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DOIS FILMES DE GUERRA IMPERDÍVEIS

 

São dois filmes britânicos, realizados nos anos cinquenta, abordando temas semelhantes e baseados em fatos reais:

O Homem Que Nunca Existiu / The Man That Never Was / 1956.

Produzido por André Hakim, distribuído pela 20thCentury-Fox e dirigido por Ronald Neame, com roteiro de Nigel Balcon baseado no livro do mesmo nome de autoria de Ewen Montagu e narra a Operação Mincemeat (Operação Carne Moída), um plano elaborado em 1943 pelo Serviço de Inteligência Britânico para enganar as Potências do Eixo, fazendo-as crer que a invasão aliada da Sicília ocorreria em outro lugar do Mediterrâneo.

Na trama, o capitão-tenente da Marinha, Ewen Montagu (Clifton Webb), concebe o esquema de lançar um corpo com uma identidade fictícia na costa da Espanha, onde fortes correntes marinhas o conduziriam até uma praia, onde um conhecido agente germânico operava. O inexistente Major William Martin seria a vítima de um desastre aéreo carregando documentos sobre uma próxima invasão aliada na Grécia ocupada pelos alemães, em vez da Sicília, o alvo mais óbvio. Superando a relutância de altas patentes, Montagu recebe finalmente a aprovação de Winston Churchill para executar a Operação Carne Moída. Acolhendo um conselho de um médico especialista, Montagu tem que usar o corpo de um homem que morreu de pneumonia, para dar a aparência de que se afogara. Com a permissão de um pai que perdeu o filho nesta condição, ele coloca o defunto em um recipiente cheio de gelo sêco e o transfere para um submarino. O cadáver é lançado no mar e levado à terra como planejado. As autoridades locais, observadas pelo pessoal do consulado germânico e britânico, identificam o corpo e conduzem a autópsia. Depois que a pasta contendo os documentos enganosos é devolvida a Londres, um perito forense confirma que a carta que descreve a invasão aliada da Grécia, foi habilmente aberta, fotografada e selada novamente. Hitler fica convencido de que os documentos são verdadeiros, mas o Almirante Canaris, chefe da Abwer (Wolf Freers), permanece cético. Os alemães enviam para Londres um espião irlandês, Patrick O´Reilly (Stephen Boyd) para investigar. O´Reilly procura a “noiva” americana de Martin, Lucy Sherwood (Gloria Grahame), que divide um apartamento com a assistente de Montagu, Pam (Josephine Griffin). O´Reilly chega ao apartamento delas, apresentando-se como um velho amigo de Martin, no mesmo dia em que Lucy está recebendo a notícia de que seu noivo foi morto em combate. Sua dor genuína quase convence O´Reilly. Como teste final, ele fornece seu endereço no norte de Londres para Lucy, dizendo-lhe que ela pode procurá-lo caso necessite de algo. O´Reilly então passa uma mensagem de rádio para seus contatos germânicos dizendo que, se ele não mandar outra mensagem dentro de uma hora, é porque foi preso. Enquanto Montagu, o General Cockburn (Michael Hordern) da Scotland Yard e policiais estão a caminho do apartamento de O´Reilly, Montagu percebe por que o irlandês deixou seu endereço com Lucy e convence um Cockburn relutante a deixar O´Reilly livre. Quando ninguém aparece para prendê-lo, O´Reilly envia uma mensagem de rádio, dizendo: “Martin genuíno!” Os alemães então transferem suas forças estacionadas na Sicilia para a Grécia, o que faz com que a invasão aliada na Sicília seja bem-sucedida.

Inspirado numa história fascinante da vida real, relatada por meio de um roteiro sóbrio e bem engendrado, o filme combina realidade e ficção com uma direção eficiente e simples, conquistando o espectador durante todo o desenrolar da projeção. Resulta um excelente thriller de espionagem oferecendo uma cena bastante original: o espião oferecendo a própria vida para descobrir os planos do inimigo. Por ter sido de um escocês o corpo que iludiu o inimigo, ouvímos no prólogo e no epílogo (na cena comovente em que Montagu deposita no túmulo do Major William Martin a condecoração que recebeu pelo êxito  de sua missão) os belos versos escoceses que falam de um sonho na ilha de Skye, onde “I saw a dead man win a battle and I found that that man was I”.

O Homem Que Enganou o Mundo / I Was Monty´s Double / 1958.

Produzido por Maxwell Setton para a Associated British-Pathé e dirigido por John Guillermin, com roteiro de Bryan Forbes baseado na autobiografia do ator M. E. Clifton James e narra outra operação do Serviço de Inteligência Britânico para ludibriar os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Na trama, pouco antes dos desembarques do Dia D, o governo britânico lança uma campanha de desinformação espalhando rumores de que os desembarques ocorreriam em um local diferente da Normandia. Os detalhes da operação (intitulada Operação Copperhead) são confiados a dois oficiais da inteligência, Coronel Logan (Cecil Parker) e Major Harvey (John Mills). Eles são inicialmente incapazes de conceber um plano, mas uma noite Harvey vê um ator em um teatro de Londres fazendo uma imitação convincente do Marechal de-Campo Bernard Montgomery. O ator chama-se M. E. Clifton James, tenente estacionado em Leicester com a Royal Army Pay Corps e artista profissional durante os tempos de paz. Clifton James é convocado para Londres, supostamente a fim de fazer um teste para um filme, e um plano é elaborado pelo qual ele fará uma tournée pelo Norte da África personificando Montgomery. James duvida que possa se passar por Montgomery com sucesso, mas concorda em tentar.  Disfarçado de cabo, ele transita algum tempo pelo quartel general de Montgomery e aprende a copiar os maneirismos e o estilo do general. Após uma entrevista com o general, James é enviado para uma tourné pelo Norte da África. Acompanhado por Harvey, que está interpretando o papel de brigadeiro e ajudante-de-campo de Montgomery, James chega a Gibraltar, onde o governador, que conhecia Montgomery há anos, fica espantado com a semelhança. Para promover o engano, um empresário local sueco e conhecido agente alemão, Karl Nielson (Marius Goring), é convidado para jantar, para que fique sabendo da presença de Montgomery e espalhe a informação. James e Harvey viajam pelo Norte da África e inspecionam as tropas. Faltando apenas alguns dias para os desembarques, ficam sabendo que os alemães foram sem dúvida enganados e mantiveram muitas tropas no Sul, distante da Normandia. Com seu trabalho terminado, James se esconde em uma vila fortemente vigiada na costa. Entretanto, os alemães foram mais enganados do que Harvey imaginava. Uma equipe de comandos germânicos é transportada por um submarino para sequestrar Montgomery. Eles matam seus guardas e estão prontos para embarcar com James, porém Harvey fica sabendo do sequestro e frustra a operação no último momento.

Em alguns momentos o filme afasta-se um pouco da verdade como esta tentativa inteiramente fictícia de sequestro de Montgomery e também deixa de mencionar que foi o ator David Niven que levou Clifton James à atenção da Inteligência Britânica enquanto estava servindo no Ministério da Guerra; mas isto não tira o sabor de documento histórico do espetáculo. O próprio Clifton James revive na tela as peripécias por que passou na vida real, que são apresentadas com a habitual sobriedade britânica. A câmera acompanha passo por passo a execução do audacioso plano militar, mostrando na primeira parte o treinamento do ator para que pudesse viver o ilustre personagem e na segunda parte, mais emocionante, a sua trajetória como o Marechal Montgomery.  Bryan Forbes inseriu lances cômico-satíricos no relato, explorou com eficiência a classe de John Mills e Cecil Parker, conseguiu construir cenas inspiradas como, por exemplo, o discurso de Monty para os oficiais americanos. E fez com que este semi-documentário prendesse a atenção do público do começo ao fim, graças sobretudo à atuação de Clifton James. Sua humildade e charme discreto o tornam uma pessoa instantânemante simpática e a facilidade com que se transforma no líder militar famoso demonstra sua grande habilidade como ator.

Os Personagens Reais

O Verdadeiro Marechal Montgomery

Meyrick Edward Clifton James (1898-1963) era um ator e soldado com uma semelhança com o Marechal-de-Campo Bernard Law Montgomery. Ele nasceu em Perth na Austrália. Após servir no Royal Fusiliers durante a Primeira Guerra Mundial e entrar em combate na Batalha do Somme, Clifton James começou uma carreira de ator. Na eclosão da Segunda Guerra Mundial apresentou-se como voluntário ao Exército Britânico como artista. Em vez de ser designado para a ENSA (Entertainment National Service Association – organização formada para proporcionar entretenimento para o pessoal das Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial) como esperava, em julho de 1940 ele foi incorporado como segundo tenente na Royal Army Pay Corps (corpo do exército britânico responsável por todos os assuntos financeiros) e eventualmente enviado para Leicester. Em 1944, sua semelhança com o Marechal Montgomery foi percebida e ele passou a integrar a Operação Copperhead. Após ser desmobilizado em junho de 1946, Clifton James publicou suas façanhas em um livro, “I Was Monty ´s Double”, que serviria de base ao filme. Ele também fez uma breve aparição como o Marechal Montgomery em um filme de 1957, Audácia a Jato / High Flight, estrelado por Ray Milland e dirigido por John Gilling.

O verdadeiro Ewin Montagu

Ewen Edward Samuel Montagu (1901-1985) era um juiz de direito britânico, oficial da Inteligência Naval e escritor. Ele nasceu em Londres, filho de Gladys, Baronesa Swaythling (nascida Goldsmid) e de Louis Montagu, 2º Barão Swaythling. Ele foi educado na Westminster School antes de se tornar um instrutor de metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial em uma Estação Aérea Naval dos Estados Unidos. Após a guerra, ele estudou no Trinity College, em Cambridge e na Universidade de Harvard. Montagu era um grande velejador e se alistou na Royal Navy Volunteer Reserve em 1938. Por causa de sua formação jurídica ele foi transferido para estudos especializados. De lá, foi designado para o Quartel-General da Marinha Real em East Yorkshire, em Hull, como oficial assistente da Inteligência. Montagu serviu na Divisão de Inteligência Naval do Almirantado Britânico, chegando ao posto de Tenente Comandante RNVR. De 1945ª 1973 Montagu ocupou o cargo de Juiz Advogado da Marinha e de 1954 a 1962 Presidente da United Synagogue. Seu irmão, Ivor Montagu era cineasta. Ele foi retratado também, em 2021 no filme Operation Mincemeat por Colin Firth. Durante o filme, o verdadeiro Montagu faz uma breve aparição como um vice-marechal da Royal Air Force, que tem dúvidas sobre a viabilidade do plano proposto, dirigindo-se ao falso Montagu, interpretado por Clifton Webb. Como curiosidade, no elenco consta o nome de Peter Sellers (emprestando sua voz para Winston Churchill) e do ator francês François Périer como um funcionário da Embaixada Britânica.

DESENHOS ANIMADOS NA TELEVISÃO

Quem gosta de ver desenhos animados na televisão?  Não se acanhem de responder afirmativamente, pois é engano pensar que só podem interessar às crianças. Curtí-los não tem nada de infantil, porque hoje são considerados como uma forma de arte peculiar.

Ela começou com os fantoches ingenuamente rabiscados por Emile Cohl, lá por volta de 1906, evoluindo incessantemente graças a alguns gênios como Walt Disney e Max Fleischer (criador da Betty Boop e do marinheiro Popeye) até chegar aos modernos cartoons onde se nota o máximo de aperfeiçoamento e… permissividade.

É claro que seu reino continua sendo basicamente o do conto de fadas, no qual tudo acontece facilmente, e o da fábula, com os animais falando, pensando e agindo igualzinho aos seres humanos.

Todavia, neste mundo mágico e irreal percebe-se a capacidade inventiva e a técnica extremamente laboriosa de artistas que dão vida e mesmo certa coerência ao absurdo, fazendo, às vezes, poesia.

Daí podermos falar numa arte da animação tão respeitável quanto as outras e que merece ser apreciada com seriedade.

Neste artigo recordamos alguns desenhos animados, hoje já praticamente esquecidos, que foram exibidos na nossa TV há alguns anos, sobre os quais escreví, quando assinava a coluna Por Dentro dos Seriados no encarte Amigão da revista Amiga.

Entre os desenhos animados que a Rede Globo exibia nos domingos nos anos 70 no programa Brucutu e sua Turma, encontramos Os Sobrinhos do Capitão / Captain and the Kids, baseado na história em quadrinhos de extraordinária longevidade. Seus personagens foram criados em 1897 por Rudolf Dirks e viveram suas primeiras aventuras sob o nome de Katzenjammer Kids, no Suplemento Dominical de um dos jornais de William Randolph Hearst, inspirando-se nas figuras dos traquinas Juca e Chico (Max und Moritz) inventados por Wilhelm Busch. DIrks contava as diabruras de uma dupla de garotos, Hans e Fritz, numa colônia alemã da África; era uma verdadeira guerrilha conduzida pelos moleques contra todas as formas de autoridade; mas, por vezes, eles sofriam as consequências de suas artimanhas. Em 1912, Dirks desentendeu-se com Hearst, passando a colaborar para o “World”, um jornal concorrente. O magnata da imprensa tentou impedí-lo na Justiça e o processo se encerrou com uma decisão salomônica: Dirks ficou com o direito de usar seus personagens e Hearst com o título. A historieta de Katzenjammer Kids reapareceu então no jornal de Hearst, desenhada por Harold Kneer, enquanto Dirks publicava suas próprias tiras no “World”, primeiramente denominadas Hans e Fritz e, mais tarde, The Captain and the Kids”. No cinema foram feitos dois filmes com os personagens em 1903 e, em 1917, o estúdio do gripo Hearst, International Film Service, sob a direção de Gregory La Cava, realizou “cartoons” em alguns dos quais participaram como animadores Walter Lantz e John Foster. Em 1938, a Metro produziu nova série de desenhos sob a supervisão de Robert Allen e William Hanna.

Nos anos 70, a Rede Globo jogou no ar, na Sessão Aventura, um desenho animado que girava em torno de um dos mais originais personagens das historietas em quadrinhos. Trata-se de O Homem Elástico (Plastic Man) que tinha o nome de Homem Borracha quando aparecia nas páginas da revista Lobinho nos anos 40.  A tira, criada por Jack Cole, autor também do Cometa e do Meia-Noite, era uma paródia de todos os super-heróis das comic strips existentes na época.

O Homem Borracha surgiu quando um bandido chamado O´Brien foi atirado num tanque contendo um ácido desconhecido que lhe deu o poder de se elastecer; desde então passa a combater o crime auxiliado depois por Balão (Woozy), um ex-presidiário que também se regenerara.

Eles formavam uma dupla realmente diferente no gênero e em suas aventuras (algumas escritas por Mickey Spillane) havia um equilíbrio entre a simples palhaçada e o humor sofisticado, além da própria excentricidade das mil e uma formas que o herói elástico assumia para enfrentar os bandidos. No cartoon exibido pela Globo, substituíram o Bolão por um tal de Hula-Hula e introduziram a figura feminina de Penny, a jovem que pilota o jato supersônico, no qual o trio parte sempre para novas missões, cumprindo ordens de um chefe tão absurdo como eles.

Muitos leitores já devem ter assistido a alguns desenhos animados da série Mr. Magoo que, além de terem sido exibidos nas telas dos cinemas, apareceram na Rede Tupi nos anos 60 e 70, mas talvez não saibam que eles fizeram parte de um movimento renovador no campo da animação cinematográfica, tendo inclusive sido contemplados com o Oscar da Academia em 1954 e 1956. Sua criação tem origem no início dos anos 40, quando irrompeu uma greve nos estúdios de Walt Disney e, em consequência, vários artistas foram buscar emprego nas demais companhias, que se beneficiaram bastante com transferência de talentos. Um outro grupo, liderado por Stephen Bosustow, resolve fundar a UPA (United Productions of America) com o propósito de revolucionar o gênero desenvolvendo um estilo bem diverso de tudo que vinha sendo feito neste campo artístico, procurando usar o som e a cor com mais flexibilidade imaginação, identificando-se com as tendências da arte moderna.

Stephen Bosustow

Na verdade, seus primeiros desenhos buscaram inspiração em alguns mestres da pintura do século 20, tais como Picasso ou Braque, tentando dar um tratamento virtualmente abstrato às histórias. Estas, por sua vez, baseavam-se em obras sérias, como o conto The Tell Tale Heart de Edgar Allan Poe ou Unicorn in the Garden de James Thurber, sendo o primeiro narrado por um ator de prestígio como James Mason.

Mas, como estes dois títulos de inegável significação não despertaram o interesse do grande público, a UPA decidiu então escolher personagens mais populares e enredos acessíveis, surgindo daí o Mr. Magoo (idéia do produtor John Hubley, criação de Millard Kaufman, direção principalmente de Pete Burness), um velhote míope, vestido com capotão, chapéu e cachecol, de bengala e fumando charuto, típico exemplar da classe média abastada. O personagem Mr. Magoo fo realmente derivado de várias figuras da vida real, entre elas, um tio de Hubley e W. C. Fields, entre outros.

Em 1997, Leslie Nielsen assumiu o papel de Mr. Magoo em um filme de ação ao vivo em longa-metragem, Mr. Magoo / Mr. Magoo (Dir: Stanley Tong), fracasso de bilheteria e malhado pelos críticos.

Magoo, por causa de sua precária visão, nunca percebe o perigo que está correndo, sacando, em face de cada situação, as mais incorretas suposições, sempre imperturbável e posudo. Esta atitude era sublinhada na versão original exibida nos cinemas não só pela fisionomia carrancuda e ventre avantajado da figurinha, como também pela voz característica, fornecida pelo comediante Jim Backus, que a dublagem não conseguia reproduzir. Mas podem notar que, ao invés daquelas criaturas redondinhas que os colaboradores de Disney faziam com tanta habilidade, os desenhistas de Mr. Magoo riscam formas plana, estilizadas, traços mais econômicos, não naturalistas, em cores frescas e audaciosas. Também os problemas são os de um ser humano e não mais peripécias de bichinhos; mas não se perdeu o eterno fascínio do desenho animado, ou seja, a possibilidade de acontecerem as coisas mais absurdas.

Tex Avery

Na década de setenta, os telespectadores ainda viram os desenhos animados de um dos mais talentosos artistas que os criaram: Tex Avery, texano gorducho, cego da vista esquerda, descendente em linha reta do legendário juiz Roy Bean. Ele começou nos anos 30, usando seu verdadeiro nome, Fred, como desenhista de Walter Lantz, passando logo após para a companhia de Leon Schlesinger, produtor independente dos cartoons distribuídos pela Warner., onde ajudou a desenvolver a figura do coelho Pernalonga (Bugs Bunny), do Patolino (Daffy Duck) e do Gaguinho (Porky), entre outros. Em 1942, transferiu-se para a Metro, tornando-se responsável por praticamente todos os desenhos, com exceção dos de Tom e Jerry; no estúdio da marca do leão criou o Droopy, espécie de Buster Keaton canino, o Screwy Squirrel e a dupla George e Junior, estes últimos inspirados nos protagonistas do filme Carícia Fatal / Of Mice and Men, baseado na novela de John Steinbeck e dirigido por Lewis MIlestone em 1939.

