AS COMÉDIAS DA EALING
outubro 10, 2018Em 1901, o produtor pioneiro Will Barker fundou a Autoscope Company e, no mesmo ano, construiu um estúdio ao ar livre – um palco, andaimes e um fundo de cenário – em Stamfort Hill, norte de Londres. Em 1907, Barker comprou uma mansão em Ealing, oeste da capital londrina, e edificou três estúdios com paredes e tetos de vidro para as suas produções cinematográficas. Em 1911, ele realizou seu primeiro filmes de dois rolos, Henry VIII, no qual o consagrado ator de teatro Sir Herbert Beerbohm Tree (pai de vários filhos ilegítimos entre eles Carol Reed e Peter Reed, progenitor de Oliver Reed) interpretou o papel do Cardeal Wolsey. Em 1913, Barker estava preparando seus atores para o estrelato entre eles Blanche Forsythe e Fred Paul, que apareceram em East Lynne, primeiro filme britânico de seis rolos, dirigido por Bert Haldane. Em 1915, Barker colocou a nova estrela Blanche Forsythe no papel principal de um drama histórico, Jane Shore, a Rosa de Yorke / Jane Shore, empregando centenas de figurantes, e foi comparado a Griffith.
Em 1920, Barker vendeu o estúdio para a General Film Renters Company, que logo encerrou suas atividades. Durante algum tempo, as instalações foram usadas por produtores independentes e eventualmente, em 1929, compradas pela Associated Radio Pictures Company que, em 1931, construiu um novo estúdio muito perto do velho Barker Studio. A firma era encabeçada pelo ator-empresário Sir Gerald du Maurier, Reginald Baker (contador), Stephen Courtauld (diretor financeiro, membro da riquíssima família da indústria têxtil) e Basil Dean.
Dean começou no mundo do espetáculo como ator aos dezoito anos de idade e depois produziu muitas peças e filmes. Ele foi o orientador mais influente do estúdio durante os anos 30 e responsável pelo desenvolvimento da carreira de dois artistas do music-hall, que se tornaram os astros mais populares e bem pagos do período: Gracie Fields e George Formby.
Em 1931, o estúdio mudou seu nome para Associated Talking Pictures e, tal como os demais estúdios do Reino Unido, fez seus próprios filmes e alugou espaço para outras companhias produtoras. Na segunda metade dos anos trinta, David Lean trabalhou na Associated Talking Pictures como montador e Ronald Neame como cinegrafista. Em 1938, após un desentendimento com os Courtald, Dean deixou a companhia e Michael Balcon – que havia sido fundador e presidente da Gainsborough Films, diretor de produção na Gaumont British, e encarregado da produção na MGM-British -, tornou-se o novo chefe do estúdio. Na sua gestão, Balcon trouxe vários ex-colegas da Gaumont British para trabalharem juntos entre eles o ator-diretor Walter Forde e os diretores Sidney Gilliat e Robert Stevenson.
Ao mesmo tempo, a denominação do estúdio mudou de Associated Talking Pictures para Ealing Studios. Balcon era homem de equipe, encorajando idéias e iniciativas. Durante vinte anos em Ealing ele formou um grupo de diretores talentosos, muitos dos quais haviam sido montadores com Charles Crichton, Charles Frend, Robert Hamer, Leslie Norman e Thorold Dickinson e roteiristas como Alexander Mackendrick, Harry Watt e Basil Dearden, que formou uma longa parceria com o produtor-diretor-cenógrafo Michel Relph. Balcon também deu força para muitos novos roteiristas, inclusive T.E.B. Clarke que escreveu o roteiro de Hue and Cry/ 1947.
