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WILLI FORST

Wilhelm Anton Frohs (1903-1980) Viena (Austria-Hungria) foi um produtor, roteirista, cantor, galã elegante muito querido pelo público de língua germânica dos anos 1930 – 1940 e um diretor muito respeitado de filmes de entretenimento bem-feitos, agradáveis e espirituosos no gênero vienense conhecido como Wiener Film (combinação de comédia, romance e melodrama em um cenário histórico, mais assídua e tipicamente a a alta sociedade da Viena do século XIX e começo do século XX).

Willi Forst

Forst passou vários anos em palcos provincianos antes de aparecer em operetas e teatros de revistas em Berlim e Viena a partir de 1925. Ele fez sua estréia na tela no filme de Hans Otto Löwenstein, Der Letzte Knopf / 1919, mas empreendeu um trabalho regular no cinema somente depois de 1927. Seu primeiro papel importante foi como um batedor de carteiras ao lado de Marlene Dietrich em Café Elektric / 1927, ela como a filha de um rico industrial que se apaixona por ele.

Marlene Dietrich e Willi Forst em Cafe Elektric

Entretanto, Forst se destacou particularmente no primeiro filme germânico todo-falado, Atlantic / Atlantik / 1929, realizado por E. A. Dupont. Depois disso, ascendeu ao status de astro com uma série papéis principais em comédias musicais inclusive sete filmes dirigidos por Géza von Bolváry (1930 – Der Herr auf Bestellung; Das Lied ist aus; Ein Tango für Dich; Dois Corações ao Compasso de Valsa / Zwei Herzen im Dreiviertel -Takt; Petit Officier … Adieu! 1931 – Die lustigen Weiber von Wien; O Mistério da Gioconda / Der Raub der Mona Lisa / 1931); Ein Blonder Traum de Paul Martin e Der Prinz Von Arkadien de Karl Hart, ambos de 1932.

Hans Jaray e Martha Eggerth em Sinfonia Inacabada

Seguiu-se a carreira de Forst como roteirista e diretor com a cinebiografia de Franz Schubert, Sinfonia Inacabada / Leise Flehen Meine Lieder / 1933 (tendo com artistas principais Martha Eggerth e Hans Jaray e usufruíndo da colaboração do grande roteirista Walter Reisch), espetáculo de grande sucesso aqui no Brasil, bastando dizer que no Rio de Janeiro ficou 20 semanas em cartaz, lançado primeiramente no Cinema Alhambra, passando depois para o Cine Glória e outras salas.

Paula Wessely e Adolph Wolbrück em Mascarada

O filme subsequente de Forst, a opereta Mascarada / Maskerade / 1934, também com a participação de Walter Reisch na elaboração do roteiro e magnificamente fotografado por Franz Planer, fez de Paula Wessely uma estrela e contou com uma Olga Tschechowa esplêndida enquanto Pola Negri retornava para a Alemanha, após uma década em Hollywood, para atuar no seu outro grande espetáculo, Mazurka / Mazurka / 1935.

Pola Negri em Mazurka

Em 1936, ele fundou sua própria companhia, Willi Forst – Film Produktion em Viena e, após a unificação da Austria com o Reich, atuou no Conselho de Administração na Wien Film GmbH de 1938 a 1945. Ainda em 1936, dirigiu e produziu entre outros, Allotria / Allotria e Intriga e Amor / Burgtheater, mas seu maior sucesso durante estes anos como diretor foi Quatro Mulheres é Demais / Bel Ami / 1939, adaptação do romance de Guy de Maupassant, na qual trabalhou também como ator. Nos anos quarenta, sobressaíram Operette / 1940 e Wiener -Blut / 1942.