Pernalonga

Patolino

Gaguinho

Em 1954, voltou a colaborar com Lantz, inventando então o pinguim Picolino (Chilly Willy) e, um ano depois, resolveu dedicar-se exclusivamente aos comerciais para TV, tendo recebido vários prêmios. Com notável senso cômico e habilidade técnica ele dirigiu centenas de cartoons, entre os quais avultam algumas obras-primas como, por exemplo, Quem foi o Assassino / Who Killed Who / 1943, paródia dos romances policiais, empregando muitos clichês do gênero para fins de humor. Nos desenhos animados de Tex Avery estão presentes a fantasia anárquica e o universo absurdo que levou alguém a chamar Tex de … “O Walt Disney que leu Kafka”.

PAUL LENI NO CINEMA AMERICANO

Embora seja uma figura hoje negligenciada, ele foi um dos estilistas mais exuberantes dos últimos anos do cinema mudo. Sua maneira de filmar fortemente visual e plasticamente cativante sofreu influência do expressionismo alemão e, sob o aspecto do contéudo, inspirou-se nos primeiros seriados francêses de Louis Feuillade como Fantômas (1913-14) e Les Vampires (1916). Seu formalismo, assim como o de F. W. Murnau, deixou marcas profundas no cinema de Hollywood.

Paul Josef Levi (1885-1929) nascido em Stuttgart, Alemanha, filho de Moses Hirsch Levi e Rosa Mayer Levi, trabalhou ainda bem jovem como aprendiz de uma firma de ferragens ornamentais. Por volta de 1902 mudou-se para Berlim e se matriculou na Academia de Belas Artes para uma licenciatura em pintura. Em 1910, desenhou o cabeçalho art nouveau usado na capa do jornal especializado em cinema Lichtbild-Bühne e, depois disso, forneceu ilustrações para numerosos posters de filmes, além de servir como decorador dos interiores de um dos primeiros palácios do cinema de Berlim, o Lichtspielhaus Wittelsbach.

Paul Leni

Em 1913, começou uma longa associação com o produtor e diretor Joe May na Continental Kunstfilm, trabalhando como diretor de arte em filmes de detetive (Ein Ausgestossener / 1913 e Das Panzergewölbe / 1914). Convocado durante a guerra, dirigiu o drama documentário Der Feldarzt / Das Tagebuch des Dr. Hart / 1917. Continuando a servir como desenhista de produção para Ernst Lubitsch e Joe May, P. Leni também dirigiu seus próprios filmes, inclusive uma aventura exótica, Das Rätsel Von Bangalor / 1917, o conto de fadas Dornröschen / 1917 e o drama expressionista Patience / 1920.

Na Gloria-Film entre 1919 e 1921, seus desenhos incluíram as humildes habitações dos fazendeiros em Die Geier-Wally / 1921 de E. A. Dupont e os interiores resplandecentes de épicos históricos como Die Verschwörung Zu Genua / 1920-21, dirigido por ele mesmo e Lady Hamilton / 1921 de Richard Oswald. No drama de câmara Hintertreppe / 1921, seu pictorialismo hábil destacou-se do simbolismo um tanto pesado do codiretor Leopold Jessner.

Após fundar a companhia de produção Paul Leni- Film em 1922, ele e o compositor Hans May abriram o teatro de cabaré “Die Gondel”, financiado por emigrantes russos. Estes mesmos emigrantes eram donos da Neptun-Film, que produziu Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, dirigido por P. Leni, composto por três episódios distintos, estrelados por Emil Jannings como Harun al-Rashid, Conrad Veidt como Ivã, o Terrível, e Werner Krauss como Jack, o Estripador.

Leni continuou a demonstrar extrema versatilidade nos dois anos seguintes, desenhando cenários; colaborando com Guido Seeber em uma série de curtas-metragens de animação, que eram jogos de palavras cruzadas filmados; criando prólogos para estréias de filmes em cinemas de Berlim tais como Paraíso Proibido / Forbidden Paradise de Ernst Lubitsch, Peter Pan / Peter Pan de Herbert Brenon e Varieté / Varieté de E. A. Dupont.

Contratado por Carl Laemmle para ser diretor na Universal em Hollywood, P. Leni realizou O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1926-27, adaptação de uma peça da Broadway de John Willard que chamou atenção por sua iluminação extraordinária e seus efeitos pictóricos e o tornou conhecido como um mestre em filmes de mistério atmosférico. Subsequentemente dirigiu: O Papagaio Chinês / The Chinese Parrot / 1927; O Homem Que Rí / The Man Who Laughs / 1927-28 e O Último Aviso / The Last Warning / 1929. Contraindo uma sepse em decorrência de uma infecção dentária não tratada, P. Leni faleceu aos 44 anos de idade. Seus filmes exerceram uma influência profunda sobre a série de horror da Universal dos anos 30 e 40.

 

O GATO E O CANÁRIO.

Exatamente vinte anos após a morte do milionário recluso e excêntrico, Cyrus West, um grupo de parentes do falecido (Arthur Edmund Carewe, Forrest Stanley, Creighton Hale, Flora Finch, Gertrude Astor) chega à sua velha e assustadora mansão para a leitura do seu testamento ao bater da meia-noite. Porque não gostava das atitudes gananciosas de seus parentes – que estavam de olho na sua fortuna como um gato em torno de um canário -, West deixou todos os seus bens para o parente mais distante com o nome West – a inocente Annabelle (Laura La Plante). A única condição imposta é que ela deve ser declarada sã por um médico para herdar. Se Annabelle não for declarada em plena posse de suas faculdades mentais a fortuna passará para a pessoa nomeada em um segundo envelope guardado no cofre de West. Mas o advogado, Roger Crosby (Tully Marshal, responsável pela guarda do testamento, é encontrado morto. Logo depois, chega o guarda de um asilo próximo (George Siegmann) em perseguição a um louco fugitivo conhecido como The Cat (O Gato) assim chamado porque “rasga suas vítimas como o gato faz com os canários”. Enquanto os herdeiros passam à noite na mansão, Annabella é ameaçada pelo Gato e várias ocorrências inexplicadas levam a família a duvidar de sua sanidade. Até que o verdadeiro “monstro” é capturado pela polícia e vem a ser a pessoa indicada no segundo envelope.

Leni não procura disfarçar a origem teatral do argumento, mantendo uma unidade de lugar (o castelo), de tempo (a noite) e de ação (as consequências do testamento), mas narra a história de um modo visualmente estimulante, criando sequências nas quais o mistério se mistura com a comédia e o horror enquanto uma intriga policial prende nossa atenção do início ao fim do filme.

 

O PAPAGAIO CHINÊS.

Sally Randall (Marian Nixon), filha de um rico plantador havaiano, casa-se com Phillimore, o homem escolhido por seu pai, apesar de ter jurado seu amor a Philip Madden (Hobart Bosworth); arrancando de sua garganta as pérolas caras que lhe foram dadas por seu pai, Madden declara que um dia ele vai comprá-la pelo mesmo preço. Vinte anos mais tarde, agora uma viúva em dificuldades financeiras, Sally (agora interpretada por Florence Turner) põe as jóias à venda em San Francisco. Acompanhada por sua filha, Sally, ela fica surpresa ao descobrir que Madden negociava as pérolas que ela confiou a Charlie Chan (K. Sojin) um detetive chinês, e a venda foi condicionada à entrega das jóias na sua casa no deserto. Madden é feito prisioneiro por criminosos e personificado por um imitador, Jerry Delane (Hobart Bosworth), que acolhe Sally e Robert Eden (Edward Burns), o filho do joalheiro. Enquanto Chan está secretamente investigando, as jóias são roubadas por várias pessoas, mas sucede que um papagaio chinês, que testemunhou o sequestro, consegue contar tudo em inglês para o detetive.

Esta adaptação cinematográfica do romance de Earl Der Biggers de 1926 é considerada um filme perdido. Reproduzo um trecho sobre a realização publicado no jornal Correio da Manhã na época de seu lançamento no Cinema Pathé do Rio de Janeiro: “Pode-se sem receio afirmar que o conhecido diretor alemão Paul Leni revolucionou a arte cinematográfica, realizando uma admirável inovação na respetiva técnica. Essa técnica é inconfundivelmente sua, muito sua”.

O HOMEM QUE RI.

Por ordem do rei James II, inimigo político de seu pai, Gwynplaine (Conrad Veidt), ainda menino, teve seu rosto desfigurado, ficando com um perpétuo sorriso macabro. Ele se torna um palhaço famoso e na companhia de Dea (Mary Philbin), uma moça cega, viaja na carroça de Ursus (Cesare Cravina), um artista saltimbanco de coração generoso. Um romance se desenvolve entre Gwynplaine e Dea até que ele descobre que é herdeiro de um título de nobreza. Barkilphedro (Brandon Hurst), bobo da corte da rainha Anne (Josephine Crowell,) fica sabendo da reivindicação de Gwymplaine ao título. A rainha, vendo uma oportunidade de disciplinar sua meia-irmã, Duquesa Josiana (Olga Baclanova), restaura Gwynplane no seu título de nobreza e decreta que ele deverá se casar com Josiana; porém Gwinplane renuncia ao título, recusa o matrimônio com a duquesa e segue Dea e Ursus, que haviam sido banidos da Inglaterra. Na sua fuga, é perseguido pelos soldados da rainha e Barkilphedro. Escapando ileso, encontra Dea e Ursus no momento exato em que o barco que os conduz está partindo.

Apesar de ter um final feliz diferente do romance de Victor Hugo (no qual Gwynplaine chega demasiado tarde ao barco, encontra Dea afogada e se suicida por desespêro), P. Leni apresenta um resumo aceitável e inspirado da obra literária, misturando melodrama romântico, comédia, sátira, ingredientes do filme de capa-e-espada com  a magnificência dos cenários, um esplendor plástico e uma montagem trepidante, beneficiando-se sobretudo da magnífica interpretação de Conrad Veidt  que, apesar de seu sorriso estático, foi capaz de fazer transparecer suas emoções através de um olhar tão eloquente.

O ÚLTIMO AVISO

Em um grande teatro da Broadway, o ator John Woodford morre assassinado em plena representação, eletrocutado quando sua mão acabou de tocar um candelabro. Os principais suspeitos são a atriz principal feminina, Doris Terry (Laura La Plante), o substituto de Woodford, Richard Quayle (John Boles) e o parceiro de Woodford, Harvey Carleton (Roy d’ Arcy), apaixonado, como Quayle, pela jovem Doris. Quando o legista chega, o cadáver desapareceu. Cinco anos mais tarde, por iniciativa do um dramaturgo, Arthur McHugh (Montagu Love), que é na verdade um policial visando expor o assassino, o teatro é reaberto com a peça fatídica, usando artistas do elenco original ainda disponíveis. Os ensaios começam e com eles acontecimentos estranhos (cenário que desaba, vozes estranhas) supostamente calculados para amendrontar os componentes da companhia. Estes recebem uma série de bilhetes anônimos do morto, com terríveis advertências do que lhes acontecerá, se mantiverem o teatro aberto.  O “fantasma” de Woodford aparece e emite um último aviso. Finalmente, após vários acontecimentos, descobre-se o assassino e o motivo do crime.

Baseado na peça de Thomas F. Fallon, por sua vez inspirada na história “The House of Fear”, escrita por Wadsworth Camp, foi o último filme de P. Leni antes de sua morte prematura. Trata-se de um drama criminal de mistério contendo os ingredientes clássicos do gênero com alguns elementos de horror (perspectivas distorcidas, ângulos inclinados, câmera baixa, jogo de sombras, sustos com teias de aranha ou rajadas de morcegos). A câmera desliza por todos os lugares e maior parte dos planos ainda hoje suscita espanto e admiração por causa de seu brilhantismo, notando-se o emprego pioneiro de truque visuais como, por exemplo, a cena em que vemos o assassino mascarado balançando em uma corda nas vigas do teatro. P. Leni coloca a câmera na própria corda e a empurra para lá e para cá, a fim de captar do ponto de vista do perseguido a reação de seus perseguidores. Merece destaque ainda o desenho de produção de Charles D. Hall (colaborador do diretor também em O Gato e o Canário e O Homem Que Ri), notadamente o balcão barroco do teatro.

ZARAH LEANDER

Bela, alta, de olhos escuros e cabelos ruivos, com voz grave e quente, esta diva da canção de fossa foi uma das maiores estrelas femininas durante o Terceiro Reich e subsequentemente se tornou um ícone contracultural para os gays e drag queens alemães. No começo da Segunda Guerra Mundial, Zarah estava ganhando 150 mil RM por filme, mais do que qualquer outro ator daquela época (Emil Jannings recebia 125 mil RM; Hans Albers, 120 mil RM; Gustaf Gründgens, 80 mil RM).  Mais tarde, chegou a perceber 400 mil RM. Seu rosto aparecia em toda parte, seus discos vendiam-se aos milhares e eram ouvidos constantemente no rádio. Os críticos descreviam sua voz como o canto de uma sereia ou um chamado do céu. No Brasil, as revistas de cinema A Scena Muda e Cinearte estampavam constantemente suas fotos e publicavam matérias extensas a respeito dela. Os anúncios de seus filmes nos jornais apelidavam-na de … a esfinge nórdica. Seus fãs aqui em nosso país eram numerosos. Com a partida de Marlene Dietrich para Hollywood e a recusa de Greta Garbo de trabalhar em filmes alemães, Goebbels encontrou uma substituta ideal para elas na pessoa de Zarah Leander, que havia chamado a atenção do departamento de elenco da UFA por causa de sua voz parecida com a de Marlene e um rosto luminosamente belo reminiscente de Garbo.

Zarah Leander

Sara Stina Hedberg (1907 – 1981), nasceu em Karlsbad, condado de Varmlândia, Suécia, filha do pastor Lorentz Heberg e de Mathilda Wikstroem. Desde cedo atraída pelas artes, estudou piano e violino, apresentando-se como cantora primeiramente na igreja onde seu pai oficiava, acompanhando-se ao órgão. Quando adolescente, morou dois anos em Riga, na Letônia, onde aprendeu o idioma alemão e trabalhou como secretária em uma empresa de publicidade. Seguiram-se aparições em revistas, operetas e comédias nos teatros entre 1929 e 1935.

Sua primeira chance surgiu quando ela substituiu a atriz principal no papel de Hanna Glawari, “A Viúva Alegre” na opereta famosa de Franz Lehar. Isto se passou em Estocolmo e seu parceiro era Gösta Eckman, glória das cenas nórdicas. O que deveria ter durado o espaço de algumas representações, iria, dado o sucesso, continuar, igualmente em Copenhagen, um ano inteiro. Zarah estava definitivamente lançada no meio artístico.

As tournês (constituídas não somente por operetas, mas também por comédias e revistas) se seguiram, notadamente em Viena. Após algumas tentativas (Dantes Mysterier, Falska Millionären, ambos de 1931, Äktenskapsleken, de 1935), na verdade pouco convincentes, nos estúdios de cinema de seu país natal, Zarah havia mesmo jurado não repetir jamais a experiência. Mas, trabalhando em outra opereta, “Axel an der Himmelstür” em Viena, Geza von Bolvary conseguiu persuadí-la a tentar sua chance novamente nas telas. E foi assim que ela fez o papel de uma artista do teatro de revista em Première / Premiere / 1937, musical com aspectos de filme policial, produzido pela Gloria-Films que, apesar de uma qualidade mais do que discutível, obteve grande sucesso.

Recomeça a Vida

La Habanera

Seguiu-se um contrato com a UFA, onde Detlef Sierk (depois conhecido em Hollywood como Douglas Sirk) firmou sua persona típica de mulher sofredora em dois melodramas Recomeça a Vida / Zu Neuen Ufern / 1937 e La Habanera / La Habanera / 1937. Os filmes de Sierk também propiciaram a Zarah muita oportunidade de cantar suas típicas baladas melancólicas. Em Recomeça a Vida ela é uma cantora inglesa, Gloria Vane, que assume a culpa pela fraude cometida por seu amante (Willy Birgel) e é deportada para uma prisão de mulheres em Paramatta na Austrália. Em La Habanera ela é uma jovem sueca, Astrée Sternjhelm, que chega a Porto Rico, fica seduzida pelo ambiente tropical e por uma melodia popular (La Habanera) e se casa com Do Pedro de Avila (Ferdinand Marian), o homem mais influente da ilha, ciumento e autoritário. Dos cinco filmes de Zarah que pude adquirir em dvd, gostei mais destes pela imaginação visual de Sierck e pelas belas canções respectivamente de Ralph Benatzky (“Ich hab’ eine Tiefe Sehnsucht in mir” / Eu tenho uma saudade profunda em mim; “Yes, Sir!”/ Sim, Senhor!; “Ich Steh’ im Regen und warfe auf Dich”/ Eu estou na chuva a esperar por você. ) e Lothat Brühne (“Der Wind hat mir ein Lieden erzählt” / O Vento contou-me uma história; “Du kannst es nichwissen”/ Você não pode sabê-lo; “A-B-C … Kinderlied”./ A-B-C … Cantigas Infantís)       interpretadas pela atriz com aquela “voz feita de trevas e mistério” como diziam pitorescamente os jornalistas da época. Os outros que ví, Minha Terra, Noite de Baile e Der Grosse Liebe, não me agradaram tanto, mas a presença de Zarah é sempre fascinante.

Minha Terra

Depois da partida de Sierk para o exílio por causa de sua orientação política e sua mulher judia, outros diretores deram prosseguimento à fórmula, especialmente Carl Froelich, que dirigiu Zarah em Minha Terra / Heimat / 1938, Noite de Baile / Es War Eine Rauschende Ballnacht / 1939, Coração de Rainha / Das Herz Der Königin / 1940, no qual ela fez o papel da Mary Stuart, Rainha da Escócia.

Noite de Baile

A UFA lançou uma grande campanha publicitária em torno de sua estrela em um estilo que só ela poderia ter conseguido, comercializando Zarah vigorosamente. Cada mínimo detalhe de suas aparições era cuidadosamente planejado. Quando Zarah partia em grandes viagens de publicidade no exterior, não ela, mas o departamento de figurinos da UFA, decidia o que deveria vestir, onde e como. Para ter certeza de que a atriz não cometesse nenhum erro, os costureiros lhe davam longas listas, que prescreviam com grande detalhe a composição de suas roupas e os acessórios apropriados para cada ocasião.

