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CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA II

Após o período de inatividade que lhe foi imposto pelos organismos encarregados da “purificação” por ter trabalhado para a Continental (companhia destinada a produzir na França filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Henri-Georges Clouzot teve um retorno triunfal que lhe rendeu a sua segunda obra-prima, Crime em Paris / Quai des Orfèvres /1947. O filme vai mais longe do que a intriga policial que lhe serve de ponto de partida, reconstituindo com riqueza de detalhes um meio, uma atmosfera na qual evolui uma galeria de personagens saborosos, tendo à frente um inspetor de polícia vivido admiravelmente por Louis Jouvet. Depois de uma boa adaptação literária modernizada do romance do Abade Prevost (Anjo Perverso / Manon / 1949), o diretor voltou-se para o suspense, obtendo dois grandes sucessos comerciais e artísticos: O Salário do Medo / Le Salaire de la Peur / 1953 e As Diabólicas / Les Diaboliques / 1954, ambos com o nome de sua esposa brasileira, Vera Clouzot, nos créditos, e ficou conhecido como “o Hitchcock francês”.   O que fez de melhor posteriormente foi um episódio de Retour à la Vie / 1949, e Le Mystère Picasso / 1956, filme sem equivalente na história do cinema, que mistura o preto e o branco, a cor e diferentes formatos e constitui um documento insubstituível sobre a criação artística.

Apaixonado pelos seres humanos – como seu mestre Jean Renoir -, Jacques Becker os observava nos ambientes mais diversos e procurava traduzir o seu comportamento e o que eles traziam no fundo de si mesmos, captando sempre a realidade viva. Isso ocorreu nos seus melhores filme, passados sucessivamente no meio rural (Mãos Vermelhas / Goupi Mains Rouges/ 1943; da alta costura Nas Rendas da Sedução (na TV) / Falbalas / 1945; no ambiente operário (Antonio e Antonieta / Antoine e Antoinette / 1947; da pequena burguesia (Eterna Ilusão / Rendez-vous de Juillet/ 1949); e da alta burguesia (Vivamos Hoje / Édouard et Carloine / 1951); dos apaches da Belle Époque (Amores de Apache / Casque d´Or / 1952; dos gângsteres (Grisbi, Ouro Maldito / Touchez pas au Grisbi / 1954; dos artistas de Montmartre do início do século XX (Os Amantes de Montparnasse / Montparnassse 19 / 1958; da prisão (A um passo da Liberdade / Le Trou/ 1959.

Seus outros trabalhos – Brincando de Ciúmes (na TV) Rue de L´Estrapade / 1953; Ali Babá e os 40 Ladrões / Ali Baba et les Quarente Voleurs / 1954; As Aventuras de Arsène Lupin / Les Aventures d´Arsène Lupin / 1957 – foram produtos meramente comerciais, mas, tal como todos os filmes do diretor, impressionaram pela clareza e pela autenticidade.  Becker foi um dos poucos realizadores da velha guarda sempre louvado e comentado pelos críticos da Cahiers du Cinéma, a começar por François Truffaut, que encontrou na sua obra uma fonte de inspiração.

Yves Allégret realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos de sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d´Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Depois dessa trilogia, que corresponde ao “período Simone Signoret” do cineasta, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande densidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e pelo alcoolismo.

Os filmes mais relevantes de André Cayatte logo após a guerra foram Desonra / Roger la honte / 1946, e principalmente, Os Amantes de Verona / Les Amants de Verone/ 1948, que deveu muito a Jacques Prévert. Nos anos 1950, cm a colaboração preciosa do roteirista Charles Spaak, ele começou a fazer seus famosos filmes de tese, denunciando vários aspectos do sistema judiciário francês: O Direito de Matar / Justice est Faite / 1950; Somos Todos Assassinos / Nous Sommes Tous des Assassins / 1952; Antes do Dilúvio / Avant le Déluge / 1953; e O Processo Negro / Le Dossier Noir / 1958. Servindo-se do cinema como o orador se serve da palavra para expor seu ponto de vista, o cineasta continuou a filmar problemas sociais e morais como em Olho por Olho / Oeil pour Oeil / 1956; O Espelho de duas faces /Le Miroir a deux faces / 1958, prosseguindo com essa intenção até sua aposentadoria em 1983.

Nos anos 1950, Robert Bresson deu à luz O Diário de um Padre (na TV) / Le Journal d´un Curé de Campagne / 1950; Um Condenado à Morte escapou / Um Condamné a Mort s’est echappé / 1956; e Pickpocket / Pickpocket / 1959, obras máximas de sua filmografia, que evidenciavam, mais do que nunca, o seu gosto pela perfeição levado à extrema minúcia e a sua preocupação em captara beleza de uma aventura humana interior. Era um cineasta exigente, altivo, interessado em encontra uma forma libertada dos códigos narrativos forjados no começo do sonoro. “O que eu busco “, disse ele, “não é tanto a expressão por gestos, a palavra, a mímica, mas, sim, a expressão pelo ritmo e pela combinação das imagens”.

A rigidez sindical e profissional – era preciso vinte anos de trabalho obscuro em um estúdio para se tornar diretor – desencorajava os jovens de ascender aos postos-chave de decisão e de criação. Entretanto, três novos cineastas conseguiram romper as barreiras corporativas: René Clement, Jacques Tati e Jean-Pierre Melville.

René Clement estudou arquitetura, fez um filme de animação (César chez les gaulois), vários curtas-metragens, entre eles, Soigne ta gauche / 1936, escrito e interpretado por Jacques Tati, e documentários no Oriente Médio e na África. Em 1946, realizou seus primeiros longas-metragens tendo como tema a resistência (A Batalha dos Trilhos / La Bataille du Rail e Le Père Tranquille), e atuou como consultor técnico no filme de Jean Cocteau, A Bela e a Fera / La Belle et la Bête / 1946. No ano seguinte, ainda tratou de um drama de guerra em Os Malditos / Les Maudits, estranhamente premiado como Filme de Aventura no Festival de Cannes. Daí em diante, tornou-se um diretor respeitado, recebendo vários prêmios em festivais, inclusive dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Três Dias de Amor / Au-délà des Grilles / 1949, e Brinquedo Proibido / Jeux Interdits / 1952. Nos anos 1950, também importantes foram Um Amante sob Medida / Monsieur Ripois / 1954, Gervaise, a flor do lôdo / Gervaise / 1956, e O Sol por Testemunha / Plein Soleil / 1959, realizados com o esmero técnico que sempre distingue sua obra.

Na sua juventude, Jacques Tati praticou vários esportes, tendo atuado como profissional de rugby durante um breve período. Em 1931, ele se consagrou no cabaré e no music-hall com um número de pantomimas inspiradas nos esportes que praticava. De 1932 a 1938, Tati começou a trabalhar no cinema como roteirista e intérprete de curtas-metragens. Após a guerra, apareceu com ator em dois filmes de Claude-Autant-Lara, Silvia e o Fantasma / Sylvie et le fantôme / 1946 e Adúltera / Le Diable au corps / 1947.

CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA I

O cinema francês do pós-guerra, salvo algumas exceções, não parecia ser muito diferente em conteúdo e forma do cinema de antes da guerra. Como percebeu René Predal (50 Ans du cinéma français, 1996), os grandes diretores que retornaram do exílio contribuíram para a volta da tradição: “Estes realizadores não haviam verdadeiramente conhecido a guerra; portanto, nem a Ocupação nem a Libertação poderiam constituir para eles assuntos suscetíveis de renovar sua inspiração. Entre a fidelidade às normas holywoodianas e ao espírito frondista do neorealismo eles preferiram aprofundar sua estética pessoal, alguns com brio, mas outros com algum sinal de esgotamento”. Durante a Segunda Guerra Mundial, René Clair fez nos EUA: Paixão Fatal / The Flame of New Orleans /1941; Casei-Me com uma Feiticeira / I Married a Witch / 1942; O Tempo é uma Ilusão / It Happened Tomorrow / 1944 e O Vingador Invisível / And Then There Were None / 1945. De volta ao seu país natal, ainda estava em forma (O Silêncio é de Ouro / Le Silence est d´or / 1947; Entre a Mulher e o Diabo / La Beauté du Diable /1949; Esta Noite é Minha / Les Belles de Nuit / 1952; As Grande Manobras / Les Grandes Manoeuvres / 1955; Por Ternura Também se Mata / Porte de Lilas / 1957), confirmando sua posição eminente na criação francesa. Ele continuou utilizando os exteriores filmados no estúdio para criar seu próprio mundo, no qual expressava a sua visão satírica da vida. Nos seus últimos filmes voltou-se para a tragicomédia, descrevendo a condição humana com mais severidade, mas sempre com um amor fundamental pela humanidade.

Antes da guerra Duvivier havia feito nos EUA:  A Grande Valsa / The Great Waltz / 1938 e, durante o conflito mundial, Lydia / Lydia / 1941; Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942; Os Mistérios da Vida / Flesh and Fantasy / 1943; O Impostor / The Imposter / 1944.

Ao retornar à França, reatou relações com o clima sombrio dos seus filmes de antes da guerra, focalizando em Pânico / Panique / 1946, o drama da exclusão social e os tormentos de um celibatário marginal, magnificamente vivido por Michel Simon. Juntamente com Vítimas do Destino / Aux Royaume des Cieux / 1949, outro drama de uma obscuridade vigorosa, passado em uma casa de correção para moças delinquentes, foi o melhor trabalho do cineasta na segunda metade dos anos 1940. No decênio seguinte, tal como no passado, Duvivier continuou experimentando vários gêneros, abordando vários estilos, sem encontrar verdadeiramente o seu. Mas, com  sua notável noção de cinema, especialmente no que diz respeito à criação de uma atmosfera e à imposição de um ritmo fluente nas narrativas, ele realizou, com a sensibilidade de um artista, filmes apreciáveis (Sinfonia de uma Cidade / Sous le Ciel de Paris / 1950: O Caso Maurizius / L´Affaire Maurizius / 1954; A Mulher dos meus Sonhos / Marianne de ma Jeunesse / 1955; As Mulheres dos Outros / Pot Bouille /1957; Marie Octobre (na TV) / Marie Octobre; suas duas jóias raras neste período, A Festa do Coração / La Fête à Henriette / 1952, e Sedução Fatal / Voici le temps des Assassins / 1956; e um imenso sucesso comercial, O Pequeno Mundo de Don Camillo / Le Petit Monde de Don Camillo / 1951.

Após uma temporada americana, durante a qual dirigiu cinco filmes (O Exilado / The Exile / 1947; Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948; Coração Prisioneiro / Caught / 1949; Na Teia do Destino / The Reckless Moment / 1949, Max Ophuls filmou na França suas obras mais famosas (Conflitos de Amor / La Ronde / 1950; O Prazer / Le Plaisir / 1951; Desejos Proibidos / Madame … / 1953 e Lola Montés / Lola Montés / 1955, exercendo com mais liberdade brilho o seu estilo barroco, para não dizer precioso, cujo principal traço distintivo era a movimentação incessante da câmera  e a forma rebuscada da narrativa. Foi com esses filmes da sua retomada francesa que Ophuls conquistou definitivamente lugar que merecia no coração dos iniciados da sétima arte.

Jean Renoir foi o último a chegar. Nos EUA, ele fez: O Segredo do Pântano / Swamp Water / 1941; Esta Terra é Minha / This Land is mine / 1943; Amor à terra/ The Southerner / 1945; Segredos de Alcova/ The Diary of a Chambermaid; Mulher Desejada /The Woman on the Beach / 1947. Ele passou pela Índia (O Rio Sagrado / The River / 1950) e depois por Cinecittà (A Carruagem de Ouro / Le Carosse D´Or / 1952), antes de assumir a direção de French Can Can / French Can Can / 1954, em Paris, quinze anos após A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939. Essa ausência prolongada causou o desinteresse por parte do público com relação à sua obra, acrescido pela dificuldade que as pessoas tinham de reconhecer no emigrado hollywoodiano o cineasta até então identificado como a encarnação do que havia de mais francês e como homem da Frente Popular. Foi preciso uma campanha de sacralização, promovida principalmente pela Cahiers du Cinéma, para que Jean Renoir recuperasse o seu lugar proeminente no cinema francês.

Ironicamente, enquanto muitos diretores – alguns deles inspirados por Renoir – estavam utilizando aquela espécie de encenação, combinando profundidade de campo com movimentos de câmera complexos, que ele favorecera no passado, o próprio cineasta começou a desenvolver um estilo simples, direto, teatral, concentrado no intérprete. Nos filmes que fez nos anos 1950 (entre os quais se incluem As Estranhas Coisas de Paris / Elena et les Hommes / 1956; Le Déjeuner sur l´herbe / 1959; O Testamento do Dr. Cordelier / Le Testament du docteur Cordelier / 1959, o grande cineasta continuou refletindo sobre a vida e o espetáculo e demonstrando um gosto pela experimentação – porém não manteve o mesmo nível artístico de suas realizações dos anos 1930.

Quanto aos diretores importantes que permaneceram no país durante a Segunda Guerra Mundial, não se pode dizer que tiveram mau rendimento artístico, muito pelo contrário.

Marcel Carné e Jacques Préver fizeram Les Portes de la Nuit em 1946. Depois disso então se separaram e os críticos começaram a achar que, sem o concurso do seu parceiro poeta, os filmes de Carné não eram tão eficientes. Na realidade o declínio de Carné coincidiu com o rompimento com Prévert, porém teve mais a ver com as mudanças do panorama social e do gosto do público. O cineasta passou a simbolizar a “estagnação” do cinema francês tradicional aos olhos dos jovens críticos da Nouvelle vague, que os julgaram fora de moda, apesar de ele ter feito vários filmes interessantes: Paixão Abrasadora / La Marie du Port / 1950; Juliette ou la clef des songes / 1951; Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1953; L´Air de Paris / 1954; Os Trapaceiros / Les Tricheurs / 1958.

Deixando de se apresentar em cena como intérprete, Sacha Guitry nos ofereceu quatro obras valiosas (La Poison / 1951; La Vie dún Honnête Homme / 1952; Amantes e Ladrões / Assassins et Voleurs / 1956; Les trois font laPaire / 1957), que permitiram ao autor exprimir seu ponto de vista sobre a sociedade contemporânea. Seus outros filmes (Le Comédien / 1947; Le Diable Boiteux / 1948; Le Trésor de Cantenac / 1950; Tu m’as sauvé la vie / 1950), até mesmo suas superproduções patrióticas (Se Versalhes falasse / Si Versaillhes m’était conté / 1953; Napoleão / Napoléon / 1954), não eram tão bons, mas demonstravam sempre o seu espírito e continham uma liberdade de expressão que o tornava um precursor da Nouvelle Vague. Nos anos 1960, depois de ter sido menosprezado pelos críticos como mero ilustrador de peças filmadas, ele foi reabilitado tendo sido reconhecida a sua contribuição para o cinema de sua época.

