimarães em Luz dos Meus Olhos

Moniz Viana escreveu no Correio da Manhã: “O que Luz dos Meus Olhos põe em evidência – e não é o primeiro, nem será o último a fazê-lo – é a falta de conhecimento cinematográfico que vem caracterizando quase todos os filmes do Brasil”. Porém Moniz fez uma ressalva em favor da nova estrela da tela: “A estreante Cacilda Becker vai melhor que qualquer veterano, parecendo um elemento bem aproveitável. Com um diretor mais diligente, teria, é fora de dúvida, se sobressaído mais”.

Só pude ver o filme em uma versão reduzida, mas deu para notar a pobreza técnica e a má continuidade (as sequências são cortadas de um modo brusco) dessa imitação de melodrama mexicano mas, em compensação, a ótima performance de Grande Otelo, o melhor de todos em cena por sua extroversão e talento humorístico (v. g. a imitação que ele faz de uma cantora portuguêsa) e a beleza da valsa-tema composta pelo diretor José Carlos Burle, interpretada por Silvio Caldas (e depois gravada por Jorge Goulart). Quanto a Cacilda, não vislumbrei nenhum defeito na sua interpretação e concordo totalmente com as impressões de Moniz Viana.

Lançado em outubro de 1954, Floradas na Serra, com roteiro de Fábio Carpi baseado no romance de Dinah Silveira de Queirós e direção de Luciano Salce, foi o derradeiro filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz que, atolada em dívidas, fecharia suas portas logo em seguida. Reproduzo a seguir alguns trechos dos comentários de quatro críticos de cinema importantes, que escreviam na época.

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Decio Vieira Ottoni (Diário Carioca): “Floradas na Serra (Vera Cruz, Colúmbia) a última, a menos sensacional e a melhor produção da falecida companhia de São Bernardo do Campo continua em cartaz esta semana num grupo de cinemas de segunda categoria, valendo o sacrifício por ser a obra que melhor caracteriza as possibilidades do filme nacional até agora. É um filme tecnicamente limpo, desenvolve uma situação dramática fundada num fato social de estreita correspondência com a realidade. Sua narrativa, segura e econômica, não exibe as incorreções contundentes da maioria das fitas brasileiras … O que o filme extraído do romance de Dinah Silveira de Queirós mostra, além dos seus melhores antecessores, é uma interpretação segura no seu conjunto, a objetividade da linguagem e, principalmente, a extraordinária interpretação de Cacilda Becker, que produz o mais sensível e inteligente desempenho de um atorno cinema brasileiro desde que se faz cinema no Brasil …

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Moniz Viana (Correio da Manhã): “Floradas na Serra supera em qualidades técnicas (e morais) as outras fitas que saíram de São Bernardo do Campo: os Caiçaras e as Apassionatas, as Sinhás Moças e os Tico-Ticos, que são cavalcantices, lusitanismos ou napolitanadas. Só fica atrás – e, convém frisar, muito atrás – de O Cangaceiro ... A direção de Luciano Salce, com a atenuante de não ter tido o realizador um bom script, é satisfatória, em termos de cinema brasileiro. Falta a Salce o lampejo do cineasta, que pode acontecer em qualquer lugar, até mesmo no Brasil, onde surgiu um Lima Barreto. Mas o desempenho de Cacilda, superando todas as debilidades , é tão firme que se tem a impressão de que ela exerceu também certa influência na direção da fita”.

Cena de Floradas na Serra

Hugo Barcelos (Diário de Notícias): “Envolta num enredo confuso, que os cenaristas colheram no romance de Dinah Silveira de Queirós, em falsas bases do melodrama sentimental, Cacilda Becker opera o milagre de uma “performance”, fenômeno até agora desconhecido no cine pátrio … Floradas na Serra desenvolve-se em um sanatório de Campos do Jordão, onde se cruzam os caminhos de Miro Cerni (o médico), Cacilda, Jardel, Ilka Soares e outros enfermos. A tuberculose é o pretexto para o tema: o amor de Cacilda e Jardel. Enquanto este, atacado pela doença, observa as prescrições do doutor Cerni e, como os demais, tem pavor da morte, a fita, apesar de modesta em sua expressão, adquire certa densidade dramática. Mas quando Jardel consegue alta, e despreza o amor de Cacilda, depois de terem coabitado sob o lema “o nosso amor e uma choupana”, Floradas na Serra encarreira-se, decididamente, na trilha dos dramalhões.

Cacilda e Ilka Soares em Floradas na Serra

Ely Azeredo (Tribuna da Imprensa): “Floradas na Serra, a 18ª produção da Vera Cruz, tem uma história acidentada. Após a filmagem dos “exteriores” em Campos do Jordão, veio a público a longamente prevista crise da emprêsa. Por falta de capital, durante cêrca de seis meses, permaneceram erguidos e desertos os cenários construídos no estúdio. E, quando terminadas as filmagens, por obra e graça do apoio oficial, nada mais se ergueu em São Bernardo. Não conhecemos o romance de Dinah Silveira de Queirós, mas, a julgar por opiniões fidedignas, inúmeras modificações viscerais feitas por Fabio Carpi foram indispensáveis e habilidosas. Carpi dotou a história de uma espinha dorsal: Lucília (Cacilda Becker) a moça rica que procura refúgio e paz de espírito na quietude de Campos do Jordão e, numa visita de rotina ao médico (Miro Cerni), descobre que está tuberculosa. Faminta de vida, hiper-sensível, Lucilia negligência o tratamento, e caminha inexoravelmente para o fim. Elza (Ilka Soares), que narra no livro o caso de Lucília, é reduzida a figura secundária, no script. A narrativa da escritora, que era fragmentada, recebeu uma base uniforme na Lucília cinematográfica, ao redor da qual giram as demais personagens. A figura número dois é Bruno (Jardel Filho), doente pobre e amargurado, que pretende reunir em um romance todos os seus ressentimentos contra a sociedade. Sob os cuidados e o amor de Lucília, ele caminha rapidamente para a cura. Paralelamente, a doença da moça leva a melhor. E o conflito resultante dá ao filme o final trágico – coerente com a linha nervosa e amarga adotada por Carpi e Luciano Salce. A concentração no caso Lucília-Bruno transforma o filme num drama amargo, sem perder os principais ingredientes do romance, que eram a nostalgia e o sentimentalismo”.

Cacilda e Lolah Brah em Floradas na Serra

Em outra edição do jornal, Ely Azeredo continua a sua crítica: “É em Floradas na Serra, o último filme da Vera Cruz, que a equipe dessa emprêsa manifesta, pela primeira vez, perfeita identidade de movimentos. Nem em O Cangaceiro (que não aceita comparação com qualquer outro filme de nosso “falado”) teve a unidade interpretativa e narrativa da fita de Carpi e Salce. Valendo-se de sua experiência teatral na direção de atores e da sensibilidade do fotógrafo Ray Sturgess e do montador Haffenrichter, Salce fez um filme que domina de ponta a ponta o espectador, apesar da debilidade da história … A sensibilidade de Ray Sturgess, dá-nos uma perfeita fotografia de serra: a impressão de ar puro e leve; o isolamento de um dia chuvoso; a neblina; a beleza da paisagem que desperta o desejo de viver na heroina condenada à morte … Mas de nada adiantariam os esforços da equipe, se a fita não tivesse em Cacilda Becker mais que sua espinha dorsal, sua alma, sua razão de ser”.

Cacilda Becker em Floradas na Serra

A meu ver, Floradas na Serra é um filme com boa direção, interpretações razoáveis – salvo a de Cacilda Becker, que está irrepreensível – e desenvolvimento narrativo sucinto e fluente (Oswald Hafenrichter – montador de O Terceiro Homem / The Third Man / 1949 de Orson Welles – como chefe da edição e Mauro Alice como montador). A música de Enrico Simonetti é atraente e funcional. A fotografia de Ray Sturgess (que era operador de câmera na Inglaterra, inclusive em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier) aproveita muito bem em preto e branco a beleza da paisagem natural de Campos do Jordão. Os diálogos são econômicos, mas às vêzes têm arroubos de “filosofia” (v. g. “Os pobres quando são doentes e adultos deveriam morrer”). Entre os momentos mais inspirados da encenação destaco: a da visita obrigatória de controle de Lucília ao consultório do Dr. Celso; a corrida de Lucília e Bruno em vão para pegar o trem e o desmaio dela; o reencontro “por engano” de Lucília e Bruno no leito dele no hospital; a comemoração no Ano Novo à luz das velinhas do bolo, enquanto ouvimos os gritos de Olga (Lola Brah) conduzida à força para o sanatório; a festa de aniversário com o jôgo das cadeiras, a irritação ciumenta de Lucília ao ver Bruno flertando com a noiva (Silvia Fernanda) do médico e a morte de Belinha (Gilda Nery); Lucília e Bruno brigando na cabana e depois ela saindo correndo pelas colinas até desmaiar; a ambulância que leva Lucília cruzando-se com o trem que leva Bruno, já curado, para outro lugar – um belo final, acentuado pela melodiosa partitura de Simonetti.

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN III

julho 19, 2018

Produzido com orçamento modesto pela companhia recém-fundada por Kazan, a Newtown Productions, o filme, Boneca de Carne / Baby Doll / 1956 – com roteiro escrito por Tennessee Williams partindo da reunião de duas peças suas em um ato (e inéditas), “27 Wagons Full of Cotton” e ‘The Long Stay Shot Cut” -, é essencialmente uma farsa com enredo original, envolvendo quatro tipos grotescos.

Na cidade de Benoit, Mississippi, em uma mansão em decadência, com seus cômodos imensos prestes a serem esvaziados pelos credores, vivem a tia Rose Comfort (Mildred Dunnock), velha surda e meio débil mental (que cozinha em troca do alojamento e visita doentes nos hospitais com o propósito de comer bombons de cereja), o outrora próspero agricultor de meia-idade estúpido e fanfarrão Archie Lee Meighan (Karl Malden) e sua esposa, Baby Doll (Carroll Baker), ninfeta loura menor de idade, que ainda dorme em um berço e chupa o dedo. Archie prometeu ao falecido pai de Baby Doll que instalaria sua filha na então melhor residência do condado e aguardaria o vigésimo aniversário dela para consumar o casamento. Enquanto isso, o marido frustrado tem que se contentar em espiá-la através de um buraco na parede do seu quarto de dormir. Seu acordo conjugal é um pretenso segredo por todos sabido e os habitantes do local, inclusive os negros, não têm como deixar de rir em silêncio sempre que o casal passa diante deles. Quando o sindicato algodoeiro administrado pelo imigrante siciliano Silva Vaccaro (Eli Wallach) centraliza todo o trabalho de descaroçamento do algodão antes confiado a Archie, ele, desesperado, põe fogo nas instalações do sindicato. No dia seguinte, Vaccaro é obrigado a trazer seu algodão para a velha máquina descaroçadora de Archie. Desconfiado de sua culpabilidade, Vaccaro, aproveita a ausência de Archer e, jogando inteligentemente com o temperamento infantil e a sexualidade reprimida de Baby Doll, consegue um depoimento escrito dela sobre o crime do marido. Depois, comove-se com a situação da moça e resolve libertá-la de seu marido. Após uma correria louca em uma brincadeira de esconde-esconde pela mansão atrás de Baby Doll, Vaccaro adormece, exausto, no seu berço. Quando Archer chega, Vaccaro leva-o a entender que ele possuiu Baby Doll – esta é a sua vingança. Armado de um fusil, Archie persegue Vaccaro pelo jardim. O xerife chega, e leva Archie preso. Vacarro parte, prometendo voltar no dia seguinte trazendo mais algodão. Baby Doll fica sozinha com sua tia Rose, e só lhe resta aguardar o dia de amanhã “para saber se serão lembradas ou esquecidas”

Caroll Baker em Boneca de Carne

 

Em boa parte do espetáculo a ação do filme é teatral com longas passagens nas quais os personagens falam muito e são enquadrados pela câmera em planos fechados, (v. g. a cena de alto teor erótico no balanço), embora os diálogos atraiam o nosso interesse pela qualidade da prosa de Tennessee Williams e esses trechos mais lentos não chegam a prejudicar o fluxo rítmico das imagens. Kazan filmou em locação, aproveitando muitos dos habitantes locais como extras inclusive alguns membros da população negra, que foram usados como uma espécie de côro, debochando do comportamento ridículo dos brancos. As ruínas sórdidas do esplendor do passado na zona algodoeira do Sul dos Estados Unidos, reproduzidas pela fotografia depressiva de Boris Kaufman, servem de pano de fundo perfeito para o desenrolar da história.

Caroll Baker e Eli Wallach em Boneca de Carne

Caroll Baker, Karl Malden e Eli Wallach em Boneca de Carne

Filmagem de Boneca de Carne (foto cedida por Sergio Leemann do seu Instagram A Certain Cinema)

Apesar de ter recebido indicações para o Oscar (Carroll Baker, Mildred Dunnock, Tennesse Williams, Boris Kaufman) as receitas do filme foram apenas razoáveis, provavelmente devido à censura da Legião da Decência e do Cardeal Spellman de Nova York. O cardeal na verdade não viu o filme. Foi o anúncio gigantesco na Times Square mostrando Carroll Baker de “baby doll” deitada no berço e chupando o dedo que provocou sua indignação.

Formando parceria de novo com o roteirista Budd Schulberg em Um Rosto na Multidão / 1957, Elia Kazan volta com uma temática social muito explícita: o problema da presença da televisão que começava a se generalizar como comunicação de massa na sociedade americana no início dos anos cinquenta.