A pessoa mais importante neste trabalho foi o diretor de fotografia Franz Weihmayr, cujo currículo incluía principalmente os documentários de Leni Riefenstahl, O Triunfo da Vontade / Triumph des Willens / 1934 e Olympíadas e Mocidade Olympica/ Olympia, Fest der Volker, Fest der Schönheit / 1936. Weihmayr passava horas iluminando um close-up daquele rosto com ossos fortes e olhos langorosos para que pudesse revelar o mistério e a melancolia que se tornaram a encarnação de sua indescritível tristeza. Nos anos do pré-guerra e ainda mais durante a guerra, os alemães sob o Estado Nazista encontraram nesta tristeza o romantismo que lhes fôra negado na sua vida cotidiana e a força da qual eles desesperadamente necessitavam.

DIe Grosse Liebe

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as personagens de Zarah serviram como exemplo propagandístico para as mulheres que ficaram sozinhas na frente doméstica, particularmente em Abnegação / Der Weg Ins Freie / 1941 e Die Grosse Liebe / 1941, um dos filmes de maior sucesso do período nazista. Lançado em 12 de junho de 1942, conta uma história de amor entre um piloto alemão (Viktor Staal) de licença e uma cantora dinamarquesa do teatro de revista, Hanna Holberg (Zarah Leander) e seus problemas contínuos quando a guerra interrompe sua relação. Foi a maior contribuição da UFA para estabilizar o desmoronamento moral da frente doméstica da Alemanha. Apenas duas semanas antes, o primeiro grande ataque aéreo britânico havia reduzido a escombros o distrito central de Colônia em noventa minutos.

Raposa Azul

Nas décadas de trinta e quarenta, Zarah ainda fez: Raposa Azul / Der Blaufuchs / 1939; Canção do Deserto / Das Lied Der Wuste / 1939 e Damals / 1943. Entretanto, depois de ter sido orientada a adotar a nacionalidade germânica e a Ufa não querer mais respeitar a cláusula de seu contrato, segundo a qual ela deveria receber parte de seus honorários em moeda sueca, Zarah rescindiu seu contrato com a empresa alemã em 1943 e decidiu retornar para sua terra natal. A destruição de sua vila em Berlin- Grunewald durante um bombardeio, também contribuiu para a tomada desta decisão. Levando dois tapetes persas – tudo o que lhe restou – ela embarcou no primeiro avião para a Suécia.

Damals

As autoridades de lá proibiram-na de trabalhar, e outras proibições neste sentido foram estendidas na Alemanha e na Austria no final da guerra. Todavia, em 1949, Zarah foi capaz de reiniciar sua carreira de cantora e atriz. Embora seus filmes do pós-guerra nunca igualaram o êxito dos seus anos na Alemanha, o filme que marcou seu primeiro retôrno, Gabriela / 1950, dirigido por Géza von Cziffra, ainda foi a terceira produção cinematográfica de maior bilheteria na Alemanha Ocidental, seguindo-se, nos anos cinquenta: Destino de uma Mulher / Ave-Maria; Cubacabana / 1957 e Meu Filho é Inocente / Der Blaue Nachtfalter / 1959.

Zarah casou-se primeiro como o ator Nils Leander, com quem teve dois filhos, Göran e Böel. A união durou pouco por causa da diferença de idade e, sobretudo, por uma incompatibilidade de temperamento flagrante. Ela então conheceu o jornalista Vidar Forsell, união que se desfez em 1945. Em 1956, desposou seu compatriota, o pianista e chefe de orquestra Arne Hülphers, matrimônio que perdurou até a morte de Hülphers em 1978.

Em 1965, Zarah foi vista em uma comédia musical cujo assunto foi tomado emprestado de Oscar Wilde, no qual ela cantava “Ich Bin Eine Frau mit Vergangenheit” (Eu sou uma mulher que tem um passado). Em 1973 a biografia de Leander foi publicada (Es war so wunderbar – Mein Leben (Ela foi maravilhosa – Minha Vida). Ela fez sua última aparição em Estocolmo em 1978.

A MARCHA DO TEMPO E LOUIS DE ROCHEMONT

Muitas décadas já se passaram desde que os newsreels (cine-jornais) apareciam nas telas dos cinemas e hoje os espectadores que os conheceram não devem mais se lembrar deles. O público mais jovem nem sequer sabe que eles existiram.

O cine-jornal era um pot-pourri de cenas com duração de cinco a dez minutos cobrindo notícias filmadas, que costumava ser exibido duas vezes por semana nos cinemas americanos. Por mais de meio século, de 1911 a 1967, ele sobreviveu intacto e, durante este tempo, fez parte dos programas de praticamente todas as salas de exibição dos Estados Unidos.

No auge de sua existência, funcionavam cinco grandes cine-jornais americanos: Fox Movietone News (20th Century-Fox Atualidades); Hearst Metrotone News (Metrotom Atualidades), depois reintitulado News of the Day (Notícias do Dia) distribuído a partir de certa data pela Metro; Paramount News (A Voz do Mundo); Pathé News (depois RKO-Pathé News e Warner-Pathé News (Atualidades RKO-Pathé, depois Warner-Pathé), Universal News (Noticiário Universal).

Uma série de fatores levaram ao fim do cine-jornal, principalmente a competição com os noticiários da televisão, que eram mais rápidos e mais completos na sua cobertura. A partir dos anos cinquenta, eles foram desaparecendo: Warner Pathé fechou em 1956; Paramount News em 1957, Fox Movietone News em 1963 e Hearts Metrotone News e Universal News em 1967.

Muitos críticos consideravam o cine-jornal fundamentalmente falho como meio jornalístico por causa da relutância dos produtores em tratar de assuntos polêmicos. Os críticos também achavam que não conseguia apresentar um tratamento completo das atualidades. Por causa de sua breve duração e sua cobertura de tantos assuntos diferentes, o tratamento de qualquer evento era superficial ou inadequado. Claramente, nos meados dos anos trinta havia chegado a hora de um “cine-jornal interpretativo”, que pudesse explorar notícias selecionadas com maior profundidade.

A Marcha do Tempo, lançado em 1935 pela Time Inc., produzido por Louis de Rochemont, distribuído pela 20th Century-Fox, preencheu esta necessidade e revolucionou os conceitos existentes do jornalismo fílmico, causando durante 16 anos um grande impacto sobre o público americano e internacional. Sua criação, tanto no rádio como no cinema, deveu-se a Roy Edward Larsen, originalmente gerente de circulação e depois gerente geral da Time e figura mais influente na empresa depois de seu fundador Henry Luce.

Em 1928, Larsen, em associação como o executivo do rádio Fred Smith, empreendeu a transmissão semanal de uma série de programas de 10 minutos de breves resumos de notícias extraídas dos números correntes da revista Time. Para este programa, Larsen cunhou o termo “Newscasting”, logo convertido em uma nova série chamada “Newsacting”, que apresentava esquetes dramáticos interpretados por atores profissionais com acompanhamento de efeitos sonoros, ilustrando notícias de jornal correntes. A série era oferecida de graça para as estações de rádio em troca de publicidade para a revista Time. Embora mais de cem estações se inscrevessem no programa, Larsen e Smith ficaram insatisfeitos com seu formato modesto e propuseram a Luce que a Time produzisse um programa de meia hora com mais recursos, utilizando “os dez melhores atores do rádio”, um “locutor extraordinário”. “uma orquestra esplêndida” e um “diretor inteligente”. No momento oportuno, eles conseguiram o que desejavam.

Transmissão da A Marcha do Tempo no rádio

O título de uma canção de Harold Arlen, “The March of Time”, que havia sido escrita para uma produção da Broadway, foi escolhida para a série e a própria canção usada como música de abertura. A primeira transmissão ocorreu em 6 de março de 1931 através da CBS e ficou no ar até 1945 como um dos programas de rádio mais populares, ouvido por milhões de americanos. Ao longo dos anos funcionaram três “locutores extraordinários”, Ted Husing, Harry Von Zell e Westbrook Van Voorhis; uma “orquestra esplêndida” conduzida em épocas diferentes por Donald Voorhees e Howard Barlow; “diretores inteligentes” como  Arthur Pryor, Jr. e Don Stouffer; e finalmente alguns “dez melhores atores” foram contratados, entre outros: Agnes Morehead, Nancy Kelly e Jeannette Nolan (que interpretaram Eleanor Roosevelt de tempos em tempos); Art Carney, Bill Adams e Stats Cotsworth (todos os quais interpretaram Franklin Roosevelt); Dwight Weist (Adolf Hitler), Edwin Jerome (Josef Stalin e Hailé Selassié), Ted de Corsia (Mussolini), Peter Donald (Neville Chamberlain), Jack Smart (Huey Long), Maurice Tarplin (Winston Churchill), Gary Merrill, Kenny Delmar, Arlene Francis, Ray Collins, Pedro de Cordoba, Porter Hall, Arnold Moss, Paul Stewart, Juano Hernandez, John McIntire, Everett Sloane  e um Orson Welles muito jovem. A série foi suspensa em 1939, revivida em 1941 e, com um novo formato, durou até 1945, quando saiu do ar.

Orson Welles no programa radiofônico

Tendo em vista o talento de Larsen para a inovação jornalística, era inevitável que ele consideraria converter A Marcha do Tempo em uma série cinematográfica. A pessoa escolhida para produzir a série no cinema foi um veterano cinegrafista chamado Louis de Rochemont, produtor de séries de curta metragem como Tapete Mágico / Magic Carpet e As Aventuras de um Operador Cinematográfico / Adventures of a Newsreel Cameramen na Fox Movietone Corporation. A Marcha do Tempo foi fundada em 1934, separada mas sob o controle e propriedade da Time, Inc. com escritórios na 135 East 42nd Street em Nova York e, em 26 de janeiro de 1935, cerca de 500 cinemas haviam reservado a série antecipadamente para a sua programação.

Louis de Rochemont

Louis de Rochemont (1899 – 1978) nasceu em Chelsea, Massachussetts, filho de um advogado de Boston, Louis L. G. Rochemont e Sarah Wilson Miller. Sua família descendia dos huguenotes francêses que haviam se instalado em New Hampshire, região da Nova Inglaterra, nos anos 1820. Ele foi criado e educado próximo à Winchester, vila localizada em Massachussetts.  Aos 13 anos de idade, já estava trabalhando como cinegrafista de cine-jornais autônomo, fornecendo aos cinemas da região cenas filmadas de cidadãos locais e eventos com uma câmera de 35mm.

Aos 16 anos de idade, chamou atenção com sua cobertura da prisão de Werner Horn, sabotador alemão acusado da demolição de uma ponte em Vanceboro, Maine. Ao saber da apreensão de Horn, Rochemont e outros cinegrafistas de cine-jornais partiram apressadamente para para Portland, local da prisão, onde descobriram que haviam chegado atrasados para filmar o encarceramento. Rochemont permaneceu no local até que seus competidores fossem embora e então persuadiu, tanto o xerife como o sabotador, a “recriar” conjuntamente o aprisionamento exatamente como havia ocorrido antes. Este foi a primeira tentativa de Rochemont de “recriar”a realidade, reencenando eventos reais.

Durante a Primeira Guerra Mundial Rochemont serviu na Marinha e, ao retornar para a vida civil, trabalhou subsequentemente na Hearst International Newsreel, Pathé News e Fox Movietone News, onde produziu a série Tapete Mágico e As Aventuras de um Operador Cinematográfico. Em 1933, ele se aventurou na produção independente de um documentário de 70 minutos intitulado The Cry of the World, que construiu com material filmado da guerra e de cine-jornais do acervo da Fox Movietone. O filme era uma acusação contundente da guerra e da opressão e deu uma idéia dos conflitos militares que ainda estavam por vir. Foi um dos primeiros longas-metragens de compilação (editado a partir de imagens de arquivo) com som ótico. Entretanto, em 1933, o filme – utilizando técnica de montagem que se tornariam populares nos anos 60 e 70 – era temática e estilisticamente adiante de seu tempo e foi um fracasso financeiro.

Porém Rochemont nunca olhava para trás e começou a trabalhar em uma série inteiramente nova, chamada March of the Years, recriando acontecimentos históricos envolvendo pessoas célebres ou infame, que foi inspirada pela versão radiofônica de A Marcha do Tempo.  O objetivo de Rochemont era “reencenar” o passado de um modo ao mesmo tempo convincente e divertido, usando atores e atrizes profissionais nos papéis de personagens históricos conhecidos. A série foi anunciada como “O primeiro curta-metragem diferente desde Mickey Mouse” e foi exitosamente distribuída pela Columbia Pictures. A maioria dos atores da nova série vinham do teatro, muitos dos quais aparecia em filmes pela primeira vez, entre eles Charles Coburn, que interpretava o político do final do século XIX, William M. Tweed, conhecido como o “Czar de Nova York”.

Estes foram os antecedentes do homem que, aos 35 anos de idade, foi contratado para lançar o novo projeto ambicioso de Roy Larsen, a Marcha do Tempo, nos cinemas. Em 1 de fevereiro de 1935, o primeiro exemplar da série foi lançado no Capitol Theatre em Nova York e quase simultaneamente em 71 cinemas de primeiro lançamento através do país. Com duração de 22 minutos, cobrindo uma ampla variedade de assuntos, em um estilo que os produtores chamavam de “jornalismo pictórico”.

Entre os principais colaboradores de Louis de Rochemont estavam seu irmão Richard, que por muitos anos comandou uma operação agressiva muito eficiente para a Marcha do Tempo na Europa; John Grierson, Harry Watt, Len Lye, que estavam criando o movimento documentarista britânico;  Gunther von Fritsch (conhecido depois por sua participação na série de horror de Val Lewton) e Franklin Schaffner (diretor de O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes e outros bons filmes dos anos 60-70); Jack Glenn, realizador dotado de muita energia e tenacidade, responsável por mais de 121 dos 290 episódios de A Marcha do Tempo.

Rochemont contou ainda com três diretores musicais (John Rochetti, Louis De Francesco, Jack Shaindlin); o chefe de montagem Lothar Wolff (que trabalhou com grandes diretores como G. W. Pabst, Fritz Lang, Rex Ingram e Abel Gance); vários roteiristas destacando-se Jimmy Shute e John Martin; Tom Orchard, braço direito de Louis que exerceu várias atividades durante os anos 30; os cameramen Jimmy Hodgson, Victor Jurgens, Peter Hopkinson, Frank Follette, Eric Salomon, Julian Bryan e técnicos de montagem e corte como Jack Bradford e Morris Roizman, para citar apenas os mais importantes. Porém o mais popular de seus colaboradores foi sem dúvida (Cornelius) Westbrook Van Voorhis, cuja voz poderosa e autoritária narrou A Marcha do Tempo durante toda a sua história, empolgando os quando dizia o bordão “Time … Marches On!”. Em 1936 a Academia ofereceu um Oscar Especial para A Marcha do Tempo “por sua importância para o Cinema e por ter revolucionado um significativo ramo da indústria – o jornal cinematográfico”. O episódio da série, A Chance to Live / 1949, estudo sobre os órfãos empobrecidos e brutalizados na Itália do pós-guerra, concorreu ao Oscar com o filme de animação So Much for So Little da Warner Bros. na categoria de Melhor Documentário Curto, ocorrendo um empate entre as duas realizações.

 

Primeiramente, cada cine-jornal de A Marcha do Tempo tinha vários segmentos, mas desde 1938 passou a abordar apenas um tópico, como foi o caso de Inside Nazi Germany, feito para condenar a militarização, opressão e ideologia do regime Nazista. Em 1940, Rochemont produziu e dirigiu o primeiro longa-metragem de A Marcha do Tempo, The Ramparts We Watch, dramatização do impacto de Segunda Guerra Mundial em uma pequena cidade americana. Em 1942, produziu We Are the Marines e seu irmão Richard cuidou de The Story of the Vatican / 1941 e The Golden Twenties / 1950.

 

Em 1943, Louis se juntou à 20th Century-Fox, para a qual produziu, no ano seguinte, o documentário Belonave / The Fighting Lady, premiado com o Oscar. Após a Segunda Guerra Mundial, ainda como produtor da Fox, ele foi pioneiro na filmagem de longas-metragens de ficção em estilo semi-documentário, destacando-se os excelentes dramas de espionagem A Casa da Rua 92 / House on 92nd Street / 1945 e 13, Rua Madeleine / 13, Rue Madeleine / 1946, ambos dirigidos por Henry, e o drama criminal O Justiceiro / Boomerang /.1947, dirigido por Elia Kazan).

Posteriormente, Rochemont tornou-se produtor independente, formando a Louis de Rochemont Associates com ex-colegas de A Marcha do Tempo. Seus filmes subsequentes: Fronteiras Perdidas / Lost Boundaries. 1951 – O Direito de Viver / The Whistle at Eaton Falls. 1952 – Caminhe para o Leste / Walk East on Beacon! 1953 – Martim Lutero / Martin Luther. 1955 – Cinerama Holiday. 1958 – Windjammer. 1960 – Contra Espionagem / Man on a String. 1961 – Em Roma na Primavera / The Roman Spring of Mrs. Stone..

Rochemont atuou ainda como produtor de fachada para A Revolução dos Bichos / Animal Farm / 1954, filme de animação de propaganda anticomunista, financiado pela Central Intelligence Agency (CIA). Esta agência forneceu a quantia necessária para Rochemont adquirir os direitos de filmagem da sátira política de George Orwel e ele contratou o casal de animadores britânicos John Halas e Joy Batchelor para dirigir o filme, que foi  apresentado no Brasil em  dezembro de 1962  durante   o   festival “Panorama do Cinema de Halas e Batchelor”, organizado pela Cinemateca do MAM em colaboração com o British Council,  com a presença dos cineastas..

D. PEDRO I NO CINEMA ARGENTINO

Um fato curioso pouco conhecido dos fãs de cinema: em 1941, a Columbia Pictures firmou um contrato com a companhia Lumiton, de Buenos Aires, para distribuição no Brasil do filme Embrujo, cujo argumento versava sobre os amores de D. Pedro I com Domitila de Castro Canto e Melo e que foi exibido entre nós como o título de A Marquesa de Santos.

O filme foi dirigido por Enrique Telémaco Susini, autor do roteiro de parceria com o poeta, professor, ensaista e conferencista Pedro Miguel Obligado. Susini (1891-1972) foi um empresário argentino e pioneiro da mídia. Em 1920, liderou o esforço para a primeira transmissão radiofônica na Argentina e subsequentemente fundou uma das primeiras estações de rádio regulares do mundo. Durante os anos vinte e trinta ele se tornou um empresário de sucesso na indústria nascente do rádio e do cinema. Além de seus interesses comerciais, Susini era um artista talentoso. Trabalhou como diretor de teatro na Argentina e Itália e dirigiu 5 filmes, um italiano (Noites do Danúbio / Finisce Sempre Cosi / 1939) e 4 argentinos (Los Tres Berretines, / 1933; Ayer y Hoy / 1934; La Chismosa / 1938; A Marquesa de Santos / Embrujo / 1941, produzidos pela Lumiton, que ele fundou em 1932 no início da Idade de Ouro do Cinema Argentino com outros sócios e na qual trabalhou o famoso diretor de fotografia John Alton.

