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MARCO POLO NO CINEMA E NA TV

Marco Polo (1254-1314) partiu de Veneza em 1271 na companhia do pai e de um tio, voltando em 1295, após uma aventurosa viagem que descreveu em obra famosa. O que não impediu que fosse preso depois pelos genoveses durante as guerras veneziano-genovesas. Durante os dois anos que permaneceu no cárcere, ditou a Rustichello da Pisa – autor de romances de cavalaria – os principais capítulos de seu livro. Filho e sobrinho de ricos negociantes venezianos, um dos maiores viajantes da história, será verdade tudo o que conta de sua fascinante e fabulosa viagem?

Recentemente lí Ignorância – Uma história global (ed. Vestígio, 2023), livro esplêndido de Peter Burke, professor emérito de História Cultural na Universidade de Cambridge, no qual ele aponta o relato das Viagens, de Marco Polo como exemplo famoso de diário de viagem de confiabilidade bastante duvidosa. Diz ele: “A parte mais famosa do livro de Marco Polo é o relato da China na época do Kublai Khan, No entanto se Marco viveu na China durante dezessete anos, como diz o texto, algumas das omissões de sua descrição são extremamente surpreendentes. Essas omissões incluem o chá, os pauzinhos usados para comer, o sistema de escrita, a impressão, a prática dos ‘pés de lotus’ e a própria Grande Muralha”.

Entre outras desconfianças, Burke lembra também que o livro de Marco foi escrito por um ghost-writer que era contador dede histórias profissional, Rustichello da Pisa, que Marco conheceu quando ambos estavam na prisão, em Gênova. Rustichello também escrevia ficção, mais exatamente romances de cavalaria, e o relato de Marco sobre sua chegada à corte do Kublai Khan já até foi comparado por um estudioso italiano aos romances de Rustichello, especialmente seu relato sobre a recepção do cavaleiro Tristão na corte do rei Arthur. Um estudo recente, informa Burke, concluiu que, embora uma expedição anterior de seus tios seja “confiável”, o próprio Marco “provavelmente nunca viajou muito além dos portos comerciais da família no Mar Negro e em Constantinopla.  Sua ignorância sobre o centro e o sul da China em partícular também foi notada.

As Aventuras de Marco Polo

Aventuras de Marco Polo / Adventures of Marco Polo / 1938 com direção de Archie Mayo (substituindo John Cromwel) é o mais famoso dos filmes sobre o viajante veneziano pela presença do grande astro de Hollywood, Gary Cooper. O roteiro, escrito por Robert E. Sherwood, optou pela irreverência, pela paródia mesmo, está cheio de infidelidades históricas que, no entanto, foram emolduradas com suntuosidades (foto de Rudolph Maté, direção de arte de Richard Day). No elenco, além de Cooper, sempre bem em qualquer papel, a pseudo dinamarquesa Sigrid Curie (Sigrid era uma americana do Brooklyn que o produtor Samuel Goldwyn fazia passar por escandinava), o esplêndido vilão, Basil Rathbone, Alan Hale, Binnie Barnes, George Barbier, Ernest Truex e, numa ponta como uma criada … Lana Turner. John Ford dirigiu as cenas de tempestade e da travessia do Himalaia. O filme foi um fracasso de bilheteria e muito criticado por várias razões, entre elas a escolha de Cooper para o papel principal.

Em Marco Polo / Marco Polo ou L’Avventura di un italiano in Cina / 1962, produção ítalo-francesa dirigida por Piero Pierotti e Hugo Fregonese em Cinemascope e Technicolor, o ator americano Rory Calhoun, como Marco Polo, faz uma viagem à China, salva a filha do Khan (Yôko Tani) dos mongóis e ajuda a restabelecer a ordem no país. Em suma: completa desfiguração do herói e ingenuidade das imagens. Numa China muito fantasista, os roteiristas fizeram acontecer uma das muitas aventuras movimentadas atribuídas a Marco Polo apresentado como uma espécie de superhomem ao qual não resistem  nem as mulheres nem  um punhado de inimigos.

Um novo projeto, com requintes de superprodução, sobre as aventuras do corajoso andarilho começou a ser filmado por Christian-Jaque com o título de L’Echiquier de Dieu, tendo Alain Delon no papel principal e Dorothy Dandridge, Michel Simon e Bernard Blier no elenco. Por causa de problemas financeiros, a produção foi interrompida, arquivando-se inclusive uma curiosa e terrível partida de xadrez, com as pedras de tamanho natural, entre Marco Polo e o sultão. Se Marco ganhasse, desposaria a filha de seu adversar: derrotado, perderia a vida. Posteriormente, deu-se andamento ao filme que veio a ser lançado como Marco Polo, o Magnífico / La Fabuleuse Aventure de Marco Polo / 1965, sob a direção de Denis de la Patellière e com Horst Buchholz no protagonista.  O filme tem bons coadjuvantes (Orson Welles, Anthony Quinn, Omar Shariff, Akim Tamiroff, Elza Martinelli, Bruno Cremer, Massimo Girotti), mas o relato afasta-se muito da realidade, mostrando peripécias impossíveis do jovem mercador em missão diplomática de paz junto ao imperador chinês.

O Jovem Marco Polo / Marco / 1973 de Seymour Robbie e Tsugunobu Kotani, tem Desi Arnaz Jr. como Marco Polo, Zero Mostel na pele do Kublai Khan, e é uma aventura musical, combinando ação ao vivo e animação, em coprodução americano-nipônica, filmada em locação no Oriente: mas sem nenhum valor artístico.

A melhor versão, As Aventuras de Marco Polo / Marco Polo / 1983, surge como minissérie feita pela RAI – a televisão estatal italiana – em co-produção com a emissora americana NBC e a TV Dentsu, japonesa, além da colaboração da China. São oito capítulos de uma hora e meia, com minuciosa reconstrução histórica baseada no diário de viagens de Marco Polo. Cenários naturais, máscaras, ritos, armas e vestuário de época são captados admiravelmente pelas lentes de Pasqualino De Santis (Oscar por Romeu e Julieta / Romeo and Juliet / 1968; Morte em Veneza / Morte a Venezia / 1971). Ken Marshall é Marco e Burt Lancaster o papa Gregório X. Bela trilha sonora de Ennio Morricone. O tema central é a embaixada da paz que Marco Polo realizou no século XIII entre a Europa e o Oriente. O diretor, Giuliano Montaldo, fez questão de esclarecer: “É preciso não confundir esse grande viajante com um Cristovão Colombo ou um Stanley que abriram caminhos para os conquistadores. Marco Polo foi em busca do homem”.

No telefilme americano Marco Polo / 2007, dirigido por Kevin Connor, preso em Gênova, Marco (Ian Somerhalder) relata seus dias de juventude na China para um companheiro de cárcere que está morrendo. Ele relembra suas aventuras fantásticas na companhia de seu criado Pedro (B D Young), sua ascenção ao governo na corte de Kublai Khan (Brian Dennehy), seu amor por uma jovem sequestrada (Desiree Siahaan) e sua fuga de volta para a Itália como um homem rico.

Além dos filmes já citados, encontrei: 1956 – The Adventures of Marco Polo, aventura musical dirigida por Max Liebman com dois astros dos musicais da Broadway, Alfred Drake (Marco Polo) e Doretta Morrow (Jovem Mendiga).1972 – Travels of Marco Polo, telefilme de animação australiano dirigido por Leif Gram com Alistar Duncan (voz para Marco Polo); Marco Polo Jr. versus the Red Dragon, filme de animação australiano dirigido por Eric Porter com Bobby Rydell (voz para Marco Polo). 1982 – The Travels of Marco and Friends, episódio da série de TV Voyagers! dirigido por Paul Lynch com Paul Regina (Marco Polo) e Keye Luke (Kublai Khan).1998 – As Incríveis Aventuras de Marco Polo / The Incredible Adventures of Marco Polo, co-produção Ucrania-EUA dirigida por George Erschbamer com Don Diamont (Marco Polo) e Jack Palance e Oliver Reed no elenco. 2001 – Marco Polo, animação historicamente anacrônica em co-produção EUA-Eslováquia- China, dirigido por Ron Merk com Nicholas Gonzalez (voz para Marco Polo). 2008 – In the Footsteps of Marco Polo telefilme, em chave de documentário, dirigido por Denis Bellineau, narrando a jornada extraordinária de duas pessoas comuns, Denis e Francis, que se propuzeram a seguir a rota histórica de Marco Polo. 2013 – The Travels of the Young Marco Polo, também conhecida como Die Abenteuer des jungen Marco Polo, série de TV de animação em co-produção Luxemburgo-Irlanda-Canadá-Alemanha com Elia Francelino (voz para Marco Polo); U potrazi za Markom Polom, minissérie em chave de documentário produzida pela TV da Croácia com Franjo Kuhn (voz para Marco Polo). 2014 – Marco Polo, série de TV americana, dirigida por John Fusco, com Lorenzo Richelmy (Marco Polo) e Benedict Young (Kublai Khan). 2018 – The Adventures of the Young Marco PoloJourney to Madagascar, telefilme de animação em co-produção Alemanha-India-Itália,dirigido por Eckart Finberg e Tony Loeser

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CHARLES BRABIN

Charles J. Brabin (1883-1957) nascido em Liverpool, Inglaterra chegou aos Estados Unidos ainda muito jovem e aquiriu experiência como ator no teatro. Em 1908 ingressou na Edison Company como ator de cinema e três anos depois começou a dirigir filmes para a Edison e várias outras companhias. Seu primeiro filme (no qual dividiu a direção com Walter Edwin, J. Searle Daley e outros), foi What Happened to Mary / 1912, estrelado por Mary Fuller, que embora não fosse o protótipo do seriado (por apresentar em cada episódio um filme independente e completo), tem sido considerado o precursor deste tipo de filme. Em 1914 dirigiu outro seriado, The Man Who Disappeared e, no ano seguinte, o drama Casa Assombrada / The House of the Lost Court e The Raven, cinebiografia de Edgar Allan Poe com o ator Henry B. Walthall como o famoso escritor.

                        Charles Brabin

Seguiram-se na sua filmografia: 1916 – mais um seriado, O Reino Secreto / Secret Kingdom, codirigido com Theodore Marston; A Divorciada / That Sort; The Price of Fame. 1917 – Babette; The Sixteenth Wife; O Filho Adotivo / The Adopted Son; Sangue Americano / Red, White and Blue; Persuasive Peggy. 1918 – No Crepúsculo da Felicidade / Breakers Ahead; Social Quicksands; Um Par de Cupidos / A Pair of His Bonded Wife; Buchanan’s Wife; Aprende a Tua Custa / The Poor Rich Man. 1919 – Thou Shalt Not; Sonho Revelador / Kathleen Mavourneen; A Mulher Serpente / La Belle Russe, estes dois últimos tendo como atriz principal a famosa vampe da tela Theda Bara, que se tornou esposa de Brabin em 1921.

