A BREVE TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE RUDOLPH VALENTINO

agosto 17, 2022

Ele não foi um grande ator, mas se tornou um grande astro, o ídolo romântico mais bem definido que o cinema criou, primeiro latin lover adorado pelas fãs, que não davam a mínima para o que os críticos diziam sobre ele. Neste artigo exponho sumariamente seu percurso artístico, omitindo vários episódios de sua vida particular e questionamentos sobre sua masculinidade.

Rudolph Valentino

Rodolfo Pietro Filiberto Raffaelle (1895 – 1926) nasceu em Castellaneta, comuna italiana da região de Apúlia, província de Taranto, filho de Giovanni e Gabriella Guglielmi. Sua mãe era francesa, nascida na Lorena com o sobrenome de Barbin e seu pai exercia a profissão de veterinário, muito conceituado na sua área.  Quando jovem, Rodolfo insistia que era descendente de aristocratas e acrescentava os nomes adicionais di Valentina d’ Antonguolla antes do sobrenome Guglielmi. Mas eles não constam de sua certidão de nascimento ou de batismo.

Quando Rodolfo tinha nove anos de idade, sua família se mudou de Castellaneta para Taranto, porque Giovanni queria progredir na carreira devotando mais tempo à sua pesquisa sobre a malária. Um ano depois ele faleceu quando, no curso de uma de suas experiências, contraiu a doença que esperava ajudar a erradicar.

Enquanto viveu, o prudente Giovanni havia contribuído para um fundo que qualificaria seu filho para estudar em uma escola especial em caso de sua morte. Assim, aos doze anos de idade, Rodolfo partiu para Perugia, capital da província de Umbria ao norte de Roma, onde havia sido fundado o Collegio Convitto per gli Orfani dei Santari Italiani (Colégio para Orfãos dos Profissionais de Saúde Italianos), escola técnica que preparava jovens para trabalhar como mecânicos, engenheiros ou contadores. Entretanto, seus tempos de estudante em Perugia terminaram desastrosamente por causa de sua indisciplina.

Ao saber que Rodolfo ia ser expulso, sua mãe retirou-o do internato e, como ele gostava de barcos e porque havia demonstrado habilidade em consertar motores e máquinas na escola de Perúgia, decidiu que seu filho iria prestar exame de admissão para uma escola técnica naval em Veneza.  Rodolfo passou no exame escrito, mas não no físico. Foi um golpe devastador para aquele rapaz de quinze anos de idade.

Animado pela mãe, ele se inscreveu e foi aceito pelo Istituto di Agraria di Sant’Ilario Ligure em Nervi, pequena cidade de Gênova. Rodolfo conseguiu se formar nesta escola de agricultura, porém não conseguiu emprego e passou a dormir tarde e a perambular de dia pelas praças e pelo cais de Taranto. À noite, procurava a companhia dos artistas da companhia de operetas, que se apresentava na cidade. Sua distração predileta, além dos carros, era a dança. Ele se movia pela pista de dança com uma graça rítmica elegante e, aos dezessete anos de idade, percebeu que sua habilidade como dançarino impressionava as mulheres. Outra qualidade sua era a cortesia, mas em Taranto começou a sentir cada vez mais que tal delicadeza nunca seria reconhecida plenamente e, usando o dinheiro herdado do pai, partiu de trem para Paris em 1912. Na Cidade-Luz frequentou cafés onde predominavam a dança apache e o tango argentino, apaixonando-se por este estilo musical à primeira vista.

Quando o dinheiro acabou, Rodolfo telegrafou para sua mãe pedindo refôrço financeiro e, ao receber o numerário, partiu para Monte Carlo, onde perdeu tudo no jôgo. De retorno à terra natal, voltou à vida ociosa e inútil de antes. Seus familiares então o convenceram de que devia se afastar de Taranto o mais longe possível e foi assim que ele chegou em Nova York aos dezoito anos de idade a bordo do vapor S. S. Cleveland.

Depois que o dinheiro que trouxe acabou, ele se sustentou fazendo biscates, trabalhando como garçom, lavador de carros etc. e acabou encontrando emprego como taxi dancer (dançarino de aluguel) no Maxim´s Restaurant – Cabaret do suíço Julius Keller, encontrando ainda tempo para dar lições de dança particulares em um quarto no andar de cima do restaurante. Rodolfo ganhou tantos aplausos na pista de dança que logo teve a chance de subir para uma posição mais visível e respeitável como dançarino de exibição.

Ao longo do caminho, ele começou a conhecer pessoas no teatro e fez uma primeira e tímida incursão no mundo do cinema como movie “dress” extra (figurante que fornece seu próprio guarda-roupa, ganhando cinco dólares por cada dia de filmagem), tendo oportunidade de ver como os filmes eram feitos e conhecer alguns atores e diretores. Não se sabe exatamente quando estreou na tela. O mais provável é que seu primeiro trabalho como figurante foi como um cossaco russo no filme da Vitagraph de 1914, My Official Wife (Dir: James Young) estrelado por Clara Kimball Young. Ele trabalharia ainda como extra em: 1916 – Através da Vida / The Quest of Life (Dir: Ashley Miller); Seventeen (Dir: Robert G. Vignola); The Foolish Virgin (Dir: Albert Capellani). 1917 – Patria / Patria (seriado Dir: Leopoldo e Theodore Wharton); Alimony (Dir: Emmet J. Flynn). Todos, salvo Patria, eram de 5 ou 6 rolos.

Valentino e Mae Murray

Além de figurar nos filmes, Rodolfo continuou dançando à noite em vários restaurantes além do Maxim’s e no Knickerbocker Hotel (onde teve por parceira Mae Murray, futura estrela de A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 de Erich von Stroheim), formando depois dupla com uma próspera dançarina de salão, Bonnie Glass, depois que o parceiro desta, Clifton Webb, lhe deu aviso prévio. Ele dançou com Bonnie nos clubes que ela abriu, Café Montmartre e depois Chez Fysher e, quando Bonnie se aposentou, formou par com outra rainha da dança de exibição, Joan Sawyer, excursionando por várias cidades e finalmente se apresentando diante do Presidente Wilson em Washington.

Rodolfo conheceu uma socialite chilena muito rica, Bianca de Saulles, que estava infeliz no seu casamento com um empresário, John de Saulles. Não se sabe se tiveram uma relação romântica, mas quando John de Saulles pediu o divórcio, Rodolfo prestou depoimento a favor dela. Após o divórcio, John de Saulles usou suas conexões políticas para que Rodolfo fosse preso juntamente com uma cafetina, Mrs. Thyme, acusados de serem sócios de um bordel e terem subornado um policial por proteção. As provas eram frágeis, Rodolfo pagou fiança, e foi libertado. Depois deste escândalo muito divulgado, ele não conseguiu emprego. Pouco depois do julgamento, Bianca matou seu ex-marido durante uma disputa pela guarda do filho do casal. Com medo de ser chamado para depor em outro julgamento sensacional, Rodolfo saiu da cidade e se juntou a um musical itinerante, The Masked Model, que o levou para a Califórnia. Como tinha pouca experiência teatral, começou de baixo, serviu também como substituto do ator principal. A certa altura, por razões desconhecidas, deixou o elenco e ficou em San Francisco.

Novamente desempregado, não teve outro recurso senão voltar ao seu passado de taxi dancer e professor de dança. Depois, tentou ganhar a vida como vendedor de títulos de crédito; porém, em 5 de junho de 1917 o alistamento militar começou e as pessoas só queriam comprar bônus de guerra. Como tinha tido aulas de vôo em Nova York, Rodolfo pensou em ser aceito no Royal Canadian Flying Corps; mas eles o rejeitaram como fisicamente desqualificado.

Na ocasião em que um dos filmes de propaganda de Mary Pickford, A Intrépida Americana / The Little American / 1917, estava sendo parcialmente filmado em San Francisco, Rodolfo reencontrou seu antigo colega na escola de aviação em Nova York, Norman Kerry, que lhe prestou ajuda financeira e o apresentou a pessoas importantes nos estúdios, mas os papéis na tela demoraram a se materializar e ele voltou a se apresentar como dançarino de exibição. Quando Fanchon, da dupla Fanchon e Marco (seus verdadeiros nomes eram Fanny e Mike Wolff) perdeu seu parceiro para o exército, Rudy substituiu-o nas suas apresentações no Tait´s Café em Los Angeles.

Posteriormente formou um par com outras dançarinas como Marjorie Tain e Kitty Phelps e por fim voltou aos estúdios, agora já fazendo ora figuração, ora pequenos papéis nos filmes: 1918 – A Sensação Social / Society Sensation (Dir: Paul Powell); Uma Idéia Feliz ou Uma Noite Como Poucas / All Night (Dir: Paul Powell); The Married Virgin (Dir: Joseph Maxwell). 1919 – Irresistível Helena ou Nos Cabarés de Nova York / Delicious Little Devil (Dir: Robert Z. Leonard); Virtuous Sinners (Dir: Emett J. Flynn); Repudiada / The Big Little Person (Dir: Robert Z. Leonard); Amores de um Ladrão ou Romance de um Apache / A Rogue’s Romance (Dir: James Young); Pacto Astucioso / The Homebreaker (Dir: Victor Schertzinger); Negra Profecia / Out of Luck / Nobody Home (Dir: Elmer Clifton); Olhos da Juventude / Eyes of Youth (Dir: Albert Parker). 1920 – Ilha dos Amores / An Adventuress, originariamente intitulado Over the Rhine, estrelado pelo travesti Julien Eltinge em papel duplo masculino-feminino como Jack Perry e Elsa Von Bohm (Dir: Fred J. Balshofer); Paixões Indomáveis / Passion´s Playground (Dir: J. A. Barry); A Embusteira / The Cheater (Dir: Henry Otto); Ambição / Once to Every Woman (Dir: Allen Holubar); The Wonderful Chance (Dir: George Archainbaud); Stolen Moments (Dir: James Bennet). Todos de 5 ou 6 rolos. Neles, Rodolfo começou a constar nos créditos sob vários nomes: Rodolpho De Valentina, Rodolfo di Valentina, Rodolfo De Valentini, Rudolpho De Valintine, Rodolphe De Valentina, Rudolph Valentino, Rodolph Valentine, Rudolfo Valentino, Rodolpho de Valentina, Rudolphe Valentine, Rodolfo di Valentino, Rudolph de Valentino, Rudolph Valentine.

Jean Acker e Valentino

Outros acontecimentos neste período de sua vida foram uma aparição no palco como dançarino ao lado de Carol Dempster em um prólogo para o filme de D. W. Griffith, O Tambor da Vitória / The Greatest Thing in Life e seu primeiro encontro com Jean Acker, jovem atriz da Metro. O casamento misterioso deles foi objeto de muito mexerico (Jean teria batido a. porta no nariz de seu noivo na noite de núpcias, dizendo que tudo fôra um erro horrível). Confuso e infeliz com o fracasso de seu matrimônio Valentino continuou trabalhando e tentando se tornar mais conhecido.

Valentino e Clara Kimball Young em Olhos da Juventude

O papel que o tirou de seu aprendizado e o colocou em primeiro plano foi o de um parasita frequentador de cabaré chamado Clarence Morgan, contratado por um marido a armar uma cilada a fim de colocar sua virtuosa esposa em uma situação comprometedora. Foi apenas uma breve intervenção em Olhos da Juventude, mas ele convenceu a roteirista June Mathis de que poderia interpretar um papel importante em uma próxima grande produção da Metro Pictures Corporation.

Alice Terry e Valentino em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Quando Valentino leu em um dos jornais especializados que a Metro havia adquirido os direitos de filmagem do best seller de Vicente Blasco Ibanez The Four Horsemen of the Apocalypse e contratado June Mathis para cuidar da adaptação do romance para a tela, pensou que poderia haver um papel para ele no segmento passado na Argentina, porque o tango figurava com destaque na trama. Ao chegar no estúdio, ficou surpreso ao saber que Mathis estava à procura dele para desempenhar o papel principal do libertino Julio Desnoyers, neto favorito de Madariaga, o Centauro (Pommeroy Cannon), dono de várias fazendas na Argentina. O filme de 1921, com título brasileiro de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, tornou-se um empreendimento monumental: um milhão de dólares gastos, seis meses de filmagem, doze assistentes de diretores, quatorze cinegrafistas, milhares de figurantes. A intuição de June Mathis de colocar um ator desconhecido no papel principal (ao lado de Alice Terry) resultou em um dos filmes mais bem sucedidos de sua época, que deu um lucro de quatro milhões de dólares e lançou Rodolfo Valentino como “The Great Lover”, transformando-o em um grande ídolo da tela.

Outra Cena de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

A direção de Ingram, um dos grandes pictorialistas do cinema mudo – que soube descrever com sensibilidade pictórica as ruas de Paris, a entrada dos alemães na aldeia destruída de Villebranche, a histeria e o terrores da guerra, os horrores do campo de batalha, o meio social, as visões do místico Tchernoff (Nigel De Brulier) quando ele tem a visão apocalíptica e a cena final impressionante no cemitério de guerra militar com suas fileiras de cruzes brancas – complementada pela pungência das cenas de guerra e pela fotografia sutil de John F. Seitz no mesmo nível das produções germânicas muito apreciadas na América, deu ao filme uma qualidade extraordinária.

Ainda em 1921, Valentino fez na Metro: Corações Cegos / Uncharted Seas (Dir: Wesley Rugles) com Alice Lake; Dama das Camélias / Camille (Dir: Ray C. Smallwood), adaptação do romance La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas com Alla Nazimova (produtora do filme), agora definitivamente creditado como Rudolph Valentino; Eugenia Grandet / The Conquering Power (Dir: Rex Ingram), adaptação do romance Eugénie Grandet de Honoré de Balzac com Alice Terry.

Valentino e Alice Terry em Eugenia Grandet

Cena de Eugenia Grandet

O melhor destes foi Eugenia Grandet. Contando novamente com a colaboração de June Mathis, John F. Seitz e do par romântico Rudoph Valentino e Alice Terry, Ingram realizou outro filme plasticamente impecável e com belas cenas de amor. Porém é uma história intimista bem distante da linha espetacular do filme anterior. A velha casa decadente e claustrofóbica de Grandet com suas entradas e corredores escuros, quartos escuros e tristes, sótãos e porões empoeirados (com o detalhe da aranha andando sobre as cartas roubadas) espelha a atmosfera deprimente e grotesca do lugar e o estado d´alma dos personagens. Uma das cenas mais intensas da narrativa é a da alucinação do Père Grandet (Ralph Lewis), na qual dele vê mãos esqueléticas saindo das paredes e o fantasma da sua falecida esposa, até ser esmagado pelo cofre.  Gosto muito da cena em que Charles Grandet chega à casa dos Grandet. As famílias de Grandet e os pretendentes estão vestidos com roupas simples, a porta se abre, e surge Valentino com um terno muito bem cortado e um chapéu de coco suave, fumando um cigarro, carregando uma bengala magnífica e, na outra mão, segurando um pequeno poodle com uma correia. A tomada dura um certo tempo, para que o público possa contemplá-lo de alto a baixo e apreciar suas vestimentas e a sua postura elegante.

Valentino e Natacha Rambova

Durante a filmagem de Dama das Camélias, Valentino conheceu e se apaixonou pela exótica Natacha Rambova, que criou os figurinos e cenários bizarros e expressionistas e desta versão curiosa e estática do romance de Dumas. Embora fosse uma talentosa diretora de arte e estilista (além de bailarina), Rambova, segunda esposa de Valentino, é mais lembrada pelo efeito destrutivo que teve sobre sua carreira, fazendo exigências tão impossíveis aos estúdios e distorcendo seu julgamento pessoal a tal ponto, que foi depois – por fôrça do contrato – obrigada a cessar tal interferência. Eles se divorciaram em 1925.

Descontente com seu contrato com a Metro, Valentino transferiu-se para a Famous Players – Lasky (futura Paramount), atuando em: 1921 – Paixão de Bárbaro ou O Sheik / The Sheik (Dir: George Melford) com Agnes Ayres. 1922 – De Marujo a Comandante ou A Ferro e Fogo / Moran of the Lady Letty (Dir: George Melford) com Dorothy Dalton; Esposa Mártir / Beyond the Rocks (Dir: Sam Wood) com Gloria Swanson; Sangue e Areia / Blood and Sand (Dir: Fred Niblo) com Lila Lee, Nita Naldi; O Jovem Rajá / The Young Rajah (Dir: Philip Rosen) com Wanda Hawley. 1924 – Monsieur Beaucaire / Monsieur Beaucaire (Dir: Sidney Olcott) com Bebe Daniels, Lois Wilson, Doris Kenyon; O Pecador Divino / A Sainted Devil (Dir: Joseph Henaberry) com Nita Naldi.

Valentino e Agnes Ayres em Paixão de Bárbaro

Valentino estreou na Famous Players em Paixão de Bárbaro como o Sheik Ahmed Ben Hassan, que sequestra uma inglesa, Lady Diana (Agnes Ayres), mulher supostamente moderna e independente, e depois de tratá-la barbaramente, se apaixona por ela. Baseado em um romance de Edith M. Hull, este drama romântico passado no deserto do Sahara, continha cenas ridículas e uma interpretação falsa e exagerada de Valentino, mas foi o filme mais famoso e o papel mais memorável do ator, com o qual, graças a seu enorme carisma e sensualidade, ele atingiu um status legendário.

Valentino e Nita Naldi em Sangue e Areia

Tal como Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Sangue e Areia foi baseado em um romance de Vicente Blasco Ibanez. Na trama, Valentino é o toureiro impetuoso Juan Gallardo, indeciso entre a devoção à sua santa esposa Carmen (Lila Lee) e o desejo por Doña Sol (Nita Naldi) uma mulher fatal, que encontra um fim trágico na arena. O filme foi outro grande sucesso, ainda mais lucrativo do que Paixão de Bárbaro, sendo muito lembrada a magnífica pantomima na cena da sedução entre Valentino e Nita Naldi.

Seu filme seguinte, O Jovem Rajá, foi um fracasso e Valentino começou a se voltar contra o estúdio, culpando-o pela produção de segunda classe e exigindo maior controle artístico sobre a realização de seus filmes. Ele entrou de greve e processou a Famous Players na Justiça. Precisamente porque seu astro valia muito dinheiro para empresa, ela contestou a ação e decidiu reunir toda a sua força para manter Valentino sob contrato enquanto outros estúdios o cortejavam. Joseph Schenck queria colocá-lo ao lado de sua esposa Norma Talmadge em uma versão de Romeu e Julieta e June Mathis, agora na Goldwyn Pictures e encarregada do projeto de Ben-Hur, desejava incluí-lo no elenco no papel principal depois concedido a Ramon Novarro.  Entretanto, a Famous Players exerceu judicialmente seu direito contratual que impedia Valentino de trabalhar para qualquer outro. Ele recorreu e seu recurso foi provido em parte: o tribunal decidiu que, embora não pudesse trabalhar como ator, poderia aceitar quaisquer outros tipos de emprego.

Em 1922, Valentino conheceu George Ullman, diretor de uma campanha de publicidade para uma companhia de cosméticos, Mineralava Beauty Clay Company. Ullman convenceu Valentino e Natasha a participar como dançarinos de uma tournée nos Estados Unidos e Canadá para promover os produtos e atuarem como juízes nos concursos de beleza patrocinados pela firma. Um destes concursos foi filmado por um jovem David O. Selznick, que o intitulou Rudolph Valentino and his 88 Beauties. Ullman tornou-se administrador financeiro de Valentino e começou a articular uma reaproximação com a Famous Players através de uma nova companhia formada por J. D. Williams, chamada Ritz-Carlton Pictures, resultando um acordo pelo qual Valentino cumpriria o resto de seu contrato estrelando mais dois filmes produzidos pela Famous Players e depois celebraria um contrato com a Ritz-Carlton. Os dois filmes da Famous Players, Monsieur Beaucaire e O Pecador Divino e o filme da Ritz-Carlton, Cobra (Dir: Josef Henabery), decepcionaram, porém os dois últimos filmes de Valentino, A Águia / The Eagle / 1925 (Dir: Clarence Brown) e O Filho do Sheik / The Son of the Sheik / 1926 (Dir: George Fitzmaurice), ambos produzidos por John Considine Jr. / Art Finance Corp. e distribuídos pela United Artists) foram os melhores de sua carreira ao lado de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse e Eugenia Grandet, principalmente A Águia, certamente porque tinham melhores diretores.

Valentino em A Águia

Na trama de A Águia, Vladimir Dubrovski (R. Valentino), jovem tenente cossaco, rejeita os avanços amorosos da Czarina Catarina II (Louise Dresser), torna-se “A Águia Negra”, defensor dos pobres e oprimidos e jura vingança contra Kyrilla Troekourov (James Marcus), que se apoderou dos bens de sua família. Disfarçando-se como o professor particular francês da filha de Kyrilla, Masha (Vilma Banky), apaixona-se pela moça. Aprisionado pelas tropas do govêrno, é sentenciado à morte, casa-se com Masha na prisão e no último momento ele e Masha são salvos graças à Czarina.

O script de Hans Kraly tomou emprestado a máscara negra do Zorro, a audácia física e o tema da dupla identidade; mas foi além, dando ao herói não duas, mas três personas: o tenente cossaco da Guarda Imperial Vladmir Dubrovski, o bandido mascarado tártaro Águia Negra, e o professor particular francês Marcel le Blanc de cartola e colete. Kraly e Brown temperam o romantismo da história com um leve humor satírico (Valentino zomba de sua imagem fílmica – tentando um anel que ficou tirar com dificuldade um anel que ficou emperrado no seu dedo ou quando põe pimenta demais na sua sopa porque está olhando estupidamente para a sua deslumbrante pupila etc.) William Cameron Menzies caprichou na decoração de interiores, Adrian fez o mesmo com o vestuário, o astro encarnou um herói de ação em movimento perpétuo (perseguindo uma carruagem conduzida por os cavalos desembestados, escapando por uma janela, lutando contra um urso ameaçador), e Vilma Banky formou com ele uma dupla romântica ideal.

Valentino e Vilma Banky em O Filho do Sheik

Logo após a estréia de O Filho do Sheik, Valentino, aos 31 anos de idade, morreu subitamente de peritonite depois de ter sofrido uma ruptura de úlcera. Sua morte causou uma histeria mundial, vários suicídios (uma mulher de Nova York, Agatha Hearn, mãe de família, atirou em si mesma enquanto segurava um maço de fotografias de Valentino; em Londres, uma atriz de 27 anos deprimida chamada Peggy Scott tomou veneno cercada por fotografias dele) e tumultos no seu velório, que atraiu uma multidão que se estendia por onze quarteirões. Segundo relatos, mais de 80 mil fãs compareceram ao seu funeral. Cada ano após sua morte e até os meados dos anos 50 uma misteriosa “Mulher Vestida de Preto”, algumas vezes “Mulheres Vestidas de Preto”, apareceram diante de sua sepultura.

WILLIAM DIETERLE NA AMÉRICA

agosto 5, 2022

Depois de atuar como ator de teatro (dirigido várias vezes por Max Reinhardt) e cinema (v. g. como Valentin, o soldado impetuoso que, manipulado por Mefistófeles, apunhala Fausto no célebre filme de Murnau baseado na obra de Goethe) e como diretor de cinema alemão (v. g. Die Heilige und ihr Narr / 1928, grande sucesso popular no seu país), Wilhelm Dieterle (1893 – 1972) nascido em Ludwigshafen am Rhein na Renânia-Palatinado, fez carreira no cinema americano.

William Dieterle

Com o advento do cinema sonoro, como o mercado estrangeiro representava 45% das receitas totais, Hollywood resolveu rodar diretamente na língua do país os filmes destinados às telas de além-mar e importou um punhado de atores, diretores e roteiristas europeus para realizar estas versões em idioma estrangeiro. Em julho de 1930, Wilhelm e sua esposa Charlotte, também atriz, embarcaram para os Estados Unidos, convidados para atuar em quatro versões alemãs de filmes americanos produzidos pela First National Pictures, que fôra comprada pela Warner Bros. em outubro de 1928, mas manteve seu logotipo e seus próprios estúdios em Burbank, onde iriam trabalhar as equipes européias.

As quatro versões foram: 1930 – O Baile da Morte / Der Tanz geht weiter (versão alemã de Those Who Dance (Dir: William Beaudine); Die Maske fällt (versão alemã de The Way for All Men (Dir: Frank Lloyd); Kismet (versão alemã de Kismet (Dir: John Francis Dillon). 1931 – Die heilige Flamme (versão alemã de The Sacred Flame (Dir: Archie Mayo). Charlotte atuou em Die Maske fällt e Die heilige Flamme. Dieterle interpretou o papel do Capitão Ahab em Moby Dick / Dämon des Meeres (versão alemã de Moby Dick (Dir: Lloyd Bacon) dirigido por Michael Curtiz e o substituiu na filmagem de algumas cenas.

Quando o processo de dublagem foi desenvolvido, a produção das onerosas versões estrangeiras foi interrompida e os artistas europeus dispensados. Entretanto, satisfeito com o trabalho de Dieterle, Blanke recomendou-o entusiasticamente a seu superior, o chefe de produção Hal B. Wallis e este, surpreso com a celeridade do trabalho do jovem realizador, lhe ofereceu um contrato de sete anos com a Warner Bros-First National.

Wilhelm mudou o nome para William, passou a usar sempre luvas brancas durante a filmagem e, à sua estatura imponente (1.94m de altura), acrescentou um comportamento autoritário e uma voz que podia se tornar estrondosa. Além das luvas brancas, outra peculiaridade de Dieterle foi sua crença absoluta na astrologia e na numerologia, compartilhada com sua esposa, que era astróloga. Ele mantinha um contato permanente com Charlotte e cuidava para que o primeiro dia de filmagem ocorresse sempre em um dia astrologicamente favorável. Quando testava um ator ou atriz para um papel, não deixava de estudar seu horóscopo e o levava em conta na sua decisão final.

Dieterle tinha confiança absoluta na sua mulher, que ia ao estúdio todos os dias. Como relatou Don Siegel, então estagiário do departamento de montagem da Warner (A Siegel Film – An Autobiography, Faber and Faber, London, 1993), ao fim de cada tomada, “ele olhava para Charlotte para ver se ela estava de acordo”.

De 1931 a 1935 Dieterle dirigiu 17 filmes, sobressaindo os marcados em negrito: 1931 – O Último Vôo / The Last Flight; Her Majesty Love, comédia romântica musical com Marilyn Miller, Ben Lyon, W.C. Fields. 1932 – Precisa-se de um Homem / Man Wanted, comédia romântica com Kay Francis, David Manners, Uma Merkel; Ladrão Romântico / Jewel Robbery; A Derrocada / The Crash, drama com Ruth Chatterton, George Brent, Lois Wilson; Seis Horas de Vida / Six Hours to Live, drama político misturado com ficção científica com Warner Baxter, Miriam Jordan, John Boles; Alvorada Rubra / Scarlet Dawn, drama histórico com Douglas Fairbanks Jr., Nancy Carroll, Lilyan Tashman; O Direito de Errar / Lawyer Man, drama com William Powell, Joan Blondell, Helen Vinson; 1933 – Grand Slam, comédia satírica com Paul Lukas, Loretta Young, Frank McHugh; Adorável / Adorable, comédia romântica musical com Janet Gaynor, Henri Garat, C. Aubrey Smith; Vidas sem Rumo / The Devil´s in Love, drama com Victor Jory, Loretta Young, Vivienne Osborne; O Rastro Invisível / From Headquarters, drama criminal de mistério com George Brent, Margaret Lindsay, Eugene Pallettte. 1934. – Modas de 1934. / Fashions of 1934; Névoa de Mistério / Fog Over Frisco, drama criminal de mistério; Madame du Barry / Madame du Barry, drama histórico com Dolores del Rio, Reginald Owen, Victor Jory; Ave de Fogo / The Firebird, drama criminal de mistério com Verree Teasdale, Ricardo Cortez, Lionel Artwill; Casados em Segredo / The Secret Bride, drama criminal com Barbara Stanwyck, Warren William, Glenda Farrell. Neste período, Dieterle prestou algum serviço, sem ser creditado, em Tu és Mulher / Female e Monica / Doctor Monica, dirigidos respectivamente por Michael Curtiz e William Keighley.