 Alice Barrié e Georges / Jorge Rigaud em uma cena de A Marquesa de Santos

Entre os intérpretes de A Marquesa de Santos destacavam-se Alice Barrié (Domitila), Ernesto Vilches (José Bonifácio), Pepita Serrador (Imperatriz Leopoldina), Carlos Tajes (Chalaça) e Georges Rigaud, no papel de D. Pedro.

Pedro Jorge Rigato Delissetche, mais conhecido pelos seus nomes artísticos George Rigaud ou Jorge Rigaud nasceu em Buenos Aires e, entre 1932 e 1981, construiu uma carreira internacional extensa, compreendendo o cinema francês, americano, italiano, britânico, alemão, espanhol e argentino. Ele morreu em um acidente em Leganés (município localizado na província de Madrid), atropelado por uma motocicleta.

Colhí na revista A Scena Muda estas informações sobre a filmagem de Embrujo, que reproduzo tal como está escrito: “O Sr. Susini, não somente levou fotos destinadas a autenticar ambientes do filme, como contratou quatro pessoas do Rio como integrantes do ‘cast’.  Uma dessas era a artista do teatro popular, Celeste Aida, que iria fazer o papel de macumbeira numa cena de bruxaria (embrujo, feitiço), tendo-se submetido a provas e sido contratada. Infelizmente certas demoras vieram perturbar a viagem de Celeste não podendo ela tomar parte no filme. Dos outros brasileiros, peritos em capoeiragem, somente dois. Puderam ir a Buenos Aires para filmar as cenas de lutas entre capoeiras e outros arruaceiros. Eram três os contratados pelo Sr. Susini, mas apenas dois chegaram a Buenos Aires, após inúmeros contratempos … O filme para o Brasil é falado em português, cuja dublagem foi realizada em Buenos Aires. A cinematografia argentina presta, desta maneira, fidalga homenagem ao Brasil, trazendo para a tela uma página de nossa história política, celebrizada pela galantaria de Pedro I e as angústias da Imperatriz, mártir dos amores levianos do seu augusto e estouvado esposo”.

Carlos Tajes ,Alicia e Rigaud em A Marquesa de Santos

A Marquesa de Santos foi lançado no Rio de Janeiro no Cinema Plaza em conjunto com as salas Astoria, Olinda, Ritz e Parisiense, pertencentes ao Circuito Vital Ramos de Castro. Em São Paulo, a produção argentina foi apresentada no Cinema Rosário, situado na parte inferior do Edifício Martinelli no Anhangabaú, em avant-première de caridade.

Interessante, personagens da nossa história serem retratados por artistas portenhos numa produção caríssima para a época, filmada com muito luxo e esplendor, tanto no vestuário quanto na cenografia, tendo ainda canções e quadros coreográficos afro-cubanos como atrativo. Porém, infelizmente, segundo o crítico Domingo de Nubila, o romance entre o nosso monarca e Domitila de Castro Canto e Melo foi narrado numa linguagem pouco cinematográfica, sem o menor poder de sugestão.

Convém acrescentar que Rigaud não tinha a menor semelhança física como o nosso galante imperador, mas isso costuma acontecer com frequência no mundo imprevisível do cinema.

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS IV

MADELEINE RENAUD (1900-1994). Nome verdadeiro: Lucie Madeleine Renaud. Local de nascimento: Paris, França.

Madeleine Renaud

Ainda mocinha leu uma fábula por ocasião de uma festa de caridade. Por acaso, o ator Maurice de Féraudy estava lá e aconselhou sua mãe a encaminhar Madeleine para o teatro. Mamãe aceitou o conselho com a condição de que a filha cursasse o Conservatório e entrasse para a Comédie Française. A jovem saiu do Conservatório com seu primeiro prêmio (no papel de Agnès de “L’École des Femmes” de Molière – empatada com Marie Bell) e entrou para a prestigiosa companhia teatral fundada por Richelieu.

Em 1922, aos dezoito anos de idade, casou-se com o ator Charles Granval, perto de vinte anos mais velho do que ela. “Sem Granval, ela seria uma boa comediante. Sob sua influência, ela se tornou artista” (diria Jean-Louis Barrault). Membro permanente da Comédie desde 1928, Madeleine interpretou as jovens das peças de Molière (Henriette, Angélique, Marianne) e depois as coquetes de Marivaux e de Beaumarchais.

Madeleine iniciou sua carreira na cena muda em Vent Debout / 1923 de René Leprince, seguindo-se algum tempo depois La Terre qui Meurt / 1927 de Jean Choux. No início do cinema falado, distinguiu-se em Jean de La Lune, também de Jean Choux, como Marceline, ao lado de René Levèfre (Jean de la Lune) e Michel Simon (Clo Clo), e logo em seguida fez três filmes dirigidos pelo americano Harry Lachman (Mistigri / 1931; A Costureirinha da Província / La Couturière de Luneville /1932 e La Belle Marinière / 1932) inusitados, porque embora rodados na Paramount de Joinville, não eram versões de filmes hollywoodianos.

Madeleine ganhou mais notoriedade na tela em La Maternelle / La Maternelle / 1933 de Jean Benoît-Levy e Marie Epstein, no qual era Rose, jovem de origem burguêsa que trabalha em uma escola pobre e adota uma menina  abandonada. Rose é pedida em casamento por um médico e a criança, não podendo suportar o que ela ressente como uma traição, tenta se suicidar.

Ainda nesse período, Túnel Submarino / Le Tunnel / 1933 (versão francêsa) de Kurt Bernhardt e Primerose / 1934 de René Guissart  deram-lhe uma visibilidade ainda maior, reforçada graças a sua intervenção em um dos grandes filmes de Julien Duvivier, Maria Chapdelaine / 1934. No Canadá, Maria Chapdelaine é cortejada por três homens: um caçador  (François / Jean Gabin), um lenhador (Eutrope / Alexandre Rignault) e um citadino que vem regularmente comerciar na região (Lorenzo / Jean-Pierre Aumont). Ela prefere François, mas este morre de frio, ao enfrentar imprudentemente uma tempestade. A expressão no rosto de Madeleine Renaud, quando Maria avista o corpo inerte do seu amado, enrolado no cobertor, ninguém jamais esquece.

Após participar de mais alguns filmes, a atriz antigiu o auge de sua capacidade interpretativa em quatro filmes notáveis realizados  por Jean Grémillon: O Homem que Viveu Duas Vidas / L’Étrange Monsieur Victor / 1938; Águas Tempestuosas / Remorques / 1941; Lumière d’Été / 1943 e O Céu lhe Pertence (TV) / Le Ciel est à Vous / 1944. No primeiro, ela é a encantadora Madeleine, esposa do gordo e próspero Victor Agardanne (Raimu), que vive uma vida dupla de um comerciante honesto e respeitado durante o dia, que à noite se torna chefe de uma quadrilha de ladrões; no segundo, ela é Yvonne, que sofre de uma doença cardíaca enquanto seu marido, o capitão de um rebocador (Jean Gabin) se deixa seduzir por outra mulher (Michèle Morgan); no terceiro, ela é Cri-Cri, proprietária de um hotel nos Alpes e antiga amante de um aristocrata perverso (Paul Bernard),  implicado em um assassinato; no quarto, ela é Thérèse, cônjuge de Pierre Gauthier (Charles Vanel), proprietários de uma pequena garagem, que se apaixonam pela aviação, e Thérèse acaba batendo o recorde feminino  de distância em linha reta.

Nos anos cinquenta e sessenta, Madeleine fez mais alguns filmes (sendo os mais importantes O Prazer / Le Plaisir / 1952 de Max Ophuls, como Julia Tellier no segmento “La Maison Tellier” e Assim Deus Mandou / Les Dialogues des Carmélites / 1960, como a primeira Madre Superiora), e vários telefilmes, tendo sido o derradeiro deles, Oh! Les Beaux Jours, baseado na peça de Samuel Beckett, no qual ela atuou ao lado de seu segundo marido, Jean-Louis Barrault. Seu último filme foi La Lumière du Lac / 1988 de Francesca Comencini.

Madeleine Renaud e Jean-Louis Barrault estiveram duas vêzes no Brasil, estreando com sua companhia teatral no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1950 com as peças “La Seconde Surprise de L ‘Amour” de Marivaux e “Les Fourberies” de Scapin de Molière em 7 de maio de 1954 com as peças “Oedipe” de André Gide e “Amphitryon” de Molière. No repertório que trouxeram, constava também, entre outras, “Hamlet” de William Shakespeare, em uma tradução de André Gide.

VIVIANE ROMANCE (1912-1991). Nome verdadeiro: Pauline Ronacher Ortmans. Local de nascimento: Roubaix, Nord , França.

Viviane Romance

Estréia no mundo do espetáculo aos treze anos de idade como dançarina  no Teatro Sarah Bernhardt. Aos quatorze anos, junta-se à trupe do Moulin Rouge, onde chamou atenção quando esbofeteou a grande Mistinguett, que havia cometido a infelicidade de lhe falar de uma maneira um pouco rude. Ela parte então para dançar o can-can no Bal Tabarin e, aos dezesseis anos, passa para a opereta e o teatro de boulevard. Eleita Miss Paris aos dezoito anos, Viviane provoca um novo escândalo, quando se descobre que ela está grávida. Destituída de seu título, ganha em compensação uma certa notoriedade.

Viviane apareceu no cinema em 1929, trabalhando como figurante e depois fazendo

pequenos papéis (v. g. em Liliom / Liliom / 1934 de Fritz Lang; A Bandeira / La Bandera / 1935 de Julien Duvivier; Princesa Tam Tam / Princesse Tam Tam /  1935 de Edmond T. Gréville), até conquistar um lugar mais importante no elenco de Camaradas / La Belle Équipe / 1934. Neste filme exemplar de Julien Duvivier, Viviane é Gina, a jovem que provoca uma rivalidade amorosa entre Charles (Charles Vanel), seu ex-marido, e Jean (Jean Gabin), dois operários desempregados que ganharam o prêmio da loteria juntamente com outros três colegas, e resolveram se associar, para construir um restaurante.

A partir daí, Viviane encontrou mais oportunidades de demonstrar seu talento como Molly em O Puritano / Le Puritain / 1937 de Jeff Musso; Lolita em O Ídolo das Mulheres / Naples au Baiser de Feu / 1937 de Augusto Genina; como Hilda em  Traidora / L ‘Homme à Abattre / 1937 de Léon Mathot; como Adrienne Robineau em O Homem que Vivia Duas Vidas / L’Étrange Monsieur Victor / 1937 de Jean Grémillon; Gaby em Mademoiselle Docteur / Salonique, nid d’espions / 1937 de G.W. Pabst; Blanche du Placet em O Jogador / Le Joueur  de Louis Daquin (versão francêsa de Der Spieler de Gerard Lamprecht); Safia em Pecadoras de Tunis / La Maison du Maltais / 1938 de Pierre Chenal; Régine em Prisão de Mulheres / Prison des Femmes / 1938 de Roger Richebé; Mercedes em Gibraltar / Gibraltar / 1938 de Fedor Ozep; Angélica em Angélica / La Rose du Sang / 1939 de Jean Choux; Mireille em A Escrava Branca / L’Esclave Blanche / 1939 de Marc Sorkin;  Clara Véry em À Uma da Madrugada / La Tradition de Minuit / 1939 de Roger Richebé.

Sua presença no melodrama romântico e exótico Pecadoras de Tunis é inesquecível. Como Safia, uma prostituta européia que espera um filho de Matteo (Marcel Dalio),  um vagabundo, poeta e contador de histórias e depois, pensando que ele está morto, casa-se com um arqueólogo rico (Pierre Renoir), vindo a ser chantageada por um escroque (Louis Jouvet), Viviane celebra  toda a  sua beleza e o seu poder de sedução.

Nos anos quarenta, ela prosseguiu sua carreira, participando de quatro filmes, tendo como parceiro seu então marido, Georges Flamant (Vénus Aveugle / 1941, um dramalhão de Abel Gance; Cartacalla, reine des gitans / 1942 de Léon Mathot; Feu Sacré / 1942 de Maurice Cloche; Une Femme dans la Nuit / 1943 de Edmond T. Gréville), seguindo-se algumas realizações mais apreciáveis: Os Amores de Carmen / Carmen / 1945 de Christian-Jacque; Manon, a 326 / La Route du Bagne de Léon Mathot; A Tentadora / La Boîte aux Rêves / 1945 de Yves Allégret;  O Colar da Rainha / L’Affaire du Collier de la Reine / 1946, no qual ela interpreta o papel de Jeanne de la Motte, personagem central de um caso histórico célebre; Pânico / Panique / 1946 de Julien Duvivier; e Maya, a Desejável / Maya de Raymond Bernard.

O melhor foi Pânico, baseado em um romance de Georges Simenon, cujo protagonista é um fotógrafo amador e misantropo, Monsieur Hire (Michel Simon),  tido como suspeito de um crime. Viviane é Alice, amante do verdadeiro asssassino (Paul Bernard), que faz caírem as supeitas sobre Hire, secretamente apaixonado por ela.

Nas décadas subsequentes, Viviane fez mais dezesseis flmes, alguns na Itália; atuou como co-roteirista e / ou produtora em alguns deles; e encerrou suas atividades na tela em Nada / 1974 de Claude Chabrol.  Seus dois melhores filmes nesse período foram As Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 de Henri Decoin, no qual interpretou a envenenadora La Voisin e Gangsters de Casaca / Mélodie en Sous-Sol / 1962 de Henri Verneuil, no qual interpretou a esposa de um gângster sexagenário (Jean Gabin), recém saído da prisão, que planeja assaltar o Cassino de Cannes.

SIMONE SIGNORET (1921-1985). Nome verdadeiro: Simone Henriette Charlotte Kaminker. Local de nascimento: Wiesdaden, Alemanha.

Simone Signoret

Seu pai, André Kaminker, era um oficial do exército, judeu de descendência polonesa nascido na França e sua mãe, Georgette (Signoret) Kaminker, francesa católica originária da Provença. Simone nasceu na Alemanha renana então ocupada pelos francêses após a Primeira Guerra Mundial mas cresceu em Paris onde, depois de concluir seus estudos secundários, a fim de ajudar no sustento de sua familia, trabalhou como secretária para um jornal colaboracionista francês, dirigido por Jean Luchaire. Durante a Ocupação, ela frequentava o Café de Fiore em Saint-Germain-des-Prés, onde se reunia um grupo de artistas e escritores. A essa altura, Simone desenvolveu um interesse pela arte de interpretar e foi encorajada por seus amigos, a seguir a profissão de atriz.

Em 1942, graças à filha de seu patrão, a atriz Corinne Luchaire, ela começou a aparecer como figurante (v. g. Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 de Marcel Carné) ou em pequenos papéis (v. g. Lily, uma  taberneira em Les Démons de l’Aube /1945 de Yves Allégret), adotando o sobrenome de solteira de sua mãe, para esconder suas raízes judaicas. De modo que sua carreira cinematográfica iniciou-se verdadeiramente em 1946 com Hotel Clandestino / Macadam / 1946 de Marcel Blistène (supervisionado por Jacques Feyder), que lhe proporcionou o prêmio Suzanne-Bianchetti de atriz revelação.

Seguiram-se duas participações importantes em Fantômas / Fantômas / 1947 de Jean Sacha (como Hélène ao lado de Marcel Herrand / Fantômas) e no filme inglês de  espionagem  Heróis Anônimos / Against the Wind / 1947 de Charles Crichton; porém foi Yves Allégret (com quem vivia desde 1943 e se casou em 1948 depois do nascimento de uma filha, Cathérine Allégret), que ofereceu a Simone seus primeiros grandes papéis em Escravas do Amor / Dédée d’Anvers / 1947 e A Cínica / Manèges / 1950.

No primeiro, ela é Dédée, prostituta em um bar de propriedade de um ex-gângster simpático, M. René (Bernard Blier) e “protegida” de um rufião, Marco (Marcel Dalio). Ela se apaixona por Francesco (Marcel Pagliero), capitão de um cargueiro especializado em contrabando de armas. Marco não quer perder o seu ganha-pão e mata Francisco. Dédée e René executam Marco, ela retoma seu lugar ao lado do patrão, e a vida continua. No segundo, ela é Dora, que sofreu um acidente de automóvel e está gravemente ferida e inconsciente em uma clínica. À sua cabeceira encontram-se seu marido, Robert (Bernard Blier), e sua mãe, uma mulher, gorda e vulgar (Jane Marken). Robert, dono de uma escola de equitação, sacrificou tudo pela felicidade de Dora. A mãe revela a Robert que a filha não se casou com ele por amor, mas pelo seu dinheiro. Enquanto ela fala, Robert revê certos momentos de sua vida com Dora. Ela enganou-o várias vezes, e quando foi se encontrar com seu último amante, é que se acidentou. Robertse afasta, abandonando definitivamente Dora, que ficará paralítica.

Em 1949, Simone deixa Allégret por um jovem cantor descoberto por Edith Piaf, Yves Montand; eles se casam em dezembro de 1951. Na década de cinquenta, a  bela sensual e talentosa Simone tornou-se uma estrela, incorporando em sua filmografia trabalhos de alto teor artístico como Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 de Max Ophuls (como Léocadie, a prostituta); Amores de Apache / Casque d’Or / 1951 de Jacques Becker; O Último Endereço / Sans Laisser d ‘Addresse / 1951 de Jean-Paul le Chanois; Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1953 de Marcel Carné; As Diabólicas / Les Diaboliques / 1954 de Henri-Georges Clouzot; A Morte no Jardim / La Mort en ce Jardin / 1956 de Luis Buñuel; As Virgens de Salem / Les Sorcières de Salem / 1957 de Raymond Rouleau; Almas em Leilão / Room at the Top / 1959 de Jack Clayton.

O desempenho de Simone em todos esses filmes foi admirável, mas creio que sua atuação mais marcante foi em Teresa Raquin. Casada com seu primo Camille Raquin (Jacques Duby), de saúde frágil, Thérèse não é feliz, e se torna amante de Laurent, um caminhoneiro italiano (Raf Vallone). No curso de uma viagem de trem, após uma violenta discussão, Camille é morto por Laurent. O inquérito policial conclui que a morte de Camille foi um acidente, mas o destino intervém na pesoa de Riton (Roland Lesaffre), um marinheiro que testemunhara o crime, e começa a chantagear o casal de amantes. Simone consegue passar da frustação resignada ao êxtase do amor, depois à tristeza, ao ódio e ao medo. Uma criação excepcional da renomada atriz.

