HERBERT BRENON

Ele foi um dos diretores mais importantes dos primórdios do Cinema Americano. Porém, quando parou de fazer filmes (mais de uma centena deles), parece que ninguém sentiu sua falta (seu nome não consta de muitos dicionários de cinema) e, com tanto de seu trabalho principal desaparecido, ficou difícil de reviver sua reputação. Uma das minhas grandes frustações como cinéfilo foi ter visto apenas três filmes dele em cópias razoáveis que, por sorte, estão entre seus melhores trabalhos como cineasta: Peter Pan / Peter Pan / 1924, Beau Geste / Beau Geste / 1926 e Ridi, Pagliacci / Laugh Clown Laugh / 1928.

Herbert Brenon

Alexander Herbert Reginald St. John Brenon (1880 – 1958) nasceu em Dublin, Irlanda. Em 1882, a família mudou-se para Londres, onde Herbert foi educado na St. Paul’s School e no King’s College. Em 1896, aos dezesseis anos de idade, ele emigrou com seus pais para os Estados Unidos. No final da adolescência, Brenon serviu como office-boy para o agente teatral Joseph Vion e como call boy (rapazinho de recados) no Daly’s Theatre na Broadway.  Ainda na casa dos vinte anos, e antes de se tornar diretor de cinema, apresentou-se no vaudeville com sua esposa Helen Oberg, que usava o nome artístico de Helen Downing, e administrou um nickelodeon (nome dado aos primeiros cinemas) em Johnstown, pequena cidade da Pennsylvania.

Aos 29 anos de idade, Brenon começou a escrever roteiros e a montar filmes para a Independent Moving Pictures Company (IMP), que se tornaria depois Universal Studios. Em 1912, dirigiu seu primeiro filme (de um rolo) All For Her, no qual funcionou também como roteirista e ator, e o primeiro filme de três rolos da IMP, Leah the Forsaken, cuja atriz principal era Leah Baird. No final do ano, foi mandado para a Europa, onde realizou filmes importantes como, por exemplo, Ivanhoe / 1914, filmado a Inglaterra com King Baggot no papel título, Leah Baird como Rebecca, Walter Thomas como Robin Hood e o próprio Brenon como o pai de Rebecca, Issac de York. Brenon fez também Absinthe / 1914 na França e vários filmes na Alemanha.

Anette Kellerman em A Filha de Netuno

Noivas de Guerra com Alla Nazimova

Anette Kellerman em A Filha dos Deuses

Na sua volta para os Estados Unidos, produziu o épico de sete rolos, A Filha de Netuno / Neptune’s Daughter / 1914, fantasia aquática estrelada por Anette Kellerman, que foi um tremendo sucesso e Noivas de Guerra / War Brides / 1916 com Alla Nazimova. Logo após, Brenon deixou a IMP para criar sua companhia produtora de curta duração, Tiffany Film Corporation. O primeiro filme desta companhia, The Heart of Maryland / 1915, foi um dos primeiros feitos na Califórnia. No mesmo ano, Brenon e Annette Kellerman foram contratados pela Fox. Neste ano e estúdio Brenon dirigiu Theda Bara em As Duas Orfãs / The Two Orphans e A Sonata de Kreuzer / The Kreutzer Sonata e em seguida decidiu superar seu sucesso com um filme de Kellerman, numa espécie de continuação, Uma Filha dos Deuses / A Daughter of the Gods / 1916. Entretanto, suas despesas extravagantes na filmagem levando a um imenso estouro de custos enfureceu William Fox, que resolveu montar o filme ele mesmo e retirar o nome de Brenon dos créditos.

 

Norma Talmadge em Flor de Paixão

Pola Negri em A Dançarina Espanhola

Mary Brian e Betty Bronson em Peter Pan

Esther Ralston e Betty Bronson em Os Mil Beijos de Cinderela

Cena de Beau Geste

Lon Chaney e Loretta Young em Ridi, Pagliacci

Após seu litígio com Fox, Brenon continuou a dirigir filmes para vários estúdios (entre eles Flor de Paixão / Passion Flower / 1921 com Norma Talmadge)  e então foi para a Paramount onde, no auge de seu poder criativo, dirigiu alguns de seus trabalhos mais elogiados no período 1923-1926: A Dançarina Espanhola / The Spanish Dancer / 1923 com Pola Negri, no qual teve início a memorável bem-sucedida colaboração entre Brenan e o diretor de fotografia James Wong Howe; Peter Pan / Peter Pan, com Betty Bronson como Peter, Esther Ralston como Mrs. Darling, Mary Brian como Wendy e Anna May Wong como Tiger Lily; A Francesinha / The Little French Girl / 1925 com Alice Joyce, Mary Brian, Esther Ralston; O Mendigo Elegante / The Streets of Forgotten Men com uma breve aparição de Louise Brooks; Os Mil Beijos de Cinderela /  A Kiss for Cinderella / 1925, outra adaptação de uma história de fantasia de James M. Barrie novamente com Betty Bronson e Esther Ralston; Beau Geste ou Um Belo Gesto / Beau Geste / 1926 com Ronald Colman no papel de Michael “Beau” Geste, Noah Beery em atuação marcante como o Sgt. Lejaune, esplêndido trabalho de câmera por J. Roy Hunt; Lágrimas de Homem / Sorrell and Son / 1927 (indicado para o Oscar de Melhor Direção); Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh / 1928 ostentando uma riqueza cinematográfica por parte da fotografia de James Wong Howe, da direção de arte de Cedric Gibbons e da interpretação de Lon Chaney e seu talento incomparável para transformar um melodrama lacrimoso em tragédia comovente.

Os primeiros filmes sonoros de Brenon nos Estados Unidos não foram particularmente bem-sucedidos e ele assinou contrato com a British International Pictures para fazer filmes na Inglaterra. Em Elstree, onde se localizava o estúdio da B.I.P., Brenon fez Living Dangerously / 1936, Someone at the Door / 1936, The Dominant Sex / 1937, Spring Handicap / 1937, Housemaster / 1938, Yellow Sands / 1938, Virgem Proibida / Black Eyes / 1939, The Flying Squad / 1940. Foram seus últimos filmes. Em 1940, Elstree cessou suas atividades porque o Exército Britânico requisitou suas instalações.

Duante alguns anos, Brenon ficou pensando em fazer mais alguns filmes, mas já estava com 63 anos e percebeu que já havia ultrapassado seu pico, que não lhe restava nada a não ser realizar filmes pouco importantes. Uma das coisas que o deprimia sobre Hollywood era visitar sets de filmagem e ver figuras outrora famosas agora fazendo pontas ou atuando como figurantes. E decidiu se aposentar.

GEORGE MARSHALL

Ele foi o mais prolífico e versátil de todos os diretores dos grandes estúdios de Hollywood. George E. Marshall (1891-1975), nasceu em Chicago, Illinois. Era o artesão hollywoodiano típico e sua carreira cobriu praticamente toda a História do Cinema.

George Marshall

Em 1912, Marshall ingressou como figurante na Universal depois de ter sido expulso da Universidade de Chicago e trabalhado em vários empregos. Em 1916, foi assistente de direção do seriado Herança Fatal / Liberty, a Daughter of  the USA e ator em The Code of the Mounted. Ainda em 1916, dirigiu westerns com os cauboís Neal Hart e Harry Carey e, em 1919-1920, dois seriados da Pathé estrelados por Ruth Roland, As Aventuras de Ruth / The Adventures of Ruth e Ruth das Montanhas / Ruth of the Rockies.

Chispa de Fogo

Houdini, O Homem Miraculoso

O Castelo Sinistro

Minha Vida e Meus Amores

Na sua longuíssima filmografia composta por 187 filmes de vários gêneros e interpretados pelos mais variados atores e atrizes, podemos destacar: westerns com Tom Mix; comédias com Laurel e Hardy; o filme-revista Coquetel de Estrelas / Star Spangled Rhythm /1942 repleto de astros e estrela da Paramount; a comédia satírica Agarrem Essa Normalista! / Hold That Co-Ed / 1938 com John Barrymore compondo uma silhueta memorável de um político demagogo; o musical biográfico Chispa de Fogo / Incendiary Bonde / 1945 com Betty Hutton personificando Texas Guinan, a famosa artista dos palcos e da tela e gerente de bares clandestinos durante a Lei Sêca; Houdini, o Homem Miraculoso / Houdini / 1953, cinebiografia do mágico famoso com Tony Curtis no papel título; as comédias de mistério e horror de grande sucesso O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1939 e O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 com Bob Hope e Paulette Goddard; o filme noir A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946; a vida da rainha dos seriados mudos Pearl White interpretada por Betty Hutton em Minha Vida e Meus Amores / The Perils of Pauline / 1947; o episódio ferroviário de A Conquista do Oeste / How the West Was Won / 1962 e, sobretudo, quatro westerns  (Atire a Primeira Pedra / Destry Rides Again /1939, A Vingança dos Daltons / When the Daltons Rode / 1940, O Renegado do Forte Petticoat /  The Guns of Fort Petticoat / 1957, O Irresistível Forasteiro / The Sheepman / 1958.

Atire a Primeira Pedra

 ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

A tumultuosa cidade de Bottleneck é dominada por Kent (Brian Donlevy) com a colaboração de Frenchie (Marlene Dietrich), a cantora do seu saloon. Mas um xerife é morto e Kent põe o velho bêbado “Wash” Dimmsdale (Charles Winninger) no cargo. Dimmsdale chama em seu socorro Tom Destry (James Stewart), cujo pai fora o terror dos fora-da-lei do Oeste. Porém, Destry não gosta de usar armas, preferindo métodos não violentos. Até que Destry se queima e, apoiado por toda a população, tendo à frente as mulheres, acaba com os bandidos. Uma bala atirada na direção de Tom atinge Frenchie, e ela morre nos braços do seu amado. Western com muita ação, música e humor, explorando o tema do domador de cidades. A interpretação retraída de James Stewart faz um contraponto perfeito para a personagem despudorada de Marlene Dietrich. A cena de Tom tentando separar a briga de Frenchie com outra mulher no saloon é antológica.

A Vingança dos Daltons

A VINGANÇA DOS DALTONS

Os irmãos Dalton, Bob (Broderick Crawford), Grat (Brian Donlevy), Ben (Stuart Erwin) e Emmett (Frank Albertson, tornam-se assaltantes depois que os representantes de uma companhia ferroviária tentaram se apossar de sua fazenda. O advogado Tod Jackson (Randolph Scott) tenta livrá-los das acusações criminais     e se apaixona por Julie Lou (Kay FDrancis), mulher de Bob. Um bom western do ciclo de biografias românticas de bandidos famosos que se seguiram ao sucesso de Jesse James / Jesse James / 1939 (Dir:  Henry King). Ação é o que não falta: roubos de bancos e trens, cavalgadas e muito tiroteio, notadamente no derradeiro e frustrado assalto ao banco de Coffeyville, no Kansas.  O momento mais eletrizante ocorre quando os Daltons saltam de um trem em movimento em grande velocidade montados nos cavalos- uma cena muito imitada, mas jamais igualada.

O Renegado do Forte Petticoat

O RENEGADO DO FORTE PETTICOAT

O Tenente Frank Heavitt (Audie Murphy), de origem texana, percebe que os Comanches vão se dirigir para o Texas, no momento sem proteção, porque todos os homens foram mobilizados para o exército confederado. Por heroísmo, Frank deserta e retorna à sua terra natal, onde reúne as mulheres e as crianças em uma missão abandonada e as submete a um treinamento militar intensivo, para repelir as investidas dos índios. O enredo tem originalidade (um homem sozinho organizando militarmente um grupo de mulheres) e apresenta os elementos necessários para manter a ação incessante. A cena mais movimentada é aquela em que os índios aprisionam os três bandidos e estes os levam à missão. Frank, as mulheres e as crianças se escondem no terraço. Os selvagens, não vendo ninguém, matam seus prisioneiros e vão embora. Entretanto, um menino dispara sua arma acidentalmente, os índios escutam os tiros e voltam a atacar mais agressivos do que nunca.

