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RELEMBRANDO A ÉPOCA DE OURO DO TEATRO BRASILEIRO

Como ainda não havia nascido, não pude conhecer o Teatro no tempo em que as companhias se formavam centradas em atores estelares, tais como, principalmente, Raoul Roulien, Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira, Jaime Costa e o casal Dulcina-Odilon. Era o chamado Teatro do Ator, chamado de “velho teatro” pelo crítico e historiador teatral Décio de Almeida Prado. A orientação geral do espetáculo, visto que não existia a figura do encenador, era dada pelo ensaiador, que era quem traçava a mecânica cênica, quem fazia a marcação para os atores. Roulien só o ví no cinema pelo dvd em Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933 comédia romântico-musical estrelada por Ginger Rogers e Fred Astaire. Fróes, só conhecí de nome através de meu pai, que me falava sempre dos seus sucessos como Flores de Sombra de Cláudio de Souza e o Simpático Jeremias de Gastão Tojeiro. Apenas lí a biografia de R. Magalhães Junior, “As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes” e notícias sobre o filme Minha Noite de Núpcias / 1931, versão portuguesa de Her Wedding Night / 1930, com Clara Bow e Ralph Forbes, que ele fez ao lado da graciosa atriz portuguesa Beatriz Costa.

Leopoldo Froes

Nunca ví Procópio no palco de um teatro, por exemplo, no seu grande sucesso Deus lhe Pague de Joracy Camargo. Comecei a admirá-lo, graças ao dvd, em filmes como O Comprador de Fazendas / 1951, no qual formou uma dupla impagável com Henriette Morineau, Quem Matou Anabela / 1956 como o Comissário Ramos que investiga o caso do assassinato de uma bela bailarina, e em outras aparições suas na tela.

Henriette Morineau e Procópio Ferreira no filme O Comprador de Fazendas

Jaime Costa em Minha Querida Lady

Já com relação a Jaime Costa, nunca me conformei, pelo fato de ser menor de idade, de ter perdido sua festejada atuação em A Morte do Caixeiro Viajante de Arthur Miller; mas alguns anos depois eu o aplaudí, ao vê-lo cantando no tablado do Teatro Carlos Gomes como Alfred Doolittle, pai de Eliza (Bibi Ferreira) no musical Minha Querida Lady. Pelo dvd eu o ví como o vigarista e mulherengo Nhonhô em Pensão de D. Estela / 1956 e como o corrupto Prefeito Luis Bentes na comédia da Vera Cruz Osso, Amor e Papagaios / 1957, baseado no conto “A Nova Califórnia” de Lima Barreto. Gostaria de ter visto A Ceia dos Cardeais de Julio Dantas, dirigida por Bibi Ferreira em 1955, na qual três cardeais, um francês (Sergio Cardoso), um português (Jaime Costa) e um espanhol (João Villaret) recordam os seus amores de juventude. Eu havia lido a peça e adoraria ouvir Jaime Costa dizendo: “Em como é diferente o amor em Portugal!”

Dulcina em Chuva

Dulcina e Odilon tampouco os assistí num teatro. Que tristeza, não ter podido ver Chuva, adaptação da famosa peça “Rain”, de John Colton e Clemence Randolph, baseada num conto de Somerset Maugham, no qual Dulcina interpretava Sadie Thompson, papel que ficaria para sempre ligado ao seu nome. Apresentada no Teatro Municipal, teve um sucesso estrondoso. Conhecí a peça pelo cinema, nas três versões (Sedução do Pecado / 1928 com Gloria Swanson, O Pecado da Carne / 1932 com Joan Crawford, A Mulher de Satã / 1953 com Rita Hayworth) e o casal de atores brasileiros na comédia romântica da Cinédia, 24 Horas de Sonho / 1941, graças à bendita preservação ordenada por Alice Gonzaga

Não posso me esquecer de Eva Todor e de Bibi Ferreira. Em torno de Eva girava sua companhia, Eva e Seus Artistas, fundada por seu primeiro marido Luiz Iglezias em 1940 e que teve entre seus sucessos a peça Os Gregos eram Assim, de Iglezias, encenada em 1949 no Teatro Serrador. Muito mais tarde Eva ganharia o Prêmio Molière por seu papel em De Olho na Amélia (Occupe-toi d’ Amélie) de Georges Feydeau, que eu vi somente no cinema com Danielle Darrieux sob o título em português de Meu Amigo, Amélia e Eu. Mas Eva no teatro também nunca pude ver.

Bibi Ferreira em A Herdeira

Bibi, por sua vez, comandava a Companhia Bibi Ferreira, estreada em 1944 no Teatro Phoenix com a peça Sétimo Céu (Seventh Heaven) de Austin Strong, que eu só fui conhecer pelo cinema nas versões de 1927 e 1937 estreladas respectivamente por Janet Gaynor e Charles Farrell e Simone Simon e James Stewart. Bibi alcançou um grande sucesso com A Herdeira (The Heiress), peça de Ruth e Augustus Goetz, baseada no romance Washington Square de Henry James, que lhe deu o Prêmio de Melhor Atriz de 1952 pela Associação de Críticos de Teatro. Conhecí a peça pelo cinema, no filme de William Wyler, Tarde Demais / 1949 com Olivia de Havilland em magnífica atuação. Mas como gostaria de ter visto Bibi no mesmo papel!

Vestido de Noiva

Estes espetáculos confiados ao brilho dos astros estavam, como já disse, nas mãos de ensaiadores, e eles não dispunham de tempo para fazer longos ensaios. Foi o grupo amador carioca Os Comediantes o responsável pela modificação desse panorama, ao acolher o diretor polonês Ziembinski, foragido da Segunda Grande Guerra. Sua contribuição decisiva deu-se com a estréia do Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues, em 1943. Como observou Sábato Magaldi (Depois do Espetáculo, ed. Perspectiva, 2003), “ele enfeixou nas mãos o conjunto do espetáculo, cuidando harmoniosamente de todos os desempenhos, da renovadora cenografia de Santa Rosa e da centena e meia de efeitos de luz. Malgrado a grande qualidade do texto, que se tornaria marco da nossa literatura dramática, a tônica passou a ser a da encenação”. Não pude estar presente na estréia da peça no Teatro Municipal, pois ainda era um menino. Que pena não ter visto também outras encenações de Os Comediantes como, por exemplo, Jardel Filho em Desejo de Eugene O´Neill, que Ziembinski dirigiu em 1946 e Graça Mello em Massacre de Emmanuel Roblés, que o próprio Graça dirigiu em 1951. E também a versão de Vestido de Noiva de 1947 com Maria Della Costa (Alaide), Cacilda Becker (Lúcia) e Olga Navarro, outra grande atriz do nosso teatro, no papel de Madame Clessi.

Paulo Porto e Sonia Oiticica em Romeu e Julieta

Sergio Cardoso em Hamlet

Esta renovação teatral fora iniciada a partir de 1938 com a apresentação de Romeu e Julieta, sob direção de Itália Fausta, à frente do Teatro do Estudante do Brasil, criado por Paschoal Carlos Magno, com Paulo Porto como Romeu e Sonia Oiticica como Julieta. Em 1952, Paschoal inaugurou em sua própria casa em Santa Teresa o Teatro Duse, que revelou grandes atores, diretores, cenógrafos, etc. Um deles foi Sergio Cardoso no seu memorável Hamlet. Todos estes espetáculos eu lamentavelmente por causa de minha menoridade, estava impossibilitado de ver.

Ítalo Rossi em pé em A Casa de Chá do Luar de Agosto

Em 1948, o industrial italiano Franco Zampari fundou em São Paulo o Teatro Brasileiro de Comédia, que consolidou a fase de hegemonia do encenador, reunindo encenadores italianos como Adolfo Celi, Ruggero Jacobi, Luciano Salce, Flaminio Bollini Cerri, Gianni Ratto e Alberto D’Aversa, o polonês Ziembinski e o belga Maurice Vaneau. O TBC organizou definitivamente a estrutura profissional do teatro brasileiro, colocou os espectadores em contato com um nível superior de dramaturgia e formou grande número de intérpretes, que depois saíram de suas fileiras para organizarem companhias nos mesmos moldes. Por lá passaram Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Madalena Nicol, Nydia Lícia, Tônia Carrero, Walmor Chagas, Cleyde Yáconis, Margarida Rey, Sérgio Britto, Teresa Rachel, Nathalia Timberg, Jardel Filho, Ítalo Rossi, Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Leonardo Vilar, Juca de Oliveira, Fredi Kleemann, Maria Della Costa, Célia Biar, Luis Linhares, Benedito Corsi, Fernando Torres, Mauro Mendonça, Rubens de Falco, Raul Cortez, Francisco Cuoco, Sady Cabral, Waldemar Wey, Mauricio Barroso, Marina Freire, Ruy Afonso, Carlos Vergueiro, Stênio Garcia, Kléber Macedo e muitos outros atores notáveis. Ví apenas duas peças do TBC: A Casa de Chá do Luar de Agosto, de John Patrick dirigida por Maurice Vaneau e Maria Stuart de Friedrich Schiller, traduzida por Manuel Bandeira e dirigida por Ziembinsky. Da primeira peça lembro-me muito da atuação de Ítalo Rossi como o japonês Sakini, um protagonista maravilhoso que depois seria vivido no cinema por Marlon Brando. Da segunda peça guardo na memória o encontro entre Elizabeth da Inglaterra (Cleyde Yaconis) e Mary Stuart (Cacilda Becker) em um parque, quando Maria se humilha, para regozijo de Elizabeth, mas depois recupera a altivez e insulta a prima, chamando-a de bastarda.

Cacilda Becker em Pega-Fogo

Mas como eu gostaria de ter visto Cacilda como Pega-Fogo, o menino de cabelos vermelhos, que na peça de Jules Renard tinha o apelido de Poil de Carotte!  Conheço esta obra pelo filme de Julien Duvivier de 1932, que no Brasil intitulou-se Pinga-Fogo e tinha Robert Lynen como o menino e Harry Baur no papel do pai que, na encenação brasileira, coube a Ziembinski. Ví Cacilda em Luz dos Meus Olhos / 1947 e em Floradas na Serra / 1954, filmes cujas cópias em dvd conservo com carinho. Lastimávelmente deixei de vê-la no palco como a Enteada, Sergio Cardoso como o Pai e Paulo Autran como o diretor em Seis Personagens à Procura de um Autor de Pirandello sob direção de Adolfo Celi.