Em 1959, ela parte para os Estados Unidos com Yves Montand, que fôra convidado para atuar ao lado de Marilyn Monroe em Adorável Pecadora / Let’s Make Love / 1960 de George Cukor. Depois de ter ganho o Oscar de Melhor Atriz por sua interpretação em Almas em Leilão, retornou à França enquanto uma relação – conhecida por todos – se estabeleceu entre Montand e Marilyn durante alguns meses; entretanto, o ator francês reuniu-se com sua esposa após a promoção do filme. Na sua autobiografia, “La Nostalgie n’est plus ce qu’elle était”, Simone referiu-se ao episódio Marilyn com muita elegância e inteligência.

Ela voltou a Hollywood para fazer A Nau dos Insensatos / Ship of Fools  / 1965  com Stanley Kramer e A GaivotaThe Sea Gull / 1968  com Sidney Lumet e, no decorrer das décadas de sessenta e setenta, continuou trabalhando muito (sobressaindo O Dia e a Hora / Le Jour et l’Heure / 1962 de René Clement; Chamada para um Morto / The Deadly Affair / 1966, de novo sob as ordens de Lumet; O Exército das Sombras / L’Armée des Ombres / 1969 de Jean-Pierre Melville; A Confissão / L ‘Aveu / 1970 de Costa-Gravas) e iluminou três filmes de Pierre Granier-Deferre com suas confrontações com Jean Gabin ( O Gato / Le Chat / 1971); Alain Delon ( A Viúva / La Veuve Couderc / 1971) e Philipe Noiret (L’Étoile du Nord / 1982).

No palco, suas intervenções como Regina Giddens na versão teatral francêsa de “The Little Foxes” de Lillian Hellman e como Lady Macbeth, contracenando com Alec Guiness, no Royal Court Theatre em Londres, não foram bem recebidas por alguns críticos.

Seu último papel no cinema foi em Guy de Maupassant / 1982 de Michel Drach, como a progenitora do célebre escritor, encarnado por Claude Brasseur.

SIMONE SIMON (1910-2005). Nome verdadeiro: Simone Thérèse Fernande Simon. Local de nascimento: Béthune, Marseille, França.

Simone Simon

Filha de Henri Louis Firmin Champmoynat, engenheiro francês judeu que durante a Segunda Guerra Mundial serviu como piloto, foi capturado, e faleceu em um campo de concentração e de Emma Maria Domenica Giorcelli, dona-de-casa italiana, Simone passou a infância na Provença e em Madagascar. A princípio pensou em ser desenhista de moda porém, aos vinte anos de idade, chamou a atenção do diretor Viktor Tourjansky em um restaurante, e este providenciou sua estréia na tela em Le Chanteur Inconnu / 1931.

Seguiram-se pequenos papeís em alguns filmes, entre os quais se destacam um de Marc Allégret (La Petite Chocolatière / 1932), dois de Carmine Gallone (Un Fils d’Amérique / 1932 e Le Roi des Palaces / 1932), e um de Maurice Tourneur (Le Voleur / 1933) até o reencontro de Simone com Allégret em Lac aux Dames / 1934, quando iniciou para valer sua carreira cinematográfica. No papel de uma mocinha um pouco feérica justamente batizada de Puck, Simone Simon, com aquele rosto de gata e uma doce sensualidade ofuscou a atriz principal, Rosine Dérean. As cenas de amor foram abordadas pudicamente, mas a cena da granja (com Jean-Pierre Aumont) fez vibrar mais de um coração palpitante.

Depois de atuar em mais um filme de Tourjansky, Olhos Negros / Les Yeux Noirs / 1935 e de Allégret, Les Beaux Jours / 1935, Simone foi para Hollywood contratada pela Fox onde trabalhou em cinco filmes: como Marie Claudel, aluna de uma escola particular para moças da sociedade em Dormitório de Moças / Girl’s Dormitory / 1936 de Irving Cummings; como Marie Armand um pequeno papel em Mulheres Enamoradas / Ladies in Love / 1936 de Edward H. Griffith, estrelado por Janet Gaynor, Loretta Young e Constance Bennett; como Diane em Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1937 de Henry King, refilmagem do clássico de 1927 dirigido por Frank Borzage, tendo a seu lado James Stewart no papel  de Chico, que antes fôra de Charles Farrell; como Yvette Guerin, cantora envolvida em uma rivalidade entre um chefe de orquestra e um colunista  em Não Me Queiras Tanto / Love and Hisses / 1937 de Sidney Lanfield; e como Reneé Le Blanc, cantora de boate confundida com uma “cavadora de ouro” chamada Josette, na deliciosa comédia Josette / Josette / 1938 de Allan Dwan.

Simone retornou à França para ser em uma das obras-primas de Jean Renoir, A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938, Séverine, jovem mulher adúltera que instiga Lantier (Jean Gabin), um maquinista apaixonado por ela, a eliminar seu marido. Porém, Lantier, sem poder controlar seus impulsos mórbidos, apunhala Séverine e depois, desesperado, ele se joga de uma locomotiva em movimento.

Retornando à “Terra do Cinema” durante a guerra, contratada pela RKO, Simone ficou devendo a William Dieterle, um de seus melhores filmes americanos, O Homem que Vendeu a Alma / All That Money Can Buy / 1941, adaptação cinematográfica do romance de Stephen Vincent Benet, “The Devil and Daniel Webster”, na qual ela era Belle, a enviada de Mr. Scratch (Walter Huston), na realidade o Diabo, para tentar um fazendeiro pobre (James Craig) que fizera um pacto com Lucifer, para obter sete anos de prosperidade.

Logo em seguida, o produtor Val Lewton escolheu Simone para ser Irena Dubrovna, uma garota da Sérvia, desenhista de moda que vive na cidade de Nova York, obcecada pela idéia de que é descendente de uma antiga raça de mulheres felinas, as quais, quando excitadas, transformam-se em panteras. Ela foi uma escolha perfeita para esse papel neste filme de horror superlativo de Lewton-Turner e depois apareceu brevemente como o fantasma de Irina na continuação, A Maldição do Sangue de Pantera / The Curse of the Cat People / 1944 de Robert Wise.

Um terceiro filme de valor feito por Simone na RKO, produzido por Lewton, foi Mademoiselle Fifi / 1944 de Robert Wise como Elizabeth Rousset, uma lavadeira francêsa que, durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, embarca em uma carruagem, e quando esta para em uma estalagem no meio do caminho, um oficial prussiano, apelidado de Mademoiselle Fifi, convida-a para jantar, e ela recusa. Na manhã seguinte, os demais passageiros são informados de que ficarão detidos até que Elizabeth mude de idéia. A princípio, seus companheiros de viagem a apoiam; mas depois, eles a pressionam para que sacrifique seus princípios para o bem do grupo.

No final dos anos quarenta, Simone fez Pétrus / 1946 de Marc Allérgret com Fernandel; O Porto da Tentação / Temptation Harbor / 1947 de Lance Comfort, na Inglaterra, com Robert Newton e, entre mais uns outros de pouca importância, integrou o elenco estelar de Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (como Marie, a criada) e O Prazer / Le Plaisir / 1952 (como Josephine no segmento “Le Modèle”), ambos dirigidos por Max Ophuls e se confrontou com Edwige Feuilère em Olivia / Olivia / 1951 de Jacqueline Audry. Seu derradeiro filme foi La Femme en Bleu / 1957 de Michel Dréville.

Simone nunca se casou. Segundo consta, ela teve um relacionamento amoroso com George Gershwin e parece que o compositor escreveu “Love Walked In” com Simone no seu pensamento.

Entretanto, seu “love affair” mais notório foi com o agente duplo e espião, o iugoslavo Dusko Popov. Durante a produção de Sangue de Pantera, Simone estava sob vigilância do FBI por causa de sua associação com Popov.

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS III

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS  ANOS 30-60 – III

GINETTE LECLERC (1912-1992). Nome verdadeiro: Geneviève Lucie Menut. Local de nascimento: Paris, França.

GInette Leclerc

Nasceu em Montmartre, onde seus pais, Louis Menut e Suzanne Fauth, tinham uma joalheria. Em 1930,casou-se aos dezoito anos de idade, com um dançarino dezesseis anos mais velho, Lucien Leclerc, de quem se divorciou em 1939.

A partir de 1932, começou no cinema como figurante até que Claude Autant-Lara lhe confiou um papel pequeno em Ciboulette / 1933, seguindo-se outras intervenções de pouca importância (v.g. uma concorrente a Miss em Toto / 1933 de Jacques Tourneur; uma criada em L ‘Hôtel du Libre Échange / 1934 de Marc Allégret) ou de maior destaque  (v. g. Romilda Pescatore em O Homem que Voltou do Outro Mundo / L’Homme de Nulle Part / 1936 de Pierre Chenal; Renée em Mulheres sem Homens / Prison sans Barreaux / 1938 de Léonide Moguy) antes dela se tornar célebre como Aurélie em A Mulher do Padeiro / La Femme du Boulanger / 1938 de Marcel Pagnol.

Nesta crônica camponesa tão rica de verdade humana quanto os outros filmes provençais do diretor, Aurélie, esposa de Aimable Castanet (Raimu), o novo padeiro da aldeia de Sainte-Cécile, foge com um pastor de ovelhas e o pobre marido, desesperado, não tem mais ânimo para o trabalho. Ele se embriaga, abandona o forno e quer se enforcar. Os aldeões então se organizam para trazer a infiel Aurélie de volta. É um estudo preciso das reações que a infelicidade provoca em um homem simples de coração e Ginette não se intimidou ao contracenar com Jules Muraire, o incomparável Raimu.

Entretanto, seus dois melhores papéis foram Denise, a mulher coxa apaixonada pelo médico (Pierre Fresnay) em Sombras do Pavor / Le Corbeau / 1943, uma das obras-primas de Henri-Georges Clouzot e Marthe, em Val d’Enfer / 1943, drama realista de Maurice Tourneur, no qual se entrecruzavam as relações de um homem rude (Gabriel Gabrio) com sua família e a influência maléfica de uma “mulher fatal”, à qual Ginette emprestou sua sensualidade à flor da pele

Durante a Ocupação, Ginette, Tino Rossi, Jean Tissier, Georges Marchal e outros atores da época, mantiveram uma boate com o companheiro dela, Lucien Gallas, que acolheu o meio parisiense de colaboracionistas e ocupantes. Após a Libertação, ela foi detida por quase um ano, por ter trabalhado para a firma alemã Continental Depois que saiu da prisão, Ginette não encontrou mais grandes papéis. Não obstante, participou de alguns bons filmes como Un Homme Marche dans la Ville / 1949 de Marcel Pagliero, O Prazer / Le Plaisir / 1951 de Max Ophuls; Noites de Bruma / Gas-oil / 1955 e O Rei dos Falsários / Le Cave se Rebiffe / 1961 de Gilles Grangier. Seu último filme foi La Barricade du Point du Jour / 1977 de René Richon, porém continuou trabalhando em séries de televisão até 1981.

Ginette Leclerc foi, durante anos, a representação da fêmea perversa e da vampe do bas-fonds. Ela costumava dizer: “Eu sou a atriz que fez o trottoir por mais tempo e a que foi assassinada mais frequentemente”.

MICHÈLE MORGAN (1920 –   ). Nome verdadeiro: Simone Renée Roussel. Local de nascimento: Neuilly-sur-Seine (Hauts-de-Seine), L’Ile de France, França.

MIchèle Morgan

Seu pai, chefe de serviço de uma firma de exportação de perfume, ficou desempregado após a crise de 1929. Em 1933, ele instala sua família em Dieppe, onde abre uma mercearia, que vai a falência dois anos mais tarde. Em 1935, Michèle decide partir na companhia de seu irmão mais moço, Paul, para a casa de seus avós em Paris. Por intermédio de agências de talentos, sob o pseudônimo de Simone Morgan, ela consegue seus primeiros trabalhos como figurante em La Vie Parisienne / 1935 de Robert Siodmak e em Mademoiselle Mozart / 1935 cujo realizador, Yvan Noé, lhe aconselha a  fazer um curso de arte dramática. Matriculada nas aulas de René Simon, a linda mocinha de olhos verdes passa a adotar o nome artístico de Michèle Morgan.

Mais algumas aparições breves e ela obtém enfim o principal papel feminino em dois filmes de Marc Allégret: Nathalie Roguin em Mulher Fatal / Gribouille / 1937 e Françoise Massart em Veneno / Orage / 1938, em ambos perturbando a vida de dois chefes de família – respetctivamente um jurado dono de uma loja de bicicletas (Raimu) e um engenheiro da província  (Charles Boyer) – e causando sensação com seus olhos, seu rosto, sua voz, seu charme misterioso.

A consagração definitiva de Michèle deu-se no admirável Cais das Sombras / Quai des Brumes / 1938 da dupla Marcel Carné -Jacques Prévert, no qual ela é Nelly, uma  jovem triste, assediada por seu tutor (Michel Simon) e pelo líder de um bando de malandros (Pierre Brasseur), que vive uma curta aventura com um desertor (Jean Gabin). Sua silhueta molhada, sua capa de chuva preta e seu gorro tornou-se o símbolo da atriz e a cena em que Gabin lhe diz docemente, “T’as des beaux yeux, tu sais”, digna de uma antologia cinematográfica.

Antes de partir para os Estados Unidos, Michèle fez L ‘Entraineuse / 1938 de Albert Valentin; Recife de Coral / Le Récif de Corail / 1939 de Maurice Gleize, Les Musiciens du Ciel / 1939 de Georges Lacombe e, principalmente, Águas Tempestuosas / Remorques / 1940 de Jean Grémillon (no qual interpreta o papel de Catherine, a agente do destino, que vai perturbar a existência tranquila de André  / Jean Gabin, deixando-o em um conflito psicológico entre o dever e o desejo) e A Lei do Norte / La Loi du Nord / 1939 de Jacques Feyder, mas lançado em 1942, amputado pelos ocupantes e com outro título, La Piste du Nord (no qual interpreta o papel de Jacqueline Bert, a secretária de um industrial que assassinara o amante de sua mulher. Ela foge com ele para a solidão branca do Grande Norte canadense, onde é protegida pelo patrão / Pierre Richard-Wilmm, por um caçador, Jacques Terrane / Jean Gabin e por um guarda da Policia Montada / Charles Vanel, e acaba morrendo de fadiga, devido às dificuldades da viagem em uma região tão árida).

Lembrando-se de que assinara um contrato com a RKO e pouco disposta a satisfazer as exigências alemãs, Michèle passa pela zona sul da França à Espanha, à Portugal,  chega em Nova York, e vive durante a Segunda Guerra Mundial em Los Angeles. Dessa sua estadia na “Terra do Cinema” resultaram quatro filmes – E As Luzes Brilharão Outra Vez / Joan of Paris /1942 de Robert Stevenson; Encontro em Londres / Two Tickets to London / 1943 de Edwin L. Marin; Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944 de Michael Curtiz e A Lua a seu Alcance / Higher and Higher / 1943 de Tim Whelan – e, em 1946, ela ainda fez A Senda do Temor / The Chase de Arthur Ripley, filme noir baseado em um romance de William Irish. Em setembro de 1942, Michèle casou-se com o ator americano William Marshal, com o qual teve um filho. Em 1950, ela se casaria com outro ator, Henri Vidal, e após seu falecimento em 1959, tornou-se a companheira do cineasta Gérard Oury.

Após a guerra, Michele trabalhou com bons diretores europeus (Jean Delannoy: Sinfonia Pastoral / La Symphonie Pastorale / 1946); Carol Reed: O Ídolo Caído / The Fallen Idol / 1947); Alessandro Blasetti: Fabiola / Fabiola / 1949), tendo recebido o prêmio de Melhor Interpretação Feminina no Festival de Cannes em 1946 pelo papel de Gertrude, a menina orfã cega que fôra recolhida quando menina por um pastor Jean Martin (Pierre Blanchar). Ao se tornar uma bela jovem, ela desperta o amor de seu filho Jacques (Jean Desailly) e dele próprio. Quando é operada e recobra a visão, incapaz de aceitar o amor de Jacques e desapontada com a afeição que Martin lhe devota, ela foge. O pastor sai à sua procura e a encontra morta.

Nos anos 50, os filmes mais importantes de MIchèle foram Le Chateau de Verre / 1950 de René Clement; L’Étrange Madame X / 1950 de Jean Grémillon; Amar-te é Meu Destino / La Minute de Verité / 1952 de Jean Delannoy; Os Orgulhosos / Les Orgueilleux / 1953 de Yves Allégret; As Grandes Manobras / Les Grandes Manoeuvres / 1955; O Homem que vendeu a Alma / Marguerite de la Nuit / 1955 de Claude Autant-Lara.

Merece destaque a sua atuação em Os Orgulhosos, como Nellie, uma turista que vive uma história de amor e redenção com George (Gérad Philipe), médico francês em uma pequena cidade mexicana, onde ele se tornou alcólatra e vive como um mendigo e, vindo o marido a falecer, vítima de uma epidemia de meningite, ela fica sozinha e sem recurso. O equilíbrio do filme dependia da atuação dos dois intérpretes centrais e cada qual tem um momento solo excepcional. O de Michèle Morgan acontece no quarto de hotel enquanto Nellie, tentando se livrar do calor, se despe com certo erotismo. O de Gérard Philipe ocorre quando George dança na taberna, servindo de espetáculo, abjetamente, em troca de uma garrafa de aguardente.

Nas décadas de 60 e 70, Michèle continuou em atividade diante das câmeras, além de fazer breves aparições em alguns filmes, a última das quais em Stanno Tutti Bene / 1990 de Giuseppe Tornatore.

GABY MORLAY (1893 – 1964). Nome verdadeiro: Blanche Pauline Fumoleau. Local de nascimento: Angers, Maine-et-Loire, França.

Gaby Morlay

 

Seu primeiro filme foi La Sandale Rouge / 1912 de Henry Houry, adaptação de uma peça que acabara de interpretar no teatro, onde começara, no mesmo ano, na revista ”Potins et Patins” e doravante, ela dividiria sempre seu tempo entre o palco e a tela. Depois de atuar como parceira de Max Linder (v. g. Le Vacance de Max / 1913) e depois estrela de sua próprias comédias (v. g. Le Chevalier de Gaby / 1920), Gaby apareceu em outros filmes mudos, incluindo Les Fils du Flibustier / 1922 de Louis Feuillade e o notável Les Nouveaux Messieurs / 1929 de Jacques Feyder, sátira incisiva do mundo politico, na qual ela faz uma bailarina medíocre, cujo amor é disputado por dois politicos: o eletricista do teatro, antigo sindicalista (Albert Préjean) e um aristocrata (Henry Roussell).

No cinema falado, seus papéis de destaque na primeira parte da década de trinta foram em Acusada, Levante-se !/ Accusée, Levez-vous / 1930 e  A Bailarina Andalusa / Maison de Danses / 1932 de Maurice Tourneur; Depois do Amor / Après l ‘amour / 1931 e Traição Sublime / Il Était une Fois / 1933 de Léonce Perret; O Grande Industrial / Le Maître des Forges / 1934 de Abel Gance,  culminando com  a sua interpretação de Clara Stuart, a cantora que, em A Felicidade / Le Bonheur / 1935 de Marcel l’Herbier, se relaciona com um desenhista satírico de um jornal anarquista (Charles Boyer), que tentara matá-la.