O IRRESISTÍVEL FORASTEIRO

Assim que chega a Powder Valley com seu rebanho de ovelhas, Jason Sweet (Glenn Ford) provoca o valentão do lugar, Jumbo McCall (Mickey Shaughnessy) e lhe dá uma surra. Depois, faz uma demonstração de sua habilidade com o revólver. Jason quer mostrar que não vai se intimidar pelos criadores de gado, que detestam a vizinhança com os ovinos. Com determinação e bom humor, o forasteiro vence todos os obstáculos, que lhe são opostos pelo mandachuva local, John Belford (Leslie Nielsen), e ainda por cima, conquista o coração de sua noiva, Dell Payton (Shirley MacLaine). Marshall sempre soube conciliar ação e comédia com muita competência (v. Atire a Primeira Pedra). O humor é espontâneo, direto e jovial. A cena da briga com o brutamontes e o ajuste de contas final no rancho de Belford são encenadas com muito discernimento de cinema. A paisagem é simplesmente bela: um céu claro com suas nuvens brancas, uma floresta com lindas árvores de folhas amareladas, o rebanho de ovelhas …

SÃO FRANCISCO DE ASSIS NO CINEMA E NA TV

Ele mereceu a atenção dos cineastas várias vezes desde o cinema mudo. Na cena silenciosa, em San Francesco il poverello d’Assisi / 1918 de Enrico Guazzoni, Frate Sole / 1918 de Mario Corsi e Frate Francesco / 1926 de Giulio Antamoro, sendo este último o mais lembrado com Alberto Pasquali como Francesco. Neste filme, os fatos históricos são escrupulosamente respeitados e reconstituídos de acordo com a biografia de Johannes Jorgensen, um dos maiores especialistas no assunto.

Frate Francesco 1918

Depois veio o filme mexicano São Franciso de Assis / San Francisco de Assis / 1943 com José Luis Jiménez (Francisco) e Carmen Molina (Clara), dirigido por Alberto (Tito) Gout, diretor rotineiro, geralmente dedicado aos dramalhões de Ninón Sevilla.

Francisco, Arauto de Deus  1950

Bem mais importante é o clássico Francisco, Arauto de Deus / Francesco, Giullare di Dio / 1950 de Robert0 Rosselini com atores não profissionais e Aldo Fabrizzi como o tirano Nicolas. Rosselini apresenta, sob a forma de antologia, fragmentos dos Fioretti com proposital indigência da encenação, e trata os personagens de um modo que pareceu insólito para quem achava que a santidade só podia ser austera.O diretor quer mostrar o Poverello e seus companheiros tal como eram na vida cotidiana: jovens monges com uma alegria e inocência próximas às das crianças, com uma simplicidade de coração que se assemelhava, como disse Henri Agel, “a uma doce demência”.

Já São Francisco de Assis / 1960, de Michael Curtiz, deveria ter sido um épico religioso à maneira de Hollywood, mas saiu um filme referente e modesto.O enredo conta a vida do “Poeta dos pássaros” , o milagre da estigmatização e sua morte. Curtiz, sempre correto na direção, conjuga incidentes movimentados com os instantes sérios, a fim de manter o interesse da intriga. O trecho final é mais impregnado de caráter místico , embora o veterano cineasta não consiga refletir a poesia da realidade. Bradford Dillman põe muito sentimento na composição do “Jogral de Deus” e nos dá um Francisco verdadeiro e humano, passando habilmente da frivolidade de um jovem embriagado  pelo prazer para a elevação de espírito de um santo. Dolores Hart vive santa Clara, incluindo-se ainda entre os coadjuvantes: Stuart Whitman, Pedro Armendariz, Cecil Kellaway, Finlay Curie e Eduard Franz. A foto é de Pietro Portalupi, técnico com brilhante passagem pelo neorealismo (Gente del Po / 1943;  Páscoa de Sangue / Non C’é Pace Tra Gli Ulivi / 1949; Belissima / Belissima / 1951) e com um trabalho impecável na 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1959.

La Tragica Notte di Assisi / 1961 de Raffaelo Pacini, trata mais de santa Clara, interpretada por Leda Negroni e Carlo Giustini é Francisco e Francesco di Assisi / 1966, premiado no Festival de Valladolid, que Liliana Cavani filmou em 16mm com simplicidade de estilo para a televisão italiana, apresenta Lou Castel como um Francisco rebelde e iconoclasta.

Irmão Sol, Irmã Lua 1972

Festa floral e estética sobre São Francisco, segundo a visão encantada de Franco Zefirelli, Irmão Sol, Irmã Lua / Fratello Sole, Sorela Luna / 1972 tem imprecisões históricas e místicas, compensadas pelo capricho visual – foto de Ennio Guarnieri (A Grande Burguesia / Fatti di Gente Perbene / 1974, Esposamante / Mogliamante / 1977) em panavision, technicolor. O roteiro de Suso Cecchi d’Amico, Kenneth Ross, Lina Wertmuller e Zeffirelli traça o percurso de Franciso desde a despedida do lar abastado para a vida comunitária na natureza e a pregação do princípio da pobreza e da caridade, inserida a certa altura dos acontecimentos uma cena com Alec Guiness como o papa Inocêncio II, talvez para prestigiar o setor interpretativo liderado por dois novatos, Graham Faulkner e Judi Bowker. A dimensão hippie que o diretor conferiu a Francisco, ele mesmo a define assim: “Não se trata de um filme biográfico, mas de uma demonstração paralela sobre a juventude idealista e séria de hoje e a vida de são Francisco … Este adolescente, nascido há mais de 750 anos, conheceu os mesmos problemas dos jovens de hoje … e se esforçou para transformar o mundo não com bombas, não com drogas, não com exibicionismo, mas com a negação de si mesmo, cm o sacrifício e, acima de tudo, com esperança”.

A História de São Francisco de Assis 1989

Francesco 2002

O Sonho de Francisco 2016

Posteriormente surgiram: A História de São Francisco de Assis / Francesco / 1989 com Mickey Rourke (Francisco) e Helena Bomham Carter (Clara) e o telefilme Francesco / 2014 com Mateusz Kosciukiewicz (Francesco) e Sara Serraioco (Clara), ambos dirigidos por Liliana Cavani; a minissérie italiana Francesco / 2002 de Michele Soavi com Raul Bova (Francesco) e Amélie Daure (Clara); o telefilme  Clara e Francisco / Chiara e Francesco / 2007 de Fabrizio Costa com Ettore Bassi (Francisco) e Mary Petruolo (Clara); O Sonho de Francisco / L’Ami – François d’Assise et ses frères / 2016 de Renaud Fely e Arnaud Loubet, sobre Elia da Cortona (Jérémie Renier), um dos seguidores mais fieís de São Francisco, interpretado por Elio Germano.

 

CONVERSANDO SOBRE CINEMA

Concedi esta entrevista a Daniel Camargo, ex-aluno meu num Curso de Cinema de Extensão Universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ realizado cerca de vinte anos atrás e hoje  um cineasta consagrado, que tem no seu currículo: o episódio “Antonio Meliande: pau pra toda obra”, incluído na série Retratos Brasileiros  do Canal Brasil (TV), retratando a trajetória artística deste diretor e também um dos fotógrafos mais importantes do cinema brasileiro; a minissérie “Boca do Lixo: A Bollywood Brasileira” do Canal Brasil (TV) sobre o momento de intensa produtividade do cinema popular brasileiro de  onde surgiram diretores como Carlos Reichenbach e José Mojica Marins; “George Hilton  –  O Mundo é dos Audazes” documentário sobre o uruguaio que se tornou um  dos maiores astros do cinema popular italiano; e ”Independência 100 por 100”, documentário sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 quando a Cidade Maravilhosa foi palco da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922. Daniel escreveu, de parceira com Fábio Vellozo e Rodrigues Pereira, o livro “Anthony Steffen – A Saga do Brasileiro que se tornou Astro do Bangue-Bangue à Italiana” (ed. Matrix 2007).

Daniel Camargo

D- O que é Cinema?

AC – Cinema é antes de tudo uma técnica e uma indústria, mas o produto que fabrica, o filme, é uma arte, cuja finalidade pode ser o mero entretenimento ou a comunicação de ideias ou emoções profundas.

D – Qual destas vertentes o senhor prefere?

AC- Não faço distinção entre elas. O que me interessa é se o diretor e sua equipe, conjugando habilmente conteúdo e forma por meio de uma linguagem cinematográfica apropriada, conseguiram de fato divertir o público, fazê-lo pensar

ou se emocionar, provocando-lhe outrossim um prazer estético.

D – Como o senhor define um clássico do cinema?

AC – A verdadeira arte é a que nunca cansa. Um filme clássico é todo aquele que continua divertindo ou emocionando sempre que é revisto. Não me canso de ver, por exemplo, A Viúva Alegre / The Merry Widow de Ernst Lubitsch de 1934 ou Luzes da Cidade / City Lights  de Charles Chaplin de 1931, dois exemplos de um filme que diverte e outro que emociona.

D – Quais os diretores do cinema clássico que o senhor mais admira?

AC – Obviamente fica muito difícil escolher os meus preferidos entre centenas de diretores do cinema mundial. Mas aceito com esportividade o desafio que você me propõe como homenagem ao seu talento e produtividade na área do cinema. Para não alongar a resposta, escolhi apenas diretores que trabalharam no cinema americano, mesmo porque nenhuma outra cinematografia produziu tantos filmes admiráveis. Destaco em primeiro lugar John Ford, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Ernest Lubitsch e Raoul Walsh, porque sobressaíram tanto no cinema mudo como no sonoro. Souberam conciliar arte com entretenimento. Impuseram-se como artistas mesmo trabalhando sob o sistema de estúdio; deram verdadeiras aulas de técnica cinematográfica; demonstraram preferência pelo visual e por uma narrativa clara, simples, fluente, na melhor tradição clássica; deixaram a marca do seu estilo nos filmes que fizeram. Ford foi o maior pintor e poeta da tela; Hitchcock, um eterno criador de formas fílmicas, ousadas e fascinantes; Lang, um exímio contador de histórias, econômico e objetivo, expressando-se sempre por meio de recursos imagísticos impressionantes; Lubitsch, um mestre do humor atrevido e malicioso, exposto através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes e insinuações rápidas com a câmera; Walsh, o especialista da ação contínua, executada com pleno domínio dos elementos cinestéticos. Posso apontar também: Michael Curtiz e Orson Welles, cujos filmes essencialmente dinâmicos, sempre me encantaram. E, é claro, David Wark Griffith, F. W. Murnau e Erich von Stroheim, os professores de todos os outros grandes realizadores. Sem falar em Charles Chaplin, o gênio mais universal do cinema, cujo personagem Carlitos, na linha do humanismo poético, seduziu simultaneamente as massas e os intelectuais, fez rir e chorar as plateias de todo mundo. Na verdade, minha lista de diretores prediletos é interminável: Frank Capra, William Wyler, Billy Wilder, Elia Kazan, John Huston, Rex Ingram, Buster Keaton, Tod Browning (principalmente seus filmes com Lon Chaney) …

D – O senhor não pode citar pelo menos alguns grandes diretores do cinema mundial que admira?

AC – Akira Kurosawa, Marcel Carné, Julien Duvivier, David Lean, Michael Powell / Emeric Pressburger, Vittorio De Sica, Alessandro Blasetti, Fellini nos seus primeiros filmes, Ingmar Bergman, Eisenstein, Victor Sjostrom no cinema mudo (Vento e Areia / The Wind, A Letra Escarlate / The Scarlet Letter são admiráveis) …

D – No Brasil surgiu algum grande cineasta que pudesse ser comparado com os que o senhor citou?