Paul Autran, Cacilda Becker e Sergio Cardoso em Seis Personagens à Procura de um Autor

Como assinalou Magaldi, a estética do Teatro Brasileiro de Comédia prevaleceu nos diversos grupos que se desdobraram dele: a Cia. Nydia Licia-Sergio Cardoso, a Cia. Tonia-Celi- Autran, o Teatro Cacilda Becker, o Teatro dos Sete, e o Teatro Maria Della Costa que depois se denominou Teatro Popular de Arte (TPA), onde ocorreu a primeira montagem profissional de um texto de Berthold Brecht no Brasil com A Alma Boa de Se-Tsuan.

Mas lembro que, com idêntica proposta surgira anteriormente a Companhia dos Artistas Unidos, fundada por Carlos Brant em parceria com Henriette Morineau e que trouxe grandes espetáculos como por exemplo, O Pecado Original (Les Parents Terribles) de Jean Cocteau, apresentado no Teatro Fenix em 1946 e que pude ver muito mais tarde pelo dvd do filme com Jean Marais e Yvonne De Bray.

Oscar Felipe e Henriette Morineau em Pecado Original

Em 1953 Paulo Goulart e Nicette Bruno fundaram a Companhia Teatro Íntimo Nicette Bruno, mas só vi Nicette no palco na peça Pedro Mico de Antonio Callado ao lado de Milton Moraes no Teatro Nacional de Comédia em 1957. Em 1958 foi inaugurado o Teatro Mesbla com a peça Calúnia de Lilian Hellman com Tonia Carrero, Margarida Rey e Helena Xavier, que só conheci pelo cinema nas versões These Three / 1936 e The Children´s Hour / 1961, dirigidas por William Wyler, recebendo ambas o mesmo título em português de Infâmia.

Abdias do Nascimento e Cacilda Becker em Otelo

Abdias do Nascimento e Ruth de Souza em Otelo

Assistí inúmeras peças do Teatro de Arena, fundado em 1953 em São Paulo, tendo à frente José Renato, o ator/diretor Geraldo Mateus, atrizes como Eva Wilma e Monah Delacy, dramaturgos como Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho, novos talentos como Flávio Migliaccio e Milton Gonçalves; porém nunca pude ver uma encenação do Teatro Oficina de São Paulo sob a responsabilidade de José Celso Martinez Corrêa nem qualquer manifestação do Teatro do Oprimido de Augusto Boal ou do Grupo Opinião. Também não vi nada do Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado por Abdias do Nascimento em 1944, cuja estréia se deu com a montagem de O Imperador Jones de Eugene O’Neill. Gostaria de ter visto Othelo com Cacilda Becker como Desdêmona e Abdias como o Mouro de Veneza na encenação de uma cena da peça em 1946 na comemoração do 2º aniversário do TEN  e também Ruth de Souza com ele, fazendo outra cena no Festival Shakespeare, organizado por Pachoal Carlos Magno em 1949.

Pluft, o Fantasminha

Não posso deixar de citar o excelente trabalho de Maria Clara Machado (minha vizinha em Ipanema) fundadora e diretora artística do Tablado, autora de peças infantís deliciosas como Pluft, o Fantasminha, responsável também pela produção de espetáculos, publicação dos Cadernos de Teatro e formação de várias gerações de atores. Outra escola de teatro importante foi a Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD), criada por Alfredo Mesquita em 1948.

Procópio Ferreira em Esta Noite Choveu Prata

Recordo-me de que nos anos quarenta Silveira Sampaio inaugurou em Ipanema o Teatrinho de Bolso e, nos anos sessenta, Aurimar Rocha abriu outro no Leblon, os quais eu frequentei; de que não fiz questão de ver o monólogo de Pedro Bloch, As Mãos de Eurídice, grande sucesso de Rodolfo Mayer, mas sentí muito não ter visto o monólogo Esta Noite Choveu Prata, na qual três personagens (um português, um italiano, um velho ator), eram interpretados pelo mesmo ator: Procópio Ferreira; de que pude assistir  Édipo Rei de Sófocles com Paulo Autran e Cleyde Yáconis sob direção de Flavio Rangel

Lembro-me das peças que vi do Teatro Nacional de Comédia, companhia criada pelo Serviço Nacional de Teatro como As Guerras do Alecrim e da Manjerona de Antonio José da Silva, o judeu sob direção de Gianni Ratto e com cenários de Millôr Fernandes; o já citado Pedro Mico sob direção de Paulo Francis e com cenários de Oscar Niemeyer; as Três Irmãs de Anton Tchecov sob direção de Ziembinski e as atrizes Glauce Rocha, Vanda Lacerda e Elisabeth Galotti.

Sergio Britto, Claudio Corrêa e Castro, , Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi em Beijo no Asfalto

Guardo ainda um livro com o texto de Beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues (apresentado pelo Teatro dos Sete no Teatro Ginástico em 1961), valorizado pelos autógrafos de Fernanda Montenegro, Sergio Brito e Nelson Rodrigues e me recordo sempre da primeira produção do grupo no Municipal em 1959, O Mambembe, a burleta de Arthur Azevedo e José Piza, com direção e cenários de Gianni Ratto e figurinos de Napoleão Muniz Freire, que assistí da última fila da galeria. Fiquei emocionado com o arrrebatamento do público, que aplaudia cada final de cena, cada final de ato e, depois dos numerosos agradecimentos, não ia embora do teatro.

 

Fernanda Montenegro e Sergio Britto em O Mambembe

Othon Bastos em O Jardim das Cerejeiras

Outra peça inesquecível para mim foi O Jardim das Cerejeiras  de Anton Tchecov, encenada no Teatro dos 4 de Sergio Britto, Paulo Mamede e Mimina Roveda. Assistí esta peça (dirigida por Mamede) na primeira fila deste teatro e fiquei frente a frente com Othon Bastos quando ele, interpretando o comerciante Lopakhin, exulta-se com aquela sua voz potente, com a aquisição da propriedade onde seu pai havia sido servo. Recordo-me perfeitamente daquele final com Firs (José Lewgoy), o velho criado esquecido pelos antigos patrões, dizendo: “Foram-se embora … Esqueceram-me aqui. Não faz mal… A Vida passou … como seu eu nem tivesse vivido”. Entretanto nunca me perdoei por ter perdido O Rei Lear de William Shakespeare, sob direção de Celso Nunes e com um elenco soberbo do qual faziam parte Sergio Britto, Yara Amaral, Ariclé Perez, Fernanda Torres, Paulo Goulart, Ary Fontoura, José Mayer e Ney Latorraca. Obtive apenas um exemplar do programa que Sergio Britto, meu vizinho no Leblon com quem trocava dvs de filmes raros, valorizou com uma linda dedicatória.

Fernanda Torres e Sergio Britto em Rei Lear

Outro espetáculo teatral que muito me impressionou foi Marat/Sade (A Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat encenado pelos internos do Hospício de Charenton sob direção do Senhor de Sade), peça que vi durante minha lua-de-mel no Teatro Bela Vista, São Paulo, maravilhosamente dirigida em 1967 por Ademar Guerra e com um elenco encabeçado por Armando Bogus (Marat) e Rubens Corrêa (Sade). Quando os espectadores estavam ainda entrando na sala e procurando seus lugares, os loucos do hospício já estavam em cena, provocando um grande impacto visual, principalmente quando pulavam furiosos atrás das grades.  E o desempenho de Rubens Corrêa mantendo o tempo todo aquele chiado de asmático era algo formidável em termos de composição do personagem.

Programa de Marat-Sade

Infelizmente não presenciei os trabalhos do Teatro Ipanema (Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque); do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) de Antunes Filho; do Teatro Ruth Escobar; do Teatro Thereza Raquel, e de outros grupos ou nomes consagrados nos nossos palcos. Lamentei não ter assistido Maria Fernanda como Blanche Dubois em Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams, dirigida por Flávio Rangel. Teria sido muito interessante comparar seu desempenho com o de Vivian Leigh no cinema.

Othon Bastos e Maria Fernanda em Um Bonde Chamado Desejo

Encerro aqui meu saudosismo. Os leitores mais familiarizados com o estudo do Teatro vão certamente notar que alguns grupos, atores e diretores ficaram de fora deste artigo, bem como o teatro de revista, mas é preciso explicar que ele não teve um propósito exaustivo, mas simplesmente nostálgico. Escreví somente sobre algumas peças da Época de Ouro do Teatro Brasileiro que eu vi e sobre as que eu não vi, confiando na minha memória e confirmando as datas de apresentação das peças em várias fontes.

JOANA D´ARC NO CINEMA E NA TV

Aos 17 anos de idade esta jovem camponesa nascida em Donrémy no nordeste da França, comandou um exército e levantou o cerco de Orléans durante a Guerra dos Cem Anos. Em seis meses, sua campanha culmina com a coroação de Carlos VII em Reims, o qual a abandonou mais tarde nas mãos dos ingleses, que a compraram por dez mil escudos, por intermédio do bispo Cauchon, que presidiu o julgamento. Após o processo iníquo em Ruão, foi condenada à fogueira e suas cinzas jogadas ao rio. Muito mais tarde foi canonizada.

Este destino fulgurante e trágico de uma pastora (1412-1431) inspirou canções, poetas, pintores, escultores, dramaturgos e cineastas. Nos primórdios do cinema tivemos as versões de Georges Hatot (Jeanne D’Arc / 1898); George Méliès (Jeanne D’Arc /1899); Albert Capellani (La Vie de Jeanne D’Arc / 1908) com Léontine Massart (Joana); Mario Caserini (Giovana d’Arco / 1908) com Maria Caserini (Joana); e Nino Oxilia (Giovana d’Arco / 1913) com Maria Jacobini (Joana).

Joan the Woman

Em 1917, Joana D’Arc, a Donzela de Orleans / Joan the Woman de Cecil B. DeMille, com a cantora de ópera Geraldine Farrar, alternava cenas da guerra de 14 com a história das vitórias e do martírio da Joana. Apesar do evidente propósito de propaganda a favor dos aliados e dos elementos fantasistas no roteiro elaborado por Jeanie Macpherson, o filme tinha exaltação espiritual e belas cenas coloridas à mão. Além disso, trazia contribuições importantes para a evolução da técnica cinematográfica como, por exemplo, a utilização da profundidade de campo. Uma das produções mais ambiciosas da Famous Players-Lasky nos seus primeiros anos de existência, Joan the Woman foi o primeiro dos superespetáculos que tornaram o nome de DeMille legendário na história do cinema e alguns jornalistas cognominaram-no na ocasião “o Miguel Angelo da tela”. Nas sequências de ação Geraldine Farrar teve que ser substituída por uma excelente cavaleira, Pansy Perry, e a seu lado, como galã, estava Wallace Reid.