Na segunda metade do referido decênio, sobressaíram na filmografia de Gaby: Samson / 1936 de Maurice Tourneur; Vertigem de uma Noite / La Peur / 1936 de Viktor Tourjansky; Noites de São Petersburgo / Les Nuits Blanches de Saint Petersburg / 1938 de Jean Dréville; Les Amants Terribles / 1936 de Marc Allégret; Quadrille / 1938 de Sacha Guitry; e dois filmes histórico-biográficos, Verdi / Giuseppe Verdi / 1938 de Carmine Gallone, no qual fez o papel de Giuseppina Strepponi, a amante do grande compositor e Eduardo VII / Edouard VII / 1939 de Marcel l’Herbier, no qual personificou com muita propriedade a Rainha Vitória.

Nos anos quarenta, entre vários outros papéis, Gaby foi Désirée Clary adulta (ao lado de Sacha Guitry), em Le Destin Fabuleux de Desirée Clary / 1942 de Sacha Guitry; Rosa Mamai (com sotaque provençal ao lado de Raimu) em L’Arlésienne / 1942 de Marc Allégret; Louise Jarraud, no seu apogeu melodramático como a governanta de três gerações em O Véu Azul / Le Voile Bleu / 1942, um êxito comercial formidável de Jean Stelli; e, principalmente, em Un Revenant / 1946, um dos melhores filmes de Christian-Jacque, como Geneviève Gonin, a mulher amada de Jean-Jacques (Louis Jouvet), que volta para a sua cidade natal como diretor de uma companhia de balé para se vingar daqueles que, vinte anos atrás, tentaram matá-lo para evitar seu  casamento com ela.  Após certos acontecimentos, Jean-Jacques finge um amor eterno por Geneviève e depois a abandona.

Entre os derradeiros filmes de Gaby nos anos cinquenta, ainda são encontradas boas intervenções dela em: Sua Majestade o Sr. Carloni / Prima Comunione de Alessandro Blasetti / 1950 (como Maria Carloni, a mulher do Sr. Carloni / Aldo Frabrizi); Ana / Anna de Alberto Lattuada / 1951 (como a Madre Superiora de Ana / Silvana Mangano); O Prazer / Le Plaisir / 1952 de Max Ophuls (como a mulher de Ambroise  / Jean Galland no segmento La Masque); L ‘Amour d’une Femme / 1953 de Jean Grémillon (como a professora Germaine Leblanc); Papa, Maman, la Bonne et Moi / 1954 de Jean_Paul le Chanois (como Gabriele Langlois, a Maman da família); Crime e Castigo / Crime et Châtiment / 1956, de Georges Lampin, versão modernizada do romance de Dostoievski (como Madame Brunel, a mãe do criminoso). Gaby fez filmes até 1964, quando encerrou sua carreira no cinema em Monsieur, de Jean-Paul le Chanois, cujo papel principal coube a Jean Gabin.

Em julho de 1932, Gaby Morlay e sua companhia teatral apresentaram-se no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, estreando no dia 26 com a peça “Le Fauteil 47 de Louis Verneuil.

Micheline Presle

MICHELINE PRESLE (1922 – ). Nome verdadeiro: Micheline Nicole Julia Émilien Chassagne. Local de nascimento: Paris, França. Filha de Robert Chassagne,  industrial importante e de Yvonne Bacelier, pintora nas horas vagas, ela demonstrou interesse pela arte dramática desde a infância, encenando peças com seu irmão. Sua primeira experiência teatral deu-se quando fez um teste para o diretor Christian Stengel, amigo de seu padrinho. Stengel colocou-a como figurante em um pensionato para moças ricas, onde se desenrolava a história de Je Chante / 1938, estrelado por Charles Trenet. Logo dois grandes diretores a convidaram: G.W. Pabst para A Lei Sagrada / Jeunes Filles en Détresse / 1939 (no qual Micheline era a filha de um advogado, Maître Presle (André Luguet) e o sobrenome deste personagem lhe sugeriu seu sobrenome artistico, pois até então usava o pseudônimo de Micheline Michel) e Abel Gance para Paraíso Perdido / Paradis Perdu / 1939 (no qual Elvire Popesco era a estrela, porém Micheline chamou mais atenção em um papel duplo: Janine, a mãe, uma ajudante de modista amada por um pintor e Jeannette, a filha que ela  deu à luz  antes de morrer).

Na década de quarenta, Micheline fez três filmes com Marcel l’Herbier, La Comédie du Bonheur (ao lado de Michel Simon e Ramon Novarro), Histoire de Rire / 1942 (com Fernand Gravey), e o melhor dos três, A Noite Fantástica / La Nuit Fantastique (de novo com Gravey).

Entretanto, seus maiores triunfos ocorreram no período compreendido entre os meados do decênio mencionado até os anos cinquenta:  Félicie Nanteuil / 1945 de Marc Allégret, Nas Rendas da Sedução (TV) / Falbalas / 1945 de Jacques Becker; Boule de Suif / 1945 de Christian-Jaque; e Adúltera / Le Diable au Corps / 1947 de Claude Autant-Lara. No primeiro, Micheline  compõe com perfeição uma jovem atriz (Félicie) que, após a morte e a maldição de seu Pigmalião (Claude Dauphin), penetra em um universo obsessional quase fantástico de angústia e de terror. No segundo, ela é Micheline, conquistada por um grande costureiro parisiense (Raymond Rouleau) que, depois rejeitado por ela, se suicida. No quarto, assume a personalidade de Marthe, que se torna amante de um rapaz (Gérard Philipe) enquanto seu marido (Maurice Lagrenée) está lutando na guerra de 14.

Micheline casou-se com o ator americano William Marshal (ex-marido de Michèle Morgan) em 1950, e tentou em vão agradar às platéias americanas, fazendo em Hollywood: A Vingança do Destino / Under my Skin / 1950 de Jean Negulesco; Guerrilheiros das Filipinas / American Guerrilla in the Philipines / 1950; e Aventuras do Capitão Fabian / Adventures of Captain Fabian / 1951, produzido e dirigido por Errol Flynn e seu marido.

Divorciada em 1954, Micheline voltou para França com sua filha, a futura atriz e diretora Tonie Marshall, e continuou a brilhar no filmes francêses, aparecendo também no palco. Seus trabalhos de maior destaque nessa fase de sua carreira foram em: La Dame aux Camélias / 1953 de Raymond Bernard e o magnífico  L’Amour d’une Femme / 1953 de Jean Grémillon.  Neste filme belíssimo, Micheline é uma jovem médica, Marie Prieur, que se apaixona por um engenheiro (Massimo Girotti). Ele deseja esposá-la e quer obrigá-la a deixar a medicina; mas acaba compreendendo que Marie, cuja vocação é um verdadeiro sacerdócio, não pode ser só dele, No final da década, a atriz  integrou o elenco de Entrevista com a Morte / Blind Date / 1959 de Joseph Losey.

Nos anos 60, Micheline participou de mais alguns filmes importantes (O Vigarista / Le Baron de l’Ecluse / 1960; Assassino / L’Assassin / 1961 de Elio Petri; Criminosos não Merecem Prêmio / The Prize / 1963 de Mark Robson; A Caça ao Homem / Le Chasse à l’Homme / 1964 de Edouard Molinaro; A Religiosa / La Religieuse / 1966 de Jacques Rivette; Esse Mundo é dos Loucos / Le Roi du Coeur / 1966 de Philipe de Broca) e continuou pelos anos seguintes trabalhando incansavelmente no cinema e na televisão, somente pondo um fim na sua trajetória cinematográfica em 2012 com Rue Mandar de Idit Cabula.

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS II

DANIELLE DARRIEUX (1917-2017). Nome verdadeiro: Danielle Yvonne Marie Antoinette Darrieux. Local de nascimento: Bordeaux, França.

Danielle Darrieux

Seu pai era um oftalmologista de origem bordelesa e sua mãe tinha ascendência alsaciana e polonesa (família Witowski). A morte prematura do pai, quando ela tinha sete anos de idade, obrigou sua mãe a dar lições de canto para subsistir. Danielle demonstrou muito cedo o gosto pela música. Era dotada de uma voz miúda, mas afinada e límpida. Estudou piano e fez seus estudos de violoncelo no Conservatório de Música. O marido de uma das alunas de sua mãe, que trabalhava esporadicamente no cinema, sugeriu que ela levasse Danielle à presença dos produtores Charles Delac e Marcel Vandal, porque eles estavam procurando desesperadamente uma mocinha para seu próximo filme. Danielle se apresentou, foi aprovada, e estreou na tela, aos quatorze anos de idade, em Le Bal / 1931 de Wilhelm Thiele, usando o pseudônimo de Lydie Danielle. Em seguida, assinado um contrato, Delac e Vandal a emprestaram para outros produtores.

A primeira fase de sua carreira, foi marcada principalmente por comédias românticas com Albert Préjean (v. g. La Crise est Finie / 1934 de Robert Siodmak; Pequena Sapeca / Quelle Drôle de Gosse / 1935 de Leo Joannon; Cuidado com Ela / Le Controleur des Wagons-Lits / 1935 de Richard Eichberg) e Henri Garat (A Dupla do Barulho / Un Mauvais Garçon / 1936 de Jean Boyer) ou por comédias musicais ao lado do tenor polonês Jan Kiepura (Meu Coração te Chama / Mon Coeur t’appelle / 1934 de Carmine Gallone; Amo Todas as Mulheres / J’aime Toutes les Femmes / 1935 de Carl Lamac). Durante esse período, fez também Volga em Chamas / Volga en Flammes / 1933 de Victor Tourjansky e Semente do Mal / Mauvaise Graine / 1934 realizado por um cenarista austríaco exilado, fugitivo da Alemanha nazista, Billy Wilder.

Em 1935, Danielle casou-se com Henri Decoin e ele conseguiu persuadí-la de que era capaz de interpretar grandes papéis dramáticos. Assim vieram Mulher Mascarada / Le Domino Vert / 1935 de Henri Decoin (versão francêsa); Mayerling / Mayerling de Anatole Litvak; Taras Bouba / Tarass Boulba de Alexis Granowsky; Port Arthur de Nicolas Farkas (versão francêsa); Katia, a Czarina sem Corôa / Katia de Maurice Tourneur; Mulher Mascarada / Le Domino Vert / 1934, versão francesa de um filme alemão de Herbert Selpin dirigida por Henri Decoin, e Abuso de Confiança / Abus de Confiance / 1937 de Henri Decoin. Em seguida ela fez novamente com Decoin, a comédia Senhorita Minha Mãe / Mademoiselle ma Mère / 1937 e, depois de uma experiência na Universal em Sensação de Paris / The Rage of Paris / 1938 de Henry Koster, tendo como parceiro Douglas Fairbanks Jr., submeteu-se novamente ao comando de seu mentor Decoin em Retour à l’aube / 1938; Battement de Coeur / 1939 e Premier Rendez-vous / 1941.

No restante dos anos quarenta, Danielle trabalhou por exemplo com André Cayatte (La Fausse Maîtresse / 1942); Raymond Bernard (Até Logo, Querida! /Adieu Chérie / 1945); Marcel l’Herbier (Ao Petit Bonheur / 1945);  Leonide Moguy (História de um Pecado / Bethsabée / 1947); Pierre Billon (Entre o Amor e o Trono / Ruy Blas / 1947); Claude Autant-Lara (Meu Amigo, Amélia, e Eu / Occupe-toi d’Amélie / 1949), tornando-se nesse decenio e no próximo, a encarnação do charme  e da feminilidade francêsa .

Durante a Ocupação, contratada da Continental, sociedade produtora alemã instalada em Paris, Danielle foi vista em recepções e sessões de gala sob a sombra da cruz gamada e participou daquela famosa viagem a Berlim em 1942 que a cobriria de opróbio bem como a outros atores que a fizeram como Albert Préjean, Suzy Delair e Viviane Romance. A atriz explicou depois sua atitude: estava casada com oembaixador da República Dominicana na França, Porfirio Rubirosa, que fôra suspeito de espionagem, detido e internado na Alemanha. A viagem, disse ela, foi para vê-lo, e sofrendo acusações de colaboracionista, Danielle afastou-se da Continental, saindo de cena por três anos.

Na década de cinquenta, a atriz atingiu o auge de sua vida artística e fama internacional com uma série de filmes memoráveis: Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (como a mulher casada) (como Madame Rosa no segmento “La Maison Tellier”); O Prazer / Le Plaisir / 1951 e Desejos Proibidos / Madame de … / 1953 a trilogia de Max Ophuls; Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1951 de Henri Decoin; 5 Dedos / Five Fingers / 1951 de Joseph L. Mankiewicz; O Vermelho e o Negro / Le Rouge et le Noir / 1954 de Claude Autant-Lara, As Mulheres dos Outros / Pot Bouille / 1956 e Marie Octobre /  Marie Octobre / 1959 de Julien Duvivier; O Amante de Lady Chatterley / L’Amant de Lady Chatterley / 1955 de Marc Allegret; As Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 de Henri Decoin; Alexandre Magno / Alexander the Great /  1956 de Robert Rossen; Vício Maldito / Le Désordre et la Nuit / 1958 de Gilles Grangier, além de integrar os elencos estelares dos filmes de Sacha Guitry Napoleão /  Napoleon / 1954 e Si Paris nous était Conté / 1955.

Para mim, o melhor papel de Danielle foi Elizabeth d’Onneville, chamada de Bébé, a mulher sentimentalmente decepcionada que envenenou o marido (Jean Gabin) após dez anos de matrimônio, sendo inesquecível a cena final de Amor Traído, quando Bébé, como um autômato, acompanha o juiz de instrução que veio para prendê-la. Esse filme sombrio e desesperado, com uma construção dramática rigorosa e fiel ao universo dos romances de Georges Simenon, não teria sido tão bom sem o concurso interpretativo da grande atriz.

Dos anos sessenta em diante Danielle continuou trabalhando no cinema e seu último filme, aos 93 anos de idade, foi Pièce Monté / 2010 de Denys Granier Deferre, uma longevidade cinematográfica realmente espantosa …  sem falar na sua atividade intensa no teatro e em telefilmes e minisséries.

MARIE DÉA (1912-1992). Nome verdadeiro: Odette Alice Marie Deupès. Local de nascimento: Nanterre (Hauts-de-Seine), França.

Marie Déa

 Estudou direito e seguiu paralelamente o curso de arte dramática com Georges Le Roy e René Simon até que Gaston Baty colocou-a em algumas peças de sua trupe teatral no Théâtre Montparnasse. Ela acabara de trabalhar como figurante em La Vierge Folle / 1938 de Henri Diamant-Berger quando Maurice Cloche  lhe ofereceu o papel feminino  mais importante de Nord-Atlantique / 1939. No mesmo ano, Marie foi escolhida por Robert Siodmak para ser, em Ciladas / Pièges, Adrienne Charpentier, amiga das dançarinas vítimas de um maníaco sexual, transformada em isca para a captura do criminoso. Neste filme, Marie teve oportunidade de contracenar como Maurice Chevalier, Pierre Renoir e Erich von Stroheim, saindo-se muito bem diante de tão eminentes artistas. Porém foram os anos quarenta que consagraram a glória efêmera de Marie Dea, sobressaindo os três  filmes que lhe garantiram um lugar de prestígio no cinema francês: Premier Bal / 1941 de Christian-Jaque, no qual ela era Nicole Noblet uma das irmãs (a outra era Danielle, interpretada por Gaby Sylvia) apaixonadas por um jovem médico (Raymond Rouleau); Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 (mas lançado em 1945) no qual marcava sua presença como Anne,  a filha do castelão por quem o menestrel Gilles (Alain Cuny), enviado pelo Diabo, se apaixona; e Orfeu / Orphée / 1949 de Jean Cocteau,  desempenhando o papel de Eurídice  nesta transposição do mito célebre para a Saint-Germain-des-Prés do imediato pós-guerra.

Até os anos sessenta, dos filmes que Marie fez, merecem ser mencionados Le Journal tombe à cinq heures de Georges Lacombe, descrição viva do ambiente do jornalismo; Secrets / 1943 de Pierre Blanchar, filme sensível inspirado em “Un mois à la Campagne” de Tourgueniev; os dois filmes sobre Rouletabille (Rouletabille joue et Gagne  / 1947 e Rouletabille contre la Dame de Pique / 1948), por causa da fama do  jornalista-detetive criado por Gaston Leroux; e Dois São Culpados / 56 Rue Pigalle / 1949 de Willy Rozier, drama criminal envolvendo adultério, chantagem e assassinato. Dos anos sessenta até 1979, continuou trabalhando no cinema, encerrando sua carreira com Subversion de Stanislas Stanojevic. Em 29 de fevereiro de 1992, Marie visitava uns amigos, quando irrompeu um incêndio na casa deles. Hospitalizada, ela veio a falecer no dia seguinte em virtude de um ataque cardíaco.

SUZY DELAIR (1917- 2020). Nome verdadeiro: Suzanne Pierrette Delaire. Local de nascimento: Paris, França.

Suzy Delair

 Filha de um fabricante de selas e de uma costureira, foi primeiramente aprendiz de modista no ateliê de Suzanne Talbot e, aos 16 anos de idade começou a trabalhar como figurante no cinema, mas foi no music-hall que ela conheceu o sucesso, apresentando-se nos teatros Bouffes Parisiens, Bobino, Casino Montparnasse, Européen, Étoile, Folies-Bellevile, no cabaré de Suzy Solidor e nas revistas de Mistinguette ou de Marie Dubas.

Foi seu encontro com Henri-Georges Clouzot, então roteirista (e seu companheiro na vida real), que impulsionou sua carreira cinematográfica. Clouzot havia adaptado em 1941, um romance policial do belga Stanislas André Steeman que resultou no filme Les Dernier des Six, dirigido por Georges Lacombe, no qual Pierre Fresnay fazia o papel do comissário Wens e Suzy o da cantora Mila Malou, a amante do policial.

O espetáculo fez tanto sucesso que Arnold Greven, o manda-chuva da Continental (que havia ele próprio escolhido Suzy ente outras candidatas), ordenou uma continuação, O Assassino Mora no 21 / L’Assassin Habite au 21 / 1942, desta vez com Clouzot na direção. Neste filme criminal com toques de humor, semeado de tipos pitorescos e de mortes, Pierre Fresnay interpretava o comissário Wens com o fleuma de um policial britânico e Suzy Delair divertia a platéia como a sua turbulenta companheira, que também gostava de brincar de detetive, formando uma dupla parecida com aqueles casais das comédias românticas americanas dos anos trinta.