AC- Acho que não. Mas houve cineastas que fizeram filmes apreciaveis como, por exemplo, Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Walter Salles, Walter Lima Jr., Roberto Santos, Jose Joffily, Eduardo Escorel, Walter Hugo Khoury, Carlos Diegues, Arnaldo Jabor, Fabio Barreto, Bruno Barreto, Domingos de Oliveira, Luís Sérgio Person, Paulo César Saraceni, Roberto Farias, Rui Guerra, Hector Babenco, Sylvio Beck, Carlos Hugo Christensen, Antonio Carlos Fontoura …

D – O senhor poderia citar alguns filmes deles que lhe agradaram?

AC – O Pagador de Promessas; Vidas Sêcas; São Bernardo; Central do Brasil; A Ostra e o Vento; A Hora e a Vez de Augusto Matraga; Dois Perdidos numa Noite Suja (o de 2002); Lição de Amor; Noite Vazia; Bye Bye Brasil; Toda Nudez Será Castigada; O Quatrilho; Dona Flor e seus Dois Maridos; Todas as Mulheres do Mundo; O Caso dos Irmãos Naves; Anchieta, José do Brasil; Assalto ao Trem Pagador, Os Cafagestes; Pixote, a Lei do Mais Fraco; Aleluia, Gretchen; O Menino e o Vento; A Rainha Diaba  …

D – E Glauber Rocha?

AC – Glauber tinha talento, mas era um talento desordenado. Tal como seus colegas do Cinema Novo, passou de crítico a realizador e teve a boa intenção de fazer um cinema diferente das chanchadas e tentar revelar um Brasil que não era mostrado para nós brasileiros, porém não tinha o devido preparo técnico para fazer cinema nem muitos recursos materiais. Por isso inventou aquela coisa de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e convenceu muita gente de que aquilo era anti-Hollywood. Sabia se promover. Consegui assistir Deus e o Diabo na Terra do Sol na sua integridade por causa de alguns trechos muitos criativos plasticamente inspirados em Eisenstein, mas Terra em Transe e os outros filmes dele que tentei ver, achei insuportáveis.

D – O senhor gosta do mítico Limite de Mario Peixoto?

AC- Não. É um filme experimental tedioso e de difícil compreensão, realizado por um jovem diletante inspirado na vanguarda francesa dos anos vinte, salvando-se apenas a bela fotografia de Edgar Brasil.  O filme não logrou distribuição comercial, mas o Chaplin Club, cineclube cujo principal articulador era seu amigo Plínio Sussekind, patrocinou sua estreia numa manhã de 17 de maio de 1931 no Cinema Capitólio do Rio de Janeiro. O público detestou. Houve em seguida sessões no Marble Arch em Londres e em um cineclube nos Champs Elysées em Paris, tendo ficado conhecido um artigo de Serguei Eisenstein elogiando o filme. Recentemente foi apurado que tal artigo teria sido escrito pelo próprio Mário e que o grande cineasta soviético nunca passou por Londres ou Paris, locais onde supostamente teria assistido Limite e publicado tal artigo. Tem gente que gosta do filme.

D – O que acha das produções da Companhia Vera Cruz?

AC – Foram filmes valorizados pela contribuição dos técnicos e diretores estrangeiros que Alberto Cavalcanti trouxe tais como os italianos Adolfo Celi e Luciano Salce, o português Fernando de Barros e o anglo-argentino Tom Payne; porém o maior sucesso foi O Cangaceiro dirigido pelo nosso Lima Barreto. Não vi todos, mas lembro-me de que gostei na época deste e mais alguns deles, por exemplo, Tico-Tico no Fubá de Adolfo Celi; Floradas na Serra (na verdade mais por causa da Cacilda Becker) e Uma Pulga na Balança de Luciano Salce; Apassionata de Fernando de Barros; Sinhá Moça de Tom Payne. Gosto também de dois filmes da Maristela, companhia paulista contemporânea da Vera Cruz: O Comprador de Fazendas de Alberto Pieralise e Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti.

D – O que o senhor pensa sobre as chamadas pejorativamente de pornochanchadas?

AC – Não tenho nada contra estas produções eróticas porque sou pela liberdade de expressão, embora no caso, não seja bem de expressão que se trata. Além do mais, elas deram emprego a muita gente e, às vezes, revelaram algum artista de maior capacidade.

D – Como explica o sucesso das chanchadas da Atlântida?

AC – Lembro-me de que os críticos as detestavam, porém o grande público prestigiava estas comédias populares com interpolações de músicas de carnaval interpretadas pelas cantoras e cantores do rádio e de trapalhadas de Oscarito e Grande Otelo, vilanias de José Lewgoy e idílios de Anselmo Duarte e Eliana, uma fórmula que, na época, garantia filas imensas nas portas dos cinemas.

D – O que o senhor acha dos filmes de Mazzaropi e Renato Aragão?

AC – Esta linha de produção do cinema popular merece respeito, porque é fruto do esforço de artistas com tino de empresários que, sem se importarem muito com a competição estrangeira, arregaçam as mangas e chegam ao sucesso comercial. Trata-se de um cinema ingênuo que sintoniza bem com o público infantil e com o menos sofisticado, sendo positiva a sua permanência em nossas telas

D – E o Cinema Marginal?

AC – O que marca os filmes dos que integram o cinema marginal ou experimental, também chamado de cinema de invenção, é a indigência formal. Se os cinemanovistas ainda procuravam conquistar as plateias, um grupo mais novo de realizadores recusou-se a isto e, subitamente, irromperam filmes cujos diretores se obstinavam em desfrutar de completa liberdade de criação, chegaram mesmo à anarquia. Esta maneira de filmar é, a meu ver, valiosíssima, pois aí é que vão surgir as ideias e formas revolucionárias. Contudo, é preciso distinguir os autênticos inovadores dos incapazes ou picaretas que não sabem nada de cinema e cobrem sua inaptidão com o manto do desmazelo proposital. Este cinema tem naturalmente muita dificuldade de exibição, porém o ambiente mais propício para o exame de suas propostas é mesmo o circuito de cineclubes e universidades.

D – Já ia me esquecendo. E o José Mojica Marins?

AC – Seus filmes são de feitura primária. Mas o personagem insólito, nietzschiano, amoral e sádico Zé do Caixão que ele criou, possui um fascínio irresistível. Ficou até conhecido no exterior como Coffin Joe.

D – O senhor tem preferência por algum gênero de filme?

Não. Apenas simpatizo um pouco mais com o western americano, digo americano porque outros países fizeram westerns como, por exemplo, a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman ainda no cinema silencioso; a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou com Pierre Brice e Lex Barker; os westerns italianos etc.

D – Falar nisso, o senhor gosta dos westerns italianos?

AC – O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà (depreciativamente referidos como “westerns spaghetti”) é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira europeia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

Existem muitos admiradores do western italiano, mas eu prefiro o western americano, que conta, de um modo heroico ou crítico, a conquista do Oeste dos Estados Unidos e o difícil nascimento a nação americana.  Este é na verdade “o gênero cinematográfico por excelência” pela sua movimentação e pela sua topografia característica com enorme potencial para a expressão cinematográfica, ajudando a dramatizar mais intensamente o choque entre os personagens e os conflitos temáticos da história.

D – Como o senhor vê o movimento da Nouvelle Vague?

AC – A qualidade mais obviamente revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague foi o seu aspecto informal, desleixado. Os diretores da Nouvelle Vague admiravam os neorrealistas e, em oposição à filmagem em estúdio, preferiram filmar nas ruas. Semelhantemente, a iluminação de estúdio brilhante foi substituída pelo que Raoul Coutard chamou de “luz do dia”. Tinham também preferência pela câmera na mão e pelo plano longo. Durante três anos os filmes da NV tiveram bons lucros pela novidade. Rodados em locação usando equipamento portátil, atores pouco conhecidos, e equipes pequenas, eles puderam ser feitos rapidamente e por menos da metade de um custo normal. Entretanto, o cinema tradicional, o cinema comercial de rotina, de gênero e de astros, perdurava. O público continuava prestigiando o “cinema de papa” com artistas populares como Fernandel, Jean Gabin e Jean Marais e, a partir de 1962, o entusiasmo pela Nouvelle Vague regrediu, tanto por parte dos produtores como por parte dos espectadores. As rendas de bilheteria dos filmes começaram a despencar e os distribuidores cada vez mais hesitavam em lançar os filmes deles.

D – O senhor gosta dos filmes da Nouvelle Vague?

AC – Por ironia, Truffaut, Chabrol e outros depois seguiram o caminho dos grandes cineastas do Cinema de Qualidade Francesa, que Truffaut irresponsavelmente denegriu. Somente Godard, o mais radical de todos os diretores da Nouvelle Vague, continuou com seu cinema anárquico e arrogante amado por uns e detestado por outros. Na época da irrupção da Nouvelle Vague, fui seduzido pela novidade, mas depois percebi que os filmes “acadêmicos” de Truffaut A História de Adèle H / L’Histoire d’ Adèle H ou A Noite Americana / La Nuit Américaine e aqueles que Chabrol fez com Isabelle Huppert, Violette Nozière e Une Affaire des Femmes, eram bem melhores.

D – O senhor acompanha o Cinema Contemporâneo?

AC – Muito pouco. Há muito tempo que não vou mais aos cinemas, porque não são mais os mesmos de antigamente e não gosto de ouvir alguém falando no célular comendo pipoca ou conversando durante a projeção. Só vejo um ou outro filme contemporâneo, quando tenho informação fidedigna de que o filme é muito bom e ele é exibido na televisão ou sai em dvd. Alguns diretores mais modernos que me agradaram foram, por exemplo, Stanley Kubrick, Steven Spielberg, Martin Scorcese, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Quentin Tarantino.

D – E o Cinema Contemporâneo Brasileiro?

AC – Conheço muito pouco. Gostei de O Auto da Compadecida de Guel Arraes; O Som ao Redor de Kleber Mendonça Filho; Maria do Caritó de João Paulo Jabur…

D – Antes os planos eram mais longos a agora duram muito menos na tela. Como isto altera a maneira de se apreciar um filme?

AC – Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood 1970 e no final dos anos 80 continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1980, quando a maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e 6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado pelo teórico e historiador de cinema David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games, e internet. Filmes como X-Men, o Filme / X-Men  de Bryan Singer, tinham em média 2 a 3 segundos por plano. Muitas vezes a supervelocidade rítmica não dá tempo para o espectador absorver o que está acontecendo. 

D – Qual a importância da crítica de cinema? Onde anda a crítica de cinema hoje em nosso país?

AC – A crítica de cinema, quando bem-feita, ajuda aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme tanto técnica quanto substantivamente, a formar um público capaz de dominar o filme em vez de ser dominado por ele. Antigamente, cada jornal tinha um crítico especializado em cinema que se dedicava diária e exclusivamente a esta função. Foi uma geração de grandes críticos como Moniz Viana, Hugo Barcelos, Ely Azeredo, Décio Vieira Otoni, para citar apenas alguns dos que trabalhavam nos jornais cariocas. Já há bastante tempo o espaço para a crítica de cinema nos jornais foi bastante reduzido, existindo apenas resenhistas, que não têm a mesma influência e popularidade daqueles críticos de outrora. A crítica de filmes hoje passou para os sites da internet, onde qualquer pessoa se acha qualificada para exercê-la.

D – Pode-se aprender a fazer cinema?

AC – Sim. Primeiramente lendo textos sobre cinema, vendo e revendo muitos filmes de todas as épocas, pois com a perspectiva histórica proporcionada pelo conhecimento do cinema do passado os aspirantes a cineasta poderão apreciar melhor o cinema do presente bem como se servir, consciente ou inconscientemente, das obras-primas da arte cinematográfica como fonte de inspiração. Em seguida, aprendendo a técnica cinematográfica em cursos práticos e / ou fazendo parte de uma equipe de filmagem. Lembrando o que disse Jacques Maritain no seu livro Art et Scolastique: “O dom natural não é senão uma condição prévia da arte. Esta disposição inata é evidentemente indispensável, mas sem uma cultura e uma disciplina que os antigos queriam que fosse longa, paciente e honesta, ela jamais passará a arte”.