O Martírio de Joana D’Arc

Nos anos vinte tivemos inicialmente em 1927 um short britânico de 11 minutos sob direção de Widgey R. Newman, reproduzindo a famosa cena da catedral da peça de Bernard Shaw com a atriz Sybil Thorndyke como Joana. No ano seguinte o dinamarquês Carl Dreyer fez O Martírio de Jona D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc com Falconetti, genuíno poema litúrgico que figura sempre nas listas dos dez melhores filmes de todos os tempos. Causou uma revolução estética com a utilização sistemática e eloquente dos grandes planos, desvendando a alma da heroína e dos seus algozes (foto de Rudolph Maté), a brancura e a abstração dos cenários, os enquadramentos imprevistos e a montagem minuciosa, e até hoje provoca impacto com sua perfeição estilística a serviço da verdade interior. Não se pode dissociar da obra sua intérprete, Renée Falconetti, atriz de teatro que ficou famosa por este seu único filme. Supervisionada com muito rigor Por Dreyer e, tal como os demais componentes do elenco – Silvain, Maurice Schutz, Antonin Artaud, Michel Simon, Jean d’Yd – renunciando à maquilagem, ela viveu intensamente o papel de Joana como se estivesse em estado de transe e em permanente tensão dolorosa.

La Merveuilleuse Vie de Jeanne D’Arc, de Marco de Gastyne, com Simone Genevois, também de1928, tinha sequências dignas de Eisenstein, o excepcional cineasta russo; mas, embora fosse eficiente como espetáculo e contasse a história de Joana desde a infância até à fogueira de Ruão, o filme, rodado quase simultaneamente com o clássico de Dreyer, perdia na comparação.

Durante o período hitlerista, Gutsav Ucicky filmou na UFA, Santa Joana D’ Arc / Das Madchen Johanna / 1934, apresentando a Donzela de Orleans como uma perfeita patriota, servindo de títere ao rei Carlos VII. A revista Cinearte comentou: “Em matéria de atmosfera, de ambiente de época, é toda a Europa medieval que revive através de imagens de maravilhosa beleza. O que nos surpreende, entretanto, é ver um filme europeu transigindo com a história.  A interpretação que dão a esta admirável figura que foi a camponesa de Domrémy é bastante discutível”. Reunindo um punhado de atores consagrados nos palcos germânicos – Gustaf Gründgens, Heinrich George, René Deltgen, Erich Ponto, Willy Birgel, Theodor Loos, Aribert Wascher, Veit Harlan, Paul Bildt, Albert Florath e Angela Salloker (como Joana) – o filme foi exportado internacionalmente para mostrar a qualidade da produção alemã e a mensagem política passou despercebida por muitos espectadores.

Em 1944, num documentário de 58 min De Jeanne D’Arc a Philippe Pétain, Sacha Guitry, sentado na sua mesa de trabalho, nos dá uma palestra sobre a História da França de Joana D’Arc à Ocupação com algum foco em vários de seus grandes escritores e músicos, ouvindo-se entre os recitadores as vozes de Jean Cocteau e Madeleine Renaud.

Ingrid Bergman como Joana D’Arc

Hollywood voltou a abordar o tema em 1948, quando o produtor Walter Wanger, o diretor Victor Fleming e Ingrid Bergman fundaram a Sierra Pictures com o objetivo exclusivo de   a tela a peça “Joan of Lorraine”, de Maxwell Anderson, que a estrela havia interpretado no palco com grande triunfo. O texto de Anderson focalizava uma atriz, Mary Grey, às voltas com a composição da personagem de Joana; no cinema, os roteiristas (o próprio autor e Andrew Solt) resolveram eliminar o esquema ontem-e-hoje da história, preferindo um tratamento histórico direto de sua vida. Houve muitos recursos (5 milhões de dólares, 4 mil figurantes) e cuidados com a autenticidade; mas o resultado não correspondeu às intenções; O filme Joana D’Arc / Joan of Arc tem sequência deslumbrantes em technicolor (Oscar para a foto de Joe Valentine, Winton Hoch e William V. Skall), entre elas a magnífica recriação da catedral de Reims (direção de arte, Richard Day), porém, estáticas e sem substância espiritual. A encenação é medíocre, substituindo o sublime pelo pitoresco. Do desastre, salvam-se ainda os desempenhs esforçados de Ingrid Bergman e de José Ferrer, este marcando sua estréia diante das câmeras como o indeciso Delfim.

O filme francês Destino de uma Mulher / Destinées / 1954, constitui-se de três esquetes que estudam o comportamento da mulher diante da guerra. No segundo esquete, Jeanne, dirigido por Jean Delannoy, os argumentistas Jean Aurenche e Pierre Bost contam um episódio na trajetória de Joana (Michèle Morgan), durante a qual ela realiza um milagre, reanimando o corpo de uma criança morta, e batizando-a, antes que expirasse definitivamente.

No mesmo ano Roberto Rosselini, em Giovanna d’Arco ao Rogo filmou, em gevacolor, o oratório de Paul Claudel e Arthur Honneger, numa mise-en-scène de ópera, estilizada, na qual a cor e os gestos deveriam exprimir o essencial do poema musical. Rosselini disse que tentou “reencontrar o estilo, o modo de expressão dos primeiros tempos do cinema”. Para uns o filme é um ato de pura contemplação; outros, aborreceram-se com sua monotonia.

Jean Seberg cono Joana D’Arc

Três anos mais tarde, Otto Preminger dirigiu Santa Joana / Saint Joan, baseado na peça de Bernard Shaw, com roteiro de Graham Greene. Na ótica impertinente de Shaw, Joana encarna as duas forças que romperam o universo medieval: o nacionalismo, na ordem temporal, e o livre exame, na ordem espiritual. Preminger não compreendeu bem o texto e Jean Seberg, escolhida aos 17 anos entre 18 mil candidatas para o papel de Joana, por sua inexperiência, não pode salvar o filme, que tinha além de um excelente fotógrafo, George Perinal, competente elenco de apoio: John Gieguld, Richard Widmark (Delfim), Richard Todd, Anton Walbrook, Felyx Aylmer, Harry Andrews.

Ainda em 1957 Joana apareceu sob os traços de Hedy Lamarr em um episódio de A História da Humanidade / The Story of Mankind, em cujo enredo o Diabo (Vincent Price) e o Espírito do Homem (Ronald Colman) discutem se a humanidade é ou não, em última análise, boa ou má. A produção reunir um cast enorme de artistas conhecidos em papéis de figuras históricas, alguns  absurdamente   como, por exemplo, Virginia Mayo como Cleopatra, Peter Lorre como Nero, Harpo Marx como Isaac Newton, etc.

Florenz Carrez como Joana D’Arc

Em 1963, Procès de Jeanne D’Arc, de Robert Bresson, com Florence Carrez, segue rigorosamente os autos do processo do século XV, e é tratado no tom intimista e ascético do cineasta, muito parecido com o de Carl Dreyer. Numa entrevista, o diretor declaro que, para ele, o julgamento é um duelo entre o bispo Cauchon e Joana, confronto narrado no filme com extrema economia de meios, a fim de se manter a realidade nua do drama.

A filmografia de Joana d’Arc é muito extensa. Encontrei ainda: Jehanne / 1956 de Robert Enrico, curta-metragem composto de miniaturas do século XV, período em que Joana viveu, narrado por Alain Cuny; Sainte Jeanne / 1956, teleteatro dirigido por Claude Loursais; The Lark / 1957, adaptação no programa de teleteatro Hallmark Hall of Fame, da versão que Lillian Hellman fez de “L’Alouette” de Jean Anouilh, protagonizada por Julie Harris (Joana) e com Boris Karloff no papel do bispo Cauchon; Saint Joan / 1958 telefilme britânico da Granada Teevision, adaptação da peça de Bernard Shaw com Siobhan McKenna; Le Vrai Procès de Jeanne D’Arc / 1959telefilme de Stellio Lorenzi; Jeanne et les Juges / 1959, telefilme de Thierry Maulnier; Jeanne D’arc auf dem Scheiterhaufen / 1960 de Gustav Rudolf Sellner com Margot Trooger (Joana); Jeanne au Vitrail / 1961, curta-metragem de Claude Antoine; L’Histoire de Jeanne / 1962, documentário de Francis Lacassin expondo o itinerário de Joana respectivamente através das miniaturas dos manuscritos, vitrais das igrejas e das gravuras; Der Fold Jeanne d’Arc / 1966. Telefilme germânico de Paul Verhoevem com Kathrin Schmid; Saint Joan /1967, telefilme, baseado na peça de Bernard Shaw, dirigido com Genevieve Bujold (Joana) e Roddy McDowall (Delfim); Jeanne en France / 1967 de Jean Lehérissey; St. Joan / 1968, episódio do programa BBC Play of the Month, adaptação da peça de Bernard Shaw, dirigido por Waris Hussein com Janet Suzman como Joana;  Nachalo /  1970, filme russo de Gleb Panfilov sobre uma atriz amadora (Inna Churikova) que sonha em interpretar Joana D’Arc; Le Mystére de la Charité de Jeanne D’Arc / 1971, telefilme com Catherine Morlay, espécie de meditação sobre a vocação de Joana, esse “mistério” como aqueles da Idade Média, é dedicado … “a todos os que serão mortos por procurarem levar um remédio ao mal universal”;  Jeanne d’Arc / 1981, episódio da série de TV Les Voyageurs de l´histoire, dirigido por Gerard Gozlan com Marie Dauphin (Joana D’ Arc); Bill and Ted’s Excellent Adventure / 1989 de Stephen Herek  gira em torno de dois adolescentes do rock and roll que encontram uma máquina no tempo e, em uma de suas viagens ,encontram Joana D’arc (Jane Wiedlin);  Giovanna d’Arco / 1989, ópera de Verdi filmada por Werner Herzog com Susan Dann como Joana; Joana D’Arc da Mongólia / Johanna D’Arc of Mongolia / 1989, co-produção Alemanha Ocidental-França, dirigido por Ulrike Ottinger, com Inés Sastre como Joana; Jeanne d’Ark – visjon gjennon eld / 1990, telefilme norueguês de Morten Thomte com Juni Dahr como Joana; Jeanne d’Arc produção au bucher / 1993, telefilme japonês dirigida por Akio Jissôji com Marthe Keller como Joana, baseada no oratório de Paulo Claudel; Jeanne la Pucelle / produção francesa, dirigida por Jacques Rivette, com Sandrine Bonnaire como Joana; The Messenger: The Story of Joan of Arc / 1999 ,minissérie canadense dirigida por Luc Besson, com Milla Janovich  (Joana); Wired Angel / 1999, filme experimental estadunidense dirigido por Sam Wells com Caroline Ruttle (Joana); Jeanne d’Arc / 2004, telefilme francês dirigido por Laurent Preyale – balé visionário sobre a vida e morte de Joana d’Arc;  Vrai Jeanne, fausse Jeanne / 2008, telefilme documentário dirigido por Martin Meissonier; Jeanne Captive / 2011, dirigido por Philippe Ramos com Clémence Poésy (Joana);  Jeanne, l’enfance de Jeanne d’Arc / 2017, filme musical dirigido por Bruno Dumont, com Lise Leplat Prudhomme (Joana menina) e Jeanne Voison (Joana adulta).