Cena de O Último Vôo

O Último Vôo, é um drama psicológico, baseado no romance de John Monk Saunders, adaptado por ele mesmo, que se constituiu em uma das produções mais originais de Hollywood no início dos anos 30. Após o armistício da guerra 1914-1918, quatro pilotos (Richard Barthelmess, Johnny Mack Brown (creditado como John), David Manners, Elliott Nugent), física ou mentalmente enfermos, desiludidos com o porvir, preferem ficar em Paris, em um clima daquela “geração perdida” descrita por Fitzgerald e Hemingway. Essa atmosfera é perfeitamente traduzida em termos fílmicos por Dieterle na sua estréia no cinema americano. A relação entre os ex-pilotos e o pivô feminino, Nikki (Helen Chandler), é explorada de forma pouco convencional e avançada para a época.

William Powell e Kay Francis em Ladrão Romântico

Ladrão Romântico, é uma comédia romântica excelente, baseada em uma peça de Ladislaus Fodor, sobre uma dama da alta sociedade, Baronesa Teri (Kay Francis), esposa adúltera de um milionário que percebeu o vazio de sua vida e se curou de seu tédio com um ladrão de jóias audacioso, elegante e requintado (William Powell) – parecido com Arsène Lupin de Maurice Leblanc. Dotado de uma técnica incomparável para esvaziar as joalherias da Ringstrasse de Viena nas barbas das autoridades, ele ridiculariza os representantes da lei e até o prefeito sucumbe aos cigarros de marijuana oferecidos pelo charmoso larápio. Outra dose parecida de amoralidade – pois trata-se de um filme anterior ao Código Hays – é o decote escandalosamente ousado nas costas de Teri e, no final, o oferecimento de seu marido para uma cura de descanso em Nice, onde a espera o irresistível gatuno.

Bette Davis e William Powell em Modas de 1934

Modas de 1934 é uma comédia musical interessante, com um argumento original para ligar os números musicais coreografados por Busby Berkeley. Sherwood Nash (William Powell), vigarista do mundo da moda, chega com seus cúmplices Lynn Mason e Snap (Bette Davis e Frank McHugh) a Paris, onde encontram um jovem compositor (Philip Reed), um comerciante da Califórnia (Hugh Herbert) que está tentando induzir os costureiros a usarem mais plumas em suas criações, e uma velha conhecida (Verree Teasdale), disfarçada de condessa russa. Esta está de amores com um costureiro famoso (Reginald Owen), cujos modelos o vigarista pretende roubar. No final vem o número “Spin a Little Web of Dreams”, que é um desfile suntuoso de garotas – formando uma decoração de harpas humanas e em seguida carregando leques de plumas de avestruz, até formarem uma grande rosa – fotografadas com a fluência característica de Busby.

De 1935 a 1939 Dieterle, impulsionado pelo seu antigo diretor de teatro Max Reinhardt, Dieterle fez 13 filmes, todos de classe A, entre os quais estão os melhores de sua carreira: 1935 – Sonho de uma Noite de Verão / A Midsummer Night´s Dream; Dr. Sócrates / Dr. Socrates, drama criminal com Paul Muni, Ann Dvorak, Barton MacLane; A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur. 1936 – Satan Met a Lady, drama criminal com Bette Davis, Warren William, Alison Skipworth; Anjo de Piedade / The White Angel, drama biográfico com Kay Francis, Ian Hunter, Donald Woods. 1937 – O Grande O´Malley / The Great O´Malley, drama com Pat O´Brien, Humphrey Bogart, Ann Sheridan; Outra Aurora / Another Dawn, drama com Kay Francis, Errol Flynn, Ian Hunter; Émile Zola / The Life of Emile Zola. 1938 – Bloqueio / Blockade (Prod: Walter Wanger/ UA), drama de guerra com Madeleine Carroll, Henry Fonda, Leo Carrillo. 1939 – Juarez / Juarez; O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame (Prod: RKO Radio). Em 1937 Dieterle prestou serviço momentaneamente nas filmagens de O Príncipe e o Mendigo / The Prince and the Pauper (substituindo William Keighley) e As Aventuras de Robin Hood /The Adventures of Robin Hood, (ocupando o lugar de Keighley antes de Michael Curtiz assumir a direção).

James Cagney e Anita Louise em Sonho de uma Noite de Verão

Sonho de uma Noite de Verão é uma adaptação da peça de William Shakespeare, realizada por Max Reinhardt com a ajuda de Dieterle, seu antigo discípulo dos palcos da Alemanha. Sobressai a fotografia deslumbrante de Hal Mohr, que entrou no lugar de Ernest Haller e deu um jeito de iluminar a imensa floresta erguida no estúdio pelo diretor de arte Anton Grot. Ele alterou os sets de Grot, pintou as folhas das árvores com tinta alumínio e resolveu usar apenas uma fonte de luzem vez de várias como ia fazer Haller. Mohr arrebatou o Oscar sem ter sido indicado, caso único na história da Academia, em virtude da aplicação do write-in vote, prática então vigente, que permitia ao votante incluir na cédula de votação um candidato próprio. Reinhardt trouxe o compositor austríaco Erich Wolfgang Korngold para providenciar o arranjo da música de Mendelsohn. O filme foi indicado para o Oscar.

Paul Muni em A História de Louis Pasteur

A História de Louis Pasteur é a cinebiografia do célebre químico francês, narrada de maneira direta e acessível, incorporando alguns acontecimentos fictícios aos fatos históricos para dramatizar o confronto entre a sociedade tradicional e as mudanças engendradas pelo progresso científico. O filme apresenta a luta entre Pasteur e seu rival poderoso, o arrogante Dr. Charbonnet (Fritz Leiber), eminente membro da área médica, que deseja desacreditar o grande cientista. Paul Muni personificou soberbamente o biografado, conquistando o Oscar, também entregue a Pierre Collings e Sheridan Gibney pelo Melhor Roteiro e História Original. O filme, conciso e emocionante, foi indicado para o troféu da Academia Agradou aos críticos e ao público, convencendo Jack Warner e o produtor Hal Wallis de que novas cinebiografias com o ator seriam do agrado popular.

 

Paul Muni em Émile Zola

Émile Zola é a cinebiografia do combativo escritor francês. Concorrente ao Oscar em várias categorias, ganhou como Melhor Filme e deu também estatuetas aos roteiristas Norman Reily Raine, Heinz Herald e Geza Herczeg e ao ator coadjuvante Joseph Schildkraut, que faz o papel de Alfred Dreyfus.  A cena mais contundente é a do julgamento de Dreyfus, na qual Paul Muni, no papel de Zola, brilha intensamente, discursando em favor do oficial judeu injustamente acusado. Graças ao extraordinário talento do ator, bastou um único take para que Dieterle se desse por satisfeito. Muni leu tudo o que encontrou a respeito de Zola, cada palavra das transcrições do julgamento de Dreyfus e muitos romances do escritor em traduções. Na sua pesquisa descobriu alguns gestos famosos e idiosincrasias de Zola: seu andar com os ombros caídos, uma risada excêntrica, o modo como o qual ele enfiava seu guardanapo sob seu colarinho, como colocava suas mãos para a frente e dava uma batidinha no seu estômago pensativamente. Seu esforço foi compensado com mais uma indicação para o Oscar de Melhor Ator.

Paul Muni em Juarez

Juarez é um drama histórico, sóbrio e majestoso, com a colaboração de John Huston no roteiro, dando igual importância às figuras do líder revolucionário mexicano e do Imperador Maximiliano. Brian Aherne quase consegue ofuscar Paul Muni – responsável pelo papel de Juarez -, personificando com muita propriedade o trágico Príncipe austríaco que Napoleão III colocou no trono do México, obtendo indicação para o Oscar. O cenógrafo Anton Grot e o fotógrafo Tony Gaudio também contribuem notavelmente para o espetáculo, o último dando um show de iluminação em muitas cenas, entre ela, aquela quando a louca Carlota (Bette Davis) sente que está próxima a execução do marido.

Charles Laugthon e Maureen O´Hara em O Corcunda de Notre Dame

O Corcunda de Notre Dame é refilmagem do célebre romance de Victor Hugo, que tem como centro das atenções o grotesco Quasimodo e a bela cigana Esmeralda. A Paris do tempo de Louis XI é reconstituída com autenticidade pelos sets de Van Nest Polglase, que evocam de modo fascinante o clima de superstição, horror e miséria do romance de V. Hugo. Charles Laughton impressiona tanto como o corcunda quanto Lon Chaney na versão muda e Maureen O´Hara, fotografada por Joseph August, é a própria beleza em pleno êxtase. Há, porém, um final feliz insustentável.

Em 1940, Dieterle fez mais dois filmes na Warner (A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich’s Magic Bullet e Uma Mensagem de Reuter / A Dispatch from Reuters,    drama biográfico com Edward G. Robinson, Edna Best, Eddie Albert) e nos dois anos seguintes tentou se tornar independente, criando sua própria companhia de produção, Wiliam Dieterle Productions, firmando primeiramente uma parceria com a RKO Radio Pictures em dois filmes: O Homem Que Vendeu sua  Alma / The Devil and Daniel Webster e Cavalgada de Melodias / Syncopation, comédia musical histórica com Adolphe Menjou, Jackie Cooper e Bonita Granville.

Edward G. Robinson em A

A Vida do Dr. Ehrlich é a cinebiografia do Dr. Paul Ehrlich, o bacteriologista que descobriu a cura para a sífilis, tema audacioso para ser levado à tela sob a vigência do Código Hays que Dieterle tratou, focalizando mais os fatos, sem preocupação de criar mais dramaticidade. Contando com a colaboração de John Huston como coautor do roteiro, a música de Max Steiner e a fotografia de James Wong Howe, o diretor conduziu a narrativa de maneira ao mesmo tempo sólida e sensível e Edward G. Robinson dominou o espetáculo com uma de suas melhores interpretações no cinema.

Walter Huston e James Craig em O Homem Que Vendeu Sua Alma

O Homem Que Vendeu Sua Alma é um drama fantástico e faustiano baseado no conto de Stephen Vincent Benet. A história gira em torno de Jabez Stone (James Craig), fazendeiro endividado do século XIX, que vende sua alma ao Diabo, Mr. Scratch (Walter Huston), em troca de sete anos de prosperidade. À medida em que sua situação financeira melhora, Jabez se torna impiedoso e cruel, caindo sob o feitiço de uma jovem fascinante, Belle (Simone Simon), enviada por Mr. Scratch para desencaminhá-lo. Quando os sete anos estão quase terminando quem vem em socorro do rapaz é o famoso político e orador Daniel Webster (Edward Arnold) que, no julgamento de sua alma por um júri de fantasmas de vilões famosos da História, consegue salvá-lo das garras de Satanás. Adotando, com o auxílio do fotógrafo Joseph August, um estilo cinematograficamente parecido com o cinema alemão expressionista e contando ainda com a música estridente de Bernard Hermann (premiada com o Oscar), os efeitos especiais de Vernon L. Walker e a performance deliciosa de Walter Huston (que lhe valeu uma indicação para o prêmio da Academia), Dieterle realizou um espetáculo estranho, que muitos consideram sua obra-prima. E tem aquele final inesperado com Mr. Scratch, consultando seu caderninho de notas e nos apontando como sua próxima vítima.

Antes de encerrar suas atividades na América em 1957, Dieterle fez, para várias companhias: 1942 – Campeão de Liberdade / Tennessee Johnson, drama biográfico com Van Heflin, Lionel Barrymore, Ruth Hussey (MGM). 1944 – Kismet / Kismet, aventura com Ronald Colman, Marlene Dietrich, James Craig; (MGM); Ver-te-ei Outra Vez / I´ll Be Seing You (Selznick), drama romântico com Ginger Rogers, Joseph Cotten, Shirley Temple (Selznick). 1945 – Um Amor em Cada Vida / Love Letters (Paramount); Sublime Indulgência / This Love of Ours (Universal), drama romântico com Merle Oberon, Charles Korvin, Claude Rains (Universal). 1946 – Duelo ao Sol / Duel in the Sun (Selznick). Obs. Dieterle refez 20% do filme após a saída de King Vidor; A Esperança não Morre / The Searching Wind, drama de guerra com Robert Young, Sylvia Sidney, Ann Richards (Paramount). 1948 – Jennie / Portrait of Jennie, drama de mistério e fantasia com Jennifer Jones, Joseph Cotten, Ethel Barrmore (Selznick). 1949 – Acusada / The Accused (Paramount); Zona Proibida / Rope of Sand, aventura com Burt Lancaster, Paul Henreid, Claude Rains (Paramount). 1950 – Amei Até Morrer / Paid in Full, drama com Robert Cummings, Lizabeth Scott, Diana Lynn (Paramount); Vulcano / Volcano (filme italiano); Paraíso Proibido / September Affair, drama romântico com Joan Fontaine, Joseph Cotten, Françoise Rosay (Paramount); Cidade Negra / Dark City, drama criminal noir com Charlton Heston, Lizabeth Scott, Viveca LIndfors (Paramount). 1951 – O Expresso de Pequim / Peking Express, drama político com Joseph Cotten, Corinne Calvert, Edmund Gwenn (Paramount); O Último Caudilho / Red Mountain, western com Alan Ladd, Lizabeth Scott, Arthur Kennedy (Paramount). 1952 – O Trapaceiro / Boots Malone, drama esportivo com William Holden, Stanley Clements, Basyl Ruysdael; (Columbia); Tributo de Sangue / The Turning Point (Paramount). 1953 – Salomé / Salome, drama histórico com Rita Hayworth, Carles Laughton, Stewart |Granger (Columbia). 1954 – No Caminho dos Elefantes / Elephant Walk, aventura com Elizabeth Taylor, Dana Andrews, Peter Finch (Columbia). 1955 – Chama Imortal/ Magic Fire, drama biográfico com Yvonne De Carlo, Carlos Thompson, Rita Gam (Republic). 1957 – Aventuras de Omar Khayam / Omar Khayyam, aventura biográfica com Cornel Wilde, Michael Rennie, Debra Paget (Paramount).

Jennifer Jones e Joseph Cotten em Um Amor Em Cada Vida

Um Amor em Cada Vida é um melodrama ultraromântico de mistério com um vestígio de sobrenatural, que tem início durante a Segunda Guerra Mundial. O soldado Alan Quinton (Joseph Cotten) concorda em escrever cartas de amor para a jovem Victoria (Jennifer Jones) em nome de seu companheiro de armas, Roger Morland (Robert Sully), tal como Cyrano de Bergerac fazia para Christian na peça de Edmond Rostand. Quando Alan retorna para casa, descobre que Victoria e Roger haviam se casado, mas ele estava morto, apunhalado pelas costas e o assassino pode ter sido Victoria, agora sofrendo de amnésia e atendendo pelo nome de Singleton. Apaixonado por ela, Alan procura descobrir o que realmente ocorreu. A esplêndida fotografia de Lee Garmes e o score persistente de Victor Young reforçam o aspecto sombrio do tema enquanto Dieterle se encarrega de manter a verdade oculta até os últimos instantes do filme. Foram indicados ao Oscar: Jennifer Jones, Victor Young (Melhor Música e Melhor Canção (esta de parceria com Edward Heyman) e Hans Dreier e Roland Anderson (Dir. Arte).

Robert Cummings e Loretta Young em Acusada

Acusada é um drama criminal e psicológico noir no qual Loretta Young faz o papel de Wilma Tuttle, professora de psicologia, forçada a matar seu aluno Bill Perry (Douglas Dick), que tentara violentá-la. Intimada pelo Tenente Ted Dorgan (Wendell Corey) a entregar a polícia as composições escritas de seus alunos, lê a dissertação de Bill e verifica que ele a analisara, descrevendo seu tipo psicológico, mas sem identificá-la. Wilma então muda sua imagem e começa a sair com Warren (Robert Cummings), advogado e guardião do rapaz. Este acaba descobrindo a verdade e tenta ajudá-la. Após o crime, Wilma se transforma quase que em uma mulher fatal: torna-se poderosa, calculista, desembaraçada e sensual, e começa a jogar com as emoções dos dois homens. Um aspecto interessante do enredo é a paixão recolhida de Dorgan, que o próprio revela a Wilma depois do julgamento. O visual noir transparece sobretudo nos retrospectos apresentados sob a forma de pesadelos e alucinações da protagonista, cheios de simbolismo freudiano, principalmente as cenas passadas no estádio de boxe, quando a luta lhe traz a lembrança os acontecimentos que ela quer apagar da memória. Outra passagem marcante é a da reconstituição do crime. O perito (Sam Jaffe) mostra uma maquete do local onde Bill teria caído e sua máscara mortuária. Warren pede que Wilma golpeie o molde de gesso com uma barra de ferro e ela, lembrando-se da tentativa de estupro, se descontrola espatifando-o violentamente.

Edmond O´Brien, Alexis Smith e Willaim Holden em Tributo de Sangue

Tributo de Sangue é um drama criminal, pondo em evidência um promotor de Los Angeles, John Conroy (Edmond O´Brien), designado para investigar um sindicato do crime dirigido pelo riquíssimo Echelberger (Ed Begley). Ele conta com o apoio de seu amigo de infância, jornalista Jerry McKibbon (William Holden), e de sua assistente e namorada Amanda (Alexis Smith). O caso se complica quando Amanda se apaixona por Jerry e, ao mesmo tempo, este descobre que o pai de John – tido como um policial honesto – está macomunado com os bandidos. Dieterle expõe a intriga com sobriedade e grande senso de cinema, criando boas sequências como o assalto simulado a uma loja, cujo objetivo é atrair o velho policial e eliminá-lo, já que ele já não serve aos interesses do Sindicato; as cenas noturnas do incêndio, ordenado por Eichelberger, de um prédio, causando a morte atroz de muitas pessoas; o clímax no qual um assassino de aluguel procura alvejar o jornalista do teto e depois nos corredores do estádio de boxe no meio da multidão de espectadores,  todos estes momentos  muito bem captados pela câmera de Lionel Lindon.

No final dos anos 50, Dieterle voltou para a Europa, onde – sofrendo alguns contratempos – trabalhou no cinema, teatro e televisão entre 1958 e 1972. Em 1964, retornou aos EUA para fazer The Confession, comédia satírica com Ginger Rogers, Ray Milland, e Barbara Eden, produzida pela William Marshall Productions of Jamaica e Kay Lewis Enterprises, e distribuído pela Golden Eagle (USA). O filme foi uma tentativa de reativar a carreira de Ginger Rogers, então casada com Marshall, teve uma produção conturbada (com o diretor original Victor Stoloff sendo substituído por Dieterle) e ficou na prateleira por muitos anos, até ser relançado em 1971 como Quick, Let´s Get Married! Um ano depois Dieterle deixaria este mundo aos 72 anos de idade. Em junho-julho de 1973, o Festival de Berlim prestou uma homenagem póstuma ao cineasta, consagrando-lhe uma pequena retrospectiva.

 

 

 

A CARREIRA GLORIOSA DE LAURENCE OLIVIER

julho 22, 2022

Consagrado como ator, produtor e diretor no teatro, no cinema e na televisão, ele teve uma carreira gloriosa em todos estes campos de expressão artística., sobressaindo suas estupendas encenações e adaptações para a tela das peças de Shakespeare.

Laurence Olivier

Laurence Kerr Olivier (1907-1989) nasceu em Dorking, Surrey na Inglaterra, filho do reverendo Gerard Kerr Olivier e de Agnes Crookender. Em 1910 a família se mudou para Londres onde Olivier cursou três escolas preparatórias, a última das quais foi a Francis Holland School em Chelsea. Em 1916, quando tinha nove anos de idade, foi para a All Saints, Margaret Street, onde recebeu rigorosa educação musical (Mozart, Handel, Bach, Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Gounod, Dvorak, Palestrina, Tallis), cantou em missas e hinos, aprendeu Latim, Língua Francêsa e Inglêsa, História, Matemática.

A All Saints também proporcionou a Olivier seu primeiro gôsto pelos palcos de Londres e depois por Shakespeare. Em uma produção escolar de Julius Caesar em 1917, seu desempenho como Brutus impressionou o público. Entre as personalidades presentes estava a famosa atriz shakespeareana da época, Ellen Terry, que teria escrito sobre Olivier no seu diário: “Aquele menino de dez anos de idade já é um grande ator”. No seu último ano na escola, Olivier desempenhou o papel de Katharina em The Taming of the Shrew, ganhando mais elogios de Ellen Terry. Da All Saints Laurence passou para a St. Edwards School, Oxford, onde ficou de 1920 a 1924, e brilhou novamente interpretando Puck na produção da escola de A Midsummer´s Night Dream.

Em 1924, seu pai aconselhou-o a ingressar na Central School of Speech Training and Dramatic Art e tentar obter uma bolsa a fim de custear seus estudos. Após um ano de aprendizado, Olivier encontrou emprego em pequenas companhias teatrais e finalmente foi admitido na companhia de Lewis Casson e sua esposa, a atriz Sybil Thorndike, uma das personalidades presentes na representação escolar de Julius Caesar quando Laurence se distinguiu como Brutus.

Em 1927, Olivier ingressou na Birmingham Repertory Company, fundada pelo milionário Barry Jackson, onde teve a chance de interpretar, aos dezenove anos de idade, o papel título de Tio Vânia na peça de Anton Tchekov e trabalhar ao lado de uma ainda mais jovem Peggy Ashcroft na comédia Bird in Hand de John Drinkwater, atraindo a atenção dos críticos.

Em 1928, Barry Jackson reprisou Bird in Hand, mas desta vez a parceira de Olivier foi uma jovem atriz, Jill Esmond. O espetáculo ficou meses em cartaz, mas Laurence almejava algo mais e conseguiu o papel principal na peça de R.C Sherriff, Journey´s End e na adaptação teatral do romance Beau Geste de P.C. Wren.  A primeira fez sucesso, a segunda fracassou. Ele propôs casamento a Jill, mas ela contemporizou e foi para os Estados Unidos. Então, quando Olivier foi convidado para fazer um papel em Murder in the Second Floor na Broadway, partiu com todo prazer para Nova York a bordo do Aquitania. Entretanto, a peça não foi bem e ele voltou para Londres, desta vez no Lancastria, um navio menor, mais lento e mais barato. Em Nova York, Jill ficou feliz por ele ter ido à América e sentiu que eles ficaram mais unidos e que o amor deles era calmo e firme.

Laurence Olivier e Jill Esmond

Em Londres, Olivier, depois de ter sido elogiado pelos críticos por sua atuação na peça The Last Enemy, passou um longo período desempregado, porém fez seus dois primeiros filmes: The Temporary Widow / 1930 (versão inglesa do filme alemão Hokuspokus de Gustav Ucicky e estrelado por Lilian Harvey) e Too Many Crooks / 1930, quota quickie de 38 minutos (Dir: George King), comédia criminal com Dorothy Boyd. Em The Temporary Woman  Olivier fazia o papel que coubera a Willy Fritsch na versão original. Em 25 de julho de 1930, Olivier e Jill se casaram, porém dentro de poucas semanas perceberam que haviam cometido um erro.

Pouco antes, Noel Coward ofereceu a Olivier o papel de Victor Prynne, um dos papéis secundários de sua nova comédia Private Lives, na qual ele e Gertrude Lawrence interpretariam os papéis principais. A peça fez uma carreira brilhante e poderia ter ficado um ano em cartaz, mas Coward resolveu levá-la para Broadway. Quando a peça   estava no último mês em. cena, Olivier estava filmando de dia em Elstree, Potiphar´s Wife / 1931(Dir: Maurice Elvey), drama romântico com Nora Swinburne.

No mesmo ano, a RKO ofereceu a Olivier um contrato de dois anos, ele aceitou, e foi para Hollywood. Seu primeiro filme na RKO foi Amigos e Amantes / Friend´s and Lovers / 1931 (Dir: Victor Schertzinger), drama romântico com Adolphe Menjou, Lili Damita, Erich von Stroheim. Emprestado para a Fox, ele fez O Passaporte Amarelo / The Yellow Ticket / 1931 (Dir: Raoul Walsh), drama passado na Rússia czarista com Elissa Landi, Lionel Barrymore, Boris Karloff e, de volta à RKO, Westward Passage / 1932 (Dir: Robert Milton), drama romântico com Ann Harding, ZaSu Pitts, seu último filme em Hollywood até 1939.

Lionel Barrymore, L.O. e Elissa Landi em Passaporte Amarelo

Gloria Swanson e L.O. em Casamento Liberal

L.O. em Elizabeth Bergner em Como Gostais

No período 1933-1939, filmou na Inglaterra: 1933 – Casamento Liberal / Perfect Understanding (Dir: Cyril Gardner), drama romântico cômico com Gloria Swanson; No Funny Business (DIr:  Victor Hanbury), comédia com Gertrude Lawrence, Jill Esmond. 1935 – Noites de Moscou / Moscow Nights (Dir:  Anthony Asquith), drama romântico com Penelope Dudley Ward, Athene Seyler; Conquest of the Air (Dir: Alexander Esway, Zoltan Korda, John Monk Saunder), documentário histórico. 1936 – Como Gostais / As You Like It (Dir: Paul Czinner), seu primeiro filme Shakespereano ao lado de Elizabeth Bergner. 1937 – Fogo Sobre a Inglaterra / Fire Over England (Dir: William K. Howard), aventura histórica com Flora Hobson, Vivien Leigh; Três Semanas de Loucura / Twenty-one Days (Dir: Basil Dean), com Vivien Leigh, Leslie Banks. 1938 – O Divórcio de Lady X / The Divorce of Lady X (Dir: Tim Whelan), comédia dramática com Merle Oberon, Binnie Barnes Ralph Richardson. 1939 – Nuvens sobre a Europa / Q Planes (Dir: Tim Whelan), drama de espionagem com Ralph Richardson, Valerie Hobson.  Em 1933, Olivier recebeu uma proposta da MGM para ser o leading man de Greta Garbo em Rainha Cristina / Queen Christina, porém Garbo o rejeitou e o papel foi entregue a John Gilbert.