D – Fiquei impressionado com o seu imenso acervo de filmes. Como adquiriu tantos dvds?

AC – Quando os DVDs foram lançados depois do VHS, comecei a adquiri-los, inclusive de colecionadores do mundo inteiro. Comprei dvds de colecionadores até do Alaska e da Finlândia e também de um site americano que vendia dvds de filmes alemães dos anos 30. Posteriormente, um amigo, Sergio Leeman, que trabalhou nos EUA e na Europa, gravou para mim uma quantidade enorme de filmes exibidos na TV americana e europeia. Quando estive em Los Angeles, Nova York, Londres, Paris, Roma e Lisboa comprei o máximo que pude de dvds de filmes produzidos nestes países. Na França, por exemplo, comprei as coleções La Memóire du Cinéma Français e Les Années 50 de René Chateau e a Gaumont à la demande.  A coleção I grandi registi del cinema italiano, cada caixa com três filmes de grandes cineastas da Itália, é formidável. Tenho também filmes russos, japoneses, suecos, mexicanos, brasileiros, peças de teatro filmadas etc. Sou insaciável e, como dizia meu falecido amigo Gil Araujo, “cinema é inesgotável”.

D – Qual o filme mais raro que o senhor possui?

AC – Rosita de Ernst Lubitsch.

D – E qual o filme que o senhor não tem e gostaria de possuir em dvd?

AC – The Patriot, também de Lubitsch. Mas este é um filme perdido. Só existe o trailer, na Cinemateca Portuguesa.

D – O senhor foi aluno do Curso de Cinema ministrado pelo cineasta Arne Sucksdorff promovido pelo Ministério das Relações Exteriores/ Unesco em 1962, mas nunca quis fazer um filme?

AC – Não. Fiz o curso apenas para adquirir mais conhecimento da técnica cinematográfica e assim poder apreciar melhor os filmes que vejo. Admiro a coragem e perseverança de toda pessoa que faz ou fez cinema no Brasil, mas não era a minha praia. Preferi manter um blogue destinado a preservar a memória do cinema clássico, escrever alguns livros sobre cinema além do magistério na PUC-RJ.

D – Na pesquisa cinematográfica o que mais lhe dá prazer?

AC – Encontrar informações raras como, por exemplo, o título em português de curtas-metragens (shorts e desenhos animados), pois estes não saíam nos jornais da época. Num trabalho recente ainda inédito, “O Outro Lado da Segunda Guerra Visto Pelo Cinema Americano”, forneci, por exemplo, títulos em português de filmes de recrutamento e de treinamento de soldados durante a Segunda Guerra Mundial, que foram exibidos nos nossos cinemas. Os títulos em português dos filmes estrangeiros são importantes para se saber se eles foram exibidos no Brasil. Outro prazer é descobrir joias raras da cinematografia entre produções classe B como, por exemplo, os da série de horror do Val Lewton ou um filme como Aves sem Ninho / Sparrows de 1926 de William Beaudine, diretor cujo nome costuma ser omitido em vários dicionários de cinema.

D – O senhor deseja acrescentar mais alguma coisa para encerrarmos esta nossa conversa?

AC -O que eu posso dizer é que todos os aspectos da vida humana e social já foram objeto de filmes dignos de serem vistos. Porém a mediocridade e a vulgaridade ameaçam constantemente o cinema. Os responsáveis por seus descaminhos acham-se tanto do lado da produção quanto do consumo (público passível e inculto).  E, quanto mais e melhor os dois lados forem conscientizados sobre sua mútua responsabilidade, mais lucrarão a cultura e a sociedade.

DON SIEGEL

Durante a maior parte de sua carreira, funcionando quase sempre na área do filme B, ele não alcançou uma posição de prestígio no âmbito da indústria cinematográfica de Hollywood, embora tendo evidenciado talento superior ao de inúmeros realizadores. Muitos de seus filmes de produção modesta mostram uma energia e excelente noção de cinema, porém foi mais respeitado somente nos anos 60-70 como diretor de cinco filmes no âmbito da produção classe A estrelados por Clint Eastwood.

Don Siegel

Donald Siegel (1912-1991) nasceu em Chicago, Illinois, filho de Samuel Siegel, virtuoso do bandolim. Frequentou colégios em Nova York e depois se formou no Jesus College em Cambridge, Inglaterra. Durante algum tempo, estudou Belas Artes na London’s Royal Academy of Dramatic Art e trabalhou brevemente como ator de teatro.

Aos vinte anos de idade foi para Los Angeles, e conseguiu emprego na Warner Bros. onde funcionou inicialmente no setor de pesquisa e arquivo do estúdio, como assistente de montagem, e no departamento de planos de inserção. Depois foi promovido a montador e chefiou o departamento de montagem do estúdio (realizando 21 sequências de montagem memoráveis (v. g. em Heróis Esquecidos / The Roaring Twenties / 1939; Casablanca / Casablanca / 1942) e trabalhou como assistente de direção ou diretor de segunda unidade em 7 filmes, entre eles Sargento York / Sergeant York / 1941 (diretor de segunda unidade) e Uma Aventura na Martinica / To Have and Have Not / 1944 (assistente de direção).

Cena de Justiça Tardia

No início dos anos 40, dirigiu dois shorts, o curta de dois rolos da série Broadway Brevities, Uma Estrela Luminosa / Star in the Night e o documentário curto, Hitler Vive? / Hitler Lives, ambos contemplados com o Oscar em 1945. No início do ano seguinte, dirigiu seu primeiro longa-metragem Justiça Tardia / The Verdict, drama de mistério muito interessante sobre um inspetor da Scotland Yard (Sidney Greenstreet), obrigado a se aposentar depois que mandou um inocente para a forca que, auxiliado por um pintor amigo (Peter Lorre), soluciona um “crime perfeito” com o propósito de humilhar seu arrogante sucessor.

Cena de Dinheiro Maldito

Cena de Rebelião no Presídio

Cena de Vampiros de Almas

Cena de Assassino Público Número Um

Cena O Sádico Selvagem

Depois deste início promissor, entre obras de pouca envergadura, Siegel revelou seu talento nos anos cinquenta em vários filmes: o drama criminal de prisão Rebelião no Presídio / Riot in Cell Block 11 / 1954; o filme noir Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954; o drama de horror e ficção científica Vampiros de Almas / Invasion of the Body Snatchers / 1956, o drama criminal sobre gangues de rua Rua do Crime / Crime in the Streets / 1956, o drama criminal biográfico Assassino Público Número Um / Babe Face Nelson / 1957, o drama criminal O Sádico Selvagem / The Line Up / 1958.

Cena de Assassinos

Cena de Os Abutres têm Fome

Cena de O Estranho que Nós Amamos

Cena de Perseguidor Implacável

Na terceira fase da sua carreira, abrangendo os anos 60 e 70, Siegel pôde realizar filmes de orçamento mais alto, em cores e com mais astros do que seus filmes anteriores, destacando-se seus thrillers policiais Os Assassinos / The Killers, Os Impiedosos / Madigan, O Homem Que Burlou a Máfia / Charley Varrick e o drama criminal de prisão Alcatraz: Fuga Impossível / Escape from Alcatraz; os filmes com Clint Eastwwood (Meu Nome é Coogan / Coogan’s Bluff, Os Abutres Têm Fome / Two Mules for Sister Sara, O Estranho Que Nós Amamos / The Beguiled, Perseguidor Implacável / Dirty Harry) e o western dramático O Último Pistoleiro / The ShootistEste último foi um filme sobre a morte, não a que encontramos no combate, mas uma morte mais insidiosa e implacável. Em Carson City, Nevada em 1901. John Bernard Books (John Wayne), pistoleiro célebre, fica sabendo que está com câncer. Fisicamente, está condenado. Historicamente também, e simboliza o fim de uma época. Nessa cidade invadida pelo modernismo não há mais lugar para os veteranos do Oeste. O fato de que John Wayne estava ele próprio com a mesma doença, deu muita credibilidade ao personagem principal. Foi a última aparição dele na tela.

Siegel trabalhou também na televisão, destacando-se os dois episódios que ele dirigiu para série Além da Imaginação / The Twilight Zone: “Uncle Sam “e “The Self-Improvement of Salvadore Ross”. No primeiro episódio, uma mulher tomou conta de seu tio detestado durante vinte e cinco anos, esperando impacientemente herdar sua fortuna. Porém o testamento dele afirma que ela deve tomar conta de seu robô. No segundo episódio, Salvadore não vai desistir por nada para conquistar o amor de Leah. Ele até vende sua juventude por dinheiro.

BUSTER CRABBE, O REI DO SERIADOS

Se ele não tivesse necessitado de alguns dólares extras para ajudar a pagar seus estudos na Faculdade de Direito, eu estaria falando agora de Clarence Linden Crabbe, o advogado, e não Buster Crabbe, o ator. Nascido em Oakland, Califórnia, em 7 de fevereiro de 1908, Crabbe foi levado por seus pais alguns meses depois para o Havaí, onde passou a maior parte de sua juventude e desenvolveu suas consideráveis habilidades de natação. Seu excelente recorde de natação no ensino médio garantiu-lhe um lugar na Seleção Olímpica de Natação dos Estados em 1928. Em 1932 ele voltou ao time novamente e ganhou a Medalha de Ouro nos 400 metros nado livre. Antes das Olimpíadas de 1932, Crabbe se matriculou como estudante de Direito na University of Southern California. Enquanto estudava, trabalhava de vez em quando como dublê e figurante (v. g. ele dublou Joel McCrea nas cenas arriscadas de Zaroff, o Caçador de Vidas / The Most Dangerous Game / 1932). Precisando de dinheiro, deixou a faculdade por um tempo que ele achava que seria apenas um ano, mas logo se viu integrando o elenco na produção da Paramount de O Homem-Leão / King of the Jungle / 1933, que contava uma história parecida com a de Tarzan: O jovem Kaspa, criado na selva por animais, capturado em um safari, é levado para a civilização como atração de um circo.

Buster Crabbbe em O Homem-Leão

Crabbe fez um bom trabalho na sua estréia no cinema e no mesmo ano, assinou contrato com a Principal Picture para fazer seu primeiro seriado, Tarzan, o Destemido / Tarzan, the Fearless, aventura na selva nada emocionante que girava em torno da procura do pai da heroína e de um tesouro na cidade perdida de Zor. Aumentando o tédio geral estava o fato de que não deram nenhum diálogo para Crabbe. Ele não falava, apenas emitia um grunhido. Este papel virtualmente destruiu a possibilidade de Crabbe se tornar um astro e ele passou os próximos três anos fazendo uma longa sequência de filmes modestos (entre eles três westerns B da série Zane Grey, estrelados por Randolph Scott e dirigidos por Henry Hathaway para a Paramount: Maldade / The Thundering Herd; O Homem da Floresta / Man of the Forest e Rixa Antiga / To The Last Man, todos de 1933).

Buster Crabbe em Tarzan, o Destemido

Finalmente, em 1936, Crabbe obteve o papel principal no seriado Flash Gordon / Flash Gordon, produzido pela Universal. Muitos atores fizeram testes para o papel título (inclusive Jon Hall que seria o astro de seis filmes technicoloridos com Maria Montez na Universal nos anos quarenta). Porém Crabbe, depois de concordar em embranquecer seu cabelo para louro, foi escolhido, e começou seu caminho para a imortalidade cinematográfica. No enredo de Flash Gordon, o planeta Mongo está viajando pelo espaço em rota de colisão com a Terra. Flash Gordon, sua namorada Dale Arden (Jean Rogers) e o Professor Zarkovv (Frank Shannon) voam até Mongo no foguete de Zarkov e ali entram em conflito com o Imperador Ming (Charles Middleton) e vivem aventuras inusitadas em uma terra estranha. Parte do encanto de Flash Gordon era o fato de que a maior parte do roteiro foi baseada nas histórias em quadrinhos criadas por Alex Raymond. Crabbe estava em excelente forma enquanto lutava contra Os Homens-Leão, Homens -Tubarão ou Gocko, um dragão dinossauro com garras que pareciam ser as de uma lagosta.