Adolph Wohlbrück e Jenny Jugo em Allotria

Willi Forst e Maria Holst em Operette

Willy Fritsch e Maria Holst em Wiener Blut

Em 1950, dirigiu o “sucesso de escândalo”, Die Sünderin, que enfrentou proibições e boicotes por conta de suas ruminações de suicídio e um plano curto de Hildegard Kneff nua. De outro modo, os filmes de Forst do pós-guerra não se distinguiram sob nenhum aspecto e ele se retirou da indústria do cinema em 1957, depois de ter realizado Wien, Du Stadt Meiner Träume. Em 1968, recebeu o “Filmband in Gold” pelo conjunto da obra por sua contribuição marcante para o cinema alemão.

Conheço apenas seis filmes de Willi Forst (inclusive os seus três mais famosos, Sinfonia Inacabada, Mascarada, Mazurka, Bel Ami) e, entre eles, o meu favorito é o segundo, razão pela qual encerro este artigo falando um pouco sobre esta sua obra-prima.

Na Viena da virada-do-século, Anita Keller (Olga Tschechowa), noiva do maestro Paul Harrandt (Walter Jansen), ganha um regalo de chinchila em uma rifa realizada em um baile de carnaval. Ainda apaixonada pelo pintor Ferdinand von Heideneck (Adolph Wohlbrück), ela se encontra com ele na festa, fica irritada pelo fato de não ser correspondida e esquece seu regalo numa mesa. Sua cunhada Gerda (Hilde von Stolz), casada com o cirurgião Dr. Carl Harrandt (Peter Petersen), visita o estúdio de Ferdinand à noite e se deixa retratar por ele vestindo apenas o regalo e uma máscara de carnaval. Acidentalmente, o mencionado retrato acaba entre os desenhos enviados para um jornal e, desde que, precisamente, Gerda é casada, surge o risco de um escândalo. Quando o irmão de Paul, Karl vê o retrato, ele imediatamente suspeita de uma impropriedade por parte de sua futura cunhada e insiste que Paul investigue o assunto. Embora Paul não acredite que Anita seja a modelo do retrato, ele vai à procura de Ferdinand. O artista confirma que Anita não posou para ele, porém se recusa a dizer quem foi sua modelo. Paul acredita em Fritz e pede que ele invente um nome falso para a mulher retratada, com a finalidade de pôr um fim nas suspeitas de Carl. Ferdinand então inventa um nome imaginário para o modelo que posara para ele – Fräulein Dur. Pena que, na realidade, exista uma moça com este nome. Chama-se Leopoldine Dur (Paula Wessely) e é a criada de uma condessa, e todos a chamam de de “Poldy”. A partir daí, as coisas se complicam cada vez mais.

William Powell e LUise Rainier em Flirt

Mascarada é um Wiener Film típico com sua história passada no mundo aristocrático, seu esplendor cenográfico, seus trajes, sua música (no teatro ouvimos a voz de Enrico Caruso cantando o Rigoletto de Verdi) e, desta vez, Reisch e Forst quiseram dar à coisa toda um toque diferente, apontando o dedo para uma sociedade hipócrita e decadente. Reisch fugiria da anexação da Austria pela Alemanha Nazista para se tornar um roteirista ganhador do Oscar em Hollywood (além de três indicações) trabalhando na MGM e na 20thCentury-Fox. Em 1935, a MGM produziu Escapade, refilmagem de Mascarada, sob direção de Robert Z. Leonard com William Powell (Ferdinand), Luise Rainer (“Poldy”), Mady Christians (Anita) e Virginia Bruce (Gerda). Esta versão foi exibida no Brasil com o título em português de Flirt.

RAMON NOVARRO

Ele foi um dos atores mais populares dos anos vinte e início dos anos trinta e o primeiro grande astro latino-americano de Hollywood. Regiamente pago pela Metro, adorado pelas fãs de todo o mundo, sua popularidade no Brasil entre o público feminino era imensa, tendo sido aclamado pela imprensa como “o príncipe do romance”.