O trabalho de Brabin era tido em alta conta nos anos vinte, quando fez: 1921 – Pesadelos de Nova York ou Olhos Que Falam / While New York Sleeps; Vaidade / Blind Wives. 1921 – Vindita de Cego / Footfalls.1922 – Pavão da Broadway / The Broadway Peacock; Luzes de Nova York / The Lights of New York. 1923 – Irremediável / Driven; Seis Dias Inesquecíveis / Six Days. 1924 – Amor, Destino e Honra / So Big.1925 – Stella Maris / Stella Maris. 1926 – Loucuras da Mocidade / Mismates; A Pequena do Bairro / Twinkletoes. 1927 – O Embuste / Framed; Asas do Destino / Hard-Boiled Haggerty; O Vale dos Gigantes / The Valley of the Giants. 1928 – Ouro do Alasca / Burning Daylight; Almas Danadas / The Whip. 1929 – A Ponte de São Luis Rey / The Bridge of San Luis Rey.

Sua produção independente Irremediável, foi aclamada como obra-prima por vários críticos contemporâneos. Na trama deste melodrama rural, Essie Hardin (Elinor Fair), garota da montanha, se muda com os Tolliver, uma família de contrabandistas vizinha, quando seu pai, John Hardin (Leslie Stowe), também contrabandista, é morto supostamente por agentes federais. Ela se apaixona por Tom (Emmett Mack), o irmão mais moço da família Tolliver; porém o outro irmão, o violento e brutal Lem (George Bancroft), o verdadeiro assassino de John Hardin, decide que também a quer para si. Tom é muito espancado por Lem e este, logo após a briga, anuncia sua intenção de se casar com Essie. Mrs.Tolliver (Emily Fitzroy) tenta impedir Lem revelando aos agentes federais o paradeiro dos Tolliver. Mrs. Tolliver então recebe a recompensa e manda Tom e Elsie embora com ela.

Outro filme de Brabin muito elogiado foi A Ponte de São Luis Rey. Baseado no romance de Thorton Wilder com ação no Peru do século XVII, conta como cinco vítimas do desabamento de uma ponte tinham ido parar lá, naquele momento. Nos créditos constam os nomes de Lili Damita, Raquel Torres, Duncan Renaldo, Ernest Torrence, Emily Fitzroy, Henry B. Walthall, Don Alvarado e de Cedric Gibbons, que conquistou o Oscar de Melhor Direção de Arte pelo seu trabalho.

Como resultado desta e de várias outras produções de prestígio, Brabin foi convidado para dirigir o projeto mais ambicioso da era, Ben-Hur. Entretanto, após muitos dias de filmagem foi afastado pela nova direção da recém-formada MGM e a tarefa foi entregue a Fred Niblo. Segundo consta, Brabin não deixou que a toda poderosa roteirista e alta executiva da MGM, June Mathis, interferisse no seu trabalho e, depois de vários problemas ocorridos com a produção, tudo o que filmou foi considerado inútil. Brabin processou o estúdio, pedindo meio milhão de dólares por danos.

Terra Virgem

Em 1930 ele foi recontratado pela MGM e dirigiu vários filmes para o estúdio: 1930 – O Veleiro de Shanghai / The Ship from Shanghai; Sevilha de Meus Amores / Call of the Flesh.1931 – Terra Virgem / The Great Meadow; Lealdade / Sporting Blood. 1932 – A Fera da Cidade / Beast of the City; New Morals for Old; O Homem Poderoso / The Washington Masquerade; A Máscara de Fu Manchu / The Mask of Fu Manchu; Rasputin e a Imperatriz / Rasputin and the Empress (Brabin iniciou a filmagem e foi removido por ineficiência pelo chefe de produção Irving Thalberg, tendo sido substituído por Richard Boleslawski); 1933 – O Segredo de Madame Blanche / The Secret of Madame Blanche; Beijos por Dinheiro / Stage Mother; O Juízo Final / Day of Reckoning. 1934 – Promessa de Mãe / A Wicked Woman.

A Máscara de Fu Manchu

Nenhum destes filmes foi arrebatador, mas também nenhum deles pode ser considerado ruim, sobressaindo: Terra Virgem, western com bela fotografia da natureza campestre sobre pioneiros da Virginia atravessando as montanhas em direção ao Kentucky; A Máscara de Fu Manchu, aventura de horror divertida valorizada pela presença de Boris Karloff como o chinês sinistro imaginado por Sax Rohmer e de Myrna Loy como sua filha deliciosamente malvada; e principalmente A Fera da Cidade, drama criminal escrito por W. R. Burnett, no qual um capitão da polícia ( Walter Huston), modelo de retidão cívica, enfrenta o crime organizado usando métodos brutais e violentos.

A Fera da Cidade

O final é singularmente cruel. A corrupção atinge até o irmão mais jovem (Wallace Ford) do capitão, um detetive infiltrado na gangue através da ligação com a companheira do chefe do bando (Jean Harlow, esplêndida). O capitão lhe oferece uma chance de se redimir: o chefe da gangue deve ser provocado para alvejar o irmão, a fim de que uma força policial (verdadeiros vigilantes) tenha justificativa para invadir a fortaleza clandestina. Em um tiroteio climático, a quadrilha é exterminada pelos policiais, e os irmãos morrem de mãos dadas.

Em 1935 Brabin se aposentou do cinema e se mudou para Manhattan, onde passou o resto da vida com a esposa, até sua morte.

 

 

 

 

 

 

PRIMEIROS ARTISTAS EMIGRADOS EM HOLLYWOOD

Um filme americano dos anos vinte e trinta geralmente tinha um diretor de arte ou um compositor de Viena ou Berlim. Um de seus roteiristas provavelmente seria um húngaro e seu cameraman um alemão. Alguns britânicos estariam no elenco juntamente com atores poloneses, tchecoslovacos ou suecos; e havia diretores austríacos como Erich von Stroheim e Josef von Sternberg, alemães como Ernst Lubitsch e F. W. Murnau, entre outros de outras nacionalidades como, por exemplo, o húngaro Michael Curtiz.

Nas suas expedições anuais durante os anos vinte os magnatas de Hollywood trouxeram os melhores artistas europeus, uma prática facilitada por acordos como o “Par-UFA-Met”, sob o qual a Paramount e a Metro-Goldwyn-Mayer ganharam o controle do maior estúdio germânico, Universum Film AG. (UFA) e seu brilhante staff. Em troca de um empréstimo de 4 milhões de dólares a UFA celebrou um acordo de distribuição, com a MGM e a Paramount sobre direitos de distribuição pelo qual o grande estúdio alemão se comprometeu a comprar 20 filmes de cada parceiro americano anualmente e reservar 75% (percentagem depois reduzida para 50%) do tempo de exibição para eles na sua cadeia de cinemas. A Paramount e a MGM cada qual compraria dez filmes da UFA por ano, para serem distribuídos nos cinemas americanos – com a condição onerosa de que eles “atendessem aos gostos dos espectadores americanos”. Os escritórios da Universal e da Warner Bros distribuíam contratos promiscuamente, muitas vezes apenas para manter talentos promissores longe de seus concorrentes.

Erich von Stroheim

Erich von Strohein contou uma história muito elaborada de sua fuga de Viena difícil de engolir. “Erich von Stroheim -Tenente Erich Oswald Carl von Stroheim von Nordenwald da Academia Militar Imperial Mariahilfe como se apresentava -disse para seus amigos que seu tio, tendo saldado uma dívida de alguns milhares de coroas, que ele contraíra, ele, von Nordenwald, fora obrigado a deixar o serviço de sua Majestade Imperial Franz Joseph, condição imposta pelo seu tio. O mesmo tio, o obrigou a emigrar para a América em 1909”. Após sua morte a verdade sobre os primeiros dias de Stroheim foi sendo revelada aos poucos. Nos anos sessenta o jornalista belga Denis Marion descobriu que a família de Stroheim era judia e que seu pai tinha uma chapelaria em Viena. Em 1896, o professor de História austríaco Gernot Heiss publicou o primeiro relato preciso sobre a carreira militar de Stroheim: educado numa escola de comércio para assumir o negócio da família, ele se alistou como voluntário em um regimento de treinamento às suas próprias custas, chegou ao posto de cabo, mas sua carreira militar austríaca se encerrou quando foi considerado incapaz de portar armas. Finamente, o historiador holandês Arthur Lenning revelou que Stroheim foi classificado como incapaz para o serviço militar. Stroheim realizou algumas obras-primas do cinema americano mudo como Ouro e Maldição / Greed / 1924, Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928, Minha Rainha / Queen Kelly / 1929.

Ouro e Maldição

Marcha Nupcial

Minha Rainha

A maioria dos exilados húngaros tinham motivos menos passivos para fugir de   casa. Em 1920 quando o regente Miklós Horthy assumiu o poder e impôs um regime repressivo, Mihály Kertész foi para a Austria e ingressou na Sasha-Film, a maior companhia produtora austríaca no período silencioso e início do sonoro. Nesta companhia ele fez entre outros o superespetáculo Die Sklavenkönigin / 1924. Lançado nos EUA como Moon of Israel e no Brasil como Lua de Israel, o filme chamou a atenção de Harry Warner. Ele e seu irmão Jack contrataram o diretor, mudaram seu nome para Michael Curtiz, e aí teve início uma belíssima carreira, que culminou com o clássico Casablanca / Casablanca / 1942.

Michael Curtiz

Lua de Israel

Josef von Sternberg

Paixão e Sangue

A Última Ordem

Josef von Sternberg nasceu com o prenome de Jonas, sem o aristocrático “von” em Viena, numa família judia. O “von” foi acrescentado em 1924 pelo ator-diretor Elliott Dexter para os créditos de Por Direito Divino / By Divine Right, filme dirigido por Roy William Neill, no qual Sternberg trabalhava como co-roteirista e assistente de direção. Aos sete anos de idade, o menino austríaco chegou aos Estados Unidos, para onde o pai emigrara em busca de fortuna. Decorrido algum tempo, a família retornou à terra natal; mas, em 1908, estava de novo na América. Em 1914 Sternberg empregou-se na World Film Corporation, nos estúdios de Fort Lee, New Jersey, onde começou exercendo a função de remendão de filmes, depois passou a montador, roteirista e assistente de direção. E chegou a ser consultor do patrão, William A. Brady. Iniciou assim uma trajetória artística brilhante, realizando obras imortais da cena muda como Paixão e Sangue / Underworld / 1927 e A Última Ordem / The Last Command / 1928.