Buster Crabbe no seriado Flash Gordon no Planeta Marte

O sucesso comercial e artístico de Flash Gordon tornou quase obrigatório uma continuação em Flash Gordon no Planeta Marte / Flash Gordon´s Trip to Mars / 1938. Crabbe se encontrou mais uma vez voando pelo espaço, desta vez para Marte, para combater seu velho inimigo, Ming, o Impiedoso, que se aliou a Rainha Azura de Marte (Beatrice Roberts). Ming estava desenvolvendo uma grande lâmpada com a finalidade de drenar o nitrogêneo da atmosfera da Terra e a Rainha Azura usava seus poderes de desintegração para escravizar o Povo de Homens de Barro e outros que descumpriram suas ordens. Finalmente, Flash consegue destruir a lâmpada e Ming é jogado em uma câmera de desintegração.Ainda em 1938, Crabbe interpretou outro personagem popular dos quadrinhos em Red Barry / Red Barry, tendo como herói um detetive particular criado por Will Goul, cuja intriga, envolvendo a procura de dois milhões de dólares em títulos ao portador cobiçados por várias pessoas, transcorria principalmente em Chinatown e num velho teatro de vaudeville.

Buster Crabbe no seriado Buck Rogers

O seriado não deixou saudades e diante do êxito retumbante dos dois seriados de Flash Gordon, a Universal decidiu repetir o feito com outro seriado futurístico baseado nos quadrinhos de Dick Calkins e Phil Nowlan, Buck Rogers / Buck Rogers / 1939. Com Crabbe como Buck e o jovem Jackie Moran como Buddy Wade, Buck Rogers tentou capturar o sabor dos seriados de Flash Gordon. Entretanto, até o uso de espaçonaves recém-projetadas e de super-vilões como Henry Brandon (como o Capitão Lasca) e Anthony Warde (como Killer Kane) não puderam compensar uma série de perseguições sem sentido e sequências com diálogos muito chatos. Até Constance Moore, como Wilma Deering, não conseguiu adicionar nenhum charme ao espetáculo.

A Universal esperava fazer uma continuação de Buck Rogers, mas quando o seriado não conseguiu seduzir o público, a direção do estúdio resolver trazer de volta seu herói de sucesso para um terceiro e último filme: Flash Gordon Conquista o Universo / Flash Gordon Conquers the Universe / 1940. Nenhuma explicação digna de crédito foi dada de como Ming escapou da câmera de desintegração dois anos antes, mas ele estava de volta em grande estilo. Desta vez estava despejando uma poeira mortal chamada “The Purple Death” (A Morte Púrpura) na atmosfera da Terra. Frank Shannon e Buster Crabbe continuavam como Dr. Zarkov e Flash Gordon, porém Jean Rogers foi substituída por Carol Hughes no papel de Dale Arden. Após doze episódios, Ming foi finalmente destruído quando um foguete cheio de explosivos colidiu com uma torre na qual o ditador havia sido trancado.

Buster Crabbe e Johnny Weissmuller em Chamas de Ódio

Buster Crabbe em O Filho do Sol

Buster Crabbe em O Terror dos Mares

Nos próximos anos Crabbe estrelou, entre outros, uma série de filmes de baixo orçamento como, por exemplo, os 13 filmes da série Billy the Kid; os 23 filmes da série Billy Carson; Chamas de Ódio / Swamp Fire / 1946, contracenando com Johnny Weissmuller; O Filho do Sol / Last of the Redmen / 1947, releitura do O Último dos Mohicanos, no qual fez o papel de Magua; Lagoa dos Mortos / Captive Girl /1950, filme da série Jungle Jim (Jim das Selvas) estrelada por Weissmuller. Em 1947, voltou aos seriados como o Capitão Silver em O Terror dos Mares / The Sea Hound, produzido pela Columbia e baseado numa história em quadrinhos e num seriado do rádio, com uma história de aventura passada numa ilha, onde o herói se depara com vilões que estão à procura de um tesouro espanhol escondido. Em 1950, Crabbe estava de volta em outro, seriado da Columbia, Piratas do Alto Mar / Pirates of the High Seas, como outro capitão de navio, Jeff Drake, desta vez combatendo os estranhos ataques de um navio pirata, que desaparece misteriosamente após o ataque. Tentando resolver o mistério do navio fantasma, Jeff também entra em conflito com um criminoso foragido em busca de diamantes perdidos na ilha.

Crabbe completou seu último seriado, também da Columbia, Os Mistérios da África / King of the Congo em 1952, agora como o Capitão Roger Drum da Força Aérea Americana. Dum abate um avião não identificado, cujo piloto estava a caminho da África para entregar uma mensagem em microfilme para um grupo subversivo, liderado por Boris (Leonard Penn), que está tentando localizar o depósito de um mineral mais radioativo do que urânio. Assumindo a identidade do piloto, Drum vai para África a fim de desmascarar o grupo. Quando seu avião cai na selva, ele é resgatado pelo Rock People e sua rainha Pha (Gloria Dea). Por causa de sua força, Drum é chamado de Thunda, Rei do Congo. Para complicar as coisas, outra tribo, The Cave Men, ataca regularmente tanto o Rock People como os homens de Boris. Com a chegada de outro americano da Força Aérea, Tenente Blake (Lee Roberts) e a ajuda do Povo da Rocha, os subversivos são dominados, e quando Boris e seu comparsa Alexis (Bart Davidson) fogem através da selva, eles são mortos por animais selvagens. Com os agentes inimigos descartados, Thunda e Pha olham felizes os  Cave Men e o Rock People reconciliados.

CHRISTIAN-JAQUE

Christian-Jaque (1904-1994) cujo verdadeiro nome era Christian-Albert François Naudet, estudou arquitetura e artes decorativas. Ele se aproximou do cinema desenhando maquetes para os cenários de filmes de Julien Duvivier, André Hugon e Henry Roussell, formando dupla com seu amigo Jaque Chabraison. Dessa associação nasceu o pseudônimo Christian-Jaque, que ele adotaria como diretor.

Christian-Jaque

Depois de se tornar assistente de Duvivier, o jovem cineasta realizou alguns filmes curtos, antes de fazer o seu primeiro longa-metragem, Bidon d‘or. Entre 1934 e 1939, responsabilizou-se por  muitas produções rotineiras, até que uma comédia burlesca onírico-fantástica, Valente a Muque / François Ier / 1937 – com aquela famosa cena de tortura quando Fernandel tem seus pés lambidos por uma cabra – lhe trouxe um estrondoso sucesso comercial e notoriedade, seguindo-se no mesmo ano sua colaboração com Sacha Guitry na deliciosa fantasia histórica, As Pérolas da Coroa / Les Perles de la Couronne / 1937.

Fernandel em François Ier

O Mistério do Colégio / Les Disparus de Saint-Agil / 1938, foi o primeiro filme com sua marca pessoal e a veia poética, que seria reencontrada em L’Enfer des Anges / 1939; Premier Bal / 1941; e, de maneira especial, em O Assassinato do Papai Noel / L’Assassinat du Père Noel / 1945 e Sortilégios / Sortilèges / 1945. Nesses filmes, ele mostrou que tinha perfeito conhecimento de seu ofício (levado muitas vezes ao virtuosismo), também evidente em La Symphonie Fantastique / 1941; Os Amores de Carmen / Carmen / 1942; Viagem sem Esperança / Voyage sans Espoir /1943; Anjo Pecador / Boule de Suif / 1945, Un Revenant / 1946, A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos / La Chartreuse de Parme / 1947, trabalhos – principalmente os dois últimos – com os quais conquistou definitivamente um lugar destacado no cinema francês.

No início dos anos 50 seu nome ficou conhecido internacionalmente por Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe / 1952, que lhe proporcionou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes bem como Essas Mulheres / Adorables Creatures / 1952, Os Amores de Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1953, Madame Du Barry / Madame Du Barry / 1954 e Naná / Nana / 1955, todos estrelados por Martine Carol, com quem foi casado de 1954 a 1959. Seus outros filmes até sua despedida do cinema em 1977, embora contando com a presença de atores ou atrizes famosos, não possuem a mesma estatura artística de suas obras anteriores.

Erich von Stroheim em O Mistério do Colégio

O MISTÉRIO DO COLÉGIO

No colégio de Saint-Agil, três alunos, Beaume (Serge Grave), Sorgue (Jean Claudio) e Macroy (Marcel Mouloudji), constituíram uma sociedade secreta com a finalidade de partir para os Estados Unidos e fazer fortuna. Uma noite, Sorgue vê um homem sair de uma parede e depois sumir precipitadamente. O professor Lemel (Michel Simon) acusa seu colega estrangeiro Walter (Erich von Stroheim) de ser o responsável por esse desaparecimento. Depois, Macroy e Beaume também somem. O mistério tem a ver com uma quadrilha de falsários, chefiada por M. Boisse (Aimé Clarion, o diretor do estabelecimento. Nos corredores sombrio, nas salas de aula noturnas e ameaçadoras, nos dormitórios gelados de Saint-Agil, confrontam-se dois mundos: o mundo da infância, encantador e misterioso, e o mundo dos adultos, habitado por seres lamentáveis e nocivos. São professores que se caluniam entre si, manifestam sua xenofobia, e, enfim, o chefe do bando de malfeitores é o próprio diretor da instituição. Stroheim está magnífico como o professor de inglês que serve de bode expiatório de seus colegas, para os quais representa “o boche”. Michel Simon lhe diz: “Eu não gosto de estrangeiros”, e ouve esta réplica prévertiana (Jacques Prévert foi o autor dos diálogos); “Bons ou maus, é sempre com os estrangeiros que nós teremos a guerra!”.

Harry Baur em O Assassinato de Papai Noel

O ASSASSINATO DE PAPAI NOEL

Em uma aldeia da Savoia, o pai Cornusse (Harry Baur), fabricante de globos terrestres, se fantasia de Papai Noel durante o Natal.  Ele vive em companhia de sua filha Catherine (Rénée Faure). A jovem esconde um segredo: ela ama o barão Roland (Raymond Rouleau), um personagem misterioso que intriga a população. A igreja da aldeia possui uma relíquia preciosa: o anel de São Nicolau. Um desconhecido furta o anel e o Papai Noel é encontrado morto. Villard (Robert Le Vigan), o professor local, que suspira em vão por Catherine, acusa Roland, seu rival. Finalmente os guardas descobrem o verdadeiro criminoso e que Cornusse não morrera, mas sim, outro em seu lugar. Concebido com um espírito semelhante ao de O Mistério do Colégio – o outro filme de Christian -Jaque baseado no universo de Pierre Véry -, o filme casa o gênero fantástico com o policial. Há um crime, porém o essencial está na magia do mundo infantil, na atmosfera do vilarejo da montanha coberta de neve, nos tipos estranhos e familiares, na poesia do Natal. O diretor conseguiu criar um clima envolvente, a meio caminho entre o real e o imaginário. A neve e as superstições locais avivam o mistério das situações e das personagens. Estava aberto o caminho para aquele “maravilhoso poético” que permitiu ao cinema francês evadir-se da realidade no tempo da Ocupação.