Em Beyond Paradise – The Life of Ramon Novarro (Ed. St. Martin´s Press, 2002) André Soares nos ofereceu o registro definitivo sobre a trajetória artística e a vida íntima de seu famoso biografado até a sua morte trágica. De modo que, neste artigo, vou apenas reproduzir a filmografia de Ramon elaborada por Soares acrescentando os títulos em português, apontar aqueles que considero seus melhores filmes e fornecer mais alguma informação sobre o artista ou os filmes dos quais participou.

Ramon Novarro

José Ramón Gil Samaniego (1899-1968) nasceu em Durango, México. Ele apareceu na tela pela primeira vez como um bandido mexicano no filme Nas Garras do Jaguar ou Nas Garras to Tigre / The Jaguar´s Claws / 1917, seguindo-se mais oito presenças breves em outras produções: 1917 – A Mulher Que Deus Esqueceu / The Woman God Forgot; A Intrépida Americana / The Little American; Em Refem / Hostage. 1918 – Mania de Cinema / The Goat. 1921 – Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse; O Azar de Casimiro / A Small Town Idol; Homem-Mulher-Matrimônio; O Concerto / The Concert. Em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, o mais famoso dos filmes citados, Ramon é um dos oficiais na cena em que uma mulher canta a Marselhesa enrolada na bandeira bleu-blanc-rouge.

Em 1922, ele finalmente conseguiu um papel de verdade no filme da Goldwyn Paixões Humanas / Mr. Barnes of New York (Dir: Victor Schertzinger), recebendo crédito (com o sobrenome Samaniego) pela primeira vez como o jovem córsego Antonio Paoli, que morria logo no início da trama. No mesmo ano, em O Prisioneiro do Castelo de Zenda / The Prisoner of Zenda, produzido pela Metro, Ramon obteve papel mais importante, qual seja o do vilão Rupert of Hentzau (que seria mais tarde vivido por Douglas Fairbanks Jr. e James Mason respectivamente nas versões de 1937 e 1952) e desta vez foi creditado como Ramon Novarro. Deu-se aí o encontro entre Novarro e o diretor Rex Ingram, o descobridor e verdadeiro mestre do ator. Sob orientação de Ingram na Metro Ramon fez em seguida: Frívolo Amor / Trifling Women / 1922, Apsará / Where the Pavement Ends / 1923 e Scaramouche / Scaramouche / 1923, no qual Ramon brilhou intensamente como André-Louis Moreau, papel mais tarde interpretado por Stewart Granger na refilmagem de 1952. Curiosamente, quem fez o papel de Napoleão neste filme foi Slavko Vorkapic, o grande especialista das sequências de montagem.

O Prisioneiro de Zenda

Scaramouche é um dos melhores filmes de Novarro. O romance de Rafael Sabatini já continha os ingredientes básicos para um grande sucesso popular e Rex Ingram – com o auxílio do fotógrafo John F. Seitz e do montador Grant Wytock – soube transportá-lo para a tela de maneira magnífica. O filme reflete realisticamente um período histórico particularmente dramático, possui grande beleza visual nos figurinos, nos cenários e na composição das cenas e é interpretado por um elenco brilhante, no qual sobressaem Lewis Stone e Ramon Novarro. Stone está maravilhoso no papel do aristocrata cínico e impiedoso e Novarro perfeito no jovem indignado com a injustiça, que se torna um orador eloquente e exímio espadachim. A reconstituição de época é muito bem feita, destacando-se as imagens da aldeia e do castelo de Gravillac; a praça de Rennes onde André discursa para o povo em frente de uma estátua equestre e se dá a repressão da cavalaria; o luxuoso teatro no qual se representa a peça Figaro-Scaramouche e André do tablado avista no camarote o marquês, Aline e a condessa; o ambiente superlotado da Assembléia Nacional; os salões da nobreza ricamente decorados; o duelo entre André e o marquês sob o arco fotogênico; e finalmente o movimento do povo enfurecido que o marquês, debilitado, enfrenta sem temor.