Ernst Lubitsch

Mary Pickford em Rosita

Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, o berlinense  nascido numa família judaica Ernst Lubitsch,  já conhecido internacionalmente por seus dramas de época em grandes produções, partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchel Leisen) como Margarida, mas sua mãe a proibiu de atuar no filme no qual uma jovem mata seu bebê. Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan), tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época inspirado na peça francesa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atrai a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn), porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado. Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela. O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.Entretanto, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, foi saudado como obra-prima. Em uma sessão no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente. O percurso cinematográfico de Lubitsch em Hollywood seria formidável, principalmente com suas comédias sofisticadas onde se distinguia o seu famoso “toque”.

F. W. Murnau

Quando Murnau chegou na América em julho de 1926 para trabalhar na Fox Corporation (depois de recusar convites feitos pelas firmas concorrentes Famous Players e Metro-Goldwyn), ele era conhecido quase que exclusivamente como diretor de A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924, o único dos seus dezessete filmes feitos até então, que havia sido distribuído nos Estados Unidos (Fausto / Faust, Eine deutsche Volkssage, que acabara de ser completado estreou em Nova York em dezembro de 1926; Tartufo / Herr Tartüff  realizado entre os dois filmes citados, foi lançado em julho de 1927; Nosferatu, eine Symphonie des Gravens, lançado no Brasil com o título de O Lobishomem, somente chegou ao público em junho de 1929. A Última Gargalhada, e depois Fausto, conferiram uma grande reputação artística ao diretor germânico e ao ator Emil Jannings, que também seria acolhido por Hollywood.

 A Última Gargalhada

Em um encontro com Winfield R. Sheehan, gerente geral da Fox, ocorrido em Berlim, ficou ajustado que o primeiro filme de Murnau na companhia seria baseado em uma novela curta de Hermann Sudermann, “Die Feise nach Tilsit” (Viagem a Tilsit. Murnau obteve o controle criativo completo da produção bem como permissão para trazer Carl Mayer como roteirista e Rochus Gliese como diretor de arte e Herman Bing (que no futuro seria o engraçadíssimo Zizipoff de A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934 de Ernst Lubitsch) como assistente de direção.

Aurora

Carl Mayer preferiu voltar para o seu país, enviando depois um roteiro em alemão, traduzido por Hermann Bing para o inglês com o título de The Song of Two Humans, que acabou se convertendo no subtítulo do filme, porque Murnau preferiu dar à sua obra o título de Sunrise (denominado no Brasil Aurora), e fazer alterações na história original. Tornou-se um grande clássico do cinema mudo, admirado mundialmente.

Murnau viajou de férias para a Europa em 25 de março de 1927 e, no seu retorno, celebrou um contrato de cinco anos com a Fox, pois o estúdio havia cumprido sua promessa de não interferir no seu trabalho e ele acreditava que isso seria para sempre. Todavia, tal não ocorreu, e quase dois anos mais tarde dariam fim a este contrato.

DICK TRACY NO RÁDIO, NO CINEMA E NA TV

Criado pelo cartunista Chester Gould em 1931, ele foi o herói da primeira tira de quadrinhos policial realista. Violenta, brutal, muitas vezes cruel, ela desempenhou um papel importante na História dos Quadrinhos Americana, quebrando muitos tabus. Sua influência tem sido perceptível em outras tiras de detetive, que se inspiraram intensamente em sua trama e em suas técnicas, e nela podemos encontrar convenções visuais do filme noir.

Chester Gould e seu personagem

Os primeiros adversários de Tracy era vilões convencionais da ficção pulp e cinematográfica: gângsteres, assassinos, sequestradores, assaltantes de bancos, falsificadores, advogados de quadrilhas, etc. Gradualmente estes foram substituídos por uma galeria de criminosos grotescos, com seus rostos estampando uma deformidade bizarra ou maneirismos apropriados para seus nomes como, por exemplo, Pruneface (chamado Cara de Ameixa no Brasil), que tinha o rosto enrugado tal qual a fruta. A maioria destes incríveis e estranhos vilões, retratados pelo traço duro caricatural de Gould, encontraria sempre um fim tão horrível quanto suas ações. Outra particularidade da tira de Dick Tracy era o uso pelo detetive de alta tecnologia para a época como o famoso rádio-comunicador de pulso. Além de tiras diárias em dezenas de jornais, Dick Tracy foi publicado no Brasil pela Saber, em forma de livros, pela nova versão do Gibi e pelo Suplemento Juvenil

O seriado Dick Tracy foi transmitido inicialmente pela estação de rádio NBC New England em 1934, passando depois sucessivamente para as emissoras CBS, Mutual, NBC e ABC. Bob Burlen foi o primeiro Dick Tracy do rádio na transmissão de 1934, sendo que o personagem foi ouvido depois pelas vozes de Barry Thomson, Ned Wever e Matt Crowley.

Ralph Byrd como Dick Tracy

No cinema surgiram inicialmente quatro seriados da Republic: Dick Tracy, o Detetive / Dick Tracy / 1937 (Dir: Ray Taylor, Alan James), A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1938 (Dir: William Witney, John English), Novas Aventuras de Dick Tracy / Dick Tracy’s G-Men / 1939 (Dir: W. Witney, J. English), Dick Tracy contra o Crime / Dick Tracy vs. Crime, Inc. / 1941 (Dir: W. Witney, J. English), todos protagonizados por Ralph Byrd, escolha muito feliz para encarnar o herói. No terceiro seriado encontrava-se uma atriz chamada Phylis Isley que depois mudaria seu nome artístico para… Jennifer Jones.

Depois foram realizados quatros filmes B pela RKO: Dick Tracy, o Audacioso / Dick Tracy / 1945 (Dir: William Berke), O Punhal Sangrento / Dick Tracy vs. Cueball / 1946 (Dir: Gordon Douglas), Dick Tracy em Luta / Dick Tracy’s Dilema/ 1947 (Dir: John Rawlings), Dick Tracy contra o Monstro / Dick Tracy Meets Gruesome (Dir: John Rawlings), os dois primeiros com Morgan Conway como Dick Tracy e os dois seguintes com Ralph Byrd retomando o papel do detetive. No último convém notar a presença marcante de Boris Karloff assumindo as feições do vilão Gruesome.

Na televisão foram ao ar pela ABC: Dick Tracy /1950-51 série de seis episódios com Ralph Byrd, que iria falecer em agosto de 1952, aos 43 anos de idade, vitimado por um ataque cardíaco; The Dick Tracy Show / 1961, série de animação produzida pela UPA na qual Everett Sloane emprestava a voz para o detetive que, desempenhava mais ou menos um papel incidental no espetáculo, deixando para seus auxiliares, especialmente criados para a série, a tarefa de enfrentar os criminosos, entre eles Hamlock Holmes, um buldogue inglês que falava como Cary Grant; The Famous Adventures of Mr.Magoo / 1964-65, outra série de animação desta vez com adaptações de histórias clássicas para crianças, aparecendo numa delas, Mr.Magoo’s  Dick Tracy and the Mob, a figura de Tracy mais uma vez com a voz de Everett Sloane; Archi’es TV Funnies / 1971-1973, série na qual  o personagem dos quadrinhos Archie e sua turma apresentam desenhos animados adaptados de comics populares como Dick Tracy.

Warren Beatty e Madonna em Dick Tracy 1990

Em 1990 os estúdios Disney lançaram Dick Tracy / Dick Tracy, versão milionária e supercolorida (fotografada por Vittorio Storaro) dos quadrinhos de Gould, dirigida e estrelada por Warren Beatty. Apesar do alto investimento, da farta campanha publicitária e da participação no elenco de Madonna, Al Pacino, Dustin Hoffman e James Caan e o veterano R.G. Armstrong como o vilão Cara de Ameixa (depois de cogitado Ronald Reagan), o filme não agradou aos críticos. Mas a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas concedeu-lhe quatro indicações (Melhor Ator Coadjuvante / Al Pacino; Fotografia, Figurinos, Som e três Oscar (Direção de Arte, Maquiagem, Canção Original).

Dick Tracy e Flattop

Frank Sinatra, Jerry Colona e Bob Hope no Command Performance

Encerro este artigo com uma curiosidade: em 15 de fevereiro de 1945 o Command Performance, programa de rádio transmitido durante a guerra pela Armed Forces Radio Network (AFRS), apresentou uma comédia musical em tom de paródia, Dick Tracy in B-Flat, com Bing Crosby como Tracy, Bob Hope como o vilão Flattop, aquele com a cabeça grande e achatada no topo (chamado de Pastinha no Brasil por causa do seu penteado) e Dinah Shore como Tess Trueheart, a namorada do detetive. Participaram do show outros artistas como Jerry Colona, Judy Garland, Jimmy Durante, Andrew Sisters, Frank Morgan, etc.

DON QUIXOTE NO CINEMA E NA TV

Com sua figura grotesca e patética – que luta contra moinhos de vento e depõe sua espada aos pés de Dulcinéia, uma criada vulgar de estalagem de beira de estrada – dom Quixote de la Mancha ofereceu a Cervantes um pretexto para ridicularizar os romances de cavalaria, gênero literário cujas implausibilidades e estilo pomposo o escritor deplorou.

Insólito e anacrônico defensor da paz, do amor e da justiça, montado em seu esquelético cavalo Rocinante, causando inúmeros atropelos, dom Quixote permanece até hoje uma criação ímpar, interessando estudiosos, artistas e cineastas. Construído em dois níveis – a realidade e o mundo imaginário – é o retrato simbólico da Espanha do século XVII, da vida cotidiana do povo, proposto por Cervantes numa admirável variedade de tipos e episódios tragicômicos.

Para alguns analistas, dom Quixote e Sancho Pança personificam as duas faces conflitantes da personalidade humana arrastada, ora pela ilusão, ora pela crua realidade. Anti-herói ridículo, metido numa velha armadura de lata, ele oferece um pouco de sonho e de loucura que Sancho tenta contrabalançar com seu rude bom senso.

O gênio de Cervantes levou muitos a colocarem-no ao lado de Dante e Shakespeare. Influenciou, aliás, inúmeros autores mais modernos que neles se inspiraram, sem jamais o igualarem.

Foi na França, a partir de 1902, que se realizaram as primeiras adaptações da obra-prima de Miguel de Cervantes, entre elas as de Ferdinand Zecca / Lucien Nonguet, George Mélìes, Emile Cohl, Paul Gavaut e Camille de Morlhon, esta última já em 1913, com Claude Garry como dom Quixote, Vallez como Sancho Pança e Léontine Massart como Dulcinéia.