Em 1946, Jean Cocteau estreou seu primeiro longa-metragem, A Bela e a fera / La Belle et la Bête e, subsequentemente, A Águia de Duas Cabeças / L´Aigle a Deux Têtes / 1947;

O Pecado Original / Les Parents Terribles / 1949; e sua obra-prima, Orfeu / Orphée / 1949. Graças a este filme, Cocteau seria um dos raros cineastas a não sofrer os ataques dos “jovens turcos”: ele foi reconhecido como autor e precursor daquela Nouvelle Vague que por várias vezes lhe renderia homenagem.

Cineastas exemplares da qualidade francesa, Christian-Jaque, Jean Delannoy, Henri Decoin e Claude Autant-Lara realizaram filmes de mérito artístico variado, mas cada qual honrou sua profissão com pelo menos três filmes de peso: Christian-Jaque (Un Revenant / 1946; A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos / La Chartreuse de Parme / 1947; Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe / 1952); Delannoy (Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950; Amar-te é meu Destino / La Minute de Verité / 1952; Assassino de Mulheres. / Maigret tend um Piège / 1958); Decoin (Trágica Inocência / Non Coupable / 1947; Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952; Antro do Vício / Razzia sur la Chnouf / 1955; Autant-Lara (Adúltera / Le Diable au Corps / 1947; A Estalagem Vermelha / L ´Auberge Rouge / 1951; A Travessia de Paris / La Traversée de Paris / 1956).

Já os diretores que haviam iniciado carreira no tempo da Ocupação  (assunto que já abordei no meu artigo Cinema Francês durante a Ocupação de janeiro de 2015) atingiram o auge de sua aptidão fílmica. É o que veremos no artigo seguinte.

DEZ GRANDES WESTERNS

MAN FROM LARAMIE, THE / UM CERTO CAPITÃO LOCKHART.

O filme apresenta um herói taciturno com ânsia implacável de vingança. O capitão Will Lockhart (James Stewart) sai de Fort Laramie e chega a Coronado, em busca do responsável pela venda de armas aos apaches que massacraram seu irmão. Ali, entra em conflito com Alec Waggonman (Donald Crisp), poderoso proprietário de terras que, prestes a ficar completamente cego, quer dividir o imenso domínio territorial entre o filho legítimo, Dave (Alex Nicol), rapaz arrogante e impulsivo, e o de criação, Vic Hansbro (Arthur Kennedy), capataz da fazenda, encarregado de conter as desordens do “irmão”. Com a ajuda de Kate Canaday (Aline MacMahon), vizinha e rival de Alec, e após sofrer muita violência, Lockhart descobre o homem que procurava, ensejando os momentos culminantes no alto de uma colina. A figura trágica do velho, de inspiração shakespeareana, pois a analogia com o Rei Lear é evidente – Alec pensa em repartir seu império, não percebe que é o filho adotivo que mais o ama, comete atos insensatos, provoca sua própria queda etc. – dá enorme dramaticidade ao filme, que apresenta, sob o plano formal, uma inteligente utilização do CinemaScope. Anthony Mann contradiz todas as hipóteses pessimistas levantadas por ocasião do advento deste formato, tais como a impossibilidade dos primeiros planos, a dificuldade dos movimentos de câmera e a morte da montagem. A sequência brutal nas salinas, por exemplo, mostra os planos bem próximos do rosto de Lockhart, capturados no laço e arrastado por sobre as cinzas da fogueira, intercalado naturalmente com outras tomadas mais gerais. Todos os enquadramentos são sabiamente construídos, como na cena do enterro, o desenho de um imenso triângulo, cujo vértice é constituído pela cabeça do assassino e, depois, no funeral, a silhueta negra do ancião que dá tiros a esmo, desesperado

MY DARLING CLEMENTINE / PAIXÃO DOS FORTES.

A partir dos personagens do célebre duelo no O.K. Corral, John Ford realiza com Paixão dos Fortes um western onde a lenda prevalece sobre a realidade histórica. O filme conta mais uma vez a passagem da natureza selvagem para a civilização e progride alternando ação dura e violenta com cenas líricas e tranquilas. A visão mítica dos personagens baseia-se tanto nas suas proezas como nos pormernores pitorescos de seu comportamento (v. g. as inequecíveis cenas de Wyatt Earp (Henry Fonda) equilibrando-se na cadeira, da recitação de Hamlet no saloon e do velho Clanton (Walter Brenann) chicoteando o filho por ter puxado a arma sem ter conseguido matar). Uma sequência como a do baile popular na inauguração da igreja, onde o tímido Earp decide dançar com Clementine (Cathy Downs), mostra bem a união do tema “social” como o tema “sentimental”, ao mesmo tempo em que faz um contraste com os momentos conturbadores do confronto final. A sobriedade, a precisão, a preocupação com os detalhes exatos, a verdade psicológica, a tensão dramática e a rapidez do “duelo” do desenlace, a plástica cinematográfica admirável, o emprego judicioso da música folclórica do Oeste fazem de Paixão dos Fortes um filme perfeito.

NAKED SPUR, THE / O PREÇO DE UM HOMEM.

O filme inicia-se quando, disfarçado de xerife, Howard Kemp (James Stewart) caça o fora-da-lei Ben Vandergroat (Robert Ryan, visando à recompensa de cinco mil dólares, estipulada para a captura do bandido. Com o dinheiro, pretende reaver o rancho do qual fora destituído por ocasião da Guerra Civil. Entretanto, é obrigado a aceitar a ajuda de Jesse Tate (Millard Mitchell), um velho garimpeiro, e de Roy Anderson (Ralph Meeker), ex-militar de moralidade duvidosa, também interessado no prêmio. Os três conseguem prender Ben, que se refugiara no alto de um penhasco na companhia de uma jovem órfã. Lina (Janet Leigh), filha de um ex-companheiro de assaltos. Durante a viagem até a cidade, semeada de incidentes, o malfeitor incita uma guerra de nervos entre seus guardiães, servindo-se de Lina para distrair a atenção de Kemp. Após uma tentativa frustrada de fuga, Ben convence Tate a soltá-lo, com a promessa de indicar-lhe o local de uma mina de ouro; mas, assim que se vê livre, mata-o sem piedade. Em seguida, arma uma cilada para Kemp e Roy, porém, graças à Lina que compreendera enfim o verdadeiro caráter do amigo, o plano se frustra. Abatido por Kemp, o corpo de Ben cai nas correntezas de um rio e, pensando na recompensa, Roy tenta resgatar o cadáver, sendo tragado pelas águas turbulentas. Kemp resgata o corpo; mas, diante das súplicas de Lina, o abandona. Com o apoio e o amor da jovem, constituirá uma nova vida, sem recorrer àquele dinheiro, causa de tantos males.  O filme, dirigido por Anthony Mann, possui a simplicidade e o rigor de uma obra clássica, com a ação única passada em tempo e lugar determinados. Apenas cinco personagens, cujas relações e sentimentos são analisados diante dos exteriores do Colorado, magistralmente fotografados. É uma tragédia clássica em plena natureza e, ao mesmo tempo, um penetrante estudo da ambição humana.

RED RIVER / RIO VERMELHO

Embora contendo um certo modernismo, vislumbrado nas ambigüidades e na complexidade do personagem principal, Tom Dunson (John Wayne), cuja obstinação e autoridade quase patológicas são utilizadas por Howard Hawks para enriquecer a ação, Rio Vermelho impressiona pelo seu classicismo, sua simplicidade e uma fotografia excepcional. Em poucos planos o diretor expõe o cenário e a atmosfera. Uma simples cena, como a partida da tropa, torna-se realmente inesquecível e quando, no final, os adversários- Dunson e Matthew Garth (Montgomery Clift) – tornam a se encontrar, não será somente o reencontro de dois homens, que seguiram caminhos diferentes e que estão prestes a se matar, mas também a reunião de dois seres ligados por uma amizade profunda. Movendo-se rapidamente pelas planícies sem horizontes e cobrindo o vasto território que os vaqueiros devem percorrer na sua odisséia, a câmera capta as tempestades, os rios, os desfiladeiros e as montanhas distantes com grande senso de beleza. O diretor não se ocupa somente com as relações humanas e suas tensões, como também com a ação e o espetáculo. Um impressionante estouro de boiada e o salvamento de uma caravana sitiada pelos índios são cenas bastante movimentadas, mas o filme também é peculiarmente eficiente ao mostrar o detalhe quase documentário da rotina diária de uma cattle drive.

RIDE LONESOME / O HOMEM QUE LUTA SÓ.

O xerife Ben Brigade (Randolph Scott) e os simpáticos fora-da-lei, Sam (Pernell Roberts) e Wild (James Coburn) disputam a posse do assassino Bill John (James Best), que deverá ser conduzido para Santa Cruz. Ben atrasa propositadamente a viagem, na esperança de ser alcançado por Frank (Lee Van Cleef) o irmão de Billy que, em passado distante, matara sua mulher. Sam e Wild, sonhando com um pequeno rancho, desejam obter o perdão prometido pela captura de Billy. No final, Ben mata Frank, põe fogo simbolicamente na árvore onde sua esposa fora enforcada e permite que os dois rapazes partam com Billy e Carrie, uma viúva que eles encontraram no caminho. O filme se organiza em sequências bem delimitadas no espaço e no tempo, que fazem progredir a ação com uma lentidão cuidadosamente calculada. Budd Boetticher desenvolve a história com um rigor quase matemático. Ao redor de Ben, os comparsas – um bandido que serve de isca, dois jovens desencaminhados que querem se tornar cidadãos honrados, uma mulher cujo marido foi morto pelos índios – são apenas peças de um jogo de xadrez: cada gesto, cada palavra sendo calculados para produzir o máximo de efeito.  Assim no final do filme, Ben sacia seu desejo de vingança e, ao mesmo tempo, torna claras todas as combinações do jogo: os dois rapazes podem apoderar-se do bandido e ganhar sua anistia; a mulher, cuja presença sugeria um idílio possível com o herói, pode partir com eles, porque para Ben só importa a lembrança da esposa. A direção de Boetticher, bastante despojada, dá uma densidade particular aos personagens e não esquece os vastos espaços que fazem a grandeza dos westerns, forjando alguns enquadramentos inspirados em uma sábia utilização do CinemaScope.

RIDE THE HIGH COUNTRY / PISTOLEIROS DO ENTARDECER.

O ex-xerife Steve Judd (Joel McCrea) é contratado para escoltar um carregamento de ouro de uma mina para um banco da cidade. Steve convoca como ajudante seu antigo colega Gil Westrum (Randolph Scott) e o jovem Heck Longtree (Ronald Starr). No caminho junta-se a eles a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) que está fugindo de um pai puritano e violento para se encontrar com o noivo Billy Hammond (James Drury) no acampamento dos mineiros. Após uma cerimônia matrimonial grotesca em um bordel, Elsa tem que ser resgatada das atenções brutais dos irmãos de Billy (John Anderson, Warren Oates, L. Q. Jones, John Davis Chandler). Na viagem de volta, perseguidos pelos Hammond, Judd frustra as tentativas de seus dois companheiros para roubar o ouro. Em uma confrontação final com os Hammond, Westrum, que havia fugido, retorna para ajudar Heck e Judd, e este morre, ouvindo a promessa de Westrum de completar a missão. Os heróis estão envelhecidos. Logo nas primeiras cenas vemos o primeiro esconder sua miopia e se trancar no banheiro para ler um contrato e o segundo, fantasiado de Bufallo Bill, com cabelos longos e barba postiços, explorando um estande de tiro em um parque de diversões. Antigos guardiães da lei, eles sobreviveram à invasão do Oeste pela civilização e encontrarão juntos a oportunidade de viver sua última aventura, seu último duelo, e de readquirir o respeito próprio. De seu passo aventureiro – constantemente relembrado – Judd e Westrum conservaram um certo senso de honra (mesmo Westrum, que queria se apossar do ouro) e de amizade e, em contato com os dois idosos, o jovem Heck aprende a se tornar um homem digno deste nome. A escaramuça nas montanhas varridas pelo vento é uma das várias cenas magistrais do espetáculo. Há também o jantar, no qual Judd cita versículos dos Provérbios, o pai de Elsa retruca com Isaías e Westrum, encantado com a comida, “cita” Apetite., Capítulo 1. Ainda melhor é a festa de casamento em um bordel, celebrada por um juiz bêbado e com as prostitutas como damas de honra. Na sequência final antológica, Judd, ferido, e Heck, são encurralados em uma vala enquanto Billy e seus dois irmãos atiram neles da casa do rancho e do celeiro. De repente, em uma cavalgada emocionante, Westrum aparece para socorrê-los. Com um sorriso nos lábios Judd e Westrum tornam-se parceiros novamente. Os cinco homens se confrontam e todos são alvejados. Os Hammond morrem. Westrum assegura ao agonizante Judd que vai entregar o ouro “tal como este teria feito”. Judd responde: “Diabos, eu sei, sempre soube. Você apenas esqueceu por alguns momentos. Só isso”.

SEARCHERS, THE / RASTROS DE ÓDIO.