Ramon Novarro e Lewis Stone em Scaramouche

Prosseguindo seu percurso hollywoodiano, Ramon foi visto em: 1924 – Teu Nome é Mulher! / Thy Name is a Woman (Dir: Fred Niblo); O Arabe / The Arab (Dir: Rex Ingram); Fogo, Cinzas … Nada! / The Red Lily (Dir: Fred Niblo). 1925 – Juramento de um Amante / A Lover´s Oath (Dir: Ferdinand Pinney Earle); O Guarda-Marinha / The Midshipman (Dir: Christy Cabanne), este último exibido em sessão especial em homenagem à Marinha Brasileira no Cinema Imperio do Rio de Janeiro, antecedido por um prólogo (emoldurado por um excelente cenário de Angelo Lazary) com Jaime Costa interpretando com sua voz de barítono uma romanza de Schubert, contracenando com a atriz Eugenia Brazão. No papel do cadete Dick Randall, Ramon interpretou pela primeira vez um personagem tipicamente americano e atuou como um verdadeiro astro, tendo seu nome sido colocado nos créditos acima do título do filme.

Ramon em O Guarda- Marinha

No mesmo ano, irrompeu nas telas a superprodução da MGM Ben-Hur / Ben-Hur (Dir: Fred Niblo), que o tornou ainda mais famoso. Os momentos mais excitantes do espetáculo foram a batalha naval e a corrida de bigas, ainda hoje impressionantes, trabalho primoroso do diretor de segunda unidade B. Reaves Eason com a ajuda de 62 assistentes, entre eles os então desconhecidos Henry Hathaway e William Wyler (o diretor da refilmagem de 1959). Outros diretores assistiram a filmagem no Circus Maximus: George Fitzmaurice, Henry King, Reginald Barker, Sidney Franklin, Rupert Julian e Clarence Brown. Quarenta e dois cameramen foram contratados para o evento. Suas câmeras foram escondidas em cada posição que poderia render um ângulo efetivo. Novarro foi dublado pelo stuntman Buster Gallagher. Lloyd Nosler foi o principal responsável pela montagem empolgante. Infelizmente, após a cena climática da excitante corrida de bigas, a narrativa se estende demasiadamente para acentuar o aspecto religioso do enredo e o seu ritmo, até então bem fluente, se afrouxa.

Francis X. Bushman e Ramon Novarro em Ben-Hur

Bushman e Novarro em outra cena de Ben-Hur

Outra cena de Ben-Hur

Ainda no cinema silencioso e na MGM, Novarro apresentou-se em: 1927 – Amantes / Lovers (Dir: John M. Stahl; O Príncipe Estudante / The Student Prince in Old Heidelberg (Dir: Ernst Lubitsch); Romance / The Road to Romance (Dir: John S. Robertson). 1928 – Procelas do Coração / Across to Singapore (DIr: William Nigh); Galante Conquistador / A Certain Young Man (Dir: Hobart Henley); Horas Proibidas / Forbidden Hours (Dir: Harry Beaumont). 1929 – Asas Gloriosas / The Flying Fleet (Dir: George W. Hill); O Pagão / The Pagan (Dir: W. S. Van Dyke). Neste filme, ainda mudo, ouvia-se a voz de Ramon cantando “The Pagan Love Song” (música de Nacio Herb Brown e letra de Arthur Freed) e alguns efeitos sonoros. O Príncipe Estudante e O Pagão são os outros dois melhores filmes de Ramon.