Rénée Faure e Fernand Ledoux em Sortilégios

SORTILÉGIOS

Nas montanhas de Auvergne, Le Campanier (Lucien Coëdel), que passa por feiticeiro, faz soar o seu sino para guiar os viajantes perdidos na neve. Uma noite, ele mata um mercador para lhe roubar a bolsa cheia de ouro. A morte teve uma testemunha, Fabret (Fernand Ledoux). Le Campanie lhe dá metade do ouro como um dote para sua filha Catherine (Rénée Faure), que sofre de apatia e está sob seus cuidados. Mas Catherine ama Pierre (Roger Pigaut), o lenhador, noivo de Marthe (Madeleine Robinson), filha de um rico estalajadeiro. O cavalo do morto semeia o pânico na cidade e mostra o lugar onde Le Campanier escondera o cadáver. O ciúme de Marthe vai provocar uma catástrofe. Melodrama campesino com uma história realista, mas banhada por uma atmosfera estranha. Cenas como aquela do inquietante cavalo negro aterrorizando a região com suas aparições fantasmagóricas na paisagem ranca conferem ao filme um clima insólito muito próximo do fantástico, graças aos procedimentos que Christian-Jaque pediu emprestado ao gênero e que uma admirável fotografia em preto e branco sublinhou corretamente. Percebem-se ainda rastros de poesia, como naquele momento em que Catherine, encolhida nos braços de seu amado Pierre, canta “Aux marches du palais” com uma voz muito pura durante um passeio na neve.

Louis Jouvet e Gaby Morlay em Un Revenant

UN REVENANT

Jean-Jacques (Louis Jouvet), de volta à sua cidade natal como diretor de uma companhia de balé, pretende se vingar dos Nisard e dos Gonin que, vinte anos antes, tentaram suprimí-lo, para evitar seu casamento com Geneviève NIsard (Gaby Morlay) agora casada com Edmond Gonin (Louis Seigner). No teatro, se presenta um jovem cenógrafo, François (François Périer), filho de Jerome (Jean Brochard), irmão de Geneviève, que havia atirado em Jean-Jacques para matá-lo. Ao mesmo temo em que empurra François para os braços de sua dançarina-estrela Karina (Ludmilla Tchérina), Jean-Jacques finge um amor eterno por Geneviève e depois a abandona.  François, desiludido com Karina, tenta se suicidar. Após ter contemplado a cidade coberta de bruma (“Ah, meu horizonte! Bela natureza morta. As lembranças e as nuvens. Tudo isto passa, tudo isto passa, eu debaixo deste céu, fico bem na paisagem”), Jean-Jacques vai saborear friamente sua vingança.  Primeiro, procurar Geneviève, acusá-la aos poucos sadicamente e depois deixá-la perdida, humilhada, no pátio da estação ferroviária. Ao partir, Jean-Jacques leva consigo o filho de seu agressor, depois de lhe ensinar, por uma encenação cínica, que toda relação com uma mulher é um logro. Sempre cáustico e amargo, com uma máscara impenetrável, Louis Jouvet tem um de seus melhores desempenhos, no qual se expande a sua extrema sensibilidade.

Gérard Philipe e Maria Casarès em A Sombra do Patíbulo

A SOMBRA DO PATÍBULO ou AMANTES ETERNOS

Em Parma, Fabrice del Dongo (Gérard Philipe), conquistador impenitente, apaixona-se por Clélia Conti (Renée Faure), enquanto sua bela tia, La Sanseverina (Maria Casarès) arde de um amor secreto pelo sobrinho. Ocorrem muitas peripécias, envolvendo ainda: o primeiro-ministro, Conde Mosca (Tullio Carminati), amante de La Sanseverina; o sinistro chefe de polícia Rassi (Lucien Coëdel, que quer ocupar o lugar de Mosca; o monarca Ernest VI (Louis Salou), interessado em La Sanseverina; e o anarquista Ferrante Palla (Attilio Dottesio, que durante uma revolução assassina Ernest. Finalmente, Fabrice se interna para o resto de sua existência em um convento. Christian-Jaque adaptou com muita liberdade a obra de Stendhal, transformando um grande romance em um mero filme de aventuras. Concentrado no simples jogo das intrigas, o espetáculo é muito bom, graças aos acontecimentos rocambolescos – aos quais o diretor deu bastante vivacidade -, aos magníficos cenários, ao cuidado com que foram compostas as imagens e aos serviços prestados por intérpretes experientes. Entre eles, destaca-se a presença de Gérard Philipe, um Fabrice ardente e romântico, à altura do herói stendhaliano.

Gérard Philipe e Gina Lollobrigida em Fanfan la Tulipe

FANFAN LA TULIPE

A bela cigana Adeline (Gina Lollobrigida) revela a Fanfan (Gérard Philipe) que ele se cobrirá de glória no exército e se casará com a filha do rei. Fanfan consegue salvar de uma emboscada a marquesa de Pompadour (Geneviève Page) e a própria Henriette de France (Sylvie Pelayo). Desejoso de rever Henriette, Fanfan penetra clandestinamente no castelo, mas é preso e condenado à forca. Adeline, que o ama, obtém a graça do rei. Mas como ela se recusa a “agradecer” o gesto do monarca, este encarrega seu homem de confiança, Fier-a-bras (Nöel Roquevert), de raptá-la. Mas Fanfan vai salvá-la. Seguindo a fórmula de Alexandre Dumas, Christian-Jaque entrecruza personagens da história da França, em particular Luís XV (Marcel Herrand) e madame de Pompadour, com criaturas de ficção, em um redemoinho de peripécias cheias de charme, fantasia e humor. Fanfan torna-se, graças ao talento de Gérard Philipe, uma espécie de herói saltitante à maneira de Douglas Fairbanks, pronto para enfrentar o irascível ferrabrás (magnificamente composto por Nöel Roquevert). com uma agilidade e um entusiasmo que eletrizam o público. É preciso render homenagem ao diretor, que impôs ao espetáculo uma animação que não se enfraquece em nenhum momento, seja nas cenas de ação ou nas passagenes mais intimistas.

TRÊS CINEASTAS A SERVIÇO DO TERCEIRO REICH

Ao lado de Leni Riefenstahl, Hans Steinhoff, Karl Ritter e Veit Harlan são sempre lembrados como diretores dos filmes de propaganda nazista mais notórios.

Hans Steinhoff

Hans Steinhoff (1882-1945) nasceu em Marienberg, Alemanha. Filho de um caixeiro viajante, cresceu em Leipzig, onde aos quinze anos de idade entrou para uma companhia de teatro local. Subsequentemente trabalhou como ator / diretor em mais de uma dúzia de companhias e em 1902/03 se tornou co-diretor de uma trupe de cabaré sediada em Munich. Um ano depois, excursionou pela Europa com uma produção baseada na famosa encenação de Max Reinhardt da peça Ralé de Gorki. De 1904 em diante, ele se concentrou em operetas, inicialmente como cantor, depois como diretor. Após sua associação com Jean Gilbert, então o compositor principal da Alemanha no gênero, Steinhoff tornou-se diretor-chefe do teatro de revista mais conhecido do país, o Metropol em Berlim. Pouco antes de irromper a Primeira Guerra Mundial, mudou- se para Viena.

Motivado pelo declínio do teatro de variedades tradicional após a guerra, Steinhoff fundou sua própria companhia de cinema em 1921. Apesar do fracasso de público do seu filme de estréia, Kleider machen Leute / 1921, o apoio crítico resultou em um convite pela Gloria Film para dirigir o espetáculo épico Der falsche Dimitry / 1922, baseado em acontecimentos relacionados com o usurpador russo Boris Godunov. Após desentendimentos com o gerente geral da companhia e das dificuldades com a censura de sua adaptação do romance de Norbert Jacques, Mensch gegen Mensch / 1924, Steinhoff foi trabalhar na companhia produtora Terra em 1925, onde se firmou como um diretor eficiente e confiável, cobrindo uma ampla variedade de gêneros para o mercado de massa. Seu profissionalismo e capacidade fazer filmes financeiramente exitosos dispondo de orçamentos moderados fez com que se tornasse um diretor procurado por companhias de pequeno e médio porte.

Cena de Mocidade Heróica

Em 1932, foi contratado para uma unidade B da Ufa onde realizou Mocidade Heróica / Hitlerjunge Quex / 1933, filme que marcou sua reputação como propagandista nazista, contando a história de um jovem assassinado pelos comunistas quando cumpria uma missão para o Partido, que se tornava um mártir da Juventude Hitlerista. Embora fosse um admirador ardente de Hitler, Steinhoff nunca se filiou ao partido. Descrito por pessoas que o conheciam pessoalmente como “totalmente apolítico”, ele era de fato mais um oportunista do que um ativista político. Sua posição como um dos principais diretores do Terceiro Reich baseia-se principalmente nas suas cinebiografias: Der alte und der junge König / 1935, Robert Koch / Robert Koch, der Bekämpfer der Todes / 1939, Ohm Kruger / 1941, todos estrelados por Emil Jannings e Rembrandt / 1942 com Edwin Balser no papel título.

Emil Jannings em Ohm Kruger

Steinhoff dirigiu também Die Geierwally / 1940, drama rural passado nos Alpes tiroleses e Tanz auf dem Vulkan / 1938, no qual Gustaf Grundgens assumia a figura do mímico boêmio-francês Debureau, que entusiasmava as massas no Thêatre des des Funambules e que foi retratado por Jean-Louis Barrault no filme de Marcel Carné O Boulevard do Crime / Les Enfants du Paradis / 1945.

Gustaf Grundgens em Tanz auf dem Vulkan

Steinhoff morreu nos últimos dias da guerra, quando o avião que o conduzia para Praga, onde estava fazendo um filme com Hans Albers, foi alvejado pelo fogo antiaéreo russo.

Karl Ritter

Karl Ritter (1888-1977) nasceu em Würzburg, Alemanha e estava entre os diretores e produtores mais comprometidos ideologicamente com o cinema do “Terceiro Reich”. Membro ativo do partido nazista desde meados dos anos vinte, muitos de seus filmes promoveram explicitamente os valores e as virtudes militares, genericamente embalados como filmes de guerra e de aventura. Filho de uma cantora de ópera e de professor de música, Ritter seguiu uma carreira militar antes de estudar arquitetura em Munique.  Voltando-se para a arte gráfica e pintura, ele se envolveu com a indústria cinematográfica como agente de relações públicas para a Südfim em 1926 e editando um livro sobre os desenhos de Walt Disney. Subsequentemente, trabalhou como gerente de produção e roteirista, dirigindo também um filme curto com o comediante Karl Valentin em 1932.

Devido à sua filiação ao partido Nazista, a carreira cinematográfica de Ritter progrediu rapidamente, depois de ser contratado pela Ufa em 1933. Seu primeiro filme como produtor foi Mocidade Heróica, dirigido por Hans Steinhoff, glorificando abertamente a agremiação hitlerista. O primeiro filme de Ritter como diretor foi uma farsa bucólica Weiberregient / 1936. Embora ele continuasse a dirigir divertimentos leves ocasionais – por exemplo, a comédia musical Capricho / Capriccio / 1938 com Lilian Harvey -, um número considerável de seus filmes era mais determinantemente propagandístico. Foi o caso de uma série de filmes militares que glorificavam o auto-sacrifício inquestionável e outras “virtudes” corajosas como Entre Duas Bandeiras / Patrioten / 1937 e Stukas / 1940

Muitos dos filmes de Ritter eram destinados a incitar ódio aos inimigos do Estado. Honra ao Mérito / Pour le Merite / 1938, contando a ascenção da Força Aérea Alemã (“Luftwaffe”), era anti-democrátco e anti-francês; Kadetten / 1939, narrando o drama de um grupo de cadetes do exército prussiano do século dezoito capturados por soldados russos, era racista e anti-russo; G.P.U. / 1940 envolvendo uma refugiada russa do terror bolchevique que ingressa na polícia secreta soviética (G.P.U.) para descobrir o homem que matou seus pais, era anti-soviético  enquanto Besatzung Dora / 1943, focalizando a tripulação de um avião de reconhecimento (o Dora) e a campanha da África, promovia sentimentos anti-britânicos.