O Texas em 1868. Ethan Edwards (John Wayne), ex-confederado, chega à fazenda de seu irmão Aaaron (Walter Coy). No dia seguinte, Sam Clayton (Ward Bond) que é ao mesmo tempo pastor e capitão dos Rangers, convoca-o para irem atrás de ladrões de gado. Porém o roubo de gado era uma armadilha para afastar os Rangers. No seu retorno, Ethan depara-se com a casa incendiada, o irmão e a cunhada (Dorothy Jordan) mortos e as duas sobrinhas Lucy (Pipa Scott) e Debbie (Lana Wood) sequestradas pelos índios. Na companhia de Brad Jorgensen (Harry Carey, Jr.), noivo de Lucy e Martin Pauley (Jeffrey Hunter), um jovem mestiço adotado pelo casal, Ethan sege a pista dos assassinos. Após alguns meses, os três homens descobrem o cadáver de Lucy. Brad, louco de dor, ataca o acampamento indígena e morre. Anos depois, Martin e Ethan voltam para a fazenda dos Jorgensen (John Qualen, Olive Carey, vizinhos de Aron, e ficam sabendo que Debbie (Natalie Wood), já adulta, está vivendo entre os comanches. Passados mais alguns meses, no Novo México, eles encontram Debbie como mulher do chefe “Scar” (Henry Brandon); mas ela se recusa a seguí-los, pois se considera uma verdadeira índia. Furioso, Ethan quer matá-la, porém Martin não deixa. Os dois voltam novamente para a fazenda dos Jorgensen, onde Martin impede que a filha destes, Laurie (Vera Miles), sua antiga namorada, se case com outro. Mais tarde, o chefe “Scar” é visto na região. Durante um ataque de surpresa dos Rangers ao acampamento comanche, Martin consegue libertar Debbie. Ethan a princípio não desiste da idéia de matá-la, mas afinal reconhece a moa como sua sobrinha, erguendo-a amorosamente nos braços. Todos retornam para o lar dos Jorgensen. Tudo em ordem. Ethan parte para o deserto.

Rastros de Ódio aborda os grandes temas do western: o racismo, os problemas dos pioneiros brancos, as guerras com os índios com seu cortejo de massacres de ambas as partes etc. Entretanto, John Ford se apega ao seu herói, este “homem só”, irremediavelmente perdido e afastado da civilização, do calor do lar e da vida, enigmático e taciturno, parcial e violentamente racista que, em busca da sobrinha, empreende uma imensa odisséia que se desenrola sob a neve e o deserto, em uma impressionante variedade de paisagens. Os exteriores do filme foram rodados principalmente no Monument Valley – que, desde No Tempo das Diligências, serviu para muitos westerns do diretor. Todo o filme “respira” estas vastas extensões onde a areia, o vento quente, a distância, os enormes blocos rochosos esculpidos pela erosão, a falta de água, o sol tórrido, criam um clima pesado, desolado, desértico, desumano. Visualmente o filme representa a arte de John Ford no seu ápice. Seu grande amor pela humanidade e pela natureza se espalha em imagens majestosas, que se organizam para formar um grande, um belo poema lírico. Porém o motivo visual mais significativo em Rastros de Ódio é certamente a porta aberta para o agreste. Esta é a imagem que abre e fecha o filme. É uma imagem que expressa o tema e o conflito do filme: do lado de dentro estão os valores apreciados pela civilização; do lado de fora está a terra selvagem que os ameaça. O plano final mostra a família reunida entrando pela porta. Ethan também começa a entrar; mas hesita. Compreendendo que sua missão está cumprida e que realmente não há lugar para o herói do western naquele lar, ele se vir e vai embora enquanto a porta se fecha atrás dele.

STAGECOACH / NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS

No tempo das diligências marca uma data e uma etapa decisiva na história do western. Respeitando todos os temas dramáticos do gênero, John Ford os enriqueceu com um conteúdo moral, social e psicológico, conferindo-lhes uma dignidade intelectual e artística. Foi a realização deste filme que, segundo muitos críticos, teria criado todos os clichês do gênero. Entretanto, o filme apenas reúne um espaço (as grandes planícies do Oeste), acontecimentos (a viagem, o ataque dos índios, a perseguição), e sobretudo uma galeria de tipos (Hatfield (John Carradine), o cavalheiro sulista, jogador e arruinado; Dr. Josiah Boone (Thomas Mitchell), o médico alcoólatra; Samuel Peacock (Donald Meek), o vendedor de uísque; Henry Gatewood (Berton Churchill), o banqueiro escroque; Curly Wulcox (George Bancroft), o xerife; Ringo Kid (John Wayne), o fora-da-lei; Dallas (Claire Trevor), a prostituta etc.), que fazem parte da tradição do western – não há nada de novo. A mestria de Ford consiste na composição dramática e de elementos conhecidos. O movimento do filme, retomado por etapas da viagem e seus incidentes, se funda, de um lado, na evolução das relações entre os membros do grupo e, de outro, na tensão crescente dos perigos que os ameaçam. Assim, No Tempo das Diligências é, sem cessar e ao mesmo tempo, uma epopéia trágica e um drama psicológico, uma aventura coletiva e uma série de aventuras individuais, destacando-se entre estas a do fora-da-lei heróico e a da prostituta de bom coração (cujo personagem e situação lembram a Boule de Suif, de Maupassant. As reações dos diversos personagens, provocadas por sua educação ou preconceitos, alargam o quadro do filme e fazem desse microcosmo que é a diligência uma amostra da sociedade americana do fim do século XIX. Pode-se dizer, a respeito dessa obra, que ela abriu caminho para um western mais cerebral, consciente de seus temas e de sua significação.

WAGON MASTER / CARAVANA DE BRAVOS

É um verdadeiro filme-poema no qual John Ford expressa seu amor pelo Oeste e pelos verdadeiros cowboys, usando imagens encantadoras e uma comovente trilha musical de hinos e canções folclórica. Construído episodicamente, o filme descreve a viagem para a Terra Prometida de uma caravana de mórmons, liderada por um patriarca, Elder Wiggs (Ward Bond), ao qual vão se juntando dois jovens vaqueiros, Travis Blue (Ben Johnson) e Sandy Owen (Harry Carey, Jr.), uma pequena troupe de artistas (Allan Mowbray, Joanne Dru, Ruth Clifford, Francis Ford), alguns fora-da-lei (Charles Kemper, James Arness, Fred Libby, Hank Worden, Mickey Simpson) e um grupo de índios Navajos.

Alternando drama e humor em uma coleção de incidentes apresentados de uma maneira natural, espontânea, singela, Caravana de Bravos é um pequena obra-prima de expressão pura, obra de pintor e de músico (pelo seu andamento , suas repetições), uma mistura de epopéia lírica com realidade cotidiana, impregnada de valores humanistas e religiosos (a fé, os esforços e a tolerância dos mórmons, a amizade sincera e solidária dos dois vaqueiros a mulher perdida tocada pela graça, o valor da família, a busca de paz etc.).”O western mais puro e mais simples que já fiz”, declarou o cineasta referindo-se a um de seus filmes prediletos.

WINCHESTER 73 / WINCHESTER 73.

O filme começa em 4 de julho de 1873, em Dodge City. Lin MacAdam (James Stewart) encontra finalmente Dutch Henry Brown (Stephen McNally), que vinha perseguindo há algum tempo. Porém, como o xerife local, o famoso Wyatt Earp (Will Geer), confisca todas as armas, o acerto de contas fica para uma outra oportunidade. Os dois participam de um concurso de tiro cujo prêmio é uma Winchester 73, o fuzil mais aperfeiçoado da época, muito cobiçado no Oeste. Lin ganha a disputa, mas Dutch rouba-lhe a carabina e foge da cidade. Lin e o amigo High Spade (Millard Mitchell) vão atrás dele, enquanto a Winchester passa sucessivamente das mãos de Dutch para as de um traficante, Joe Lamont (John McIntire); um chefe indígena, Young Bull (Rock Hudson); um covarde, Steve Miller (Charles Drake) e um assaltante de bancos, Waco Johnny (Dan Duryea), voltando depois à posse do primeiro. Lin alcança Dutch e os dois se defrontam em um duelo, revelando-se então que eram irmãos e Dutch havia matado o pai. A trama episódica e circular reúne com virulência e autenticidade todos os tipos tradicionais do gênero, ligando o destino dos numerosos participantes do drama e ensejando uma meditação sobre a violência – as pessoas que se apoderam da carabina de alto poder de destruição morrem, porque só a desejam para matar. A violência é acentuada ainda pelo caráter trágico da relação familiar entre vilão e herói. Aqui, como em vários outros westerns de Anthony Mann, um indivíduo amargurado e raivoso, movido pelo ódio. Além do plano-sequência inicia, destacam-se as cenas do torneio de tiro, o roubo da arma por Dutch e seu capangas, a morte de Joe Lamont escondida pelo gesto de Young Bull que se coloca diante da lua, o ataque dos índios, a primeira aparição de Waco Johnny e o tiroteio final na montanha rochosa, imagens compostas com perspicácia visual admirável.

HORROR GÓTICO NO CINEMA

O Romance Gótico – histórias sobre o macabro, o fantástico e o sobrenatural que se passam geralmente em castelos assombrados, cemitérios, ruínas e paisagens selvagens pitorescas – atingiu o auge de sua considerável moda no final do século dezoito e início do século dezenove.

No século dezoito, Horace Walpole e Ann Radcliffe definiram os parâmetros para o gênero. Apaixonado pelos romances e mistérios medievais, Walpole publicou em 1764, The Castle of Otranto. A narrativa, repleta de fantasmas e lendas apavorantes, um nobre tirânico e perverso como vilão, a heroína santa muito perseguida que sofre os maiores terrores, luzes estranhas, aparições misteriosas, manuscritos embolorados ocultos, dobradiças rangentes, e emoções violentas de angústia e amor, era artificial e melodramática, mas exerceu grande influência na literatura do sobrenatural. Os romances de Ann Radcliffe estabeleceram padrões novos e mais elevados no domínio do macabro e da atmosfera aterradora. Ela escreveu seis romances, sendo o mais famoso, The Mysteries of Udolpho, um exemplar da história gótica primitiva em sua melhor forma.

No século dezenove surgiram Frankenstein de Mary Shelley; Dracula de Bram Stocker; The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde de Robert Louis Stevenson; The Monk de Matthey Gregory Lewis; Melmoth de Charles Robert Maturin; Wuthering Heights de Emily Bronte; The House of the Seven Gables de Nathaniel Hawthorne; In a Glass Darkly, de Sheridan LeFanu; e os contos de Edgar Allan Poe, ao qual devemos a moderna história de horror em seu estado final e aprimorado.

As histórias de horror- gótico do século dezoito e dezenove se prestaram não somente a adaptações teatrais, mas também a espetáculos de luz e sombra como as “phantasmagorias” de E. G. Robertson, esqueletos e aparições de fantasmas que pareciam se mexer, projetados pela lanterna mágica, que ele aperfeiçoou, patenteando- em 1799 como Fantascópio. Cem anos depois, aparições semelhantes puderam ser vistas nos filmes-fantasia pioneiros de George Méliès, porém o gênero começou a se definir na primeira década do século vinte, quando a Selig Poliscope lançou uma breve adaptação de Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1908. A Nordisk Company seguiu o exemplo com uma filmagem da mesma história (1909) e com duas produções sobre enterro prematuro intituladas The Necklace of the Dead / 1910 e Ghosts of the Vault / 1911. E a Edison Company entrou neste campo com uma adaptação de Frankenstein / 1910, que foi seguida por mais três versões de Jekyll and Hyde – inclusive uma produzida por Carl Laemmle, cujo estúdio, Universal Pictures, iria dominar o mercado com histórias deste tipo de maneira igualada somente pela Hammer Films durante o seu período de glória nos anos 50, 60 e 70

 

Estas primeiras produções, juntamente com Consciência Vingadora ou O Amor Domina o Mundo / The Avenging Conscience / 1914 de David Wark Griffith, (baseado no conto de Edgar Allan Poe, The Tell-Tale Heart) e Lágrimas e Risos da Boemia / Trilby / 1915 de Maurice Tourneur (que introduziu a figura do hipnotizador demoníaco muito antes de que Werner Krauss, Rudolph Klein-Rogge e Paul Wegener se apropriassem dela), representam o início de uma onda cuja crista foi alcançada no cinema silencioso germânico com O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920, Unheimliche Geschichten / 1919 de Richard Oswald, Alraune / Alraune/ 1929 de Henrik Galeen; nas criações grotescas de Lon Chaney nos Estados Unidos de O Homem Miraculoso / The Miracle Man / 1919 a Trindade Maldita / The Unholy Three / 1930; nos filmes de outros países como A Carruagem Fantasma / Körkalen / 1921 de Victor Sjöström e Páginas do livro de Satã / Blade af Satans Bog / 1920 de Carl Dreyer; Uma Página de Loucura / Kurutta ichipeiji / 1926 de Teinosuke Kinugasa; A Queda da Casa de Usher / The Fall of the House of Usher / 1928 de Jean Epstein. Neste último filme, o assistente de Epstein era Luis Buñuel, cuja colaboração com Salvador Dali em Um Cão Andaluz / Un Chien Andalou no mesmo ano vinculou o surrealismo a elementos violentos que lembravam o conto de horror.

Dracula

Frankenstein

Uma segunda onda de filmes de horror emanou dos Estados Unidos, quase imediatamente a pós o advento do som: Dracula / Dracula / 1931 de Tod Browning, com Bela Lugosi, Frankenstein / Frankenstein / 1931 de James Whale com Boris Karloff, e Zumbi, a Legião dos Mortos / Zombie / 1932 de Victor Halperin com Lugosi foram todos feitos nos estúdios da Universal, onde a influência do cinema alemão se mostrou particularmente forte, graças a figuras importantes como o diretor Paul Leni e o diretor- cinegrafista Karl Freund. O auge desta onda foi alcançado com King Kong / King Kong / 1933 de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.

A próxima onda veio durante a Segunda Guerra Mundial, quando a série de Val Lewton – de Sangue de Pantera / Cat People /1942 de Jacques Tourneur a Asilo Sinistro / Bedlam / 1946 de Mark Robson – na linha de produção “B” da RKO-Radio, renovou o gênero, conjugando escassez de recursos com qualidade artística. Descartando os monstros tradicionais, os filmes de Lewton não lidavam como o horror realístico, mas com o horror sugerido, ou seja, a expressão de algum medo ou superstição universal através de meios estritamente cinematográficos ou simples sugestões da câmera.

O Fantasma da Opera com Lon Chaney

Michael Redgrave em Na Solidão da Noite

A refilmagem de Artur Lubin de O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1943, também atenuou consideravelmente os impactos do original (como a maquilagem de Claude Rains é fraca quando comparada com a de Lon Chaney no mesmo papel) na versão primitiva de 1925!); e os filmes britânicos sobre aparições fantasmagóricas após a morte como Thunder Rock / 1942 de Roy Boulting e The Halfway House / 1944 de Basil Dearden provavelmente assustaram apenas as pessoas mais sugestionáveis, exceção feita para O Solar das Almas Perdidas / The Uninvited / 1944 de Lewis Allen. Outros filmes trataram os fantasmas em tom de comédia como em Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 de René Clair ou com uma explicação racional como em O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 de George Marshall. Entretanto, este ciclo terminou com um clássico cinematográfico do conto de horror, Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, dirigido por Alberto Cavalcante, Robert Hammer, Charles Crichton e Basil Dearden.