Novarro e Norma Shearer em O Príncipe Estudante

Lubitsch dirige Ramon e Norma em O Príncipe Estudante

O Príncipe Estudante é uma delicada história de amor, finalmente frustrado, que transforma as duas pessoas que a viveram, sobretudo o rapaz sensível e retraído, que só teve em sua vida uma pequena oportunidade para sair dessa teia real, tecida pelas Instituições, pelo Estado e pela Tradição. Karl Heinrich (Ramon Novarro) é o príncipe herdeiro de um reino da Europa Central. A sua vida de criança é solitária e sujeita aos constrangimentos impostos pelo protocolo da corte. O seu único amigo é o velho preceptor, Dr. Juttner (Jean Hersholt). Quando atinge a idade própria, Karl parte com Juttner para a Universidade de Heidelberg, onde conhece finalmente a camaradagem estudantil, a alegria de viver e o amor, na pessoa de Kathi (Norma Shearer), a filha de um estalajadeiro. Mas quando o rei morre, Karl é chamado para subir ao trono e obrigado a se casar com uma princesa. Para realizar este precursor silencioso (e melancólico) dos seus musicais do período sonoro, Lubitsch contratou os serviços de Ali Hubert (seu colaborador na maioria de seus filmes alemães) para desenhar os figurinos, os de Andrew Marton (que depois se tornaria diretor de segunda unidade) para ser o montador do filme e também do fotógrafo John Mescall com quem já havia trabalhado em Paris é Assim / So This is Paris / 1926. Destaco duas cenas entre tantas admiráveis deste filme brilhantemente roteirizado por Hans Kraly. A primeira é a do encontro de Karl e Kathi num jardim coberto de flores sob as estrelas brilhantes. Quando eles se deitam sobre a relva, o vento começa a soprar, primeiro lentamente e depois com força, num crescendo que acompanha a manifestação de amor entre eles, para acalmar depois do beijo. A outra, ou melhor, as outras,  são os planos que mostram o mesmo comentário dito por gerações diferentes:  o menino vendo o retrato do príncipe ainda criança na vitrine de uma loja e afirmando que “deve ser ótimo ser príncipe”; depois as meninas contemplando o retrato do príncipe já adulto na mesma vitrine e exclamando que “deve ser ótimo ser príncipe” (com ênfase na palavra ótimo); e, no desfile final do casamento, velhos na janela murmurando que “deve ser ótimo ser rei”, todas estas frases contrapondo-se ironicamente ao que se passa no íntimo de Karl.

Renée Adoree e Novarro em O Pagão

Dorothy Janis e Novarro em O Pagão

O Pagão é um drama romântico cujo personagem central, Henry Shoesmith Jr. (Ramon Novarro), filho de pai branco e mãe polinésia, herdou a maior plantação de côco do Taiti e uma loja cujas prateleiras estão quase vazias, porém prefere ficar relaxando ao sol do que administrar sua propriedade. Henry conhece uma linda jovem, Tito (Dorothy Janis), nativa mestiça como ele, cujo guardião, o comerciante Roger Slater (Donald Crisp), que se diz “cristão devoto”, está tentado criar como branca e cristã, mas também a cobiça. Slater vê Henry como um pagão indolente, mas ele é também um jovem de bom coração e permite que o comerciante colha gratuitamente os cocos de suas terras para extrair a copra. Slater adverte Henry a se manter afastado de Tito, a menos que ele faça algo de si mesmo. Depois que Slater e Tito deixam a ilha, Henry leva a observação de Slater a sério e pede dinheiro emprestado ao banco para alavancar sua loja. Ele é bem-sucedido, mas concede demasiado crédito aos ilhéus e não consegue pagar seus empréstimos. Slater se aproveita disso para se apoderar de suas terras. Ao saber que Slater quer obrigar Tito a se casar com ele, Henry leva-a para sua casa na montanha. Slater tenta raptar Tito, Henry a resgata enquanto o comerciante é morto por um tubarão. Madge (Renée Adoree), uma prostituta de bom coração que vive à margem da sociedade, ajuda Henry a enfrentar o vilão. “White men fight for their women – natives ‘take’ their women”, diz ela.