No final da guerra, Ritter foi convocado para a Força Aérea. Embora tivesse sido feito prisioneiro pelo exército soviético, conseguiu fugir para a Bavaria. Quando a guerra terminou, no seu processo de desnazificação, ele foi classificado como “seguidor” (Mitläufer) do regime nazista e proibido de fazer filmes na zona da Alemanha ocupada pelos francêses. Em 1949, Ritter emigrou para a Argentina, onde Winifred Wagner ajudou-o fundar uma companhia produtora. Juntamente com outros alemães sediados na Argentina, e com seus filhos, ele fez El Paraiso / 1951, mas o filme foi um fracasso. Ritter retornou para a Alemanha Ocidental, onde dirigiu o melodrama Staatsanwältin Corda sobre uma promotora, Dra. Corda, que se apaixona por um réu e Ball Der Nationen / 1954, comédia musical estrelada por Gustaf Frölich e Zsa Zsa Gabor; porém nenhum dos dois foi bem recebido pelo público.  Apesar de sua intenção de “restaurar a força do cinema alemão”, Ritter não   conseguiu se afirmar na indústria cinematográfica da Alemanha Ocidental e voltou para a Argentina, onde se aposentou.

Veit Harlan

Veit Harlan (1899-1964) tornou-se um dos realizadores propagandistas mais infames do Terceiro Reich, expressando a ideologia Nazista sob o disfarce de melodramas e épicos luxuosos. Depois do fim da guerra, continuou sendo um símbolo controvertido de um artista dividido entre carreira e oportunismo político. Após um treinamento como ourives, o filho do dramaturgo Walter Harlan (1867-1931) estudou com Max Reinhardt e começou a assumir pequenos papéis no palco e como figurante nos filmes de Max Mack. Em 1916, ele se voluntariou para o serviço militar e passou algum tempo lutando na frente ocidental na França. Após a Primeira Guerra Mundial atuou em vários teatros em Berlim e nas províncias. Durante o período até 1933, trabalhou com vários diretores importantes como Erich Engel e Erwin Piscator. Harlan fez sua estréia no cinema como ator em 1926 e apareceu em vários filmes silenciosos até 1929, por exemplo, como o cabelereiro judeu Mandelstam na sátira Die Hose (1927) e depois em diversos filmes sonoros. Em 1933, Harlan, que se casara com a atriz judia Dora Gerson, declarou publicamente seu apoio ao Nacional Socialismo. Com sua carreira de ator estagnada, ele teve sua primeira oportunidade de trabalhar atrás das câmeras como assistente de diretor não creditado em Um Sonho que passou / Die Pompadour / 1935 e se tornou diretor em 1936, assumindo inicialmente comédias como Der Müde Theodor, Maria, die Magd e Krach in Hinterlaus este, estrelado pela veterana Henny Porten, que ele conseguiu filmar em dez dias por um custo ínfimo, obtendo sucesso de audiência.

Emil Jannings em Crepúsculo

Cena de Jud Süss

Adquirindo a reputação de ser um diretor rápido e econômico, Harlan chamou ainda mais atenção com uma adaptação fiel do romance de Tolstoi Sonata de Krautzer / Der Krautzersonate / 1937 um drama sobre um poderoso industrial contendo uma exortação disfarçada de Hitler, Crepúsculo / Derr Herrscher / 1937 e Com O Coração Imortal / Das unsterbliche Herz / 1939, adaptação de uma peça de seu pai, Harlan ganhou reputação por sua encenação habilidosa de grandes cenários envolvendo um grande número de figurantes. Esta habilidade fez dele uma escolha natural para assumir filmes de propaganda de maior prestígio, e ele foi designado para dirigir o antisemítico Jud Süss / 1940, seu filme mais notório.

Cena de A Cidade da Ilusão

Cena de Immensee

Com o seu próprio grupo de produção na Ufa Harlan subsequentemente trabalhou em diversos projetos de filme em Agfacolor, incluindo os melodramas românticos Praga, A Cidade da IIusão / Die goldene Stadt / 1942 (o maior êxito de bilheteria do período de guerra), Immensee /1943, adaptação de uma história de Theodor Storm e Opfergang / 1944 (todos com Kristina), realizando ainda (também  com Kristina) dois filmes de propaganda com ambiente histórico e grande movimentação de massas, que era a sua especialidade: O Grande Rei / Der grosse König / 1942, biografia de Frederico, o Grande da Prússia e Kolberg / 1945, mostrando a resistência de uma cidade da Prússia contra o exército de Napoleão em 1807.

Cena de O Grande Rei

Cena de Kolberg

Harlan foi o único diretor do Terceiro Reich processado por crimes contra a humanidade, principalmente por ter feito Jud Süss.  Depois de dois interrogatórios,  foi absolvido das acusações por falta de provas suficientes e voltou a exercer a sua profissão dirigindo, entre outros, Unsterbliche Geliebte / 1951, Verrat an Deutschland / 1955, Anders als du und ich / 1957, os dois primeiros com Kristina e o terceiro com Paula Wassely.

RENÉ CLEMENT

René Clément (1913-1996) nasceu em Bordeaux, França, estudou arquitetura, fez um filme de animação (César chez les gaulois), vários curtas-metragens, entre eles, Soigne ta gauche / 1936, escrito e interpretado por Jacques Tati, e documentários no Oriente Médio em a África. Em 1946, realizou seus primeiros longas-metragens tendo como tema a Resistência (A Batalha dos Trilhos / La Bataille du Rail e Le Père Tranquille) e atuou como consultor técnico no filme de Jean Cocteau A Bela e a Fera / La Belle et la Bête. No ano seguinte, ainda tratou de outro drama de guerra em Os Malditos / Les Maudits, estranhamente premiado. como Filme de Aventura no Festival de Cannes.

René Clement

Daí em diante, tornou-se um diretor respeitado, recebendo vários prêmios em festivais, inclusive dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Três Dias de Amor / Au-delà des Grilles ou La Mura di Malapaga / 1949 e Brinquedo Proibido / Jeux Interdits / 1952.   Nos anos cinquenta também importantes foram Um Amante sob Medida / Monsieur Ripois / 1954, Gervaise, a flor do lodo / Gervaise / 1956 e O Sol por Testemunha / Plein Soleil / 1959, realizados com o esmero técnico que sempre distingue sua obra.

Jacques Tati em Soigne ta Gauche

Nos anos sessenta e setenta, merecem destaque: os dramas de guerra O Dia e a Hora / Le Jour et l’Heure / 1963 e Paris Está em Chamas? / Paris brûle-t-il? / 1966 e o drama criminal psicológico, O Passageiro da Chuva / Le Passager de la Pluie / 1970 com Marlène Jaubert e Charles Bronson.

Clément fazia parte daquele grupo de realizadores atacados pelos críticos da Cahiers du Cinéma, e um dos argumentos levantados contra ele era a sua frieza, que, segundo alguns, dava certo em filmes policiais, mas não em dramas de conteúdo humano.  De fato, o que caracteriza mais os seus filmes   é um senso de distanciamento, colocando-o mais no papel de um espectador casual do que como um autor com uma visão do mundo.   Entretanto, mesmo sem ter o que dizer, seu estilo era de uma eficácia e inventividade deslumbrantes, e, em cada um de seus filmes, ele tentava fazer uma experiência nova, decifrando incessantemente linguagem do cinema.

Meia dúzia de grandes filmes de René Clement:

A Batalha dos Trilhos

A BATALHA DOS TRILHOS

Na região de Chalon-sur-Saône, Athos (Lucien Desagneaux), chefe da estação ferroviária, e seu adjunto Camargue (Tony Laurent) organizam a resistência. Sabotagens múltiplas começam. Reféns são presos e fuzilados. Após o desembarque, os alemães querem enviar reforços e munições para a Normandia e preparam um comboio de doze trens, batizado de Apfelkern. Os resistentes impedem o prosseguimento do comboio, provocando descarrilamentos e danificando o sistema elétrico. A aviação aliada, advertida, intervém, e logo os alto-falantes das estações anunciam a libertação. René Clemet utiliza os meios e os métodos do neorealismo para construir uma epopéia hagiográfica da resistência nas estradas de ferro da França. O elenco foi formado por atores pouco conhecidos e por ferroviários. Não existe uma intriga unitária, mas, sim, uma sucessão de episódios ligados entre si somente pelo fio cronológico da história. O aspecto de documentário afirma-se não somente pelos fatos, mas pela técnica, que se aproxima frequentemente dos jornais cinematográficos. O fuzilamento com uma vítima em primeiro plano, vendo-se cair, no fundo, um a um de seus companheiros; a sanfona que rola após o descarrilamento do trem; o trem-grua correndo desgovernado pela linha férrea são as cenas mais relevantes do filme.

Nöel-Nöel em Le Père Tranquille

 

LE PÈRE TRANQUILLE

Durante a Ocupação, o quinquagenário senhor Martin (Noël-Noël) vive em Moisson, pequena cidade das Charentes, ao lado de sua esposa e de seus filhos, Monique (Nadine Alari) e Pierre (José Artur), preocupado apenas em cultivar orquídeas, que despertam a admiração dos oficiais alemães. Sua existência é tão pacífica em um período tão conturbado, que os vizinhos o apelidaram de “o pai tranquilo”. Na realidade, Martin é o chefe da Resistência e esconde sob suas orquídeas as armas destinadas ao atentado contra a fábrica de pequenos submarinos próxima de sua residência. Logo após a Libertação, esse verdadeiro “herói de chinelos”, modesto e corajoso, enganando os ocupantes com malícia, obteve um triunfo de público colossal.  O pai tranquilo sob os traços de Noël-Noël, encarna o espírito de resistência das pessoas comuns na imensa tragédia da guerra. O filme é mais do popular ator, que escreveu o roteiro e os diálogos e concebeu as personagens, do que de René Clement, simplesmente encarregado da supervisão técnica. Há uma boa cena de suspense, quando dois oficiais inspecionam as orquídeas e Martin com muito sangue-frio, explica como elas devem ser tratadas.

Brigitte Fossey e Georges Poujoly em Brinquedo Proibido

BRINQUEDO PROIBIDO

Em junho de 1940, os aviões alemães metralham as vias de êxodo. No meio da desordem, a menina Paulette (Brigitte Fossey) vê seus pais e seu cahorrinho serem mortos. Aterrorizada, ela foge com o cachorro morto nos braços. Um pequeno camponês, Michel Dollé (Georges Poujoly), descobre a menina e a leva para a fazenda de seus pais. Para consolar Paulette, Michel enterra seu cachorrinho e depois, como isso parece divertí-la, ele cria para ela, em uma granja abandonada, um verdadeiro cemitério de animais, ornado com cruzes roubadas um pouco em toda a parte, dos túmulos ao carro fúnebre. Nesta espécie de crônica de um tempo conturbado, se misturam imagens reais (as cenas do êxodo e a metralhada dos civis), oníricas (o cachorrinho morto flutuando nas águas do rio, o pintinho agonizante, a coruja um olhar investigador) e satíricas (caricatura da vulgaridade, egoismo e estupidez dos adultos, não somente os do meio rural, mas de toda a humanidade neles representada). O centro do filme é a figura de Paulette. Ela é inocente e insensível: não tomou ainda consciência do mundo. Quando esse mundo e toda a sua ignomínia tornam-se perceptíveis para ela, então a menina começa a perder a inocência e insensibilidade. Ela se tornaráfraca, quer dizer, humana.

Gérard Philipe e Natasha Parry em Um Amante Sob Medida

UM AMANTE SOB MEDIDA

Cansada das infidelidades de seu marido, André Ripois (Gérard Philipe), Catherine (Valerie Hobson), uma inglesa rica, pede o divórcio. Enquanto isso, Ripois tenta seduzir Patricia (Natasha Parry), amiga de Catherine, contando-lhe seus amores passados – Anne (Margaret Johnston), Norah (Joan Greenwood), Marcelle (Germaine Montero), Catherine – e manifestando o desejo de se regenerar.  A confissão de Ripois não produz sobre Patricia o efeito desejado. Ele faz uma última tentativa para conquistá-la simulando uma tentativa de suicídio, mas cai de fato de de uma varanda. Catherina pensa que o gesto do marido foi provocado pelo seu pedido de divórcio e resolve ficar ao lado dele, imobilizado para sempre em uma cadeira de rodas. História de um Don Juan moderno abatido pelo golpe de uma justiça imanente e tardia. Vítima de sua última manobra, ele chama para si o castigo. E não haveria nada de mais cruel para esse homem sedento de liberdade, sempre em busca de alguma aventura, do que ficar prisioneiro de uma cadeira de rodas, enfraquecido e, por sua vez à mercê de todos. Clément filmou GérardPhilipe às escondidas nas locações em Londres, mostrando aspectos da cidade raramente vistos no cinema inglês, e lhe retirou os atributos trágicos do Cid (que ele interpretou brilhantemente no palco), para transformá-lo em espécie de anti-herói pré-Nouvelle Vague.