A quarta onda emergiu incitada pela repercussão dos foguetes que haviam aterrorizado a Inglaterra durante os últimos dias da Segunda Guerra Mundial e o início da exploração do espaço. Desde o princípio, em filmes como Frankenstein por exemplo, o conto de horror cinematográfico demonstrava certa coincidência com a ficção científica e esta sincronia aumentou quando surgiram Destino à Lua / Destination Moon / 1950 de George Pal, O Monstro do Ártico / The Thing from Another World / 1951 de Christian Nyby e Howard Hawks; O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still / 1951 de Robert Wise; O Monstro do Mar / The Beast from 20.000 Fathoms / 1953 de Eugène Lourié; O Mundo em Perigo / Them / 1954 de Gordon Douglas; O Monstro da Lagoa Negra / Creature from the Black Lagoon / 1954 de Jack Arnold; Gojira / Godzilla, / 1954 de Ishirô Honda; Terror que Mata / The Quatermass Xperiment / 1955 de Val Guest (produzido pela Hammer); Vampiros de Almas / The Invasion of the Body Snatchers / 1956 de Don Siegel;  A Hora Final / On the Beach / 1959; Gorgo / Gorgo / 1961 de Eugene Lourié; O Mundo os Condenou / These are the Damned / 1962 de Joseph Losey; As 4 Faces do Medo / Kwaidan / 1964 de Masaki Kobayashi; Onibaba, a Mulher-Demônio / Onibaba / 1964 de Kaneto Shindô; Alphaville / Alphaville / 1965 de Jean-Luc Godard; Fahrenheit 451 / Fahrenheit 451 / 1966 de François Truffaut; Viagem Fantástica / Fantastic Voyage / 1966 de Richard Fleischer; O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes / 1968 de Franklin J. Shaffner; 2001: Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 de Stanley Kubrick.

Onibaba

Planeta dos Macacos

Em 1957, devido ao sucesso de Terror que Mata, a Hammer lançou a sua série de horror com A Maldição de Frankenstein / The Curse of Frankenstein e depois O Vampiro da Noite / Horror of Dracula / 1958, que impulsionou o pequeno estúdio, transformando-o num fenômeno mundial. Os filmes propiciaram uma bela carreira para Terence Fisher e Peter Cushing e Christopher Lee tornaram-se os astros de filme de horror mais famosos desde Boris Karloff e Bela Lugosi.

Roger Corman e Vincent Price

Enquanto a Hammer estava revivendo os monstros da Universal (em 1959 foi a vez de A Múmia / The Mummy e em 1961 veio A Maldição do Lobishomem / The Curse of the Werewolf), a American International Pictures iniciou com I Was a Teenage Werewolf / 1957 (Dir: Gene Fowler Jr.) um ciclo de horror destinado aos jovens. Parte dos lucros auferidos serviu para financiar uma outra série mais memorável. Começando com House of Usher / O Solar Maldito / 1960 e terminando com The Tomb of Ligeia / O Túmulo Sinistro / 1965, Roger Corman dirigiu oito filmes em cores e tela larga, adaptados livremente das obras de Edgar Allan Poe, que obtiveram enorme sucesso comercial e respeito dos críticos.

A literatura gótico romântica de Poe, explorando o lado sombrio da experiência humana – morte, alienação, ansiedade existencial, pesadelos, fantasmas, várias formas de insanidade e melancolia -, apesar de algumas discrepâncias radicais entre os textos dos contos (ou poemas) originais e o enredo dos filmes, encontrou um intérprete compreensivo em Corman, que soube manter o espírito do genial escritor.  A encenação dos filmes de Poe deve-se muito aos cenários bem detalhados do diretor de arte e desenhista de produção Daniel Haller. Haller também merece crédito pela qualidade expansiva dos cenários, construídos para dar à câmera o máximo de liberdade de movimento. Esta liberdade de movimento é traduzida pelos fotógrafos Floyd Crosby, Nicolas Roeg e Arthur Grant (Crosby colaborou em todos os filmes da série menos nos dois últimos, que ficaram a cargo respectivamente de Roeg e Grant) por meio de uma grande quantidade de travelings e gruas. Sem esquecer as formidáveis interpretações de Vincent Price.

O Exorcista

A Hora do Pesadelo

Uma outra onda de filmes de horror atingiu o auge com filmes como O Massacre da Serra Elétrica / The Texas Chain Saw Massacre / 1974 de Tobe Hooper, que provocava o choque através da máxima exibição de corpos sendo mutilados e sangue sendo derramado;  Geração Proteus / Demon Seed / 1977 de Donald Camme, que mostrava Julie Christie estuprada por um computador; e por filmes de possessão demoníaca, faculdades paranormais destrutivas e reencarnações misteriosas representadas por obras como O Exorcista / The Exorcist / 1973 de William Friedkin, Carrie, a Estranha / Carrie / 1976 de Brian De Palma, A Profecia / The Omen / 1976 de Richard Donne, A Mansão Macabra / Burnt Offerings / 1976 de Dan Curtis, O Exorcista II: O Herege / The Heretic / 1977 de John Boorman e Estranho Poder de Matar / The Shout / 1978 de Jerzy Skolimovski.

Nas décadas seguintes o gênero de horror continuou marcando presença nas telas surgindo obras importantes como, por exemplo, A Hora do Pesadelo / A Nightmare at Elm Street / 1984 de Wes Craven, apresentando Freddy Krueger, o assassino como o rosto e o corpo coberto de cicatrizes. Mas não podemos esquecer a contribuição brasileira de José Mojica Marin iniciada com A Meia-Noite Levarei Sua Alma / 1964 e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver / 1967 ambos com  o agente funerário cético e cruel Zé  do Caixão.

UMA SÉRIE ENCANTADORA

Existem certos filmes que jamais perdem o encanto. É o caso de Os Peraltas / Our Gang, série americana de comédias curtas sobre um grupo de crianças de um bairro pobre e suas aventuras. Elas começaram a ser produzidas em 1922 pelo estúdio de Hal Roach e distribuídas pela Pathé Exhange. Em 1927, a distribuição passou a ser feita pela Metro-Goldwyn-Mayer e a série entrou no seu período mais popular, após terem sido sonorizadas em 1929. A produção continuou no estúdio de Roach até 1938, quando a série foi vendida para a MGM, que passou a produzir as comédias ela própria até 1944. No total foram produzidos 96 filmes durante a fase do cinema mudo e depois mais 132, sonorizados, um dos quais, O Grande Generalzinho / General Spanky, era de maior metragem (1h,11m). Em 1955, os filmes da série sonorizados produzidos por Roach foram vendidos para a televisão onde receberam o título de Os Batutinhas / The Little Rascals.

Hal Roach

No Brasil, nos anos 70, Os Batutinhas foi exibida na TV Educativa, Canal 2 no Rio dentro do programa Arco-Íris que ia ao ar de segunda à sexta, às 19 horas. Durante os anos de 1978-1983, a convite de Paulo Alberto Monteiro de Barros (colunista de televisão, professor, escritor e político, mais conhecido como Artur da Távola), colaborei na revista Amiga (no encarte intitulado Amigão) das empresas Bloch, assinando duas colunas de uma lauda semanais nas contracapas da revista, intituladas Por dentro dos Seriados e, naquela ocasião, pronunciei-me quanto à série. Eis um trecho do meu comentário: “Impressionante como estas fitas resistem ao tempo, mas não é difícil compreender. Nós os adultos temos em geral a nostalgia da infância e, por outro lado, o espírito das crianças é o mesmo em qualquer época, de modo que as de hoje se identificam perfeitamente com as peraltices daquela garotada antiga que vêem no vídeo. Assim, vibram quando algum membro da turma vence um personagem pretencioso ou antipático, dando-lhe uma boa lição, ou diante da incrível competência com que se organizam, sem a ajuda da gente grande … Evidentemente que nem todas as histórias dos “Batutinhas” têm a mesma graça, mas isto não prejudica o passatempo porque todas as traquinadas possuem um clima de inocência, que é seu primordial fator de sedução”.

Segundo Roach, a idéia da Our Gang lhe veio à mente em 1921, quando encontrou uma criança negra extremamente talentosa, Ernie Morrison, cujo apelido era “Sunshine Sammy”. Ele trabalhou em várias comédias suas e teve uma boa acolhida por parte do público. O produtor e um de seus diretores mais jovens, Robert McGowan procuraram outras crianças talentosas profissionais e encontraram Mary Kornman (filha de Gene Kornman, fotógrafo de Harold Lloyd) e Jackie Davis (o irmão mais jovem de Mildred Davis, esposa e leading lady de Lloyd). O sardento Mickey Daniels; Jackie Condon; o gordinho Joe Cobb e o pretinho Allen Clayton Hoskins (conhecido como Farina) foram outros dos primeiros membros da trupe.

Our Gang 1923

Em 1922 Our Gang nasceu. McGowan e Anthony Mack dirigiram a série até o final dos anos vinte e até esta data o elenco, com recém-chegados ocasionais, permaneceu o mesmo. Em 1929 chegaram novos garotos entre os quais: Jackie Cooper, Bobby “Wheezer” Hutchins e Mary Ann Jackson (estes dois últimos haviam aparecido em alguns filmes mudos da série), Norman “Chubby” Chaney (que venceu um concurso nacional para substituir Joe Cobb como o “gordinho” da série), Dorothy De Borba, e Matthew “Stymie” Beard. Em 1930 surgiu a personagem de Miss Crabtree, a professora da turma, interpretada por June Marlowe. Nesta década ocorreram mudanças constantes no elenco juvenil de Our Gang. Em 1931, Jackie Cooper deixou a série para atingir o estrelado em filmes como O Campeão / The Champ / 1931 e Skippy / Skippy / 1931 e seu lugar foi ocupado por Dickie Moore.  Em 1932, outros membros acrescentados à equipe foram Spanky McFarland e Scotty Beckett e houve também a introdução de um novo diretor, Gus Meins, responsável algumas das melhores comédias da série.

Alfafa, Darla e Spanky

Tal como todas as comédias de Hal Roach, Our Gang se beneficiou muito da participação de atores coadjuvantes adultos como June Marlowe, Billy Gilbert, Franklin Pangborn, James Finlayson, Johnny Arthur, Gay Seabrook, Clarence Wilson, Dell Henderson, James C. Morton. Sem falar na presença, como convidados especiais, de Oliver Hardy e Stan Laurel (O Gordo e o Magro) vestidos com roupas de bebês em Quê Pose! / Wild Poses / 1933. Em 1935, em A Folia dos Peraltas / Our Gang Follies of 1936, a turma começou a trabalhar com um formato musical, que foi reutilizado várias vezes durante os anos seguintes. Um dos melhores destes musicais em miniatura e o último feito por Roach foi Alfafa, a Voz das Vozes / Our Gang Follies of 1938 / 1927, uma divertida paródia dos musicais dos anos 30 dirigida por Gordon Douglas. No elenco já estavam os novos garotos contratados para a série: Carl “Alfafa” Switzer, Darla Hood e Billy “Buckwheat Thomas, Eugene “Porky” Lee.

A Folia dos Peraltas

Fugindo da Escola

Em 1936, muitos dos shorts diminuíram de duração de dois rolos (aproximadamente 20 minutos) para um rolo (aproximadamente 10 minutos) e, surpreendentemente, o primeiro filme de um rolo (dir: Gordon Douglas), Fugindo da Escola / Bored of Education / 1936, recebeu o Oscar de Melhor Curta nesta metragem. Também nesta época, o elenco foi reforçado com um Pit Bull Terrier Americano com um círculo em torno de seu olho: originariamente chamado “Pansy”, o cachorro logo se tornou conhecido como Pete the Pup, o animal de estimação mais famoso da série. Ainda em 1936, Roach produziu um exemplar da série no formato de longa-metragem (1h,11m), O Grande Generalzinho   / General Spanky, co-dirigido por Gordon Douglas e Fred Newmeyer. porém o filme não obteve sucesso.

O Grande Generalzinho

Em 1938, Roach vendeu a série para a MGM (que vinha distribuindo os filmes), inclusive o direito de usar o nome Our Gang, razão pela qual as comédias originais de Roach foram chamadas The Little Rascals na TV. Inicialmente, os astros principais da série, o diretor (Gordon Douglas) e dois roteiristas (Robert McGowan e Harold Law) foram para a MGM a fim de continuar os shorts e foi admitido uma nova criança, Mike Gubitosi, que logo mudou o nome para Robert Blake, o futuro ator adulto do seriado Baretta e filmes conhecidos como A Sangue Frio / In Cold Blood / 1967 e Willie Boy / Tell Them Willie Boy is Here / 1969, entre outros. Our Gang foi usada pela MGM como campo de treinamento para futuros diretores: George Sidney, Edward Cahn e Cy Endfield trabalharam na série antes de passarem para a realização de filmes de longa-metragem.

CHIANCA DE GARCIA NO BRASIL

Em 18 de abril de 2011, amparando-me no Dicionário do Cinema Português 1895-1961 de Jorge Leitão Ramos (Ed. Caminho, 2011) e na História do Cinema Português de Luís de Pina (ed. Europa-América, 1986), escreví neste blogue “A Época de Ouro do Cinema Português” (um dos artigos mais apreciados pelos leitores conforme os comentários que recebí), no qual, entre outros, fiz referência à obra de cineastas portugueses renomados como, por exemplo,  Cottinelli Telmo, Antonio Lopes Ribeiro, Arthur Duarte, Jorge Brum do Canto, Manoel de Oliveira, Arthur Duarte Leitão de Barros, Chianca de Garcia. Neste artigo desejo falar sobre os dois filmes que este último realizou no Brasil: Pureza / 1940 e 24 Horas de Sonho / 1941, fazendo antes um resumo de sua vida e obra em Portugal e no Brasil.

Chianca de Garcia

Eduardo Augusto Chianca de Garcia (1898-1983) nasceu em Lisboa. Após a Primeira Guerra Mundial, seu nome começa a aparecer nos jornais, com artigos sobre teatro, esporte, cinema.  Em 1923, ele escreve, com Norberto Lopes, a peça A Filha de Lázaro, estreada no Teatro T-Politeama pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. Em 1928, está na direção da revista de cinema Imagem (como João Botto de Carvalho e Antônio Lopes Ribeiro). Secretário técnico do Cineteatro São Luiz, ele teve, em 1929, a idéia de fazer um curta-metragem para abrilhantar o Carnaval de 1930. Devia chamar-se São Luiz Melody, mas acabou por se chamar Ver e Amar / 1930, tornou-se um longa-metragem, e chegou mesmo a ser vendido para o Brasil.