L.O. em Noites de Moscou

Vivien Leigh e L.O. em Fogo sobre a Inglaterra

Em 1936, Olivier aceitou convite para ingressar na Old Vic, companhia de repertório especializada em peças de Shakespeare sediada no teatro do mesmo nome, que constituiria o núcleo do National Theatre of Great Britain, quando de sua formação em 1963. Nesta ocasião começou seu romance com Vivian Leigh, embora ele ainda estivesse casado com Jill Esmond e ela com o advogado Leigh Holmes e os casais convivessem socialmente. Ambos já divorciados, Olivier se casaria com Vivien em 31 de agosto de 1941.

L.O. e Merle Oberon em O Morro dos Ventos Uivantes

Joan Fontaine, L.O. e Judith Anderson em Rebecca, a Mulher Inesquecível

Greer Garson e L.O. em Orgulho e Preconceito

L.O. e Vivien Leigh em Lady Hamilton, a Divina Dama

De volta a Hollywood, Olivier trabalhou para Samuel Goldwyn em O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heigths / 1939 (Dir: William Wyler), adaptação do romance de Emily Bronte com Merle Oberon, David Niven, Donald Crisp; para David O. Selznick em Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940 (Dir: Alfred Hitchcock), adaptação do romance de Daphne du Maurier com Joan Fontaine, Judith Anderson, George Sanders,  para a MGM em Orgulho e Preconceito / Pride and Prejudice / 1940, adaptação do romance de Jane Austen com Greer Garson, Maureen O´Sullivan, Edna May Oliver e para Alexander Korda  Lady Hamilton, a Divina Dama /  That Hamilton Woman / 1941 (DIr: A. Korda), drama romântico-histórico servindo à propaganda de guerra com Vivien Leigh, Gladys Cooper, Alan Mowbray. Por sua atuação como Heathcliff em O Morro dos Ventos Uivantes e como Maxim de Winter em Rebecca, Olivier foi indicado para o Oscar de Melhor Ator.

Antes de retornar para a Inglaterra, Olivier passou o ano anterior aprendendo a pilotar e tinha completado quase 250 horas de vôo quando deixou a América. Ele pretendia se alistar na Royal Air Force, mas em vez disso, fez Invasão de Bárbaros / 49th Parallel / 1941 (Dir: Michael Powell), outro drama de propaganda de guerra com Leslie Howard, Eric Portman, serviu na Fleet Air Arm, ramo da aviação naval da Marinha e fez ainda outro filme de propaganda de guerra, O Coração não Tem Fronteiras / The Demi-Paradise / 1943 (Dir:  Anthony Asquith), com Penelope Dudley Ward, Margareth Rutherford.

L.O. de farda ao lado de Vivien Leigh

No decorrer da década de quarenta, sob o patrocínio do produtor Filippo del Giudice, Olivier realizou seus dois primeiros grandes filmes shakespereanos, Henrique V / Henry V / 1944 e Hamlet / Hamlet / 1948.

L. O. em Henrique V

Encarregado do comando de todo o projeto (como diretor, ator principal, coautor do roteiro e coprodutor), ele percebeu que o texto shakespeareano (embora dizendo respeito a uma outra invasão da França bem menor, mas igualmente famosa, levada a efeito por um rei inglês em 1415), devidamente ajustado, poderia servir ao esforço de guerra. Com esta compreensão, concebeu ao mesmo tempo uma peça de propaganda estimulante e uma obra de arte cinematográfica, misturando habilmente teatro e cinema, em uma profusão de cores e efeitos técnicos surpreendentes. Sua idéia mais fértil foi começar e terminar o filme pela descrição realista de uma representação do teatro elisabetano. O espetáculo começa com a panorâmica de uma maquete da Londres Elizabetana e em seguida a câmera nos conduz pelo Tâmisa até uma réplica do Globe Theater. Após as cenas de abertura, filmadas como se estivéssemos diante de uma performance da peça de Shakespeare no Globe, o filme volta no tempo para a França no final da Idade Média, mostrada por cenários pintados e paisagens construídos no palco de filmagem de um estúdio. Finalmente, Olivier transporta a narrativa para uma locação na Irlanda, onde filma a Batalha de Agincourt. Transcorridos alguns acontecimentos na côrte francesa, o espetáculo retorna ao Globe para o final. Nas cenas de batalha – empolgantes por seu movimento, sua montagem e pela música agitada de William Walton, – com a câmera ao ar livre, o filme se torna totalmente cinematográfico, salientando-se outro grande momento, como a alocução feita aos soldados por Henrique, finalizada quando o rei, sobre uma carreta e, cercado por todos, faz a incitação ao combate. O idílio dele no fim com a princesa Catherine (Renée Asherson) encanta pela graça do diálogo e comportamento dos atores. A produção acarretou indicações para o Oscar de Melhor Filme, Ator, Direção de Arte em cores, Música de filme não musical e Olivier recebeu uma Estatueta Especial “por seu grande desempenho como ator, produtor e diretor levando Henrique V ao Cinema”.

Por ocasião do lançamento de Henrique V, Olivier tornou-se codiretor (juntamente com Ralph Richardson e John Burrell) da Old Vic. Quando os alemães começaram a mandar bombas voadoras sobre Londres, os ensaios da Old Vic tinham lugar nas salas da National Gallery, das quais todos os quadros haviam sido removidos para um lugar seguro e os atores se deitavam no chão para não serem atingidos por estilhaços de madeira ou de vidro. A maior performance de Olivier na Old Vic foi como Richard III, aclamada unanimemente pelos críticos.

Laurence Olivier, Eileen Herlie e Basil Sidney em Hanlet

Apesar da eliminação drástica de várias personagens da peça como Fortimbrás, Reinaldo e a dupla Rosencrantz e Guildenstein e da alteração de vários trechos até em sua colocação em cena, como foi o caso do monólogo “To be or not to be”, recitado após o encontro com Ofélia (Jean Simmons), quando devia precedê-lo, Hamlet foi uma adaptação soberba da obra-prima de Shakespeare, feita pelo melhor especialista. Olivier optou por uma leitura Edipiana do texto e, embora enunciado como a história de um homem indeciso, o filme mostra um Hamlet em ação, quase sempre impulsivo e violento, que trama sua vingança com forte determinação. O diretor abandonou o Technicolor brilhante de Henrique V, para explorar, com a fotografia em preto e branco contrastada, a atmosfera sombria e profundamente psicológica de Elsinore, onde se desenvolve o drama do atormentado Príncipe da Dinamarca. Combinando profundidade de campo com a movimentação incessante da câmera pelos cenários tenebrosos do castelo, com suas escadas gigantescas e corredores intermináveis, Olivier cria uma espécie de paralelismo com o que se passa no âmago de Hamlet, sondando sua inteligência secreta, que se manifesta por vezes através de solilóquios em voz over como monólogos interiores. Avultam, pela sua dramaticidade, as cenas da representação dos comediantes na côrte reconstituindo o crime nefando de Claudio (Basil Sidney), a visita incestuosa de Hamlet ao quarto de sua mãe (Eileen Herlie) ocasionando a morte de Polônio (Felix Aylmer), e o duelo final trágico. A produção arrebatou quatro Oscar – Melhor Filme, Ator, Direção de Arte preto e branco (Roger K. Furse / decoração de Carmen Dillon), Figurino (preto e branco (Roger K. Furse) – e três indicações: Melhor Direção, Melhor Atriz Coadjuvante (Jean Simmons) e Melhor Música de filme não musical (William Walton).

No final de 1949, afastado (tal como Richardson e Burrell) do cargo de codiretor do Old Vic, Olivier resolveu formar a Laurence Olivier Productions, iniciando uma carreira de ator-administrador. Entre outras peças, ele encenou A Streetcar Named Desire de Tennnesse Williams com Vivien Leigh no papel de Blanche Dubois, papel que levaria a atriz a interpretar o mesmo personagem no filme de Elia Kazan de 1951. Outro grande sucesso foi Macbeth, no qual ele assumiu o papel principal ao lado de Vivian como Lady Macbeth, firmando-se de uma vez por todas como um grande ator shakespeareano. Seu próximo plano era filmar a peça e Alexander Korda estava pronto para financiá-lo, porém Korda faleceu em 23 de janeiro de 1956 de um ataque do coração e o projeto não foi adiante.

L.O., Jennifer Jones e Eddie Albert em Perdição por Amor

Marilyn Monroe e L. O. em O Príncipe Encantado

Durante os anos cinquenta, Olivier continuou aparecendo nas telas britânicas e americanas: 1951 – The Magic Box da British Lion (Dir: John Boulting), em um cameo de dois minutos como um policial na história do pioneiro do cinema, William Friese-Greene, interpretado por Robert Donat. 1952 – Perdição por Amor / Carrie (Dir: Wiliam Wyler), drama baseado no romance de Theodore Dreiser com Jennifer Jones, Miriam Hopkins, Eddie Albert. 1953 – A coração da Rainha Elizabeth II da Inglaterra / A Queen is Crowned, como narrador neste documentário sobre a coroação da rainha Elizabeth; Ao Pé do Cadafalso / The Beggars Opera (Dir: Peter Brook), adaptação da ópera de John Gay com Stanley Holloway, Hugh Griffith, George Rose. 1955 – Ricardo III / Richard III. 1956 – O Principe Encantado.  The Prince and the Showgirl (Dir: Laurence Olivier), comédia romântica com Marilyn Monroe, Sybil Thorndike. 1959 – O Discípulo do Diabo/ The Devil´s Disciple (Dir: Guy Hamilton), adaptação da peça de Bernard Shaw com Burt Lancaster, Kirk Douglas.

L. O. e Ralph Richardson em Ricardo III

Tal como nas suas precedentes transposições para a tela das obras shakespeareanas, em Ricardo III Olivier logrou, de forma admirável, traduzir o pensamento do dramaturgo elisabetano com os recursos da câmera cinematográfica. Suprimindo personagens (como a rainha Margaret), acrescentando outros (como Jane Shore, apenas mencionada na peça) ou refazendo cenas (Ricardo seduz Anne não diante do caixão de seu sogro Henrique VI, mas do seu esposo), sobre traçar um retrato perfeito do ambicioso e diabólico Duque de Gloucester (Laurence Olivier) e sua conspiração contra o rei para se apoderar da corôa que, em primeiro plano, abre e fecha o espetáculo.  Uma das originalidades do filme é que Ricardo é um vilão disforme e carismático que, confidenciando seus planos para os espectadores, os faz cúmplices de suas tramas e crimes; ele acaba manipulando o público tão habilmente quanto faz com seus rivais pelo trono da Inglaterra. O diretor usa por vezes a sombra de Ricardo como uma metáfora visual, refletindo o defeito físico e moral do protagonista e sua perversidade. Como ator, Olivier compõe magnificamente (tal como fizera memoravelmente no palco) esta figura envolvente e sinistra, cercado por um elenco de apoio notável, no qual se destacam Cedric Hardwicke (Eduardo VI), Ralph Richardson (Duque de Buckingham), John Gielguld (Duque de Clarence) e Claire Bloom (Lady Anne). Olivier foi indicado para o Oscar de Melhor Ator.

Jean Simmons e L.O. em Spartacus

L. O. e Maggie Smith em Otelo

Nos anos sessenta, Olivier continuou acumulando teatro e cinema, aparecendo, nos seguintes filmes, às vezes em pequenos papéis: 1960 – Spartacus / Spartacus (Dir: Stanley Kubrick), The Entertainer (Dir: Tony Richardson), adaptação da peça de John Osborne com Joan Plowright, Alan Bates, Brenda de Banzie, Roger Livesey. 1962 – Mentira Infamante / Term of Trial (Dir: Peter Glenville), drama criminal com Simone Signoret, Sarah Miles. 1965 – Bunny Lake Desapareceu / Bunny Lake is Missing (Dir: Otto Preminger), drama de mistério com Keir Dullea, Carol Lynley; Otelo / Othello (Dir: Stuart Burge), filmagem da peça de Shakespeare encenada no National Theatre, com Maggie Smith, Joyce Redman, Frank Finlay. 1966 – Khartoum / Khartoum (Dir: Basil Dearden), drama histórico com Charlton Heston, Richard Johnson, Ralph Richardson. 1968 – As Sandálias do Pescador / The Shoes of the Fisherman (Dir:  Michael Anderson), drama com Anthony Quinn, Oskar Werner, Vittorio De Sica; Romeu e Julieta / Romeo and Juliet (Dir: Franco Zefirelli), produção ítalo-britânica na qual Olivier apenas fala no prólogo e no epílogo). 1969 – Oh! Que Bela Guerra! / Oh! What a Lovely War (Dir: Richard Attenborough), adaptação do musical de John Littlewood com John Mills, Dirk Bogarde, Jack Hawkins, Maggie Smith; A Batalha da Grã-Bretanha / The Battle of Britain (Dir: Guy Hamilton) com Trevor Howard, Michael Redgrave, Ralph Richardson, Susannah York, Kenneth Moore, Christopher Plummer, Curd Jurgens, Kenneth More, Michael Caine, Robert Shaw; A Dança da Morte (na TV) / The Dance of Death (Dir: David Giles), filmagem da peça de August Strindberg encenada no National Theatre. Olivier teve indicação para o Oscar de Melhor Ator por seu trabalho em The Entertainer e Otelo.

Na mesma década, Olivier dedicou-se à direção do Chischester (teatro regional de reputação internacional) e depois do National Theatre, onde obteve um triunfo com a encenação de Tio Vânia de Anton Tchekov, na qual fazia o papel de Astrov, cercado por um elenco que incluía Michael Redgrave, Joan Greenwood, Sybil Thorndike e Joan Plowright, com quem se casou em 1961, após o fim de seu casamento de vinte anos com Vivien Leigh e viveu até o fim de sua vida.

L. O. e Joan Plowright em As Três Irmãs

L. O. e Michael Caine em Jogo Mortal

L.O. em Maratona da Morte

Olivier esteve ainda bastante ativo na tela e no palco nos anos setenta. No cinema, quase sempre como coadjuvante, ele participou de: 1970 – As Três Irmãs (na TV) / Three Sisters (Dir: L. Olivier, John Sichel), versão cinematográfica da produção do National Theatre da peça de Anton Tchekov com Joan Plowright, Derek Jacobi, Alan Bates; Nicholas e Alexandra / Nicholas and Alexandra (Dir: Franklin J. Schaffner), drama histórico biográfico com Michael Jayston, Janet Suzman, Tom Baker. 1972 – Os Amantes de Lady Caroline / Lady Caroline Lamb (Dir: Robert Bolt), drama romântico histórico com Sarah Miles, Richard Chamberlain, John Finch, John Mills; Jogo Mortal / Sleuth (Dir: Joseph L. Mankiewicz), adaptação da peça de Anthony Shaffer com Michael Caine. 1976 – Maratona da Morte / Marathon Man (Dir: John Schlesinger), adaptação do romance de William Goldman com Dustin Hoffman, Roy Scheider, Marthe Keller, William Devane; Visões de Sherlock Holmes / The Seven-Per-Cent Solution (Dir: Herbert Ross), aventura criminal envolvendo Sherlock Holmes e Sigmund Freud com Nicol Williamson, Robert Duvall, Alan Arkin. 1977 – Uma Ponte Longe Demais / A Bridge Too Far (Dir: Richard Attenborough), drama de guerra com Dirk Bogarde, Michael Caine, Sean Connery, Anthony Hopkins. 1978 – Carlitos, o Genial Vagabundo / The Gentleman Tramp como narrador deste documentário biográfico de Charles Chaplin; Os Desalmados / The Betsy, (DIr: Daniel Petrie), drama baseado no romance de Harold Robbins com Robert Duvall, Katharine Ross; Meninos do Brasil / The Boys from Brazil (Dir:  Franklin J. Schaffner) adaptação do romance de Ira Levin com Gregory Peck, James Mason, Lili Palmer. 1979 – Um Pequeno Romance / A Little Romance (Dir: George Roy Hill), comédia romântica com Diane Lane, Thelonius Bernard; Dracula / Drácula (DIr: John Badham) com Frank Langella, Donald Pleasance.

Olivier foi indicado para o Oscar de Melhor Ator por seu trabalho em Jogo Mortal e Meninos do Brasil e de Melhor Ator Coadjuvante em Maratona da Morte.

L.O. em Fúria de Titãs

Incansável, Olivier compareceu na tela em papéis secundários: 1980 – Nasce um Cantor / The Jazz Singer (Dir: Richard Fleischer), refilmagem do primeiro filme falado estrelado por Al Jolson, com Neil Diamond, Lucie Arnaz. 1981 – Inchon (Dir: Terence Young), drama de guerra com Toshiro Mifune, Ben Gazarra, Jacqueline Bisset; Fúria de Titãs / The Clash of Titants (Dir: Desmond Davis, aventura mitológica com Claire Bloom, Maggie Smith, Ursula Andress, Harry Hamlin. 1984 – Rebelião em Alto-Mar / The Bounty (Dir: Roger Donaldson), segunda refilmagem de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty, com Mel Gibson, Anthony Hopkins. 1985 – Caçado pelos Cães de Guerra / Wild Geese II (Dir: Peter R. Hunt), aventura focalizando uma tentativa para tirar o criminoso de guerra nazista Rudolf Hess (L.O.) da prisão de Spandau, com Scott Glenn, Edward Fox.

L. O. em The Moon and Six Pence

L.O. em O Poder e a Glória

urante muito anos Olivier resistiu às ofertas para trabalhar na televisão. Entretanto, no final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, precisando de dinheiro, ele fez duas telepeças para a televisão americana, adaptações dos romances The Moon and Six Pence / 1959 de Somerset Maugham e O Poder e a Glória / The Power and the Glory / 1961 de Graham Greene. Como Charles Strickland (o protagonista do primeiro telefilme inspirado em Paul Gauguin) que, atormentado pela necessidade de pintar, abandona esposa e filhos e a profissão de corretor para se tornar pintor nos Mares do Sul, ele ganhou seu primeiro Emmy.

L. O. em Long Day´s Journey into Night

Seguiram-se outras realizações para a tela pequena, destacando-se:  Uncle Vanya / 1963 de Anton Theckov com Olivier como Astrov, Michael Redgrave como Vanya, Joan Plowright como Sonya; Long Day´s Journey into Night / 1973 de Eugene O´Neill com Olivier como James Tyrone, Sr. (papel que lheu deu seu segundo Emmy) e Constance Cummings como Mary Tyrone; O Mercador de Veneza /  The Merchant of Venice / 1973 com Olivier como Shylock, Joan Plowright como Portia e Jeremy Brett como Bassanio; Amor entre Ruínas / Love Among the Ruins  com Olivier como o advogado Sir Arthur Glanville e Katharine Hepburn como Jessica Medlicott, uma atriz envelhecida, sua cliente e amor perdido de sua juventude, ambos ganhando um Emmy (o terceiro de Olivier), Brideshead Revisited / 1981, como Lord Marchmain (papel que lhe deu seu quarto Emmy) com  Jeremy Irons, Diana Quirk, Anthony Andrew e várias peças para a Granada Television / 1976 com destaque para The Collection e King Lear de Shakespeare

Katharine Hepburn e L. O. em Amor entre Ruínas

Em The Collection, adaptação da peça de Harold Pinter, Olivier dá uma interpretação tocante como um estilista de moda envelhecido, envolvido em um quadrângulo romântico, quando seu jovem amante (Malcolm McDowell) é acusado de ter seduzido a mulher (Helen Mirren) de outro homem (Alan Bates).

Olivier recebeu seu quinto Emmy pela sua última colaboração com o Bardo. Aos setenta e cinco anos de idade ele se sentiu compelido a assumir o papel do monarca egoísta e autoritário que descobre na adversidade a verdadeira natureza humana. Reduzido à miséria, traído por aqueles pelos quais pensava ser mais amado, sua alma é iluminada pela dor e a confusão invade seu espírito. Após sofrer a provação da loucura ele passará de uma atitude orgulhosa e intransigente a uma compreensão profunda e angustiante dos valores e dos afetos humanos. Nesta apresentação emocionante e melancólica da tragédia shakespeareana o grande ator foi cercado por um elenco formidável que comprendia Diana Rigg como Regan, John Hurt como o Bobo, Leo McKern como Gloucester, Robert Lindsay como Edmund, Colin Blakely como Kent, Dorothy Tutin como Goneril, Anna Calder-Marshall como Cordelia.

L. O. em KIng Lear

Nos anos setenta e oitenta Olivier ainda integrou o elenco de várias minisséries e telefilmes (Jesus de Nazaré / Jesus of Nazareth, A Voyage Round My Father, A Talent for Murder, The Ebony Tower, Peter the Great, Lost Empires) e ainda encontrou tempo e fôlego para narrar The World at War, superdocumentário de 26 capítulos sobre a Segunda Guerra Mundial.

HOWARD HAWKS

julho 15, 2022

Ele foi um dos grandes diretores do cinema de Hollywood. Com uma escritura clássica direta e econômica, versátil nos mais variados gêneros, acumulou muitos filmes de alta qualidade e sucesso comercial no seu currículo cinematográfico.

Howard Hawks

Howard Winchester Hawks (1896 – 1977) nasceu em Goshen, Indiana, filho de Frank Winchester Hawks, próspero fabricante de papel e sua esposa Helen Howard, filha de um grande industrial. Seu ancestral paterno John Hawks emigrara da Inglaterra para Massachussets em 1630. Eventualmente a família se instalou em Goshen e nos anos 1890 era uma das mais ricas do Meio Oeste, devido principalmente à altamente lucrativa Goshen Milling Company. O avô materno de Hawks, C. W. Howard, tinha uma propriedade em Neenah, Wisconsin, onde fez fortuna na fábrica de papel da cidade e em outros empreendimentos industriais.

Em 1910 a família se transferiu para Pasadena, Califórnia. Em 1914, após estudar em vários colégios, Hawks entrou para a Cornell University em Ithaca, Nova York. Em 1916 ele trabalhou nas férias de verão como prop boy para Cecil B. DeMille – sua função era acender um fogo quando ouvisse um toque de corneta uma vez e apagá-lo quando ouvisse dois toques. Sem conseguir uma transferência para a Stanford University na Costa Leste, Hawks voltou para Cornell. Quando os EUA entraram na guerra em 1917, prestou serviço militar. Com já tinha experiência como piloto de avião, serviu como tenente, ensinando os aviadores do U.S. Signal Corps a voar.

Apesar de ter perdido o restante das aulas na universidade, Hawks conseguiu o diploma de engenheiro mecânico apesar de sua ausência. Antes de ser convocado para guerra, voltou a trabalhar para DeMille por coincidência em The Little American, filme sobre a Primeira Guerra Mundial, estrelado por Mary Pickford, desta vez cuidando de uma cena de demolição de um castelo alemão bombardeado pelos francêses. Nesta ocasião, funcionou em mais dois filmes antes de ingressar nas forças armadas, em um dos quais (A Princesinha / The Little Princess) teve a chance de dirigir pela primeira vez, substituindo o diretor Marshal Neilan, quando este faltou ao trabalho por embriaguez. O outro filme era Contrastes da Vida / Amarilly of Clothes-Line Alley. Hawks nunca partiu para o além-mar, porque foi mantido como instrutor de vôo no Texas e depois em Fort Monroe, Virginia e após o Armistício foi desligado no posto de segundo tenente.

Depois da guerra, Hawks foi para Hollywood, onde fez amizade com Allan Dwan, também engenheiro, e obteve seu primeiro emprego importante quando, usando seu dinheiro de família, emprestou dinheiro para Jack Warner. Este o contratou como produtor para supervisionar a realização de uma nova série de comédias de um rolo (Wellcome Comedies) com o cômico italiano Mario Bianchi, conhecido nos EUA como Monty Banks.

Posteriormente, Hawks fundou sua própria companhia produtora, Associated Producers, uma joint venture (empreendimento conjunto) entre ele e os diretores Allan Dwan, Marshal Neilan e Allan Hollubar, firmando contrato de distribuição com a First National. A companhia produziu 14 filmes entre 1920 e 1923, quando eles se separaram e Hawks decidiu que não queria mais ser produtor, mas sim diretor.

Hawks morou algum tempo em uma casa alugada com um grupo de amigos (entre os quais Jack Conway, Victor Fleming, Eddie Sutherland) e nesta época conheceu Irving Thalberg, vice-presidente encarregado da produção na MGM. Em 1923, Jesse Lasky estava procurando um novo supervisor de produção (responsável pela aquisição de obras literárias, escolha de diretores, roteiristas e elenco, montagem e apresentação dos créditos dos filmes) e Thalberg sugeriu o nome de Hawks. Lasky contratou-o, para cuidar de quarenta produções, prometendo promovê-lo depois a diretor, mas não cumpriu a promessa. Desiludido, Hawks foi exercer a mesma função na MGM, onde Thalberg lhe fez a mesma promessa, também não cumprida. Frustrado, ele deixou a MGM e foi para Fox e seu irmão Kenneth, que estava trabalhando como assistente de diretor de Clarence Badger na Paramount, acompanhou-o, tornando-se um dos principais supervisores de produção do estúdio.

Na Fox Hawks dirigiu: 1926 – Espelhos d´Alma / The Road to Glory, drama com May McAvoy, Rockliffe Fellowes, Leslie Fenton; Sua Majestade, a Mulher / Fig Leaves, comédia romântica com George O´Brien, Olive Borden, Phyllis Haver. 1927 – Elas por Elas / The Cradle Snatchers, comédia com Louise Fazenda, Ethel Wales, Dorothy Phillips; Paga para Amar / Paid to Love, comédia romântica com George O´Brien, Virginia Valli, J. Farrell MacDonald. 1928 – Uma Noiva em Cada Porto / A Girl in Every Port, comédia com Victor McLaglen, Robert Armstrong, Louise Brooks; Príncipe Fazil / Fazil, drama romântico com Charles Farrell, Greta Nissen, John Boles; Conquistando os Ares / The Air Circus, drama com Arthur Lake, David Rollins, Sue Carol. 1929 – Quem é o Culpado / Trent´s Last Case, melodrama de mistério com Donald Crisp, Raymond Griffith, Marceline Day.

Victor McLaglen e Louise Brooks em Uma Noiva em cada Porto

Uma Noiva em cada Porto é uma comédia banal, mas importante, porque antecipa temas e personagens típicos de Hawks, a amizade viril entre homens e a mulher forte e independente. Dois marujos, Spike Madden (Victor McLaglen) e Salami (Robert Armstrong) disputam suas namoradas em vários portos, mas acabam ficando amigos. Quando Spike se apaixona por uma vampe sedutora (Louise Brooks), Salami deve decidir se vai contar para o amigo a verdade sobre ela. Pabst viu o filme e convidou Louise para ser a sua Lulu em A Caixa de Pandora / Die Büchse der Pandora / 1929.