Na Espanha, data de 1908, o primeiro Don Quijote de la Mancha, dirigido pelo pioneiro Narciso Cuyás. Na Itália, em 1915, Amleto Palermi fez Il Sogno di Don Chischiotte que, segundo Robert Paolella, era “uma produção patriótica contra os impérios da Europa Central”. No mesmo ano, D.W.Griffith, na recém-formada Triangle, supervisionou Don Quixote, de Edward Dillon, estrelado por um ator de renome no teatro, DeWolf Hooper (dom Quixote), Max Davidson (Sancho Pança) e Fay Tincher (Dulcinéia). As derradeiras versões silenciosas foram as do inglês Maurice Elvey / 1923 com Jerrold Robertshaw (dom Quixote), George Robey (Sancho Pança) e Minna Leslie (Dulcinéia) e a do dinamarquês Lau Laritzen / 1926 com a dupla Carl Schenstrom e Harald Madsen, que ele costumava dirigir em comédias curtas da firma Palladium.

Don Quixote com Chaliapin

No período sonoro, em 1933, G. W.  Pabst rodou na França um filme com roteiro de Paul Morand e Alexandre Arnoux, colocando o célebre tenor Fiodor Chaliapin como dom Quixote. O grande cineasta não captou o universo do “Cavaleiro da triste figura”. Como observou Ángel Zúñiga, “a tela nos mostra um dom Quixote desprovido de fantasia e, no conjunto, o filme não tem unidade nem equilíbrio”. Muitos acharam-no enfadonho, mas elogiando a belíssima fotografia do húngaro Nikolas Farkas, que depois se tornaria diretor (A Batalha / La Bataille / 1934; Varietés / Varietés / 1935; Port Arthur / Port Arthur / 1936).

Nos Estados Unidos, em 1934, Ub Iwerks, o prodigioso colaborador de Walt Disney, fez, por conta própria, e dentro da série Comicolor Cartoons, um desenho animado sobre o personagem de Cervantes; no gênero, somente em 1962, voltaria ele a ser visto numa animação iugoslava de Vlado Kristi.

Rafael Rivelles como Don Quixote

Em 1947, novamente na terra do romancista criador de Dom Quixote, Rafael Rivelles personificou o andarilho visionário no filme de Rafael Gil que Fernando Méndez-Leite disse possuir “um realismo e dignidade artística impressionantes”. No mesmo ano, surgiu nas telas Dulcinea de Luis Arroyo com Ana Mariscal como Dulcinéia.

Na década seguinte, em 1952, foi transmitida a série de TV da CBS Don Quixote com direção de Sidney Lumet tendo Boris Karloff como dom Quixote e Grace Kelly como Dulcinéia. As gravuras de Gustave Doré (ilustrador de vários clássicos da literatura entre eles o Don Quixote de Cervantes), foram por sua vez objeto de um curta-metragem de Raymond Voinquel com oito minutos de duração, realizado em 1954 e narrado por Jean Marchat. Orson Welles, em 1955, iniciou um projeto com Mischa Auer (depois substituído por Francisco Reiguera) e Akim Tamiroff (Sancho), infelizmente inacabado. O filme foi eventualmente montado por Jesus Franco e lançado como Dom Quixote em 1992.

Don Quichotte de Orson Welles

Em 1956, Israel produziu Dan Quihote V’ Sa’adia Pansa, dirigido por Nathan Axelrod e exibido nos EUA como Don Quixote and Sa’ad olz Pancha. Em 1957, em Dom Quixote / Don Kikhot, Grigori Kozintzev conseguiu apreender a essência da obra de Cervantes, valendo-se das ilustrações de Gustave Doré para as caracterizações e usando o notável ator Nikolai Cherkassov (Cavaleiros de Ferro / Aleksander Nevski / 1938, Ivan, o Terrivel / Ivan Grozny /1945) como dom Quixote. Mas o filme trazia a marca do academicismo que dominou a obra do velho teórico futurista (fundador da FEKS, Fábrica do Ator Excêntrico), expressionista (Nova Babilônia / Novyy Vavilon / 1923) e mestre do realismo socialista (Trilogia de Máximo / 1935-39) nos últimos anos de sua vida.

Nos anos sessenta, na televisão italiana, Carlo Rim fez, em 1964, Dulcinea del Toboso com o ator Joseph Meinrad como dom Quixote.  Na televisão francesa, Éric Rohmer dirigiu Don Quichotte, documentário de 22 minutos de duração.

O Homem de La Mancha com Peter O’Toole

Nos anos setenta, foram apresentados nas telas dos cinemas em 1972, O Homem de la Mancha / Man of La Mancha, versão musical de Arthur Hiller com Peter O’Toole como Don Quixote, Sophia Loren como Dulcinéia e James Coco como Sancho Pança; em 1973, o mexicano Roberto Gavaldón filmou na Espanha a sátira Dom Quixote é uma Parada / Don Quijote Cabalga de Nuevo com Fernando Fernán Gómez (dom Quixote), o popular cômico Cantinflas (Sancho Pança) e Maria Fernanda D’Ocon (Dulcinéia). Ainda no mesmo ano, na Austrália, sob direção de Rudolf Nureiev e Robert Helpmann, foi filmada uma adaptação do balé de Marius Petipa, contando com o corpo de baile do Balé Australiano e a foto em eastmancolor do inventivo cinegrafista Geoffrey Unsworth (Oscar por Cabaret / Cabaret / 1972) e, na televisão britânica, Alvin Rakoff convocou Rex Harrison para interpretar o engenho fidalgo em dois episódios da série BBC Play of the Month. Em 1979, na televisão espanhola, Cruz Delgado e José Romagosa criaram uma série de animação de 40 episódios, utilizando na dublagem as vozes de Fernando Fernán Gómez (dom Quixote) e Antonio Ferrandis (Sancho Pança).

Don Quixote é uma parada com Cantinflas

Nos anos oitenta, a televisão japonesa pôs no ar a minissérie de animação Zukoke Knight: Donderamancha / 1980 com as vozes de Mamy Koyama (Dulcinéia) Kenji Utsumi (dom Quixote) e Setsuo Wakui (Sancho Pança); a televisão russa exibiu Tskhovreba Don Kikhotisa da Sancho Panchosi / 1988 com Kakhi Kavsadze (dom Quixote) e Mamuka Kikaleishivili (Sancho Pança) sob a direção de Rezo Chkheidze; o ex-pintor Robert Lapoujade concebeu um longa-metragem de marionetes, Les Mémoires de Don Quichotte / 1980, com música de Claude Nougaro e Romain Didier, que ficou inacabado.

Nos anos noventa, em 1991-1992, a televisão espanhola mostrou a minissérie El Quijote de Miguel de Cervantes, abrangendo apenas a primeira metade do famoso romance de Cervantes com Fernado Rey (dom Quixote) e Alfredo Landa (Sancho Pança), dirigidos por Manuel Gutiérrez Aragón. O roteiro foi escrito por Camilo José Cela, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura.

Donkey Xote

O Homem que Matou Don Quixote

Em 2000, surgiu Don Quixote / Don Quixote, telefilme americano dirigido por Peter Yates com John Lithgow (dom Quixote), Bob Hoskins (Sancho Pança) e Vanessa Williams (Dulcinéia). Em 2006, Honra de Cavalaria / Honor de Caballeria, filme espanhol com uma visão minimalista da história de dom Quixote, dirigido por Albert Serra, com Lluís Carbó (dom Quixote) e Lluís Serrat Masanellas (Sancho Pança). Em 2007, Donkey Xote, animação espanhola de Jose Pozzo, na qual quem conta a história é o cavalo de Sancho Pança, Rucio, que insiste que o cavaleiro não era tão louco e fora do comum como muitos pensam. Em 2018, chegou às telas finalmente  O Homem que Matou Dom Quixote / The Man Who Killed Don Quixote que Terry Gilliam vinha preparando há muito tempo, com José Luis Ferrer (dom Quixote), Ismael Fritschi (Sancho Pança) e Adam Driver como Toby Grummett, diretor de cinema desiludido que é puxado para um mundo de fantasia quando um sapateiro espanhol acredita ser Sacho Pança.

Já o próprio Cervantes aparece no cinema, vivido por Horst Buchholz em O Jovem Rebelde / Cervantes / 1967, biografia romantizada dirigida por Vincent Sherman, conhecido cineasta da Warner. A trama envolve negociações diplomáticas com o sultão Jassan Bey (José Ferrer), problemas com o amor da cortesã Giulia (Gina Lollobrigida).

Lee J. Cobb como Cervantes

Lee J. Cobb havia encarnado Cervantes e dom Quixote num teleteatro da série Dupont Show of the Month, produzido em 1959 e escrito por Dale Wasserman, no qual foi baseado o musical da Broadway. O texto de Wasserman também inspirou o já citado filme O Homem de la Mancha / Man of  la Mancha / 1972, com Peter O´Toole. Sem ter a profundidade e o lirismo do original literário, tão complexo no plano humano, dramático e poético, o espetáculo transmite as idéias básicas da peça. Entre elas, a crítica a muitos conceitos estabelecidos pela sociedade que despreza quase sempre os idealistas, alimentados por “sonhos impossíveis”, sonhos de paz e liberdade.

HERBERT BRENON

Ele foi um dos diretores mais importantes dos primórdios do Cinema Americano. Porém, quando parou de fazer filmes (mais de uma centena deles), parece que ninguém sentiu sua falta (seu nome não consta de muitos dicionários de cinema) e, com tanto de seu trabalho principal desaparecido, ficou difícil de reviver sua reputação. Uma das minhas grandes frustações como cinéfilo foi ter visto apenas três filmes dele em cópias razoáveis que, por sorte, estão entre seus melhores trabalhos como cineasta: Peter Pan / Peter Pan / 1924, Beau Geste / Beau Geste / 1926 e Ridi, Pagliacci / Laugh Clown Laugh / 1928.

Herbert Brenon

Alexander Herbert Reginald St. John Brenon (1880 – 1958) nasceu em Dublin, Irlanda. Em 1882, a família mudou-se para Londres, onde Herbert foi educado na St. Paul’s School e no King’s College. Em 1896, aos dezesseis anos de idade, ele emigrou com seus pais para os Estados Unidos. No final da adolescência, Brenon serviu como office-boy para o agente teatral Joseph Vion e como call boy (rapazinho de recados) no Daly’s Theatre na Broadway.  Ainda na casa dos vinte anos, e antes de se tornar diretor de cinema, apresentou-se no vaudeville com sua esposa Helen Oberg, que usava o nome artístico de Helen Downing, e administrou um nickelodeon (nome dado aos primeiros cinemas) em Johnstown, pequena cidade da Pennsylvania.