Na pequena cidade de Pickett no Arkansas, Marcia Jeffries (Patricia Neal), jornalista que trabalha com seu tio, J. B. Jeffries (Howard Smith), proprietário de uma estação de rádio local, em uma série de reportagens intitulada “Um Rosto na Multidão”, descobre em uma prisão Larry Rhodes (Andy Griffith), um matuto tocador de guitarra, tagarela e insolente, preso por embriaguês em via pública. Marcia batiza-o de “Lonesome Rhodes” e, quando ele é sôlto, lhe arranja emprego na rádio de seu tio. Rhodes acompanha sua canções com comentários humorísticos e uma filosofia simplista, que logo conquistam os ouvintes. Com o tempo, este homem do campo carismático percebe a influência que tem sobre as pessoas (v. g. ele convida seus ouvintes a levar seus cachorros à presença do xerife que lhe é antipático, e logo este se vê cercado pela cachorrada; ele aconselha as crianças a irem se banhar na piscina particular do tio de Marcia, e logo toda a meninada da cidade está invadindo sua propriedade). Revelando-se como exímio comunicador de massas, Rhodes é convidado para atuar em uma emissora de televisão da cidade de Memphis. Ele aceita, e aproveita para fazer uma coleta, que faz grande sucesso, em benefício de uma mãe de família negra necessitada (o que não era necessariamente verdade). Sob orientação de Joey de Palma (Anthony Franciosa), espertalhão que se improvisa como seu empresário, e já em âmbito nacional, Rhodes promove com enorme êxito a campanha de publicidade das pílulas Vitajex e se torna o protegido de uma eminência parda da política, o general reacionário Haynesworth (Percy Waram). Rhodes pede Marcia em casamento. Ela hesita, e fica sabendo mais tarde que ele já é casado. Rhodes se considera legalmente divorciado no México e se casa com Betty Lou Fleckum (Lee Remick), jovem de dezessete anos, que conheceu e favoreceu em um concurso de balizas (ela o trairá com Joey). Marcia exige então a metade dos ganhos de Rhodes, pois foi ela que o “descobriu”. Impulsionado por Haynesworth, Rhodes assume a campanha e tenta melhorar a imagem de Worthington Fuller (Marshal Neilan, famoso diretor do cinema mudo), um senador obscuo candidato à Presidência dos Estados Unidos. Quando Marcia fica sabendo que Rhodes será gratificado com um ministério da “Moralidade Pública”, ela julga necessário interromper a ascenção irresistível do seu falso simplório e arrivista. No final de uma emissão gravada ao vivo, quando passam os créditos, Marcia deixa o som ligado e os telespectadores escutam com sobressalto e indignação as opiniões cínicas e desprezíveis que Rhodes tem do seu público. Enquanto ele desce de elevador os 42 andares da sede da emissora, sua carreira está definitivamente enterrada. Retornando ao seu apartamento no alto de um arranha céu, Rhodes ameaça se suicidar, saltando pela janela, mas Marcia o deixa sozinho, arrasado, gritando seu nome. Lá em baixo, ela parte com seu amigo Mel Miller (Walter Matthau), jornalista e roteirista da televisão, que desde cedo desconfiou do mau caráter de Rhodes

Andy Griffith e Patricia Neal em Um Rosto na Multidão

Anthony Franciosa, Andy Griffith e Patricia Neal em Um Rosto na Multidão

Elia Kazan conversa com Patricia Neal e Andy Griffith na filmagem de Um Rosto na Multidão

Para os autores Kazan / Schulberg o poder manipulativo da televisão é uma ameaça social óbvia e eles ressaltaram muito bem este aspecto da trajetória fulgurante de Lonesome Rhodes. O filme é ainda uma sátira extremamente virulenta da vida americana e os instintos gregários do americano médio. Basta que um desocupado bêbado e sem cultura (mas não sem malícia) entre no ar, para que se torne o ídolo de milhares de pessoas. Kazan não se restringe ao combate da máquina toda poderosa da televisão. Sua câmera (apoiada na direção de fotografia de Harry Stradling), que nunca esteve tão móvel, multiplica imagens sugestivas da força (e às vêzes emprego caricato ou histérico) da publicidade e sua cumplicidade com a política. Mas há ainda um aspecto íntimo: o problema de uma mulher e sua consciência: quando Marcia percebe que sua criação se tornou uma influência corruptora, ela admite sua responsabilidade e, figurativamente, o mata. Em uma surpreendente estréia no cinema, Andy Griffith nos oferece uma performance hipnótica como o joão ninguém truculento, que ascende meteoricamente, conhece a glória, e a perde brutalmente.

 

Em 1960, Kazan realiza Rio Violento / The Wild River, que tem novamente por cenário o Sul dos Estados Unidos, e se desenrola nos anos trinta quando, diante das devastações causadas pelas enchentes do Rio Tennessee, o Congresso Americano autorizou o governo a comprar as terras às margens do rio, para construção de uma série de represas. Um agente federal, o engenheiro Chuck Glover (Montgomery Clift), tem a díficil missão de desalojar Elia Garth (Jo Van Fleet), ocotogenária que vive em uma ilha com sua família e seus operários agrícolas negros. Na primeira visita, ela lhe dá as costas, sai da varanda de sua velha casa e fecha a porta. Depois, Chuck sofre os maus tratos de seus filhos e, em uma segunda visita a anciã lhe diz que existe um plano do presidente Roosevelt (o New Deal) para prejudicar os pequenos latifundiários. Chuck sofre oposição também por parte de outros proprietários locais, quando contrata os negros da ilha para trabalhar nas obras, concedendo-lhes o mesmo salário pago aos brancos. Um deles o procura no seu quarto de hotel, para lhe cobrar o que gastou por ter contratado um negro para um trabalho extra, e depois o espanca. Chuck não dá queixa ao xerife, e passa a procurar uma nova morada para Elia. Ele conhece sua neta Carol (Lee Remick), jovem viúva e mãe de duas crianças. Pela primeira vez Carol retorna em companhia de Chuck à casa que ela habitava com seu falecido marido. Ela espera convencer sua avó a ir viver alí em sua companhia. Uma noite, alguns homens chegam à residência de Carol: uns sobem no telhado e começam a dançar, outros viram o carro de Chuck e alguém até dispara um tiro de fusil. O sujeito que o agrediu no hotel ataca-o novamente, e agride também Carol. Após este incidente, Chuck casa-se com Carol. Finalmente, uma delegacão conduzida pelo xerife conduz Elia para a sua nova morada, e ela morre pouco depois. Após seu enterro, Chuck, Carol e seus dois filhos deixam a região. Do avião, eles lançam um último olhar sobre a ilha, que vai ser engolida pelas águas.

A travessia de balsa em Rio Violento

Cena de Rio Violento

Lee Remick e Montgomery Clift em Rio Violento

 

O tema desse drama rural escrito por Paul Osborne com base nos romances “Dunbar’s Cove” de Borden Deal e “Mud on the Stars” de William Bradford Huie é basicamente o confronto entre o interesse coletivo e o individualismo. O enfrentamento entre o expropriador bem intencionado e a idosa recalcitrante que ele deve expulsar é uma metáfora entre o progresso e o apego à terra. Kazan não toma partido, pois na verdade ambas as partes têm suas próprias e válidas razões (e, apesar de sua convicção de que está fazendo um bem, Chuck sente uma profunda empatia por aquela mulher obstinada). Além de ter que lidar com uma pessoa cheia de dignidade e orgulho, Chuck tem ainda de encarar o racismo tradicional da população branca contra os direitos dos negros. No meio desses conflitos nasce o amor que o une a Carol.

Jo Van Fleet em Rio Violento

Montgomery Clift e Jo Van Fleet em Rio Violento

Montgomery Clift e Lee Remick em Rio Violento

O cineasta trata o assunto com um lirismo certamente inspirado pela natureza selvagem (belíssimamente focalizada em cores e CinemaScope pelas lentes de Elsworth Fredericks), onde transcorre a trama e que tem uma relação profunda com os personagens (a personagem de Elia e o rio antes das represas são uma coisa só, formam uma única entidade). Jo Van Fleet, artificialmente envelhecida, é uma Elia Garth inesquecível. Kazan revelaria na sua autobiografia, Elia Kazan: A Live (Da Capo, 1997), que Jo entrava na sala de maquilagem às quatro horas da manhã e ficava cinco horas se transformando em uma matriarca indomável do campo. Mesmo nos dias em que ele lhe dizia que não ia chegar perto dela com a câmera, ela passava uma hora aplicando as manchas de uma senhora de oitenta anos nas costas de suas mãos. “Jo”, eu dizia, “Não vamos fotografar suas mãos hoje. Aproveita para ganhar mais uma hora de sono”. “Isto não é para a câmera”, ela respondia: “É para mim”.

Resultado de uma perfeito entendimento entre Kazan e o escritor e roteirista William Inge, Clamor do Sexo / Splendor in the Grass / 1961 é um melodrama com uma análise límpida da sociedade puritana e arrivista no final dos anos vinte e início dos anos trinta. O título original “Splendor in the Grass” provém de parte de um poema de William Wordsworth, “Ode: Intimations of Immortality”, que diz notadamente o seguinte: “Embora nada possa devolver os momentos de esplendor na relva, de glória nas flores, jamais sofreremos, ao contrário, encontraremos força no que ficou para trás”.

Natalie Wood e Warren Beatty em Clamor do Sexo

Em uma pequena cidade do Kansas no final dos anos vinte, dois estudantes da escola secundária, Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) e Bud Samper (Warren Beatty), se apaixonam. O pai de Bud, Ace (Pat Hingle), capitalista poderoso da indústria petrólifera, aconselha seu filho a não pensar em casamento, antes de se formar na Universidade de Yale. A mãe de Wilma (Audrey Christie), casada com um farmacêutico, pequeno acionista, é uma mulher despótica que, orientada pela moral rígida da época, adverte sua filha sobre os perigos do desejo carnal. Impedidos de consumar seu amor, sexualmente ou através do matrimônio, os jovens põem fim ao seu relacionamento. Para Bud isto significa um choque físico e emocional e, após ser acometido de pneumonia, ele se envolve com Juanita (Jan Norris), a garota mais permissiva da escola. De coração partido, Wilma se oferece a Bud, mas ele recusa, dizendo que ela é boa demais para se entregar a um homem antes de se casar. Depois de ter tentado se matar, Wilma sofre um colapso mental, e é internada em uma clínica de repouso para tratamento psiquiátrico. À medida que o tempo passa, nova tragédia abala Bud: sua irmã promíscua Ginny (Barbara Loden) morre em um acidente de carro e seu pai, cujo negócio foi abalado pela crise de 1929, comete suicídio. Bud deixa Yale depois de ter sido reprovado em quase todas as matérias e se casa com uma jovem italiana Angelina (Zohra Lampert), cujos pais são donos de um restaurante, depois de engravidá-la. Quando Wilma recebe alta do sanatório, um outro paciente, Johnny Masterson (Charles Robinson), pede-a em casamento, e lhe oferece a chance de uma nova vida. Antes de aceitar esta proposta, Wilma sente que tem que ver Bud mais uma vez. Ela o visita na sua pequena fazenda e eles percebem que são quase estranhos e que o passado deve ser enterrado.

Cena de Clamor do Sexo

Nesta crônica de um amor contrariado, Kazan traça um retrato amargo da intolerância e da hipocrisia na sociedade americana no período em que transcorre a ação, mostrando a repressão da sexualidade e a triste resignação de dois jovens apaixonados, depois das desilusões violentas e das vicissitudes físicas que sofreram. Uma melancolia perturbadora envolve progressivamente a narrativa e a sequência final é de uma tristeza tocante. A partida de Wilma de carro deixando para trás Bud provoca uma dor no nosso coração, é como se presenciássemos uma morte, a morte do tempo pretérito que não volta jamais

Cena na escola em Clamor do Sexo

Barbara Loden e Warren Beatty vem Clamor do Sexo

Visualmente o filme é soberbo, seja pela qualidade da imagem (Boris Kaufman), seja pela reconstituição de época, seja pela direção de Kazan, que soube captar o modo de viver naquele momento em que os valores materiais predominavam sobre a realização pessoal. A produção ocasionou um Oscar de Melhor História e Roteiro Original para William Inge e a indicação de Melhor Atriz para Natalie Wood.

Kazan, Warren Beatty e Natalie Wood em Clamor do Sexo

Terra de um Sonho Distante / América, América / 1963, é uma crônica familiar, em grande parte autobiográfica, inspirada na vida do tio de Kazan, Avroni Kazanjoglous, cuja odisséia em busca da terra prometida é mostrada em um longo relato (168   min.) cheio de incidentes. Kazan acumulou as funções de produtor, roteirista, diretor e realizou seu filme mais pessoal.

Elia Kazan e Sthatis Gialellis na filmagem de Sonho de uma erra Distante

Em 1896, nas montanhas da Anatólia, pátria ancestral dos gregos e armênios dominada e tiranizada pelos turcos há cinco séculos, o jovem grego Stavros Topouzoglou (Stathis Gialellis) e seu amigo armênio, Vartan Damadian (Frank Wolff) sonham em emigrar para a América. Na aldeia de Stavros os turcos incendeiam a igreja onde se havia refugiado a comunidade armênia e Vartan é morto combatendo. Mais do que nunca, Stavros sente que deve partir. Por outro lado, seu pai Isaac (Harry Davis), comerciante que colabora com os turcos e cujos acontecimentos recentes lhe abriram os olhos, toma a decisão de enviá-lo para Constantinopla, levando todo o seu dinheiro, a fim de se associar ao seu primo Odysseus (Salem Ludwig), mercador de tapetes, e preparar o êxodo da família. Durante a viagem, Stavros é roubado por um turco e depois por um escroque, que ela acaba matando. Em Constantinopla, o primo fica decepcionado ao ver Stavros chegar de mãos vazias, que então vai então trabalhar como estivador no porto durante o dia, e como lavador de pratos em um restaurante à noite. Sua meta é ajuntar o mais rápido possível cento e dez libras turcas para pagar sua passagem para os Estados Unidos. Um amigo, Garabet (John Marley) leva-o para um bordel, onde uma prostituta rouba tudo o que ele havia ganho. Stavros assiste a uma reunião clandestina de conspiradores anarquistas à qual Garabet participa e escapa miraculosamente de morrer quando a policia invade o local. Ferido, consegue chegar à casa do primo e, nos dias que se seguem, ele se resigna ao projeto que este tem de casá-lo com uma das quatro filhas do riquíssimo negociante de tapetes Sinnikoglou (Paul Mann). Stavros agrada a Thomma (Linda Marsh), uma das filhas, e o casamento está prestes a se concretizar. Em lugar das quinhentas libras de dote que lhe propõe o futuro sogro, ele quer apenas cento e dez, para comprar a passagem de navio. Assim que as recebe, ele rompe o noivado, e compra a passagem. Entre os passageiros, Stavros reconhece o jovem vagabundo Hoaness (Gregory Rozakis), que ele havia encontrado em Anatólia e para quem havia dado um par de sapatos. Hoanness também sonhava em conhecer a América e agora faz parte de um grupo de sete rapazes contratados por um americano, que os levará para trabalhar como engraxates. Durante a travessia, Stavros torna-se amante de Mme. Kebabian (Katharine Balfour), esposa de um emigrado armeniano que fez fortuna na América. O marido enganado ameaça impedir seu desembarque mas, quando o navio chega ao porto de Nova York, Stavros recebe de uma criada, cinquenta dólares que Mme. Kebabian lhe enviou. Com essa quantia, e depois que Hoannes, tuberculoso, se suicida, após ter deixado no convés o par de seus sapatos e uma carta para Stavros, este assume sua identidade e, sob o nome de Jo Arness, cumpre as formalidades da imigração. Nos anos seguintes, ele fará vir um a um todos os seus parentes para a America, com exceção de seu pai, que morre em sua terra natal.