Em maio de 1929, Hawks saiu da Fox contrariado com certas atitudes de seus patrões e, após vários meses desempregado, renovou sua carreira com o seu primeiro filme falado, iniciando um período de grande fertilidade artística, que se estendeu por toda a década de trinta, destacando-se os filmes assinalados em negrito: 1930 – A Patrulha da Madrugada / The Dawn Patrol, drama de guerra com Richard Barthelmess, Douglas Fairbanks Jr., Neil Hamilton (First National -WB) 1931 – O Código Penal / The Criminal Code, drama criminal de prisão com Walter Huston, Phillips Holmes, Constance Cummings (Columbia); 1932 – Scarface, a Vergonha de uma Nação / Scarface (Caddo Company-Atlantic Pictures / UA); Delirante / The Crowd Roars, drama esportivo com James Cagney, Joan Blondell,  Eric Linden (FN-WB); O Tubarão / Tiger Shark, drama romântico com Edward G. Robinson, Zita Johann, Richard Arlen (FN- VItaphone-WB).1933 – Vivamos Hoje / Today We Live, drama romântico com Joan Crawford, Gary Cooper, Robert Young (MGM). 1934 – Suprema Conquista / Twentieth Century (Columbia).1935 – Duas Almas se Encontram / Barbary Coast, aventura, drama e romance com Edward G. Robinson, Miriam Hopkins, Joel Mc Crea; Heróis do Ar / Ceiling Zero, aventura de aviação com James Cagney, Pat O´Brien, June Travis (Cosmopolitan -FN-WB). 1936 – O Caminho da Glória / The Road to Glory, drama com Fredric March, Warner Baxter, Lionel Barrymore (20th Century-Fox); Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It (Samuel Goldwyn, Howard Productions / UA). 1938 – Levada da Breca / Bringing up Baby (RKO). 1939 – Paraíso Infernal / Only Angels Have Wings (Columbia).

Paul Muni em Scarface, a Vergonha de uma Nação

Scarface, a Vergonha de uma Nação é um drama criminal escrito por um quarteto notável de roteiristas – Bem Hecht, W.R. Burnett, John Lee Mahin, Seton I. Miller – que adaptou o romance de Armitage Trail, baseado na vida de Al Capone, aqui rebatizado de Tony Camonte e interpretado magnificamente por Paul Muni. Hecht declarou que pretendia mostrar Camonte e a irmã, Casca (Ann Dvorak), como equivalentes na Era da Lei Sêca a César e Lucrécia Borgia, embora no filme esta analogia nunca se torne explícita.  A fotografia de Lee Garmes, o elenco afinadíssimo, que inclui ainda Boris Karloff e Osgood Perkins (o pai de Anthony Perkins), e a vivacidade cinematográfica de Hawks são outros trunfos do espetáculo produzido por Howard Hughes. Inquestionavelmente um clássico do filme de gângster, súmula de tudo o que já havia sido feito e modelo do que ainda se faria no gênero.

Carole Lombard e John Barrymore em Suprema Conquista

Suprema Conquista é uma comédia amalucada espirituosa, baseada na peça de Ben Hecht e Charles MacArthur, com roteiro deles mesmos, sobre o egocêntrico e arrogante produtor-diretor da Broadway (John Barrymore) que transforma em estrela uma vendedora de loja desconhecida (Carole Lombard) e depois, quando, aceitando convite para Hollywood, ela se liberta de sua tirania, faz tudo para convencê-la a participar de uma nova produção, durante uma viagem no famoso trem expresso de Chicago e Nova York. O filme todo concentra-se em Barrymore e ele dá um show com seus acessos de raiva, mudanças bruscas de temperamento, fingimentos e imitações – inclusive a mais hilariante, de um camelo. Carole é a companheiro ideal para o maravilhoso ator e tem chance de demonstrar sua enorme aptidão para o gênero.

Walter Brennan, Edward Arnold e Francis Farmer em Meu Filho é meu Rival

Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It (co-dir: William Wyler) é um drama romântico baseado em um romance de Edna Ferber, sobre o magnata de uma indústria madeireira, Barney Glasgow (Edward Arnold), que se torna rival do próprio filho (Joel Mc Crea) no amor pela filha da mulher que ele conhecera anos antes e rejeitara por dinheiro e posição. Entre as melhores cenas, a da briga de bandejas no bar e a do corte das árvores, esta em forma de documentário, filmada por Robert Rosson, em segunda unidade. Walter Brennan ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante como Swan Bostrom, o melhor amigo de Glasgow que se casara com Lotta, quando Barney a rejeitara e Francis Farmer, ao mesmo tempo como mãe e filha (também chamada Lotta), teve o melhor desempenho de sua carreira (Samuel Goldwyn, Howard Productions / UA.)

Cary Grant e Katharine Hepburn em Levada da Breca

Levada da Breca é uma comédia na qual Cary Grant e Katharine Hepburn se entregam de corpo e alma ao slapstick (pastelão) – ela, como Susan Vance, a garota rica impetuosa cujo cãozinho rouba o raro e valioso osso que faltava para ele, o tímido paleontólogo David Huxley, completar o esqueleto de um dinossauro. Huxley depende do dinheiro da tia de Susan para levar adiante seu trabalho no museu e a jovem é dona de um leopardo domesticado chamado “Baby”, a certa altura confundido com outro, que fugira de um circo. As confusões se sucedem muito bem conduzidas por Hawks.

Jean Arthur e Cary Grant em Paraiso Infernal

Paraiso Infernal é uma aventura sobre o correio aéreo feito – a partir de uma base em cidade fictícia da América do Sul – por uma pequena companhia endividada, cujos aviadores voam quase sempre em más condições através de passagens de montanha perigosas. Geoff Carter (Cary Grant) comanda os pilotos na sua dífícil missão e a situação se complica quando aparece Bat McPherson (Richard Barthelmess) e sua esposa Judy (Rita Hayworth), ex-amante de Geoff. McPherson é um piloto rejeitado pelos outros, porque saltou de paraquedas de seu avião em chamas, deixando o mecânico – irmão de “Kid” Darby (Thomas Mitchell), melhor amigo de Geoff – morrer no acidente. Com pilotos fora do serviço ou mortos, Geoff tem que usar McPherson, mas o adverte de que ele só vai incumbí-lo das missões mais perigosas. No local surge ainda Bonnie Lee (Jean Arthur), uma corista de férias na região, que se apaixona por Geoff e pretende conquistá-lo. Tratando de temas de sua predileção tais como companheirismo entre os homens e a heroína decidida, Hawks incutiu densidade dramática ao espetáculo, que transcorre praticamente o tempo todo em um espaço restrito, sem cansar o espectador.

No mesmo decênio, Hawks trabalhou na filmagem do drama esportivo O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933 (substituído por W.S. Van Dyke) e na cinebiografia Viva Villa! / Viva Villa! / 1934 Hawks (substituído por Jack Conway). Devido à interferência do estúdio em ambas as filmagens, Hawks rompeu com a MGM, sem completar nenhum dos dois filmes.

A fecundidade criativa de Hawks continuou nos anos 40: 1940 – Jejum de Amor /His Girl Friday, comédia amalucada com Cary Grant, Rosalind Russell, Ralph Bellamy (Columbia).  1941 – Sargento York / Sergeant York (Warner Bros.); Bola de Fogo / Ball of Fire, comédia amalucada com Gary Coper, Barbara Stanwyck, Oscar Homolka (Samuel Goldwyn / UA). 1943 – Águias Americanas / Air Force, drama de guerra com John Garfield, John Ridgely, Gig Young (Warner Bros.). 1944 – Uma Aventura na Martinica / To Have and Have Not (Warner Bros.). 1946 – À Beira do Abismo / The Big Sleep (Warner Bros.). 1948 – Rio Vermelho / Red River (Monterey Prod. / UA); A Canção Prometida / A Song is Born, comédia musical com Danny Kaye, Virginia Mayo, Hugh Herbert (Samuel Goldwyn / RKO.) 1949 – A Noiva Era Ele / I Was a Male War Bride, comédia romântica com Cary Grant, Ann Sheridan, Marion Marshall (20thCentury-Fox).

Em 1943 Hawks dirigiu, sem ser creditado, cenas do western O Proscrito / The Outlaw (Howard Hughes Prod./ UA) e do drama de guerra Corvetas em Ação / Corvette K-225 (Universal), tendo sido mencionados como diretores respectivamente Howard Hughes e Richard Rosson.

Gary Cooper em Sargento York

Sargento York é a cinebiografia de Alvin Cullon York, o maior herói da Primeira Guerra Mundial, mostrando com algumas imprecisões para fins edificantes (v. g. o episódio da revelação sob a tempestade é fictício) e propagandísticos, a luta interior de um matuto do Tennesseee cuja fé cristã entra em conflito com seu patriotismo. Com seu estilo simples, Hawks conseguiu produzir um bom entretenimento e Gary Cooper (escolhido pelo próprio York) com sua interpretação fleumática, deu credibilidade ao personagem. Houve 11 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor, Ator, Ator Coadjuvante (Walter Brennan), Atriz Coadjuvante (Margaret Wycherly), Fotografia, Roteiro Original, Montagem, Direção de arte, Som, Música. Saíram vencedoras as categorias de Melhor Ator (Gary Cooper) e Melhor Montagem (William Holmes.

Humphrey Bogart e Lauren Bacall em Uma Aventura na Martinica

Uma Aventura na Martinica é uma aventura de guerra vagamente baseada em um romance de Ernest Hemingway. O roteiro, escrito por Wiliam Faulkner e Jules Furthman, focaliza o envolvimento com a resistência francêsa de Harry Morgan (Humphrey Bogart), americano cínico e individualista que ganha a vida levando para a pesca turistas ricos e seu encontro com Marie (Lauren Bacall), conterrânea aventureira linda e insolente. Com seu estilo visualmente sêco Hawks conduz a narrativa com habilidade, entremeando-a com interlúdios musicais, tirando bom partido dos subentendidos picantes e pondo em relevo o encontro Bogart-Bacall, formando-se assim um dos casais mais célebres de Hollywood.

Lauren Bacall e Humphrey Bogart em À Beira do Abismo

À Beira do Abismo é um filme noir com enredo muito complicado, que se desenvolve em ritmo veloz, forçando o espectador a assimilar os fatos e avaliar as situações rapidamente, para não fica confuso. Porém Hawks não se preocupou com isso, porque sua intenção primordial, como ele próprio declarou, era fazer com que cada cena, por si mesma, se tornasse a mais divertida possível. Entre os momentos mais atraentes: o primeiro encontro de Marlowe (Humphrey Bogart) com as irmãs Sternwood, Carmen (Martha Vickers)) tentando seduzí-lo … à primeira vista; o assassinato por envenenamento do patético Harry Jones (Elisha Cook Jr.); Vivian (Lauren Bacall) cantando “And her tears flowed like wine …”; o climático tiroteio no final; e, melhor do que todas, a cena da livraria, quando Marlowe sugere um drinque e a atendente (Dorothy Malone) com aparência de intelectual desce as persianas e fecha a porta, com uma tabuleta do lado de fora que diz: Fechado. O fascínio do espetáculo não está na sua história, mas sim na atmosfera de mistério, no erotismo, nos duelos verbais insolentes e, como pretendeu Hawks, na qualidade de cada cena. Não sabemos quem são os assassinos, quem é aliado de quem, quem fala a verdade e quem mente ou porque certas pessoas estão em determinado lugar em um determinado momento. Cada nome, cada situação é um enigma e a proposta dos roteiristas não é solucioná-los, mas incrementar ainda mais o clima de suspeita e incerteza.

John Wayne e Montgomery Clift em Rio Vermelho

Rio Vermelho é um western com John Wayne como o vaqueiro Tom Dunson, cuja obstinação e autoridade quase patológicas são utilizadas por Hawks para enriquecer a ação. O filme impressiona pelo seu classicismo, sua simplicidade e uma fotografia excepcional proporcionada por Russell Harlan. Em poucos planos o diretor expõe o cenário e a atmosfera. Movendo-se rapidamente pelas planícies sem horizontes e cobrindo o vasto território que os vaqueiros devem percorrer na sua odisséia, a câmera capta as tempestades, os rios, os desfiladeiros e as montanhas distantes com grande senso de beleza. O diretor não se ocupa somente com as relações humanas e suas tensões, como também com a ação e o espetáculo. Um impressionante estouro de boiada e o salvamento de uma caravana sitiada pelos índios são cenas bastante movimentadas, mas o filme também é peculiarmente eficiente ao mostrar o detalhe quase documentário da rotina diária de uma cattle drive.

Nos anos 50 e 60, Hawks ainda estava em plena atividade fílmica oferecendo ao público: 1952 – O Rio da Aventura / The Big Sky (Winchester Prod. / RKO; O Inventor da Mocidade / Monkey Business, comédia amalucada com Cary Grant, Ginger Rogers, Charles Coburn (20thCentury-Fox); Páginas da Vida / O. Henry´s Full House (episódio The Ransom of the Red Chief com Fred Allen, Oscar Levant, Lee Aaker (20thCentury-Fox). 1953 – Os Homens Preferem as Louras / Gentlemen Prefer Blondes, comédia musical com Jane Russell, Mariyn Monroe, Charles Coburn (20thCentury-Fox).  1955 – Terra dos Faraós / Land of the Pharaohs (Continental Company / Warner Bros.). 1959 – Onde Começa o Inferno / Rio Bravo (Armada Prod. / Warner Bros.). 1962 – Hatari! / Hatari, aventura com John Wayne, Elsa Martinelli, Hardy Kruger (Malabar Prod. / Paramount). 1964 – O Esporte Favorito do Homem / Man´s Favorite Sport, comédia com Rock Hudson, Paula Prentiss, Maria Perschy Gibraltar-Laurel Prod. / Universal). 1965 – Faixa Vermelha 7000 / Red Line 7000, drama esportivo com James Caan, Laura Devon, Gail Hire (Laurel Prod. / Paramount). 1967 – El Dorado / El Dorado (Laurel Prod. / Paramount). 1970 – Rio Lobo / Rio Lobo, western com John Wayne, Jorge Rivero, Jennifer O´Neill (Malabar Prod. and Cinema Center Films / National General). Em 1951, Hawks concebeu, produziu e supervisionou a realização de O Monstro do Ártico / The Thing from Another World, tendo sido a direção creditada a Christian Nyby.

KIrk Douglas (no centro) em O Rio da Aventura

O Rio da Aventura é um western no qual dois amigos, Jim Deakins (Kirk Douglas) e BooneCaudill (Dewey Martin), juntamente com o velho Zeb (Arthur Hunnicut), tio de Boone, são contratados por caçadores franceses para subir o rio Missouri em uma barca até as montanhas de Montana. Eles levam uma enorme carga de uísque, pólvora e balas e uma jovem índia, Teal Eye (Elizabeth Threatt), que pretendem repatriar para sua tribo longínqua, os Blackfoot, esperando com isso estabelecer laços comerciais com aqueles índios. No percurso enfrentam uma multiplicidade de perigos. Hawks celebra o espírito de aventura, o livre empreendimento e a amizade tempestuosa, porém sólida, entre os corajosos pioneiros. A ação é lenta, no ritmo da difícil navegação, mas em vários momentos se anima ao sabor das numerosas peripécias da viagem, ao fim da qual um jovem adquire a maturidade. A música de Dimitri Tiomkin e a fotografia de Russel Harlan contribuem para o `êxito do espetáculo.

Jack Hawkins e Joan Collins em Terra dos Faraós 

Terra dos Faraós é um drama de aventura histórico, com roteiro de Wiliam Faulkner, Harry Kurnitz e Harold Jack Bloom, imaginando – além das intrigas da corte – como teria sido construída a construção a pirâmide de Queops e os prováveis métodos que os egípcios teriam empregado para fechá-la, utilizando-se areia. As melhores sequências do filme são as da construção do edifício monumental com grande deslocamento de figurantes e a cerimônia do sepultamento do faraó, na qual o grão sacerdote Hamar (Alexis Minotis) conduz Nellifer (Joan Collins), a ambiciosa e traiçoeira esposa do soberano morto ao interior da pirâmide e ela é encerrada viva na câmara mortuária quando o mecanismo inventado pelo arquiteto Vashtar (James Robertson Justice) é acionado e os grãos de areia vão caindo e lacrando o recinto para sempre. A música de Dimitri Tiomkin, a direção de arte de Alexandre Trauner e a fotografia de Lee Garmes e Russell Harlan e a direção austera de Hawks conjugam-se harmoniosamente para a criação desta produção majestosa.

Rick Nelson, John Wayne e Dean Martin  em Rio Bravo

Onde Começa o Inferno é um western dentro da melhor tradição do gênero, que retira toda a sua força da sobriedade com que foi elaborado. A intriga é simples: em Rio Bravo um xerife, John T. Chance (John Wayne) aprisiona o irmão de um poderoso da localidade e espera a vingança infalível, contando apenas como auxílio de um velho coxo, Stumpy (Walter Brennan), um bêbado, Dude (Dean Martin) e um jovem pistoleiro, Colorado Ryan (Rick Nelson). Hawks mostra os temas do Oeste com seus temas pessoais, a amizade viril, o homem em ação, o profissionalismo, a aventura. Todas as peripécias se concentram no interior claustrofóbico dos bares, hotel e cadeia. Não há uma abertura para o exterior, nada de paisagens e cavalgadas. O cineasta preocupa-se somente com o essencial, que para ele são os personagens. Se o ritmo do filme é lento é porque a lentidão é própria da estratégia que permitirá aos defensores da lei sobrepujar seus ferozes e maquiavélicos adversários. Entretanto, não se trata de uma lentidão pesada, teatral, e de qualquer modo o diretor soube entremear a narrativa com acontecimentos inesperados e cenas de humor de maneira que não cansem o espectador. Hawks torna esplêndidas as situações mais clássicas e inventa cenas de antologia como, por exemplo, a célebre gota de sangue no copo de cerveja para denunciar o esconderijo do facínora.

John Wayne, Robert Mitchum, James Caan e Arthur Hunnicut e em El Dorado

El Dorado é quase uma refilmagem de Onde Começa o Inferno. O xerife Cole Thornton (John Wayne) encontra seu assistente J. P. Harrah (Robert Mitchum, alcoólatra por causa de uma decepção amorosa. Ele consegue recuperá-lo e, com o auxílio do jovem “Mississipi” (James Caan) e do velho Bull Harris (Arthur Hunnicut), enfrenta o poderoso criador de gado Bart Jason (Edward Asner) e seus pistoleiros. Os ataques e contra-ataques se sucedem, e como é que Thornton (parcialmente paralisado), Harrah (de muletas, “Mississipi” (ferido na cabeça) e Bull (armado de arco e flecha) conseguirão se livrar dos bandidos? Mesmos personagens, mesmas situações, mesmo cenário, o tema da lealdade e amizade viril que Hawks gosta de abordar em sua obra, cenas de combate brutais alternados com episódios humorísticos (v. g. o tratamento do alcoolismo de Harrah). A novidade é a idéia da momentânea incapacidade física dos defensores da lei.

Em 1962, Hawks recebeu o David Wark Griffith Award do Director´s Guild of America e em 1974 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas lhe concedeu um Oscar Honorário “como um mestre realizador de filmes americanos cujos esforços criativos ocupam um lugar de destaque no cinema mundial”.

ELEMENTOS DE LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CLÁSSICA II

julho 6, 2022

Vamos falar agora do Ritmo Cinematográfico, para o qual influem a Montagem e a Pontuação. Montagem (Editing) é a organização dos planos filmados de acordo com uma ordem e um tempo estabelecidos pelo diretor. Pontuação (ou Transição) são as diversas modalidades pelas quais os planos são ligados entre si. É um processo de articulação da narrativa. Com a montagem e a pontuação é que o diretor vai criar o ritmo do filme.

Cada plano tem o seu momento certo de saturação. Se o diretor bobear, o filme pode perder o fôlego, estrebuchar e morrer. Um corte deve ser feito no pico, no auge da Curva de Contentamento (Content Curve). O que vem a ser isso?  É a quantidade de tempo necessária para que o espectador médio possa assimilar a informação contida em um plano, ou seja, o significado, o conteúdo de um plano. É o que chamamos de Momento de Saturação. O corte feito antes deste momento de saturação frustraria a assimilação do significado do plano pelo espectador; o corte feito após este momento de saturação produziria o tédio. Michelangelo Antonioni, por exemplo, em muitos de seus filmes corta após o pico da curva de contentamento. Quando A Aventura. / L’ Avventura / 1960   foi exibido em Cannes, os críticos presentes na platéia começaram a gritar “Corta! Corta!”, porque pensavam que ele não soubera montar o filme. Só que não era nada disso. O ritmo estava de acordo com o tema e a proposta do diretor de desdramatizar a narrativa. Ele desrespeitou a curva de contentamento exatamente para dar a impressão de exaustão, de abatimento, de infelicidade que tomava conta dos personagens.

Existem dois tipos de montagem: Montagem Narrativa ou Dramática e Montagem Intelectual ou Dialética.

Na Montagem Narrativa ou Dramática, que é a forma mais simples, sistematizada por David Wark Griffith, ajuntam-se os planos para narrar uma história ou lhe dar dramaticidade.

Como subdivisões da montagem narrativa ou dramática nós temos:

Montagem Cronológica, quando se organiza um filme em uma ordem lógica e cronológica.

Montagem Acronológica, quando passado, presente e futuro se misturam geralmente por meio de Flash Backs ou Flash Forwards, isto é, retrospectos ou reminiscências do que já aconteceu ou visões do que vai acontecer. Exemplos de filmes que adotam este tipo de montagem: Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles; Hiroshima meu Amor / Hiroshima mon Amour / 1959 de Alain Resnais. Existem filmes nos quais existem vários flashbacks (v. g. Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1994 de Michael Curtiz) e uns com até onze retrospectos como no filme noir Os Assassinos / The Killers / 1946 de Robert Siodmak. No filme A Morte do Caixeiro Viajante / Death of a Saleman / 1951 de Laslo Benedek, há um emprego curioso do flashback: a ação do passado e do presente ocorrem simultaneamente. Há, por exemplo, uma cena na qual vemos o presente na frente do quadro (a esposa sentada na mesa da copa) e, ao fundo, o pretérito (o marido abraçando a amante que tivera no passado).

Montagem Paralela (Cross Cutting), quando se mostra em alternância duas ou mais ações ocorrendo ao mesmo tempo em lugares diferentes. O exemplo mais comum é o da caravana de pioneiros sendo atacada pelos índios e o regimento de cavalaria que avança para socorrê-los. Exemplo mais complexo encontramos em A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957 de David Lean: nós vemos alternadamente o trem que se aproxima da ponte, o coronel inglês descobrindo o fio do detonador de dinamite e os sabotadores na expectativa. São três ações paralelas, obtendo-se um grande suspense. Às vezes, porém, o paralelismo começa desde o início do filme e vai até o desenlace. Diz- se então que é uma Montagem por Sincronismo. É o que ocorre, por exemplo, no filme Retratos da Vida / Les Uns et les Autres / 1981 de Claude Lelouch ou em Os Deuses Vencidos / The Young Lions / 1958 de Edward Dmytryk.

Montagem por Estribilho ou Refrão, quando se faz uma repetição da imagem que contém uma idéia que se quer sublinhar. Em literatura refrão é a repetição de versos; no cinema, repetição de imagens. Exemplo: Em Intolerância / Intolerance /1916 de David Wark Griffith vemos a repetição da imagem do berço entre as quatro histórias para sublinhar a esperança que sempre renasce, apesar de ter havido tanta intolerância através dos tempos. Outro exemplo encontramos no filme Le Journal d´un Curé de Campagne / 1951 de Robert Bresson, no qual há o retôrno frequente da imagem do diário e da caneta na mão do padre, para sublinhar a idéia de que os acontecimentos narrados são os que estão no pensamento do padre quando está escrevendo o seu diário.

Montagem Intelectual ou Dialética, que é a forma mais complexa, e que foi inventada por Serguei Eisenstein, quando se ajunta os planos com a intenção de sugerir uma imagem ou conceito abstrato pelo choque entre estes planos, pela colisão entre os planos. Eisenstein comparava a montagem intelectual ou dialética, que ele chamava também de Montagem de Atração, com as explosões de um motor de combustão interna que impele um automóvel ou um trator. E, dizia ele, a montagem convencional comanda as emoções, mas a montagem intelectual comanda o pensamento. Um exemplo desta montagem intelectual está no filme A Greve / Stachka / 1925, no qual se vê em uma sequência imagens de operários sendo dizimados pelos soldados do tsar e, intercaladas entre elas, imagens de bois abatidos em um matadouro. A idéia sugerida pelo choque dos planos é a de de que os operários são abatidos como s fossem gado.

Como subdivisões da montagem intelectual ou dialética nós temos:

Montagem por Analogia, quando se relaciona planos de forma ou conteúdo semelhantes. Em Tempos Modernos / Modern Times / 1936, Charles Chaplin compara os operários de uma fábrica a um rebanho de ovelhas. No filme O Ídolo Caído / Fallen Idol / 1948 de Carol Reed, o diretor mostra uma mulher furiosa e depois uma leoa. Em Fúria / Fury / 1936 de Fritz Lang, vemos mulheres mexericando e depois galinhas cacarejando.

Montagem por Contraste, quando se relaciona planos de forma ou conteúdo diferentes. Exemplo: o diretor mostra a fachada de uma bela mansão e depois um mendigo.

Mas, com relação à montagem intelectual, temos que verificar o seguinte: se, de um lado os diretores conseguiam sugerir uma idéia ou um conceito com o choque de imagens, por outro, a verdade dramática era falseada. Porque, por exemplo, no filme A Greve já citado, a ação se passava nas fábricas e nas ruas e não no matadouro, cujas imagens foram inseridas arbitrariamente em um acontecimento e em um espaço da ação com os quais nada tinha a ver. Entretanto, naquele tempo, a novidade da montagem intelectual surpreendia, e o espectador esquecia a razão dramática captando apenas a razão dialética. Hoje, a gente percebe o artificialismo daquela justaposição de planos, como também a sua frequente obscuridade: nem sempre dava para entender qual era a idéia ou o conceito que o diretor estava querendo sugerir. Isto, aliás, veio a ser reconhecido pelo próprio Eisenstein.

Ligada de certa forma à montagem, nós temos o que se chama de Continuidade Direcional (Directional Continuity) ou seja, a montagem de planos de uma forma suave, de modo que a ação em uma sequência pareça ser contínua. A montagem continuativa estabelece relações espaciais e temporais entre os planos, de tal modo que o espectador possa “ler” o filme sem nenhum esforço consciente, precisamente porque a montagem é “invisível”. Para isso respeitam-se algumas regras tais como: a) a do Match on Action (ao cortar no meio da ação, tomar todo cuidado  para que o momento da ação correspondente ao fim do primeiro plano seja o instante inicial do segundo, para que ela pareça ininterrupta – assim, se um personagem começa a sentar em um plano médio, um montador cortará para um plano mais próximo enquanto a ação continua); b) a dos 30º (evitar toda mudança de ângulo de menos de 30º, pois isto resulta  em um “salto”, que causa um certo desconforto no espectador); c) a dos 180º (a câmera não pode ultrapassar a linha imaginária de 180º ou eixo da ação – se a câmera  cruzar o eixo da ação após uma tomada e filmar o próximo plano do outro lado da linha de 180º, a posição original dos personagens será invertida nesta segunda tomada, dando a impressão de que eles mudaram de posição, quando se corta de um plano para outro); d) a dos planos de referência (sempre que uma nova sequência apresente um novo local, deve-se dar uma visão geral da cena, antes de cortar para os planos mais próximos – que dirigem o olhar do espectador para os momentos mais significativos da ação -, seguindo-se novos planos gerais para restabelecer as relações espaciais).