Aos 29 anos de idade, Brenon começou a escrever roteiros e a montar filmes para a Independent Moving Pictures Company (IMP), que se tornaria depois Universal Studios. Em 1912, dirigiu seu primeiro filme (de um rolo) All For Her, no qual funcionou também como roteirista e ator, e o primeiro filme de três rolos da IMP, Leah the Forsaken, cuja atriz principal era Leah Baird. No final do ano, foi mandado para a Europa, onde realizou filmes importantes como, por exemplo, Ivanhoe / 1914, filmado a Inglaterra com King Baggot no papel título, Leah Baird como Rebecca, Walter Thomas como Robin Hood e o próprio Brenon como o pai de Rebecca, Issac de York. Brenon fez também Absinthe / 1914 na França e vários filmes na Alemanha.

Anette Kellerman em A Filha de Netuno

Noivas de Guerra com Alla Nazimova

Anette Kellerman em A Filha dos Deuses

Na sua volta para os Estados Unidos, produziu o épico de sete rolos, A Filha de Netuno / Neptune’s Daughter / 1914, fantasia aquática estrelada por Anette Kellerman, que foi um tremendo sucesso e Noivas de Guerra / War Brides / 1916 com Alla Nazimova. Logo após, Brenon deixou a IMP para criar sua companhia produtora de curta duração, Tiffany Film Corporation. O primeiro filme desta companhia, The Heart of Maryland / 1915, foi um dos primeiros feitos na Califórnia. No mesmo ano, Brenon e Annette Kellerman foram contratados pela Fox. Neste ano e estúdio Brenon dirigiu Theda Bara em As Duas Orfãs / The Two Orphans e A Sonata de Kreuzer / The Kreutzer Sonata e em seguida decidiu superar seu sucesso com um filme de Kellerman, numa espécie de continuação, Uma Filha dos Deuses / A Daughter of the Gods / 1916. Entretanto, suas despesas extravagantes na filmagem levando a um imenso estouro de custos enfureceu William Fox, que resolveu montar o filme ele mesmo e retirar o nome de Brenon dos créditos.

 

Norma Talmadge em Flor de Paixão

Pola Negri em A Dançarina Espanhola

Mary Brian e Betty Bronson em Peter Pan

Esther Ralston e Betty Bronson em Os Mil Beijos de Cinderela

Cena de Beau Geste

Lon Chaney e Loretta Young em Ridi, Pagliacci

Após seu litígio com Fox, Brenon continuou a dirigir filmes para vários estúdios (entre eles Flor de Paixão / Passion Flower / 1921 com Norma Talmadge)  e então foi para a Paramount onde, no auge de seu poder criativo, dirigiu alguns de seus trabalhos mais elogiados no período 1923-1926: A Dançarina Espanhola / The Spanish Dancer / 1923 com Pola Negri, no qual teve início a memorável bem-sucedida colaboração entre Brenan e o diretor de fotografia James Wong Howe; Peter Pan / Peter Pan, com Betty Bronson como Peter, Esther Ralston como Mrs. Darling, Mary Brian como Wendy e Anna May Wong como Tiger Lily; A Francesinha / The Little French Girl / 1925 com Alice Joyce, Mary Brian, Esther Ralston; O Mendigo Elegante / The Streets of Forgotten Men com uma breve aparição de Louise Brooks; Os Mil Beijos de Cinderela /  A Kiss for Cinderella / 1925, outra adaptação de uma história de fantasia de James M. Barrie novamente com Betty Bronson e Esther Ralston; Beau Geste ou Um Belo Gesto / Beau Geste / 1926 com Ronald Colman no papel de Michael “Beau” Geste, Noah Beery em atuação marcante como o Sgt. Lejaune, esplêndido trabalho de câmera por J. Roy Hunt; Lágrimas de Homem / Sorrell and Son / 1927 (indicado para o Oscar de Melhor Direção); Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh / 1928 ostentando uma riqueza cinematográfica por parte da fotografia de James Wong Howe, da direção de arte de Cedric Gibbons e da interpretação de Lon Chaney e seu talento incomparável para transformar um melodrama lacrimoso em tragédia comovente.

Os primeiros filmes sonoros de Brenon nos Estados Unidos não foram particularmente bem-sucedidos e ele assinou contrato com a British International Pictures para fazer filmes na Inglaterra. Em Elstree, onde se localizava o estúdio da B.I.P., Brenon fez Living Dangerously / 1936, Someone at the Door / 1936, The Dominant Sex / 1937, Spring Handicap / 1937, Housemaster / 1938, Yellow Sands / 1938, Virgem Proibida / Black Eyes / 1939, The Flying Squad / 1940. Foram seus últimos filmes. Em 1940, Elstree cessou suas atividades porque o Exército Britânico requisitou suas instalações.

Duante alguns anos, Brenon ficou pensando em fazer mais alguns filmes, mas já estava com 63 anos e percebeu que já havia ultrapassado seu pico, que não lhe restava nada a não ser realizar filmes pouco importantes. Uma das coisas que o deprimia sobre Hollywood era visitar sets de filmagem e ver figuras outrora famosas agora fazendo pontas ou atuando como figurantes. E decidiu se aposentar.

GEORGE MARSHALL

Ele foi o mais prolífico e versátil de todos os diretores dos grandes estúdios de Hollywood. George E. Marshall (1891-1975), nasceu em Chicago, Illinois. Era o artesão hollywoodiano típico e sua carreira cobriu praticamente toda a História do Cinema.

George Marshall

Em 1912, Marshall ingressou como figurante na Universal depois de ter sido expulso da Universidade de Chicago e trabalhado em vários empregos. Em 1916, foi assistente de direção do seriado Herança Fatal / Liberty, a Daughter of  the USA e ator em The Code of the Mounted. Ainda em 1916, dirigiu westerns com os cauboís Neal Hart e Harry Carey e, em 1919-1920, dois seriados da Pathé estrelados por Ruth Roland, As Aventuras de Ruth / The Adventures of Ruth e Ruth das Montanhas / Ruth of the Rockies.

Chispa de Fogo

Houdini, O Homem Miraculoso

O Castelo Sinistro

Minha Vida e Meus Amores

Na sua longuíssima filmografia composta por 187 filmes de vários gêneros e interpretados pelos mais variados atores e atrizes, podemos destacar: westerns com Tom Mix; comédias com Laurel e Hardy; o filme-revista Coquetel de Estrelas / Star Spangled Rhythm /1942 repleto de astros e estrela da Paramount; a comédia satírica Agarrem Essa Normalista! / Hold That Co-Ed / 1938 com John Barrymore compondo uma silhueta memorável de um político demagogo; o musical biográfico Chispa de Fogo / Incendiary Bonde / 1945 com Betty Hutton personificando Texas Guinan, a famosa artista dos palcos e da tela e gerente de bares clandestinos durante a Lei Sêca; Houdini, o Homem Miraculoso / Houdini / 1953, cinebiografia do mágico famoso com Tony Curtis no papel título; as comédias de mistério e horror de grande sucesso O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1939 e O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 com Bob Hope e Paulette Goddard; o filme noir A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946; a vida da rainha dos seriados mudos Pearl White interpretada por Betty Hutton em Minha Vida e Meus Amores / The Perils of Pauline / 1947; o episódio ferroviário de A Conquista do Oeste / How the West Was Won / 1962 e, sobretudo, quatro westerns  (Atire a Primeira Pedra / Destry Rides Again /1939, A Vingança dos Daltons / When the Daltons Rode / 1940, O Renegado do Forte Petticoat /  The Guns of Fort Petticoat / 1957, O Irresistível Forasteiro / The Sheepman / 1958.

Atire a Primeira Pedra

 ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

A tumultuosa cidade de Bottleneck é dominada por Kent (Brian Donlevy) com a colaboração de Frenchie (Marlene Dietrich), a cantora do seu saloon. Mas um xerife é morto e Kent põe o velho bêbado “Wash” Dimmsdale (Charles Winninger) no cargo. Dimmsdale chama em seu socorro Tom Destry (James Stewart), cujo pai fora o terror dos fora-da-lei do Oeste. Porém, Destry não gosta de usar armas, preferindo métodos não violentos. Até que Destry se queima e, apoiado por toda a população, tendo à frente as mulheres, acaba com os bandidos. Uma bala atirada na direção de Tom atinge Frenchie, e ela morre nos braços do seu amado. Western com muita ação, música e humor, explorando o tema do domador de cidades. A interpretação retraída de James Stewart faz um contraponto perfeito para a personagem despudorada de Marlene Dietrich. A cena de Tom tentando separar a briga de Frenchie com outra mulher no saloon é antológica.

A Vingança dos Daltons

A VINGANÇA DOS DALTONS

Os irmãos Dalton, Bob (Broderick Crawford), Grat (Brian Donlevy), Ben (Stuart Erwin) e Emmett (Frank Albertson, tornam-se assaltantes depois que os representantes de uma companhia ferroviária tentaram se apossar de sua fazenda. O advogado Tod Jackson (Randolph Scott) tenta livrá-los das acusações criminais     e se apaixona por Julie Lou (Kay FDrancis), mulher de Bob. Um bom western do ciclo de biografias românticas de bandidos famosos que se seguiram ao sucesso de Jesse James / Jesse James / 1939 (Dir:  Henry King). Ação é o que não falta: roubos de bancos e trens, cavalgadas e muito tiroteio, notadamente no derradeiro e frustrado assalto ao banco de Coffeyville, no Kansas.  O momento mais eletrizante ocorre quando os Daltons saltam de um trem em movimento em grande velocidade montados nos cavalos- uma cena muito imitada, mas jamais igualada.

O Renegado do Forte Petticoat

O RENEGADO DO FORTE PETTICOAT

O Tenente Frank Heavitt (Audie Murphy), de origem texana, percebe que os Comanches vão se dirigir para o Texas, no momento sem proteção, porque todos os homens foram mobilizados para o exército confederado. Por heroísmo, Frank deserta e retorna à sua terra natal, onde reúne as mulheres e as crianças em uma missão abandonada e as submete a um treinamento militar intensivo, para repelir as investidas dos índios. O enredo tem originalidade (um homem sozinho organizando militarmente um grupo de mulheres) e apresenta os elementos necessários para manter a ação incessante. A cena mais movimentada é aquela em que os índios aprisionam os três bandidos e estes os levam à missão. Frank, as mulheres e as crianças se escondem no terraço. Os selvagens, não vendo ninguém, matam seus prisioneiros e vão embora. Entretanto, um menino dispara sua arma acidentalmente, os índios escutam os tiros e voltam a atacar mais agressivos do que nunca.