DOIS IRMÃOS TALENTOSOS: MARIA E MAXIMILIAN SCHELL

Conhecida por seus desempenhos intensamente emocionais em melodramas da década de cinquenta, ela foi uma das maiores atrizes da Alemanha do pós-guerra.

Maria Schell

Após a anexação da Austria pela Alemanha Nazista, a família de Maria Schell (1926-2005) emigrou para a Suiça.  Nascida em Viena, depois de receber uma educação em Zurich e em um convento na Alsácia, a jovem frequentou um curso de treinamento comercial ao mesmo tempo em que recebia lições de arte dramática e de voz. Subsequentemente Maria apresentou-se em teatros de Viena e Berna. Fazendo o papel de Gretchen (Margarida) na peça “Fausto” de Goethe, participou de uma turnê com Albert Bassermann em 1950 e proporcionou ao público ótimas performances em vários países.

Maria em Steinbruch

Sua estréia no cinema foi em Steibruch / 1942, melodrama passado em uma aldeia suíça e seu primeiro avanço como atriz cinematográfica deu-se na saga familiar austríaca Der Engel mit der Posaune / 1948, percurso histórico de uma família de fabricantes de piano em Viena, dirigido por Karl Hartl e com Paula Wessely no elenco.

Durante a próxima década, Maria fez par frequentemente com astros masculinos como Dieter Borsche e O. W. Fisher em uma série de filmes românticos lacrimejantes tais como Minutos Decisivos / Dr. Hall / 1951, Tua Para Sempre / Bis wir uns wiederseh’n / 1952, Solange Du da Bist / 1953 e obteve reconhecimento internacional com seu papel como uma enfermeira no filme antiguerra de Helmut Kautner, A Ponte da Esperança / Die letze Brücke / 1954, que recebeu um prêmio no Festival de Cannes.

Maria e Curd Jurgens em Quando o Amor é Pecado

Maria e François Périer em Gervaise

Na adaptação de Robert Siodmak do drama naturalista de Gerhart Hauptmann Quando o Amor é Pecado / Die Ratten / 1955, Maria interpretou uma jovem mãe desesperada. Dois anos depois, no Festival de Veneza, ganhou um prêmio pelo seu papel-título na produção francesa Gervaise, a Flor do Lodo / Gervaise / 1956, baseado no romance clássico realista de Emile Zola, dirigida por René Clement.

Maria e Yul Brynner em Os Irmãos Karamazov

Contratada pela MGM, tornou-se estrela em Hollywood juntamente com Yul Brynner no filme Os Irmãos Karamazov / The Brothers Karamazov / 1957 (DIr: Richard Brooks). Ela contracenou também com Gary Cooper em A Árvore dos Enforcados / The Hanging Tree / 1959 (Dir: Delmer Daves) e com Glenn Ford em Cimarron / Cimarron / 1960 (Dir: Anthony Man, Charles Walters).

Maria e Gary Cooper em A Árvore dos Enforcados

Nos anos cinquenta Marie filmou na Grã-Bretanha, na França e na Itália e vou citar apenas os filmes mais importantes que ela fez nestes países: A Caixa Mágica / The Magic Box / 1951, interpretando a esposa do pioneiro do cinema William Freese-Greene (Robert Donat) e O Preço de uma Aventura / The Heart of the Matter / 1953, ao lado de Trevor Howard nesta adaptação do romance de Graham Greene. Na França, fez Napoleão / Napoléon / 1955 de Sacha Guitry (como a imperatriz Maria Luíza de Austria) e Uma Vida / Une Vie / 1958 de Alexandre Astruc, baseado no romance de Guy de Maupassant; A Desejada / Rose Bernd / 1957 de Wolfgang Staudte na Alemanha. Na Itália, atuou ao lado de Marcello Mastroianni e Jean Marais em Um Rosto na Noite / Le Notti Bianchi / 1957, de Luchino Visconti, versão para o cinema de um a novela de Dostoievski.

Maria e Mastroiani em Um Rosto na Noite

 Além de seus compromissos no cinema, Maria continuou sua carreira teatral e, a partir dos anos setenta, apareceu frequentemente em séries de televisão americanas e germânicas. No cinema fez ainda, entre outros, O Dossiê de Odessa / The Odessa File / 1974; A Viagem dos Condenados / Voyage of  the Damned / 1976,  Superman: o Filme / Superman / 1978.

Maximilian Schell

Desde o início dos anos sessenta, Maximilian Schell (1930-2014) equilibrou uma carreira dupla de sucesso como ator e diretor. Nascido em Viena, foi educado na Basileia, Suiça e estudou História da Arte em Zurich. Em 1953, apresentou -se como ator e diretor em Londres, Nova York e no Festival de Salzburg assim como em diversos teatros na Alemanha, incluindo um período com Gustaf Gründgens no Deutsches Schauspielhaus em Hamburgo, recebendo um elogio especial pelo seu “Hamlet”. O primeiro papel de Maximilian no cinema foi como um desertor no filme de Laszlo Benedk, Kinder, Mütter Und Ein General / 1954 e durante a próxima década ele frequentemente interpretava indivíduos intensos e assombrados. Maximilian ganhou reconhecimento internacional no drama da Primeira Grande Guerra de Helmut Kautner Ein Mädchen Aus Flandern / 1956 e logo em seguida como um oficial nazista ao lado de Marlon Brando e Montgomery Clift na sua primeira produção de Hollywood Os Deuses Vencidos / The Young Lions / 1958. Pelo seu desempenho como o ardente advogado de defesa dos quatro juízes nazistas em Julgamento em Nurenberg / Judgement at Nuremberg / 1961 ele ganhou o Oscar de Melhor Ator.

Maximilian em Kinder Mutter Und Ein General

Maximilian em O Julgamento de Nurenberg

Sua estréia diretorial foi em O Primeiro Amor / Erste Liebe / 1970, baseado numa novela de Ivan Turgueniev, seguindo-se, O Castelo / Das Schloss / 1968, baseado no livro de Kafka (exibido no Brasil numa sessão promovida pela Cinemateca do MAM) e O Pedestre / Der Fussgänger / 1973, ambos os filmes aclamados internacionalmente. O drama criminal Aposta Fatal / Der Richter und sein Henker / 1975, baseado em um romance de Friedrich Dürrenmatt e Contos dos Bosques de Viena / Geschichten aus dem Wienerwald / 1979, baseado na peça teatral de Ödön von Horváth confirmaram a reputação de Maximilian como diretor de boas adaptações literárias.Maximilian continuou a atuar em filmes de Hollywood e outras produções internacionais, especializando-se em personagens infames ou enigmáticos como, por exemplo, em O Dossiê de Odessa / The Odessa File / 1974 no qual trabalhou também sua irmã Maria e no drama de guerra Uma Ponte Longe Demais / A Bridge Too Far / 1977. Por sua interpretação como um criminoso de guerra nazista disfarçado de homem de negócios judeu em O Homem na Caixa de Vidro (na TV) / The Man In The Glass Booth / 1975 recebeu uma indicação para o Oscar de Melhor Ator. Ele foi indicado novamente pelo seu papel coadjuvante como um ativista anti-Nazi no filme Julia / Julia / 1977 de Fred Zinnemann.

Maximilian e Jane Fonda em Julia

Após passar anos tentando persuadir uma reclusa Marlene Dietrich a participar de Marlene / 1984, seu documentário biográfico sobre a estrela, Maximilian obteve seu consentimento; porém durante todo o filme parcialmente rodado no apartamento de Marlene em Paris, ela é ouvida, mas nunca vista exceto nas tomadas de arquivo.

A filmografia de Maximilian, tal como a de sua irmã, é muito extensa, de modo que vou continuar citando apenas mais alguns filmes importantes da carreira do ator:

Maximilian em Cruz de Ferro

James Mason, Harriett Andersson e Maximilian em Chamada para um Morto

O Santo Relutante / The Reluctant Saint / 1962; O Condenado de Altona / Sequestrati di Altona / 1962; Topkapi / Topkapi / 1964; De Volta das Cinzas / Return from the Ashers / 1964; Chamada para um Morto / The Deadly Affair / 1967; Simon Bolivar / Simón Bolívar / 1965; Cruz de Ferro / Cross of Iron / 1977; Atentado no Alabama / Morgen in Alabama /1984, seu primeiro trabalho como ator em um filme alemão em mais de vinte anos; a minissérie Pedro, o Grande / Peter the Great / 1986, na qual interpretou o grande czar da Rússia; Stalin / Stalin / 1992, ganhando o Golden Globe por seu papel como Lenin neste telefilme; Justiça / Justiz / 1993, assumindo os traços de  um funcionário público assassino ; Zwischen Rosen / 1997 como um sobrevivente de Auschwitz. Em 2002, ele voltou a dirigir, oferecendo para as telas Meine Schwester Maria, retrato terno de sua irmã idosa, em forma de documentário.

 

UMA COMÉDIA ROMÂNTICA IRRESISTÍVEL DO CINEMA MUDO

Passei o Natal assistindo Meu Único Amor / My Best Girl / 1927, comédia romântica deliciosa, estrelada pela minha atriz predileta do cinema silencioso: Mary Pickford.

Mary e as panelas

Dirigido por Sam Taylor e fotogrado por Charles Roscher, o filme tem algo a ver com a história de Cinderela.  Maggie Johnson (Mary Pickford), arrimo de uma família modesta e excêntrica – o pai (Lucien Littlefield), a mãe (Sunshine Hart), a irmã (Carmelita Geraghty), – trabalha numa grande loja de departamentos, onde se apaixona por Joe Grant (Charles “Buddy” Rogers), um novo empregado, sem saber que ele é na realidade, Joe Merrill, filho do milionário dono da loja (Hobart Bosworth), e está noivo de uma jovem da sociedade (Millicent Rogers). Quando Maggie fica sabendo da verdade, ela tenta convencer Joe deque sabia o tempo todo quem era ele e estava tentando seduzí-lo. As cenas de amor entre Mary Pickford e Charles Rogers são maravilhosas: belas, puras e comoventes. Os momentos cômicos têm um charme irresistível. Logo no início, Mary surge sobrecarregada de baldes, frigideiras e panelas. Ela deixa cair uma panela, apanha-a, deixa cair outra, e mais outra, até que, finalmente, enfia seu pé em uma das panelas, parra arraestá-la consigo. Quando está quase chegando aonde queria ir, sua anágua escorrega e cai no chão. Mary se livra dela e corre para o balcão da loja, para pensar no que vai fazer. Nesse ínterim, uma mulher aparece, vê a anágua, pensa que é dela, e a recoloca rapidamente no seu corpo.