Cena de Terra de um Sonho Distante

Sthatis Gialellis e Linda Marsh em Terra de um Sonho Distante

Cena de Terra de um Sonho Distante

Stathis Gialellis em Terra de um Sonho Distante

Stavros nutre o desejo – melhor dizendo, tem a obsessão – de imigrar e não há nada que o demova da idéia, nem a advertência de um companheiro que lá esteve (“A América é como aqui, só para os ricos”) nem a perspectiva de abundância e futuro tranquilo ali mesmo em Constantinopla. Kazan expõe a aventura – cheia de obstáculos e sofrimento – e a experiência humana do jovem grego através de imagens eloquentes (providenciadas em um estilo próximo do documentário por Haskel Wexler), registradas em locais autênticos na Grécia. É verdade que ele se demorou mais do que devia em algumas sequências do périplo do jovem grego (v. g. a descrição da vida no seio da família Sinikoglou); porém o fluxo dos episódios, mesmo quando se torna mais lento, não deixa de ganhar a adesão e mesmo o entusiasmo do espectador. A produção foi indicada para o Oscar e Kazan concorreu para receber a estatueta pela Melhor Direção e Melhor História e Roteiro Original.

Os três filmes seguintes e derradeiros de Elia Kazan (Movidos pelo Ódio / The Arrangement / 1969, Os Visitantes / The Visitors / 1972 e O Último Magnata / The Last Tycoon / 1976) são obras menores na sua carreira.

A ação de Movidos pelo Ódio se passa em Los Angeles, onde o imigrante grego de segunda geração Eddie Anderson (Kirk Douglas), publicitário bem sucedido de uma companhia de cigarros, após tentar o suicídio, decide romper com o mundo onde vive. Cercado pela mulher Florence (Deborah Kerr), sua filha Ellen (Dianne Hull), seu irmão Michael (Michael Higgins) e seus colegas de escritório ele, a princípio, se recusa a falar e a trabalhar. Enquanto convalesce, tem alucinações relacionadas com sua infância nada memorável e recorda seu caso amoroso com uma colega de trabalho, Gwen (Faye Dunaway). Saindo do seu mutismo, Eddie conta para Florence que detesta sua vida de perpétuos “compromissos” com o sistema. Disposta a tudo para manter a fortuna de seu marido, Florence o convence a voltar ao trabalho. Os colegas exultam, mas Eddie quase arruina a firma desta vez, tratando mal um cliente importante e praticando alguns atos insensatos. Ele reata o caso com Gwen e vai a Nova York visitar o pai hospitalizado, o mercador de tapetes Sam (Richard Boone). A pedido deste, leva-o para morar consigo e Gwen na velha casa da familia em Long Island. Os planos de enriquecimento de Sam fracassam e a família o transporta novamente ao hospital enquanto Gwen e Eddie se desentendem, e a moça parte com seu novo companheiro Charles (John Randolph Jones), disposta a iniciar uma outra vida com ele e o filho pequeno que nascera de seu romance com Eddie. Apesar dos apelos de Florence e da filha para voltar ao lar, Eddie tem uma discussão violenta com sua esposa, procura Gwenn, leva um tiro de Charles, incendeia a velha casa de seus paes, e se interna em uma instituição para tratamento mental. Tempos depois, quando Sam morre, Gwen vai buscar Eddie, e os dois comparecem juntos ao enterro, diante de Florence.

Deborah Kerr e Kirk Douglas em Movidos pelo Ódi

Faye Dunaway e Kirk Douglas em Movidos pelo Ódio

Kirk Douglas e Richard Boone em Movidos pelo Ódio

Nesse filme, extraído de seu próprio romance muito bem sucedido nas vendas, Kazan pretendeu criticar o American Way of Life através de um drama pessoal. Eddie pretende fazer uma mudança radical em seu modo de vida. Ele se dá conta de que ela está baseada em mentiras: nas relações profissionais com seu patrão ou seus colegas, exercendo uma profissão que ele finge amar (vende cigarros ditos “puros”) e sobretudo na sua vida familiar. Sofre por ter colocado o êxito profissional e o bem estar material como valores dominantes e pelos “arranjos” a que chegou com o sistema. Sua insatisfação interior situa-se na linha do movimento hippie que surgiu nos Estados Unidos nos anos sessenta, e talvez por causa disso, Kazan se rendeu a efeitos modernosos, recorrendo a flashes de quadrinhos pop art para ilustrar um sonho de briga, zooms em grande quantidade, jump cuts, flashbacks com passado e presente justapostos em uma mesma cena, fotografias animadas, montagem associativa etc., resultando uma espantosa colcha de retalhos de efeitos fílmicos que, aliada às deficiências do roteiro e à longa duração do espetáculo, produziram um melodrama confuso e maçante.

O cenário de Os Visitantes é uma casa de campo na Nova Inglaterra, onde Bill Schmidt (James Woods), ex-soldado na guerra do Vietnã, vive com a mulher Martha (Patricia Joyce), o filho recém-nascido e o sogro Harry Wayne (Patrick McVey), veterano combatente da 2a Guerra Mundial. Surgem dois visitantes, Mike Nickerson (Steve Railsback) e Tony Rodriguez (Chico Martinez), recém-saídos da prisão military, condenados por estupro e assassinato de uma adolescente vietnamita, e que agora procuram Bill, o homem que teria prestado testemunho contra eles. A visita, aparentemente é cordial. Bill e Tony fazem amizade com Harry que hoje é alcoólatra e se dedica a escrever livros de bôlso do gênero western. O clima de violência latente se agrava quando Mike tenta seduzir Martha. Na briga com Bill, Mike leva a melhor. Martha é então estuprada pelos dois visitantes, que repetem assim os fatos ocorridos no Vietnã, e partem, deixando o casal traumatizado.

Cena de Os Visitantes

Esse filme produzido de maneira totalmente independente – com argumento original e roteiro escrito por Chris Kazan (filho de Elia), rodado quase que inteiramente na fazenda da família em Newton, Connecticut com uma câmera de 16 mm (para posterior ampliação em 35mm) e planos breves “à moda européia”, contando com um orçamento insignificante de 135 mil dólares, elenco de atores desconhecidos, e equipe técnica reduzida – se destaca pelo tema da delação, já tratado em Sindicato de Ladrões (trazendo à baila de novo a colaboração de Kazan com a HUAC) como também pelo tratamento pioneiro da Guerra do Vietnã e sua influência sobre os combatentes americanos. A fórmula escolhida para tratar desses assuntos foi a do thriller psicológico, porém o diretor lhe imprimiu um ritmo enfadonho, que provoca mais tédio do que tensão. É um filme difícil de ver, sem a energia e a convicção de que Kazan trouxe para os seus outros filmes. Como observou Richard Schikel (Elia Kazan, a Biography, Harper – Perennial, 2006), Os Visitantes não é particularmente um filme longo (apenas 90 min.), mas parece que nunca acaba, arrastando-se no mesmo nível emocional do princípio ao fim.

Jack Nicholson, Robert De Niro e Theresa Russell em O Último Magnata

O Último Magnata tem como ambiente a Hollywood glamourosa dos anos trinta. Apesar de sua pouca idade Monroe Star (Robert De Niro) é o diretor de produção de um dos estúdios mais importantes da “Cidade dos Sonhos”. Depois da morte de sua mulher, que era atriz, ele se entrega de corpo e alma ao trabalho. O último filme sob supervisão de Monroe foi estrelado por dois atores populares, Rodriguez (Tony Curtis) e Didi (Jeanne Moreau). Cecilia (Theresa Russell), filha de seu patrão, Pat Brady (Robert Mitchum), tenta em vão atrair seu interesse. Um dia, Monroe conhece uma moça, Kathleen Moore (Ingrid Boulting), que lembra sua falecida esposa com quem marca um encontro. A certa altura dos acontecimentos, o médico de Monroe (Jeff Corey), julga-o acometido de câncer, e o romance com Kathleen acaba, quando ela lhe revela que vai se casar com outro. Monroe se embriaga e frustra uma reunião com um sindicalista, Brimmer (Jack Nicholson). Brady fica furioso com o mau comportamento de Monroe e decide derrubá-lo profissionalmente. Devido à pressão que sofre, a saúde de Monroe é abalada.

Ingrid Boulting e Robert De Niro em O Último Magnata

Robert Mitchum e Theresa Russell em O Último Magnata

Kazan aceitou com certo descuido substituir Mike Nichols, para realizar este filme baseado em um romance inacabado de F. Scott Fitzgerald (que é um retrato ficcionalizado do legendário produtor executivo Irving Thalberg dos tempos dourados do sistema de estúdio), pois deu apenas uma olhada no roteiro escrito por Harold Pinter. O que o motivou a aceitar deste jeito a proposta de Sam Spiegel, foi a preocupação com a saúde de sua mãe, que necessitava urgentemente passar uns tempos em Los Angeles, para fugir do clima frio do Leste. O desinteresse do diretor, conjugado com seu cansaço criativo e um roteiro débil e verborrágico, ocasionou um espetáculo maçante e insípido, que nem um ator como Robert De Niro conseguiu salvar. Restou apenas a crítica à indústria de cinema de Hollywood, sua ânsia desmesurada de obter cada vez mais lucro em detrimento da qualidade, e o elogio aos trabalhadores humildes do estúdio. Quanto a este aspecto, o filme de Elia Kazan é interessante.

Nos anos sessenta, setenta e oitenta Kazan também se dedicou ao teatro (v. g. dirigindo “After the Fall de Arthur Miller”) e à literatura (escrevendo os romances “The Assassins”, “The Understudy”, “Acts of Love”, “The Anatolian” e uma autobiografia, Kazan, a Life (Alfred A. Knopf, 1988). Em 1994, ele produziu mais um romance, ”Beyond the Aegean”.

Elia Kazan e Arthur Miller

Elia Kazan faleceu em 27 de setembro de 2003, duas semanas e três dias após o seu 94º aniversário. No folheto “On What Makes a Director”, ele enumerou os conhecimentos que um diretor deve ter: conhecimento de literatura, comédia, pintura, escultura e dança; de vistas da cidade e do campo; de topografia, animais e das habilidades da voz humana; de psicologia do ator e do público; da vida erótica. Além desse conhecimento abstrato, o diretor deve ter qualidades pessoais: as qualidades de um caçador de leões em um safari, de um de mestre de obra, de um psicanalista, um hipnotizador, um poeta, e a esperteza de um comerciante em um bazar de Bagdad; deve ter a ardilosidade de um ladrão de jóias, a firmeza de um treinador de animais, a capacidade de persuasão de um publicista, para não mencionar coragem, paciência e aptidão para dizer “Eu estou errado” ou “Eu estava errado”.

 

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN II

julho 6, 2018

Em 1952, a busca de realismo de Kazan foi mais longe com a realização de Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar Named Desire, adaptação da peça de teatro de Tennessee Williams que ele já havia encenado na Broadway com muito sucesso.

Vivien Leigh e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Blanche Dubois (Vivien Leigh) chega a Nova Orleans e pega um bonde chamado “Desejo”, que a conduz até um sobrado, no velho bairro francês da cidade, onde sua irmã Stella (Kim Hunter) vive com seu esposo, Stanley Kowalski (Marlon Brando), operário de ascendência polonesa, rude e brutal. Blanche espera começar uma nova vida depois de perder seu jovem marido (que se suicidou), o dinheiro de família e uma mansão ancestral, Belle Rive; seu emprego de professora; e sua reputação em Auriol (na peça era Laurel), no Mississippi, cidade onde nascera. O filme estabelece deste o princípio o contraste entre o refinamento da recém-chegada e a grosseria do ambiente. Criaturas de meios sociais contrastantes, Stanley e Blanche colidem, ele acabando por descobrir o passado que ela escondia para recuperar a dignidade perdida. Stanley fica sabendo que, em Auriol, Blanche era conhecida por sua promiscuidade sexual e por ter tido um caso amoroso com um estudante adolescente. Ele revela o resultado de sua investigação para seu companheiro Mitch (Karl Malden), que pensava em casar-se com Blanche. Quando Stanley trata a cunhada cruelmente, entregando-lhe uma passagem de ônibus de volta para Auriel, Stella entra em trabalho de parto. Ela, juntamente com Stanley, vão para o hospital. Mitch chega bêbado e rompe seu relacionamento com Blanche. Ela fica sozinha no apartamento e se embriaga. Stanley retorna ao apartamento, estupra Blanche, e ela se desliga mentalmente da realidade. Semanas após o abuso sexual, Stella prepara a internação de Blanche em um asilo, Quando o médico chega, Blanche sai de braço dado com ele e diz a célebre fala: “Seja você quem for – eu sempre dependí da gentileza de estranhos”.

Por causa da censura prévia do Código de Produção, referências à homossexualidade do marido de Blanche foram removidas; o final da peça foi alterado, com Stella rejeitando seu marido em vez de permanecer ao seu lado; a cena do estupro foi apenas sugerida – o espectador vê o espelho quebrado, que mostra o desmaio de Blanche, quando Stanley a toma em seus braços. Ainda assim, o filme causou controvérsias durante seu lançamento e a Warner Bros. extirpou cinco minutos do filme (reacrescentados em uma restauração feita em 1993), que incluiam alusões à antiga promiscuidade de Blanche e a evidência visual do seu relacionamento sensual com Stanley.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

O tema principal do filme é a incapacidade da fantasia de superar a realidade. Embora a protagonista de Tennessee Williams seja a romântica Blanche Dubois, a peça é uma obra de realismo social. Blanche diz para Mitch que ela conta histórias porque se recusa a aceitar as cartas que o destino lhe deu. Mentindo para si mesma e para outros faz com que a vida pareça como deveria ser, e não como é (“Eu não quero realismo. Eu quero mágica!”). A relação antagônica entre Blanche e Stanley é uma luta entre aparência e realidade. Ela impulsiona a trama da peça e cria uma grande tensão. As tentativas de Blanche para refazer sua existência e salvar Stella de uma vida com Stanley, fracassam.

Kim Hunter e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

Outro tema é a relação entre Sexo e Morte. O medo que Blanche tem da morte manifesta-se no seus temores de envelhecer e de perder a beleza. Ela se recusa a revelar sua idade verdadeira ou aparecer diante de uma luz intensa, que revelará suas feições envelhecidas. Blanche parece acreditar que, afirmando continuamente sua sexualidade, especialmente com respeito aos homens mais jovens, conseguirá evitar a morte e retornar ao mundo de felicidade que ela experimentou na sua adolescência antes do suicídio de seu marido. Quando chega na casa dos Kowalskis, Blanche diz que pegou um bonde chamado Desejo, depois transferiu-se para outro chamado Cemitério, que a trouxe para uma rua chamada Campos Elísios. Esta jornada representa alegoricamente a trajetória da vida de Blanche. Os Campos Elísios, como se sabe, é a terra dos mortos na mitologia grega.