Outro princípio, é o da preservação do sentido de direção, cumprido por procedimentos chamados de Eyeline Match  (quando dois planos mostram duas pessoas diferentes que supostamente estão olhando uma para a outra, a pessoa A deve olhar para a direita e a pessoa B para a esquerda ou vice-versa, porque, se ambos olharem para a mesma direção em dois planos sucessivos, o espectador terá a impressão de que elas não estão olhando uma para a outra e sentirá que perdeu sua orientação no espaço cênico) e Matching Screen Direction (alguém que sai do quadro pela esquerda deve retornar pela direita; se isto não ocorrer, vai parecer que houve uma mudança na direção para a qual a pessoa está se movimentando).

Vejamos agora a Pontuação. Nós temos os seguintes recursos de pontuação, que podem ser de passagens rápidas ou lentas.

Passagens Rápidas:

Corte ou Corte Seco (Cut), que é a passagem instantânea de um plano para outro. É a transição mais elementar, simples mudança de ponto de vista.

Desfoque ou Mudança de Foco (Focus Shift). Por exemplo: em vez do corte, o diretor mostra um personagem dentro do foco e este depois sai de foco e entra em foco um outro personagem que está mais afastado da câmera. Enfim, o diretor guia o olho do espectador de um plano para outro.

Cortina (Wipe), quando linhas se movem na tela varrendo a imagem antiga e instalando a nova.  Podem ser em sentido horizontal, vertical, em leque, em íris etc. As cortinas eram muito usadas no cinema mudo, no início do cinema falado e nos jornais cinematográficos. No cinema moderno é mais raro o seu uso.

Fiadura ou Chicote (Zip Pan), quando a câmera abandona uma imagem e vai colher a seguinte em uma panorâmica rapidíssima. Por exemplo, em Cidadão Kane, na cena do almoço de Kane com a esposa, onde uma série de cenas curtas unidas por chicotes, nos mostra a deterioração do casamento deles.

Corte Interrompido ou Salto de Montagem (Jump Cut), quando interrompe a ação de uma sequência. Acossado / À Bout de Souffle / 1960 de Jean-Luc Goddard contém cortes interrompidos que desafiam intencionalmente a continuidade.

 Cutaway Shot é a interrupção de uma ação filmada continuamente para inserir uma visão de outra coisa. Exemplo: um homem andando em um beco e corta para um gato ou uma pessoa que olha pela janela.

Passagens lentas:

Clareando (Fade-In) e Escurecimento (Fade-Out), quando a tela vai se clareando ou escurecendo.

Fusão ou Dissolvência (Lap Dissolve), quando uma imagem vai desaparecendo e outra surgindo, superpondo-se as duas momentaneamente na tela. Exemplo: em Um Lugar ao Sol / A Place in the Sun / 1951 de George Stevens; em Passagem para a Índia / A Passage to India / 1984 de David Lean. A fusão é o recurso de pontuação mais elegante de todos.

Então, como já dissemos, é com a montagem e pontuação, e com o senso de Minutagem, isto é, a noção do tempo em que cada imagem deve permanecer na tela, do exato momento de saturação de cada plano, que o diretor vai criar o ritmo cinematográfico. Este é uma espécie de sangue que circula no filme e o anima. O ritmo é um elemento vital para o filme.

 Convém lembrar que não devemos confundir Montagem com Montage ou Sequência de Montagem que é uma série de cenas rápidas condensando acontecimentos. Don Siegel, quando era chefe do departamento de montagem da Warner Bros., produziu várias sequências de montagem inclusive a cenas em Casablanca / Casablanca / 1942 de Michael Curtiz nas quais Rick (Humphrey Bogart) e Ilsa (Ingrid Bergman) se apaixonaram no passado em Paris.

Vejamos agora os Efeitos da Montagem que são as figuras de linguagem ou de estilo que podem ser produzidas pela montagem.

Elipse. Na teoria literária, é a omissão de palavras em uma frase, que facilmente se subentende. Por exemplo na frase não posso cair. Subentende-se facilmente que foi omitida a palavra eu (eu não posso sair). É a chamada elipse do sujeito. Há também a elipse do verbo (no mar tanta tormenta, ou seja, no mar há tanta tormenta) e a elipse de conjunção (peço-lhe me deixe ir, ou seja, peço-lhe que me deixe ir).

Já no cinema, a elipse é a omissão, a supressão das imagens, geralmente com três finalidades:

1) abreviar a narrativa, mostrando apenas os momentos mais expressivos. O diretor mostra apenas uma parte da ação como símbolo significativo de todo um acontecimento. Por exemplo, ele mostra apenas uma aliança que passa para o dedo da noiva, suprimindo a cerimônia nupcial. É a chamada Elipse Simbólica.

2) abreviar os tempos inúteis da ação. Exemplo: um personagem sai do escritório e vai para a sua residência. O diretor mostra apenas um plano dele fechando a porta do escritório e em seguida outro plano dele abrindo a porta da casa, sem mostrar o percurso. É a chamada Elipse Cronológica, da qual nós temos um exemplo sensacional no filme de Stanley Kubrick, 2001, Uma Odisséia no Espaço quando o macaco joga o osso para o alto e ele vai girando e se transforma em uma espaçonave. É a maior elipse cronológica do cinema, pois com ela foram suprimidos vários séculos, passando-se da pré-história ao século 21.

3) ocultar um instante decisivo da ação para manter o interesse ou o suspense.  Por exemplo, no final do filme No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939 de John Ford há um duelo entre o mocinho (John Wayne) e o bandido (Tom Tyler). Em vez de mostrar a briga, a câmera vai para o saloon, onde os fregueses aguardam ansiosos o desfecho do acerto de contas. Ouvem-se tiros e logo depois abre-se a porta do saloon e aparece o bandido, que dá uns passos e cai morto. Depois entra o mocinho, são e salvo. Esta é a chamada Elipse Artística. Um outro exemplo nós encontramos no filme O Boulevard do Crime / Les Enfants du Paradis / 1945 de Marcel Carné. Quando Lacenaire (Marcel Herrand) vai dar uma punhalada, não vemos a morte do conde de Montray (Louis Salou), mas a fisionomia de uma testemunha do crime, cuja expressão é muito mais sugestiva do que o próprio gesto do criminoso.

Metáfora. É o que na teoria literária se chama tropo (do grego tropos, desvio de sentido). Quando eu digo, o pé da mesa, os dentes do pente, a primavera da vida, a luz da inteligência, estou fazendo uma metáfora. No cinema, é o emprego de uma imagem no sentido figurado. O exemplo mais corriqueiro é o do casal se abraçando em uma cama e a câmera que vai deslizando discretamente para as chamas crepitantes de uma lareira, para mostrar o fogo da paixão. O Símbolo é uma variação da Metáfora. No filme Rashomon / Rashômon / 1950, Akira Kurosawa usa água como símbolo da purificação. Alegoria é algo maior do que o símbolo. É uma metáfora que se repete e se univerdsaliza. Às vezes todo o filme é uma alegoria como, por exemplo, O Processo / Le Procès / 1962 de Orson Welles, que é uma alegoria da Justica. A Lista de Schindler / Schindler´s List / 1993 pode ser visto como uma alegoria da bondade.

Rima. Na teoria da literatura a rima é a semelhança de sons em determinados lugares dos versos. A rima no cinema é a semelhança visual ou auditiva de imagens subsequentes. No filme Rio 40 Graus / 1955 de Nelson Pereira dos Santos, as pernas dos transeuntes que param ao redor do corpo de um menino atropelado fundem-se com as pernas dos jogadores de futebol no Maracanã.  Esta é uma rima visual. No mesmo filme há uma rima auditiva: o ruído dos freios do automóvel transforma-se na gritaria dos torcedores no estádio. No filme Os 39 Degraus / The 39 Steps / 1935 de Alfred Hitchcock, o diretor passa do plano da boca de uma mulher gritando ao descobrir o corpo da vítima para o plano de um trem entrando velozmente em um túnel.

Estiramento ou Expansão do Tempo. É um procedimento oposto ao da elipse. É quando o diretor estica o tempo necessário ao conhecimento das circunstâncias de determinado acontecimento. Por exemplo, no filme O Encouraçado Potemkin / Bronenosets Potemkin / 1925 de Serguei Eisenstein, na famosa sequência das escadarias de Odessa e na sua citação no filme Os Intocáveis / The Untouchables / 1987 de Brian de Palma. O que de fato levaria frações de segundo para o espectador entender, aparece na tela como duração bem superior. A narrativa é minuciosa e repetitiva. Outro exemplo nós temos no filme O Homem Que Sabia demais / The Man Who Knew Too Much / 1956 de Alfred Hitchcock na cena do Royal Albert Hall, quando o criminoso se prepara para cometer o assassinato. O diretor estica o tempo necessário ao conhecimento da circunstância do disparo da arma, a fim de aumentar o suspense.

Para terminar nossa exposição dos elementos de cinestética, vejamos os vários tipos de tempo no cinema:

Tempo do Filme, que é o da projeção do filme e por isso é chamado de Tempo Real.

Tempo da Ação do Filme, chamado de Tempo Dramático, que pode ser: Tempo Condensado ou Diegético, quando, por exemplo, vemos em duas horas o que se deu em dez, vinte ou trinta anos ou Tempo Fiel quando, por exemplo, o tempo de projeção é igual ao tempo da ação do filme como aconteceu em Matar Ou Morrer / High Noon / 1952 de Fred Zinnemann, Punhos de Campeão / The Set- Up / 1949 de Robert Wise ou Festim Diabólico / Rope / 1948 de Alfred Hitchcock.

Tempo Psicológico, que é o tempo percebido pelo espectador. A impressão subjetiva, emocional da duração que o espectador experimenta ao assistir o filme, conforme esteja ou não interessado ou participando da história. Se estamos entretidos, o tempo “passa depressa”, se estamos entediados, o tempo “custa a passar”. Assim como há o tempo psicológico, há o Ritmo Psicológico do Espectador. Por exemplo, a maioria dos espectadores de hoje não gosta de ver filmes mudos ou antigos, pois o seu ritmo psicológico é mais veloz; por outro lado, uma pessoa idosa tem muitas vezes dificuldade de acompanhar os filmes de hoje.

Tempo Abolido, que é quando um personagem age ao mesmo tempo no presente e no passado. No filme A Morte do Caixeiro Viajante / Death of a Saleman / 1951 de Laslo Benedek, o personagem Willy Loman (Fredrich March) está jogando cartas com um vizinho e se lembra do irmão. De repente o irmão aparece e os dois conversam como se estivessem no passado, sem que o vizinho perceba alguma coisa.

Condensação do Tempo. Exemplo: uma pessoa pode ser mostrada em plano americano começando a pintar o portão de um jardim. Em seguida vemos um primeiríssimo plano do rosto desta pessoa enquanto trabalha. Depois, voltamos ao plano americano.  Finalmente, somos levados ao plano geral e vemos que a pintura está completa. Um trabalho que duraria vinte minutos foi comprimido em trinta segundos.

Finalmente há o que se chama de Variações na Cadência das Imagens, que são:

Ação Suspensa (Freezing), cujo exemplo mais famoso é a cena do baile no filme Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 de Marcel Carné, quando fica parado, tanto a música como as pessoas, e só os emissários do Diabo se movem. Depois, tudo se descongela. Usa-se também o termo Freeze Frame quando a imagem projetada na tela parece congelada, parada, travada. Ex: no final de Os Incompreendidos / Les Quatre Cents Coups /1959 de Françis Truffaut ou no final de Thelma e Louise / Thelma and Louise / 1991 de Ridley Scott).

Ação Acelerada (Fast Motion), que é geralmente usada para efeitos cômicos em cenas de correria ou então em filmes científicos, para mostrar, por exemplo, o crescimento de uma planta em poucos segundos, e aí a ação é Superacelerada (Extreme Fast Motion ou Time Lapse Photography.

Ação Lenta (Slow Motion), cujo exemplo mais célebre é do filme Zero de Conduta / Zéro de Conduite / 1933 de Jean Vigo, na sequência do dormitório com os meninos de camisola e o ar cheio de penas durante uma luta de travesseiros ou então as cenas de violência no filme de Sam Peckinpah, Meu Ódio Será Tua Herança / The Wild Bunch / 1969. Na sequência final da explosão em Zabriskie Point / Zabriskie Point / 1970   de Michelangelo Antonioni nós temos um exemplo de Ação Superlenta (Extreme Low Motion).

Ação Inversa (Reverse Action). Exemplo: o mergulhador que sai da água e volta ao trampolim. No filme Outubro / Oktyabr / 1927 de Serguei Eisestein há uma cena na qual a estátua do tsar, que fôra quebrada, se recompõe para significar simbolicamente o perigo da volta ao antigo regime.

Durante a maior parte do século XX, o cinema foi um meio analógico mas, a partir dos anos 1980, foi se tornando cada vez mais digital. O filme Tron – Uma Odisséia Eletrônica / Tron / 1982 de Steven Lisberger mostrou que os computadores podiam criar imagens rudimentares, porém continuava difícil reproduzir formas mais detalhadas, Assim, por algum tempo, os realizadores se restringiram ao uso de miniaturas, matte-shots, e outros efeitos óticos com o apoio da câmera. Entretanto, à medida que a memória e a velocidade dos computadores aumentaram, mais efeitos puderam ser manipulados digitalmente. No final dos anos 1990, os cineastas estavam usando rotineiramente software para pôr em ordem os planos ou gerar imagens, como, por exemplo, quando um grupo pequeno de pessoas foi multiplicado em uma multidão no estádio de futebol de Forrest Gump / Forrest Gump / 1994 de Robert Zemeckis. Graças à técnica que ficou conhecida como Computer-Generated Imagery – CGI, qualquer imagem concebível podia ser transformada em realidade.

ELEMENTOS DE LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CLÁSSICA

junho 29, 2022

O Cinema, como toda arte, exige uma iniciação. É preciso conhecer a linguagem do cinema para que se possa entender bem o que o diretor do filme quís dizer, ou seja, as idéias ou os sentimentos que ele quís exprimir.

Podemos começar pela unidade fílmica, que é o Plano. O que é um plano? É a imagem vista na tela e o tempo que ela permanece diante dos nossos olhos. Se a imagem permanece muito tempo diante dos nossos olhos, temos um Plano Longo (Long Take). Se passa rapidamente diante do nosso olhar, temos um Plano Curto (Short Take). Esta distinção é importante porque, normalmente, uma sucessão de planos longos cria um ritmo lento e uma sucessão de planos curtos cria um ritmo rápido.

Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1970 e no final dos anos 1980 maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e

6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado por David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), um método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games e internet. Filmes como X-Men – o filme / X-Men / 2000 de Bryan Singer tinham em média 2 a 3 segundos por plano.

Planos Ambientais:

Plano Geral (Extreme Long Shot). Quando a câmera mostra um amplo cenário sem nenhuma figura humana ou com figuras humanas vistas bem de longe, sem que se possa distinguir seus traços ou expressões faciais. Este plano serve para situar o local da ação, tendo, portanto, primordialmente, uma função descritiva. Porém às vezes pode ter uma função dramática como é o caso do final de um clássico do cinema, Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim.

Plano de Conjunto (Long Shot). Quando a câmera mostra um cenário mais restrito, no qual já aparecem figuras humanas mais de perto. Por exemplo, um grupo de pessoas em uma praça. Este plano serve para situar os personagens no cenário.

Plano de Expressão Corporal:

Plano Médio (Full Shot). Quando a câmera mostra um personagem de corpo inteiro. Este plano serve para o ator mostrar todos os recursos de seu corpo. Por exemplo, nos filmes musicais, a câmera apanha o dançarino dos pés à cabeça.

Plano de Diálogo:

Plano Americano (Medium Shot). Quando a câmera mostra o personagem do joelho ou da cintura para cima. Este plano serve muito para as cenas de conversação e apresenta variações: o Two Shot ou Tomada de Dois, quando aparecem duas figuras, Three Shot ou Tomada de Três, quando aparecem três figuras e assim por diante.

Planos de Intimidade:

Primeiro Plano (Close-Up). Quando a câmera mostra um personagem dos ombros para cima.

Primeiríssimo Plano (Big Close-Up, Extreme Close-Up). Quando a câmera mostra um detalhe do corpo humano, o rosto, a boca, os olhos etc. Quando o primeiríssimo plano se refere a um objeto, chama-se Plano de Detalhe ou Insert. Por exemplo, um revólver, uma faca, uma chave etc. Nos filmes de suspense estes planos assumem particular importância. Ex: o plano da chave nas mãos de Ingrid Bergman em Interlúdio / Notorius / 1946 de Alfred Hitchcock.

Estes planos mais próximos têm uma função dramática ou psicológica e em geral são reservados para os momentos de alta intensidade emocional, para mostrar as reações íntimas dos personagens. Exemplo: no filme O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc / 1928 de Carl Dreyer mostrando a tortura moral de Joana D’ Arc espezinhada pelos seus julgadores. O Plano de Detalhe pode ter também uma função simbólica. Por exemplo, uma panela com leite fervendo que transborda.

É precisamente esta escala de planos, a variação quase infinita de pontos de vista do espectador, que difere o Cinema do Teatro e que dá ao Cinema um poder extraordinário de análise e de impacto.

Temos ainda:

Plano Referencial (Establishing Shot ou Master Shot), que é um plano que o diretor faz para dar uma visão geral da cena, antes de começar a cortar para os planos mais próximos, a fim de que o espectador tenha a noção de onde estão os personagens ou os objetos no ambiente. E, na medida em que a narrativa se desenvolve, pode ser necessário repetir esse plano para que o espectador não perca aquela noção. É o que se chama de Reestablishing Shot.

Plano de Reação (Reaction Shot). Quando vemos um acontecimento e depois o efeito que produziu ou, alternativamente, quando vemos o efeito produzido em alguém e depois o acontecimento. Por exemplo: vemos uma cobra toda enroscada, pronta para dar o bote e depois uma jovem assustada ou então vemos a jovem assustada e depois a cobra.

Plano de Transição (Bridging Shot). Que é um plano usado para cobrir um salto no tempo ou no espaço. Por exemplo: as folhas que caem de um calendário ou a rodas de uma locomotiva em movimento.

Fazendo uma orquestração de Planos, Cenas (que são um conjunto de planos) e Sequências (que são um conjunto de cenas), é que o diretor vai organizar a construção dramática e o ritmo do filme, dando-lhe uma palpitação e uma expressão.

Vamos ver então o esquema mais amplo dos elementos estéticos que o cineasta usa para construir sua obra:

Elementos Estéticos Visuais: Plano – Angulação – Enquadramento – Movimentos de Câmera – Cenário – Iluminação – Ator – Cor. Elementos Estéticos Auditivos: Som – Música – Diálogo.

Já vimos o Plano, vejamos agora a Angulação. Existem, basicamente, oito tipos de angulação:

Câmera Normal (Eye Level Angle). Quando a câmera é colocada na altura dos personagens, seguindo a linha horizontal dos seus olhos. Ex: nos filmes de Ozu.

Câmera Alta (High Angle ou Plongé ou Plano Imergente). Quando a câmera é colocada acima do que está sendo filmado e a imagem é vista de cima para baixo. Com esta angulação costuma-se sugerir abatimento psíquico ou físico, inferioridade, humilhação, abandono, desprêzo, derrota etc. Ex: em Na Estrada da Vida / La Strada / 1954 de Federico Fellini, Zampano (Anthony Quinn) na praia chorando com saudade de Gelsomina (Giulietta Masina), um bruto adquirindo condição humana.

Câmera Baixa (Low Angle ou Contre-Plongé ou Plano Emergente).  Quando a câmera é colocada abaixo do que está sendo filmado e a imagem é vista de baixo para cima. Com esta angulação costuma-se sugerir superioridade, triunfo, exaltação, orgulho, autoridade, domínio, majestade etc. Ex: os generais do tzar nos filmes soviéticos dos anos vinte. Robert Wise no seu filme Punhos de Campeão / The Set-Up / 1948, usa a câmera baixa para ressaltar o contraste entre vencedor e o vencido.

Câmera Oblíqua, Inclinada ou Diagonal (Oblique Angle). Quando vemos tudo em plano inclinado. Ex: Julien Duvivier no filme Um Carnê de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 usou esta angulação para mostrar que o personagem do médico epilético (Pierre Blanchar) era um desequilibrado. Em Vidas Amargas / East of Eden / 1955 Elia Kazan usou a câmera inclinada para indicar o relacionamento conturbado entre o jovem interpretado por James Dean e seu pai (Raymond Massey). Este tipo de angulação também é muito usado em sequências frenéticas de perseguição, porque as linhas inclinadas sugerem agitação, inquietação, desequilíbrio.

Câmera Diretamente do Alto (Bird´s Eye View). Quando a câmera fotografa uma cena diretamente do alto. Ex: no filme Psicose / Psycho/ 1960 de Alfred Hitchcock na cena da segunda morte, quando o detetive acaba de subir a escada casa de Norman Bates (Anthony Perkins) e é assassinado por ele vestido de mulher.

Câmera Subjetiva (Point of View Shot). Quando vemos tudo pelos olhos do personagem. No filme Vidas Sêcas / 1963 de Nelson Pereira dos Santos, há o emprego da câmera subjetiva na morte da cadela Baleia. O seu delirio mortal é visto em câmera subjetiva. Exemplo de um filme todo em câmera subjetiva: A Dama no Lago / Lady in the Lake / 1947 de Robert Montgomery.

Câmera Circular (Circular Camera). Quando a câmera faz movimentos circulares para sugerir vertigem, tontura ou mesmo paixões desenfreadas como no filme Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958   de Alfred Hitchcock na cena em que “Scottie” (James Stewart) e Judy (Kim Novak) se beijam apaixonadamente, depois que Judy é retransformada em Madeleine.

Câmera Invertida ou Campo e Contra-Campo (Reverse Angle, Shot-Countershot). Esta é uma angulação usada geralmente em cenas de dialogação. Ex: um casal conversando. No campo vemos o homem de frente e a mulher de costas para a câmera; no contracampo, que vem logo a seguir por meio de um corte, a mulher será vista de frente e o homem de costas para a câmera.

A angulação pode ser usada para obter um efeito cômico. Ex: em O Imigrante / The Immigrant / 1917, Charles Chaplin mostra um navio muito balouçante no qual todos os passageiros sentem-se enjoados. Vemos então Carlitos debruçado sobre a amurada, balançando as pernas e pensamos que ele está vomitando. Mas ele se vira de repente e mostra um peixe que pescou com a bengala. O diretor conseguiu este efeito cômico colocando a câmera atrás das costas de Carlitos.

É muito importante lembrar que, quaisquer que sejam as angulações, o diretor deve tomar cuidado para não cair no artificialismo, no esteticismo. Não usar as angulações apenas pelo seu aspecto formal e sim funcionalmente. Muito embora saibamos que não existem regras fixas para a criação artística. O artista pode usar sua imaginação à vontade, sua imaginação criadora. Estamos apenas estudando as regras para um filme bem-comportado, regras que, muitas vezes, podem ser brilhantemente transgredidas. A linguagem do cinema está sempre evoluindo e esta evolução se faz precisamente com a quebra das regras estabelecidas.

Prosseguindo no estudo dos elementos estéticos visuais, vejamos agora o Enquadramento, que inclui a Composição de cada plano, isto é, como o diretor distribui a imagem dentro do quadro, dando-lhe uma arquitetura, um equilíbrio e um significado. A Composição é chamada de Ritmo Interior em contraposição à Montagem, que é o Ritmo Exterior. Aí o Cinema se aproxima da pintura. As artes plásticas fornecem muitos modelos aos cineastas no que diz respeito ao jogo de proporções e movimento de linhas.

Sabemos, por uma série de experiências psicológicas que linhas verticais causam a sensação de força e estabilidade; linhas horizontais causam uma sensação de calma e repouso; linhas oblíquas ou em espiral causam uma sensação de atividade, agitação, instabilidade, inquietação, nervosismo; linhas circulares sugerem convergência ou ordem. Assim como o cruzamento de linhas verticais com linhas horizontais sugere prisão ou isolamento.

Os cineastas usam essas linhas, e as lentes, para fazer a composição. Ex: a lente grande angular aumenta o tamanho do cenário e dá maior profundidade de campo enquanto a teleobjetiva faz o contrário, diminui o tamanho do cenário e dá menor profundidade de campo. A grande angular separa a frente do fundo do quadro: a teleobjetiva os aproxima – a imagem aparece achatada na tela. Além da variação de perspectiva há uma variação de velocidade. Em uma tomada de grande angular, o personagem parece andar mais rápido; com a teleobjetiva, parece andar mais lentamente.

Um dos exemplos mais marcantes do enquadramento está no filme Pérfida / The Little Foxes / 1941 de William Wyler. Há uma cena famosa na qual o marido (Herbert Marshall) discute com a mulher (Bette Davis) e tem um ataque cardíaco. Ele pede o remédio e ela não se move. Fica sentada na frente do quadro, vendo-se ao fundo o marido subindo a escada, cambaleando, para pegar o remédio até cair. Este enquadramento transmite com intensidade a indiferença absoluta da esposa, que nem sequer vira a cabeça para trás, para ver o que está acontecendo com o marido. Nesta cena foi usada a técnica da Profundidade de Campo (Deep Focus, Pan Focus) aperfeiçoada pelo grande fotógrafo Gregg Toland. Esta técnica permite que o diretor mostre ao mesmo tempo o que ocorre na frente e no fundo do quadro com igual nitidez e sem necessidade de se fazer mudanças de planos. A profundidade de campo permite a feitura de planos mais longos com períodos maiores de ação contínua, que são chamados de Planos-Sequência (Sequence Shots). É o que o crítico francês André Bazin chamou de “democratização da mise-en-scène” e que dava também maior realismo. Um exemplo marcante de plano sequência é a abertura de A Marca da Maldade / Touch of Evil / 1958 de Orson Welles.

Em suma, em vez da decupagem clássica, analítica, baseada na fragmentação de diversos planos, temos a decupagem sintética que deixa o espectador com liberdade para escolher o foco de sua atenção. Ele não fica mais tão prisioneiro da montagem como na decupagem clássica. Foi realmente uma revolução importante para o cinema moderno.

Com relação ao enquadramento temos ainda o Estreitamento do Quadro também denominado Recorte ou Máscara, usado quando se quer chamar atenção para determinado fato. Ex: no filme Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith, para realçar a queda de um soldado das altas muralhas da cidade, o diretor deixou os cantos da tela no escuro e mostrou ele caindo no centro iluminado. Às vezes é um personagem que se vê no fundo de um quarto através da porta semiaberta, sendo o resto do quadro tomado pelas paredes. Ou então se mostra a ação através de um binóculo ou de um buraco de fechadura.

Os Movimentos de Câmera são:

Travelling (Dolly, Track Shot, Carrinho), que é quando a câmera se desloca, havendo travelling para a frente, para trás, lateral, circular e vertical quando a câmera se aproxima, se afasta, corre paralelamente aos objetos ou personagens filmados, circula em torno deles e sobe e desce com um elevador. Usa-se também a Lente Zoom ou Varifocal, que produz quase o mesmo efeito do travelling e por isso é chamada de Travelling Ótico. Eu disse, quase, porque há uma diferençazinha: o travelling nos aproxima ou afasta das coisas enquanto a lente zoom traz as coisas até nós ou as afasta de nós. A lente zoom chama muito atenção sobre si mesma. É muito artificial e por isso é preciso ser usada com cautela. Ex: no filme Umberto D / Umberto D / 1952 de Vittorio de Sica temos o emprego correto do zoom em uma cena em que o velho, só e desesperado, olha para fora de sua janela. O diretor faz um zoom para a frente e a calçada parece se projetar sobre nós, causando uma impressão vívida do súbito, impulsivo pensamento de suicídio. Em Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958 Hitchcock faz uma combinação de um zoom para trás com um travelling para a frente, para causar a impressão subjetiva da vertigem do personagem.