Em 1942, o brasileiro Alberto Cavalcanti, diretor, produtor, roteirista e diretor de arte se juntou a Balcon e introduziu a influência documentarista nos filmes de ficção. Cavalcanti fez no Estúdio Ealing, 48 Horas/ Went the Day Well?/ 1942; Champagne Charlie/ 1944, Nicholas Nickleby (na TV) / The Life and Adventures of Nicholas Nickleby / 1947. Entre os filmes produzidos no estúdio nos anos quarenta e cinquenta , distinguiram-se ainda: Johnny Frenchman/ 1945; Na Solidão da Noite/ Dead of Night/ 1945; The Loves of Joanna Godden/ 1947; Corações Aflitos/ The Captive Heart/ 1946; A Manada / TheOverlanders / 1946; Frieda/ Frieda / 1947; It Always Rains on Sunday/ 1947; Heróis Anônimos/ Against the Wind / 1948, Sarabanda/ Saraband for Dead Lovers / 1948; Epopéia Trágica / Scott of the Antarctic/ 1948; A Lâmpada Azul / The Blue Lamp / 1950; Martírio do Silêncio / Mandy / 1950; Mar Cruel / The Cruel Sea / 1953; A Morte de um Herói / The Ship That Died of Shame/ 1955; Justiça Final / The LongArm / 1956.
Apesar de ter oferecido ao público bons filmes de todos os gêneros, o estúdio ficou famoso pelo ciclo de comédias inteligentes, produzidas a partir do final dos anos quarenta e na década de cinquenta, que consolidaram o estilo característico do humor britânico e conservam até hoje intacto todo o seu encanto.
Para homenagear o esforço do conhecido estúdio inglês aqui estão algumas informações sobre as suas seis melhores comédias:
UM PAÍS DE ANEDOTA / PASSPORT TO PIMLICO / 1949 (84 min.)
Dir: Henry Cornelius. Rot: T. B. Clarke. Foto: Lionel Barnes. Dir. Arte: Roy Oxley. Mús: Georges Auric. Mont: Michael Truman.
No verão, em Pimlico, bairro residencial do centro de Londres, faz muito calor. Quando o merceeiro Arthur Pemberton (Stanley Holloway) tenta convencer a assembléia local a construir uma piscina e um playground em um terreno vazio, uma bomba – vestígio do conflito mundial recentemente terminado – explode, e ele descobre um tesouro medieval e também um tratado, transferindo o bairro de Pimlico ao ducado de Borgonha. Este tratado, faz dos habitantes de Pimlico cidadãos estrangeiros em território britânico e, portanto, não submetidos às leis do país. A primeira reação do grupo é acabar com o regime de restrições em que vivem. Assim rasgam seus cartões de racionamento e permanecem nos bares dançando e bebendo depois da hora regulamentar de fechamento. Legalmente, os argumentos dos Pimlicanos são irrefutáveis. Os meios diplomáticos se alarmam e o govêrno toma providências: instala barreiras aduaneiras nos limites do bairro, corta o fornecimento de água e energia elétrica, e ordena o bloqueio alimentar aos nativos de Pimlico. Em pleno metrô, a alfândega controla as entradas e saídas. Mas os próprios habitantes de outros bairros manifestam sua solidariedade, fazendo com que víveres sejam entregues aos seus novos vizinhos de fronteira. Por fim, um compromisso é encontrado: os habitantes de Pimlico “emprestarão” seu tesouro à Corôa que, em troca, lhes pagará juros.
Um País de Anedota marca o início do período curto (1949-1955), mas admirável, durante o qual os estúdios Ealing empreenderam a tarefa de redefinir a comédia inglesa, impondo-lhe a sua marca. O filme passa uma nostalgia através da união social dos anos de guerra, lembrada afetuosamente como “the finest hour” (o melhor momento) da Inglaterra. Isto fica mais explícito em duas sequências mais para o final do filme: a primeira, em um cinejornal louvando a resistência da “pequena e corajosa Borgonha” – exatamente como a Grã- Bretanha se viu na primeira parte da Segunda Guerra Mundial – e a segunda, em um longa sequência de montagem, na qual a populacão de Londres vem em auxílio dos borgonheses assolados pela fome, arremessando-lhes víveres de carros e trens – evocando diretamente o celebrado “espírito de Dunquerque”.