É uma história simples e cândida, narrada de maneira encantadora, que transcorre numa paisagem esplêndida nos Mares do Sul, captada magnificamente pelas lentes de Clyde de Vinna (vencedor do Oscar pela direção de fotografia de Deus Branco / White Shadows of the South Sea), filme com tema semelhante: os efeitos negativos causados pela intromissão do homem branco em um paraíso tropical. A meu ver foi o melhor papel de Novarro na tela, compondo com perfeição e naturalidade aquele rapaz formoso, ingênuo e despreocupado, cuja voz macia e doce como a sua própria personalidade canta permanentemente aquela canção de amor (The Pagan Love Song) para a namorada, melodia lânguida e maviosa que ajuda a manter o clima romântico do espetáculo. “Your song is nice.  Your face is nice too”, diz Tito, exprimindo o mesmo sentimento que as fãs de Novarro sentiam na platéia.

Em 1931, o cineasta brasileiro Luiz de Barros realizou O Babão, longa-metragem sonoro satirizando a produção americana, colocando Genésio Arruda (um dos pioneiros na representação de personagens caipiras em peças e filmes) no papel de Ramon Novarro e nos das moças da ilha dos Mares do Sul, Rina Weiss e Irene Radner, destacando-se no elenco também Tuffy Coury e Arthur Friedenreich, famosos jogadores de futebol (cf. Dicionário Jurandyr Noronha de Cinema Brasileiro, ed. EMC, 2008).

Depois de O Pagão, a carreira de Novarro no cinema – apesar do êxito de bilheteria de Mata-Hari – foi geralmente decepcionante, desperdiçado em produções inferiores ao seu talento ou escalado para interpretar papéis que eram obviamente inapropriados para ele.

Greta e Novarro em Mata Hari

Greta Garbo e Ramon Novarro em Mata Hari

O Bem-Amado / Devil-May-Care / 1929 (Dir: Sidney Franklin) foi o primeiro filme falado de Novarro (pois em O Pagão, ouvia-se apenas música sincronizada e efeitos sonoros), seguindo-se na década de trinta: 1930 – Céu de Amores / In Gay Madrid (Dir: Robert Z. Leonard); Sevilha de Meus Amores / Call of the Flesh (Dir: Charles Brabin), com adaptações em língua espanhola e francesa dirigidas por Novarro). 1931 – Alvorada / Daybreak (Dir: Jacques Feyder); Filho do Oriente / Son of India (Dir: Jacques Feyder); Mata-Hari / Mata-Hari (Dir: George Fitzmaurice). 1932 – Juventude Triunfante/ Huddle (Dir: Sam Wood); Amor de Mandarim / The Son-Daughter (Dir: Clarence Brown). 1933 – Uma Noite no Cairo / The Barbarian (Dir: Sam Wood). 1934 – O Gato e o Violino / The Cat and the Fiddle (Dir: William K. Howard); Amor Selvagem / Laughing Boy (Dir: W. S. Van Dyke). 1935 – Uma Noite Encantadora / The Night is Young (Dir: Dudley Murphy), último filme de Novarro na MGM. 1937 – O Sheik Conquistador / The Sheik Steps Out (Republic, Dir: Irving Pichel). 1938 – Aventura Desesperada / A Desperate Adventure (Republic, Dir: John H. Auer).