Kim Hunter, Viviven Leigh e Elia Kazan na filmagem de Uma Rua Chamada Pecado

Kazan dirige Karl Malden e Vivien Leigh

Rodado quase que totalmente em estúdio, em um ambiente único, sente-se a presença do teatro, mas com a ajuda de uma esplêndida direção de arte (Richard Day, George James Hopkins), de uma iluminação primorosa (Harry Stradling), de uma trilha sonora (Alex North) inovadora e evocativa e, é claro, do trabalho magistral de todo o elenco, Kazan conseguiu dar perfeita continuidade cinematográfica ao relato, manter intacta a riqueza literária da obra de Tennessee Williams e seu clima de morbidez, violência e sensualidade, bem como projetar sobre a tela, com muita sensibilidade, os tormentos interiores dos personagens.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Um Rua Chamada Pecado

Vivien Leigh foi agraciada com o Oscar de Melhor Atriz, Karl Malden e Kim Hunter com o de Melhor Coadjuvante, Richard Day e George James Hopkins como o de Melhor Direção de Arte e Decoração de Interiores em preto e branco, sendo ainda indicados: Marlon Brando, Elia Kazan, Alex North (música), Tennessee Williams (roteiro), Nathan Levinson (som) e Lucinda Ballard (figurinos em preto e branco).

Kazan e seus colegas do Group Theatre: Roman Bohnen, Morris Carnovsky, Harold Clurman, Phoebe Brand,Luther Adler e Lee J. Cobb

Um ponto crítico na carreira de Kazan ocorreu com o seu depoimento perante o House Committee on Un-American Activities em 1952, no tempo da Lista Negra de Hollywood. Seu testemunho ajudou a encerrar a carreira, entre outros, de seus antigos colegas do Group Theatre. Sua delação anti-comunista continuou causando controvérsia. Quando Kazan recebeu um Oscar honorário em 1996, dezenas de atores preferiram não aplaudí-lo. Em uma entrevista coletiva que o cineasta concedeu aos jornalistas durante o Festival de Cinema, TV e Vídeo no Rio de Janeiro, realizado entre os dias 18 e 27 de novembro de 1984, tive oportunidade de fazer algumas perguntas, indagando finalmente – após certa hesitação – por que ele delatou seus companheiros. “Porque eu tinha quatro filhos para sustentar”, respondeu, e não disse mais nada. Terminada a entrevista, descemos no mesmo elevador. Achei que ele tinha ficado chateado comigo por ter feito a pergunta, mas tomei coragem, e lhe pedi para autografar um folheto contendo o texto de uma aula que ele deu no outono de 1973 na Wesleyan University, Middletown, Connecticut e que me havia sido enviado junto com a revista Action do Director’s Guild of America. Ele assinou na capa do folheto e, sorrindo amavelmente, perguntou-me:”Onde você conseguiu isso?”.

Viva Zapata! / 1952 foi o primeiro filme que Kazan rodou em campo aberto, ou seja, em cenários naturais, primeiramente em Roma, no Texas, perto da fronteira do Rio Grande com o México e depois na Fox, em um rancho perto de Malibu. Apoiado no roteiro de John Steinbeck, ele evoca a figura lendária do revolucionário mexicano, não sob a forma de um relato preciso dos acontecimentos, mas sim como uma reflexão sobre o poder e a maneira de exercê-lo.

Em 1909, o Mexico está sob o domínio do ditador Porfirio Diaz (Fay Roope). Um grupo de campesinos de Morelos vai a sua presença, para se queixar dos fazendeiros ricos, que roubaram suas terras. Diaz percebe entre eles um homem altivo que parece ser um possivel agitador, e faz um círculo em torno de seu nome, para que ele seja vigiado no futuro: Emiliano Zapata (Marlon Brando). De volta a Morales, os campesinos são massacrados pelos tiros de uma metralhadora instalada pelos soldados de Diaz. Zapata lidera a luta contra os agressores e suas ações o tornam um criminoso procurado pelas autoridades. Ele se esconde nas montanhas com seu irmão Eufemio (Anthony Quinn) e uns amigos e, quando a notícia se espalha, é procurado por um jornalista aventureiro Fernando Aguirre (Joseph Wiseman). Fernando sugere a Zapata que se junte à causa de Francisco Madero (Harold Gordon), líder mexicano que tenta derrubar Diaz; mas Zapata prefere levar uma vida pacífica ao lado de sua amada Josefa (Jean Peters). Entretanto, o pai de Josefa (Floerenz Ames) se recusa a dar permissão para o casamento enquanto ele for um fora-da-lei. Procurando torna-se respeitável Zapata, grande conhecedor de cavalos, aceita um emprego na fazenda de Don Nacio de la Torre (Arnold Moss), e este consegue um perdão para ele. Porém, antes de se casar com Josefa, Zapata se enfurece com o tratamento cruel que os soldados dão a um velho campesino, e mata os agressores. O tempo passa e Zapata e seus seguidores se engajam em batalhas contra os militares de Diaz. Quando Madero nomeia Zapata seu general no sul e Pancho Villa (Alan Reed) é seu general no norte, o pai de Josefa permite que ele faça a côrte a sua filha. Depois que Diaz foge do Mexico e Madera assume o contrôle do governo, Zapata e Josefa se casam, e ela ensina o marido a ler. O corrupto general Huerta (Frank Silvera) manda seu exército matar Zapata e, enquanto se travam os combates entre suas respectivas forças, Madero é preso e assassinado. Huerta é derrotado e, em uma reunião com outros líderes revolucionários na cidade do México, fica decidido que Zapata será o presidente. Quando os campesinos vêm se queixar dos malfeitos de seu irmão Eufemio (Anthony Quinn), e ele marca os nomes deles, percebe que está cometendo os mesmos erros de seu predecessor, e se demite. O novo presidente, estimulado por Fernando, resolve mandar matar Zapata, a fim de consolidar seu poder. Zapata cai em uma cilada, crivado de balas mas, para o povo mexicano, ele é imortal.

Marlon Brando em Viva Zapata!

Jean Peters e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando em Viva Zapata!

Steinbeck e Kazan formulam muitas das questões sobre a moral revolucionária, sobre a dificuldade de manter seus ideais uma vez no poder, e sobre a utilidade das revoluções. “Um homem forte enfraquece um povo, um povo forte não necessita de um homem forte”- diz Zapata a certa altura da trama. Dos fatos históricos Steinbeck extraiu os mais aptos para delinear o “tigre” Emiliano Zapata como um peão de caráter íntegro que não queria ser mais do que defensor dos camponeses na questão agrária contra espoliadores e acabou caudilho, mostrando-o o filme como um herói idealista, que tinha problemas de consciência e pensava muito antes de resolver, porque não queria ser injusto.

Kazan no set de Viva Zapata! (à dir.Anthony Quinn)

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando e Jean Peters em Viva Zapata!

Além do belo simbolismo “hollywoodiano” no final – o cavalo branco de Zapata correndo livremente pela montanha -, ocorrem vários momentos de bom cinema -valorizados pela fotografia em preto e branco de Joe MacDonald e pela música local inspirada de Alfred Newman -, entre os quais destaco estes três: a prisão de Zapata que segue pela estrada enquanto aparecem de todos os lados os caponeses que vêm prestar auxílio ao homem que começa a ser o seu líder: quanto mais a coluna de soldados avança, mais os camponeses que a seguem aumentam em número, até representarem um verdadeiro exército dez vêzes mais numeroso do que a milícia; a execução de Madero por Huerta, que acontece de noite em um clima no limite do fantástico graças a uma iluminação expressionista; o assassinato traiçoeiro de Zapata, o seu corpo abatido por centenas de balas, e tombando ao solo, de joelhos.

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Cena de Viva Zapata!

Com sua direção deste drama histórico com dimensão filosófica, Kazan demonstrou, de uma vez por todas, que não era tão somente um talentoso homem de teatro. Anthony Quinn ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e foram indicados: Marlon Brando (Ator), John Steinbeck (História e Roteiro), Lyle Wheeler e Leland Fuller (Direção de Arte preto-e-branco), Thomas Little e Claude Carpenter (Decoração de Interiores preto-e-branco), Alex North (Música de filme não musical).

O filme seguinte de Kazan, Os Saltimbancos / Man on a Tightrope / 1953, relata um incidente real, a fuga do Circo Brumbach da Tchecoslováquia para a Alemanha Ocidental. Karel Cernek (Fredric March), dono do circo (que atua também como palhaço), revolta-se contra as restrições crescentes da burocacia comunista – no repertório, obrigando a introdução de mensagens pró-regime nos números circenses (v. g. palhaço que leva pontapés caracterizado de negro vermelho americano e o palhaço agressor de Tio Sam); no quadro de seu pessoal (v. g. convocação de artistas circenses para o exército); e nos seus bens (v. g. equipamento do circo considerado como propriedade do governo) – e planeja uma fuga da trupe para a zona americana.

Acontecimentos desencadeados pela presença de um espião, Krofta (Richard Boone,) no grupo a serviço do chefe da polícia secreta, Fesker (Adolphe Menjou), obriga o dono do circo a realizar a escapada atravessando a fronteira à vista dos guardas e à luz do dia, valendo-se do elemento surpresa. Paralelamente ao tema político, o argumento de Robert E. Sherwood melodramatizou-se, ao criar alguns problemas pessoais para o atribulado Cernek concernentes à incompreensão de sua segunda mulher, Zama (Gloria Grahame), que o considera um covarde por temer as autoridades e flerta com o domador de leões (Roy D’Arcy); ao namoro de sua filha rebelde Tereza (Terry Moore) com Joe Vosdek (Cameron Mitchel), um operário misterioso do circo; e a ameaça de seu eterno rival, Barovik (Robert Beatty).

Fredrich March em Os Saltimbancos

Este filme de atmosfera sombria e depressiva sobre o mundo do circo, descrevendo ao mesmo tempo as duras condições de vida sob a ditadura comunista no tempo da Guerra Fria, tem certa beleza formal e grande força dramática. Aproveitando artistas do verdadeiro Circo Brumbach, filmando em locação nas montanhas da Bavaria, e usufruindo de uma colaboração preciosa dos alemães Gerd Oswald (então produtor associado) e Georg Krauser (fotógrafo), Kazan deu veracidade ao ambiente e, com seus próprios recursos de cineasta, criou um clima de “suspense’, que chega ao climax na cena da travessia da fronteira, quando aquele desfile lento e pitoresco de carros pesados e elefantes, sob o olhar estupefato dos soldados, é um brado de vitória contra a opressão.

Fredrich March, Cameron Mitchell, Terry Moore em Os Saltimbancos

Fredrich March e Richard Boone em Os Saltimbancos

Em 1954, depois de ter dirigido no teatro “Camino Real” de Tennesseee Williams e “Tea and Sympathy” de Robert Anderson, Kazan continuou a exercer seu trabalho de cineasta com Sindicato de Ladrões / On the Waterfront, transposição de fatos reais relatados em uma série de reportagens (intitulada “Crime on the Waterfront”), feita em 1949, sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações a Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

O tema social aproxima Sindicato de Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro, sobre erro judiciário; A Luz é para Todos, sobre anti-semitismo e O Que a Carne Herda, sobre discriminação racial dos negros. O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador, e o desenlace é de um pessimismo totalmente escamoteado no filme: o gangster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado em uma lata de lixo, perfurado com 27 golpes por um pegador de gelo.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em SIndicato de Ladrões

Brando e Kazan em um intervalo de filmagem de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

Já o filme tem um final feliz e nele os autores se interesssaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator. A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gangster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial, há uma aventura interior, que é a da alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gangster, Sindicato de Ladrões é a análise de uma consciência que desperta. Este é o primeiro tema do filme. Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre (Karl Malden) e pela moça que ama, Edie (Eva Marie Saint), Terry (Marlon Brando) adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas ele age também por um desejo de vingança: Terry fora vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (Rod Steiger) e o “meta-pai”, Johnny Friendly (Lee J. Cobb) – que de amigo não tinha nada. Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. Em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, Edie se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina duramente, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto a sua paróquia é o cais”. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. Ele não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar o Cristo de novo na cruz”, diz ele a certa altura da trama. Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens como, por exemplo, na cena do taxi, quando Terry tem aquela conversa com o irmão; na cena em que ele apanha a luva de Edie e custa a devolvê-la; ou quando faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. O desempenho de Marlon Brando é realmente extraordinário. É mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica procurando as palavras, titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito da aplicação do método de Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que ele passa de fracassado a justiceiro. E a idéia de escalar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.

Rod Steiger e Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

Elia Kazan dirige Marlon Brando em SIndicato de Ladrões

Lee J. Cobb e Marlon Brando em uma cena de Sindicato de Ladrões

Cena de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

O filme, que é a um só tempo violento e poético, foi um imenso sucesso crítico e popular, e recebeu os Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor (Elia Kazan), Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto de branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), tendo sido ainda indicado Leonard Bernstein por música de não musical.

Richard Davalos, Julie Harris e James Dean

Kazan disse que convenceu facilmente Jack Warner a produzir Vidas Amargas / East of Eden / 1955, seu primeiro filme em tela larga. A ação transcorre em Salinas na Califórnia e tem como personagens centrais, o velho Adam Trask (Raymond Massey), agricultor intransigente e puritano, e seus dois filhos, Cal (James Dean) e Aron (Richard Davalos). Aron é o favorito do pai e Cal, que sente necessidade de ser amado, tem ciúmes do irmão, inveja o namoro de Aron com Abra (Julie Harris), hostiliza seu progenitor. Cal detém um segredo: ao contrário do que Adam sempre lhe dissera, a mãe dos dois rapazes, Kate (Jo Van Fleet) não morreu, mas abandonara o lar, e vive, não longe dali, em Monterey, como dona de um prostíbulo. Quando descobre a verdade sobre a mãe, ele acha que, agora, passou a entender de onde herdou seu mau temperamento. E acha também que é por causa da sua semelhança com a mãe que o pai tem preferência por Aron. Quando Adam sofre dificuldades financeiras, por ter posto todas as suas economias em um negócio audacioso na época, a conservação de vegetais por meio de refrigeração, Cal procura sua mãe e pede dinheiro para plantar feijão, aproveitando a subida de preços decorrente da Primeira Guerra Mundial, como previsto por seu sócio, Will Hamilton (Albert Dekker). No dia do aniversário do pai, Cal lhe oferece a quantia ganha com os feijões, mas Adam repele seu presente, porque não pode aceitar um dinheiro trazido pela guerra. Sentindo-se expulso do coração do pai e para vingar-se do irmão, que o ferira também com a notícia de seu noivado com Abra, Cal arrasta Aron até o quarto de Kate. Ao ver a prostituta artrítica e bêbada, Aron não consegue suportar esta revelação e se alista para lutar na guerra. Ao ver o rosto sem expressão do filho favorito, na janela do trem que o conduz para “o leste do Paraíso”, ele sofre uma trombose, e fica paralítico. Abra, que percebera que é a Cal que ela ama, suplica a Adam que faça um gesto que perdoe seu filho. O pai encontra forças para articular algumas palavras e murmura no rosto de Cal com os olhos vivos, bem abertos: “Cuide de mim”, “Cuide de mim”.