Esta investigação do caráter britânico (ou especificamente inglês) está no âmago de Um País de Anedota.Apesar de sua resistência obstinada, os borgonheses nunca perdem de vista a sua verdadeira identidade nacional, como a frase mais memorável do filme deixa claro: “Nós sempre fomos ingleses e e sempre seremos ingleses, e é exatamente porque somos ingleses que estamos defendendo nosso direito de sermos borgonheses”.
Com um espírito de fantasia parecido com o de René Clair, de quem ele foi um colaborador (em Um Fantasma Camarada/ The Ghost Goes West), Henry Cornelius usou com inteligência todos os elementos cômicos de um assunto de total novidade, desencadeando, em um ritmo delirante, peripécias que chegam a um absurdo total. Os intérpretes ajudam muito, cada qual compondo seu tipo com autoridade.
ALEGRIA A GRANEL / WHISKY GALORE / 1949 (82 min.)
Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Compton Mackenzie, Angus Macphail, Foto: Gerald Gibbs. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Ernest Irving. Mont: Joseph Sterling.
Em 1943, em plena guerra, os habitantes de uma ilha perdida no litoral escocês, se vêem diante de uma situação terrível: não há mais whisky! E neste período de racionamento não serão as quatro garrafas permitidas pelas autoridades ao pub local que irão satisfazer as gargantas desses grandes consumidores da bebida. Então, quando vem a notícia de que o SS Cabinet Minister está afundando ao largo da ilha com seu carregamento de 50 mil caixas de whisky, a população fica em um estado de excitação próxima do delírio. Uma vasta operação de salvamento é elaborada e cabe ao capitão Waggett (Basil Radford), comandante da milícia, impedir a pilhagem. Ele avisa aos funcionários da alfândega, que vasculham a cidade, mas não encontram nada.
Alegria a Granelfoi adaptado de um romance de Compton Mackenzie que, por sua vez se baseou na história verdadeira de um famoso incidente em 1941, no qual o SS Politician – cuja carga incluia 22 mil caixas de whisky – naufragou perto das ilhas Hébridas de Eriskay e South Ulst; dezenas de barcos de todas as ilhas vizinhas logo partiram para o local, resgatando 7 mil caixas.
O filme é uma celebração do espírito rebelde dos ilhéus, como também uma homenagem aos poderes revigorantes do scotch, que restaura magicamente uma comunidade em profunda depressão por causa do desejo de um “pequeno trago”. Ao contrário da comédia suave de Um País de Anedota, o humor de Alegria a Granelassume às vêzes um tom mordaz às custas do pomposo burocrata Wagget, cujos esforços para frustrar a busca dos ilhéus por whisky, resulta apenas na sua própria ruina.
Uma sequência memorável da luta dos indivíduos teimosos (e simpáticos) contra uma autoridade mais poderosa é aquela em que os ilhéus, avisados a tempo, de que os funcionários da alfândega irão chegar com Waggett – que os havia acionado – escondem as garrafas de whisky em todos os lugares inimagináveis entre eles dentro de um bueiro, de um saco de água quente, de uma caixa registradora e, em uma imagem final, dentro de uma cama portátil, que será ocupada por alguém com ar de inocente.
AS OITO VÍTIMAS / KIND HEARTS AND CORONETS / 1949 (106 min.)
Dir: Robert Hamer. Rot: R. Hamer, John Dighton baseado romance “Israel Rank” de Roy Horniman. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: Mozart. Mont: Peter Tanner.