Na sinopse, uma jovem costureira aspira a ser vedete do teatro de revista, porém acaba escolhendo uma vida simples, por amor a um motorista de taxi. As filmagens decorreram no jardim de Inverno e no palco do teatro, transformados em um estúdio improvisado. O filme teve uma estréia polêmica e animadora, que mais espicaçou Chianca na sua idéia da necessidade de um estúdio devidamente equipado para que pudesse haver cinema em Portugal. Ele pugnou na imprensa e acabou nomeado para a comissão a que o Governo propôs para o estudo da questão. Assim nasceu a Tobis Portuguesa. Chianca é indicado como conselheiro técnico da primeira produção da nova empresa – A Canção de Lisboa /1933, dirigida por Telmo Continelli e com Beatriz Costa encabeçando o elenco.

Diretor de produção de As Pupilas do Sr. Reitor / 1935 de Leitão de Barros, Chianca consegue, no ano seguinte, realizar o seu primeiro filme sonoro – O Trevo de Quatro Folhas – estrelado por Beatriz Costa, num papel duplo. Ela foi também a protagonista da revista Água Vai! (que ele escreveu em 1937 de parceria com Tomás Ribeiro Colaço e foi apresentada no Teatro Trindade), e um dos filmes que fez em 1938, Aldeia da Roupa Branca – enorme sucesso. O outro filme dele de 1938 foi A Rosa do Adro, baseado no popularíssimo romance de Manuel Maria Rodrigues, mas com Maria Lalande no papel título.

Cenas de Aldeia da Roupa Branca

Para minha alegria, encontrei em Lisboa o dvd de Aldeia da Roupa Branca, produzido pela Madragoa Filmes, com a nova versão restaurada e, ao exibí-lo em minha casa, foi amor à primeira vista. Numa aldeia nos arredores de Lisboa, na zona saloia, duas famílias lutam pelo monopólio do transporte das lavadeiras, que se deslocam à capital, para recolher as roupas dos citadinos e entregar as encomendas de camisas e calças, já devidamente lavadas e engomadas. A personagem central da história é Gracinda (Beatriz Costa), sobrinha de Jacinto (Manuel Gomes Carvalho), que tem longa inimizade com sua eterna rival, a viúva Quitéria (Elvira Velez). As coisas não correm bem para o velho Jacinto, privado da ajuda do seu filho Chico (José Amaro), que tinha decidido seguir outro rumo. Enquanto na aldeia se luta pelo domínio do transporte, ele anda por Lisboa, divertindo-se com a namorada, uma fadista de renome (Herminia Silva) e trabalhando como motorista. Até que Gracinda vai à cidade convencer Chico, por quem se apaixonou, a voltar à terra e ajudar o pai a recuperar seu negócio. O filme é uma delícia e eu notei algumas influências do cinema americano de Ernst Lubitsch. Na sequência de abertura Beatrizinha – mais bela e faceira do que nunca – canta “Água fria na ribeira / Água fria que o sol esqueceu” enquanto a câmara ágil de Aquilino Mendes vai mostrando com inspiração pictórica e rítmica as lavadeiras na prática do seu ofício.

Do Brasil Adhemar Gonzaga convida Chianca para realizar Pureza, inspirado no romance de José Lins do Rego. Chianca aceita e parte para o Rio de janeiro, em junho de 1939.  No enredo, num pequeno vilarejo paraibano, um político dissoluto, Dr. Jorge (Sérgio Serrano) desperta o amor das duas irmãs, ávidas de uma vida melhor. Primeiramente atrai a loura Margarida (Nilza Magrassi), que sonhava com uma vida melhor na capital e depois a morena Maria Paula (Sônia Oiticica) que, mesmo prometida ao pobretão Chico Bem-Bem (Roberto Acácio) não consegue resistir aos encantos do doutor. O pai das moças, Cavalcanti (Procópio Ferreira), chefe da estação ferroviária, é covarde e relapso, trazendo transtornos constantes aos familiares.

Não posso comentar o filme, porque não pude ver a cópia recuperada por Alice Gonzaga em 1977. Mario Nunes (Jornal do Brasil, 5/11/1940 considerou Pureza “o melhor filme feito até hoje entre nós” e apontou sequências magníficas, como a festa da usina, a da luta do pequeno Joca (Jayme Pedro Silva) com a correnteza do rio e a queda na catarata, “que nada deixam a desejar e podiam figurar com honra em filmes de Hollywood”. Pureza recebeu o primeiro prêmio para filmes nacionais, instituído pelo então Departamento de imprensa e Propaganda. (DIP).

O segundo filme que Chianca realizou no Brasil, 24 Horas de Sonho, também produzido pela Cinédia, conta a história de uma moça, Clarissa (Dulcina de Moraes) decidida a se suicidar, mas antes quer aproveitar os últimos momentos de sua vida de maneira intensiva. Instala-se em um hotel luxuoso, fingindo-se passar por uma baronesa, compra a crédito e flerta com um empregado do hotel (Odilon de Azevedo).

Odilon e Dulcina em 24 Horas de Sonho

No meu artigo “Dulcina e Cacilda no Cinema” (2/8/2018) expûs as apreciações severas de Maria Andréia na revista Carioca e de crítico de A Noite (que se assinava R) e o comentário mais benevolente do comentarista da revista Cinearte e, em seguida, dei minha opinião: ”Esta imitação das comédias norte-americanas não tem o mesmo brilho das suas congêneres de Hollywood, mas a meu ver é uma produção digna de respeito com um argumento (de Joraci Camargo) interessante e divertido, uma técnica razoável dentro das possibilidades de nossos estúdios na época, interpretações corretas (distinguindo-se Dulcina, que está muito à vontade diante das câmeras)e, quanto à direção de Chianca de Garcia, se ele não foi tão feliz com relação principalmente ao ritmo, como no seu filmes português A Aldeia da Roupa Branca, também não merece desprezo”.

Chianca de Garcia assumiu então a direção artística do Cassino da Urca, tendo produzido inúmeros espetáculos (vários com Luís Peixoto) até o jogo ser proibido no Brasil em 1946. A seguir deslocou-se para o Teatro Carlos Gomes, onde produziu inúmeras revistas e peças de teatro ligeiro.

Cena de Escândalos com Bibi Ferreira e Mara Rubia

Em 1947, ele montou uma revista feérica, “Um Milhão de Mulheres”, de muito sucesso. Como informa Salvyano Cavalcanti de Paiva no seu magnífico Viva o Rebolado – Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro (ed. Nova Fronteira, 1991). Em 1948, Chianca escreveu (com Geysa Bôscoli e J. Maia) e superproduziu o primeiro espetáculo musicado a despertar real entusiasmo da crítica e do público: Beijos, Abraços e Amor! estreada no João Caetano. Em 1950, Chianca escreveu com o jovem industrial Hélio Ribeiro, na época marido da artriz Bibi Ferreira, uma das melhores revistas do ano, Escândalos, superprodução montada por Hélio. Conta Salvyano que a profusão de graça e beleza surpreendeu a Praça Tiradentes, e a Zona Sul desceu toda para a cidade a fim de ver Bibi na revista.

Bibi Ferreira

Em 1951, Chianca entrou para a TV Tupi, onde dirigiu as primeiras novelas (entre elas Coração Delator, adaptação de um texto de Edgar Allan Poe), musicais com cantores da Rádio Tupi (entre eles Aracy de Almeida e Elizete Cardoso) e dois teleteatros intitulados Retrospectiva do Teatro Universal e Retrospectiva do Teatro Nacional, que a cada semana apresentavam uma peça do repertório clássico mundial e nacional, com um elenco do qual faziam parte Fernanda Montenegro, Paulo Porto, Fregolente, Heloisa Helena. Chianca escreveu ainda o argumento de Appassionata / 1952, filme produzido pela Companhia Vera Cruz e dirigido por Fernando de Barros com Tonia Carrero, Ziembinski, Anselmo Duarte e Paulo Autran.

Em 1960, Chianca retirou-se do mundo do espetáculo, torna-se bibliotecário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e dirige revista da instituição. Nessa década retoma o contato com os portugueses através de crônicas regulares no Diário de Lisboa. Mas nunca mais votaria a Portugal. Ele morreu, no Rio de Janeiro a 28 de janeirode1983.

ERICH POMMER

Ele foi um dos produtores mais significativos dos anos vinte e início dos anos trinta, ajudando a criar uma reputação internacional para os filmes germânicos depois da Primeira Guerra Mundial. Posteriormente, promoveu a idéia de um cinema “Pan-europeu” antes de ser obrigado a emigrar pelos Nazistas. Após a Segunda Guerra Mundial, e uma variada carreira na Inglaterra e nos Estados Unidos, foi fundamental na reconstrução da indústria cinematográfica da Alemanha Oriental.

Erich Pommer

Filho de um comerciante têxtil, Pommer (1889-1966) nasceu em Hildesheim, na Alemanha e começou a trabalhar para as companhias francesas Gaumont (a partir de 1907) e Éclair (a partir de 1912) nas suas respectivas filiais em Viena e Berlim. Ferido no serviço ativo durante a Primeira Guerra Mundial, contribuiu para o esforço de guerra trabalhando em cinejornais e documentários.

O Gabinete do Dr. Caligari

Em 1915, fundou com outro sócio a Decla-Film-Gesellschaft Holz und Co., sediada na filial germânica da Éclair (Deutsche Éclair), depois reunida com a Meiner Film Company, ampliando seu alcance. As primeiras produções foram do gênero popular como histórias de detetives, filmes de aventuras, melodramas e curtas-metragens de dois rolos com o comediante e artista de cabaré Harry Lambertz-Paulsen. Após o fim da Primeira Guerra Mundial e do retorno de Pommer a Berlim, as produções da Decla tornaram-se mais ambiciosas com filmes de renome mundial tais como O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920

Os Nibelungos

Metrópolis

Uma futura fusão com a Deutsche Bioscop se seguiu em 1920. Durante estes anos Pommer promoveu as carreiras de diretores influentes como Fritz Lang, cujas produções na Decla Bioscop incluíram A Morte Cansada / Der Müde Todd / 1921 e Dr. Mabuse, o Jogador / Dr. Mabuse, Der Spieler / 1922 e O Castelo Vogelöd / Schloss Vogelöd /1921 de F. W. Murnau. Após a aquisição da Decla-Bioscop pela Ufa, Pommer em 1923 tornou-se membro do conselho consultivo da empresa, e continuou a formar um a equipe de diretores, roteiristas, cinegrafistas e atores talentosos. A estratégia de Pommer foi investir em produções caras de prestígio direcionadas para o mercado internacional, tais como Os Nibelungos – A Morte de Siegfried / Die Nibelungen / 1924 de Fritz Lang e Fausto / Faust – Eine deutsche Volkssage / 1926 de Murnau. Entretanto, o épico monumental de ficção científica Metrópolis / Metroplis / 1927 de Fritz Lang ultrapassou drasticamente seu orçamento, fazendo com que Pommer perdesse sua posição na Ufa, enquanto a companhia quase foi à falência.

Flor do Asfalto

O Anjo Azul

O Congresso Dança

Um breve período trabalhando para a Paramount nos Estados Unidos inspirou Pommer a adotar cronogramas de filmagem mais apertados e uma nova tecnologia de câmera. Chamado de volta pela nova administração de uma Ufa reestruturada em 1927, ele realizou uma série de produções de entretenimento de alta qualidade, notadamente Flor do Asfalto / Asphalt / 1929 de Joe May e O Anjo Azul / Der blaue Engel / 1930 de Josef von Sternberg. Seguindo o advento do som, o grupo de produção de Pommer na Ufa criou uma série de comédias musicais e opereta, tais como Os Três do Posto de Gasolina / Die Drei von der Tankstelle / 1930 e O Congresso Dança / Der Kongress tanzt / 1931. A maioria destes filmes foi filmada simultaneamente em versões em vários idiomas com atores diferentes, prática comum durante os primeiros anos do cinema sonoro.

Junto com outros realizadores judeus, aUfa rescindiu o contrato de Pommer apos a tomada de poder nazista wm 1933. Pommer foi para Paris como chefe da Fox Film Europa, produzindo dois filmes dirigidos respectivamente por Max Ophuls e Fritz Lang: Prisioneiro de uma Mulher / On a Volé un Homme / 1934 e Coração de Apache / Liliom / 1934.

Vivien Leigh e Laurence Olivier em Fogo sobre a Inglaterra

Transferindo-se para a Inglaterra, Pommer produziu para Alexander Korda (Fogo por sobre a Inglaterra / Fire Over England / 1936) e formou a Mayflower Pictures Corp.com o ator Charles Laughton. Da parceria resultaram três filmes: As Calçadas de Londres / St. Martin´s Lane / 1938, Náufrago da Vida / Vessel of Wrath / 1938 (a única intervenção de Pommer também como diretor) e A Estalagem Maldita. / Jamaica Inn / 1939 (dirigido por Alfred Hitchcock).

Charles Laughton e Maureen O´Hara em Estalagem Maldita

Na eclosão da Segunda Guerra Mundial, Pommer assinou contrato com a RKO e se mudou para Hollywood, onde a maioria de seus projetos de filme não conseguiram se materializar devido a problemas de saúde. Ele conseguiu realizar apenas:  A Vida é Uma Dança / Dance, Girl, Dance e Não Cobiçarás a Mulher Alheia / They Knew What They Wanted, ambos de 1940.

Pommer voltou para Berlim depois da guerra como funcionário encarregado do Gabinete do Serviço Militar dos Estados Unidos com a tarefa dede reestruturara indústria cinematográfica da Alemanha Ocidental. Embora Pommer tivesse conseguido muito ao dar o pontapé inicial na produção do pós-guerra, ele ficou desiludido com seus esforços e fundou uma companhia independente, Intercontinental Film, em 1951. A primeira produção Nachts auf den Strassen / 1952, drama criminal dirigido por Rudolf Jugert com Hans Albers, Hildegard Neff e Lucie Mannheim, teve boa recepção por parte da crítica e do público. As três produções subsequentes de Pommer da Alemanha Ocidental envolveram melodramas e filmes pacifistas, destacando-se Illusion in Moll / 1952 e Kinder, Mütter und ein General / 1955.