Maria Schell em Gervaise, a Flor do Lodo

GERVAISE, A FLOR DO LODO

Na Paris do Segundo Império, Lantier (Armand Mestral), companheiro de Gervaise (Maria Schell), abandona-a com seus dois filhos. Ela se casa com Coupeau (François Périer), um pedreiro, com quem tem uma filha, Nana (Chantal Gozzi. Gervaise é lavadeira e está a ponto de abrir seu próprio negócio) quando Coupeau cai de um telhado. Para custear o tratamento do marido, ela gasta suas economias. Um ferreiro, Goujet (Jacques Harden), amigo de Coupeau e secretamente apaixonado por Gervaise, empresta-lhe dinheiro. Ela abre uma lavanderia e tudo corre bem. Mas Coupeau se entrega à bebida, Goujet é preso por causa de uma greve, e Lantier reaparece. O filme é a história de uma lavandeira que tentou se evadir da condição proletária no Segundo Reinado. Assim, Gervaise, querendo a todo preço ser dona de uma lavanderia, forjou o instrumento de sua ruína. O diretor reintroduziu em sua própria linguagem o determinismo de Zola. Todo o drama de Gervaise é o de uma luta impossível, porque desigual. De que valem suas pobres pequenas forças confrontadas com a ordem monstruosa do seu meio? Aurenche e Bost assinaram uma de suas melhores adaptações, respeitando ao mesmo tempo a intriga bastante conhecida do romance e as intenções que o haviam ditado. Clément conseguiu realizar uma extraordinária pintura da época. Maria Schell é uma Gervaie perturbadora com aquele sorriso encharcado de lágirmas, do qual nunca esqueceremos.

Alain Delon, Marie Laforet e Muarice Ronet em O Sol por Testemunha

 O SOL POR TESTEMUNHA

Tony Ripley (Alain Delon) é encarregado por um industrial americano, Greenleaf,  de trazer seu filho Philippe (Maurice Ronet)da Itália, onde este leva uma vida ociosaem companhia da amante, Marge (Marie Laforet). Tom mata Philipe quando estão a sós no iate deste e assume a identidade dele. Um amigo de Philippe descobre tudo. Tom o mata, fazendo crer que foi Philippe o assassino. Tom reencontra Marge e se torna seu amante, após convencê-la de que Philippe a esquecera. Porém, o iate, içado do mar, faz surgir o cadáver de Philippe, que ficara preso no casco. Tom é desmascarado e preso. A história (baseada no romance de Patricia Highsmith) desse crime supostamente perfeito serve de pretexto para um drama policial de suspense muto bem-feito, um passeio turístico por uma Itália admiravelmente fotografada em cores, e cenas ambíguas, nas quais os protagonistas parecem jogar um eterno jogo de gato e rato. Philippe compreende logo as intenções de Tom, mas não acredita realmente que esse ser que ele despreza esteja à altura dessas intenções. Ele mesmo provoca a morte e cai, surpreso. O assassino Tom fica fascinado pela personalidade de Philippe e, mais do que tomar posse de sua fortuna e de seus bens pessoais, quer se apoderar de sua identidade. É um indivíduo obcecado pelo desejo de ser um outro.

FILMES DE EXPLORAÇÃO TENDO COMO TEMA A JUVENTUDE

Filme de exploração é um filme que tenta obter sucesso financeiro explorando tendências atuais, o gôsto de um público específico ou conteúdo chocante. Os filmes refletindo as expectativas e os anseios da juventude (teenpics ou juve movies) eram de três tipos: musicais, filmes sobre delinquentes juvenis e os chamados filmes de praia (beach movies). Quando a indústria do disco lançou o rock (uma frenética combinação da country-music e do boogie-woogie brancos com o rhythm and blues negro) foi tiro e queda: excitados principalmente pela sua batida enfática e potente, os jovens aderiram em massa à nova músicaEm essência o rock proporcionou aos jovens adolescentes da classe média não só uma forma de excitação, mas também a oportunidade de manifestar o seu descontentamento contra alguns princípios da cultura dominante e, adquirindo um senso de identidade grupal, atacar muitas das instituições que ajudavam a controlá-los.

Entretanto, os jovens tinham um problema. Pais, professores e párocos todos diziam que o rock era ruim para eles. A maioria dos adultos, acostumada com a estrutura hierárquica do local de trabalho e do lar e com o clima social conformista, achava que esta música produzia uma reação espontânea e sensual alarmante em seus filhos. O antagonismo dos adultos contra a música de rock também refletia o racismo inerente da época. Tendo percebido que a música de rock era fundamentalmente negra, tanto em sua origem como em sua natureza, a maioria dos pais brancos julgaram-na bestial e subumana. Muitos porta-vozes governamentais, religiosos e educacionais compartilharam desses sentimentos, caracterizando a música como imoral e pecaminosa – e seus adeptos como incapazes e indolentes delinquentes juvenis. Porém os jovens desconfiavam da infalibilidade dos mais velhos e sabiam que, ouvindo a música do rock, se sentiam bem.

Sementes de Violência

Ao Balanço das Horas

O cinema se aproveitou disso e, após ter surgido pela primeira vez na tela como um ingrediente incidental de um filme sério, Sementes de Violência / The Blackboard Jungle / 1955 (Dir: Richard Brooks), onde foi usado para simbolizar a rebelião juvenil contra a autoridade escolar, o rock foi tema do primeiro filme musical de exploração da juventude, Ao Balanço das Horas / Rock Around the Clock / 1956 (Dir: Fred F. Sears), produzido por Sam Katzman para a Columbia. Imediatamente imitado pela AIP por Roger Corman (Rock All Night) e Edward L. Cahn (Shake, Rattle and Roll), o filme da Columbia estimulou a produção de vários outros sobre o assunto (v. g. Curvas e Requebros / Rock, Pretty Baby (Dir: Richard Bartlett), Ritmo Alucinante / Rock, Rock, Rock (Dir: Will Price), Música Alucinante / Don’t Knock the Rock (Dir: Fred F. Sears), todos esses filmes realizados em 1957. Os filmes de rock enlouqueceram a mocidade de todo o mundo. Em várias cidades, a polícia foi obrigada a intervir: na saída das sessões os “fãs” dançavam nas ruas e pareciam tomados de histeria.  Os artistas que interpretavam a música alucinante se tornaram os símbolos da juventude. Sua atitude apaixonada e furiosa em cena, o ritmo envolvente de suas músicas e uma sábia propaganda contribuíram para impor a novidade.

O Selvagem

Juventude Transviada

Menos de um ano após o aparecimento dos musicais de rock, surgiu um segundo gênero que mostrava uma juventude mais selvagem, envolvida em sexo e drogas: o filme de exploração sobre delinquentes juvenis. Em todos os filmes deste tipo nota-se a influência de O Selvagem / The Wild One / 1954 (Dir: Laslo Benedek), o filme de motocicleta original com Marlon Brando e Lee Marvin, e de Juventude Transviada / Rebel Without a Cause / 1955 (Dir: Nicholas Ray), imortalizado pela interpretação fértil de James Dean; porém não havia tanta preocupação com o conteúdo. Raramente os realizadores procuravam explicar as causas da delinquência – lares desfeitos, pais hipócritas etc. -, pois tal protocolo não era exigido pela AIP (American International Pictures) e pela Allied, as companhias produtoras que mais fizeram esta espécie de filme. Nos filmes B de exploração sobre jovens transviados, o moço mau não vende drogas para crianças na escola ou atropela pessoas idosas com o seu carro porque seu pai não o compreende. Ele faz isto simplesmente porque é mau, e é isso que se espera que os rapazes maus façam.

Escola do Vício

O primeiro exemplar do gênero, Escola do Vício / High School Confidential / 1958 (Dir: Jack Arnold), tratando dos estragos causados pela marijuana (e pelo rock) em uma universidade americana, no entanto não foi feito pelas produtoras mencionadas, mas sim pelo produtor Albert Zugsmith para a MGM, e era um pouquinho melhor do que os congêneres, apesar de certos aspectos irreais da história. A AIP fez, por exemplo, Hot Rod Girl / 1956 e Reform School Girl / 1957 e a Allied, também por exemplo, Hot Rod Rumble / 1956 e Sangue na Estrada / Hot Car Girl / 1957.

A Praia dos Amores

Em 1963, a AIP encontrou um novo filão com A Praia dos Amores / Beach Party, inaugurado o ciclo dos chamados filmes de praia, verdadeiras minas de ouro quando exibidos nos drive-ins durante o verão. Quando perguntaram a William Asher, diretor do primeiro e de vários outros filmes de praia (A Praia dos Biquínis / Bikini Beach / 1964, Quanto Mais Músculos Melhor / Muscle Beach Party / 1964, Folias na Praia / Beach Blanket Bingo / 1965, Como Rechear um Biquíni / How to Stuff a Wild Bikini / 1965), porque a companhia trocou as guerras de bandos de transviados pelas arruaças menos selvagens na praia, ele respondeu: “O nosso público está cansado da delinquência juvenil. Ninguém quer ver desordem e confusão nos guetos da cidade se pode ver a mesma coisa na praia de Malibu”.

Gidget

Os grandes estúdios já haviam demonstrado que os chamados clean teenpics como Primavera do Amor / April Love / 1957 (Dir: Henry Levin) ou Maldosamente Ingênua / Gidget / 1959 (Dir: Paul Wendkos), proporcionando um divertimento mais ingênuo debaixo do so, eram indubitáveis campeões de bilheteria, e não levou muito tempo para a AIP entrar nesta jogada.

Em uma entrevista, Arkoff explicou: “Nos velhos tempos, até o final dos anos 50, não havia filmes de juventude, como nós o entendemos. Fundamentalmente eram filmes do tipo Disney para crianças e havia também os filmes para a família.  Um filme de juventude típico teria sido um filme de Andy Hardy. Veja só. O pai de Andy (Mickey Rooney) era interpretado por Lewis Stone, uma figura paterna impressionante que, por acaso, também era um juiz. Pense nisso. Andy diz para o pai: ‘Vou fazer tal e tal coisa’. O pai aconselha: ‘É melhor você não fazer, vai se meter em uma encrenca’. Andy e seus amigos partem, metem-se em uma encrenca e agora Andy volta à presença do pai e fala: ‘Papai você disse para não fazermos isso. Agora estamos em apuros e eu espero que você nos ajude’. E então o juiz diz, em um tom severo, mas simpático: ‘Está certo, vou livrá-lo dessa encrenca’, o que ele faz.’Papai, diz Andy, olhando para os olhos de seu progenitor, ‘nunca mais vou fazer isso’. E toda a platéia adulta exulava.

Conclusão de Arkoff: “Isto é o que era um filme de juventude essencialmente – uma lição de moral, uma preleção. Mas no final da década de 1950, os garotos estavam além das preleções … Quando fizemos os filmes de praia, tais filmes não eram basicamente sobre a praia.  Eles se passavam na praia, mas basicamente eram sobre os garotos que não tinham pais. Por quê? Porque eram filmes de juventude feitos para a juventude. Não a juventude de Disney, não a juventude para a qual todos esses moralistas, estas solteironas queriam que fossem os filmes “família”.  Fundamentalmente o que estávamos fazendo eram filmes para adolescentes que não queriam ter uma lição de moral enfiada em suas gargantas. Isto era verdade não apenas com relação aos nossos filmes, mas na própria vida, porque foi nos anos 60 que a juventude começou a agir por conta própria”.