James Dean

James Dean em Vidas Amargas

James Dean e Jo Van Fleet em Vidas Amargas

Julie Harris e James Dean em Vidas Amargas

Adaptação de parte de um romance de John Steinbeck (apenas as 80 últimas páginas do livro), o filme renova o drama bíblico de Caim (que, enraivecido por seu pai preferir as oferendas de Abel às suas, mata o próprio irmão e se retira para o “leste do Paraíso”), dando-lhe um enfoque psicanalítico. Além da trama familiar, girando em tôrno da sôfrega busca do passado e de ternura por parte de um jovem confuso e incompreendido, o espetáculo aborda ainda algumas questões sociais (o preconceito da população contra o sapateiro alemão) e filosóficas (apreciação subjetiva da bondade e da maldade: Cal se julga mau, mas na verdade ele é bom). O roteiro de Pal Osborn soube conservar da obra de Steinbeck tudo o que lhe dava potência dramática e que Kazan nos transmite com firmeza diretorial, inteligente utilização do CinemaScope tanto em paisagens como em interiores e bela fotografia em cores (de Ted McCord), usando às vêzes ângulos estranhos.

James Dean e Raymond Massey em Vidas Amargas

Distinguem-se dois momentos muito fortes: a cena do aniversário quando Adam recusa o presente de Cal e ele foge para o bosque como um animal ferido e a cena em que Cal leva seu irmão até o quarto de sua mãe, empurrando-o aos gritos e trancando a porta. Porém Vidas Amargas foi marcado sobretudo pela presença de James Dean, representando uma figura de jovem rebelde com quem uma parcela enorme de jovens espectadores passou a identificar-se. Ele foi indicado para o Oscar (póstumo) de Melhor Ator e Kazan para o de Melhor Diretor, mas quem arrebatou a estatueta da Academia foi Jo Van Fleet como Melhor Atriz Coadjuvante.

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN I

junho 21, 2018

Ele foi um dos mais respeitados e influentes diretores da história da Broadway e de Hollywood, tendo feito uma carreira de sucesso tanto no Cinema como no Teatro, notabilizando-se sobretudo pela sua capacidade de extrair as melhores performances dramáticas de seus atores, pela sua preocupação com temas sociais, (notadamente a radiografia percuciente da sociedade estadounidense) e pelas suas confissões autobiográficas. Entretanto, o cineasta ficou sempre associado à caça às bruxas do começo dos anos cinquenta, período no qual ele colaborou com uma comissão encarregada de identificar os comunistas nos Estados Unidos, a ponto de muitos esquecerem o imenso realizador que ele era.

Elia Kazan

Elia Kazanjioglous (1909-2003) nasceu em Constantinopla (hoje Istambul, Turquia), filho de George Kazanjioglous e Athena Shishmanoglou que, devido a um clima político tenso, emigraram para os Estados Unidos, quando ele tinha quatro anos de idade. A integração da família foi facilitada pela presença de um tio, que havia emigrado há algum tempo e prosperado no comércio de tapetes, ao qual George então se associou e esperava que seu filho fizesse o mesmo quando crescesse.

Após se graduar no Williams College, o jovem Kazan frequentou o departamento de drama em Yale e, em 1932, ingressou no Group Theatre como ator e assistente do diretor de cena. O Group Theatre era um grupo teatral de Nova York formado em 1931 por Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasberg, nos moldes do Teatro de Arte de Moscou, concentrando-se nos problemas de ordem social e adotando um método de interpretação naturalista baseado nas inovações de Konstantin Stanislavski.

Cheryl Crawford, Lee Strasberg e Harold Clurman no Group Theatre

O Group Theatre inspirou-se também no Actor’s Laboratory Theatre, organização fundada em 1923 pelo polonês Boleslaw Ryszard Srednicki (que se tornou depois o diretor de cinema Richard Boleslavsky) e pela atriz russa Maria Ouspenskaya (que depois atuou em filmes de Hollywood como coadjuvante), ex-membros da companhia de Stanislavski, que emigraram para os Estados Unidos, onde introduziram o famoso “Método”, criado pelo seu mestre.

Em 1934, de férias do Group Theatre, Kazan aproximou-se da New Theatre League, federação de tendência esquerdista reunindo pequenos teatros e grupos teatrais amadores para produzir peças tratando de assuntos politicos. A New Theatre produziu uma peça que ele havia escrito com seu colega Art Smith, intitulada “Dimitroff”, que versava sobre o comunista búlgaro falsamente acusado de ter incendiado o Reichstag em 1933. A peça fez sucesso e o Group Theatre passou a prestar mais atenção em Smith e Kazan.

Kazan em Waiting for Lefty

Em 1935, Kazan causou forte impressão na peça “Waiting for Lefty” de Clifford Odets. Ele sempre a considerou como a noite mais excitante que experimentou no teatro. A ação central é simples: os membros de um sindicato de taxistas estão aguardando a chegada de Lefty, seu presidente, que irá determinar se eles vão entrar em greve. Após várias vinhetas, chega-se ponto mais emocional do espetáculo, uma cena na qual um membro aparentemente sincero do sindicato pede cautela aos seus companheiros – mas é denunciado pelo seu próprio irmão como espião dos patrões. É Elia Kazan, que desde as primeiras cenas estava sentado na platéia usando um boné de pano com um pé de coelho no visor para dar sorte (ele havia visto um taxista de verdade usando um boné idêntico), que sobe ao palco para identificar o traidor, recebendo uma chuva de aplausos como nunca vira antes. No climax da peça, quando é anunciado que Lefty foi assassinado, Agate, o mais raivoso e o mais radical dos membros do sindicato se dirige a seus camaradas para a greve, e depois pergunta para o público: “Bem, qual é a resposta?”, coube a Elia Kazan, que já estava de novo no auditório, subir mais uma vez ao palco, erguer seu braço com o pulso fechado, e gritar “Greve!”. Nessa noite, o público se levantou com ele, ecoando seu grito, e não sairam do teatro quando a peça terminou. A cortina não baixou por cerca de 45 minutos enquanto as pessoas, entusiasmadas, aplaudiam e batiam com os pés no chão.

No mesmo ano, Kazan apareceu no seu primeiro filme, Pie in the Sky, short de 22 minutos produzido pela Nykino (fundada por um grupo de realizadores que se separaram da Worker’s Film and Photo League, patrocinada pelo Partido Comunista) e dirigido por Ralph Steiner, satirizando as promessas feitas para os pobres durante a Depressão. Kazan é um dos mendigos que, rejeitados em uma fila para receber alimento gratuito, rumam para o depósito de lixo local, onde fazem uma refeição imaginária com peças de automóveis, incluindo a torta do título. O elenco personifica políticos, homens de altos negócios e líderes religiosos que estão vivendo confortavelmente enquanto as massas passam fome nas ruas.

Ainda em 1935, Kazan atuou como ator em “Paradise Lost” de Clifford Odets e dirigiu a peça “The Young Go First” de Peter Martin, Charles Scudder e Charles Friedman. No decorrer da década, continuou dirigindo algumas peças (“The Crime” de Michael Blankfort; “Casey Jones” de Robert Ardrey; “Quiet City” de Irwin Shaw; ”Thunder Rock” de Robert Ardrey) e atuando como ator em outras (“Johnny Johnson” de Paul Green; “Golden Boy” de Clifford Odets; “The Gentle People” de Irwin Shaw).

Cena de People of the Cumberland

Em 1937, Kazan participou de outro documentário, People of the Cumberland, que versava sobre a vida dos mineiros no Condado de Cumberland no Tennessee, produzido pela Frontier Films, companhia constituida por veteranos da Film and Photo League, descrita pelo Variety como “O Group Theatre do Cinema”. Fotografado por Ralph Steiner e dirigido por Robert Stebbins (pseudônimo de Sidney Meyers) e Eugene Hill (pseudônimo de Jay Leyda), creditava Elia Kazan como assistente de direção.

Kazan em Dois Contra Uma Cidade Inteira

Kazan em Uma Canção Para Você

No início dos anos quarenta, Kazan continuou como ator no palco (“Night Music” de Clifford Odets; “Lillion” de Ferenc Molnar; “Fire Alarm Waltz” de Lucille Primbs) e na tela, como coadjuvante, em dois filmes de Anatole Litvak: Dois Contra Uma Cidade Inteira / City for Conquest / 1940 e Uma Canção para Você / Blues in the Night / 1941, ambos produzidos pela Warner Bros. A partir de 1942, ele começou a se firmar como um dos melhores diretores da Broadway com produções como “The Skin of Our Teeth” de Thornton Wilder (1942); “One Touch of Venus” de S. J. Perelman e Ogden Nash (1943); “Jacobowsky and the Colonel” de S. N. Behrman (1944); “All My Sons” de Arthur Miller (1947); “A Streetcar Named Desire” de Tennessee Williams (1947); “Death of a Salesman” de Arthur Miller (1949), entre outras. Neste mesmo decênio, produziu um short de propaganda para o Departamento de Agricultura, It’s Up to You /1943 e seus primeiros cinco filmes de ficção: Laços Humanos / A Tree Grows in Brooklyn / 1945; Mar Verde / The Sea of Grass/ 1947; O Justiceiro / Boomerang! / 1947; A Luz é para Todos / Gentleman’s Agreement / 1947 e O Que a Carne Herda / Pinky / 1949, todos produzidos pela Twentieth Century Fox com exceção de Mar Verde, feito na MGM.

A ação de Laços Humanos transcorre em um quarteirão de imigrantes no Brooklyn, no começo do século vinte, onde a família Nolan, de origem irlandêsa, vive muito modestamente. Johnny (James Dunn), o pai, sonhador e alcólatra, trabalha esporadicamente como garçom-cantor e volta para casa frequentemente bêbado (“doente” como ele prefere dizer com pudor). Katie (Dorothy McGuire), a mãe, presta serviço como faxineira no prédio. Os filhos, Neeley (Ted Donaldson), o caçula, e sua irmã Francie (Peggy Ann Garner), ganham alguns centavos vendendo peças de roupas velhas ou rasgadas. Eles costumam receber a visita de tia Cissy (Joan Blondell), cujo comportamento extravagante (sua escandalosa sucessão de maridos) incomoda Katie. Francie foge da miséria pela leitura. Uma noite, ela revela ao pai seu desejo de ingressar em uma escola melhor em outro bairro. A mãe, ocupada com as preocupações quotidianas, recebe mal as aspirações da filha. O pai, ao contrário, está de pleno acôrdo e convence Katie a deixar filha entrar (ilegalmente) em um novo colégio. Pouco depois, Katie se muda com a família para um apartamento menor e mais barato no mesmo prédio. Ela conta para Johnny que está grávida e ele compreende a mudança para um apartamento mais accessível. Quando Katie insiste que Francie deve deixar a escola, para que possa trabalhar, Johnny sai à procura de um emprego permanente em plena nevasca e, depois de sumir por mais de uma semana, morre de pneumonia. A morte do pai é dolorosa para todos, sobretudo para Francie, que admirava seu espírito fantasioso. Mãe e filha acabam se reconciliando por ocasião do nascimento de um terceiro filho. McShane (Llyod Nolan), o policial do bairro, que amava em silêncio Mrs. Nolan, pede-a em casamento, e a família aceita. Superando o ambiente duro em que vive, Francie obtém seu diploma, tal como aquela árvore simbólica que consegue, apesar de tudo. crescer no pátio de concreto do imóvel.

James Dunn e Peggy Ann Garner em Laços Humanos

Kazan e o elenco de Laços Humanos

Joan Blondell, Dorothy McGuire e Peggy Ann Garner em Laços Humanos

Neste drama humano e social, baseado em um romance de Betty Smith, Kazan descreve com precisão uma família de imigrantes no começo do século vinte, vista pelo olhar de uma jovem adolescente e, ao mesmo tempo, conta a história de sua admiração pelo pai que, tal como ela, procura se evadir da dura vida quotidiana pelo sonho e pela fantasia. Francie, foge através da leitura e do estudo; Johnny, infelizmente, recorre à bebida. Incapaz de enfrentar a realidade, ele não faz nada de concreto para tirar sua família da situação de penúria. Promete mil e uma maravilhas mas, no final das contas, não acontece nada. Entretanto, graças à sua capacidade de inventar histórias, ele consegue algo pelo qual sua filha o estimará ainda mais: ir para uma boa escola, tal como ela desejava. Laços Humanos é um filme forte, emocionante, cheio de calor humano e poesia, narrado sobriamente e valorizado pelas interpretações tocantes dos atores principais. Foi um dos filmes mais lucrativos de 1945 e proporcionou um Oscar para James Dunne e um prêmio especial para Peggy Ann Garner como a melhor atriz infantil do ano.

Mar Verde, desenrola-se no Novo Mexico, onde Lutie Cameron (Katharine Hepburn), dama da sociedade de St. Louis que se casou com um barão de gado, Jim Brewton (Spencer Tracy), percebe que ele está lutando tiranicamente contra os pequenos lavradores, que estão se instalando no seu enorme rancho Big Vega (conhecido como “Mar de Relva”). Insatisfeita com os métodos impiedosos de seu marido, Lutie afasta-se dele, e vai para Denver. Sentido-se sozinha e arrebatada momentaneamente pelas atenções de Bruce Chamberlain (Melvyn Douglas), o porta-voz dos lavradores, passa uma noite com ele; mas se arrepende no dia seguinte, ao perceber que ama realmente Brewton. Lutie, que já é mãe de uma filha, Sarah Beth, com Brewton, tem um filho com Chamberlain; porém as duas crianças ficam com Brewton. Anos depois, o filho adulterino Brock (Robert Walker), envolve-se em um duelo a bala com um jogador diante de uma insinuação injuriosa que este fez com relação a Brewton, por quem ele tem uma afeição muito viva. Quando seu adversário morre, Brock, percebendo que um julgamento irá humilhar seu progenitor legal, foge para não ser preso. Sarah Beth (Phyllis Thaxter) conta ao pai a razão dos atos de seu irmão, e ele vai atrás do filho, encontrando-o fatalmente ferido em uma cabana, cercado pelo delegado e seus auxiliares. Neste mesmo momento, Lutie chega na cidade e, após uma conversa com Sarah Beth, se reconcilia com Jim.