Mary e “Buddy” namorando

 

Numa outra cena, “Buddy” acompanha Mary até sua casa. Ela o convida para entrar, mas antes de abrir a porta, ouve a discussão reinante entre seus familiares no interior da casa. Mary pede que “Buddy” aguarde um pouco na varanda, explicando aquele caos como um ensaio para um clube dramático. “Que lindo uniforme, você parece um policial”, ela diz para um guarda que chega atrás do namorado meio suspeito de sua irmã, fazendo crer a “Buddy”, que aquele é outro membro do grupo teatral que chegara para o “ensaio”.

Na grande cena em que Mary diz que estava enganando “Buddy”, para que ele possa se casar com a sua noiva, mostra a habilidade que Mary tinha – tal como Chaplin – de fazer o público rir e chorar ao mesmo tempo. Ela anda de modo afetado, lambuza seu rosto de batom, quase que se sufoca com com um cigarro que tenta fumar e dança um Charleston frenético, enfim, finge que é uma jovem desregrada. Porém Mary não consegue levar adiante esta farsa, cai em prantos e se pendura nos ombros de “Buddy”, dizendo: “Eu não sou uma garota má, Joe. Eu te amo, mas não posso me casar com você”.  Entretanto ela acaba se casando com “Buddy”, na tela e na vida real.

 

GÊNEROS NO CINEMA: O FILME BIOGRÁFICO

Um filme biográfico consagra a maior parte de seu propósito à evocação de um personagem célebre ou exemplar cuja existência é comprovada pela História ou pela atualidade. Sua legitimidade reside no fato de que ele evoca um personagem real.

Elisabeth, Rainha da Inglaterra

Em 1912 o sucesso de Elisabeth, Rainha da Inglaterra / La Reine Elizabeth, realizado no espírito do film d’art pela Histrionic Films em uma co-produção especial Franco-Anglo-Americana, dirigida por Henri Desfontaines e Louis Mercanton e interpretado por Sarah Bernhardt, estabeleceu a regra para o filme biográfico: um personagem célebre encarnado por um ator célebre. Distribuído na França pela Eclipse, o espetáculo focaliza exclusivamente o relacionamento entre Elizabeth (Sarah Bernhardt) e Essex (Lou Tellegen), que incita seu ciúme tendo um caso com a Condessa de Nottingham (Mlle Romain), cujo esposo, o Earl de Nottingham (Maxudian) o incrimina por meio de uma carta falsificada

Ana Bolena

No cinema silencioso foram feitos principalmente Ana Bolena / Anna Boleyn / 1920 de Ernest Lubitsch com Emil Jannings como Henrique VIII e Joana D’arc – A Donzela de Orleans / Joan the Woman / 1916 de Cecil B. DeMille com Geraldine Farrar e mais dois grandes filmes biográficos: Napoleão / Napoleon / 1927 de Abel Gance com Albert Dieudonné e O Martírio de Joana d’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc / 1928 de Carl Th. Dreyer com Maria Falconetti. Porém foi no cinema falado, nos anos trinta e quarenta, que o filme biográfico se desenvolveu.

A HIstória de Louis Pasteur

Nos Estados Unidos, na Warner Bros., William Dieterle filmou. A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur / 1936 sobre o grande cientista e sua notáveis descobertas das causas e prevenção de doenças; A Vida de Emile Zola / The Life of Emile Zola / 1939 sobre o combativo escritor francês e Juarez / Juarez / 1939 sobre o líder revolucionário mexicano, todos os filmes com Paul Muni no papel título  e A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich´s Magic Bullet / 1940 sobre Paul Ehrlich, o bacteriologista que descobriu a cura para a sífilis com Edward G.Robinson como o médico e cientista alemão.E não podemos esquecer a física e química polonesa Marie Curie, imortalizada por Greer Garson no fime da MGM, Madame Curie / Madame Curie / 1943.

Madame Curie

O bio-pic, ou seja, o biographical picture, se apegou aos personagens históricos os mais diversos: revoltosos como Pancho Villa (Wallace Beery) em Viva Villa! / Pancho Villa / 1934 ou foras-da-lei como Jesse James (Tyrone Power) em Jesse James / Jesse James / 1939; inventores como Thomas Alva Edison em Edison, o Mago da Luz / Edison, the Man / 1940 (Spencer Tracy) e O Jovem Thomas Edison / Young Tom Edison / 1940 (Mickey Rooney) ou Alexander Graham Bell (Don Ameche) em A Vida de Alexander Graham Bell / The Story of Alexander Graham Bell / 1939; políticos como Disraeli (George Arliss) em Disraeli / Disraeli / 1929 ou Abraham Lincoln (Henry Fonda) em A Mocidade de Lincoln / Young Mr. Lincoln / 1939; um escritor e filósofo iluminista como Voltaire (George Arliss) em Voltaire / Voltaire / 1933; rainhas como Cleopatra (Claudette Colbert) em Cleopatra / Cleopatra / 1933, Cristina da Suécia (Greta Garbo) em Rainha Cristina / Queen Cristina / 1933, Maria Antonieta  (Norma Shearer) em Maria AntonietaMarie Antoinette / 1938 ou Catarina, a Grande da Rússia (Marlene Dietrich) em A Imperatriz Vermelha / Scarlet Empress / 1944; esportistas como o boxeador James J. Corbett (Errol Flynn) em O Ídolo do Público / Gentleman Jim / 1942 ou o craque do basebol Lou Gehrig (Gary Cooper) em Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees / 1942; atores   famosos George M. Cohan (James Cagney) em A Canção da Vitória / Yankee, Doodle, Dandy / 1942 ou Al Jolson (Larry Parks) em Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946; famoso produtor teatral Florenz Ziegfeld Jr. (William Powell) em Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great  Ziegfeld / 1945; um poeta ladrão, ébrio e boêmio como François Villon (Ronald Colman) em Se Eu Fora Rei / If I Were King / 1938; heróis lendários do Oeste como George Armstrong Custer (Errol Flynn) em O Intrépido General Custer / They Died With Their Boots On / 1941 ou William F. Cody (Joel Mac Crea) em Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944; grandes compositores da música popular como Cole Porter (Cary Grant) em Canção Inesquecível / Night and Day / 1946 ou da música clássica como Frédéric Chopin (Cornel Wilde ) em A Noite Sonhamos / A Song to Remember / 1945; o soldado mais condecorado da Primeira Guerra Mundial, Alvin C.York (Gary Cooper) em Sargento York / Sergeant York / 1941; um criminoso perigoso do tempo da Grande Depressão como John Herbert Dillinger (Lawrence Tierney); as três irmãs Charlotte (Olivia de Havilland), Emily (Ida Lupino) e Anne  (Nancy Coleman) Brontë,  responsáveis por alguns do maiores clássicos da literatura inglesa em Devoção / Devotion / 1946 . Estes são apenas alguns filmes biográficos realizados na América do Norte nos anos trinta e quarenta. Eles continuam sendo feitos até os dias de hoje, mas não vou citar filmes dos anos seguintes para não fatigar os leitores e também porque foram essas décadas citadas as mais férteis na produção deste gênero de filme.

Rainha Cristina

O Ídolo do Pùblico

Dou somente alguns exemplos dos anos cinquenta, sessenta e setenta: Viva Zapata! / Viva Zapata! / 1951; Spartacus / Spartacus / 1960; FreudAlém da Alma / Freud / 1962; Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962; Cleopatra / Cleopatra / 1963; Patton – Rebelde ou Herói? / Patton / 1970; Valentino – O ídolo, o Homem / Valentino / 1977.

Oa Amores de Henrique VIII

Ivan, o Terrível

Camões

Outros países também produziram filmes biográficos nos decênios mencionados. Na Grã-Bretanha surgiram, por exemplo, Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933 com Charles Laughton; A Rainha Imortal / The Rise of Catherine the Great / 1934, com Elisabeth Bergner; Rembrandt / Rembrandt / 1936 com Charles Laughton; A Rainha Vitória / Victoria the Great / 1937 com Ana Neagle; Cristovão Colombo / Christopher Columbus / 1949 com Fredric March. Na França, Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1935 com Edwige Feuillère; Pasteur / Pasteur / 1935 com Sacha Guitry; Um Grande Amor de Beethoven / Un Grand Amour de Beethoven / 1936 com Harry Baur;  O Capelão das Galeras / Monsieur Vincent / 1947 com Pierre Fresnay; O Lanceiro Invencível / Du Guesclin / 1949 com Fernand Gravey. Na União Soviética, Cavaleiros de Ferro / Alexandre Nevski / 1938, Ivã, o Terrível / Ivan Groznyy / 1944 com Nikolai Cherkasov, e a trilogia de Gorki: A Infância de Gorki / Detstva Gorkogo / 1938 – Ganhando Meu Pão / V. lyudyakh / 1939 – Minhas universidades / Moi universitety / 1940 com Aleksey Lyarsky. Na Alemanha, Robert Koch / Robert Koch der Bekämfer des Todes / 1939 com Emil Jannings. Na Itália, Scipião, o Africano / Scipione l’ Africano / 1937 com Annibale Ninchi; Verdi / Giuseppe Verdi / 1938 com Fosco Giachetti. Em Portugal, Bocage / Bocage / 1936 com Raul de Carvalho e Camões / Camões / 1946 com Antonio Vilar. No México, Simón Bolivar / 1942 com Julian Soler e São Francisco de Assis / San Francisco de Asís / 1944 com José Luis Jiménez. No Brasil, em coprodução com Portugal, Vendaval Maravilhoso com Paulo Maurício como Castro Alves.

GEORGE BARNES, LUMINAR DA CÂMERA

Ele foi um diretor de fotografia bastante versátil, destacando-se em vários gêneros: melodramas (Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940), musicais (Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, westerns (Jesse James / Jesse James / 1939), ficção científica (A Guerra dos Mundos / The War of the Worlds / 1953), drama social (Legião Negra / Black Legion / 1937), filme noir (A Força do Mal / Force of Evil /1948). Igualmente eficiente em preto e branco (Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929) ou em cores (Sinbad, o Marujo / Sinbad the Sailor /1947), Barnes era procurado por grandes diretores como Alfred Hitchcock, Frank Capra, Cecil B. DeMille, e astros como Rudolph Valentino, Gloria Swanson, Ronald Colman.