Em 1868 na Inglaterra, às vésperas de ser executado por assassinato, Louis Mazzini (Dennis Price), duque d’Ascoyne, escreve suas memórias. Ele é descendente de uma família de nobres, cuja mãe havia sido deserdada, por ter se casado com um cantor italiano plebeu, morto logo após o seu nascimento. Sabendo que apenas oito parentes ainda vivos (Alec Guinness) o separam do honroso título nobiliárquico, Mazzini resolve eliminá-los uma a um. Ele consegue realizar seu objetivo, mas a Scotland Yard o prende, acusando-o de um crime, que ele não cometeu: a morte do marido de sua amiga de infância, Sibella (Joan Greenwood), que se tornara sua amante e ficara enciumada por ele ter se casado com Edith (Valerie Hobson), a viúva de sua primeira vítima. Julgado pelos seus pares, a Câmara dos Lordes o condena à morte. Pouco antes de sua execução, Sibella, que havia tramado tudo, lhe propõe um acordo: ela irá inocentá-lo, exibindo a carta que seu marido, arruinado, havia deixado, antes de se suicidar. Em troca, Mazzini deverá fazer desaparecer sua esposa e se casar, com ela. As memórias de Mazzini terminam assim. De manhã, o carrasco se apresenta, mas a execução é suspensa. Sibella manteve sua promessa. Porém ele percebe que esquecera o manuscrito, que relatava seus assassinatos, no interior da prisão…
Essa sátira social macabra – estigmatizando a aristocracia inglesa – que estabelece suas próprias leis baseadas no desprezo do gênero humano e na segregação – mistura ironia e cinismo, e é exposta em um tom sêco e dissimulado, eminentemente britânico.
O jovem arrivista, fleugmático e determinado, nos faz entrar no seu jôgo e, sem sentirmos remorso ou consciência pesada, nos tornamos seu cúmplice. No filme o crime perde o seu sentido de violência e aparece sob um manto de suavidade e “finura”. A platéia aguarda a eliminação dos d’Ascoynes com ansiedade e não pode reprimir uma gargalhada à medida que as vítimas vão sendo eliminadas.
São muito divertidos os meios engenhosos pelos quais Mazzini se livra dos seus parentes – sobressaindo aquele empregado na morte de Rufus d’Ascoyne, um general do exército entediante, que vive relembrando suas batalhas no seu clube. Quando um garçom lhe traz um pote com caviar, ele interrompe seu relato para observar: “Eu costumava ter muito desta coisa na Criméia. Algo que os russkies(um termo desdenhoso para se referir aos russos) fazem realmente bem”. Em seguida ele espeta a faca no pote e uma bomba escondida dentro dela explode, fazendo-o em pedacinhos.
Além da boa história e dos diálogos incisivos e espirituosos, o sucesso de As Oito Vítimas deveu-se à composição múltipla de Alec Guiness, interpretando oito papéis diferentes (inclusive o de uma solteirona sufragista), pequena proeza que o ator realizou com desenvoltura e humor bem como à atuação primorosa de Dennis Price, que encarnou com frieza o vingador intimamente ferido pelas humilhações sofridas, porque o desdém que ele sentia pelos seus familiares era incompatível com a expressão visível de qualquer sentimento de ordem afetiva.
O título do filme é derivado de um verso de Alfred Tennyson, que se tornou um provérbio inglês – Kind hearts are more than coronets-, que significa um bom coração vale mais do que os títulos de nobreza.
O MISTÉRIO DA TORRE / THE LAVENDER HILL MOB / 1951 (78 min.)
Dir: Charles Crichton. Rot: T.E.B. Clarke (premiado com o Oscar). Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: George Auric. Mont: Seth Holt.
Há vinte anos, Henry Holland (Alec Guinness), modesto funcionário do Banco da Inglaterra, em uma rotina impressionante, controla o transporte de barras de ouro da fundição para o Banco, mas acalenta o sonho de se tornar milionário, roubando um dos carregamentos. A primeira dificuldade é a negociação das barras na própria Inglaterra. O jeito então é exportá-las, impasse que o acaso resolve, fazendo-o conhecer um fabricante de “souvenirs”, Alfred Pendlebury (Stanley Holloway), cuja especialidade são moldes de chumbo da Tôrre Eiffel, que em Paris são vendidos aos turistas. O plano é executado com o auxílio de dois ladrões profissionais, Shorty (Alfie Bass) e Lackery (Sidney James), os incidentes se multiplicam, o roubo torna-se assunto do Estado, e uma desabalada perseguição tem início. Penburry é preso, Holland consegue fugir com seis estatuetas de ouro, mas ele será apreendido um ano depois no Rio de Janeiro, onde conseguiu levar durante algum tempo a vida faustosa dos seus sonhos.