Panorâmica, que é quando a câmera gira sobre seu próprio eixo horizontal (Pan) ou verticalmente (Tilt). Pode ser lenta ou rápida (Zip Pan, Chicote), descritiva ou dramática. Exemplo de panorâmica dramática e rápida ocorre no filme de John Ford No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939, quando vemos a diligência correndo pela planície e, subitamente, a câmera passa velozmente para o alto de um monte, focalizando um grupo de índios se preparando para o ataque. Quando se realizam várias panorâmicas sucessivas isto se chama Fiadura. Ex: a partida de tênis em Pacto Sinistro / Strangers on a Train / 1951 de Alfred Hitchock ou final de Os Pecados de Todos Nós /   Reflections in a Golden Eye / 1967 de John Huston.

Pano-Travelling, que é a combinação da panorâmica com o travelling realizada com o auxílio de uma grua, isto é, a câmera em um guindaste que pode rodopiar em todas as direções (Crane Shot).

No período do final dos anos 1960 a meados dos anos 1970, que ficou conhecido como A Nova Hollywood, os realizadores utilizaram o Steadicam, um braço hidráulico preso a um colete vestido pelo cinegrafista tornando ainda mais manejável a câmera na mão e as gruas Louma e Wesscam dirigidas por controle remoto, ambas usando monitores de vídeo como visores. Nessa época, foram também utilizadas as câmeras reflex, que permitiam ao operador ver e enfocar seus planos diretamente através da lente, sem precisar de um visor e se desenvolveu cada vez mais a Video Assist Technology, ou seja, o vídeo usado primeiramente para monitorar a qualidade da produção e depois como uma espécie de “story board eletrônica”.

Roll. Quando objetos e os atores vão virando de cabeça para baixo.

Vejamos agora, de modo sucinto, os outros elementos estéticos visuais: o Cenário, a Iluminação, o Ator e a Cor.

Cenário, que os franceses chamam de Décor, para distinguir de Scenario (que em francês quer dizer Roteiro), tanto o Cenário Natural como o Cenário Artificial, isto é, o cenário construído em estúdio ou ao ar livre, ajuda a criar o ambiente, o clima, a atmosfera, dar dramaticidade a uma cena ou caracterizar um personagem. O cenário varia de acordo com o assunto tratado ou a tendência estilística do diretor, podendo ser, por exemplo, Realista ou Expressionista. Em uma outra classificação o cenário pode ser: Despojado, quando se reduz ao máximo, sendo quase abstrato (ex: nos filmes de Robert Bresson e Carl Dreyer) e Ostensivo, quando assume maior relevância (ex: nos filmes de época, históricos ou de ficção cientifica).

Além disso, um simples fenômeno da natureza ou um objeto de decoração podem se tornar altamente dramáticos. É muito comum as cenas mais dramáticas ocorrerem durante uma tempestade (ex: a batalha na chuva em Os Sete SamuraisShichinin no Samurai / 1954 de Akira Kurosawa. A lua cheia nos filmes de lobishomem é outro exemplo. E, quanto aos objetos, temos exemplos nos filmes de Hitchcock: a tesoura em Disque M Para MatarDial M for Murder/ 1954, o isqueiro em Pacto Sinistro / Strangers on a Train /1951, os pratos da orquestra em O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew To Much / 1956 etc. Por outro lado, um objeto pode se tornar até um personagem (v. g. o fusca no filme Se o Meu Fusca Falasse / The Love Bug / 1968 é de fato um personagem e tem até nome, “Herbie”). E há filmes visivelmente inspirados no cenário como é o caso de O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920 de Robert Wiene ou então os filmes de Antonioni como A Aventura / L’Avventura / 1960, A Noite / La Notte / 1961, O Eclipse / L´Eclisse / 1962, nos quais se percebe uma forte relação entre os caracteres dos personagens e a paisagem. Para dar um exemplo bem nítido do cenário caracterizando um personagem, temos o filme Herança da Carne / Home from the Hill / 1960 de Vincente Minelli, no qual o personagem principal é um fazendeiro, dono de vasta propriedade rural e caçador. O cenário reflete isto, definindo o personagem. Na sua casa ele tem uma sala, que é uma espécie de santuário, decorada com poltronas de couro, tapetes de pele de lobo, troféus de caça pendurados na parede, coleção de rifles, sem falar nos cães que, em um estalar de dedos, chegam perto do dono.

Resta mencionar o Matte Painting que é a combinação de um cenário pintado com cenas reais. Um elemento da cena filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada. Ex: Em Cidadão Kane, na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane, apenas um detalhe do cenário foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados.

Mas atenção: não devemos confundir o Matte Painting com a Retroprojeção (Back ou Rear Projection) também chamada Transparência que é o processo de filmagem que permite, por exemplo, filmar cenas de exteriores dentro dos estúdios. Emprega-se para isso um telão transparente em que se projeta um findo ou uma paisagem filmada anteriormente. Diante deste telão os personagens atuam. e a câmera roda, como se tudo se desenrolasse ao ar livre.

É bom lembrar que, nos filmes coloridos, as cores claras dão a sensação de amplitude e as cores escuras condensam, apertam o cenário. Há toda uma psicologia das cores e o cenógrafo tem que ser também um psicólogo, para poder fazer o que recomendou o grande diretor de arte inglês Edward Carrick: “The design should always be the background to an emotion”, ou seja, o cenário deve sempre servir de pano de fundo para uma emoção.

Entretanto, não é somente com o cenário que o cineasta cria a atmosfera, dá dramaticidade a uma cena ou caracteriza um personagem. Ele pode fazer isto também com a Iluminação, com o jogo de luzes e sombras. É muito comum no cinema o uso do simbolismo da luz e da sombra, do contraste entre a claridade e a escuridão, do branco e do preto. No filme Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954 de Elia Kazan, por exemplo, o rosto branco e os cabelos louros de um claro luminoso da mocinha interpretada por Eva Marie Saint, fazem um contraste com as figuras pretas ou cinzentas dos estivadores e dos criminosos do sindicato. O efeito íntimo de uma paisagem ou de um interior depende completamente da luz. A luz, por exemplo, torna um quarto agradável, hospitaleiro ou frio, limpo ou sujo, conforme as proporções de claridade.

Há dois tipos de iluminação muito usados no cinema: a Chave Alta e a Chave Baixa. Chave Alta (High Key Lighting) é a técnica da iluminação difusa com poucos contrastes de luz e sombra, geralmente usada nos filmes de tom alegre, otimista, como as comédias e os musicais. Chave Alta (Low Key Lighting) é a técnica de iluminação contrastada com muito contraste de luz e sombra, geralmente usada nos filmes noir e nos filmes de horror. O caráter de um rosto pode ser transformado pela iluminação vinda de baixo, que dá um aspecto sinistro ou perverso ao ator. E quando o ator se situa entre a fonte de luz e a câmera (a câmera encarando a fonte de luz), na técnica chamada de Back Lighting (Contraluz), dá-se o efeito da silhueta ou então se forma uma auréola em torno do personagem.

As sombras, por sua vez, podem assumir valor simbólico. Quantas vezes não vimos na tela uma sombra negra simbolizando o Mal? A iluminação também pode embelezar uma estrela, geralmente por meio de filtros. Há, por exemplo, um filtro suavizador que confere à imagem um efeito flou ou de nebulosidade. As grandes estrelas de Hollywood sempre tinham seus fotógrafos prediletos (v. g. Bette Davis / Ernest Haller).

Existem ainda a Fill Light (Luz de Preenchimento ou Lateral), luz que se localiza ao lado do ator ou atriz que está sendo filmado, com a finalidade de suavizar sombras causadas no rosto dele ou dela pela luz principal (Key Light ou Luz Frontal) e de preencher os vazios que causam essas sombras, evitando um contraste excessivo; o Spot, Spotlight ou Follow Shot (Jato), luz de efeito que projeta um facho brilhante sobre uma pessoa, grupo de pessoas ou objeto por intermédio de um pequeno refletor; e os Shaft of Light, que são fachos de luzes que podem ser vistos penetrando janelas como a luz que invade a sala de projeção em Cidadão Kane.

Já com relação ao Ator, o diretor espera dele criações, mas não a criação cinematográfica. A criação cinematográfica é do diretor. O ator deve, antes de tudo, ser fotogênico, isto é, representar-se bem pela fotografia, ter boa dicção e o dom de se projetar, de ter uma presença que estala na tela, que concentra todas as atenções. Se souber representar, tanto melhor. Porém é simples objeto nas mãos do diretor, elemento de grande valor muitas vezes, mas completamente dependente do diretor.

Ficou célebre a experiência de montagem feita pelo teórico russo Leon Kulechov. Ele colocou a imagem do ator Ivan Mosjoukine sucessivamente ao lado de um prato de sopa, de uma moribunda e de uma criança sorrindo. O rosto do ator impassível parecia exprimir em cada caso, fome, pena ou ternura. Outra coisa: o ator não constrói seu papel como o ator de teatro, pois as cenas não são filmadas na ordem de desenrolar da ação do filme. Além disso, de cada cena fazem-se várias tomadas, mas apenas uma é escolhida – a critério do diretor, não pelo ator.

No final do século dezenove, o grande dramaturgo Bernard Shaw, escreveu um ensaio famoso, comparando as duas atrizes mais em evidência na época, Sarah Bernhardt e Eleonora Duse. A comparação de Shaw é muito útil para a discussão dos tipos de interpretação no cinema. Sarah Bernhardt impunha a sua grande personalidade em cada papel Era sempre ela mesma. Já a Duse, era diferente em cada papel que interpretava. Era totalmente a personagem. Está aí a diferença entre a grande estrela e a grande atriz. De acordo com as expressões usadas no teatro nós podemos dizer que a Duse era uma atriz de composição e a Sarah Bernhardt uma atriz de natureza.

A posição dos atores de cinema é bem diferente da posição dos artistas no teatro. Um ator de teatro aparece no palco e sente a primeira emoção ao ver a casa cheia ou vazia. Quando começa o espetáculo, estabelece-se uma certa ligação entre a platéia e ele, ator. À medida que a peça se vai desenrolando, o ator vai criando em si um outro personagem; há um crescendo que contribui para a sua própria emoção. No cinema, é diferente: não existe estímulo da platéia, as cenas são repetidas muitas vezes e assistidas somente pelo diretor e pelos técnicos. A continuidade da emoção é quebrada pela filmagem fora da ordem cronológica.

Para encerrar a matéria sobre os elementos estéticos visuais vamos falar sobre a Cor. E lembramos que a cor pode ser usada como decoração ou como função, isto é, empregada em função do contéudo, ajudando a sublinhar a idéia, o sentimento ou qualquer emoção expressa. Nos seus estudo teóricos Eisenstein falava de um “significado da cor” e Van Gogh, ao comentar o seu quadro “Café de Nuit” disse: “Procurei exprimir com o vermelho e o verde terríveis paixões humanas”. Enfim, há toda uma psicologia das cores que as denominações cores quentes, cores frias deixam a entender. As Cores Quentes (vermelho, amarelo, laranja) sugerem agressividade, energia, estímulo; as Cores Frias (azul, verde, cinza) sugerem tranquilidade, serenidade, calma. Podemos citar vários filmes nos quais há o emprego funcional da cor. Por exemplo, Marnie: Confissões de uma Ladra / Marnie / 1964 de Alfred Hitchcock. A heroína neste filme é tremendamente afetada pela cor vermelha. O vermelho do vestido ou do pôr do sol provocam-lhe uma crise nervosa. Em outro filme de Hitchcock, Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945, filmado em preto e branco, há um efeito interessante com a cor na cena do suicídio do assassino, quando ele dá o tiro, e a tela é tomada por mancha vermelha. Nos filmes musicais a cor assume uma importância especial e ela também pode servir para diferenciar o presente do passado. Existem vários filmes nos quais as cenas do presente são coloridas e as do passado em preto e branco. Exemplos: Voltar a Morrer / Dead Again / 1991 de Kenneth Branagh, A Lista de Schindler / Schindler´s List / 1993 de Steven Spielberg  No filme Laranja Mecânica / A Clockwork Orange / 1971, Stanley Kubrick fez o seguinte: na primeira parte, que lida com as agressões sexuais e sociais do protagonista, ele usou cores quentes (vermelhos e laranjas); na segunda parte, quando o herói é domesticado, ele usou cores frias especialmente azuis e cinzas).

Vamos falar agora dos elementos estéticos auditivos: o Som, a Música e os Diálogos. O Som pode ser utilizado de uma maneira realista ou de uma maneira expressionista. No filme Miracolo a Milano / Milagre em Milão / 1951 de Vittorio de Sica, as palavras ditas por dois capitalistas discutindo sobre a posse de um terreno se transformam pouco a pouco em latidos. Em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo sonoro delirante, exprime o esgotamento da personagem, incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido. Já o som real pode ser sincrônico quando o som que ouvímos corresponde à imagem que vemos ou assincrônico, quando o som que ouvímos não corresponde à imagem que vemos. Por exemplo no filme M – O Vampiro de Düsseldorf / M – Eine Stadt Such einen Mörder / 1931 de Fritz Lang, o comissário de polícia lê um relatório sobre um roubo e nós vamos vendo as imagens do roubo que fora praticado. As palavras do comissário são assincrônicas com as imagens do roubo. Há também o silêncio. Em certos filmes de suspense como Rififi / Du rififi chez les hommes / 1955 de Jules Dassin, por exemplo, na sequência do assalto ao banco, a gente chega a “ouvir” o silêncio. E às vezes o som pode substituir as imagens com vantagem. Por exemplo, no filme Amor sem Fim / Peter Ibbetson / 1935 de Henry Hathaway, nós vemos o herói moribundo na prisão, pronunciando as suas últimas palavras A tela escurece e ouvimos o baque do corpo que cai. Com isso termina o filme e sabemos que o herói morreu. A imagem não poderia ser mais eloquente do que o baque surdo na escuridão.

A Música pode ser utilizada de várias maneiras no cinema. Geralmente é empregada apenas para acompanhar a ação ou como ambiente de fundo. É a chamada Música Incidental. E às vezes vai até o exagero, seguindo a imagem segundo por segundo. Se um personagem desce uma escada na ponta dos pés, cada passo é acompanhado por uma nota musical. Ou então, por exemplo, em uma briga, cada sôco é assinalado por um golpe de tambor. Nos anos 40 a gente ouvia muito esse tipo de música no cinema. Que era também usada nos desenhos animados. Este acompanhamento musical contínuo era sem dúvida irreal e sempre foi criticado.

A música também pode ser usada:

Na apresentação dos letreiros, para marcar a época e o espírito do filme. É o chamado Main Title.  Por exemplo, no filme As Aventuras de Tom Jones / Tom Jones / 1963 de Tony Richardson, a música legre tocada em um cravo, que se ouve na apresentação, caracteriza o século dezoito e o tom jocoso do relato.

Para caracterizar um personagem ou estado d’alma. É o chamado Leit Motiv ou Motivo Condutor, espécie de “marca sonora” do personagem. No filme de Carol Reed, O Terceiro Homem / The Third Man /1949, o som da cítara marca a presença do personagem vivido por Orson Welles. No filme de Fritz Lang, M – O Vampiro de Düsseldorf, a presença do tarado, personificado por Peter Lorre, é sugerida pelo assobio de um tema musical de Grieg. O tema de Lara recorda a personagem de Julie Christie em Doutor Jivago / Doctor Zhivago / 1965 de David Lean.

Em contraponto às imagens. Exemplo, no filme Millions Like Us / 1943 de Frank Launder e Sidney Gilliat, ficamos sabendo que o marido da heroína foi morto em combate. Depois, quando a vemos novamente, ela está no meio de uma festa barulhenta em uma cantina de operários da fábrica de munições. Enquanto a câmera se fixa na moça, que está em silêncio, completamente desligada de todo o barulho, pensando no marido morto, ouvimos o canto turbulento dos operários e este contraste realça o efeito da cena.

Como interlúdios musicais, que é quando se interrompe a narrativa com um número musical. Por exemplo, em Butch Cassidy / Butch Cassidy and The Sundance Kid / 1969 de George Roy Hill, a cena de. Paul Newman andando de bicicleta ao som da música “Raindrops Keep Fallin´on My Head”.

Um dos diretores mais criativos no uso da música no cinema foi Stanley Kubrick. Basta citar o uso da valsa Danúbio Azul em 2001, Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 e de “Singin in the Rain” em Laranja Mecânica, na cena do estupro. Nesta cena, a impropriedade do trecho musical serve para amenizar o realismo e a violência.

E para encerrar quanto à música, nós temos que deixar claro o significado de três termos usados com relação à música no cinema: Score é o fundo musical; Sound Track é a trilha sonora (incluindo música, efeitos sonoros e diálogos) e Source Music é a música que os atores escutam no filme tal como, por exemplo, a que vem de um aparelho de rádio.

Finalmente nós temos os Diálogos, abrangendo em um sentido amplo:

Monólogo Interior, quando o ator fala consigo mesmo e uma voz fora de cena traduz o pensamento de seu personagem. Pode servir para substituir o aparte do teatro como em Mentiras da Vida / Strange Interlude / 1932 de Robert Z. Leonard.

Solilóquio, quando o ator fala consigo mesmo. Exemplo: a cena do Ser ou Não Ser em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier.

Narração, que vem geralmente em voice over. Há uma distinção entre Voice Off e Voice Over. A voz off é usada para um personagem que fala sem ser visto, mas está presente no espaço da cena. A voz over é usada para uma narração (de um documentário, por exemplo) ou em um flashback. A narração pode assumir a forma de comentário v. g. nos filmes de Sacha Guitry.

Diálogos Justapostos (Overlapping) quando várias pessoas falam ao mesmo tempo, um personagem interrompendo o outro a todo instante. Ex: em Cidadão Kane.

Locução e Imagem Defasada, quando o diálogo continua enquanto os personagens que conversam entre si estão em lugares a cada momento diferente. Exemplo: em Acossado / A bout de souffle / 1960 de Jean Luc Goddard.

Com relação ao diálogo surge a questão do teatro filmado, da validade de filmes como os de Marcel Pagnol, para quem o cinema era “o teatro em conserva”; das experiências shakespereanas de Laurence Olivier; dos filmes de Woody Allen nos quais se fala muito, mas não deixam de ser cinema.

 

FRANK BORZAGE NO CINEMA MUDO

junho 20, 2022

Amante do melodrama romântico, que abordou sempre com delicadeza, chegando às vezes ao sublime, ele foi no cinema um dos grandes pintores do amor que a tudo transcende. Com toda razão Henri Agel (Les Grands Cinéastes que je propose, ed. Cerf, Paris, 1967) reconheceu nele “umas das almas mais maravilhosamente líricas da cena silenciosa”.

Frank Borzage e seu Oscar

Frank Borzage (1894 – 1962), era filho de Luigi Borzaga, de origem ítalo-austríaca e Maria Ruegg, de origem suíça alemã. Luigi emigrou para os EUA no início dos anos 1880 e depois trouxe sua noiva Maria. Eles se casaram em Hazleton, Pennsylvania e posteriormente se mudaram para Salt Lake City, Utah, onde Frank nasceu. A escolaridade de Frank foi breve: aos 12 anos de idade teve que abandonar os estudos para ajudar o pai, que era pedreiro. Na adolescência, descobriu uma paixão pelo teatro e decidiu ser ator.

Por intermédio de seu progenitor, encontrou emprego nas minas de prata de Silver King em Park City e, com o dinheiro que economizou, matriculou-se em uma escola de arte dramática em Salt Lake City. A escola propôs a seus alunos uma excursão por pequenas cidades do Utah, mas após algumas representações o gerente da companhia desistiu do empreendimento, não antes sem “tomar emprestado” os últimos vinténs de seu novo aluno. A companhia teatral seguinte também o deixou na mão e, desta vez, para voltar para casa, Frank teve que trabalhar como ajudante de um cozinheiro chinês em um acampamento de ferroviários, depois se juntou a uma equipe de operários da via férrea nas Montanhas Rochosas, e acabou em Denver no Colorado, doente e enfraquecido, onde um velho negro misericordiosamente o tratou na sua cabana. Ele sobreviveu graças à “sopa dos pobres” e dormia nos parques públicos ou em canos de esgoto vazios. Finalmente, ao responder a um anúncio de jornal, ele conseguiu ser aceito pelo produtor de teatro Gilmore Brown, que estava precisando de um jovem bem apessoado e com certa experiência de palco. Frank excursionou com a Gilmore Brown Stock Company por várias cidades e, quando a companhia fechou as portas, ele se dirigiu para a Los Angeles a fim de tentar a sorte na indústria cinematográfica.

Em 1912, aos 18 anos de idade, Borzage estava prestando serviço como fact totum para Thomas Ince ou para o jovem ator-diretor Wallace Reid. Em 1913 Ince promoveu-o a galã e seu talento como ator seria solicitado por outros diretores até 1917. Enquanto isso, ele dirigiu seu primeiro filme, o curta-metragem The Pitch O´Chance / 1915, seguindo-se outros curtas até sua estréia no longa-metragem com Land O´Lizards (western com Frank Borzage, Harvey Clark, Laura Sears), em 1916.

Na década de vinte, Borzage esteve atrás das câmeras em mais 40 filmes (produzidos por várias companhias, notadamente Triangle, Cosmopolitan, Norma Talmadge Prod., MGM e principalmente Fox), destacados em negrito os mais importantes: 1916 – Immediate Lee, western com F. Borzage, Anna Little, Chick Morrisson. 1917 – Amor Difícil / Flying Colors, drama com William Desmond, Golda Madden, Jack Livingston; A Benção do Céu / Until They Get Me, drama com Pauline Starke, Jack Curtis, Joe King. 1918 – A Salteadora / The Gun Woman, western com Texas Guinan, Ed Brady, Francis McDonald; The Curse of Iku, drama com F. Borzage, Tsuru Aoki, Meta Anderson; Missão de um Anjo / The Shoes That Danced, drama com Pauline Starke, Wallace McDonald, Richard Rosson; Progresso de Inocente / Innocent´s Progress, drama com Pauline Starke, Lillian West, Alice Knowland; Dedicação / Society for Sale, drama com William Desmond, Gloria Swanson, Herbert Prior; An Honest Man, comédia dramática com William Desmond, Mary Warren, Ann Kroman; Sejam Felizes! / Who is to Blame?  drama com Jack Abbe, Jack Livingston, Maude Wayne; Alma de Flor / The Ghost Flower, drama com Alma Rubens, Charles West, Francis McDonald. 1919 – Toton, drama com Olive Thomas, Norman Kerry, Francis McDonald; Whom the Gods Would Destroy, drama com Jack Mulhal, Pauline Starke, Kathryn Adams; Prudence on Broadway, comédia com Olive Thomas, Francis McDonald, Harvey Clark; Duque, o Cavaleiro Errante / The Duke of Chimney Butte, western com Fred Stone, Viola Vale, Josie Sedgwick; Os Dois Laços / Billy Jim, western cômico com Fred Stone, Millicent Fisher, George Hernandez. 1920 – Adoração de Mãe / Humoresque. 1921 – Quereis Enriquecer Depressa? / Get-Rich-Quick Wallingford, comédia com Sam Hardy, Norman Kerry, Doris Kenyon; Lágrimas e Sorrisos / Back Pay, drama com Seena Owen, Matt Moore, J. Barney Sherry; Sacrifício de Pai / The Good Provider, drama com Vera Gordon, Dore Davidson, Miriam Battista. 1922 – As Três Vinganças/ The Valley of Silent Men, drama romântico com Alma Rubens, Lew Cody, Joseph King; Viver é Lutar / The Pride of Palomar, drama com Forrest Stanley, Marjorie Daw, Tote du Crow. 1923 – Um Novo Mandamento / The Nth Commandment, drama com Colleen Moore, James Morrison, Eddie Phillips; O Filho do Lodo / Children of Dust, drama romântico e de guerra com Bert Woodruff, Johnnie Walker, Pauline Garon; A Idade dos Desejos / The Age of Desire, drama com Joseph Swickard, William Collier Jr., Frederick Truesdell; Canção de Amor / The Song of Love, drama com Norma Talmadge, Joseph Schildkraut, Arthur Edmund Carewe (iniciado por Borzage, substituído sucessivamente por Chester Franklin e Frances Marion. 1924 -Segredos / Secrets, drama com Norma Talmnadge, Eugene O`Brien, Patterson Dial; A Grande Dama / The Lady, melodrama com Norma Talmadge, Wallace MacDonalds, Brandon Hurst. 1925 – Tribulação / Daddy´s Gone a Hunting, drama com Alice Joyce, Percy Marmont, Virginia Marshall; A Mulher do Outro / The Circle, comédia dramática com Eleanor Boardman, Malcolm McGregor, Alec B. Francis; O Preguiçoso / Lazybones; Esposas em Greve / Wages for Wives, comédia com Jacqueline Logan, Creighotn Hale, Earle Foxe; O Primeiro Ano / The First Year, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, John Patrick. 1926 – Sem Lar e Sem Rumo / The Dixie Merchant, drama com J. Farrell MacDonald, Madge Bellamy, Jack Mulhall; Casar é Bom / Early to Wed, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, Albert Gran; Dolorosa Renúncia / Marriage License? drama com Alma Rubens, Walter McGrail, Richard Walling.  1927 – 7° Céu / Seventh Heaven. 1928 – Anjo das Ruas / Street Angel; O Rio da Vida / The River, drama romântico com Charles Farrell, Mary Duncan, Ivan Linow. 1929 – Estrela Ditosa / Lucky Star; Eles Tinham Que Ver Paris / They Had To See Paris!  comédia com Will Rogers, Irene Rich, Owen Davis Jr.

Amor de Mâe

Adoração de Mãe (Prod: Cosmopolitan), é um melodrama de profunda humanidade. Jogando com saltos no tempo, a narrativa segue o percurso de Leon Kantor (Gaston Glass), menino do ghetto judeu novaiorquino que se torna um violinista virtuoso graças ao empenho e ajuda de sua mãe (Vera Gordon), sua mudança com a família para um bairro mais chique, seu alistamento militar, seu retôrno da guerra incapacitado para exercer sua profissão. Na última parte, surge o tema do amor salvador – na figura de Gina (Alma Rubens) – que marcaria a carreira do cineasta. Por seu excelente trabalho, Borzage obteve a primeira distinção artística do cinema nos EUA, a Photoplay Gold Medal Award para o melhor filme do ano. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e propulsionou a carreira do diretor

Buck Jones em O Preguiçoso

O Preguiçoso (Prod: Fox) é uma comédia dramática pungente focalizando um jovem do meio rural, Steve Tuttle (Buck Jones) – apelidado de Preguiçoso (porque é “tão dormente quanto o melaço no inverno”), que assume a responsabilidade de criar uma menina órfã, causando um escândalo na sua pequena cidade. Muitos anos depois, ao retornar da Primeira Guerra Mundial, ele descobre que ama a menina, que agora é uma moça (Madge Bellamy), e pretende se casar com ela; mas a jovem está apaixonada por outro (Leslie Fenton). Borzage traça um retrato primoroso de um amor não correspondido, combinando um senso de humor refinado com um sentimento de melancolia, e dá relevo à natureza e às paisagens fotografadas com esmero por Glenn MacWilliams e George Schneiderman. O astro famoso dos seriados e westerns B tem uma interpretação surpreendente como o rapaz cuja indolência é mostrada em uma imagem antológica: vestido com se fosse um espantalho, nós o vemos relaxando ao sol por tanto tempo que uma teia de aranha se forma em seus sapatos.