Spencer Tracy e Katharine Hepburn em Mar Verde

Kazan na filmagem de Mar Verde conversa com Katharine Hepburn e Spencer Tracy

 

Kazan ficou tão atraído pela trama do romance de Conrad Richter, que pediu a MGM para dirigir o filme, pois seu contrato com a Fox não o impedia de trabalhar para outro estúdio, se assim o desejasse. Ele pensou em passar mêses rodando em locação e usar atores não profissionais, mas o que obteve do produtor Pandro S. Berman foi uma filmagem em estúdio (com retroprojeção e tomadas de arquivo) e um elenco incluindo dois grandes astros, que o intimidaram. O resultado foi um melodrama em ambiente de western, com pouca ação e ritmo lento, focalizando mais a história pessoal de um casamento perturbado do que o interessante conflito socioeconômico na região. Na sua autobiografia, Elia Kazan: A Life (Da Capo, 1988), o cineasta escreveu: “É o único filme que eu fiz do qual me envergonho. Não o vejam”.

O Justiceiro é uma reportagem no estilo semi-documentário, produzida por Louis de Rochemont (o criador da série “A Marcha do Tempo”), baseada em um fato autêntico ocorrido em Bridgeport, pequena cidade do Connecticut (e não Stamford como aparece no filme, porque a primeira cidade citada não deu permissão para filmagem nas ruas). O padre George A. Lambert (Wyrley Birch) é assassinado com uma bala na cabeça em plena via pública. O Prefeito e outros políticos exigem mais resultados de Henry Harvey (Dana Andrews), o Procurador do Estado. Um homem chamado John Waldron (Arthur Kennedy) é preso. Depois de um exaustivo interrogatório, acaba confessando. Harvey convence o chefe de polícia local, Robinson (Lee J. Cobb) a não se demitir e começa a investigar. Harvey convence-se da inocência de Waldron e, em vez de acusá-lo, passa a defendê-lo, enfrentando todo tipo de pressão. O digno Procurador consegue provar a inculpabilidade de Waldron, porém o caso permaneceu insolúvel.

Cena de O Justiceiro (no centro, Arthur Kennedy e Karl Malden)

Dana Andrews em O Justiceiro

Waldron, o rapaz acusado injustamente de assassinato, é um soldado veterano, alienado e desiludido, igual a outros que costumam aparecer nos filmes noir. Entretanto, o tema principal do filme não é o desajustamento dos pracinhas no pós-guerra, mas sim o drama da integridade do ocupante de um cargo público em confronto com a obstrução de justiça por considerações políticas, abordado com concisão e coragem por Kazan. Reconhecido como “um sujeito completamente honesto”, Harvey se vê no meio de uma disputa entre o partido da situação e o da oposição, resistindo não só às pressões de ambos os lados, como também da população, que deseja um réu para a morte do padre tão querido. ”Não me importa se ele é inocente ou culpado. Tenho uma eleição para ganhar”, exclama T. M. Wade (Taylor Holmes), o dono do jornal que faz campanha contra o governo reformista, e tem esperança de reconquistar o poder. O íntegro Procurador ainda recebe uma proposta de suborno (“O que acha de ser candidato a Governador?”) e descobre a corrupção que está por trás da construção de um centro de recreação cujos investidores (entre os quais está sua esposa) dependem de uma vitória eleitoral. No final, o crime fica oficialmente sem solução, mas o espectador sabe quem foi o verdadeiro assassino por meio de algumas tomadas insinuantes que, tal como as do nome “Rosebud” no trenó se incendiando em Cidadão Kane, são um privilégio da platéia.

Dorothy McGuire e Gregory Peck em A Luz é Para Todos

Em A Luz é para Todos, o repórter Philip Schuyler Green (Gregory Peck) é encarregado pelo editor de uma revista, John Minify (Albert Dekker) de fazer uma investigação jornalística sobre o antisemitismo nos Estados Unidos. Viúvo prematuramente, ele tem um filho de onze anos, Tommy (Dean Stockwell) e vive com sua mãe (Anne Revere). A idéia desta enquete foi sugerida pela sobrinha de Minify, Kathy Lacey (Dorothy McGuire), uma jovem divorciada. Ela e Phillip simpatizam um com o outro vivamente. Philip decide se fazer passar por judeu durante seis mêses, mudando seu sobrenome para Greenberg. Esta experiência lhe proporciona descobertas inesperadas: sua secretária (June Havoc), judia, teve que mudar de nome para ser aceita no seu trabalho; o médico que cuida de sua mãe deprecia um especialista judeu; o melhor amigo de Philip, Dave Goldman (John Garfield), soldado desmobilizado, é insultado em um restaurante, por ser judeu e não encontra um lugar “irrestrito” para morar (ele é vítima do “gentleman’s agreement). Surgem dificuldades entre Philip e Kathy, porque ela vive em um meio anti semita (em uma festa, ela faz questão de dizer que seu noivo não é judeu), e quando Tommy é molestado no colégio, chega em casa chorando e conta a Kathy o que aconteceu, ela tenta confortá-lo, explicando absurdamente que já que ele não é realmente judeu, não devia ficar tão perturbado; Philip se irrita e rompe com ela. Entretanto, aconselhada por Dave, Kathy reconhece o erro de seus atos, se arrepende, e conquista Philip de volta.

Kazan conversa com Dorothy McGuire e John Garfield na filmagem de A Luz é Para Todos

Cena de A Luz é Para Todos vendo-se Gregory Peck, Celeste Holm  e John Garfield

Projeto escolhido e totalmente controlado pelo seu produtor Darry F. Zanuck, o espetáculo manifesta uma intenção louvável: denunciar o antisemitismo cotidiano, algo raramente abordado pelo cinema até então. O roteirista Moss Hart teve a boa idéia de que, para envolver o espectador nesse combate, era preciso que o personagem principal fosse ele mesmo considerado como judeu, para que as práticas discriminatórias pudessem ser literalmente vividas no seu íntimo. O título original também foi bem imaginado: o “gentleman’s agreement” é aquele feito sem necessidade de uma forma escrita ou nem mesmo falada, um acordo que é presumido. Com relação ao filme, o termo se refere àquelas pessoas intolerantes que, irracionalmente, supõem que seus preconceitos são aceitos por todos. Apesar de suas ambições realistas, A Luz é para Todos resultou em um produto tipicamente hollywoodiano, como o próprio Kazan reconheceu (“Parece uma ilustração para uma revista tipo “Redbook” ou Cosmopolitan”. É tudo muito bonito”). Nesta condição, a produção arrebatou o Oscar de Melhor Filme, tendo sido a estatueta da Academia também concedida a Kazan como Melhor Diretor e a Celeste Holm (que faz o papel de Anne Dettrey uma boa amiga do jornalista Philip), como Melhor Atriz Coadjuvante, tendo ainda sido indicados: Gregory Peck, Dorothy McGuire, Anne Revere, Moss Hart, e o montador Harmon Jones.

Enquanto prosseguia sua carreira como diretor de cinema, Kazan continuou trabalhando no teatro. Em 1947, ele fundou o Actors Studio com os atores Robert Lewis e Cheryl Crawford, uma escola para formação de atores, onde Lee Strasberg, assumindo a direção depois que Kazan foi se dedicar mais a sua carreira em Hollywood, introduziu o famoso “Método” de Stanislavski, formando uma nova geração de atores como Marlon Brando, Montgomery Clift, James Dean etc.

O Que a Carne Herda é um drama racial ousado para a sua época. De ascendência negra, mas com a pele branca, Patricia “Pinky” Johnson (Jeanne Crain), foi enviada por sua avó, Tia Dicey (Ethel Waters), uma lavadeira, para o Norte dos Estados Unidos. Lá, onde ninguém lhe fazia perguntas em relação a sua cor, ela se diplomou como enfermeira e se apaixonou por um médico branco, Dr. Thomas Adams (William Lundigan). Retornando ao Sul em uma visit, Pinky tem de enfrentar todo o peso do preconceito ali existente contra os negros. Quando uma senhora branca, Miss Em (Ethel Barrymore), a quem serviu como enfermeira, vem a falecer, deixando-lhe a casa onde mora, os primos da falecida contestam o testamento, alegando que Pinky exerceu influência indevida sobre sua paciente; porém, finalmente, o tribunal decreta a legalidade do ato jurídico. Tom, que viera ao encontro de Pinky, quer se casar com ela, e levá-la para Denver, onde ela poderia facilmente passar por branca; mas ela prefere, manter seu orgulho, e ficar sozinha na casa herdada, transformada em hospital e escola de enfermagem para a população negra.

Ethel Waters e Jeanne Crain em O Que A Carne Herda

Jeanne Crain e Ethel Barrymore em O Que A Carne Herda

Após o antisemitismo de A Luz é para Todos, Darryl Zanuck tratou da segregação racial, controlando novamente toda a produção. A filmagem foi iniciada por John Ford mas, após dez dias de trabalho, ele inventou uma doença de pele, para sair da direção e se afastar de Ethel Waters, cuja personalidade se chocava com a dele. Embora Kazan tivesse aptidão para o desenvolvimento de temas fortes, ele não pôde tratar o tema com profundidade, de modo que o filme tornou-se apenas um melodrama, concentrado na angústia pessoal de “Pinky” – assim chamada porque pinky é o nome que no Sul dos Estados Unidos se dá aos descendentes brancos de um cruzamento de etnias – ou seja, Pinky enfrenta este dilema: viver no meio dos brancos, mas com a culpabilidade de mentir para si mesma ou permanecer entre os negros, sofrendo a desconfiança destes e o racismo usual. Desta vez Zanuck não levou o Oscar de Melhor Filme, mas Jeanne Crain e as coadjuvantes Ethel Barrymore e Ethel Waters foram indicadas para o prêmio da Academia.

 

Pânico nas Ruas / Panic in the Streets / 1950 foi o primeiro filme no qual Kazan se libertou dos constrangimentos dos estúdios e se arriscou a fazer um cinema muito mais livre, com a marca de sua personalidade (“Ninguém no estúdio controlou nosso trabalho”). Em New Orleans, o corpo não identificado de uma vítima de roubo e assassinato é descoberto perto do cais, contendo uma doença contagiosa mortal: a peste pneumônica. O Dr. Clinton Reed (Richard Widmark), da Saúde Pública, com a ajuda da polícia, sob o comando do Capitão Tom Warren (Paul Douglas), tem quarenta e oito horas para encontrar os criminosos, provavelmente contaminados, sob pena de se alastrar uma epidemia por toda a cidade. Blackie (Jack Palance), o assassino, se espanta ao ver a polícia tão engajada em descobrir o responsável: para ele Kochak (Lewis Charles), a vítima, devia ter ligacões com um tráfico muito lucrativo, o que explicaria todo o aparato policial. Ele e seu cúmplice Fitch (Zero Mostel) decidem procurar Poldi (Guy Thomajan), o primo do morto, para saber mais a respeito.

Richard Widmark e Paul Douglas em Pânico nas Ruas

Zero Mostel e Jack Palance em Pânico nas Ruas

Kazan conjuga eficientemente o fato comum (a rotina diária do médico da Saúde Pública) com o extraordinário (o perigo da peste, que pode ser uma metáfora do crime como um uma espécie de doença da ordem social ou do comunismo). Embora o motivo principal do filme seja a tensão física da caçada aos criminosos, vários aspectos sociais e humanos são abordados: a rivalidade e as dúvidas das autoridades, a cortina de ferro contra um repórter curioso e o problema do quê fazer com ele quando descobrir a verdade, a hostilidade e medo de várias pessoas envolvidas direta ou indiretamente como o caso, a necessidade do cumprimento do dever predominando sobre os interesses individuais. Os cenários autênticos são investidos de uma intensidade expressionista em uma perfeita combinação da influência neo-realista com a visão dark do filme noir. Cenas como a morte de Kochak, a de Poldi, e a perseguição de Blackie pelos armazéns de café possuem notável força dramática, acentuada pela excelente iluminação. No final simbólico e memorável, Blackie tenta escapar, arrastando-se pelas amarras da âncora de um navio. O obstáculo que encontra é um dispositivo para impedir que ratos subam a bordo, e o mecanismo funciona: como um rato, ele cai no mar e é preso.

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IRMÃS FAMOSAS NO CINEMA II

junho 7, 2018

Hollywood sempre gostou de reunir irmãs da vida real em suas produções. Prossigo, lembrando as que fizeram mais sucesso no cinema falado.

Gloria e Joan Blondell

Joan (1906-1979) e Gloria (1910-1986) Blondell.

Rose Joan e Gloria nasceram em Nova York, filhas de Ed Blondell, comediante do vaudeville que excursionou pelo país, com uma versão teatral da popular história em quadrinhos “The Katzenjammer Kids”. Ed e sua esposa, Kathryn (“Katie”), apresentavam-se nos palcos acompanhados de seus filhos menores Joan, Ed Jr., e Gloria, ficando todos conhecidos como “The Bouncing Blondells”.

Em 1927, Joan estreou em Nova York no Ziegfeld Follies. Quando atuava na Broadway em “Penny Arcade” ao lado de James Cagney, a Warner Bros. decidiu filmar esta peça como Sinner’s Holiday / 1930, e aproveitou os dois artistas. Em 1931, Joan fez, ainda como coadjuvante, dois bons filmes, Inimigo Público / Public Enemy e Triunfos de Mulher / Night Nurse, ambos dirigidos por William Wellman. No mesmo ano, em Gente Esperta / Blonde Crazy, obteve seu primeiro papel como atriz principal ao lado James Cagney, com quem faria ao todo nove filmes.

Em 1932, Joan apareceu com destaque em Delirante / The Crowd Roars de Howard Hawks e Três Ainda é Bom / Three on a Match de Mervyn LeRoy. Em 1933, ela fez Cavadoras de Ouro / Gold Diggers of 1933, o primeiro dos dez musicais ao lado de Dick Powell que, tal como Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, Mulheres e Música / Dames / 1934 e Cavadoras de Ouro de 1937 / Gold Diggers of 1937 / 1936, contou com a contribuição da coreografia inventiva de Busby Berkeley.

Duas comédias bem divertidas, marcaram a carreira de Joan em 1937: O Homem Perfeito / The Perfect Specimen com Errol Flynn e dirigido por Michael Curtiz e Assim é Hollywood / Stand-In de Tay Garnett com Humphrey Bogart e Leslie Howard. Nos anos quarenta, ela esteve em dois filmes excelentes: Laços Humanos / A Tree Grows in Brooklyn / 1945 de Elia Kazan e O Beco das Almas Perdidas / Nightmare Alley / 1947 de Edmund Goulding, sobressaindo-se neste último como Zeena, a mentalista parceira do charlatão interpretado por Tyrone Power. Em 1951, foi indicada para o Oscar por seu trabalho em Ainda Há Sol em Minha Vida / The Blue Veil e, no restante de sua carreira, arrancou elogios da crítica por seu desempenho em A Mesa do Diabo / The Cincinnatti Kid / 1965 e Opening Night / 1977 de John Cassavetes.

Joan trabalhou também no teatro e na televisão, despedindo-se da tela grande em The Woman Inside / 1981, filme curioso sobre um veterano do Vietnam, que decide fazer uma operação transgênero. Seus três casamentos foram com gente de cinema: o fotógrafo George Barnes, o ator Dick Powell e o produtor Mike Todd.