George Barnes

Na era do cinema mudo, entre seus melhores trabalhos estavam Janice Meredith / Janice Meredith / 1924, drama da Guerra de Independência Americana no estilo de D.W. Griffith; O Filho do Sheik / The Son of the Sheik / 1926 com Rudolph Valentino, interiores suavemente iluminados e notável fotografia dos cavaleiros árabes no deserto; Beijo Ardente / The Winning of Barbara Worth / 1926, cujo ponto alto é uma sequência de inundação ainda hoje impressionante.

O Filho do Sheik

Em 1925 Barnes tornou-se o cameraman número um de Samuel Goldwyn com O Anjo das Trevas / The Dark Angel e seus recursos visuais requintados tornaram-se uma marca registrada dos filmes de deste produtor no final dos anos vinte e início dos anos trinta. Ele foi responsável pela fotografia dos filmes do importante par romântico do estúdio Ronald Colman e Vilma Banky (A Noite de Amor / The Night of Love / 1927, A Chama do Amor / The Magic Flame / 1927, Dois Amantes / Two Lovers / 1928).

Vilma Banky e Ronald Colman em Dois Amantes

O assistente de Barnes e eventual co-fotógrafo nos filmes de Goldwyn era Gregg Toland, que aprendeu cinematografia sob sua tutela. O trabalho posterior de Toland em O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights / 1939 e Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 mostra a influência de Barnes no refinamento da profundidade de campo, movimentos de câmera expressivos e iluminação impecável. Estas virtudes estão presentes nos trabalhos iniciais de Barnes-Toland. Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929 exemplifica a arte dos dois juntos. O filme tem um estilo fotográfico primoroso, conjugando travelings imaginativos com os cenários excêntricos de William Cameron Menzies, para criar uma festa visual.

Mulheres e Mùsica

Toland sucedeu a Barnes como cinegrafista principal de Goldwyn e Barnes se mudou para breves passagens na MGM e na Fox antes de se estabelecer na Warner. Nesta companhia fotografou 25 filmes entre 1933 e 1937. Ele deu uma aparência realista a filmes de mensagem como Massacre / Massacre / 1934, Legião Negra / Black Legion / 1937, Mulher Marcada / Marked Woman / 1937, mas era geralmente designado para musicais. Filmou um trio deles com aqueles números esplêndidamente coreografados por Busby Berkeley – Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, Mulheres e Música / Dames / 1934 e Mordedoras de 1935 / Gold Diggers of 1935, no qual se destacava a longa e magnífica sequência “Lullaby of Broadway” – e muitos outros.

Tyrone Power em Jesse James

Barnes deixou a Warner em 1938 e se viu muito requisitado. Jesse James / Jesse James / 1939 (co-fotografado com W. Howard Greene) foi uma grande mudança dos musicais, um western de Henry King filmado nas locações pitorescas do Missouri em technicolor deslumbrante. Barnes também fotografou a continuação, A Volta de Frank James / The Return of Frank James / 1940 também com a cor vibrante do Technicolor; porém o diretor Fritz Lang deu ao filme um tom mais sombrio, refletido nos interiores claustrofóbicos apanhados pela câmera de Barnes.

A Mansão de Manderley em Rebecca, a Mulher inesquecível

O trabalho de Barnes em 1940 foi impecável, recebendo um Oscar por Rebecca de Hitchcock, uma obra-prima de fotografia em preto e branco, sobressaindo o aspecto taciturno e agourento de Manderlay, a mansão do romance de Daphne du Maurier, forjado pelo jogo de luzes e sombras. Ele fotografou também Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945 para Hitchcock, famoso pela sequência de sonho surrealista desenhada por Salvador Dali. Jane Eyre / Jane Eyre / 1943 de Robert Stevenson provoca praticamente a mesma sensação sinistra de Rebecca, desta vez num ambiente do século dezenove.

Barbara Stanwyck, Gary Cooper e Walter Brennan em Adorável Vagabundo

Barnes forneceu uma visão mais sombria do que era normal nos filmes de Frank Capra para Adorável Vagabundo / Meet John Doe / 1941, mas os outros filmes de Capra que filmou, Nada Além de um Desejo / Riding High / 1950 e Orfãos da Tempestade / Here Comes the Groom / 1951 tinham por necessidade um tom mais claro. Nos filmes de Barnes para Leo McCarey Era uma Lua de Mel / Once Upon a Honeymoon / 1942, Os Sinos de Santa Maria / The Bell´s of St. Mary’s / 1945 e A Felicidade Bateu à Porta / Good Sam / 1948, sua função principal foi dar um tratamento glamouroso para os astros – Cary Grant e Ginger Rogers no primeiro filme, Ingrid Bergman e Bing Crosby no segundo filme e Gary Cooper e Ann Sheridan no terceiro filme. Bing Crosby ficou tão satisfeito com a fotografia de Barnes que insistiu em convocá-lo para seus filmes subsequentes.

Douglas Fairbanks Jnr., Anthony Quinn e Maureen O’´Hara em Sinbad, o Marujo

Barnes distinguiu-se também na fotografia em cores como, por exemplo, em Gaivota Negra / Frenchman´s Creek / 1944, O Pirata dos Sete Mares / The Spanish Main / 1945 e Sinbad o Marujo / Sinbad the Sailor / 1947. Nos seus filmes para Cecil B. DeMille, Sansão e Dalila / Samson and Delilah e O Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952.

Hedy Lamarr e Victor Mature em Sansão e Dalila

Por sua carreira longa e fecunda (da qual citei apenas alguns filmes) George Barnes foi aclamado entre os melhores diretores de fotografia na indústria de cinema americana. Na primeira entrega do Oscar em 1927-1928 ele recebeu três indicações para Melhor Fotografia (Sedução do Pecado / Sadie Thompson, O Bailarina Diabólica / Devil Dancer e A Chama do Amor / Magic Flame) e, além do Oscar recebido por Rebecca, foi ainda indicado na categoria de Melhor Fotografia, tanto em preto-e-branco (Garotas Modernas / Our Dancing Daughters, Quando Fala o Coração) como em cores (O Pirata dos Sete Mares, Sansão e Dalila).

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO – EM PAPEL

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO – EDIÇÃO EM PAPEL NO BRASIL

 

Informo aos meus leitores que a Amazon brasileira (amazon.com.br) acaba de disponibilizar meu novo livro também em papel pelo preço de R$71,29. E para que os interessados possam ter uma idéia mais clara do seu conteúdo, exponho a seguir o seu sumário.

 

SUMÁRIO

 

Introdução

Afro-americanos na Guerra

Indígenas norte-americanos na Guerra

Filipinos lutando pela América do Norte

Mulheres voluntárias

Mulheres enfermeiras

Mulheres nas Forças Armadas

Mulheres na Cruz Vermelha

Mulheres na indústria de guerra

Crise de habitação

Rosie The Riveter

Mulheres no lar

Escassez de alimentos – racionamento

Empreendimentos durante a Guerra

Variedade de diversões durante os tempos de guerra

Mulheres na agricultura

Casamentos

A esposa que espera

Camp Followers

Readaptação dos soldados à vida civil

Famílias desesperadas ou enlutadas

Encontro com Beverly

Estrelas na venda de bônus

Hollywood Victory Caravan e Stars Over America

Stage Door Canteens

USO Tours

Bandas Femininas

Pinups e comics

Filmes de propaganda

Desenhos animados no esforço de guerra

Aproximação com a América Latina

Orson Welles no Brasil

John Ford no Brasil

Office of War Information

Office of Censorship

Filmes de treinamento

Signal Corps Photograhic Center

Frank Capra – Série Why We Fight

Filmes documentários

Guerra pelo rádio

Astros nas Forças Armadas

Discriminação sexual e de gênero e drag shows

Espiãs

Tokio Rose

Campos de concentração na América do Norte

Hostilidade racial contra hispânicos

Prisioneiros de guerra nazistas na América do Norte

Repórteres e fotógrafas

V-Mail

Prostitutas e Victory Girls

Aviadores isolacionistas

O desafio do combate

Feridos e desertores

The Army Service Forces

Guerra sem misericórdia

Militares norte-americanos na Grã-Bretanha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARL DREYER E SUA OBRA PRIMA

Nascido em Copenhagen em 1889, ele foi incialmente jornalista. Em 1912 abordou o cinema como roteirista e se tornou diretor em 1920.  Cidadão de uma pequena nação, com possibilidades de produção forçosamente reduzidas, trabalhou em cinco países e só realizou em 36 anos, apenas 13 filmes. Mas é um dos grandes nomes do cinema. 1920: Praesidenten (Dinamarca). 1921: Blade af Satan Bog (Dinamarca); Prästänkan (Suécia).1922:  Die Gezeichneten (Alemanha); Der var engang (Dinamarca). 1924: Mikael (Alemanha). 1925: Du skal aere din hustru  (Dinamarca). 1926: Glomsdalesbreden (Noruega).1928: O Martírio de Joana d’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc (França).1931: Vampyr (França). 1940: Vredens Dag (Dinamarca). 1945: Tva (Suécia). 1955: Ordet (Dinamarca). 1964: Gertrud (Dinamarca). O Martírio de Joana d’Arc foi o único filme de Dreyer exibido comercialmente no Brasil. Os títulos em português dos filmes de Dreyer (além daquele com Falconetti) que aparecem em alguns sites ou trabalhos sobre a obra de Dreyer, são de cópias lançadas em dvd ou traduções ao pé da letra para esclarecer o título original para os leitores.

Carl Dreyer

Premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza Ordet é uma adaptação da peça de Kaj Munk, pastor e autor dramático muito conhecido nos países escandinavos, morto pelos alemães em 1944. Em Borgensgard na Jutlândia, Morten Borgen e seus dois filhos, Anders e Mikkel, partem à procura de Johannes, o terceiro filho. Eles o encontram no topo da duna mais alta, indignado e entristecido com a pouca fé que os homens manifestam com relação a ele, Jesus. Foi depois que estudou a teologia de Kierkegaard que Johannes enlouqueceu, achando que é o filho de Deus. Seu pai desejava que ele se tornasse o reanimador da fé na região. O filho mais velho, Mikkel, por sua vez, perdeu a fé. Sua esposa Inger, mãe de duas meninas, e atualmente grávida, diz que isto não tem importância porque ele tem a fé do coração, da bondade, que é a essencial. “Mikkel traz Deus no seu coração”, ela diz. Inge intercede junto ao velho Morten para que ele permita que seu filho mais novo, Anders, se case com Anna, a filha do alfaiate Petersen. Morten recusa obstinadamente este matrimônio porque o alfaiate pertence a uma seita protestante diferente da sua e pela qual só tem desprezo e repugnância. Ao saber desta recusa, Morten fica furioso e decide ir ele mesmo pedir a mão de Anne para seu filho. Ele lhe diz que suas divergências religiosas não devem ser um obstáculo à felicidade de seus filhos. Diante da teimosia do alfaiate, ele bate nele e vai embora. Durante sua ausência, MIkkel teve que chamar o médico para ajudar a parteira. A criança que Inge carregava nascerá morta. O doutor, que representa o ateismo completo, um positivista que só acredita nos milagres que a ciência lhe ensinou, só consegue dizer para Mikkel: “Lembre-se Mikkel, mesmo a dor pode ser bela”. Depois se retira, certo de que ao menos salvou a mãe.