Illusion in Moll

Keinner mutter ein general

Sofrendo cada vez mais de problemas de saúde (usava uma cadeira de rodas após ter uma perna amputada), ele se retirou para a Califórnia em meados dos anos cinquenta, incapaz de realizar outros projetos.

ROBERT FLOREY

Conhecido geralmente como diretor de filmes B, durante quase um século no cinema, de 1916 a 1963, ele dirigiu 65 longas-metragens e 250 filmes de televisão na maioria dos grandes estúdios. Exibindo habilidade em vários gêneros, também ficou conhecido como um artista, ganhando fama primeiramente por seus curtas-metragens experimentais e seus filmes de maior duração se distinguiram por integrar estilos de filmagem europeus no sistema de estúdio de Hollywood.

Robert Florey

Robert Florey (1900 – 1979), cujo nome verdadeiro era Robert Fuchs, nasceu em Paris, França. Seu pai faleceu pouco após o filho nascer. Sua mãe casou-se novamente, mas ela, também, morreu dentro de poucos anos, deixando o menino aos cuidados da família do padrasto. A imaginação do menino foi despertada quando, morando perto do Teatro do mágico Robert Houdin, ele assistiu Georges Mélìes montando suas fantasias cinematográficas primitivas. O padrasto de Florey introduziu o menino no teatro clássico e através dos anos levou-o para viajar através de boa parte da Europa, inclusive Austria, Itália, Suiça e Espanha.

Depois de concluir os estudos secundários, o jovem estava previsto para cursar Engenharia, porém seu estado de saúde exigiu uma mudança de clima e ele foi para a Suiça, matriculando-se em 1915 na École Professionelle de Genebra.  Quando tinha 16 anos de idade, seu padrasto faleceu e o rapaz teve que sair da escola. Em março de 1917, conseguiu seu primeiro emprego estável na indústria de cinema, colocando legendas francesas em filmes estrangeiros para a Select Film Company de Genebra, onde conheceu Max Linder, ao qual prestou assistência brevemente. Posteriormente, Florey se uniu à Companhia de Operetas Kursaal, ajudando o gerente de palco e interpretando pequenos papéis. Permanecendo ativo no teatro e no cinema,  organizou um show itinerante de peças de horror  “Grand Guignol” e logo  o jornalismo passou a ser uma de suas atividades, cobrindo esportes e exercendo depois a crítica teatral. Ele ainda encontrou tempo para interpretar o papel do detetive no filme de um rolo de Alfred Lind, Le Cirque de la Mort.

Em dezembro de 1918, Florey e alguns amigos formaram, com o apoio do produtor-cinegrafista- ator Leon Tombet, uma companhia de cinema e decidiram produzir um filme imitando o estilo de Charles Chaplin. Assim surgiu Isidore a la Deveine, dirigido por Tombet com o acrobata Walter Gfeller, conhecido como o “Chaplin Suiço” no papel principal. Florey forneceu o roteiro e também atuou como ator e operador de câmera. Em maio de 1919, a Tombet Films realizou Une Heureuse Intrervention, provavelmente o primeiro filme suíço de longa-metragem, no qual Florey foi novamente ator e operador de câmera; porém ele teve seu batismo como diretor, dirigindo algumas cenas, embora Tombet tivesse recebido o crédito como diretor. No mês seguinte outro falso Chaplin foi feito, Isidore sur le Lac, e desta vez Florey pôde dirigir seu próprio roteiro.

Ansioso para aprender sua profissão num estúdio importante, no início de 1920, Florey deixou Genebra e retornou à França, e arurmou emprego no estúdio da Gaumont em Nice como assistente do diretor Louis Feuillade. Enquanto trabalhava no cinema, Florey continuou sua carreira de jornalista, juntando-se ao staff da Cinemagazine, a primeira revista de cinema francesa verdadeiramente popular. O conhecimento de cinema impressionou alguns de seus entrevistados como Max Linder, que o incentivou a tentar a sorte nos Estados Unidos. Prometendo aceitar matérias sobre astros de Hollywood seu editor ajudou a financiar sua viagem para a América e, ao chegar a Nova York, rumou imediatamente para Hollywood. Chegando na Terra do Cinema, ele se dirigiu ao estúdio da Fox e, como não havia porteiros, ele simplesmente entrou de mansinho. Parando para assistir a filmagem de Monte Cristo / 1922 (com John Glbert), ele ficou tão alarmado com a imprecisão da atmosfera francesa, que se lançou para frente das duas câmeras e interrompeu a filmagem. Felizmente, o cinegrafista era outro emigrado francês, Lucien Andriot, que conseguiu persuadir o diretor, Emmet J. Flynn, de que Florey não deveria ser expulso do set, mas ser contratado como consultor técnico.  Este trabalho durou algumas semanas. Quando a filmagem de Monte Cristo terminou, Florey tornou-se gag writer para as comédias Sushine de Al St. John e, por causa de sua altura (1,93m), ele era algumas vezes chamado para fazer pontas, tais como em o xerife em Straight from the Farm / 1922.

Rudolph Valentino e Natacha Rambova noa turnê Mineralava

Ao mesmo tempo, fez amizade com muitas celebridades da época como Alla Nazimova, Renée Adorée e Charles Chaplin e foi contratado como diretor de publicidade no estrangeiro para Mary Pickford e Douglas Fairbanks. Nesta posição, cuidou da correspondência dos dois astros e escreveu os intertítulos franceses para Robin Hood / 1922, ficando muito amigo deles, ensinando francês para Fairbanks e aprendendo inglês com Pickford. Pouco depois, Florey cuidou também da publicidade da turnê que Rudolph Valetino e sua esposa Natacha Rambova fizeram para promover um produto de beleza, Mineralava Cold Cream. De volta para Hollywod, Florey formou a companhia Imperial Pictures, com o diretor de fotografia Paul Ivano e um revendedor de carros Pierce-Arrow, Humphrey Birge, e escreveu e dirigiu Fifty-Fifty / 1923, curta-metragem de dois rolos protagonizado pelo comediante francês Maurice de Canonge. Infelizmente eles não conseguiram distribuidor para seu filme e Florey teve que abandonar momentaneamente sua esperança de desse tornar um diretor free lancer. Neste momento, ele já havia escrito Filmland e Deux ans dans les studios américains e logo começou uma série de biografias de tais astros como Charles Chaplin, Pola Negri e Adolphe Menjou, todos escritos em francês e publicados em Paris. Florey então tornou-se assistente de diretor de Louis Gasnier no filme Vinho Capitoso / Wine / 1924, produzido pela Universal com Clara Bow no papel principal.

Após uma estadia no Canadá com o ator dramático francês Charles de Rochefort para produzir pequenas peças e esquetes, entre elas uma pantomima intitulada L´Apache que ele dirigiu, Florey voltou para o cinema como assistente de direção de Alfred Santell em Noites Parisienses / Parisian Nights na F.B. O. Lá ele conheceu outro assistente de direção, Josef von Sternberg e, pouco depois, a pedido de Alla Nazimova, interpretou o papel de um bôemio em Pecado Redentor / The Redeeming Sin / 1925. Por alguns anos seguintes ele serviu como assistente de direção (v.g. de King Vidor em O Grande Desfile / The Big Parade / 1925, La Boheme / La Boheme / 1926 e O Cavaleiro dos Amores / Bardelys the Magnificent / 1926) e consultor técnico, frequentemente combinando ambas as capacidades. Seu cuidado e atenção para o detalhe na criação de ambientes europeus, particularmente na Metro-Goldwyn-Mayer, rendeu-lhe muitos elogios. Entrementes von Sternberg fora contratado pela MGM e pediu Florey para ser seu assistente; ele trabalhou com Sternberg em Amor, Vício e Virtude / The Masked Bride / 1925. Lamentavelmente, o estúdio não gostou da abordagem de Sternberg e Christy Cabanne terminou o filme.

Com sua experiência variada, Florey se sentiu qualificado para dirigir longas-metragens e pediu uma promoção aos executivos da MGM; porém estes lhe sugeriram que começasse em uma produtora independente, garantindo-lhe uma posição na Tiffany. Chegando lá, disseram-lhe que o que eles estavam precisando não era um diretor, mas um roteirista e lhe encarregaram de terminar em curto prazo o argumento e continuidade de O Direito de Viver / That Model from Paris / 1926. Ele cumpriu a tarefa no tempo desejado e, quando o diretor Louis Gasnier caiu doente, Florey substituiu-o, mas sem receber crédito por ambos estes serviços. Bem satisfeita com seu trabalho, a Tiffany entregou-lhe a direção de Conquistado à Força / One Hour of Love/ 1927, um dos filmes principais da temporada.

Depois disto, não desejando voltar a trabalhar mais como assistente, Florey aceitou um emprego na Fox ajudando Frank Borzage a preparar o ambiente de Paris durante a Primeira Guerra Mundial para Sétimo Céu / 7th Heaven / 1927 e na Samuel Goldwyn Company para ser assistente de Henry King em A Chama do Amor /The Magic Flame / 1927. Ele também passou alguns meses na United Artists preparando um argumento para um filme envolvendo personagens históricos que seriam interpretados pelos maiores astros do estúdio: Douglas Fairbanks como D´Artagnan; Mary Pickford (Maria Stuart); Charles Chaplin (Hamlet); John Barrymore (François Villon); Gloria Swanson (Cleopatra); Norma Talmadge (Madame du Barry). Florey até sugeriu que Ernst Lubitsch interpretasse Napoleão. Porém o projeto não vingou.

The Loves of Zero

A Idade Romântica / The Romantic Age / 1927, realizado para a Columbia, marcou o retorno de Florey à direção. Para se manter neste posto, aceitou dirigir em seguida, Face Value / 1927, filme do qual ele mesmo não gostou, produzido pela Sterling Pictures, companhia independente sediada na Universal, onde permaneceu prestando outras colaborações até perceber que, realizar filmes independentes, não levaria a um contrato de diretor nos grandes estúdios. De fato, não seriam estes filmes iniciais que o iniciariam no caminho do reconhecimento, mas sim os quatro shorts experimentais que fez em 1927 e 1929 (The Life and Death of 9413 – A Hollywood Extra; The Loves of Zero, Johann the Coffin Maker; Skyscraper Symphony), influenciados pelo expressionismo e pela vanguarda, os quais marcaram o começo de sua carreira como diretor com um estilo próprio. As novidades técnicas exibidas nos filmes de vanguarda de Florey chamaram a atenção dos executivos da Paramount-Famous-Lasky, que estavam pretendendo produzir seus primeiros filmes falados, reabrindo seu antigo estúdio Astoria em Long Island, Nova York. O diretor Monta Bell assumiu a supervisão do estúdio e Florey foi encarregado de dirigir dezenas de testes a fim encontrar rostos fotogênicos com boas vozes para substituirem os atores dos filmes silenciosos. Entre os que receberam seu batismo diante da câmera de Florey estavam Ethel Barrymore, Walter Huston e Edward G. Robinson. Num próximo passo, Florey filmou alguns dos artistas selecionados em filmes de um ou dois rolos em esquetes humorísticos ou musicais. Alguns desses shorts, inclusive um com Eddie Cantor e outro com Helen Morgan, seriam mais tarde incluídos no filme Glorificação da Beleza / Glorifying the American Girl / 1929. Os três primeiros longas-metragens falados de Florey foram The Hole in the Wall / 1928, Hotel da Fuzarca / The Cocoanuts / 1929 e A Batalha de Paris / The Battle of Paris / 1929, que – pela ordem – lançaram as carreiras cinematográficas, de Claudette Colbert e Edward G. Robison, os Irmãos Marx e Gertrude Lawrence.

Os Irmãos Marx em Hotel da Fuzarca

Cena de Os Assassinatos na Rua Morgue

Atendendo a um convite de um jovem produtor independente francês, Pierre Braunberger, Florey foi para a Europa onde dirigiu sucessivamente de La Route est Belle / 1929, L’ Amour Chante / 1930 e Le Blanc et le Noir / 1931; porém acabou se desentendendo com Braunberger e seu sócio Roger Richebé e voltou para Hollywood, ingressando na Universal. Após ter dado uma contribuição valiosa para o roteiro de Frankenstein / Frankenstein /1931, ele realizou Os Assassinatos na Rua Morgue / Murders in the Rue Morgue / 1932, um dos seus filmes mais dominados pelo estilo germânico tanto na sua concepção como no seu tratamento. Florey continuou na Universal durante alguns meses, colaborando em vários scripts de horror com Garrett Fort e, no início de 1932, aceitou convite de Sam Bischoff, o novo chefão da Tiffany (recentemente rebatizada de K.B.S. e depois comprada pela World Wide). Nesta companhia realizou The Man Called Back / 1932 e Those We Love / 1932 e chegou a escrever (de parceria com Reginald Owen) o roteiro de A Study in Scarlet; mas como a K.B.S. estava em péssima situação financeira, ele preferiu se desligar da empresa e atender ao chamado da Warner Bros.com a qual assinou um contrato de longo prazo.  No período 1932-1935, Florey fez  13  filmes para a Warner: A Esposa Desaparecida / Girl Missing / 1933; Amante de seu Marido / Ex-Lady / 1933; Presa do Destino / The House on 56th Street / 1933; O Nome é Tudo / Bedside / 1934; Abnegação / Registered  Nurse / 1934; Smarty / 1934; I Sell Anything / 1935; Ladrões Internacionais / I Am a Thief / 1935; A Mulher de Vermelho / The Woman in Red / 1935; O Punhal dos Bórgias / The Florentine Dagger / 1935; Going Highbrow / 1935; Don´t Bet on Blondes/ 1935; Liquidando Contas / The Pay-Off / 1935. O melhor foi O Punhal dos Bórgias, drama criminal de mistério baseado em romance de Ben Hetch, no qual o herói, descendente dos Bórgias, pensa ter herdado as tendências criminais de seus antepassados.

 

Cena de O Punhal dos Bórgias

Filmagem de Em Pleno Espetáculo.