Charles Farrell e Janet Gaynor em Sétimo Céu

Janet Gaynor e Charles Farrell em Sétimo Céu

7º Céu é um drama romântico desenrolado na França durante a Primeira Guerra Mundial. Diane (Janet Gaynor), jovem parisiense, é salva das brutalidades de uma irmã mais velha alcoólatra e violenta (Gladys Brockwell) por Chico Robas (Charles Farrell), operário dos esgotos de Paris, cuja modesta ambição na vida é ser promovido a limpador de ruas. Após dizer para as autoridades que ela é sua esposa, Chico a leva para o sétimo andar no topo de um prédio em ruínas onde mora – o sétimo céu do título. Logo se apaixonam e pretendem se casar, mas a guerra irrompe e Chico é convocado. Os amantes prometem que se encontrarão em pensamento todos os dias às onze horas da manhã, não importa o que aconteça. Chico volta da frente de batalha cego, e é precisamente quando está cego, que ele vê claro. Ele, que se achava abandonado por Deus, não está sozinho. Diane está lá e estará sempre lá. Esta história de amor sentimental com uma dimensão mística foi narrada com muita ternura por Borzage e lhe proporcionou o Oscar de Melhor Diretor. O filme foi indicado; Janet Gaynor ganhou a estatueta da Academia por seu trabalho nele, em outro filme de Borzage, Anjo das Ruas, e Aurora / Sunrise de F.W. Murnau; Benjamin Glazer também foi vencedor pelo Melhor Roteiro Adaptado.

 

Janet Gaynor e Charles Farrell em Anjo das Ruas

Anjo das Ruas é um drama romântico com o tema Borzagiano recorrente do amor contra a adversidade, influenciado pela estética do expressionismo alemão, particularmente de Murnau. Angela (Janet Gaynor), filha dos bairros pobres de Nápoles, precisa de vinte liras para cuidar de sua mãe doente. Desesperada, ela tenta se vender na rua e acaba por furtar o dinheiro. Presa e condenada a um ano de prisão, consegue fugir. Perseguida pela polícia, encontra refúgio em uma trupe de um circo, do qual ela se torna uma das vedetes. Em uma turnê, encontra Gino (Charles Farrell), jovem pintor sem um tostão. Apaixonado por Angela, ele se junta à trupe. A jovem, que a príncípio rejeita seu amor, acaba caindo em seus braços, porém leva uma queda e, ferida no tornozelo, não pode mais fazer seu número de equilibrista. Gino a leva então para Nápoles, onde ela ainda está sendo procurada.  Ele consegue uma encomenda para fazer um mural que lhe trará muito dinheiro e os dois resolvem se casar, porém na véspera do casamento, a polícia a encontra. Antes de ser levada presa, ela pede aos guardas uma hora de atraso, pois é preciso que Gino não saiba de seu passado. Angela dissimula de Gino sua partida iminente. Passado algum tempo eles se reencontrarão fortuitamente em um cais brumoso. Aterrorizada pelo rosto de Gino congestionado de ódio, Angela foge, seguida por um travelling lateral longo, e vai se refugiar em uma capela. Ela cai na frente de um altar. Gino tenta estrangulá-la. Ele derruba uma Bíblia, percebe onde se encontra e olha para o tabernáculo. À luz das velas, Gino descobre o seu quadro da pura Angela, retocado por um falsário, como se ela fosse uma Madona. Após alguns momentos dramáticos, eles se reconciliam sob o som de “O Sole Mio”.

Charles Farrell e Mary Duncan em O Rio da Vida

Mary Duncan, Alfred Sabato e Charles Farrell em O Rio da Vida

O Rio da Vida é um drama romântico combinando maravilhosamente erotismo e inocência. No cartão de título vem uma epígrafe que universalisa o tema: “Existe um rio chamado Vida. Sua nascente é uma fonte escondida. Seu objetivo é o mar. Sobre ele navegam as balsas dos destinos humanos”. Allen John Pender (Charles Farrell), jovem inexperiente, está descendo pelo rio em sua balsa quando conhece e se apaixona por Rosalee (Mary Duncan), mundana experiente e bonita, amante de um homem chamado Marsdon (Alfred Sabato) que está preso por assassinato. Ela é atraída pela timidez do rapaz e seu caráter ingênuo, embora tivesse sido obrigada a jurar fidelidade eterna a seu parceiro brutal e ciumento, Rosalee tem como único companheiro um corvo, símbolo de sua dependência do ausente. Quando Allen lhe pede em casamento, Rosalee vê o corvo e o repele. Desesperado, Allen diz que vai libertá-la de Marsden e, lembrando-se de um desafio que ela lhe fizera, grita alucinado: “Vou mostrar que sou um homem melhor do que Marsden. Vou cortar todas as árvores da floresta para te aquecer”. O esforço e o frio lhe fazem perder a consciência. Sam (Ivan LInow), um surdo-mudo hercúleo que tinha contas a acertar com Marsden, descobre o corpo inanimado de Allan e o leva de volta à cabana. Ele e Rosalee tentam reanimá-lo, o que ela finalmente consegue, abraçando-o com o calor de seu corpo. A esta altura chega Marsden, que fugira da prisão, luta com Allen, e o derruba com um pedaço de madeira. Enquanto Rosalee foge pelo bosque, Marsden se defronta com Sam, seu inimigo mortal. Aterrorizada pelo fantasma de seu perseguidor Rosalee sobe na passarela e pula no rio onde o redemoinho a engole. Allen John mergulha no centro do redemoinho e abraça Rosalee sob as águas. Alguns segundos depois, os amantes reaparecem na superfície. Após estrangular Marsden, o justiceiro surdo-mudo lava as mãos no rio “que, como o amor, purifica tudo”. Na Primavera, Allen John e Rosalee partirão juntos na balsa em direção ao mar. Embora hoje só exista somente parte de uma cópia da obra original, ainda podemos nos encantar pela beleza e pelo lirismo desta história audaciosa, sobre o jogo de sedução entre uma mulher ferida pela vida e cansada de amor e um jovem puro que ainda não descobriu a sensualidade e descobre este sentimento. A fotografia de Ernest Palmer e os cenários de Harry Oliver contribuem em grande parte para o triunfo artístico da produção.

Cena de Estrela Ditosa (Charles Farrell, Janet Gaynor)

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Estrela Ditosa é um drama romântico, espécie de resumo e culminância do universo muito pessoal de Borzage, onde prevalecem a imaginação poética, o encantamento imagístico e a espiritualidade. Timothy Osborn (Charles Farrell) e Martin Wrenn (Guinn Williams) trabalham como instaladores de telefone para uma companhia em uma área rural. Ambos flertam com Mary Tucker (Janet Gaynor), filha de uma produtora de leite viúva (Hedwig Reicher), que bate nela e a explora. Quando os EUA entram na Primeira Guerra Mundial, ambos se alistam no exército, servindo na mesma unidade, na qual Wrenn é sargento. Ordenado a entregar comida na frente de batalha, Wrenn usa o caminhão de entrega em proveito próprio (“para ver as moças” na retaguarda) e manda Osborne fazer a entrega por meio de uma carroça puxada por cavalos. Nesta operação, Timothy é ferido por fogo de artilharia. Timothy e Wrenn voltam para casa e Timothy agora usa uma cadeira de rodas. Mary fica apegada a Timothy e o visita todos os dias. Wrenn, que foi expulso do exército (mas ainda veste sua farda, para desagrado dos aldeões), usa adulação e falsas promessas de ascenção social para conquistar a mãe de Mary, pressionando-a para que ela faça a filha se casar com ele. Entrementes, Timothy, depois de muito esforço, recupera o controle de suas pernas, consegue chegar até a casa de Mary, começa a lutar contra Wrenn e eis que surgem os aldeões e colocam Wrenn em um trem que parte, expulsando-o da cidade. Mary olha incrédula para Timothy da cabeça aos pés, cai de joelhos e abraça suas pernas. Eles ficam de pé se abraçando diante dos trilhos da via férrea que se perde no horizonte. No auge de sua arte no tempo do cinema silencioso, Borzage cria uma atmosfera de conto de fadas inundada por enquadramentos belíssimos e cenas íntimas entre os dois jovens amantes (magnificamente interpretados por Charles Farrell e Janet Gaynor) diante das quais ninguém poderá deixar de se emocionar. Como não sentir algo dentro de nossos corações ao vermos Timothy lavando o cabelo de Mary com gema de ovo ou obrigando-a a lavar as mãos ou ainda repreendendo-a por ter furtado dinheiro da sua progenitora para comprar um vestido?

Os últimos quatro filmes marcados com traços mais grossos formam um quarteto de obras-primas do diretor na fase silenciosa do cinema, reputadas pela graciosidade e poesia de sua encenação.

CONCEITO DE FILME NOIR

junho 10, 2022

Existem listas de filmes noir tão abrangentes, algumas chegando até ao absurdo. Michael F. Kennedy, no seu livro “Film Noir Guide” (McFarland, 2011), enumera nada menos do que 745 filmes noir possíveis, entre eles, Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940, O Homem que Vendeu sua Alma / The Devil and Daniel Webster / 1941, Casablanca/ Casablanca / 1942, Os Filhos de Hitler / Hitler´s Children / 1942, O Retrato de Dorian Gray / The Picture of Dorian Gray / 1945, Amar foi Minha Ruína / Leave her to Heaven / 1945. Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux / 1947, Crepúsculo dos Deuses; Sunset Boulevard / 1951, O Homem do Oeste / Man of the West / 1958.

Na coletânea editada por Alain Silver e James Ursini, “Film Noir Directors” (Limelight, 2012), variados articulistas nomeiam os filmes noir de cada diretor emergindo entre eles: Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948; Atlântida, o Continente Perdido/ Siren of Atlantis / 1949, O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still / 1951, Jardim do Pecado / 1958, Intriga Internacional / North by Northwest / 1959.

Raymond Durgnat no seu artigo, Paint it Black: The Family Tree of the Film Noir, publicado em “Film Noir Reader” (Limelight, 1996), aponta como films noirs King Kong / King Kong / 1933, Matar ou Morrer / High Noon / 1952 e 2001, Uma Odisséia no |Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968.

Com a devida vênia, nenhum desses filmes pode ser classificado como noir, simplesmente porque não são dramas criminais. Por exemplo: Crepúsculo dos Deuses e Amar foi Minha Ruína, que vêm sendo designados como noir por vários autores, embora contenham crimes nas suas tramas, são dramas psicológicos respectivamente sobre os distúrbios mentais de uma atriz decadente do cinema mudo e uma mulher possuída por um ciúme doentio do marido.

Nino Frank

Nino Frank, o primeiro crítico a usar o termo, disse cristalinamente no seu artigo pioneiro publicado na revista Écran Français em agosto de 1946: Un Nouveau Genre “Policier”: L´Aventure Criminelle. Ele não empregava a palavra noir no título, mas dizia em um trecho: “Ainsi, ces films ‘noirs’ n´ont pas rien de commun avec les bandes policères du type habituel (Estes filmes ‘noirs’ não têm mais nada em comum com as fitas policiais do tipo habitual). Com base nesta afirmação, deduzí que um filme, para ser considerado noir, tem que ser antes de tudo um drama criminal e como o drama criminal se subdivide em vários tipos (filmes de gângster, filme de assalto, filme de prisão, filme de amantes fugitivos ou fora-da-lei etc.) o filme noir seria cada um destes tipos acrescidos dos ingredientes noir e, tal como eles, um subgênero do drama criminal.

Acompanho também Foster Hirsch (“FIlm Noir: The Dark Side of the Screen (DaCapo, 1981) na sua percepção de que o filme noir tem todas as espécies de convenções fílmicas que normalmente associamos aos gêneros cinematográficos (convenções de estrutura, caracterização, tema e estilo visual) e o uso repetido destas convenções o qualifica como um gênero tão intensamente codificado quanto o western.

Existem autores que consideram o filme noir como um estilo, mas nunca me deparei com uma argumentação sólida sobre tal conceito. O que caracteriza o filme noir não é somente o estilo visual, a iluminação ou a fotografia, mas também o clima de pessimismo, o tom deprimente, a atmosfera de corrupção, morte, angústia, loucura, fatalismo etc.  bem como elementos típicos no que concerne ao tema, personagens e estrutura narrativa.

Pode existir ingredientes noir em filmes de outros gêneros. Entretanto este fato não os transforma em um filme noir como categoria autônoma. Sangue na Lua / Blood on the Moon / 1948 é um western com alguma característica noir na sua forma e conteúdo, mas ele será sempre um western. Capacete de Aço / The Steel Helmet / 1951 é um filme de guerra com estilo visual expressionista e certas convenções temáticas noir, mas será sempre um filme de guerra.

Na minha concepção o filme noir é um desvio ou evolução dentro do vasto campo do gênero drama criminal, que teve seu apogeu durante os anos 40 até meados dos anos 50, e foi uma resposta às condições sociais, históricas e culturais reinantes na América durante a Segunda Guerra Mundial e no imediato pós-guerra. Nele se combinariam, basicamente, as formas de ficção criminal americana produzida por escritores como Dashiel Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain, Cornell Woolrich e seus descendentes ou semelhantes literários, com um estilo visual inspirado nos filmes expressionistas alemães dos anos 30. Em O Outro Lado da Noite: Filme Noir (Rocco, 2001) exponho com mais amplitude o tema proposto por este livro e proponho uma filmografia comentada.

Para escrevê-lo, estudei por cinco anos o assunto com muito cuidado, procurando ler todos os livros ou artigos já existentes sobre o mesmo e adquirir (inclusive de colecionadores de países distantes como Islândia) o máximo de dvds de filmes que poderiam ser noir. Recorrí também à New York Public Library (New York), Bibliothéque André Malraux (Paris), Biblioteca do IBEU (Rio de Janeiro), Museu Lasar Segall (São Paulo) porém, mesmo assim, cometí algumas falhas. Indiquei como noir filmes que não eram dramas criminais (v. g. Angústia / The Locket / 1947, Alma em Suplício / Mildred Pearce / 1945, Gilda / Gilda / 1946, O Beco das Almas Perdidas / Nightmare Alley / 1947, Acossado / Cornered/ 1945, Anjo do Mal / Pickup on South Street / 1953, Nuvens de Tempestade / The Woman on Pier 13, No Silêncio da Noite / In a Lonely Place / 19050, O Tempo não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946, Ao Cair da Noite / Moonrise / 1949 mas sim, respectivamente, um melodrama (os quatro primeiros), um drama de guerra (o quinto), um drama político, de espionagem ou de propaganda anticomunista (o sexto e o sétimo), um drama psicológico (o oitavo e o nono) e um drama social (o décimo). A presença de elementos noir em todos estes filmes me confundiu; porém devo dizer que a maioria dos autores continuam considerando-os como filmes noir.

Deixei também de incluir como noir alguns dramas criminais que não tinha visto (v. g. Johnny Angel / Johnny Angel / 1945, The Lady Confesses / 1945, Mulher Dillinger / Decoy / 1949, Prisioneiro do Medo / The Pretender / 1947, Maré Alta / High Tide / 1947, Traição / Race Street / 12948, Desafiando o Perigo ; Red Light / 1950, Na Noite do Crime / Woman on the Run / !950, The Man who Cheated Himself / !950, Cidade Tenebrosa / Crime Wave / 1954, Fúria Assassina / The Naked Alibi / 1954, Pecado e Redenção / Rogue Cop / 1954. Para corrigir as falhas, escreví uma série de artigos neste meu blog (Film Noir I, II, III e IV), publicados sucessivamente em 21 e 27 de março de 2004 e 7,14, e 26 de abril do mesmo ano, como uma espécie de revisão do livro. Agora, alarmado com as listas de filmes noir, a meu ver estafúrdidas, que continuam aparecendo, retomo o assunto, para confirmar meu conceito de filme noir.

Para ser franco, ainda tenho dúvidas sobre se determinados filmes são noir ou não, porque nem sempre é fácil distinguir o gênero de um filme. Sombras do Mal / Night and the City / 1950 tem todos os ingredientes de um filme noir, porém a ação transcorre fora do ambiente ubano americano. E seria drama criminal? ou drama psicológico? Borde e Chjaumeton “Panorama du Film Noir Américan” (Flammarion, 1955) escolheram a foto de Richard Widmark como o seu personagem em Sombras do Mal para a capa do seu livro. Entretanto, no Índice Cronológico das Séries (pois eles consideravam o fenômento noir como uma série (sugerindo não se sabe bem se um ciclo ou um gênero), os dois autores não colocaram o filme de Jules Dassin entre os Films Noirs, mas sim entre os de Psychologie Criminelle ao lado de Amar foi Minha Ruína, como se fosse um drama psicológico, onde ocorre um crime.

Spencer Selby (“Dark City -The Film Noir” (McFarland, 1984) tinha razão ao sugerir que “O filme noir é talvez a mais escorregadia de todas as categorias fílmicas”. Brutalidade / Brute Force / 1947 e Cidade Nua / The Naked City / 1948 possuem alguns aspectos noir mas hoje, pensando melhor, não os colocaria no meu livro.

A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

junho 1, 2022

Quase todo mundo vê filmes. Vistos em cinemas, na televisão, em aparelhos de dvd ou blu-ray, no avião, no computador e agora até no celular, eles fazem parte da vida contemporânea. Para a maioria dos espectadores, a crítica de filmes é apenas uma expressão de satisfação ou dessatisfação com um filme ora em cartaz. Gostei ou não gostei, diz o espectador médio após a visão de uma obra cinematográfica. Porém existe um outro público com uma idéia diferente sobre filmes e sua apreciação crítica. Este outro grupo de espectadores leva mais a sério a experiência de ver filmes, achando-a tão importante e significativa quanto a arquitetura, pintura, escultura, música, dança, teatro ou literatura, as chamadas belas-artes.

Quanto ao público podemos distinguir dois tipos: 1. O público inadvertido que vai ao cinema para se distrair, ver seus atores prediletos, passar o tempo ou se evadir do cotidiano. 2. o público esclarecido que procura na 7ª Arte algo mais.

Na elaboração de uma cultura cinematográfica o papel da crítica é primordial. A crítica jornalística, que deve ser mais propriamente chamada de resenha, fornece informação para o público cinematográfico de massa. A função principal do resenhista é dar ao leitor inadvertido a informação de que um determinado filme foi lançado e está disponível para ser visto, indicar qual o assunto abordado pelo filme e quem está envolvido diante a atrás das câmeras na sua produção e avaliar o filme, a fim de que os espectadores que simpatizam como o gôsto dos resenhistas, tenham uma idéia se devem ou não gastar seu tempo e dinheiro para assistí-lo. As resenhas são escritas para um prazo quase imediato e não permitem que o resenhista veja o filme mais de uma vez. Além disso, o espaço é limitado. O resenhista, restringido por um prazo e pelo espaço, geralmente pouco pode fazer mais do que uma sinopse do enredo do filme, comentar brevemente sobre a produção e fazer algumas considerações gerais sobre o valor do filme. No Brasil, encontramos a crítica jornalística também em revistas mensais como, por exemplo, A Scena Muda (1921- 1955) e Cinearte (1926-1942).

É importante lembrar que alguns resenhistas conseguem transcender sua função básica, merecendo o título de crítico. Para citar apenas dois nomes, James Agee nos Estados Unidos e Moniz Vianna no Brasil foram exemplos marcantes deste tipo de resenhista. Mas convém esclarecer que, no tempo em que eles escreviam, o espaço para crítica jornalística era maior do que hodiernamente, ela era diária e o seu exercício exigia dedicação integral.

James Agee

James Agee foi considerado por muitas pessoas – tanto dentro e fora de Hollywood -como o crítico de cinema mais brilhante e perceptivo de sua época. Do final de 1941 a meados de 1948 ele era resenhista do Time e do outono de 1942 a 1948 escreveu também uma coluna de cinema para The Nation. Além do mais foi responsável pelo famoso artigo sobre a comédia muda, matéria de capa da revista Life em 3 de setembro de 1949. Suas resenhas e comentários foram reunidos no livro Agee on Film (Beacon Press, 1958). Foi também escritor (ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção por seu romance Death in the Family) e roteirista do filme Uma Aventura na África / The African Queen / 1951, dirigido por John Huston.

Agee postulou quatro condições para ser crítico: 1. Defender o Cinema da esnobação dos intelectuais. 2. Julgar o Cinema por seus próprios e difíceis padrões. 3. Ter considerável experiência desde a infância, de assistir aos filmes e pensar e falar sobre eles. 4. Aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme, tanto técnica quanto substantivamente.

Antonio Moniz Vianna

Antonio Moniz Vianna era médico, mas suas principais atividades sempre foram o jornalismo e o cinema. Ele foi o primeiro resenhista brasileiro a abordar todos os aspectos técnicos de uma realização e não hesitou, com independência e coragem, em contraditar os lugares-comuns da crítica (v. g. detestava a Nouvelle Vague e esnobava o chamado “cinema de autor”). Com seu estilo incisivo e polêmico formou várias gerações de cinéfilos. Exerceu seu ofício de cronista cinematográfico no Correio da Manhã (1946-1973); organizou grandes retrospectivas dos cinemas americano, francês, italiano, inglês e russo (1958-1962), dirigiu dois Festivais Internacionais de Cinema no Rio de Janeiro (1965-1967), contribuições substanciais para o aprendizado de Cinema em nosso país. As críticas de Moniz Viana foram reunidas no livro Um Filme Por Dia: Crítica de Choque (Companhia das Letras, 2004), selecionadas por Ruy Castro, que também assina a introdução

Um outro tipo de crítica, mais detalhada e analítica, que não tem nenhum vínculo particular com o jornalismo, tende a aparecer em revistas especializadas (v. g. as americanas Film Quarterly, fundada em 1945 e publicada pela University of California Press e Film Comment, fundada em 1962 e publicada pelo Film at Lincoln Center; as britânicas Sight and Sound, fundada em 1932 e distribuída pelo British Film Institute, Monthly Film Bulletin, fundada em 1934 e depois fundida com a Sight and Sound e Movie, fundada em 1962 por Ian Cameron; as italianas Bianco e Nero, fundada em 1937 por Luigi Chiarini e Cinema Nuovo, fundada em 1952 por Guido Aristarco; a espanhola Objetivo, fundada em 1953 por Luis Garcia Berlanga e Juan Antonio Bardem; as francêsas La Revue du Cinéma, fundada em 1928 por Jean George Auriol, Cahiers du Cinéma, fundada em  1951  por Jacques Doniol Valcroze, André Bazin e Lo Duca, Positif, fundada em 1952 por Bernard Chardère  e Téléciné, publicação de inspiração católica criada em 1947 tendo como redator-chefe Gilbert Salachas; as brasileiras Revista de Cinema, fruto das atividades do Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte, fundada em 1954 por Cyro Siqueira, Jacques  do Prado Brandão,  Guy de Almeida e José Roberto Duque de Novais; Filme Cultura, fundada em 1966 e publicada pela Embrafilme) ou livros publicados pela imprensa universitária.

Podemos apontar duas formas de abordagem processadas por este tipo de crítica cinematográfica: a abordagem do autor e a abordagem de gênero.

A abordagem do autor é a identificação da pessoa mais responsável pela criação do filme, usualmente o diretor, descrevendo e avaliando seu trabalho em termos de singularidade ou consistência de conteúdo, estilo ou excelência de artesanato.  A abordagem de gênero estuda grupos de filmes populares que usam enredos, personagens e cenários semelhantes como, por exemplo, filmes de horror, westerns, filmes de ficção científica.

A teoria do autor foi formulada nos anos 50 por críticos francêses da Cahiers du Cinéma e promovida nos EUA por Andrew Sarris no seu livro The American Cinema (1968). Inicialmente estes críticos discutiam a possibilidade somente de diretores serem considerados como autores; eles eram as pessoas cujo papel articulado no processo de produção parecia envolver o controle mais absoluto sobre todo o filme. Em suma, celebravam o diretor do filme como um autor – um artista cuja personalidade ou visão criativa pessoal podia ser lida, temática e estilisticamente através de sua obra. A finalidade da ‘Política de Autores” era distinguir entre diretores como artistas (auteurs) e diretores como meros técnicos (metteurs-en-scène). Assim, para os críticos autoristas, por exemplo, Alfred Hitchock era auteur e Michael Curtiz, metteur-en-scène. Posteriormente, eles destacaram a força criativa e “autoral” de roteiristas, fotógrafos, atores e montadores. Ocasionalmente, até produtores foram vistos como moldando artística e criativamente o estilo dos filmes: o produtor Irving Thalberg da MGM é um exemplo clássico.

A teoria do autor foi criticada por ignorar frequentemente realizadores cujos filmes individuais não faziam parte de uma obra. Ela omitia também realizadores cujos excelentes filmes individuais pareciam não ter nenhuma conexão estilística entre si.  Por outro lado, o crítico autorista às vezes supervalorizava um determinado realizador por causa de seu estilo consistente e identificável, mesmo quando ele era esteticamente banal ou tematicamente desinteressante.

Tal como o sistema de estúdio e o de astros, o sistema de gêneros ajudou a regularizar a produção de filmes e a minimizar os riscos econômicos inerentes à indústria. Os responsáveis pelos estúdios perceberam que, fazendo vários filmes do mesmo gênero por ano, dentro de determinadas fórmulas, poderiam economizar tempo e dinheiro, pois utilizariam os mesmos cenários e figurinos e geralmente as mesmas equipes, criando-se uma rotina que daria maior rapidez às filmagens. Por outro lado, os espectadores sabiam o que esperar de um filme de determinado gênero, porque já estavam familiarizados com o ambiente e o assunto tratado, de modo que o sucesso de cada novo filme era sempre ensejado pela popularidade dos filmes anteriores. O. público que apreciou o primeiro filme voltaria para ver os similares subseqüentes, os quais, portanto, seria de certo modo vendidos antecipadamente.

O filme de gênero é uma forma de expressão coletiva, um espelho voltado para a sociedade, que incorpora e reflete os problemas em comum e valores dessa sociedade. A crítica de gênero, por exemplo, considera que os musicais dos anos 30 podem ser explicados como uma fantasia escapista da Depressão; que o filme noir nos anos 40 expresssa primeiramente as mudanças sociais e sexuais ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial e, depois, a desilusão reinante após o conflito etc. O critíco pode examinar os gêneros e sua relação com a cultura na qual eles foram feitos (v. g.   relação entre um western e o verdadeiro Oeste). Um determinado filme pode sugerir que a chegada da civilização no Oeste trouxe consigo toda corrupção e ganância associada com a vida na cidade – banqueiros, xerifes desonestos – tirando a pureza e inocência associada à vida vivida mais próxima da natureza.