Johannes nas dunas

Alguns instantes após sua partida, como havia previsto Johannes, Inger morre. Na noite seguinte, Johannes desaparece, deixando como mensagem uma citação bíblica: “Eu me vou, e vós me procurareis. Mas para onde eu vou, não podeis ir.” O corpo de Inger foi colocado num caixão.  O pastor faz seu sermão. O alfaiate vem à casa de Morten e se reconcilia com ele. Ele dá sua filha em casamento para Anders. Johannes reaparece. Ele parece ter recuperado a razão. “Nenhum de vós pensou em orar a Deus para devolvê-la a vocês?”, pergunta ele a toda a família reunida em desespero em torno de Inger. A menininha pede a Johannes de se apressar a acordar a mãe dela. Ele pronuncia então as palavras que ressuscitam a morta. Inger descruza os dedos e abre os olhos. Seu marido Mikkel se inclina sobre ela: ele reencontrou a fé. Anders coloca o pêndulo do relógio em marcha. A vida começa para nós”, diz Mikkel à sua esposa. “A vida, sim, a vida”, diz Inger.

Inger no caixão

A gandeza artística de Ordet provém, como sempre ocorre nas verdadeiras obras-primas, da conjunção harmoniosa entre a forma e o contéudo, bem como do perfeito domínio da técnica e da manifestação de um estilo personalíssimo. Com relação ao contéudo, o que Dreyer pretende transmitir ao espectador é a possibilidade da intervenção divina no mundo material e mostrar como o dom da fé pode fazer um milagre. E a fé, como diz Dreyer, só é possível quando você é bom e tem capacidade de amar concretamente as pessoas. Numa cena do filme a Inger diz para o incrédulo Mikkel: “você tem coração, bondade” e por isso a fé lhe será concedida”. Um outro tema do filme é o tema da intolerância, o choque entre os fundamentalistas da religião organizada e aqueles que têm uma fé individual não comprometida bem como as diferenças religiosas entre os dois patriarcas, Borgen e Peter, que representam, além de um orgulho camponês teimoso, a rivalidade entre suas famílias de distinta posição econômica.

Johannes e a menina

Mas eu gostaria de destacar as duas grandes questões do filme: a do milagre e a da identidade de Johannes. Pode parecer estranho que a Palavra de Deus seja confiada a um louco, mas fica claro no filme que, ao fazer o milagre, ele já havia se curado e, de qualquer forma, ele é um personagem simbólico. No momento do milagre, é como se ele estivesse deixando o Cristo agir através dele.  Ou seja, é como se o Cristo estivesse em Johannes. Já quanto ao milagre, Dreyer mostra um milagre real, autêntico. As pessoas que assistem à ressurreição de Inger, verificam com seus próprios olhos que a morta voltou à vida e que não se trata de fantasia de um louco ou de uma criança. E também funciona como um símbolo. Ele está ali para estabelecer a presença de Deus como o havia feito a morte inesperada de Inger. E a ressurreição física de Inger é um sinal de uma ressurreição moral. Com o choque da morte, os protagonistas de Ordet recobram a lucidez e se reconciliam no amor. Enfim, a “ressurreição” de um corpo é precedida de uma “ressurreição das consciências”. Porque a Palavra Divina, o Verbo, só pode se incarnar no amor, e então é capaz de vencer a morte. Já a menina significa a necessidade de se tornar uma criança para adquirir esta pureza para a qual o sobrenatural parece um prolongamento do natural.

Beleza pictórica de Ordet

No que diz respeito à forma, a gente não pode de deixar de apreciar a beleza das imagens, a perfeição dos enquadramentos e a iluminação estilizada, que fazem de cada cena um quadro de mestre bem como os planos longos e as panorâmicas lentas, que dão um tom solene à narrativa. Esta maestria, esta habilidade de Dreyer é ainda mais extraordinária porque ela se exerce na simplicidade, no despojamento, no rigor, na ordem, que são próprios do seu estilo. A última cena de Ordet com as paredes brancas, as janelas ensolaradas, os personagens negros em volta de um caixão, os círios acesos, parece ter sido composta pelo olho de um pintor.

FANTÔMAS

 

Este personagem de criminoso deveria se chamar Fantômus e se tornou Fantômas devido a um erro. Inspirado pelo bando Bonnot, organização anarquista que atuou entre os anos de 1911e 1912 em uma série de ações criminosas na França, ele apareceu em 1911 nos cartazes em todos os muros de Paris, silhueta negra e inquietante, lançado pelo editor Arthème Fayard e depois pelos filmes da Gaumont. Dois jornalistas, Pierre Souvestre e seu colaborador Marcel Allain, contaram durante três anos, em 32 volumes, as façanhas sinistras de Fantômas, prodígio do mal, caçado pelo inspetor Juve e pelo jornalista Fandor.

O cinema popularizou Fantômas. Feuillade filmou cinco episódios entre 1913 e 1914 com René Navarre como o gênio do crime. Neste seriado francês os espectadores foram irresistivelmente atraídos de volta semana após semana, para ver quais eventos imprevisíveis ocorreriam e se o inspetor Juve conseguiria capturá-lo. O inspetor Juve era interpretado pelo ator Edmund Bréon, Fandor por Georges Melchior e René Carl era Lady Beltham, a amante de Fantômas. O seriado foi exibido com muito sucesso, inclusive no Brasil. De fato, este arquicriminoso foi tão popular, que Appolinaire e seu círculo de literatos até formaram um clube especial em sua homenagem, “Societé des Amis de Fantômas”.

Fantômas de Louis Feuillade

No início de 1913, tanto Pathé como Gaumont, se aproximaram dos escritores Allain e Souvestre a fim de obter permissão para adaptar Fantômas para a tela e Gaumont ganhou por uma quantia considerável. Então foram Louis Feuillade e seu cinegrafista Georges Guérin que tiveram a chance de fazer o primeiro episódio do seriado sobre Fantômas, lançado em 1913, e os quatro episódios que se seguiram: Juve contre Fantômas, Le mort qui tue, Fantômas contre Fantômas e Le faux magistrat.

Em 1921, Fantomas (assim mesmo, sem o acento circunflexo) voltou em outro seriado, desta vez produzido pela Fox, dirigido por Edward Sedgwick e com vinte episódios de dois rolos cada. No entrecho, Fantomas (Edward Roseman) é um supercriminoso especialista em disfarces. Quando sua oferta à polícia de desistir de sua carreira criminosa em troca de anistia é rejeitada, jura vingança e dá início a uma nova onda de crimes. Ele rapta o professor Harrington (Lionel Adams) para consternação da filha dele, Ruth (Edna Murphy), do noivo dela, Jack (Johnnie Walker), e do inimigo número um do bandido, o detetive Frank Dixon (John Willard). O seriado foi exibido no Brasil com o título de Fantomas.

Fantomas de Paul Féjos

Em 1932 o personagem ressurgiu no filme Fantômas, dirigido por Paul Féjos, com Jean Galland no papel do criminoso, Thomy Bourdelle como Juve e Tania Fédor como Lady Beltham. No enredo, a marquesa de Langrune (Marie-Laure) recebe seus convidados no seu castelo.  Entre eles está Lord Beltham (Jean Worms), que lhe traz uma quantidade de dinheiro significativa. A marquesa é assassinada. O inspetor Juve está certo de que o crime foi cometido por Fantômas. Duas testemunhas são mortas, mas mesmo assim Juve desmascara o personagem misterioso. Porém, ajudado por uma mulher, Fantômas escapa mais uma vez ao castigo.

Marcel Herrand foi o melhor Fantomas na versão de Jean Sacha, Fantomas / Fantomas / 1946. Desta vez as núpcias perturbadas do jornalista Fandor (André Le Gall) e de Héléne (Simone Signoret), filha de Fantômas, causam a ação do policial Juve (Alexandre Rignault) e as reações do bandido invencível. Perseguições, emboscadas, brigas, capturas se sucedem até um fim em ponto de interrogação. Marcel Herrand compõe um Fantomas sarcástico e sinistro como tinha que ser e André Le Gall interpreta o jornalista impetuoso e esportivo com facilidade.

Em Fantomas contre Fantomas / 1948 (Dir: Robert Vernay) Maurice Teynac fez o papel de Fantomas, Yves Furet é Fandor, Alexandre Rignault é Juve e, mais uma vez, Juve e Fandor tentam descobrir quem é Fantomas, cujos crimes aterrorizam novamente Paris. O suspeito é um tal de Bréval (Aimé Clariond), médico dado como morto há muito tempo, mas ele apenas se faz passar pelo criminoso.

Nos anos sessenta foi a vez de André Hunebelle fazer três filmes, estes já em tom de paródia, todos interpretados pela trinca Jean Marais (Fantomas), Louis de Funès (Juve) e Mylene Démongeot (Héléne).

Jean Marais como Fantômas

No primeiro filme, Fantomas / Fantomas / 1964, o comissário Juve e o jornalista Fandor não acreditam na existência do personagem que se autodenomina Fantômas e que conseguiu a espalhar o pânico no meio da sociedade. Mas vão mudar de idéia rapidamente quando se encontrarem em face da realidade: Fantômas, com  seu rosto azulado, comete seus delitos sob diferentes identidades graças a máscaras de látex fabricadas no seu laboratório; é assim que se fará passar pelo jornalista Fandor e pelo comissário Juve, que serão sucessivamente presos.

Louis des Funès e Jean Marais

No segundo filme, A Volta de Fantomas / Fantômas se Déchaine / 1965, enquanto o comissário Juve acaba de ser condecorado com a Legion d’honneur como recompensa de sua luta eficaz contra Fantômas, descobrímos no mesmo instante que este acabou de sequestrar um inventor de uma arma aterrorizante. Desta vez o comissário Juve vai revisar seus métodos e utilizar “artefatos” de sua invenção tentar prender Fantômas. Porém o vilão desaparecerá de novo no seu “carro voador”.