O IRRESISTÍVEL FORASTEIRO

Assim que chega a Powder Valley com seu rebanho de ovelhas, Jason Sweet (Glenn Ford) provoca o valentão do lugar, Jumbo McCall (Mickey Shaughnessy) e lhe dá uma surra. Depois, faz uma demonstração de sua habilidade com o revólver. Jason quer mostrar que não vai se intimidar pelos criadores de gado, que detestam a vizinhança com os ovinos. Com determinação e bom humor, o forasteiro vence todos os obstáculos, que lhe são opostos pelo mandachuva local, John Belford (Leslie Nielsen), e ainda por cima, conquista o coração de sua noiva, Dell Payton (Shirley MacLaine). Marshall sempre soube conciliar ação e comédia com muita competência (v. Atire a Primeira Pedra). O humor é espontâneo, direto e jovial. A cena da briga com o brutamontes e o ajuste de contas final no rancho de Belford são encenadas com muito discernimento de cinema. A paisagem é simplesmente bela: um céu claro com suas nuvens brancas, uma floresta com lindas árvores de folhas amareladas, o rebanho de ovelhas …

SÃO FRANCISCO DE ASSIS NO CINEMA E NA TV

Ele mereceu a atenção dos cineastas várias vezes desde o cinema mudo. Na cena silenciosa, em San Francesco il poverello d’Assisi / 1918 de Enrico Guazzoni, Frate Sole / 1918 de Mario Corsi e Frate Francesco / 1926 de Giulio Antamoro, sendo este último o mais lembrado com Alberto Pasquali como Francesco. Neste filme, os fatos históricos são escrupulosamente respeitados e reconstituídos de acordo com a biografia de Johannes Jorgensen, um dos maiores especialistas no assunto.

Frate Francesco 1918

Depois veio o filme mexicano São Franciso de Assis / San Francisco de Assis / 1943 com José Luis Jiménez (Francisco) e Carmen Molina (Clara), dirigido por Alberto (Tito) Gout, diretor rotineiro, geralmente dedicado aos dramalhões de Ninón Sevilla.

Francisco, Arauto de Deus  1950

Bem mais importante é o clássico Francisco, Arauto de Deus / Francesco, Giullare di Dio / 1950 de Robert0 Rosselini com atores não profissionais e Aldo Fabrizzi como o tirano Nicolas. Rosselini apresenta, sob a forma de antologia, fragmentos dos Fioretti com proposital indigência da encenação, e trata os personagens de um modo que pareceu insólito para quem achava que a santidade só podia ser austera.O diretor quer mostrar o Poverello e seus companheiros tal como eram na vida cotidiana: jovens monges com uma alegria e inocência próximas às das crianças, com uma simplicidade de coração que se assemelhava, como disse Henri Agel, “a uma doce demência”.

Já São Francisco de Assis / 1960, de Michael Curtiz, deveria ter sido um épico religioso à maneira de Hollywood, mas saiu um filme referente e modesto.O enredo conta a vida do “Poeta dos pássaros” , o milagre da estigmatização e sua morte. Curtiz, sempre correto na direção, conjuga incidentes movimentados com os instantes sérios, a fim de manter o interesse da intriga. O trecho final é mais impregnado de caráter místico , embora o veterano cineasta não consiga refletir a poesia da realidade. Bradford Dillman põe muito sentimento na composição do “Jogral de Deus” e nos dá um Francisco verdadeiro e humano, passando habilmente da frivolidade de um jovem embriagado  pelo prazer para a elevação de espírito de um santo. Dolores Hart vive santa Clara, incluindo-se ainda entre os coadjuvantes: Stuart Whitman, Pedro Armendariz, Cecil Kellaway, Finlay Curie e Eduard Franz. A foto é de Pietro Portalupi, técnico com brilhante passagem pelo neorealismo (Gente del Po / 1943;  Páscoa de Sangue / Non C’é Pace Tra Gli Ulivi / 1949; Belissima / Belissima / 1951) e com um trabalho impecável na 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1959.

La Tragica Notte di Assisi / 1961 de Raffaelo Pacini, trata mais de santa Clara, interpretada por Leda Negroni e Carlo Giustini é Francisco e Francesco di Assisi / 1966, premiado no Festival de Valladolid, que Liliana Cavani filmou em 16mm com simplicidade de estilo para a televisão italiana, apresenta Lou Castel como um Francisco rebelde e iconoclasta.

Irmão Sol, Irmã Lua 1972

Festa floral e estética sobre São Francisco, segundo a visão encantada de Franco Zefirelli, Irmão Sol, Irmã Lua / Fratello Sole, Sorela Luna / 1972 tem imprecisões históricas e místicas, compensadas pelo capricho visual – foto de Ennio Guarnieri (A Grande Burguesia / Fatti di Gente Perbene / 1974, Esposamante / Mogliamante / 1977) em panavision, technicolor. O roteiro de Suso Cecchi d’Amico, Kenneth Ross, Lina Wertmuller e Zeffirelli traça o percurso de Franciso desde a despedida do lar abastado para a vida comunitária na natureza e a pregação do princípio da pobreza e da caridade, inserida a certa altura dos acontecimentos uma cena com Alec Guiness como o papa Inocêncio II, talvez para prestigiar o setor interpretativo liderado por dois novatos, Graham Faulkner e Judi Bowker. A dimensão hippie que o diretor conferiu a Francisco, ele mesmo a define assim: “Não se trata de um filme biográfico, mas de uma demonstração paralela sobre a juventude idealista e séria de hoje e a vida de são Francisco … Este adolescente, nascido há mais de 750 anos, conheceu os mesmos problemas dos jovens de hoje … e se esforçou para transformar o mundo não com bombas, não com drogas, não com exibicionismo, mas com a negação de si mesmo, cm o sacrifício e, acima de tudo, com esperança”.

A História de São Francisco de Assis 1989

Francesco 2002

O Sonho de Francisco 2016

Posteriormente surgiram: A História de São Francisco de Assis / Francesco / 1989 com Mickey Rourke (Francisco) e Helena Bomham Carter (Clara) e o telefilme Francesco / 2014 com Mateusz Kosciukiewicz (Francesco) e Sara Serraioco (Clara), ambos dirigidos por Liliana Cavani; a minissérie italiana Francesco / 2002 de Michele Soavi com Raul Bova (Francesco) e Amélie Daure (Clara); o telefilme  Clara e Francisco / Chiara e Francesco / 2007 de Fabrizio Costa com Ettore Bassi (Francisco) e Mary Petruolo (Clara); O Sonho de Francisco / L’Ami – François d’Assise et ses frères / 2016 de Renaud Fely e Arnaud Loubet, sobre Elia da Cortona (Jérémie Renier), um dos seguidores mais fieís de São Francisco, interpretado por Elio Germano.

 

CONVERSANDO SOBRE CINEMA

Concedi esta entrevista a Daniel Camargo, ex-aluno meu num Curso de Cinema de Extensão Universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ realizado cerca de vinte anos atrás e hoje  um cineasta consagrado, que tem no seu currículo: o episódio “Antonio Meliande: pau pra toda obra”, incluído na série Retratos Brasileiros  do Canal Brasil (TV), retratando a trajetória artística deste diretor e também um dos fotógrafos mais importantes do cinema brasileiro; a minissérie “Boca do Lixo: A Bollywood Brasileira” do Canal Brasil (TV) sobre o momento de intensa produtividade do cinema popular brasileiro de  onde surgiram diretores como Carlos Reichenbach e José Mojica Marins; “George Hilton  –  O Mundo é dos Audazes” documentário sobre o uruguaio que se tornou um  dos maiores astros do cinema popular italiano; e ”Independência 100 por 100”, documentário sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 quando a Cidade Maravilhosa foi palco da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922. Daniel escreveu, de parceira com Fábio Vellozo e Rodrigues Pereira, o livro “Anthony Steffen – A Saga do Brasileiro que se tornou Astro do Bangue-Bangue à Italiana” (ed. Matrix 2007).

Daniel Camargo

D- O que é Cinema?

AC – Cinema é antes de tudo uma técnica e uma indústria, mas o produto que fabrica, o filme, é uma arte, cuja finalidade pode ser o mero entretenimento ou a comunicação de ideias ou emoções profundas.

D – Qual destas vertentes o senhor prefere?

AC- Não faço distinção entre elas. O que me interessa é se o diretor e sua equipe, conjugando habilmente conteúdo e forma por meio de uma linguagem cinematográfica apropriada, conseguiram de fato divertir o público, fazê-lo pensar

ou se emocionar, provocando-lhe outrossim um prazer estético.

D – Como o senhor define um clássico do cinema?

AC – A verdadeira arte é a que nunca cansa. Um filme clássico é todo aquele que continua divertindo ou emocionando sempre que é revisto. Não me canso de ver, por exemplo, A Viúva Alegre / The Merry Widow de Ernst Lubitsch de 1934 ou Luzes da Cidade / City Lights  de Charles Chaplin de 1931, dois exemplos de um filme que diverte e outro que emociona.

D – Quais os diretores do cinema clássico que o senhor mais admira?

AC – Obviamente fica muito difícil escolher os meus preferidos entre centenas de diretores do cinema mundial. Mas aceito com esportividade o desafio que você me propõe como homenagem ao seu talento e produtividade na área do cinema. Para não alongar a resposta, escolhi apenas diretores que trabalharam no cinema americano, mesmo porque nenhuma outra cinematografia produziu tantos filmes admiráveis. Destaco em primeiro lugar John Ford, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Ernest Lubitsch e Raoul Walsh, porque sobressaíram tanto no cinema mudo como no sonoro. Souberam conciliar arte com entretenimento. Impuseram-se como artistas mesmo trabalhando sob o sistema de estúdio; deram verdadeiras aulas de técnica cinematográfica; demonstraram preferência pelo visual e por uma narrativa clara, simples, fluente, na melhor tradição clássica; deixaram a marca do seu estilo nos filmes que fizeram. Ford foi o maior pintor e poeta da tela; Hitchcock, um eterno criador de formas fílmicas, ousadas e fascinantes; Lang, um exímio contador de histórias, econômico e objetivo, expressando-se sempre por meio de recursos imagísticos impressionantes; Lubitsch, um mestre do humor atrevido e malicioso, exposto através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes e insinuações rápidas com a câmera; Walsh, o especialista da ação contínua, executada com pleno domínio dos elementos cinestéticos. Posso apontar também: Michael Curtiz e Orson Welles, cujos filmes essencialmente dinâmicos, sempre me encantaram. E, é claro, David Wark Griffith, F. W. Murnau e Erich von Stroheim, os professores de todos os outros grandes realizadores. Sem falar em Charles Chaplin, o gênio mais universal do cinema, cujo personagem Carlitos, na linha do humanismo poético, seduziu simultaneamente as massas e os intelectuais, fez rir e chorar as plateias de todo mundo. Na verdade, minha lista de diretores prediletos é interminável: Frank Capra, William Wyler, Billy Wilder, Elia Kazan, John Huston, Rex Ingram, Buster Keaton, Tod Browning (principalmente seus filmes com Lon Chaney) …

D – O senhor não pode citar pelo menos alguns grandes diretores do cinema mundial que admira?