No mesmo ano, Suzy havia igualmente encantado o público no seu primeiro papel principal, cantando os refrões de Maurice Yvain, filmados por Richard Pottier em Défense d ‘aimer. Marcel l’Herbier esperava divulgar melhor as qualidades vocais de Suzy em Vie de Bohème, rodado pouco depois, porém o filme só foi lançado em 1945 e passou despercebido.

Um pouco ofuscada por Louis Jouvet no papel duplo do ladrão Isnard e do homem honesto Dupon em Estranha Coincidência / Copie Conforme / 1946 de Jean Dréville, Suzy interpretou duas sósias, Fernande e Yvette, em Par la Fenêtre / 1947 de Gilles Grangier; mas tudo isto significou pouco diante de Crime em Paris / Quai des Orfévres, que Clouzot lhe ofereceu em 1947, sem sombra de dúvida a obra-prima em comum dos dois artistas. Novamente ao lado de Louis Jouvet (como o inspetor Antoine), Suzy compôs maravilhosamente a personagem de Jenny Lamour, a cantora do music-hall suspeita de ter matado um velho produtor libidinoso, que lhe prometera emprego no mundo do cinema enquanto Clouzot inspecionava com sua câmera virtuosa o ambiente do espetáculo e os tipos humanos que nele circulam.

A atriz nunca mais fez algo melhor na tela embora tivesse participado ainda de outro filme notável, – Mulher Cobiçada / Pattes Blanches / 1948 de Jean Grémillon, como Odette, a noiva prestes a se casar, que despertava violenta paixão no aristocrata Keriadek (Paul Bernard), apelidado de Patas Brancas, e acabava sendo assassinada por ele.

Como coadjuvante, Suzy esteve ao lado da dupla Stan Laurel e Oliver Hardy no seu último filme, Utopia / Atol; K / 1950 dirigido por Leo Joannon; de Fernandel em Costureiro de Senhoras / Le Couturier de ces Dames / 1956; e se submeteu ao comando de dois grandes diretores, integrando o elenco de Gervaise – a Flor do Lôdo / Gervaise / 1955 de René Clement – como Virginie Poisson, a pérfida inimiga da protagonista (Maria Schell), que lhe dava uma surra memorável em determinada situação da trama – e de Rocco e seus Irmãos / Rocco e i suoi Fratelli / 1960 de Luchino Visconti no papel de Luisa. Seu filme derradeiro foi Oublie-moi, Mandoline / 1976 de Michel Wyn.

DANIELE DELORME (1926- 2015). Nome verdadeiro: Gabrielle Danièle Marguerite Andrée Girard. Local de nascimento: Levallois- Perret, França.

Danielle Delorme

Filha do pintor André Girard, estudou piano para se tornar concertista, mas a guerra obrigou-a a interromper suas aulas. Durante a Ocupação, sua mãe foi deportada e seu pai partiu para o Reino Unido. Ela se refugiou em Cannes, onde frequentou o curso de teatro de Jean Wall, e depois estreou na companhia teatral de Claude Dauphin. Marc Allégret contratou-a, colocando-a em três filmes sucessivos: La Belle Aventure / 1942, Félicie Nanteuil / 1942, mas lançado em 1945 e Les Petites du Quai aux Fleurs / 1944.

Após a guerra, Daniele aperfeiçoou seus conhecimentos dramáticos com Tania Balachova e René Simon, desempenhou papeís pequenos em mais sete filmes (entre eles Les Jeux sont Faits / 1947 de Jean Delannoy e Impasse des Deux-Anges / 1948 de Maurice Tourneur) e, finalmente, em 1949, ganhou renome como Miquette, a mocinha apaixonada pelo teatro em Miquette de Miquette et sa Mère, a adaptação da peça de Flers et Cavaillet por Henri-Georges Clouzot e Gigi, a personagem imaginada por Colette, em O Brotinho e as Respeitosas / Gigi de  Jacqueline Audry, que a dirigiria também em outros dois filmes baseados na célebre escritora, A Ingênua Libertina / Minne l’ingenue Libertine / 1950 e Mitsou / 1956.

Outros filmes relevantes de Daniele nos anos cinquenta foram O Último Endereço / Sans Laisser d’Adresse / 1951 de Jean-Paul le Chanois; La Jeune Folle / 1952 de Yves Allègret; O Curandeiro / Le Guérisseur / 1953 de Yves Ciampi; O Processo Negro / Le Dossier Noire / 1955 de André Cayatte; Os Miseráveis / Les Misérables / 1958 (no papel de Fantine) e aquele que marcou o auge de sua arte: o admirável Sedução Fatal / Voici les Temps des Assassins / 1956 de Julien Duvivier. Com seu rosto de anjo, sua personagem, Catherine, seduz, engana, explora, mata com consciência e frieza e acaba sendo trucidada pelo cão de uma de suas vítimas. Indubitavelmente a melhor criação dessa atriz.

Daniele foi casada com Daniel Gélin de 1945 a 1955 e em 1956 contraiu matrimônio com Yves Robert. Com ele fundou a companhia produtora La Guéville, cujo primeiro sucesso foi A Guerra dos Botões / La Guerre des Boutons / 1961. Nos anos 60 e 70 ela fez mais alguns filmes (com destaque para O 7º Jurado / Le Setième Juré / 1961 de Georges Lautner) e dividiu seu tempo entre o teatro, a atividade de produtora e o exercício de uma função pública, nomeada em 1984 pelo presidente François Mitterand, membro do Conselho Econômico, Social e Meio Ambiente, função que ela exerceu até 1994. Seu derradeiro filme como atriz foi Sortez des Rangs / 1996 de Jean-Denis Robert.

EDWIGE FEUILLÈRE (1907-1998). Nome verdadeiro: Edwige Louise Caroline Cunati Local de nascimento: Vesoul, França.

Edwige Feuillère

Filha do engenheiro Guy Cunati, de nacionalidade italiana e de Berthe Koenig, de origem lorena, após ter cursado o Conservatório de Arte Dramática – já casada com um colega de classe, Pierre Feuillère – estreou profissionalmente (sob pseudônimo de Cora Lynn porque como aluna do Conservatório era proibida de atuar na cena parisiense) em “L’Attaché” de Yves Mirande no Thêatre du Palais Royal, seguindo-se outros compromissos  na revista de Rip, “Par le temps qui Court” no Teatro Danou, “Les Aventures du Roi Pausole” de Arthur Honneger no teatro Buffes-Parisiens etc.

Laureada pelo Conservatório com o primeiro prêmio de comédia, ela foi convocada imediatamente pelo administrador, Émile Fabre, da Comédie Française, quea convenceu de adotar o nome de Edwige Feuillère. Pierre aceitou com orgulho, sem saber que o casal se separaria, porque o marido não suportou mais a notoriedade de sua mulher. Em 1945, ele se suicidou, levando consigo sua segunda esposa, e tendo o cuidado na véspera de ir dizer adeus “à sua Edwige”.

Edwige iniciou sua carreira cinematográfica em Le Cordon Bleu / 1931 do tcheco Karl Anton (rodado na Paramount de Joinville) e, após ter participado de treze filmes, entre os quais sobressaíram Topaze / 1932 de Louis Gasnier, estrelado por Louis Jouvet e duas versões francesas de filmes alemães, Stradivarius / 1935 de Géza von Bolváry e Barcarolle / 1935 de Gerhard Lamprecht, dirigidas respectivamente por Albert Valentin e Roger Le Bon, (exibidas no Brasil apenas as versões originais), Julien Duvivier deu-lhe um papel decorativo em Gólgota3/ Golgotha / 1935 como Claudia Procula, a mulher de Poncio Pilatos.

Muito mais interessante foi sua composição de Lucrécia Borgia no filme Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1935, assinado por Abel Gance, tornando plausíveis os tormentos da personagem, vítima de sua estranha família, e tendo a coragem de sair de uma piscina nuazinha, como Vênus saindo da ondas do mar. Edwige ficou célebre e consolidou sua fama, guiada por bons diretores (v. g. Robert Siodmak (Mister Flow / 1936); Marc Allègret (A Dama de Malaca / La Dame de Malaca / 1937); Raymond Bernard (Marthe Richard, au service de la France / 1937 e J’Étais une Aventurière / 1938); Max Ophuls (Sans Lendemain / 1939 e De Mayerling a Sarajevo / De Mayerling a Sarajevo / 1940); Maurice Tourneur (Coração em Duelo /Mam’zelle Bonaparte / 1941); Jacques de Baroncelli (A Duquesa de Langeais / La Duchesse de Langeais / 1942); Marcel l’Herbier (L’Honorable Catherine / 1942); Jean Delannoy (La Part de l’Ombre / 1945).

Ela fechou a década de quarenta, interpretando dois grandes papéis: a Nastasia Philipovna, cortesã disputada pelo Príncipe Muichkine (Gérard Philipe) e Rogogine (Lucien Coedel) na excelente adaptação do romance de Dostoievski, O Idiota / L’Idiot / 1946 (Dir: Georges Lampin) e a rainha reclusa Natascha, visitada inesperadamente pelo poeta anarquista Stanislas (Jean Marais) em Águia de Duas Cabeças / L ‘Aigle a Deux Têtes / 1947 (Dir: Jean Cocteau).

Nos anos cinquenta, seus filmes marcantes foram: Olivia / Olivia / 1950 de Jacqueline Audry; Amor de Outono / Le Blé en Herbe / 1954 e Amar é Minha Profissão / En Cas de Malheur / 1958 ao lado de Jean Gabin e Brigitte Bardot, ambos dirigidos por Claude Autant-Lara. Ela deixou o cinema (La Chair de l’orchidée de Patrice Chéreau) e a televisão (telefilme La Duchesse de Langeais) em 1975, mas continuou no teatro, onde o público a aplaudiu em peças inolvidáveis como “La Dame aux Camélias” de Alexandre Dumas filho, “Le Partage de Midi” de Paul Claudel e “La Folle de Chaillot” de Jean Giraudoux. Em 1998, a morte de Jean Marais, seu amigo muito querido, afetou-a a tal ponto, que seu coração parou no dia do enterro do ator.

ODETTE JOYEUX (1914-2000). Nome verdadeiro: Odette Joyeux. Local de nascimento: Paris, França.

Odette Joyeux

 Seus pais, que não eram casados, se separaram antes do seu nascimento, e sua mãe cuidou sózinha de sua educação. Odette aprendeu a tocar violão antes de se dedicar ao estudo da dança em uma classe de balé na escola do Ballet de l’Opéra; mas foi despedida por indisciplina.

Então, voltou-se para o teatro, e deu seus primeiros passos como atriz aos 16 anos na peça “Intermezzo” de Jean Giraudoux, sob a direção de Louis Jouvet. Em 1935, ela atuou na peça “Grisou”, escrita por Pierre Brasseur, com quem se casou, nascendo dessa união, sempre tempestuosa, o futuro ator Claude Brasseur.

Odette encontrou o mundo do cinema em dois filmes de Charles de Rochefort, Une Femme a Menti / 1930 e Le Secret du Docteur / 1930. Em 1934, ela contracenou com Jean-Pierre Aumont em Lac aux Dames de Marc Allégret e filmou no mesmo ano com seu marido Valse Éternelle de Max Neufeld e Une Femme qui se Partage de Maurice Canonge. Porém somente em 1938 ascendeu à notoriedade graças a Entrée des Artistes de Marc Allégret, no qual ela era Cécile, aluna do professor Lambertin (Louis Jouvet) no Conservatório de Arte Dramática. Ao saber que o rapaz (Claude Dauphin) por quem está apaixonada, ama outra aluna (Janine Darcey), Cécile elabora sua vingança de modo melodramático: no dia da prova, ela se envenena no palco, acusando-o.

Nos anos quarenta, ela se tornou a intérprete predileta de Claude Autant-Lara, que lhe deu seus melhores papéis em Casamento de Chiffon / Le Marriage de Chiffon / 1941; Lettres d’Amour / 1942; Dulce, Paixão de uma Noite / Douce / 1943 e Silvia e o Fantasma / Sylvie et le Fantôme / 1946. No primeiro filme, Odette foi Corysande – chamada de Chiffon – a jovem que aceita desposar um duque quinquagenário, a fim de dispor de seu dote, para ajudar o rapaz que ama em segredo, e a atriz dominou muito bem esse papel complexo com o qual, segundo ela mesma disse, se identificou profundamente. Nos demais filmes, como Zélie Fontaine, a viúva de vinte anos de idade que aceita receber as cartas de amor endereçadas à mulher do prefeito; como Douce, a adolescente romântica que se apaixona pelo secretário de seu pai e sonha em partir com ele, sem saber que o próprio tem uma amante; e como Sylvie, a moça fantasiosamente apaixonada por um fantasma, Odette demonstrou repetidamente suas qualidades interpretativas.

Na década de cinquenta, Odette integrou o elenco repleto de astros de Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 de Max Ophuls e Si Paris nous était Conté / 1955 de Sacha Guitry. Ela participou em 1957 de Le Naïf au Quarante Enfants sob a direção de seu novo marido, Philippe Agostini, e encerrou seu percurso cinematográfico. Paralelamente, seguindo os conselhos de Jean Giraudoux, levou adiante uma carreira literária, publicando vários romances, duas peças de teatro, um ensaio sobre a dança, uma biografia de Nicéphore Niepce, dois livros de memórias, exercendo ainda as funções de dialoguista e/ou adaptadora (v.g. La Mariée est trop Belle / 1956 de Pierre Gaspard-Huit; Sois Belle et Tais-Toi / 1958 de Marc Allégret), cuidando da adaptação de suas obras para a televisão (v. g. série L’Âge Heureux / 1996), e se apresentando nos palcos até 1987.

ESTRELAS DO CIEMA FRANCÊS

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS  ANOS 30-60 – I

Este artigo é uma homenagem – de maneira sucinta, sem mencionar a filmografia completa das atrizes, limitando-se aos seus filmes principais realizados entre 1930 e 1960 – a algumas grandes estrelas do cinema francês.

Annabella

ANNABELLA (1907-1996). Nome verdadeiro: Suzanne Georgette Charpentier. Local de nascimento: La Verenne-Saint Hilaire, França.

Ainda menina e filha de um diretor de revista turística, Annabella leu um dia o poema de Edgar Allan Poe, “Annabel Lee” e foi dele que extrairia seu nome artístico. Apresentada a Abel Gance, quando tinha dezesseis anos, ele a contratou para seu filme Napoléon / 1927, entregando-lhe o pequeno papel de Violine Fleuri, jovem secretamente apaixonada por Bonaparte. Entretanto, sua carreira cinematográfica realmente se iniciou com Maldone (Jean Grémillon / 1928) e se firmaria quando ela chamou mais a atenção em O Milhão / Le Million / 1931 de René Clair e atuou em outros filmes expressivos como Sonnenstrahl / 1933 de Paul Fejos e sua versão francêsa, Gardez le Sourire / 1933; A Batalha / La Bataille de Nicolas Farkas / 1933; Quatorze Juillet /1933 de novo sob o comando de René Clair; e Lenda de Amor / Marie, Légende Hongroise /1933, novamente sob as ordens de Fejos. Com seu lindo rosto e sua meiguice, ela representou a ingênua por excelência no início do cinema falado e foi a atriz francêsa mais solicitada pelos cineastas na década de trinta.

Entre 1934 e 1936, Annabella reforçou seu prestígio em uma série de filmes importantes: Caravane de Erik Charrell, produzido pela Fox Film (não confundir com a versão americana estrelada por Loretta Young e Charles Boyer); Noites   Moscovitas / Les Nuits Moscovites de Alexis Granowsky; A Bandeira / La Bandera de Julien Duvivier; Os 3 Diabos / Variétés de Nicolas Farkas e sua versão alemã, Varieté (com Hans Albers); Tripulantes do Céu / L’Équipage de Anatole Litvak; Véspera de Combate / Veille D’Armes de Marcel l’Herbier, que lhe deu o Prêmio Volpi  de Melhor Atriz no Festival de Veneza de 1936; e  Anne -Marie / Dominadores do Espaço de Raymond Bernard.

Seguindo sua vocação internacional, Annabella participou, com Henry Fonda, do primeiro filme britânico em Technicolor, Idílio Cigano / Wings of the Morning / 1937 de Harold Schuster. Ainda na Inglaterra, esteve com Conrad Veidt no último filme dirigido pelo grande Victor Sjöstrom, O Poder de Richelieu / Under the Red Robe / 1937 e com David Niven em Ceia no Ritz / Dinner at the Ritz / 1937 de Harold Schuster.

Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, a atriz surgiu ainda em dois filmes francêses de peso, A Fortaleza do Silêncio / La Citadelle du Silence / 1937 de Marcel l’Herbier e Hotel do Norte / Hôtel du Nord / 1938 de Marcel Carné (contracenando com Louis Jouvet, Arletty, Jean-Pierre Aumont), e no filme americano Suez / Suez / 1938 de Allan Dwan, em cujo palco de filmagem encontrou o príncipe encantado, Tyrone Power, com quem se casaria após se divorciar do ator  Jean Murat. Annabella e Tyrone Power estiveram no Brasil em novembro de 1938. Eles se casariam em 23 de abril de 1939 e se divorciariam em 1948.

Durante  a guerra, Annabella fez dois filmes interessantes para o esforço de guerra, Esta Noite Bombardearemos Calais / Tonight We Raid Calais / 1943  de John Brahm e Noites Perigosas / Bomber’s Moon / 1943 de Edward Ludwig.  Após o fim do conflito mundial, merecem ser realçados na sua filmografia, Rua Madeleine 13 / 13 Rue Madeleine / 1946 de Henry Hathaway; Eternel Conflit / 1949 de Georges Lampin; e o filme que ela fez na Espanha ao lado de Antonio Vilar, Don Juan / 1950 de José Luis Sáenz de Heredia, encerrando seu percurso no cinema com Quema el Suelo / 1952.

Arletty

ARLETTY (1898-1992). Nome verdadeiro: Léonie Marie Julia Bathiat. Local de nascimento: Courbevoie, França.

Filha de uma família da classe trabalhadora, ela começou a estudar estenografia. A guerra de 1914 lhe fez perder seu primeiro amor, chamado Ciel, por causa da cor de seus olhos. O drama lhe faria perder todo desejo de se casar. Dois anos depois, seu pai faleceu, e ela, depois de ter sido amante de um jovem banqueiro, resolveu ser modelo, sob o pseudônimo de Arlette, inspirado na heroína do romance “Mont Oriol” de Guy de Maupassant. Seu primeiro diretor no teatro de revista, Armand Berthez, contratou-a como Arletty, para dar uma ressonância mais chique e anglo- saxã ao seu prenome.