No terceiro filme, O Fantasma contra a Scotland Yard / Fantômas Contre Scotland Yard / 1966, Fantômas decide cobrar um imposto sobre o direito de viver. Aqueles sujeitos a esta taxa serão os ricos e os bandidos. O comissário Juve, Fandor e sua noiva se encontram desta vez na Escócia no castelo em que reside uma das próximas vítimas. Desde sua chegada, o comissário Juve é ridicularizado por Fantômas que coloca enforcados e cadáveres no seu quarto. Porém Juve mantém seu objetivo: capturar Fantômas. Desmascarado por Fandor, o criminoso consegue se evadir mais uma vez no seu foguete, aproveitando-se de um erro de Juve.

Em 1980, Claude Chabrol, um dos fundadores da nouvelle vague e Juan-Luis Buñuel, filho do grande cineasta espanhol, resolveram ressuscitar numa minissérie de televisão, o gênio do crime. Fantômas é interpretado pelo ator alemão Helmut Berger, o inspetor Juve por Jacques Dufilho, o jornalista Fandor por Pierre Malet, Lady Beltham tem os traços da bela Gayle Hunnicut e parece que há fidelidade aos romances originais e capricho na reconstituição de época. Chabrol resumiu assim a figura de Fantômas: “Ele é a encarnação do mal e, no fundo, um personagem metafísico”. Sobretudo tremendamente popular, diria eu.

EDWIGE FEUILLÈRE

Seu lema era: superar-se a si mesma. Perfeccionista, ela considerava cada papel como um trampolim que a impulsionaria cada vez mais alto. Foi assim que ela se tornou uma grande atriz do cinema e do teatro.

Edwige Feuillère

Edwige Louise Caroline Cunati (1907-1998) nasceu em Vesoul, capital do Alto Sona, departamento da França localizado na região Borgonha-Franco-Condado. Aluna do Conservatório de Arte Dramática de Dijon, obteve um primeiro prêmio de comédia e de tragédia em julho de 1928.  Estreou na Comédie Française em 3 de julho de 1931 na peça Le Mariage de Figaro de Beaumarchais no papel de Suzanne, penetrando no mundo encantado do espetáculo pela grande porta.

No dia 24 de dezembro de 1929 casou-se com Pierre Feuillère, do qual manteve o nome ao longo de sua carreira após seu divórcio em 4 de março de 1936. Necessitando ganhar a vida, ela entrou sorrateiramente no Théâtre du Palais Royal, templo do vaudeville, no elenco de uma peça de Yves Mirande: L’ Attaché. Depois, aqui e ali, escondeu-se sob o pseudônimo de Cora Lynn e o conservou quando o cinema a incorporou entre os figurantes de Mam’zelle Nitouche / 1931, opereta de Hervé, levada à tela por Marc Allégret; em La Fine Combine /1931, curta-metragem no qual apareceu também Fernandel; e Le Cordon Bleu / 1931, comédia de Karl Anton baseada em peça de teatro de Tristan Bernard.

Edwige e Louis Jouvet em Topaze

Sob direção de Louis Gasnier, já como Edwige Feuillère, interpretou em Topaze / 1932 a inebriante Suzy Courtois, ao lado de Louis Jouvet (Topaze), nesta adaptação da peça de Marcel Pagnol. Foi seu primeiro trabalho importante que pude assistir da sua longa carreira. No mesmo ano, ela atuou em três filmes de Karl Anton (as comédias Monsieur Albert, Onde Está Minha Mulher / Une Petite Femme dans le Train, Maquillage) e o drama La Perle de René Guissart. Em 1933, foi uma espiã alemã em Matricule 33 de Karl Anton e depois uma rainha marota em Les Aventures du Roi Pausole, ilustração cinematográfica do romance de Pierre Loüys, dirigida por Alexis Granowsky. No ano de 1934, aparece em Ces Messieurs de la Santé de Pierre Colombier, cujo astro era Raimu e estrela um filme de baixo orçamento, La Voix du Metal, rejeitado pelo próprio diretor, Youly Marca-Rosa.

Sua carreira se alarga quando se apresenta em quatro versões franco-alemãs: Toi que J’adore (Dir: Albert Valentin) – Ich k’enn Dich und liebe Dich / 1933 (Dir: Geza von Bolvary); Le Miroir aux Alouettes (Dir: Roger Le Bon) – Lockvogel / 1934 (Dir: Hans Steinhoff; Stradivarius (Dir: Albert Valentin) – Stradivari / 1935 (Dir: Geza von Bolvary)) e Barcarrolle (DIr: Roger Le Bon) – Barcarole / 1935 (Dir: Gerhard Lamprecht). Na Itália ela estava na versão francesa La Route Heureuse / 1935 de Georges Lacombe e na versão italiana do mesmo assunto Amore / 1935 de Carlo Bragaglia.

Cena de Lucrécia Borgia

Ainda em 1935, Julien Duvivier lhe atribui o papel decorativo de Claudia Procula, a mulher de Pôncio Pilatos em O Mártir do Gólgota / Golgotha, aparição rápida trocando réplicas com Jean Gabin (Pilatos). Mais interessante foi sua composição de Lucrécia Borgia no filme Lucrèce Borgia, dirigido por Abel Gance, que assistí em 1952 no antigo Cinema Ipanema na Pça. General Osório do Rio de Janeiro. O filme me marcou mais por causa de um detalhe: presenciei, aos 14 anos de idade (não sei como me deixaram entrar, pois o filme era proibido para menores de dezoito anos) o famoso nú frontal de Edwige, que causou escândalo na época.

Em 1935 ela participou também de La Route Heureuse com Claude Dauphin no outro papel principal (Dir: Georges Lacombe) e em 1936 estava ao lado de Louis Jouvet em Mister Flow (Dir: Robert Siodmak). Em 1937, seus filmes foram: Marthe Richard au Service de La France (Dir: Raymond Bernard), reconstituição fantasiosa da vida da espiã francesa Marthe Betenfeld (E. Feuillère) durante a Primeira Guerra Mundial, focalizando suas relações cm o chefe da contraespionagem alemã (Erich von Stroheim); La Dame de Malaca contracenando com Pierre Richard-Willm (Dir: Marc Allégret) e Feu! dividindo o estrelato com Victor Francen (Dir: Jacques de Baroncelli).

Edwige e Von Stroheim em Marthe Richard

Edwige em J’étais une Aventurière

Gostei muito de Marthe Richard au Service de la France mas, na minha opinião, foi em 1938 que emergiu o melhor filme de Edwige, incontestável sucesso de Raymond Bernard: J’étais une Aventurière, comédia romântica que não fica nada a dever às comédias sofisticadas americanas, construída em torno de uma condessa russa, Véra Vronsky, que usa sua beleza e seu charme para seduzir os homens ricos e depois caloteá-los com a ajuda de dois cúmplices, mas também para acalmá-los, depois que eles percebem que foram enganados. Porém Vera se apaixona por uma de suas vítimas e … (obviamente não vou contar o que se segue) O filme tem um ritmo fluente, leveza, boas surpresas e alguns toques lubitschteanos, constituindo-se num espetáculo delicioso. Em 1939, Edwige fez Sem Amanhã / Sans Lendemain, dirigido por Max Ophuls e, no ano seguinte, submeteu-se de novo às suas ordens em De Mayerling a Serajevo / De Mayerling à Serajévo.

Gérard Philipe e Edwige em O Idiota

Nos anos quarenta, cinquenta e sessenta, após um breve retorno ao teatro na peça La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas Fils, formando com Pierre Richard-Willm a dupla Marguerite Gauthier e Armand Duval, Edwige esteve em: Mam’zelle Bonaparte / 1941 (Dir: Maurice Tourneur); La Duchesse de Langeais / 1941 (Dir: Jacques de Baroncelli); L’Honorable Catherine / 1942 (Dir: Marcel l´Herbier); Lucrèce / 1943 (Dir: Leo Joannon); La Part de l’ombre / 1945 (Dir: Jean Delannoy); Tant que je vivrai / 1945 (Dir: Jacques de Baroncelli); O Idiota / L’ Idiot / 1945 (Dir: Georges Lampin); Águia de Duas Cabeças / L’ Aigle à deux têtes / 1947 (Dir: Jean Cocteau); O Inimigo das Mulheres / Woman Hater / 1948 (Dir: Terence Young); Conflitos de uma Vida / Julie de Carneilhan / 1949 (Dir: Jacques Manuel); Lembranças do Pecado / Souvenirs Perdus / 1950, filme em esquetes (Dir: Christian-Jaque); Olivia / Olivia / 1950 (Dir: Jacqueline Audry); Le Cap de l’éspérance / 1951 (Dir: Raymond Bernard); Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque);  Amor de Outono / Le Blé em Herbe / 1954 (Dir: Christian-Jaque); Frutos do Verão / Les Fruits de l’été (Dir: Raymond Bernard); Segredos de uma Aventureira / Le Septième Commandement / 1957 (Dir: Raymond Bernard); Uma Tal Condessa / Quand la Femme s’en Mêle / 1957 (Dir: Yves Allégret); Amar é minha Profissão / Em Cas de Malheur / 1958 (Dir: Claude Autant Lara); A Mentira do Amor / La Vie a Deux / 1958 (Dir: Clément Duhor); Amores Célebres / Amours Célébres / 1961 (Dir. Michel Boisrond) no segmento Les Comédiennes; Le crime ne paie pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); Aimez-vous les femmes? / 1964 (Dir: Jean Léon); La bonne occase / 1965 (Dir: Michel Drach); Desculpe, Façamos o Amor / Facciamo Amore? /1968 (Dir: Vittorio Caprioli).

Edwige e Jean Marais em Águia de Duas Cabeças

Em toda esta longa fase da carreira de Edwige Feullière o filme que mais me encantou foi O Idiota. Ela brilhou nas cenas de grande impacto, como aquela em que joga os cem rublos na lareira diante dos convidados atônitos, após relembrar incidentes de sua vida infeliz.

Nos anos setenta ainda estava nas telas:  Verão de Fogo / OSS 117 Prend des Vacances / 1970 (Dir: Pierre Kalfon); Le Clair de Terre / 1970 (Dir:  Guy Giles); A Marca da Orquídea / Flesh of the Orchid / 1975 (Dir: Patrick Chéreau). E durante todos estes anos não deixou de trabalhar na televisão e no teatro

Em 8 de novembro de 1998, ao saber da morte de Jean Marais, seu parceiro em Águia de Duas Cabeças, Edwige sofreu um ataque cardíaco. Ela faleceu em 13 de novembro, dia do funeral dele.