AC – Akira Kurosawa, Marcel Carné, Julien Duvivier, David Lean, Michael Powell / Emeric Pressburger, Vittorio De Sica, Alessandro Blasetti, Fellini nos seus primeiros filmes, Ingmar Bergman, Eisenstein, Victor Sjostrom no cinema mudo (Vento e Areia / The Wind, A Letra Escarlate / The Scarlet Letter são admiráveis) …

D – No Brasil surgiu algum grande cineasta que pudesse ser comparado com os que o senhor citou?

AC- Acho que não. Mas houve cineastas que fizeram filmes apreciaveis como, por exemplo, Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Walter Salles, Walter Lima Jr., Roberto Santos, Jose Joffily, Eduardo Escorel, Walter Hugo Khoury, Carlos Diegues, Arnaldo Jabor, Fabio Barreto, Bruno Barreto, Domingos de Oliveira, Luís Sérgio Person, Paulo César Saraceni, Roberto Farias, Rui Guerra, Hector Babenco, Sylvio Beck, Carlos Hugo Christensen, Antonio Carlos Fontoura …

D – O senhor poderia citar alguns filmes deles que lhe agradaram?

AC – O Pagador de Promessas; Vidas Sêcas; São Bernardo; Central do Brasil; A Ostra e o Vento; A Hora e a Vez de Augusto Matraga; Dois Perdidos numa Noite Suja (o de 2002); Lição de Amor; Noite Vazia; Bye Bye Brasil; Toda Nudez Será Castigada; O Quatrilho; Dona Flor e seus Dois Maridos; Todas as Mulheres do Mundo; O Caso dos Irmãos Naves; Anchieta, José do Brasil; Assalto ao Trem Pagador, Os Cafagestes; Pixote, a Lei do Mais Fraco; Aleluia, Gretchen; O Menino e o Vento; A Rainha Diaba  …

D – E Glauber Rocha?

AC – Glauber tinha talento, mas era um talento desordenado. Tal como seus colegas do Cinema Novo, passou de crítico a realizador e teve a boa intenção de fazer um cinema diferente das chanchadas e tentar revelar um Brasil que não era mostrado para nós brasileiros, porém não tinha o devido preparo técnico para fazer cinema nem muitos recursos materiais. Por isso inventou aquela coisa de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e convenceu muita gente de que aquilo era anti-Hollywood. Sabia se promover. Consegui assistir Deus e o Diabo na Terra do Sol na sua integridade por causa de alguns trechos muitos criativos plasticamente inspirados em Eisenstein, mas Terra em Transe e os outros filmes dele que tentei ver, achei insuportáveis.

D – O senhor gosta do mítico Limite de Mario Peixoto?

AC- Não. É um filme experimental tedioso e de difícil compreensão, realizado por um jovem diletante inspirado na vanguarda francesa dos anos vinte, salvando-se apenas a bela fotografia de Edgar Brasil.  O filme não logrou distribuição comercial, mas o Chaplin Club, cineclube cujo principal articulador era seu amigo Plínio Sussekind, patrocinou sua estreia numa manhã de 17 de maio de 1931 no Cinema Capitólio do Rio de Janeiro. O público detestou. Houve em seguida sessões no Marble Arch em Londres e em um cineclube nos Champs Elysées em Paris, tendo ficado conhecido um artigo de Serguei Eisenstein elogiando o filme. Recentemente foi apurado que tal artigo teria sido escrito pelo próprio Mário e que o grande cineasta soviético nunca passou por Londres ou Paris, locais onde supostamente teria assistido Limite e publicado tal artigo. Tem gente que gosta do filme.

D – O que acha das produções da Companhia Vera Cruz?

AC – Foram filmes valorizados pela contribuição dos técnicos e diretores estrangeiros que Alberto Cavalcanti trouxe tais como os italianos Adolfo Celi e Luciano Salce, o português Fernando de Barros e o anglo-argentino Tom Payne; porém o maior sucesso foi O Cangaceiro dirigido pelo nosso Lima Barreto. Não vi todos, mas lembro-me de que gostei na época deste e mais alguns deles, por exemplo, Tico-Tico no Fubá de Adolfo Celi; Floradas na Serra (na verdade mais por causa da Cacilda Becker) e Uma Pulga na Balança de Luciano Salce; Apassionata de Fernando de Barros; Sinhá Moça de Tom Payne. Gosto também de dois filmes da Maristela, companhia paulista contemporânea da Vera Cruz: O Comprador de Fazendas de Alberto Pieralise e Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti.

D – O que o senhor pensa sobre as chamadas pejorativamente de pornochanchadas?

AC – Não tenho nada contra estas produções eróticas porque sou pela liberdade de expressão, embora no caso, não seja bem de expressão que se trata. Além do mais, elas deram emprego a muita gente e, às vezes, revelaram algum artista de maior capacidade.

D – Como explica o sucesso das chanchadas da Atlântida?

AC – Lembro-me de que os críticos as detestavam, porém o grande público prestigiava estas comédias populares com interpolações de músicas de carnaval interpretadas pelas cantoras e cantores do rádio e de trapalhadas de Oscarito e Grande Otelo, vilanias de José Lewgoy e idílios de Anselmo Duarte e Eliana, uma fórmula que, na época, garantia filas imensas nas portas dos cinemas.

D – O que o senhor acha dos filmes de Mazzaropi e Renato Aragão?

AC – Esta linha de produção do cinema popular merece respeito, porque é fruto do esforço de artistas com tino de empresários que, sem se importarem muito com a competição estrangeira, arregaçam as mangas e chegam ao sucesso comercial. Trata-se de um cinema ingênuo que sintoniza bem com o público infantil e com o menos sofisticado, sendo positiva a sua permanência em nossas telas

D – E o Cinema Marginal?

AC – O que marca os filmes dos que integram o cinema marginal ou experimental, também chamado de cinema de invenção, é a indigência formal. Se os cinemanovistas ainda procuravam conquistar as plateias, um grupo mais novo de realizadores recusou-se a isto e, subitamente, irromperam filmes cujos diretores se obstinavam em desfrutar de completa liberdade de criação, chegaram mesmo à anarquia. Esta maneira de filmar é, a meu ver, valiosíssima, pois aí é que vão surgir as ideias e formas revolucionárias. Contudo, é preciso distinguir os autênticos inovadores dos incapazes ou picaretas que não sabem nada de cinema e cobrem sua inaptidão com o manto do desmazelo proposital. Este cinema tem naturalmente muita dificuldade de exibição, porém o ambiente mais propício para o exame de suas propostas é mesmo o circuito de cineclubes e universidades.

D – Já ia me esquecendo. E o José Mojica Marins?

AC – Seus filmes são de feitura primária. Mas o personagem insólito, nietzschiano, amoral e sádico Zé do Caixão que ele criou, possui um fascínio irresistível. Ficou até conhecido no exterior como Coffin Joe.

D – O senhor tem preferência por algum gênero de filme?

Não. Apenas simpatizo um pouco mais com o western americano, digo americano porque outros países fizeram westerns como, por exemplo, a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman ainda no cinema silencioso; a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou com Pierre Brice e Lex Barker; os westerns italianos etc.

D – Falar nisso, o senhor gosta dos westerns italianos?

AC – O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà (depreciativamente referidos como “westerns spaghetti”) é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira europeia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

Existem muitos admiradores do western italiano, mas eu prefiro o western americano, que conta, de um modo heroico ou crítico, a conquista do Oeste dos Estados Unidos e o difícil nascimento a nação americana.  Este é na verdade “o gênero cinematográfico por excelência” pela sua movimentação e pela sua topografia característica com enorme potencial para a expressão cinematográfica, ajudando a dramatizar mais intensamente o choque entre os personagens e os conflitos temáticos da história.

D – Como o senhor vê o movimento da Nouvelle Vague?

AC – A qualidade mais obviamente revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague foi o seu aspecto informal, desleixado. Os diretores da Nouvelle Vague admiravam os neorrealistas e, em oposição à filmagem em estúdio, preferiram filmar nas ruas. Semelhantemente, a iluminação de estúdio brilhante foi substituída pelo que Raoul Coutard chamou de “luz do dia”. Tinham também preferência pela câmera na mão e pelo plano longo. Durante três anos os filmes da NV tiveram bons lucros pela novidade. Rodados em locação usando equipamento portátil, atores pouco conhecidos, e equipes pequenas, eles puderam ser feitos rapidamente e por menos da metade de um custo normal. Entretanto, o cinema tradicional, o cinema comercial de rotina, de gênero e de astros, perdurava. O público continuava prestigiando o “cinema de papa” com artistas populares como Fernandel, Jean Gabin e Jean Marais e, a partir de 1962, o entusiasmo pela Nouvelle Vague regrediu, tanto por parte dos produtores como por parte dos espectadores. As rendas de bilheteria dos filmes começaram a despencar e os distribuidores cada vez mais hesitavam em lançar os filmes deles.

D – O senhor gosta dos filmes da Nouvelle Vague?

AC – Por ironia, Truffaut, Chabrol e outros depois seguiram o caminho dos grandes cineastas do Cinema de Qualidade Francesa, que Truffaut irresponsavelmente denegriu. Somente Godard, o mais radical de todos os diretores da Nouvelle Vague, continuou com seu cinema anárquico e arrogante amado por uns e detestado por outros. Na época da irrupção da Nouvelle Vague, fui seduzido pela novidade, mas depois percebi que os filmes “acadêmicos” de Truffaut A História de Adèle H / L’Histoire d’ Adèle H ou A Noite Americana / La Nuit Américaine e aqueles que Chabrol fez com Isabelle Huppert, Violette Nozière e Une Affaire des Femmes, eram bem melhores.

D – O senhor acompanha o Cinema Contemporâneo?

AC – Muito pouco. Há muito tempo que não vou mais aos cinemas, porque não são mais os mesmos de antigamente e não gosto de ouvir alguém falando no célular comendo pipoca ou conversando durante a projeção. Só vejo um ou outro filme contemporâneo, quando tenho informação fidedigna de que o filme é muito bom e ele é exibido na televisão ou sai em dvd. Alguns diretores mais modernos que me agradaram foram, por exemplo, Stanley Kubrick, Steven Spielberg, Martin Scorcese, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Quentin Tarantino.

D – E o Cinema Contemporâneo Brasileiro?

AC – Conheço muito pouco. Gostei de O Auto da Compadecida de Guel Arraes; O Som ao Redor de Kleber Mendonça Filho; Maria do Caritó de João Paulo Jabur…

D – Antes os planos eram mais longos a agora duram muito menos na tela. Como isto altera a maneira de se apreciar um filme?