Esta comédia policial mostra a aventura de um modesto bancário que se liberta da sua rotina, utilizando sua velha fama de honestidade e sua paciência adquirida como burocrata, para praticar um roubo meticulosamente arquitetado mas, mesmo assim, sujeito ao imprevisto. É o acaso que motiva as sequências mais animadas do filme como, por exemplo, a perseguição de Holland e Pendlebury com a tremenda confusão que eles armam para a Scotland Yard, utilzando o rádio (uma sátira irreverente à polícia inglesa) ou a descida vertiginosa da Tôrre Eiffel pelas escadas em espiral empreendida pelos dois principais membros do bando, para impedir que um grupo de colegiais leve, de volta à Inglaterra, a “evidência” do seu malfeito.
Outro momento muito engraçado com um notável sentido de sátira ocorre quando Pendlebury e Holland resolvem embarcar apressadamente da França para a Inglaterra e enfrentam cômicamente uma série de exigências aduaneiras. A visita ao colégio também arranca boas risadas do público, notadamente quando a aluna gorducha insiste em ficar com a sua tôrre apesar das propostas de “propina” por parte dos dois ladrões.
Alec Guiness está magnífico no papel do humilde e aparentemente inofensivo fiscal do banco que se transforma no chefe brilhante e eficiente da quadrilha de Lavander Hill e Stanley Holloway é um coadjuvante à sua altura em termos interpretativos.
O HOMEM DO TERNO BRANCO / THE MAN IN THE WHITE SUIT / 1951 (85 min.) Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Roger MacDougall, A. Mackendrick, John Dighton baseado peça de MacDougall. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: Jim Morahan, Mús: Benjamin Frankel. Mont: Bernard Gribble.
Sidney Stratton (Alec Guinness), servente do laboratório de pesquisa de uma fábrica textil, mas formado em química, tem uma idéia-fixa, na qual trabalha clandestinamente – a invenção de um tecido que jamais suja ou rasga. Após várias peripécias, Stratton conclui com êxito suas pesquisas. O fio indestrutível é triunfantemente exbido a Mr. Birnley (Cecil Parker), o dono da fábrica, mas o herói se esquecera de que o objetivo da indústria não é fabricar senão produtos que tenham de ser periodicamente substituidos. Tendo à frente o poderoso (e decrépito) Sir John Kierlaw (Ernest Thesiger), os grandes industriais exigem que Stratton lhes dê a fórmula, que jamais será utilizada e os sindicatos operários, com mêdo do desemprêgo, desejam a mesma coisa. Capital e Trabalho se unem para perseguir o inventor intransigente.
Esta história tragicômica mostra bem a cupidez dos patrões e o egoismo com que enfrentam qualquer progresso que não resulte em lucros e o egoismo basicamente igual dos operários, que vêem no progresso a alteração de seu “status quo” e, por isso, se reunem aos donos da fábrica para combater o invento revolucionário. Há uma cena, em que o inventor, perseguido nas ruas pelos Rolls-Royces dos patrões em pânico e por seus colegas de fábricas enfurecidos, pode contar com o auxílio de uma criança (que despista os perseguidores), mas não com o auxílio de uma velhinha de uma casa de cômodos, pois ela percebe que o tecido não sujável e indestrutível vai privá-la de seu meio de vida – a lavagem de roupa.
O filme faz uma crítica ácida tanto da empresa como da mão de obra sindicalizada e, como contraste, apoia e avaliza o espírito individualista do cidadão médio. Vestindo o imaculável terno branco feito com o seu tecido prodigioso, que brilha na obscuridade, Stratton parece um “cavaleiro andante, iluminando seu caminho pelo mundo” como define Daphne (Joan Greenwood), a filha do industrial – a certa altura da narrativa vemos uma imagem dele lutando com uma tampa de uma lata de lixo como se fosse um escudo. O terno evidentemente simboliza pureza, inocência, e a verdade desinteressada da ciência.