Joan Blondell

Gloria surgiu na Broadway em 1935 na peça “Three Men in a Horse”, estreou no cinema em 1938 no filme Satanás sôbre Rodas / Daredevil Drivers e, no mesmo ano, co-estrelou com Ronald Reagan O Triunfo da Verdade / Accidents Will Happen. Ela foi a primeira escolhida para ser Blondie / Florisbela, esposa de Dagwood Bumstead / Pancrácio, quando a história em quadrinhos de Murat (Chic) Young iria ser levada à tela; porém o papel acabou ficando com Penny Singleton, que o interpretou nos 28 filmes da série. Ainda em 1938, Gloria trabalhou em um papel pequeno no filme Amando sem Saber / Four’s a Crowd da Warner Bros. e sem ser creditada em: Filhos do Desprêzo / Juvenile Court e Apenas um Marido / The Lady Objects; comédias curtas da Columbia (v. g. duas com Charles Chase; uma com Os Três Patetas / The Three Stooges); no seriado Aranha Negra / The Spider’s Web.

Nos anos quarenta, também sem ser creditada, apareceu em Esposa Modelo / Model Wife / 1941 e emprestou a voz para a Margarida / Daisy em alguns desenhos do Pato Donald / Donald Duck, produzidos por Walt Disney. Nos anos cinquenta, participou não creditada de Alma Desesperada / Don’t Bother to Knock / 1952; como coadjuvante, de Estranho Encontro / The Twonky / 1953; em um pequeno papel, de O Raio Branco / White/1953; mais uma vez sem receber crédito, de Deus é Meu Guia / God is My Partner / 1957. Na mesma década, fez televisão, aposentando-se em 1962. Gloria foi casada com Albert R. Broccoli, produtor da série de filmes sobre James Bond.

As irmãs Young (Loretta,Polly Ann Yong, Georgiana Young e Sally Blane)

Loretta Young (1913-2000), Sally Blane (1910-1997), Polly Ann Young (1908-1997) e Georgiana Young (1924-2007).

Depois que seus pais se divorciaram, Gretchen, Elizabeth Jane e Polly Ann mudaram-se com sua mãe para a Califórnia, onde esta abriu uma pensão. Um tio introduziu-as como figurantes infantís (v. g. Sereias Humanas / Sirens of the Sea / 1917; Paixão de Bárbaro ou O Sheik / The Sheik / 1921).

Loretta Young

Gretchen, sozinha, havia feito um pequeno papel não creditado em A Inválida / The Primrose Ring / 1917, cuja atriz principal, Mae Murray, ficou tão encantada com aquela menina de quatro anos de idade, que tentou adotá-la; porém a mãe biológica não permitiu. Posteriormente, Colleen Moore, em cujos filmes, Em Maus Lençois / Naughty But Nice / 1927 e Apuros da Nobreza / Her Wild Oat / 1927, Gretchen também figurou, impressionou-se pela agora já moça aspirante a atriz. Ela insistiu para que seu marido e agente, John McCormick, a contratasse, e lhe deu um novo nome, Loretta Young, que ela passou a usar no seu próximo filme, Pancadas de Amor / The Whip Woman / 1928. No mesmo ano, Loretta contracenou com Lon Chaney em Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh, e daí em diante foi construindo aos poucos sua carreira, que incluiu filmes respeitáveis como Um Romance em Budapest / Zoo in Budapest / 1933, O Paraíso de um Homem / Man’s Castle / 1933, A Casa de Rothschild / The House of Rothschild / 1934, O Grito da Selva / The Call of the Wild / 1935, A Conquista de um Império / Clive of India / 1935, As Cruzadas / The Crusades / 1926, O Estranho / The Stranger / 1946, Ambiciosa / The Farmer’s Wife / 1947 (que lhe proporcionou o Oscar de melhor Atriz), Um Anjo Caiu do Céu / The Bishop’s Wife / 1947, Acusada / The Accused / 1949, Falam os Sinos / Come to the Stable / 1949 (indicada para o Oscar pela sua interpretação como Sister Margaret), entre tantos outros. Em 1953, Loretta deixou o cinema e iniciou uma nova carreira na televisão. Ela foi casada três vezes: em 1930, fugiu com o ator Grant Withers, mas sua mãe, horrorizada, conseguiu anular o matrimônio; em 1940, com o produtor Tom Lewis, de quem se divorciou em 1969; em 1993, com o figurinista Jean Louis. Após anos de rumores, foi revelado que sua filha adotiva, Judy Lewis, era na realidade a filha ilegítima fruto de um romance com Clark Gable durante a filmagem de O Grito da Selva.

Sally Blane

Elizabeth Jane apareceu na tela como figurante infantil em 1917-1921 e retornou com o nome de Sally Blane na série Veteranos e Calouros / The Collegians no papel de Betty Jane (mas não creditada). Daí em diante, sobressairam na sua carreira os filmes que fez com Tom Mix (Cavaleiro das Planícies / A Horseman of the Plains / 1928, O Rei Cowboy / King Cowboy / 1928, Um Contra Todos / Outlawed / 1928) e os dois, baseados nos romances de Zane Grey e dirigidos por Henry Hathaway (A Herança do Deserto ou Herança das Estepes / Heritage of the Desert / 1932 e Audácia Entre Adversários / Wild Horse Mesa / 1932, nos quais ela contracenou com Randolph Scott. Entre os filmes que fez de outros gêneros, merecem maior destaque, A Parada das Maravilhas por seu número de dança e canto ao lado da irmã Loretta; a série Os Valentões da Arena / The Leather Pushers / 1931 da Universal com Kane Richmond; O Preço do Dever / The Star Witness / 1932, dirigido por William Wellman e estrelado por Walter Huston; e O Fugitivo / I Am a Fugitive From a Chain Gang / 1932 (no qual fez apenas um pequeno papel coadjuvante) com Paul Muni e dirigido por Mervyn LeRoy. Em 1937, Sally casou-se com Norman Foster, que a dirigiu em Charlie Chan na Ilha do Tesouro / Charlie Chan at Treasure Island / 1939. Durante a Segunda Guerra Mundial, Sally e Foster moraram no Mexico, onde ele estava dirigindo filmes falados em espanhol; ela apareceu em um deles, La Fuga / 1944 com Ricardo Montalban. Mais tarde, o casal voltou para a Califórnia e Sally terminou oficialmente sua trajetória cinematográfica com uma rápida aparição em Cada Bala Uma Vida / A Bullet for Joey / 1955.

Polly Ann, tal como suas irmãs, apareceu como figurante infantil em 1917-1921 e retornou às telas como coadjuvante em um filme da Metro, Máscaras da Alma / The Masks of the Devil / 1928 de Victor Sjöstrom; como atriz principal em westerns de John Wayne em início de carreira (O Homem de Utah / The Man from Utah / 1934, Buck Jones (Prêmio de Consolação / The Crimson Trail / 1935), Kermit Maynard (Justiça Sangrenta / His Fighting Blood / 1935), George O’Brien (Patrulhando a Fronteira / The Border Patrolman), entre outros. Seu último papel foi em um filme da Monogram, O Fantasma Invisivel / The Invisible Ghost / 1941, ao lado de Bela Lugosi.

Houve mais uma irmã Young, Georgiana, na verdade meia-irmã das outras, nascida de um segundo casamento da mãe. As quatro apareceram juntas em A Vida de Alexandre Graham Bell / The Story of Alexander Graham Bell / 1939, estrelando Don Ameche como Graham Bell e Loretta como sua esposa. Polly Ann, Sally e Georgiana como sua irmãs, é claro. Georgiana casou-se com o ator Ricardo Montalban. Ela fez uma figuração em um filme dele, Mercado Humano / Border Incident / 1949.

Joan e Constance Bennett

Constance (1904-2965), Joan (1910-1990) e Barbara Bennett (1906-1058).

Nascidas em New Jersey, as três irmãs Bennett apareceram pela primeira vez na tela ao lado de seus progenitores, o ator Richard Bennett e a atriz Adrienne Morrison em The Valley of Decision / 1916. Samuel Goldwyn deu a Constance a chance de trabalhar com algum destaque em Cytherea / Cytherea / 1924 estrelado por Irene Rich. Entretanto, ela abandonou uma carreira promissora, ao se casar no ano seguinte com Philip Plant. Quatro anos depois, divorciou-se, e reiniciou seu percurso cinematográfico, destacando-se nos anos vinte nos filmes Mãe é Sempre Mãe / The Goose Woman / 1925 e Sally e Irene e Mary / Sally, Irene and Mary / 1925. Nos anos trinta, seus trabalhos mais importantes foram em Do Mesmo Barro ou Argila Humana / Common Clay / 1930, Tentação do Luxo / The Easiest Way / 1931, Hollywood / What Price Hollywood / 1932, As Aventuras de Cellini / The Affairs of Cellini / 1934 e Topper e o Casal do Outro Mundo / Topper /1937. Nos anos quarenta, Constance, entre outros filmes, formou um trio com Greta Garbo e Melvyn Douglas em Duas Vezes Meu / Two-Faced Woman; participou de dois dramas de guerra, Madame Espiã / Madame Spy / 1942 e Paris Subterrâneo / Paris Underground / 1945; esteve como coadjuvante em um filme de Michael Curtiz, Sem Sombra de Suspeita / The Unsuspected / 1947 e, após mais quatro filmes, despediu-se das telas em um papel modesto no melodrama estrelado por Lana Turner, Madame X / Madame X / 1966. Em 1932, Constance casou-se com o Marquês de La Coudraye, Henri de La Falaise (ex-marido de Gloria Swanson). Em 1941, casou-se com o ator Gilbert Roland. Em 1946, casou-se com o Coronel Brigadeiro da Força Aéra Americana, John Theron Coulter, que a encarregou de coordenar shows para as tropas de ocupação na Europa, o que valeu a atriz honras militares.

Constance Bennett

Joan (Geraldine) Bennett estreou no palco aos dezoito anos de idade com seu pai, em “Jarnegan” (1928), peça que teve 136 representações na Broadway. Aos dezenove anos, ela se tornou uma estrela de cinema através de filmes como Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929 com Ronald Colman e Moby Dick / 1930 com John Barrymore. Contratada da Fox Film, ela apareceu em vários filmes, recebendo papéis principais em Ela Queria um Milionário / She Wanted a Millionnaire / 1932 e Eu e Minha Pequena / Me and My Gal / 1932, nos dois filmes ao lado de Spencer Tracy. Em 1932, casou-se com o roteirista Gene Markey, mas eles se divorciaram em 1937. Joan deixou a Fox para atuar na RKO ao lado de Katharine Hepburn, Jean Parker e Frances Dee em As Quatro Irmãs / Little Women / 1933, dirigido por George Cukor. Este filme chamou a atenção do produtor Walter Wanger que lhe deu um contrato para assinar e começou a orientar sua carreira. Na filmagem de Segredos de um Don Juan / Trade Winds / 1938, o diretor Tay Garnett persuadiu-a a mudar a cor de seus cabelos de loura para morena e, com esta nova aparência, ela se mostrou em O Homem da Máscara de Ferro / The Man in the Iron Mask / 1939 e O Filho de Monte Cristo / The Son of Monte Cristo / 1940, tendo como parceiro em ambos Louis Hayward. Em 1940, Joan casou-se com Wanger, e nos próximos anos participou de três filmes importantes de Fritz Lang, O Homem Que Quís Matar Hitler / Man Hunt / 1941, Um Retrato de Mulher / The Woman in the Window / 1944 e Almas Perversas / Scarlet Street / 1945, interpretando nestes dois últimos uma mulher fatal típica do filme noir ao lado de Edward G. Robinson; trabalhou com Jean Renoir (Mulher Desejada / The Woman on the Beach / 1947), Max Ophuls (Na Teia do Destino / The Reckless Moment / 1949, Vincente Minelli (O Papai da Noiva / Father of the Bride / 1950 e O Netinho do Papai / Father’s Little Dividend / 1951). Em 1951, em uma crise de ciúmes, Walter Wanger feriu a tiros o agente de Joan, Jennings Lang. Wanger passou quatro mêses na cadeia, mas o casal continuou junto até divórcio em 1965. Joan fez apenas cinco filmes na década seguinte, porque o incidente foi uma mancha na sua carreira, e ela entrou virtualmente na lista negra dos estúdios. Nos anos setenta, Joan só conseguiu fazer dois dramas de horror: Nas Sombras da Noite / House of Dark Shadows / 1970 e Suspiria / Suspiria / 1977, este último dirigido por Dario Argento. Ela trabalhou também no teatro e na televisão.

Barbara (Jane) Bennett fez somente quatro filmes: dois como coadjuvante (Mother’s Boy / 1929 e Amor Entre Milionários / Love Among the Millionaires / 1930) e dois como atriz principal (O Mistério do Dolar / Black Jack / 1927 com Buck Jones e O Preço da Opulência / Syncopation / 1929 com Morton Downey, um dos seus três maridos, com quem teve um filho, o ator Morton Downey Jr.

As irmãs Lane

Priscilla (1915-1995), Rosemary (1913-1974), Lola (1906-1981) e Leota (1903-1963) Lane.

Leotabel (Leota) e Dorothy (Lola) nasceram em Macy, Indiana, mas seus progenitores, Dr. Lorenzo A. Mullican e Cora Bell Hicks, mudaram-se para Indianola, Iowa, que ficou sendo a cidade natal de Priscilla e Rosemary. A mãe encorajou as filhas a cantar e a tocar instrumentos musicais.

Leota foi a primeira a sair de casa, em meados dos anos vinte, para iniciar uma carreira musical em Nova York e, em 1928, Lola reuniu-se lá com a irmã. Elas obtiveram papéis em um show de Gus Edwards (“Greenwich Village Follies”), que lhes deu o sobrenome artístico Lane, e depois estrearam na Broadway, Lola em “The War Song” e Leota em “Babes in Toyland”. Em 1929, Lola foi para Hollywood, onde fez seus três primeiros filmes, Speakeasy, Follies / Fox Movietone Follies of 1929 / e A Guria de Havana / The Girl from Havana. Logo depois, Leota tomou o mesmo caminho da irmã, e fez sua única aparição na tela em uma comédia curta da Educational dirigida por Roscoe “Fatty” Arbuckle, intitulada Three Hollywood Girls / 1931.

Rosemary e Priscilla estudaram dança e fizeram a sua primeira apresentação profissional no palco em 1930, como parte de um entretenimento, que acompanhava o lançamento do filme Coisas de Estudantes / Good News / 1930, estrelado por Bessie Love, no qual Lola trabalhava como coadjuvante. Em 1933, elas foram contratadas como cantoras pelo chefe de orquestra Fred Waring e também adotaram o sobrenome artístico Lane. Rosemary e Priscilla ficaram com Waring por quase cinco anos. Em 1937, ele foi chamado pela Warner Bros. a Hollywood para aparecer com sua orquestra em um musical, Aprenda a Sorrir / Varsity Show; as duas irmãs fizeram um teste, e receberam os papéis principais ao lado de Dick Powell.