Insatisfeito com a maioria de seus projetos na Warner, Florey retornou ao seu antigo estúdio, Paramount, onde, no período 1935 – 1940, assumiu a direção de 17 filmes: Café Concerto / Ship Café / 1935; Em Pleno Espetáculo / Preview Murder Mystery / 1936; Amantes Inimigos / Till We Meet Again / 9136; Boulevard de Hollywood / Hollywood Boulevard / 1936; Vencida a Calúnia / Outcast / 1937 (Prod: Major Productions /  DIst: Paramount); O Amor é como o Jogo / King of Gamblers / 1937; Mountain Music / 1937; Amor nos Bastidores / This Way Please / 1937;Tráfico Humano / Daughter of Shanghai / 1937; Verdugo de si Mesmo / Dangerous to Know / 1939; O Tirano de Alcatraz / King of Alcatraz / 1938; Eva no Tribunal / Disbarred / 1939; Hotel Imperial / Hotel Imperial / 1939; Caviar para sua Excelência / The Magnificent Fraud / 1939; Quem Matou o Campeão / Death of a Champion / 1939; Mercadores do Crime / Parole Fixer / 1940; Mulheres sem Nome / Women Without Names / 1940. Os melhores foram Em Pleno Espetáculo (drama criminal de mistério passado num estúdio de cinema, cheio de suspense criado através de composições e iluminação inusitadas) e Vencida a Calúnia (drama social poderoso e convincente, expondo a história de um médico que, perseguido porque um de seus pacientes cometeu suicídio, foge para uma cidade pequena, mas é identificado e se vê ameaçado de linchamento). Quando seu contrato com a Paramount expirou, coincindindo com o irromper da Segunda Guerra Mundial na Europa que iria afetar o faturamento da empresa no exterior, o estúdio só concordou em renovar o contrato de Florey, se ele aceitasse um corte no seu salário. Florey recusou a oferta e deixou a Paramount pela última vez.

Cena de A Máscara de Fogo

Charles Chaplin em Monsieur Verdoux

Cena de Afrontando a Morte

Na década de 1940-1950 ele celebrou uma série de contratos de curto tempo com várias companhias e, após o final da guerra, se tornaria independente. Brian Taves, autor de Robert Florey, The French Expressionist (Bearmanor Media, 2014, livro magnifico do qual colhemos muita informação, expõe a filmografia do diretor na década citada nesta forma: Columbia: A Máscara de Fogo / The Face Behind the Mask / 1941; Rastro nas Trevas / Meet Boston Blackie / 1941; Alugam-se Senhoritas / Two in a Taxi / 1941. Warner Bros.: Alarme no Atlântico / Dangerously They Live / 1941; Mulher Gângster / Lady Gangster / 1942; A Canção do Deserto / The Desert Song / 1943.Twentieth Century-Fox: O Último Gangster /1944. Republic: O Homem Fenomenal / Man from Frisco / 1944. Warner Bros.: A Mão que nos Guia / God is my Co-Pilot / 1945; Sinal de Perigo / Danger Signal / 1945; Os Dedos da Morte / The Beast with Five Fingers / 1946. United Artists: Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux / 1947. RKO Radio: Tarzan e as Sereias / Tarzan and the Mermaids / 1948. Universal- International: Legião Sinistra / Rogue´s Regiment / 1948. United Artists – Morrocan Picture: Posto Avançado em Marrocos / Outpost in Morocco / 1949; Afrontando a Morte / The Crooked Way / 1949; Ladrão com Alma / Johnny One-Eye / 1950. Emerald-Film Classics-Monogram: The Vicious Years / 1950.

Os melhores foram A Máscara de Fogo (drama criminal focalizando um imigrante (Peter Lorre) cujo rosto foi desfigurado num incêndio que, não conseguindo  arrumar emprego, usa uma máscara de borracha reproduzindo mais ou menos sua fisionomia original  e começa uma vida de crime), Monsieur Verdoux , no qual Florey foi diretor associado de Charles Chaplin e Afrontando a Morte, filme noir com o tema do ex-pracinha (John Payne) que retorna da guerra com deficiência de memória e investiga sua verdadeira identidade, valorizado pela fotografia em claro-escuro de John Alton.

Entre 1951 e 1963, o infatigável diretor aderiu à televisão, comandando, como disse no início deste artigo, 250 telefilmes, entre eles episódios das famosas séries Além da Imaginação / Twilight Zone e Alfred Hitchcock Presents.

PRIMÓRDIOS DO DESENVOLVIMENTO DA CULTURA POPULAR AMERICANA E O CINEMA

“Em novembro de 1829, cerca de doze mil pessoas, muitas das quais pagaram para ter uma boa vista, assistiram o famoso saltador de cachoeiras Sam Patch pular de um andaime nas águas turbulentas das cachoeiras do rio Genesee no norte do Estado de Nova York. Foi seu último salto. Bêbado, antes de pular, não sobreviveu. Ele dificilmente poderia ter adivinhado que este salto marcaria um momento simbólico na história da cultura popular americana. Quando Patch pulou no vazio, o entretenimento americano estava entrando em uma nova era turbulenta”.

É com este trecho que o professor de História da Washington State University, LeRoy Ashby, inicia o prólogo do seu livro admirável de 648 páginas, With Amusement for All – A History of American Popular Culture Since 1830 (ed. University Press of Kentucky, 2006), no qual faz uma síntese interpretativa de quase dois séculos do entretenimento de massa nos Estados Unidos. Esta obra magnífica, que recomendo entusiasticamente, inspirou o presente artigo, no qual modestamente, aponto como os diversos tipos de entretenimento abordados na primeira parte do livro foram aproveitados pelo cinema.

 Jim Crow

Em 1832, Thomas Dartmouth Rice, ex-jovem aprendiz de carpinteiro com o rosto pintado de preto, eletrizou um público barulhento de trabalhadores girando seu corpo em um palco do Bowery com um movimento curioso, espasmódico e cantando: “Weel about and turn about, / And dojis so; / Eb´ry time I weel about, I jump Jim Crow”. Um ano depois, o editor de jornal Benjamin Day, de vinte três anos, lançou um jornal – New York Sun – que era cerca de um terço do tamanho dos outros jornais, vendido pelo preço incrivelmente baixo de um centavo (one penny), e destacava assassinatos sensacionais, tragédias e fofocas. E, em meados de 1835, Phineas Taylor Barnum, rapaz de vinte e cinco anos, refugiado do negócio de produtos secos, exibiu Joice Heth, escrava cega, decrépita, parcialmente paralítica, que supostamente tinha 161 anos e havia amamentado e cuidado do “querido Pequeno George” Washington, primeiro presidente da nação.

Assim, no início dos anos 1830, tomou forma o arcabouço para a cultura popular moderna nos Estados Unidos. Os alicerces deste mundo emergente de entretenimentos baratos, acessíveis, e indisciplinados incluíam o blackface minstrelsy (show de menestréis com o rosto pintado de preto contendo estereótipos raciais) que a performance de Rice como Jim Crow elevou a novos níveis de popularidade; a penny press, que anunciou uma revolução na indústria gráfica americana; e “o show business”, como Barnum o apelidou e que ele, mais do que ninguém ajudou a definir.

Os shows de menestréis abriram as portas para Stephen Foster, pioneiro da música popular americana, autor da memorável “Oh! Susannah”, cuja letra foi escrita no dialeto blackface: “I Come from Alabama / With my banjo on my knee / It´s gwine to Lou’siana / My true lub to see”, ou seja, “I come to Alabama with my banjo on my knee / I´m going to Lousiana for my true love to see”. Como consequência da fama de Rice, a partir de 1838, Jim Crow tornou-se um termo pejorativo para o afro-americano e, a partir desta data, as leis de segregação racial ficaram conhecidas como “Jim Crow Laws”.

Exibindo um gênio absoluto para a publicidade, Barnum traçou diversas estratégias para divulgar a exibição de Joice Heth e se defender dos críticos. Trabalhando com Levi Lyman, que havia contratado como assistente, programou encontros de religiosos com Heth, mostrando-lhe certidões de batismo que ele e Lyman haviam falsificado. Ao mesmo tempo, aproveitou as acusações de que Heth era, de fato, uma fraude. Publicou histórias nos jornais e encenou incidentes sugerindo que ela era na verdade feita de osso de baleia e borracha e que a voz de sua engenhoca vinha de um ventríloco. Como Barnum disse, sorrindo: “Muitas pessoas que a tinham visto estavam igualmente desejosos de uma segunda visão, a fim de determinar se haviam sido ou não enganados”. Se eles pagaram uma ou duas vezes, o empresário espertalhão colheu os dividendos.

Em 1841, Barnum comprou um museu no centro de Manhattan onde exibiu “curiosidades humanas”, ou “aberrações”, tais como mulheres barbadas, indivíduos sem pernas, albinos, gigantes e anões. Uma exibição muito popular foi um jogador de xadrez mecanizado que os espectadores poderiam se perguntar se era realmente uma máquina pensante ou um glorioso embuste. Até que um jornal de Fidadélfia expôs o truque. Porém o astucioso empreendedor percebeu que, mesmo depois que o segredo foi revelado, ainda podia ser uma fonte de lucro. “De vez em quando”, ele lembrava, “alguém gritava ‘farsante’ e ‘charlatão’, porém tanto melhor para mim.  Isto ajudava a me promover”. Com esta lição em mente, Barnum cultivou sua crescente reputação como “o príncipe dos charlatões”, termo que ele orgulhosamente aplicou a si mesmo.

Barnum e Stratton

A emergência de uma classe média com um extenso conjunto de valores e crenças influenciou profundamente a cultura popular e, para cortejá-la e adquirir mais respeitabilidade, Barnum apresentou como nova atração um anão, Charles S. Stratton, lançando-o como General Tom Thumb (General Pequeno Polegar). Sob cuidadosa tutela de Barnum, Tom tornou-se muito popular, cantando, dançando e imitando uma variedade de personagens como Cupido, Hércules e Napoleão. Depois, Barnum contratou outro anão, George Washington Morrison Nutt, que ele apelidou de “Prince of the Lilliputs” (Príncipe dos Liliputianos) e uma cantora suiça Jenny Lind, anunciando-a como “The Swedish Nightingale “(A Rouxinol Suiça). No início dos anos 1880, Barnum, e seu novo sócio, James A. Bailey, ofereceram ao público “The Greatest Show on Earth” – o famoso circo itinerante de três picadeiros, que se uniria mais tarde com seu rival, o Ringling Brothers – cuja principal atração era um elefante africano chamado Jumbo, símbolo da tendência de Barnum à extravagância.

Em 1883, William F. “Buffalo Bill” Cody inaugurou o seu Buffalo Bill´s Wild West Show, trazendo uma excitante e romantizada adaptação do Oeste Americano para um público que muitas vezes conhecia pouco a região. O circo de Cody logo se tornou fenômeno nacional – e depois internacional – combinando competições de rodeio com produções teatrais dramáticas que celebravam a “conquista do Oeste”, incluindo nativos americanos autênticos, reconstituições de batalhas nas fronteiras, e exibições de búfalos, cavalos selvagens, e até leões das montanhas.

Mickey Rooney e Judy Garland em Sangue de Artista

No cinema de Hollywod houve três abordagens da vida e obra de Stephen Foster: Melodias Inolvidáveis / Harmony Lane / 1935; O Coração de um Trovador / Swanee River / 1939 (com Al Jolson cantando “Oh! Susannah”) e Minha Vida te Pertence / I Dream of Jeanie / 1921. Em Sangue de Artista / Babes in Arms / 1939, Mickey Rooney e Judy Garland arrazaram cantando “Oh! Susannah” com o rosto pintado de preto. Podemos lembrar ainda O Seresteiro / Oh! Susannah / 1936, western de Gene Autry, no qual a canção de Foster é ouvida como parte de uma coletânea durante a apresentação dos créditos e no final do filme, tocada no acordeão de Smiley Burnette. Al Jolson em O Cantor de Jazz / The Jazz Singer / 1927; Eddie Cantor em Whoopee! / Whoopee / 1930; a pequenina Shirley Temple em A Pequena Rebelde / The Littlest Rebel / 1935); Judy Garland em Diabinho de Saias / Everybody Sing / 1938; Bing Crosby em Duas Semanas de Prazer / Holiday Inn / 1942; Joe E. Brown em Um Rapaz Delicado / The Daring Young Man /1942; Os Três Patetas na comédia curta Uncivil Warbirds / 1946 e até Bugs Bunny (Coelho Pernalonga) e Elmer Fudd (Hortelino Troca-Letra) surgiram telas com o rosto pintado de preto. Em Dias Felizes / Happy Days / 1929, o campeão de boxe Jim Corbett atuou como interlocutor em um show de menestréis e, em 1941, foi realizado um short, Minstrel Days, da série Broadway Brevities da Warner, utilizando tomadas de arquivo com cenas de filmes com Al Jolson e Eddie CantorYes Sir, Mr. Bones / 1951 mostra um menino que se encontra em um retiro de velhos artistas menestréis e procura saber sobre seu passado, sucedendo-se retrospectos dos velhos tempos.

Wallace Beery e Adolphe Menjou em O Rei do Blefe

O cinema se lembrou de Barnum em O Rei do Blefe / The Mighty Barnum / 1934 com Wallace Beery no papel título, sendo que Beery já havia personificado Barnum em Dama Virtuosa / A Ladie´s Morals / 1930, filme sobre Jenny Lind, interpretada por Grace Moore, renomada cantora lírica do Metropolitan Opera House, que se tornou também atriz. E não há dúvida de que Cecil B. DeMille se inspirou nele e no seu circo para realizar O Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952.

James Ellison (à esquerda ao lado de Gary Cooper) em Jornadas Heróicas

Buffalo Bill Cody apareceu, ainda moço (James Ellison) em Jornadas Heróicas / The Plainsman / 1936 e já mais velho (Louis Calhern) em Bonita e Valente / Annie Get Your Gun / 1950; mas o filme que traçou sua biografia completa foi Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944, interpretado por Joel McCrea. Neste artigo não pretendo oferecer filmografias completas, citando apenas alguns filmes – todos do período áureo de Hollywood – sobre cada assunto; de modo que, sobre Buffalo Bill, vou apenas acrescentar: o seriado As Aventuras de Bufffalo Bill / Battling with Buffalo Bill / 1931 (com Tom Tyler), o western B O Jovem Buffalo Bill / 1940 (com Roy Rogers) e As Aventuras de Buffalo Bill / Pony Express / 1953 (com Charlton Heston).

Prosseguindo na primeira parte do seu estudo, o professor Ashby aponta o surgimento de outros entretenimentos de massa como a comercialização da celebração do Natal e do Dia dos Namorados, as lutas de boxe (incrementadas pela popularidade de John L. Sullivan, o grande campeão de peso-pesados até ser derrotado pelo “Gentleman Jim” Corbett); o basebol; o rugby (futebol americano) universitário, o teatro burlesco, o vaudeville e os parques de diversão.