O diretor soube utilizar todos os recursos da técnica, inclusive o som – o barulho do complicado aparelho do inventor que nós ouvimos como leitmotiv ao longo de todo o filme, exprime às mil maravilhas a marcha inexorável e angustiante do progresso, e produz um efeito cômico irresístivel. No final, a multidão ataca o homem do terno branco, e a estrutura do tecido – para alegria de todos – subitamente se desintegra, deixando-o de cueca, humilhado. Porém, na cena derradeira do filme, quando Stratton se afasta da câmera, surge a música-tema associada ao aparelho barulhento do inventor, sugerindo que talvez ele consiga superar o problema da instabilidade de sua roupa e vai começar tudo de novo.
QUINTETO DA MORTE / THE LADYKILLERS / 1955 (97 min.)
Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Willliam Rose. Foto: Otto Heller em Technicolor. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Tristram Cary. Mont: Jack Harris,
Mrs. Wilberforce (Katie Johnson), velhinha cândida e bondosa, hospeda no seu sobrado antigo em Londres o “professor” Marcus (Alec Guinness), figura estranha e dentuça com testa larga e cabelos desgrenhados, que se diz músico, membro de um quarteto de cordas, e obtém permissão para ensaiar (invariavelmente o minueto de Bocherini) em seus aposentos com os amigos. Os outros “músicos” são: One Round, brutamontes de voz surda com cara de pugilista (Danny Green); Claude, o falso “Major” Courtney (Cecil Parker), gorducho bigodudo com um sorriso nervoso; Harry (Peter Sellers), rapaz meio desastrado com aparência de delinquente juvenil e Louis (Herbert Lom), sujeito com pinta de assassino profissional. Marcus expõe aos companheiros os planos de um roubo, que lhes renderá 60 mil libras. O assalto é bem sucedido e os cinco bandidos pedem para a velha apanhar a mala com o produto do roubo, que eles esconderam na estação de King’s Cross, pois ela é a última pessoa no mundo capaz de atrair suspeitas da polícia. Mrs. Wilbeforce concorda, acreditando que se trata de uma encomenda do interior para o seu hóspede. Quando finalmente ela percebe com que gente está metida, os cinco delinquentes procuram intimidá-la, dizendo-lhe que, para todos os efeitos, ela é cúmplice do assalto. Porém o retrato austero do seu falecido marido, um capitão da marinha mercante que afundou com seu barco, inspira Mrs. Wilberforce: ela e o “quinteto” comparecerão à delegacia para devolver o dinheiro. Diante disso, os larápios resolvem eliminá-la. Os cinco tiram a sorte, mas quem executará a tarefa? As discussões conduzem a brigas e os cinco bandidos acabam por se matarem entre si (apenas o último morre acidentamente). Ao contar sua história para a polícia, Mrs. Wilberforce é considerada doida e aconselhada a ficar com a grana.
Esta comédia criminal macabro-satírica, que fechou com chave de ouro o ciclo do estúdio Ealing, contém vários elementos noir (tipos sinistros e inquietantes, passos e silhuetas ameaçadoras na noite, assalto a carro blindado, iluminação em claro-escuro (apesar do uso da cor), uma série de mortes, e a presença de uma mulher fatal (embora muito peculiar); mas tais elementos são usados para se obter efeitos cômicos da melhor qualidade.
Abundante em achados humorísticos (v. g. a sequência do chá das velhas senhoras ao qual os criminosos são obrigados a participar; a mala que contém o produto do roubo transportada até a casa de Mrs. Wilberforce por dois policiais, pois ela fôra parar na delegacia por ter descido de um taxi a fim de defender um cavalo da irritação de um verdureiro, provocando um conflito, tratado em tom de pastelão; o enterro do “Major”, seu corpo colocado dentro de um carrinho de mão, empurrado pelo brutamontes e acompanhado pelo cérebro do grupo com se fosse um padre; a morte do “professor” Marcus atingido pelo sinal ferroviário e caindo dentro de um vagão), possuindo em cada personagem um tipo curioso e em cada ator um especialista em composição (sobressaindo naturalmente a interpretação deliciosa de Katie Johnson – então com 87 anos), o espetáculo é inusitado e imensamente divertido. .
.