Lola fez ao todo 43 filmes, na sua maioria modestos, sobressaindo: o seriado O Conquistador Audaz / Burn’Em Up Barnes / 1934 na Mascot estrelado por Frankie Darro e Jack Mulhall; Mulher Marcada / Marked Woman / 1937, ao lado de Bette Davis; O Sheik Conquistador / The Sheik Steps Out / 1937 com Ramon Novarro; Hollywood Hotel / Hollywood Hotel / 1927, dirigido por Busby Berkeley; Quando Nos Casamos / Torchy Blane in Panama / 1938, substituindo temporariamente Glenda Farrell no papel da repórter investigadora; e os quatro filmes que fez na Warner Bros. em companhia de suas irmãs Rosemary e Priscilla e Gale Page: Quatro Filhas / Four Daughters / 1938, Filhas Corajosas / Daughters Courageous /1939, Quatro Esposas / Four Wives / 1939, Quatro Mães / Four Mothers / 1941). Segundo consta, o estúdio fez um teste com Leota para ser a quarta irmã, porém ela não foi aprovada.

Rosemary fez ao todo 20 filmes, quase sempre produções de pouco prestígio, destacando-se os quatro filmes que fez com suas irmãs e Gale Page na Warner Bros. acima citados e Hollywood Hotel / Hollywood Hotel / 1937; A Lei do Mais Forte / The Oklahoma Kid / 1939 ao lado de James Cagney e Humphrey Bogart; Os Gregos Eram Assim / The Boys from Syracuse / 1940; O Charlatão / The Chatterbox / 1943 com Joe E. Brown e Judy Canova.

Priscilla Lane

Priscilla fez ao todo 22 filmes, no conjunto, melhores dos que aqueles nos quais atuaram suas irmãs, bastando citar, além dos quatro com elas na Warner Bros., os seus três melhores filmes : Heróis Esquecidos / The Roaring Twenties / 1939, cantando para um James Cagney apaixonado, “It Had to Be You”, Melancholy Baby” e “I’m Just Wild About Harry”; Sabotador / Saboteur / 1942 de Alfred Hitchcock e Este Mundo é um Hospício / Arsenic and Old Lace / 1944 de Frank Capra. O derradeiro filme de Priscilla também foi melhor do que os de suas irmãs: Crime na Estrada / Bodyguard / 1948, drama criminal da RKO com Lawrence Tierney e dirigido por Richard Fleischer. O filme de Rosemary foi um western da Columbia com Tom Tyler, Aconteceu no Texas / Sing Me a Song of Texas / 1945 e o de Lola, Algemas do Destino / They Made Me a Killer / 1946, drama criminal com Robert Lowery, produzido pela dupla Pine-Thomas e distribuido pela Paramount.

Lola casou cinco vezes, sendo uma com o ator Lew Ayres e outras duas com diretores: Alexander Hall e Roland West. Rosemary contraiu matrimônio com o maquilador George “Budd” Westmore.

Joan Fontaine e Olivia de Havilland

Olivia de Havilland (1916-   ) e Joan Fontaine (1917-2013).

Olivia Mary e Joan de Beauvoir nasceram em Tóquio, Japão, filhas de um advogado de patente inglês e de uma ex-atriz, e quando os pais se separaram, elas foram com a mãe para a Califórnia. Enquanto estava na universidade em 1933, Olivia apareceu (como Puck) em uma encenação de “A Midsummers Night’s Dream” de Shakespeare e foi escolhida por Max Reinhardt para interpretar a personagem Hermia, tanto na sua versão para o palco (no Hollywood Bowl em 1934) como para a tela (Sonho de uma Noite de Verão / A Midsummer Night’s Dream / 1935, produzido pela Warner Bros.).

Contratada pela Warner, depois de aparecer ao lado de Joe E. Brown em Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike / 1925 e de James Cagney em Filhinho da Mamãe / The Irish in Us / 1935, Olivia fez o primeiro dos oito filmes com Errol Flynn, Capitão Blood / os / 1935 (outros foram: A Carga da Brigada Ligeira / The Charge of the Light Brigade /1936, As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938, Amando sem Saber / Four’s a Crowd / 1938, Uma Cidade que Surge / Dodge City / 1939, Meu Reino por um Amor / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939, A Estrada de Santa Fé / Santa Fe Trail / 1940 e O Intrépido General Custer / They Died With Their Boots On / 1941, formando uma das maiores duplas românticas do cinema. Antes de ser emprestada para Selznick, a fim de atuar em … E O Vento Levou / Gone with the Wind / 1939, ela fez, entre outros, Adversidade / Anthony Adverse / 1936, O Grande Garrick / The Great Garrick / 1937.

Olivia de Havilland

Depois de sua esplêndida performance (que lhe deu uma indicação para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) como Melanie, a cunhada de Scarlet O’Hara, Olivia voltou para a Warner, e começou a brigar com o estúdio para receber melhores papéis. Quando a Warner recusou libertá-la de seu contrato no final do prazo costumeiro de sete anos, alegando que sua obrigação deveria ser estendida pela duração do tempo em que ficou suspensa, ela acionou o estúdio e obteve uma decisão pioneira, que incluiu no limite do contrato de sete anos o período de suspensão.

Ausente da tela durante os três anos em que durou a batalha no tribunal, ela celebrou seu retorno em 1946, ganhando o Oscar de Melhor Atriz pelo seu desempenho em Só Resta Uma Lágrima / To Each His Own. (Dir: Mitchell Leisen) Em 1949, ela conquistou novamente a estatueta da Academia por seu trabalho em Tarde Demais / The Heiress (Dir: William Wyler). Olivia recebeu também indicação para o Oscar por sua performance em A Porta de Ouro / Hold Back the Dawn /1941 e A Cova da Serpente / The Snake Pit / 1948 e, na década de quarenta, fez ainda alguns filmes importantes como Devoção / Devotion / 1946 e Espelho d’Alma / Dark Mirror /1946.

Nos anos cinquenta-setenta, ela fez mais quatorze filmes, destacando-se Não Serás um Estranho / Not as a Stranger / 1955 e Com a Maldade na AlmaHush, Hush Sweet Charlotte / 1964. Em 1956 foi morar na França em companhia de seu segundo marido, Pierre Galante, editor da revista Paris-Match., mas continuou trabalhando no cinema, no teatro e na televisão.

JOan Fontaine

Joan trabalhou, como Joan Burfield, em várias companhias teatrais e estreou no cinema com este nome em um filme de Joan Crawford, Adeus Mulheres / No More Ladies /1935 da MGM. Ela voltou para o palco, e somente em 1937 começou a aparecer regularmente na tela, quase sempre em filmes B da RKO com a exceção de Cativa e Cativante / A Damsell in Distress / 1937, no qual foi parceira de Fred Astaire e Gunga Din / Gunga Din / 1939, no qual era a noiva do personagem interpretado por Douglas Fairbanks Jr. Em 1939, Joan fez A Grande Conquista / Man of Conquest na Republic, uma biografia razoável de Sam Huston, personificado por Richard Dix e As Mulheres / The Women na MGM, coadjuvando, com Paulette Goddard, as estrelas Norma Shearer, Joan Crawford e Rosalind Russell sob a direção de George Cukor.

No início dos anos quarenta, sua carreira deslanchou, graças aos papéis principais que ela teve em dois filmes de Alfred Hitchcock, Rebecca, a Mulher Inesquecível /   Rebecca / 1940 e Suspeita / Suspicion / 1941. Ela foi indicada para o Oscar por Rebecca e ganhou a estatueta por seu desempenho em Suspeita. A década de quarenta revelou-se muito fértil em bons filmes de Joan: Isto Acima Acima de Tudo / This Above All / 1942, De Amor Também se Morre / The Constant Nymph /1943 (mais uma indicação para o Oscar), Jane Eyre / Jane Eyre / 1943, A Gaivota Negra / Frenchmen’s Creek / 1944, Esse Encanto Irresitível / From This Day Forward / 1946, Ivy, a História de uma Mulher / Ivy / 1947, Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1947.

Nos anos cinquenta, seus melhores filmes foram Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952; O Bígamo / The Bigamist / 1953; As Grandes Noites de Casanova / Casanova’s Big Night / 1954, uma boa comédia de Bob Hope; Suplício de uma Alma / Beyond a Reasonable Doubt / 1956, dirigido por Fritz Lang. Ela encerrou sua filmografia no cinema com três filmes nos anos sessenta: Viagem ao Fundo do Mar / Voyage to the Bottom of the Sea / 1961, Suave é a Noite / Tender is the Night / 1962, e  A Face do Demônio / The Witches /1966.

Joan trabalhou no teatro e na televisão e seus três primeiros maridos foram: o ator Brian Aherne, o produtor William Dozier, e o roteirista Collier Young. Ela investiu em frutas cítricas, fazendas de gado, petróleo e imóveis e se tornou presidente da Oakhurts Enterprises, corporação formada para gerir suas diversas empresas. Tirou brevê de piloto, foi campeã de balonismo, fez decoração de interiores como profissional, ganhou prêmio em torneio de pesca e tinha o título de Cordon Bleu em culinária.

A rivalidade entre as duas irmãs foi sempre divulgada pela imprensa de Hollywood.

Se a disputa entre elas era fato ou ficção, não se pode dizer ao certo; provavelmente a verdade estava no meio: havia algo de realidade e algo de fantasia imaginada por jornalistas de mexericos.

Irmãs Gabor e a mãe, Jolie.

Zsa Zsa (1917-   ), Eva (1919-1995) e Magda (1915-1997) Gabor.

Sári, Eva e Magdolna nasceram em Budapest, Hungria, filhas de Vilmos (Farkas Miklós Gábor / nome materno Grün), soldado e Jolie (Jansieka Tilleman), herdeira de uma joalheria, ambos de família judaica. Aos 13 anos de idade, Sári (Zsa Zsa) estudou em um colégio interno na Suiça e, enquanto terminava seus estudos, foi descoberta pelo tenor Richard Tauber, que a convidou para ser a soubrette na sua nova opereta “Der singende Traum. Em 1936, ela foi coroada Miss Hungria, mas depois desqualificada, por ter ocultado sua verdadeira idade. Em 1941, emigrou para os Estados Unidos, onde já estava sua irmã Eva. Em 1952, fez seus dois primeiros filmes, O Amor Nasceu em Paris / Lovely to Look At e Travessuras de Casados / We’re Not Married em papéis pequenos; mas, no mesmo ano, conseguiu se destacar como Jane Avril em Moulin Rouge / Moulin Rouge, dirigido por John Huston. Nos anos seguintes, atuou em filmes importantes como atriz principal (O Inimigo Público nº1 / L’Ennemi Public nº1 /1953 com Fernandel, Luz e Sangue / Sang et Lumière / 1954 com Daniel Gélin, Ball der Nationen / 1954 com Gustav Fröelich; Destruí Minha Própria Vida / Death of a Scoundrel com George Sanders e Yvonne De Carlo); como coadjuvante (Lili / Lili / 1953, O Rei do Circo / 3 Ring Circus / 1954 com Dean Martin e Jerry Lewis, The Man Who Wouldn’t Talk / 1958 com Anna Neagle; em breves aparições (A Marca da Maldade / Touch of Evil / 1958, ) ou como ela mesma (Pepe / Pepe / 1960, Valete de Ouros / Jack of Diamonds / 1967, A Familia Buscapé / The Beverly Hillbillies / 1993; A Volta da Família Sol-Lá-Si-Dó / A Very Brady Sequel, seu útimo filme, em 1996).

Zsa Zsa Gabor

Entre 1955-1995, Zsa Zsa trabalhou no teatro e apareceu em muitas séries e programas de entrevistas da televisão e em 1990 foi condenada a três dias de prisão, por ter agredido um policial; porém ficou mais famosa pela quantidade de suas jóias e maridos (nove ao todo, entre eles o hoteleiro Conrad Hilton e o ator George Sanders). Uma vez ela declarou: “Sou uma ótima dona-de-casa. Toda vez que deixo um homem, fico com a sua casa”.

Eva era cantora de cabaré e patinadora no gêlo em seu país de origem. Emigrou para os Estados Unidos em 1939, e iniciou sua carreira no cinema em dois filmes de guerra sobre sabotagem, Aterrissagem Forçada / Forced Landing / 1941 e O Anjo da Meia-Noite / Pacific Blackout / 1941. Seguiram-se vários filmes, nos quais atuou sempre como coadjuvante, entre os quais se destacam: Pecado de Amar / Song of Surrender / 1949 de Mitchell Leisen, A Máscara do Mágico / The Mad Magician / 1954 de John Brahm, A Última Vez Que Ví Paris / The Last Time I Saw Paris / 1954 de Richard Brooks, Artistas e Modelos / Artists and Models / 1955 de Frank Tashlin, Gigi / Gigi / 1958 de Vincente Minnelli (como Liane d’Exelmans, a amante de Gaston / Louis Jourdan), O Preço da Ambição, Youngblood Hawke / 1964 de Delmer Daves.

Nos anos sessenta, ela se tornou nacionalmente popular por causa de seu papel como Lisa Douglas, a esposa do grande juiz Oliver Wendell Holmes (Eddie Albert) na série de televisão Green Acres (1965-71). Eva atuou também no teatro e em muitas outras séries da tela pequena e emprestou sua voz para a Duquesa em Aristogatas / The Aristocats / 1970 e Miss Bianca em Bernardo e Bianca / The Rescuers / 1977 e Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurús / The Rescuers Down Under / 1990 bem como para a Rainha do Tempo em um filme de animação produzido pela Sanrio, The Nutcracker Fantasy / 1979. Ela foi também uma mulher de negócios bem sucedida no marketing de perucas, roupas e produtos de beleza. Em 1972, lançou a coleção com sua grife, criada pelo desenhista de moda cubano Luis Estévez. Teve cinco maridos, mas nenhum do meio artístico.

Magda chegou aos Estados Unidos em 1946. Ela havia feito dois filmes na Hungria, Tokaji Rapszódia /1937 e Mai Iányok / 1937 mas, ao contrário de suas irmãs, não entrou para o cinema americano. Magda teve cinco maridos. Em 1970, casou-se com o ator George Sanders, que já fôra casado com Zsa Zsa de 1949 a 1954; porém o matrimônio durou apenas dois mêses. A sogra, Jolie, foi a madrinha, e fêz esta declaração: “Ele adora minha família. Tem que fazer parte dela. Ainda bem que nós somos muitas. Quatro ao todo. Isso porque nunca deixo de me incluir”.