Os ensaios seminais de Robert Warshow sobre o filme de gangster (The Gangster as Tragic Hero) e o western (Movie Chronicle: The Westerner) reunidos no livro The Immediate Experience (Doubleday, 1962) trouxeram uma nova compreensão de filmes há muito ignorados por críticos de cinema mais sofisticados, que não percebiam o seu impacto e as razões de sua popularidade duradoura. Warshow analizou tanto o gênero western como o de gângster como reflexos da sociedade americana e como uma expressão artística sem igual.

Outras formas de abordagem podem ser feitas tais como o estudo das implicações sociais ou psicológicas de um determinado filme ou ciclo de filmes. Por exemplo: ver violência em um filme induz um a pessoa a se tornar violenta? De acordo com a idade, a sensibilidade e demais predisposições cada espectador sofrerá, em diferentes medidas, o impacto daquilo que vê na tela. Naturalmente a receptividade da criança, do adolescente e do imaturo é muito mais aguda.

A percepção de que os filmes produzem efeitos sobre o espectador, sendo capaz de influenciar as massas, fez com que fôsse usado para fins de propaganda política. Embora cineastas como Leni Riefenstahl, Eisenstein e Pudovkin tivessem feito filmes artisticamente importantes, seus filmes eram, antes de tudo, carregados de significado político.

A primeira tentativa de compreender a sociedade descobrindo seus desejos inconscientes reproduzidos na tela foi feita por Sigfried Kracauer no seu estudo From Caligari to Hitler (1957) no qual ele mostra como as forças em ação nos filmes germânicos dos anos 20 e 30 refletem a psique alemã e podem explicar a ascensão de Hitler ao poder. Martha Wolfestein e Nathan Leite em Movies: A Psychological Study (1950) examinaram o filme como representação das fantasias da platéia. Parker Tyler, nos seus livros The Hollywood Hallucination (1944) e Myth and Magic of the Movies, (1967), utilizando a teoria de Freud do subconsciente, analisou o filme como uma corporificação do mito. Hortense Powdermaker em Hollywood, The Dream Factory (1950), abordou o filme do ponto de vista de uma antropologista social.

Os cientistas sociais frequentemente analizam o filme como uma instituição que reflete a estrutura da sociedade na qual foi feito. Eles também tentam descobrir como esta instituição influencia a sociedade em geral, que então, por sua vez, influencia a produção de filmes. Além do livro de Hortense Powdermaker, Film: The Democractic Art (1976) de Garth Jowett mostra o alcance possível deste método.

Existe ainda a abordagem histórica. No seu livro Film History, Theory and Practice (1995, Robert C. Allen e Douglas Gomery identificaram quatro abordagens da história do cinema, que eles denominaram de estética, tecnológica, econômica e social. Kristin Thompson e David Bordwell, no seu Film Art: An Introduction (2003), acrescentam uma quinta categoria – biográfica – àquelas usadas por Allen e Gomery. De fato, não existe uma história do cinema, mas várias histórias possíveis, cada qual adotando uma perspectiva diferente.

A história biográfica é provavelmente a mais popular para o leitor comum. Biografias de astros do cinema, diretores, produtores e chefes de estúdio proliferam, a maioria exaltando-os ou revelando os escândalos nos quais porventura estiveram envolvidos. Mesmo nas biografias mais acadêmicas, há uma tendência para reduzir a história do cinema a histórias de “grandes homens” (v.g. inventores como Thomas Alva Edison e realizadores como D.W. Griffith) aos quais são atribuídos importantes desenvolvimentos tecnológicos ou artísticos no meio, ressaltando a qualidade de “gênio”, que eles supostamente possuem.

A história estética é, simplesmente, a história do filme como uma forma de arte. Os historiadores escolhem os “melhores filmes”, que eles consideram obras de arte, separando-os do resto. Allen e Gomery chamam isto de “a tradição da obra-prima”, que resultou na criação de um cânone de filmes “clássicos” sempre privilegiados nas histórias de cinema, e se tornou evidente na moda das listas dos “maiores” filmes de todos os tempos, propostas em determinadas ocasiões por revistas especializadas na matéria.

A história tecnológica diz respeito à invenção e ao aperfeiçoamento de processos mecânicos necessários para a projeção de imagens em movimento. A maioria das histórias tecnológicas focaliza os momentos-chave no desenvolvimento da tecnologia do cinema (v. g. a introdução do som, cor, tela larga etc.).

A história econômica tem a ver com a organização da indústria cinematográfica como uma prática comercial. Como observaram Allen e Gomery, “deve ser salientado que nenhum filme jamais foi criado fora de um contexto econômico “. Isto é uma verdade tanto para o filme de arte ou de vanguarda como para os recentes blockbusters de Hollywood.  Embora existam muitos exemplos de realizadores para os quais o motivo do lucro não é necessariamente a primeira preocupação, as companhias produtoras e a indústria de cinema como um todo funcionam de acordo com o imperativo comercial de que os filmes são feitos para se ganhar dinheiro.

A história social focaliza o lugar do cinema no âmbito mais vasto da sociedade e da cultura. Ela envolve questões tais como: quem faz os filmes e como eles são feitos (modos de produção); que espécie de filmes são feitos; quem vê os filmes e como eles são avaliados (estudo do público e da crítica); que constrangimentos são impostos ao conteúdo dos filmes (censura); e quais as relações entre a indústria cinematográfica e outras instituições (agências governamentais, grupos de pressão, e assim por diante). Investiga também até que ponto os filmes podem ser vistos como reflexos dos valores, crenças e preocupações das sociedades nas quais são produzidos. E inclui ainda o uso do filme como um instrumento de propaganda e controle social.

Nas últimas décadas, o número de revistas de cinema e os jornais existentes em nosso país foi diminuindo, o espaço reservado às resenhas ou críticas de cinema ficando cada vez menor, e hoje elas só encontram um lugar razoável na internet sob a forma de centenas de blogues, sites ou teses de mestrado. O problema é que a web ensejou a democratização de opiniões, mas também permitiu a manifestação de pessoas sem qualificação suficiente para expor a matéria sobre a qual se expressam ou para produzir um texto claro, preciso e sucinto, sem pedantismo.

 

FRANK CAPRA

maio 25, 2022

Além de ter sido um dos iniciadores de um ciclo de filmes rotulado de “screwball ou madcap comedy” (comédia maluca), ele foi o inventor e o mestre de uma outra forma de comédia em sintonia com os anos da Depressão Econômica norte-americana, as esperanças da classe popular e o espírito otimista do New Deal do presidente Roosevelt, na qual o homem do povo sempre saia ganhando.

Frank Capra

Francesco Rosario Capra (1897- 1991) nasceu na pequena cidade de Bisacquino, Sícilia na Itália, filho de camponeses analfabetos. Quando tinha seis anos de idade, emigrou com os pais, um irmão e duas irmãs para a Califórnia, chamados pelo irmão mais velho Ben, que tinha fugido para a América, alguns anos antes. Foram para a América a bordo da terceira classe do navio Germania, lotado de imigrantes. O pai de Capra trabalhou como lavrador e ele costumava vender jornais para reforçar o orçamento doméstico. Contra a vontade de seus progenitores, não começou a trabalhar assim que terminou o ensino médio. Como tinha aptidão especial para a matemática, matriculou-se na Caltech (Califórnia Institute of Technology), então denominado Throop Polytechnic Institute. Convocado durante a Primeira Guerra Mundial, lecionou matemática para os homens da artilharia em Fort Point, San Francisco até que pegou a gripe espanhola e foi dispensado do serviço militar. Em junho de 1918 formou-se em Engenharia Química mas, não conseguindo emprego fixo, perambulou durante três anos pelo oeste dos Estados Unidos, fazendo biscates, jogando pôquer, tocando guitarra, para se sustentar.

Ao ler em um jornal uma reportagem sobre a inauguração de um estúdio de cinema em San Francisco, Capra foi ao local indicado e, fazendo crer falsamente que viera de Hollywood, conseguiu impressionar o fundador do novo estúdio, Walter Montague.  Este lhe ofereceu 75 dólares para dirigir um filmezinho de 12 minutos baseado em um poema de Rudyard Kipling. Auxiliado por um amigo, Roy Wiggins, cinegrafista de cinejornais, o jovem engenheiro químico conseguiu realizar com 700 dólares e em dois dias The Ballad of Fultah Fisher´s Boarding House, que estreou na Broadway em 2 de abril de 1922 e recebeu os maiores elogios dos resenhistas.

Animado, Capra resolveu aprender o ofício de diretor de cinema, começando pela montagem. Após passar um ano como aprendiz no laboratório de Walter Ball, trabalhando com filmes amadores, obteve por intermédio dele emprego como aderecista na equipe do diretor de comédias curtas Bob Eddy. Dessas comédias participava uma jovem, Helen Howell, com quem se casou. Capra passou depois a montador e foi posteriormente promovido a gag writer (escritor de piadas ou situações cômicas) e seu braço direito no set de filmagem. Um pouco mais tarde, Eddy levou Capra para Hollywood, apresentou-o a seu amigo Bob Mc Gowan, diretor das comédias Our Gang, e assim o jovem aprendiz se dedicou a bolar gags para a famosa série produzida por Hal Roach.

Depois de seis meses no estúdio de Roach, novamente por intermédio de McGowan, Capra foi admitido no Mack Sennett Studio em Edendale, onde colaborou como gag writer nas comédias de Harry Langdon. Quando Langdon foi para a First National, convidou o diretor de suas comédias Harry Edwards para acompanhá-lo e este aceitou, desde que Capra fosse com ele como seu codiretor. Capra por sua vez exigiu que seu colega Arthur Ripley fosse com eles. Assim, em novembro de 1925 eles estavam reunidos com Langdon para a filmagem de seu primeiro longa-metragem, O Andarilho / Tramp, Tramp, Tramp. O filme teve boa acolhida do público e Langdon, achando-se um grande astro, começou a interferir no trabalho de Edwards que, inconformado com esta intromissão, desentendeu-se com ele e indicou Capra para substituí-lo. Capra dirigiu os melhores filmes de Langdon, O Homem Forte / The Strong Man / 1926 e Pinto Calçudo / Long Pants / 1927, porém, tal como Edwards, não aguentou a pretensão e a ingratidão de um ator que eles ajudaram a se firmar no mundo do cinema e acabou sendo demitido. Langdon dirigiu seus próximos três filmes com Arthur Ripley como seu homem de confiança e sua carreira começou a declinar.

Enquanto estava desempregado, Capra conheceu os irmãos Small, Eddie e Morris, donos de uma agência de talentos e estes lhe propuseram a direção de um filme, For the Love of Mike, para o produtor Robert Kane, que seria o futuro gerente do estúdio da Paramount em Joinville, onde foram feitas versões de filmes americanos em várias línguas. Kane havia prometido entregar dez filmes para a First National. Ele entregou nove e esperava financiar este décimo com os lucros auferidos com os nove anteriores; porém os rendimentos não foram suficientes para cobrir todas as despesas do seu último projeto, a filmagem foi convulsionada e o filme resultou em um tremendo fracasso. Entretanto, quando exibido no Brasil com o título de O Filho da Fortuna, o comentarista da revista Cinearte qualificou-o como “um agradável passatempo”. Nessa ocasião Capra divorciou-se de Helen.

Após passar dois anos desempregado, Capra aceitou o convite de Mack Sennett e voltou como gag writer para o estúdio de Edendale. Cerca de doze semanas depois, Morris Small lhe comunicou que Harry Cohn da Columbia, estava à procura dele para dirigir um filme. Cohn o escolhera, por acaso, em uma lista de diretores desempregados. A Columbia era então um dos estúdios da chamada Poverty Row, área entre Sunset e Gower Street onde se situavam as companhias produtoras mais pobres, de modo que os primeiros filmes de Capra nesta companhia (O Meu Segredo / That Certain Thing; Defende Teu Amor / So This is Love?; Esta Vida é uma Comédia / The Matinee Idol; Os Predestinados / The Way of the Strong; O Que a Lei Não Castiga / Say it with Sables), todos produzidos em 1928, foram quickies (feitos em seis semanas por uns poucos mil dólares) porém, graças ao esmero da direção, tornaram-se espetáculos agradáveis.

Ralph Graves, Dorothy Revier e Jack Holt em Submarino

No mesmo ano, a Columbia investiu em um filme classe A, Submarino / Submarine, aventura envolvendo o resgate de uma tripulação presa no fundo do mar. Insatisfeito com o trabalho de Irving Willat, Cohn designou Capra para terminar a filmagem. Ele concordou, desde que pudesse começar tudo de novo e aproveitou muito bem esta oportunidade de substituir um diretor respeitado no meio cinematográfico e dar um passo gigantesco de diretor de quickies para diretor de filmes classe A. Ainda sem som, Submarino, aventura sobre o resgate de uma tripulação no fundo do mar com Jack Holt, Ralph Graves, Dorothy Revier, obteve um grande sucesso e fez as ações da Columbia dobrarem de valor.

Ainda em 1928, Capra dirigiu mais um filme mudo, Mocidade Audaciosa / The Power of the Press, comédia-dramática com Douglas Fairbanks Jr. e Jobyna Ralston e, em 1929, um filme meio-falado, As Duas Gerações / The Younger Generation, melodrama com Jean Hersholt, Lina Basquette, Ricardo Cortez e dois todo-falados, Na Trama das Paixões / The Donovan Affair, policial e comédia com Jack Holt, Dorothy Revier e Asas do Coração / Flight, aventura com Jack Holt, Ralph Graves.

E assim ele foi desenvolvendo seu ofício, fazendo parceria com roteiristas habilidosos (Jo Swerling, Robert Riskin) e técnicos (notadamente o diretor de fotografia Joseph Walker), descobrindo Barbara Stanwyck, realizando sempre filmes interessantes, entre eles seus primeiros trabalhos de maior relevância artística, que estão marcados em granito: 1930 – A Flor dos Meu Sonhos / Ladies of Leisure, drama  e romance com Barbara Stanwyck, Ralph Graves; Com Sol ou Chuva (na TV) / Rain or Shine drama, comédia e romance com Joe Cook, Louise Fazenda; 1931 – Dirigível / Dirigible, aventura com Jack Holt, Ralph Graves, Fay Wray ; A Mulher Miraculosa / Miracle Woman com Barbara Stewart, David Manners; Loura e Sedutora / Platinum Blonde com Jean Harlow, Loretta Yong, Robert Williams. 1932 – A Mulher Proibida / Forbidden, drama e romance com Barbara Stanwyck, Adolphe Menjou, Ralph Bellamy; Loucura Americana / American Madness com Walter Huston, Pat O´Brien, Kay Johnson; O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen, drama, romance e guerra com Barbara Stanwyck, Nils Ashter, Walter Connolly. 1933 – Dama por um Dia / Lady for a Day com Warren William, May Robson, Jean Parker.

Barbara Stanwyck e David Manners em Mulher Miraculosa

A Mulher Miraculosa. Drama satírico, baseado na peça de John Meeham e Robert Riskin, sobre uma evangelista (Barbara Stanwyck) que usa seu poder sobre os fiéis com fins venais, mas depois, redimida pelo amor de um herói de guerra cego (David Manners), se arrepende diante da multidão. Capra foi bem servido pela foto de Joseph Walker e pelo desempenho de Barbara Stanwyck, tanto nas cenas de histeria coletiva no templo como nas mais íntimas com o aviador cego que fora salvo do suicídio pelas pregações da protagonista.

Cena de Loucura Americana

Loucura Americana. Primeiro filme de Capra com roteiro de Robert Riskin, prenunciando a linha do populismo e do herói idealista. Dinâmica performance de Walter Huston como o banqueiro generoso que empresta dinheiro aos clientes atingidos pela Depressão sem lhes pedir garantias, acreditando no caráter deles. Quando seu banco é ameaçado de falência, por causa dos rumores de um desfalque, são os pequenos tomadores de empréstimos que a impedem, aumentando por gratidão os seus depósitos. O espetáculo tinha uma ação rápida e cenas de multidão habilmente encenadas. Nesta época Capra casou-se com Lucille Florence Warner com quem viveria até 1984, quando ela faleceu.

Dama por um Dia. Conto de fadas moderno de Damon Runyon no qual Capra colocou alegria e sentimento. Gângster de bom coração e supersticioso (Warren William) ajuda uma velha e pobre vendedora de maçã, Apple Annie (May Robson) a se passar por uma dama da sociedade, quando ela recebe a visita da filha (Jean Parker), criada em um convento pensando que a mãe era rica. Graças à empatia de Capra com o seu tema e o seu contrôle atrás da câmera, o filme foi indicado para o Oscar assim como o diretor, o roteirista Robert Riskin e a atriz May Robson.

A partir de 1934 começaram a surgir os filmes, que definiram o estilo e a prioridade temática do realizador, o homem comum como seu herói predileto e a relevância de assuntos com fundo social, destacando-se os que se seguem adiante assinalados em traços mais espessos: 1934 – Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night. 1936 – A Vitória Será Tua / Broadway Bill com Warner Baxter, Myrna Loy, Walter Connolly; O Galante Mr. Deeds / Mr. Deeds Goes to Town. 1937 – Horizonte Perdido / Lost Horizon. 1938 – Do Mundo Nada Se Leva / You Can´t Take with You1939 – A Mulher Faz o Homem / Mr. Smith Goes to Washington.

Clark Gable e Claudette |Colbert em Aconteceu Naquela Noite

Aconteceu Naquela Noite. Escrita por Robert Riskin a partir de um conto de Samuel Hopkins, publicado na revista Cosmopolitan, esta excelente screwball comedy de ritmo rápido, engraçada e inventiva conquistou os Oscar de Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado, surpreendendo a todos os membros da produção. Gable foi emprestado por Louis B. Mayer à Columbia como punição disciplinar e fez o filme contrariado. Colbert, cedida pela Paramount, também por castigo, só. aceitou participar, depois que lhe dobraram o salário. Quis porém o destino que os dois astros se “encontrassem” perfeitamente nos respectivos papéis do repórter impetuoso e da herdeira fugitiva, realizando grandes desempenhos. O espantoso sucesso do filme ajudou a transformar a Columbia em um grande estúdio e desencadeou numerosas imitações por toda a década de trinta e até mesmo na de quarenta.

Gary Cooper e Jean Arthur em O Galante Mr. Deeds

O Galante Mr. Deeds. Capra recusou-se a fazer a primeira de suas famosas fantasias populistas com outro ator que não fosse Gary Cooper e, vivendo o aparentemente simplório tocador de tuba de Mandrake Falls, que herda uma grande fortuna e resolve distribuí-la entre os deserdados da vida. Triunfando sobre as forças da corrupção e do cinismo, ele personifica o homem do povo, com o qual o público se identificou. Cooper foi emprestado pela Paramount e Jean Arthur, que interpretava a jornalista Babe Bennett, era da Columbia mesmo. Foi o primeiro filme em que o produtor Harry Cohn permitiu que seu diretor colocasse seu nome antes do título (mais tarde Capra publicaria sua biografia com o nome “The Name Above de Title”). Por Mr. Deeds, Capra foi indicado para o Oscar e recebeu sua segunda estatueta da Academia.

Cena de Horizonte Perdido

Horizonte Perdido. Adaptação, por Robert Riskin, do romance de James Hilton, o filme levou dois anos para se fazer, custou dois milhões de dólares, metade do orçamento anual da Columbia, e foi indicado para o Oscar. Depois de pensar em H. B. Walthall e Charles Laughton para o papel do Grande Lama, líder da utópica comunidade do Tibete com 200 anos de idade, o diretor escolheu Sam Jaffe, então com 38 anos de idade. Harry Cohn achou a maquilagem dele grotesca e experimentaram então novas cenas com Walter Connolly; porém depois, Capra e Cohn optaram por Jaffe. Os cenários modernistas de Stephen Goosson (premiado pela Academia) foram um dos maiores até então construídos em Hollywood e Ronald Colman encaixou-se perfeitamente no personagem do diplomata Robert Conway que, com outros quatro sobreviventes de um desastre aéreo, fica conhecendo a cidade oculta de Shangri-La. A montagem (Gene Milford, Gene Havlick) também foi premiada.

Lionel Barrymore, James Stewart, Jean Arthur e Edward Arnold em Do Mundo Nada se Leva

Do Mundo Nada se Leva. Comédia na linha clássica do diretor, com roteiro de Robert Riskin a partir de uma peça de George S. Kaufman e Moss Hart, mostra uma família excêntrica, cuja neta do patriarca, vovô Vanderhof (Lionel Barrymore), se apaixona pelo filho de um milionário, Mr. Kirby (Edward Arnold), acontecendo deliciosas confusões e a “recuperação” do ricaço para os prazeres simples da vida. James Stewart e Jean Arthur são Alice e Tony, os dois namorados e um  grupo de coadjuvantes formidáveis compõem a família amalucada:  Spring Byington é a filha do velho Vanderhof, que se tornou escritora porque uma máquina de escrever foi entregue na sua casa por engano; Samuel S. Hinds é o marido dela, que fabrica fogos de artifício no porão; Ann Miller, filha dos dois, faz uma dançarina de balé medíocre; Mischa Auer é seu professor russo e Dub Taylor, seu marido, que toca xilofone e imprime dinheiro;  Donald Meek, amigo do velho Vanderhof, vive inventando coisas.  O filme obteve o Oscar e Capra ganhou a estatueta pela terceira vez e Spring Byington concorreu ao cobiçado prêmio da Academia.

James Stewart e Jean Arthur A Mulher Faz o Homem

A Mulher Faz o Homem. Fantasia política, ao mesmo tempo corrosiva e comovente, baseada em história de Lewis R. Foster. Capra pretendia usar Gary Cooper no papel do senador idealista na cruzada contra a corrupção, mas ele tinha outro compromisso. James Stewart substituiu-o, e expressou admiravelmente as virtudes do bom moço americano, Jefferson Smith, jovem ingênuo líder dos escoteiros de uma cidade do interior, atingindo excepcional eloquência nas cenas finais, quando em um discurso de obstrução a um projeto desonesto, fala por horas a fio. Jean Arthur interpreta o papel da secretária que foi designada para trabalhar com Smith em Washington. Com a assistência do diretor de fotografia Joseph Walker e do engenheiro de som Ed Bernds, Capra enfrentou alguns problemas técnicos e chegou a inventar um novo método de se filmar close-ups. A produção ensejou nove indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (James Stewart), Ator Coadjuvante (Claude Rains como o senador corrupto e Harry Carey como o presidente do Senado), Roteiro (Sidney Buchman), Montagem (Gene Havlick, Al Clark), Música Adaptada (Dimitri Tiomkin), Direção de Arte (Lionel Banks) e História Original (Lewis R. Foster), vencendo nesta categoria.

A Mulher Faz o Homem encerrou o contrato de Capra com Cohn e a Columbia. Dave O. Selznick ofereceu-lhe espaço de escritório no seu estúdio Selznick-International e, em agosto de 1939, nasceu a Frank Capra Productions. No primeiro filme da nova companhia, Adorável Vagabundo / Meet John Doe / 1941, distribuído pela Warner Bros., Capra explora mais uma vez o tema do homem comum honesto e bondoso vencendo os poderosos. Furiosa por ter demitida, a jornalista Ann Mitchell (Barbara Stanwyck) inventa uma carta supostamente assinada por John Doe, um leitor desgostoso com o estado atual do mundo e anunciando seu suicídio no dia do Natal. A carta faz muito sucesso, a jornalista é readmitida, e convence um vagabundo, “Long John” Willoughby (Gary Cooper) a representar o papel do personagem imaginário. Este torna-se rapidamente uma figura popular a tal ponto que o diretor do jornal de tendência fascista quer manipulá-lo para obter uma candidatura à presidência da República. Quando John percebe isto, ele se revolta e se torna um herói típico de Capra.

Cena de Este Mundo é um Hospício

Durante a Segunda Guerra Mundial Capra alistou-se no Exército e, convocado pelo General Marshall, realizou a série Por Que Combatemos / Why We Fight (1942-1945) sob o patrocínio do Army Pictorial Service. A série compreendia sete filmes: Prelúdio de Guerra / Prelude to War (premiado com oOscar de Melhor Documentário); Os Nazistas Atacam / The Nazis Strike, Divide e Vencerás / Divide and Conquer; A Batalha da Inglaterra / Battle of Britain; Battle of China; Battle of Russia; War Comes to America. A unidade organizada por Capra lançou também um cine-jornal para as tropas, o Army-Navy Screen magazine e outros filmes inclusive: Know Your Ally: Britain; The Negro Soldier; a produção britânico-americana A Conquista da Tunisia / Tunisian Victory; Know Your Enemy: Japan; Here is Germany (mais detalhes sobre este assunto no meu artigo de 12de junho de 2015). Pouco antes de assumir sua nova função, Capra terminou Este Mundo é um Hospício / Arsenic and Lace (lançado em 1944), comédia macabra muito divertida baseada na peça de Joseph Kesselring, que contava com Cary Grant e Priscilla Lane e um elenco de coadjuvantes formidável: Raymond Massey, Peter Lorre, Edward Everett Horton, James Gleason, Jack Carson e  naturalmente Josephine Hull e Jean Adair, as duas doces idosas que envenenavam velhos solitários por piedade.

Cena de A Felicidade Não se Compra com Donna Reed e James Stewart

Após a guerra, Capra fundou com Samuel Briskin a Liberty Films Inc., da qual faziam parte como sócios William Wyler e George Stevens, e fez seu filme mais célebre, A Felicidade Não se Compra / It´s a Wonderful Life / 1946 (Dist: RKO), conto moral sobre a importância do altruismo e da amizade com uma dimensão fantástica. George Bailey (James Stewart), desistiu de seus sonhos para ajudar os outros. Colocado em uma situação de falência em virtude de seu tio Billy (Thomas Mitchell) por distração ter perdido o dinheiro de sua firma de empréstimos imobiliários a pessoas humildes sem necessidade de garantias e ameaçado de ser processado por Mr. Potter (Lionel Barrymore), um milionário ganancioso, George pensa em se suicidar na véspera de Natal. Neste momento, aparece Clarence (Henry Travers), seu anjo da guarda, para lhe mostrar como seria ruim para todos a vida em Bedford Falls, se ele não tivesse nascido. No desenlace, George se reune com sua família na noite de Natal e verifica que os habitantes da comunidade fizeram uma vaquinha para ajudá-lo a pagar suas dívidas. Esta última obra importante de Capra foi consagrada com cinco indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Ator (James Stewart), Montagem (William Hornbeck),Som.

Os filmes restantes de Capra (1948 – Sua Esposa e o Mundo / State of the Union, comédia-dramática com Spencer Tracy, Katherine Hepburn, Van Johnson. 1950 – Nada Além de um Desejo / Riding High, comédia com Bing Crosby, Collen Gray, Charles Bickford – refilmagem de Broadway Bill. 1951 – Orfãos da Tempestade / Here Comes the Groom, comédia romântica musical com Bing Crosby, Jane Wyman, Alexis Smith. 1959 – Os Viúvos Também Sonham / A Hole in the Head, comédia dramática com Frank Sinatra, Edward G. Robinson, Eleanor Parker. 1961 – Dama por um Dia / Pocketuful of Miracles, comédia dramática com Glenn Ford, Bette Davis, Hope Lange – refilmagem de Lady for a Day) ainda tinham o seu toque, mas não o brilho de suas melhores obras.