Thomas Mitchell, Donna Reed e James Stewart em A Felicidade Não se Compra 

O filme mais famoso sobre o Natal é, sem dúvida, A Felicidade não se Compra / It´s a Wonderful Life / 1946, emocionante drama sobrenatural dirigido por Frank Capra, que se passa numa véspera de Natal e foi baseado em um conto de Philip Van Doren Stern, The Greatest Gift, por sua vez remotamente inspirado em A Christmas Carol de Charles Dickens. Em segundo lugar, podemos citar os também notáveis Noite de Natal / Christmas Carol / 1938 (este uma versão direta da novela de Dickens) e De Ilusão Também se Vive / Miracle on 34th Street / 1947. Sobre o Dia dos Namorados só encontrei O Massacre de Chicago / St. Valentine´s Days Massacre / 1967, drama criminal de Roger Corman sobre o massacre da quadrilha de Bugs Moran pelo bando de Al Capone que ocorreu em Chicago no ano de 1929 naquele feriado comemorado nos EUA em 14 de fevereiro.

Errol Flynn em O Ídolo do Público

Filmes sobre o ambiente de lutas de boxe no cinema houve vários, destacando-se: O Ídolo do Público / Gentleman Jim / 1942 (no qual estão os já citados John L. Sullivan e “Gentleman Jim” Corbett, interpretados respectivamente por Ward Bond e Errol Flynn); Corpo e Alma / Body and Soul / 1947; Punhos de Campeão / The Set-Up / 1948; O Invencível / Champion / 1949; Marcado pela Sarjeta / Somebody Up There Likes Me / 1956 (cinebiografia do grande nocauteador Rocky Marciano, interpretado por Paul Newman); A Trágica Farsa / The Harder They Fall / 1956 (com a participação de Max Baer e Jersey Joe Walcott); Requiem para um Lutador / Requiem for a Heavyweight / 1962 (com a presença no elenco de Jack Dempsey e Cassius Clay / Muhammad Ali).

Max Baer, Jack Dempsey e Primo Carnera emO Pugilista e a Favorita

Por curiosidade, três pugilistas campeões mundiais de peso-pesados, Max Baer, Primo Carnera e Jack Dempsey, trabalharam no filme O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933. Uma raridade foi o empate na conquista do Oscar de 1931-32 entre Fredrich March e Wallace Beery, este indicado por sua atuação em O Campeão / The Champ / 1932 (Dir: King Vidor), dramalhão sobre um ex-campeão de boxe decadente e beberão adorado pelo filho (Jackie Cooper). Outro filme passado em ambiente de boxe foi Talhado para Campeão / Kid Galahad / 1937, refilmado em 1962 como o mesmo título, tanto em inglês como em português, com Elvis Presley no papel anteriormente ocupado por Wayne Morris.

Gary Cooper em Ídolo, Amante e Herói

Talvez o melhor filme sobre basebol tenha sido Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees / 1942 com Gary Cooper como o jogador “Lou” Gehrig que, vitimado por uma esclerose lateral miotrófica, teve que deixar prematuramente o esporte, falecendo aos 37 anos de idade. Vale lembrar o comovente discurso de despedida de Gehrig no Yankee Stadium e a presença de Babe Ruth e outros verdadeiros craques no elenco. Outro filme importante versando sobre o mesmo assunto, foi Sangue de Campeão / The Stratton Story / 1949, com James Stewart como o conhecido lançador Monty Stratton, cuja carreira chegou ao fim, quando teve a perna amputada. Podemos lembrar ainda, entre outros: Um Portento no Esporte / Casey at the Bat / 1927 com Wallace Beery; Vencendo o Medo / Fear Strikes Out / 1959, contando o drama de Jim Piersall, jogador que sofria de transtorno bipolar; Combinação Invencível / The Winning Team / 1952 com Ronald Reagan como Grover Cleveland Alexander; O Homem do Dia / The Pride of St. Louis / 1952 com Dan Dailey como Dizzy Dean. Vale a pena citar também um musical (Parceiro de Satanás / Damn Yankees / 1958) e uma comédia do “Boca Larga” Joe E. Brown (Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike / 1935), ambos passados em ambiente de beisebol. E, sem dúvida, O Grande Babe Ruth / The Babe Ruth Story / 1948 com William Bendix no papel do imortal beisebolista. Recordo-me ainda de um musical dirigido por Busby Berkeley, A Bela Ditadora / Take Me Out to the Ball Game / 1949, sobre jogadores de basebol  (Frank Sinatra, Gene Kelly) que, fora da temporada esportiva, trabalham no vaudeville.

Harold Lloyd em O Calouro

O rugby (ou seu similar o futebol americano) foi representado no cinema americano clássico principalmente na comédia muda, O Calouro / The Freshman / 1925 com Harold Lloyd e em O Homem de Bronze / Jim Thorpe, All American / 1951 cinebiografia do famoso atleta descendente de índios (campeão de várias modalidades esportivas além do rugby), revivido na tela por Burt Lancaster. Cito também , sem a preocupação de fornecer uma lista completa:  Gênios da Pelota / Horse Feathers / 1932 com os Irmãos Marx; Agarrem essa Normalista/ Hold that Co-ed / 1938; Criador de Campeões / Knute Rockne All American / 1940, cinebiografia do famoso treinador da Universidade de Notre Dame, vivido por Pat O´Brien, que também deu vida a outro treinador (e herói da Primeira Guerra Mundial) Frank Cavanaugh em Forjador de Homens / The Iron Major / 1943; Papai foi um Craque / Father was a Fullback / 1949; Tormento de uma Glória / Easy Living / 1949; Ídolo Dourado / Saturday´s Hero / 1951; O Filhinho do Papai / That´s My Boy / 1951; Atalhos do Destino / Trouble Along the Way / 1953; Alma Invencível / All American / 1953;

Anna Held

Eva Tanguay

O teatro burlesco foi introduzido nos EUA em 1868 por uma trupe de coristas chamada Lydia Thompson´s British Blondes. Era um show de variedades, reunindo vários elementos como caricatura, paródia, sátira, erotismo e strip-tease. Outra forma, mais respeitável de exibicionismo feminino encontrou expressão no final do século dezenove, em grande parte devido aos esforços iniciais de Florenz Ziegfeld Jr.: o vaudeville, forma de entretenimento popular que misturava números curtos de variedades, música e comédia, mágicas, canto, dança, acrobacias, performances de animais treinados e estereótipos étnicos). Umas de suas grandes atrações foram o musculoso Sandow; a formosa cantora Anna Held; a comediante um tanto robusta, Eva Tanguay, cujas canções picantes e trajes escassos encantavam o público;  e, principalmente, suas show girls, lindas coristas que desfilavam sensualmente diante de cenários suntuosos. Segundo apurei, a verdadeira Anna Held foi protagonista de Madame la Presidente / 1916, dirigido por Frank Lloyd.

Luise Rainer como Anna Held

No cinema destaca-se a cinebiografia Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great Ziegfeld / 1936, na qual o empresário foi interpretado por William Powell e Luise Rainer era Anna Held. O filme conquistou o Oscar e Rainer recebeu a estatueta como Melhor Atriz. Powell repetiu seu papel em Ziegfeld Follies / Ziegfeld Folies / 1946, revista musical com um elenco all-star (Judy Garland, Lucille Ball, Fanny Brice, Fred Astaire e Gene Kelly dançando juntos, Red Skelton, Lena Horne, Cyd Charisse, Esther Williams e direção geral de Vincente Minnelli. A figura de Ziegfeld apareceu ainda em: Sonharei com Você / I´ll See You in My Dreams / 1951 com William Forrest como Ziegfeld; A História de Will Rogers / A The Story of Will Rogers / 1952 com Forrest novamente como Ziegfeld; Bem no Meu Coração / Deep in my Heart / 1954 com Paul Henreid como Ziegfeld. O Meu Amado / Rose of Washington Square / 1939 foi remotamente inspirado na vida de Fanny Brice, uma das estrelas do Ziegfeld Follies. Ziegfeld não aparece em um O Mundo é um Teatro / Ziegfeld Girl / 1941, que gira em torno de três garotas (Lana Turner, Hedy Lamarr, Judy Garland) escolhidas para participar de seus espetáculos.

O vaudeville ou o burlesco estiveram ainda presentes nas telas por exemplo em: Sangue de Artista / Babes in Arms / 1939; A Bela Lillian Russell / Lillian Russell / 1940; Idílio em Do-Re-MI / For Me and My Gal / 1942; A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy / 1942; Melodia do Amor / Shine on Harvest Moon / 1944; Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946; Mentira Salvadora / Ladies of the Chorus / 1948; Malabaristas da Vida / Give my Regards to Broadway / 1948; Esquece Teus Pesares / April Showers / 1948; Crepúsculo de uma Glória / Look for the Silver Lining / 1949; Um Coringa e Sete Ases / The Seven Little Foys / 1955; Em Busca de um Sonho / Gypsy / 1962 , cinebiografia da dançarina Gypsy Rose Lee com Rosalind Russell no papel-título; Quando o Strip Tease Começou / The Night They Raided Minsky´s / 1968.

Cena de Solidão

O parque de diversões mais conhecido de Nova York é o Luna Park, situado em Coney Island, bairro situado a sudoeste do Brooklyn. Ele é famoso pela sua roda gigante (Wonder Wheel) e sua montanha russa (Cyclone) e foi inaugurado por um empresário do entretenimento brilhantemente inovador, Frederic W. hompson, em 16 de maio de 1903. No cinema, vários filmes têm cenas passadas em Coney Island, entre os quais destacamos os admiráveis Solidão / Lonesome /1928 de Paul Fejos e O Pequeno Fugitivo / Little Fugitive / 1953 de Morris Engel. que conta a história de uma criança sozinha no parque.

MADAME BOVARY DE GUSTAVE FLAUBERT NO CINEMA

Nesta obra-prima da literatura francesa e mundial, Gustave Flaubert, através do estudo psicológico de uma mulher intoxicada pelo romantismo que busca na infidelidade e nas compras um substituto para a felicidade, investe contra   as convenções burguesas do seu tempo, zombando de sua tolice, sua futilidade, e sobretudo seu falso moralismo, buscando com obsessão “a palavra precisa”, a única adequada para levar cada frase ao ponto mais próximo da perfeição.

Gustave Flaubert

Observando um caso individual, o escritor fez de sua heroína um tipo universal. Durante o desenrolar da narrativa acompanhamos as emoções e frustrações de Emma Bovary, seu desejo por um mundo diferente daquele que destroça seu sonho e sua formidável faculdade de ilusão, que recebeu o nome doravante tradicional de Bovarismo. Houve várias versões do romance para o cinema. Os filmes que pude ver estão marcados em negrito e no final escolho o meu predileto.

FILMOGRAFIA

Excluídas adaptações remotas do original literário ou produzidas diretamente para a televisão.

Madame Bovary 1934 com Valentine Tessier

Madame Bovary / 1934 (Dir: Jean Renoir) com Valentine Tessier (Emma) e Pierre Renoir (Charles). França.

Madame Bovary 1937 com Pola Negri

A Mulher Que Amou Demais / Madame Bovary / 1937 (DIr: Gerard Lamprecht) com Pola Negri (Emma) e Aribert Wäches (Charles). Alemanha.

Madame Bovary 1947 com Mecha Ortiz

Madame Bovary / 1947 (Dir: Carlos Schlieper) com Mecha Ortiz (Ema) e Alberto Bello (Carlos). Argentina.

Madame Bovary 1949 com Jennifer Jones

A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949 (Dir: Vincente Minnelli) com Jennifer Jones (Emma) e Van Heflin (Charles). Estados Unidos.

Os Pecados de Madame Bovary / De Nackte Bovary / 1969 (Dir: Hans Schott-Schöbinger) com Edwige Fenech (Emma) e Gerhard Riedman (Charles). Alemanha Oriental- Itália.

Salvai e Protejei / Spasi i sokhran / 1989 (Dir: Alesandr Sokurov) com Cécile Zervudacki (Emma) e Robert Vaap (Charles). União Soviética – Alemanha Oriental.

Madame Bovary 1991 com Isabelle Hupert

Madame Bovary / Madame Bovary / 1991 (Dir: Claude Chabrol) com Isabelle Hupert (Emma) e Jean-François Baumer (Charles). França.

Madame Bovary / 2014 (Dir: Sophie Barthes) com Mia Wasikowska (Emma) e Henry Lloyd-Hughes (Charles).

MINHA VERSÃO PREDILETA É A DE VINCENTE MINNELLI

A primeira atriz escolhida para interpretar a personagem de Flaubert em A Sedutora Madame Bovary foi Lana Turner, porém o Código de Autocensura julgou-a “demasiado sexy”. Minnelli então sugeriu Jennifer Jones e, com ela expressou, à maneira de Hollywood naturalmente, a alma sonhadora da heroína e os falsos valores da burguesia.

James Mason como Flaubert

Jennifer Jones (Emma) e Van Heflin (Charles Bovary)

Jennifer Jones  (Emma) e Louis Jourdain (Rodolphe)

Jennifer Jones (Emma) e Gene Lockhart (Mr.Homais)

Contracenando com Jennifer estavam Van Heflin (Charles Bovary), Louis Jourdain (Rodolphe), o ator sueco Alf Kjellin creditado como Christopher Kent (Léon) e Gene Lockhart (Homais) enquanto James Mason encarnava Flaubert, servindo como narrador da intriga pois, para driblar a censura do Código Hays, o roteirista Robert Ardrey inventou um prólogo, mostrando em rápidas cenas o processo aberto contra o escritor, acusando-o de imoralismo por causa de seu livro. O filme traduz muito bem toda a essência do livro de Flaubert, ilustrada pelo estilo brilhante de Minnelli, que se manifesta esplendorosamente na vertiginosa sequência no baile sob o som da valsa “neurótica” de Miklos Rozsa, com Emma excitada rodopiando pelo salão e o espelho mostrando-a deslumbrante vestida de branco e rodeada de admiradores elegantes, imagem perfeita da realização de seus desejos romanescos.

Cenas no baile

Além da música de Rozsa, os cenários grandiosos (Cedric Gibbons – Jack Martin Smith,) figurinos (Walter Plunkett), fotografia (Robert Plank), distingue-se prioritariamente o desempenho  de Jennifer Jones, comunicando perfeitamente o tédio e o temperamento sonhador da personagem e o seu desejo insaciável de satisfazer suas fantasias, que a leva à degradação moral e ao suicídio.