Em 1930, Arletty aceitou a proposta de René Hervil de interpretar um papel pequeno no seu filme La Douceur  d’ Aimer ao lado de Victor Boucher. Um ano mais tarde, assumiu um papel principal no filme Un Chien qui Rapporte de Jean Choux, participando de mais sete filmes, antes se encontrar com o diretor Jacques Feyder e sua esposa, a atriz Françoise Rosay, em Pensão Mimosas / Pension Mimosas / 1935, e conhecer o assistente de Feyder, Marcel Carné. Este lhe ofereceria um papel sob medida em Hotel do Norte / Hôtel du Nord / 1938 ao lado de Louis Jouvet, Annabella e Jean-Pierre Aumont, no qual, com sua voz fanhosa e seu sotaque tipicamente parisiense ela seria, como disse Carné,  “a alma do filme”.

Dos meados dos anos 30 ao início dos anos 40, Arletty fez mais oito filmes, merecendo destaque apenas para os que foram dirigidos por Sacha Guitry (Vamos Sonhar / Faisons un Rêve / 1936, Madame e seu Mordomo / Désiré / 1937 e As Pérolas da Corôa / Les Perles de la Couronne / 1937); dois filmes com Michel Simon  (Circonstances Atténuantes / 1939 de Jean Boyer e Fric-Frac / 1939 de Claude Autant-Lara e Maurice Lehmann – neste comparecendo também Fernandel); Tempête / 1940 de Bernard Deschamps, no qual figurava Erich von Stroheim; e Madame Sans –Gêne /1941 de Roger Richebé.

Marcel Carné dirigiu-a em outros grandes filmes além de Hotel do Norte, que foram os melhores de toda a sua carreira artística: Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève /1939; Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 e O Boulevard do Crime / Les Enfants du Paradis / 1945. Mais forte ainda do que suas personagens dos dois primeiros filmes, Clara, a companheira do adestrador de cães e Dominique, o menestrel (que na realidade era uma mulher) enviado pelo Diabo para um castelo medieval, a sua Garance domina por completo o último filme, amada por quatro homens: Lacenaire, o assassino-poeta (Marcel Herrand); Frédérick Lemâitre, o ator exuberante (Pierre Brasseur); Baptiste Debureau, o mímico (Jean-Louis Barrault); e o conde de Montray (Louis Salou). Na estréia triunfal de O Boulevard do Crime Arletty estava em uma prisão.

Após a Libertação, sua relação amorosa com Hans Jürgen Sohering, um militar alemão, lhe valeu uma pena de prisão de 75 semanas no castelo de La Houssaye-en-Brie. De volta a Paris, percebendo que os papéis que lhe ofereciam não possuiam a amplitude dos de outrora, ela retornou ao teatro em 1947.

Nos anos cinquenta, fez mais um filme com Carné, L’ Air de Paris / 1954 e outros filmes pouco importantes com exceção de Mercado de Amor / Gibier de Potence / 1951 de Roger Richebé e A Grande Paixão / Le Grand Jeu / 1954 de Robert Siodmak, interpretando o papel que fôra de Françoise  Rosay na primeira versão, A Última Cartada / 1934, de Jacques Feyder. No final dos anos cinquenta, Arletty ficou ameaçada de cegueira e em 1962 atuou no seu último filme, Le Voyage a Biarritz de Gilles Grangier.

Françoise Arnoul

FRANÇOISE ARNOUL (1931-  ). Nome verdadeiro: Françoise Annette Marie Mathilde Gautsch. Local de nascimento: Constantina, Franca (hoje Argélia).

Filha de uma atriz de teatro, Janine Henry e de um general de artilharia, Charles Gautsch. Em 1945, quando seu pai continuou seu serviço militar em Marrocos, o restante da família transferiu-se para Paris.

Após estudar arte dramática na “Cidade-Luz”, Françoise chamou a atenção do diretor Willy Rozier, que lhe ofereceu um papel no filme Tormentos do Desejo / Épave / 1949, no qual deveria aparecer despida. Esta aparição fez dela uma estrela aos 18 anos de idade embora tivesse sido dublada na cena em que deveria mostrar a nudez de sua personagem. Sua carinha bonita e felina, sua feminilidade provocante ocultavam ainda as qualidades intrínsecas de atriz.

Ralph Habib deu-lhe papéis de moça perdida (Companheiras da Noite /  Compagnes de la Nuit  / 1953) e ninfomaníaca (Fúria de Amor / La Rage au Corps / 1954), mas ela teve melhores chances com Henri Verneuil (Fruto Proibido / Le Fruit Défendu / 1952 e O Carneiro de Cinco Patas / Le Mouton a Cinq Pates /1954, contracenando em ambos com Fernandel; Os Amantes do Tejo / Les Amants du Tage / 1955 ao lado de Daniel Gélin).

Entretanto, seus melhores filmes devem-se a Jean Renoir (que a chamou para o elenco de French Can Can / French  Can Can / 1955 , no  qual interpretava o papel de Nini, a pequena lavadeira que Danglar / Jean Gabin, o dono do Moulin Rouge,  transformava em uma estrela do cancan) e Henri Decoin (que a dirigiu ao lado novamente de Gabin em Vítimas do Destino / Des Gens Sans Importance / 1956 e a orientou na composição de Suzanne Ménersier, codinome Cora, a jovem que, durante a Ocupação, assume o lugar do marido morto pela Gestado em uma rêde de Resistência em A Gata / La  Chatte / 1958 e sua continuação, A Gata Mostra as Unhas / La Chatte Sort Ses Griffes / 1960). Com esses dois filmes, vestindo uma capa impermeável preta (confecionada por Guy Laroche), que lhe moldava o corpo perfeito, Françoise ascendeu ao topo da bilheteria.

A partir dos anos 60, Françoise apareceu menos nas telas, tendo sido seu último filme até o momento, Beau Rivage / 2011 de Julien Donada.

MIreille Balin

MIREILLE BALIN (1909-1968). Nome verdadeiro: Blanche Mireille Césarine Balin. Local de nascimento: Monte-Carlo, Mônaco.

Ela era a encarnação ideal da mulher fatal sofisticada dos anos trinta. Infelizmente, seu sucesso e sua popularidade duraram pouco, cerca de dez anos apenas. Quando a família mudou-se para Paris, Mireille tornou-se quase que naturalmente manequim da alta costura. Sua iniciação no cinema se efetivou sob o comando de G. W. Pabst, que lhe confiou um papel pequeno na versão francêsa de seu Don Quixote / 1932. Pouco depois, Robert Siodmak escolheu-a para outra intervenção modesta em Le Sexe Faible / 1933. Finalmente, na comédia Si j’étais le Patron / 1934 de Richard Pottier, ela figurou em primeiro plano.

Pouco depois, revelou-se para milhões de espectadores, formando um casal mítico com Jean Gabin em dois clássicos do cinema francês de antes da guerra: O Demônio da Algéria / Pépé le Moko / 1936 de Julien Duvivier e Gula de Amor / Gueule d’Amour / 1937 de Jean Grémillon Mireille foi chamada por Hollywood, aceitou a proposta da MGM, mas não lhe propuzeram nenhum filme, e ela voltou para seu país.

A atriz não conseguiu atingir mais o mesmo pico artístico de seus dois grandes sucessos, que ela acabara de alcançar aos vinte e cinco anos de idade. Incluída em aventuras militares (Alta Espionagem / Le Capitaine Benoît / 1938 de Maurice de Canonge; Coups de Feu / 1939 de René Barberis) e melodramas estrelados por cantores como Tino Rossi (O Ídolo das Mulheres ou O Anjo e a Pecadora / Naples, au Baiser de Feu / 1937 de Augusto Genina, no qual se encontrava também Viviane Romance) ou Tito Schipa (Terra de Fogo / Terre de Feu / 1938 de Marcel l’Herbier) surgiu duas vêzes em 1939 ao lado de Erich von Stroheim em Ménaces de Edmond T. de Gréville e Macao, o Inferno do Jôgo / Macao, l’Enfer du Jeu de Jean Delannoy.

Mireille teve um relacionamento amoroso com Tino Rossi, que terminou em setembro em1941. Após cinco filmes em 1942, entre os quais se destacaram L’Assassin a Peur la Nuit de Jean Delannoy e Dernier Atout de Jacques Becker, ela fez em 1946 sua última aparição no cinema, integrando o elenco de La Dernière Chevauchée de Léon Mathot.

Em setembro de 1944, Mireille foi presa em Beausoleil  com seu amante alemão, Birl Desbok, pelos membros da FFI (Fôrças Francêsas do Interior), quando o casal tentava ultrapassar a fronteira com a Itália. Ela foi espancada e estuprada pelos resistentes embriagados e Desbok provavelmente assassinado ao ser preso, pois ninguém mais ouviu falar dele. No tribunal, acusaram-na de ter atuado no filme fascista Alcazar / L’Assedio dell Alcazar / 1940 de Augusto Genina e nos festivais artísticos da embaixada da Alemanha em Paris. MIreille  foi libertada em janeiro de 1945.

Marie Bell

MARIE BELL  (1900 – 1985). Nome verdadeiro: Marie-Jeanne Bellon Downey. Local de nascimento: Bègles, França.

Passou sua infância na Inglaterra, onde vivia seu pai, de origem irlandesa. Aprendeu dança clássica e estreou na cena londrina aos treze anos de idade. Retornando à França, orientou-se para a arte dramática, primeiramente no Conservatório de Bordeaux e depois em Paris. Em 1921, o primeiro prêmio do Conservatório abriu-lhe as portas da Comédie Française.

Marie Bell seria membro permanente da Comédie de 1928 a 1946 e alí faria uma carreira magistral: Fernand Ledoux dirigiu-a em 1937 em “Les Affaires sont les Affaires” de Octave Mirbeau; para Pierre Dux, em 1938, ele foi a rainha de “Ruy Blas” e depois Roxane em “Cyrano de Bergerac”. As heroínas de Racine ou Corneille lhe convinham particularmente, fôsse Esther ou Chimène.  Em 1942, ela encontrou seu papel predileto: Jean-Louis Barrault dirigiu-a em “Phèdre”. André Malraux disse: “Ver Marie Bell em “Phèdre” é uma chance única de saber o que é o gênio francês”.

Sua trajetória cinematográfica também suscita entusiasmo, tendo atuado como estrela ao lado de Jean Murat em L’Homme à l’Hispano / 1933 de Jean Epstein; Amor e Lágrimas / Poliche / 1934 de Abel Gance; Véspera de Combate / Veille d’Armes / 1935 de Marcel l’Herbier; Pierre Fresnay em  A Vida de um Moço Pobre / Le Roman d’un Jeune Homme Pauvre / 1935 de Abel Gance e La Charrete Fantôme; Vagas Estrelas da Ursa / Vaghe Stelle dell’Orsa / 1939 de Julien Duvivier; Arletty em A Emancipada / La Garçonne / 1936 de Jean de Limur; Raimu e Michel Simon em Noite de Farra / Noix de Coco / 1939 de Jean Boyer.

Entretanto, foram seus dois filmes mais célebres A Última Cartada / Le Grand Jeu / 1933 de Jacques Feyder e Um Carnet de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 de Julien Duvivier que a consagraram na História do Cinema Francês. No primeiro, Jacques Feyder confiou-lhe um papel duplo – Florence e Irma, os dois amores de Pierre (Pierre Richard-Willm) – porém Marie nos tocou mais quando, com os cabelos tingidos de preto (como Irma), falou com a voz de sua dubladora, Claude Marcy. No segundo, ela está em todos os esquetes porém, se gostamos de rever sempre esta obra admirável, é mais por causa de seus colegas, Sylvie e Pierre Blanchard, Raimu e Françoise Rosay, Fernandel e Raimu e sobretudo Louis Jouvet como o gângster Pierre Verdier, vulgo Jo, amor de juventude da bela Christine Surgère (Marie Bell), recitando melancolicamente o “Colloque Sentimental” de Verlaine.

Em 1943, no filme de René Le Hénaff, Coronel Chabert  – A Grande Perfídia / Le Colonel Chabert, ao lado de Raimu, Marie impressionou a todos por sua composição perfeita da odiosa condessa Rosine Ferraud, que se recusa a acreditar no retorno de seu marido, veterano sem braço das guerras napoleônicas. No resto de sua filmografia sobressai somente sua participação em Vagas Estrelas da Ursa / Vaghe Stelle dell’Orsa … / 1965 de Luchino Visconti como a mãe de Sandra (Claudia Cardinale) e Gianni (Jean Sorel). Seu último filme foi Les Volets Clos / 1973 de Jean-Claude Brialy.

Em junho de 1947, Marie Bell chegou ao Brasil com sua Companhia Francêsa de Comédias, estreando no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 23 com as peças “On Ne Badine Pas Avec L’Amour” de Alfred de Musset e “L’Impromtu de Versailles” de Molière.

Martine Carol

MARTINE CAROL (1920 – 1967). Nome verdadeiro: Marie-Louise Jeanne Nicolle Mourer. Local de nascimento: Saint-Mandé, Val-de-Marne, Île-de-France, França.

Estudou arte dramática com René Simon e começou a fazer testes para o teatro usando o nome de Maryse Arley. Ela obteve alguns papéis no palco inclusive, curiosamente, na peça “Phedre”. Seu amigo e colega de curso, François Périer lhe indicou uma pequena participação no filme La Ferme aux Loups / 1943 e decidiu que ela passaria a se chamar Martine Carol.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Martine apareceu em dois filmes bem recebidos pelos críticos: Le Dernier des Six / 1941 de Georges Lacombe  e Les Inconnus dans la Maison / 1942 de Henri Decoin: ela dizia apenas uma palavra ou duas, mas estava no mesmo elenco que Pierre Fresnay e Raimu!  Após uma pequena intervenção em outro filme importante, Os Amantes de Verona / Les Amants de Vérone / 1949 de André Cayatte, ela obteve seu primeiro papel principal em Cuidado com as Louras / Méfiez-vous des Blondes / 1950 de André Hunebelle.

Martine finalmente, ficou famosa com Os Amores de Carolina / Caroline Chérie / 1951, realização de Richard Pottier baseada em um romance de Cécil Saint-Laurent, no qual oferecia algumas cenas despidas (em uma das quais foi dublada por Nadine Tallier) em um ambiente pseudo-revolucionário. O filme originou uma continuação, Caprichos de uma Mulher / Un Caprice de Caroline Chérie / 1952 dirigido por Jean-Devaivre, também de enorme sucesso comercial.

Em 1953, dá-se o encontro de Martine com Christian-Jaque, seu futuro marido e mentor. Sob a direção dele, Martine foi sucessivamente Lucrécia Borgia em Os Amores de Lucrécia Bórgia / Lucrèce Borgia / 1953, Madame du Barry em Madame du Barry / Madame du Barry / 1954, Nana em Naná / Nana / 1955, Lysistrata em um dos segmentos de Destino de Mulher / Destinées / 1954, que contava com a colaboração de vários diretores.

Em 1952 um grande diretor, René Clair, solicitou a presença de Martine no seu Esta Noite é Minha / Les Belles de Nuit e, em 1955, outro cineasta emérito, Preston Sturges, colocou-a em As Memórias do Major Thompson / Les Carnets du Major Thompson. No mesmo ano, foi a vez de Max Ophuls convocá-la para Lola Montès / Lola Montès, e ela demonstrou ser uma atriz de talento, e não apenas um símbolo sexual.

No final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, Martine ainda fez muitos filmes, inclusive em lingua inglêsa (vg. A Brutal Aventura / Action of the Tiger / 1957 de Terence Young; A Dez Segundos do Inferno / Ten Seconds to Hell / 1959 de Robert Aldrich) e Jean Gabin lhe estendeu a mão, arranjando-lhe uma participação em O Rei dos Falsários / Le Cave se Rebiffe / 1961, excelente policial de Gilles Grangier; porém a loura formosa e sensual foi ofuscada pela jovem Brigitte Bardot e pela Nouvelle Vague. Em 1967, aos 47 anos de idade, após crises de depressão e excesso de medicamentos, Martine Carol foi encontrada morta no seu quarto de hotel em Monte-Carlo. Seu último filme foi Hell is Empty / 1967 de John Ainsworth e Bernard Knowles.

Maria Casarès

MARIA CASARÈS (1922-1996). Nome verdadeiro: Maria Victoria Casares Pérez. Local de nascimento: Corunha, Galícia, Espanha.

Filha de Gloria Pérez e Santiago Casares Quiroga, Primeiro Ministro da Espanha Republicana. Em 1931, a família vai para Madrid, onde Maria inicia sua vida teatral. Ao irromper a Guerra Civil Espanhola em 1936 e com a ascenção de Franco, a família é obrigada a deixar o país, instalando-se em Paris. Maria se matricula no liceu Victor-Duruy e aprende o idioma francês. Trava conhecimento através de amigos com o ator Pierre Alcover e sua esposa Colonna Romano, membro permanente  da Comédie Française.

De origem espanhola, o casal estimula Maria a continuar fazendo teatro. Ela tenta entrar para o Conservatório, mas é reprovada por causa do sotaque. Para tentar de novo, Maria frequenta o curso de René Simon, estuda com Béatrix Dussane e finalmente consegue ser admitida no Théâtre des Mathurins, cujos patrões, Marcel Herrand e Jean Marchat montam para ela entre 1942 e 1944, peças de  Synge, Georges Neveu,  Ibsen e Camus. Em 1946, ela interpreta “Roméo et Juliette” de Jean Anouilh pela primeira vez com Jean Villar no Théâtre de l’Atelier. De 1952 a 1954, Maria é contratada  da Comédie Française e, de 1954 a 1959, passa a integrar o TNP de Jean Villar e suas atuações, notadamente como Lady Macbeth, contribuiram muito para a reputação  do Festival de Avignon.

Quatro grandes filmes marcam a carreira cinematográfica de Maria Casarès: O Boulevard do Crime / Les Enfants du Paradis / 1945) de Marcel Carné; As Damas do Bois de Boulogne / Les Dames du Bois de Boulogne / 1945 de Robert Bresson; Amores Eternos ou A Sombra do Patíbulo / La Chartreuse de Parme  / 1947 de Christian-Jaque e Orfeu / Orphée / 1950 de Jean Cocteau. Neles, Maria viveu personagens inesquecíveis pela ordem: a doce Nathalie que disputa com Garance (Arletty) o coração do mímico Baptiste Debureau (Jean-Louis Barrault); a ciumenta e vingativa Hélène que faz seu amante (Paul Bernard) se casar com uma mulher perdida; a Duquesa Gina de San Severina que nutre um amor secreto pelo sobrinho Fabricio del Dongo (Gérard Philipe) e a Princesa da Morte que se  apaixona por Orfeu (Jean Marais) e faz com sua esposa, Eurídice (Marie Déa), morra.

Dos outros filmes que fêz merecem destaque: Desonra / Roger la Honte / 1946 de André Cayatte e Bagarres / 1948 de Henri Calef. Maria continuou trabalhando na televisão até 1989 (na minissérie Les Nuits Revolutionnaires) e no cinema até 1995 (no filme Someone Else’s America de Goran Pashaljevic).