AC – Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood 1970 e no final dos anos 80 continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1980, quando a maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e 6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado pelo teórico e historiador de cinema David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games, e internet. Filmes como X-Men, o Filme / X-Men  de Bryan Singer, tinham em média 2 a 3 segundos por plano. Muitas vezes a supervelocidade rítmica não dá tempo para o espectador absorver o que está acontecendo. 

D – Qual a importância da crítica de cinema? Onde anda a crítica de cinema hoje em nosso país?

AC – A crítica de cinema, quando bem-feita, ajuda aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme tanto técnica quanto substantivamente, a formar um público capaz de dominar o filme em vez de ser dominado por ele. Antigamente, cada jornal tinha um crítico especializado em cinema que se dedicava diária e exclusivamente a esta função. Foi uma geração de grandes críticos como Moniz Viana, Hugo Barcelos, Ely Azeredo, Décio Vieira Otoni, para citar apenas alguns dos que trabalhavam nos jornais cariocas. Já há bastante tempo o espaço para a crítica de cinema nos jornais foi bastante reduzido, existindo apenas resenhistas, que não têm a mesma influência e popularidade daqueles críticos de outrora. A crítica de filmes hoje passou para os sites da internet, onde qualquer pessoa se acha qualificada para exercê-la.

D – Pode-se aprender a fazer cinema?

AC – Sim. Primeiramente lendo textos sobre cinema, vendo e revendo muitos filmes de todas as épocas, pois com a perspectiva histórica proporcionada pelo conhecimento do cinema do passado os aspirantes a cineasta poderão apreciar melhor o cinema do presente bem como se servir, consciente ou inconscientemente, das obras-primas da arte cinematográfica como fonte de inspiração. Em seguida, aprendendo a técnica cinematográfica em cursos práticos e / ou fazendo parte de uma equipe de filmagem. Lembrando o que disse Jacques Maritain no seu livro Art et Scolastique: “O dom natural não é senão uma condição prévia da arte. Esta disposição inata é evidentemente indispensável, mas sem uma cultura e uma disciplina que os antigos queriam que fosse longa, paciente e honesta, ela jamais passará a arte”.

D – Fiquei impressionado com o seu imenso acervo de filmes. Como adquiriu tantos dvds?

AC – Quando os DVDs foram lançados depois do VHS, comecei a adquiri-los, inclusive de colecionadores do mundo inteiro. Comprei dvds de colecionadores até do Alaska e da Finlândia e também de um site americano que vendia dvds de filmes alemães dos anos 30. Posteriormente, um amigo, Sergio Leeman, que trabalhou nos EUA e na Europa, gravou para mim uma quantidade enorme de filmes exibidos na TV americana e europeia. Quando estive em Los Angeles, Nova York, Londres, Paris, Roma e Lisboa comprei o máximo que pude de dvds de filmes produzidos nestes países. Na França, por exemplo, comprei as coleções La Memóire du Cinéma Français e Les Années 50 de René Chateau e a Gaumont à la demande.  A coleção I grandi registi del cinema italiano, cada caixa com três filmes de grandes cineastas da Itália, é formidável. Tenho também filmes russos, japoneses, suecos, mexicanos, brasileiros, peças de teatro filmadas etc. Sou insaciável e, como dizia meu falecido amigo Gil Araujo, “cinema é inesgotável”.

D – Qual o filme mais raro que o senhor possui?

AC – Rosita de Ernst Lubitsch.

D – E qual o filme que o senhor não tem e gostaria de possuir em dvd?

AC – The Patriot, também de Lubitsch. Mas este é um filme perdido. Só existe o trailer, na Cinemateca Portuguesa.

D – O senhor foi aluno do Curso de Cinema ministrado pelo cineasta Arne Sucksdorff promovido pelo Ministério das Relações Exteriores/ Unesco em 1962, mas nunca quis fazer um filme?

AC – Não. Fiz o curso apenas para adquirir mais conhecimento da técnica cinematográfica e assim poder apreciar melhor os filmes que vejo. Admiro a coragem e perseverança de toda pessoa que faz ou fez cinema no Brasil, mas não era a minha praia. Preferi manter um blogue destinado a preservar a memória do cinema clássico, escrever alguns livros sobre cinema além do magistério na PUC-RJ.

D – Na pesquisa cinematográfica o que mais lhe dá prazer?

AC – Encontrar informações raras como, por exemplo, o título em português de curtas-metragens (shorts e desenhos animados), pois estes não saíam nos jornais da época. Num trabalho recente ainda inédito, “O Outro Lado da Segunda Guerra Visto Pelo Cinema Americano”, forneci, por exemplo, títulos em português de filmes de recrutamento e de treinamento de soldados durante a Segunda Guerra Mundial, que foram exibidos nos nossos cinemas. Os títulos em português dos filmes estrangeiros são importantes para se saber se eles foram exibidos no Brasil. Outro prazer é descobrir joias raras da cinematografia entre produções classe B como, por exemplo, os da série de horror do Val Lewton ou um filme como Aves sem Ninho / Sparrows de 1926 de William Beaudine, diretor cujo nome costuma ser omitido em vários dicionários de cinema.

D – O senhor deseja acrescentar mais alguma coisa para encerrarmos esta nossa conversa?

AC -O que eu posso dizer é que todos os aspectos da vida humana e social já foram objeto de filmes dignos de serem vistos. Porém a mediocridade e a vulgaridade ameaçam constantemente o cinema. Os responsáveis por seus descaminhos acham-se tanto do lado da produção quanto do consumo (público passível e inculto).  E, quanto mais e melhor os dois lados forem conscientizados sobre sua mútua responsabilidade, mais lucrarão a cultura e a sociedade.

DON SIEGEL

Durante a maior parte de sua carreira, funcionando quase sempre na área do filme B, ele não alcançou uma posição de prestígio no âmbito da indústria cinematográfica de Hollywood, embora tendo evidenciado talento superior ao de inúmeros realizadores. Muitos de seus filmes de produção modesta mostram uma energia e excelente noção de cinema, porém foi mais respeitado somente nos anos 60-70 como diretor de cinco filmes no âmbito da produção classe A estrelados por Clint Eastwood.

Don Siegel

Donald Siegel (1912-1991) nasceu em Chicago, Illinois, filho de Samuel Siegel, virtuoso do bandolim. Frequentou colégios em Nova York e depois se formou no Jesus College em Cambridge, Inglaterra. Durante algum tempo, estudou Belas Artes na London’s Royal Academy of Dramatic Art e trabalhou brevemente como ator de teatro.

Aos vinte anos de idade foi para Los Angeles, e conseguiu emprego na Warner Bros. onde funcionou inicialmente no setor de pesquisa e arquivo do estúdio, como assistente de montagem, e no departamento de planos de inserção. Depois foi promovido a montador e chefiou o departamento de montagem do estúdio (realizando 21 sequências de montagem memoráveis (v. g. em Heróis Esquecidos / The Roaring Twenties / 1939; Casablanca / Casablanca / 1942) e trabalhou como assistente de direção ou diretor de segunda unidade em 7 filmes, entre eles Sargento York / Sergeant York / 1941 (diretor de segunda unidade) e Uma Aventura na Martinica / To Have and Have Not / 1944 (assistente de direção).

Cena de Justiça Tardia

No início dos anos 40, dirigiu dois shorts, o curta de dois rolos da série Broadway Brevities, Uma Estrela Luminosa / Star in the Night e o documentário curto, Hitler Vive? / Hitler Lives, ambos contemplados com o Oscar em 1945. No início do ano seguinte, dirigiu seu primeiro longa-metragem Justiça Tardia / The Verdict, drama de mistério muito interessante sobre um inspetor da Scotland Yard (Sidney Greenstreet), obrigado a se aposentar depois que mandou um inocente para a forca que, auxiliado por um pintor amigo (Peter Lorre), soluciona um “crime perfeito” com o propósito de humilhar seu arrogante sucessor.

Cena de Dinheiro Maldito

Cena de Rebelião no Presídio

Cena de Vampiros de Almas

Cena de Assassino Público Número Um

Cena O Sádico Selvagem

Depois deste início promissor, entre obras de pouca envergadura, Siegel revelou seu talento nos anos cinquenta em vários filmes: o drama criminal de prisão Rebelião no Presídio / Riot in Cell Block 11 / 1954; o filme noir Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954; o drama de horror e ficção científica Vampiros de Almas / Invasion of the Body Snatchers / 1956, o drama criminal sobre gangues de rua Rua do Crime / Crime in the Streets / 1956, o drama criminal biográfico Assassino Público Número Um / Babe Face Nelson / 1957, o drama criminal O Sádico Selvagem / The Line Up / 1958.

Cena de Assassinos

Cena de Os Abutres têm Fome

Cena de O Estranho que Nós Amamos

Cena de Perseguidor Implacável

Na terceira fase da sua carreira, abrangendo os anos 60 e 70, Siegel pôde realizar filmes de orçamento mais alto, em cores e com mais astros do que seus filmes anteriores, destacando-se seus thrillers policiais Os Assassinos / The Killers, Os Impiedosos / Madigan, O Homem Que Burlou a Máfia / Charley Varrick e o drama criminal de prisão Alcatraz: Fuga Impossível / Escape from Alcatraz; os filmes com Clint Eastwwood (Meu Nome é Coogan / Coogan’s Bluff, Os Abutres Têm Fome / Two Mules for Sister Sara, O Estranho Que Nós Amamos / The Beguiled, Perseguidor Implacável / Dirty Harry) e o western dramático O Último Pistoleiro / The ShootistEste último foi um filme sobre a morte, não a que encontramos no combate, mas uma morte mais insidiosa e implacável. Em Carson City, Nevada em 1901. John Bernard Books (John Wayne), pistoleiro célebre, fica sabendo que está com câncer. Fisicamente, está condenado. Historicamente também, e simboliza o fim de uma época. Nessa cidade invadida pelo modernismo não há mais lugar para os veteranos do Oeste. O fato de que John Wayne estava ele próprio com a mesma doença, deu muita credibilidade ao personagem principal. Foi a última aparição dele na tela.

Siegel trabalhou também na televisão, destacando-se os dois episódios que ele dirigiu para série Além da Imaginação / The Twilight Zone: “Uncle Sam “e “The Self-Improvement of Salvadore Ross”. No primeiro episódio, uma mulher tomou conta de seu tio detestado durante vinte e cinco anos, esperando impacientemente herdar sua fortuna. Porém o testamento dele afirma que ela deve tomar conta de seu robô. No segundo episódio, Salvadore não vai desistir por nada para conquistar o amor de Leah. Ele até vende sua juventude por dinheiro.