Helen Chandler e Ramon Novarro em Alvorada

Novarro e Jeanette MacDonald em O Gato e o Violino

Em 1934, Novarro fez uma tourné pela América do Sul acompanhado de sua irmã Carmen Samaniego, de seu primo Jorge Gavilán e do diretor e roteirista chileno Carlos Borcosque (então correspondente em Hollywood de revistas de cinema do Chile e Argentina). Na sua passagem pelo Brasil, ele se apresentou em um recital no Cine Palácio-Teatro (depois denominado Cine Palácio). Um jornal da época resumiu assim o espetáculo: “A orquestra impecavelmente regida pelo maestro Eduardo Armani e composta de 30 professores executou a ‘ouverture’ constante do programa e, a seguir, tivemos Ramon e o corpo de baile num arranjo de O Gato e o Violino que arrancou fortes aplausos. Carmencita executou dois bailados magistrais, mostrando toda a sua técnica na arte da dansa. Ramon Novarro cantou depois “Charming” do filme O Bem-Amado e também a “Serenata del Pastor” do mesmo filme, recebendo estrondosa salva de palmas. Mas, a casa quase veio abaixo, quando Ramon Novarro cantou, tendo de bisar “Se a Lua Contasse” em português, a que o artista de Hollywood deu uma expressão inteiramente nova para gaudio da platéia, que quase o obrigou a repetir pela terceira vez a linda canção. Distinguiu-se no bailado a “Escrava” a senhorita Maryla Gremo. Por último, Ramon, Carmencita e o corpo de baile se exibiram na canção mexicana “Cielito Lindo” e a pedido Ramon cantou finalmente “O Pagão”, merecendo fortes aplausos. A platéia chamou-o três ou quatro vezes à cena”.

Ramon no Rio de Janeiro

Logo depois de seu regresso para Hollywood, Gilberto Souto, então representante de Cinearte na terra do cinema, entrevistou Novarro, e este lhe contou o gesto de Adhemar Leite Ribeiro (naquele tempo com a empresa exibidora do Palácio), que fez abrir uma passagem num muro, ao lado do cinema, para que o ator entrasse pelos fundos do teatro, a fim de evitar-lhe atropelos. Louvava o cavalheirismo de Leite Ribeiro, de Adolfo Judall e Waldemar Torres, da Metro; das amizades que aqui deixara com o ator Procópio Ferreira, o dramaturgo Joracy Camargo, a bailarina Maryla Gremo, com a gente da Radio Mayrink Veiga, com Carmen Miranda e Custodio Mesquita (ele incluira “Se a Lua Contasse” no recital) que o ajudaram a ensaiar e aprender a letra brasileira.

Em 1936, Novarro formou a R.N.S. (Ramon Novarro Samaniego) para produzir um filme falado em espanhol, intitulado Contra la Corriente, com a intenção de introduzir um novo astro, o nadador argentino José Caraballo; mas não conseguiu encontrar distribuidor e acabou vendendo por um preço nominal os direitos de distribuição para a RKO.

O diretor Julio Bracho, Ramon e o fotógrafo Gabriel Figueroa em A Virgem que forjou uma Pátria

Em 1939, a carreira de Novarro estava numa situação de impasse. Após passar onze anos na MGM, não conseguia se adaptar a um estúdio da Poverty Row  e acabou saindo da Republic. Assim, na década de quarenta, começou trabalhando fora de Hollywood:  em uma coprodução franco-italiana, La Comédie du Bonheur / 1940 (Dir: Marcel L’Herbier) e no México em A Virgem que forjou uma Pátria / La VIrgen que forjó uma pátria / 1942 (Dir: Julio Bracho). Este foi seu filme derradeiro como astro.

No final de 1948, haviam se passado seis anos desde sua última aparição em frente das câmeras. Ele já não tinha aquele rosto e corpo bonito, pois desde os meados dos anos trinta o excesso de álcool já vinha deteriorando sua aparência. Seu alcoolismo o envolveu em vários processos judiciais – por ter causado acidentes de trânsito e avançado o sinal vermelho – e pode ser atribuído não somente à sua decadência física como também ao conflito entre sua fervorosa fé católica e seu homossexualismo.

John Garfield e Ramon Novarro em Resgate de Sangue

Entretanto, a partir de 1949, ele conseguiu retornar às telas, agora como ator coadjuvante (tal como havia sido em O Prisioneiro de Zenda no início de sua carreira), participando de cinco produções: 1949 – Resgate de Sangue / We Were Strangers (Dir: John Huston, Horizon / Columbia); O Cais da Maldição / The Big Steal (Dir: Don Siegel, RKO). 1950 – Sangue Bravo / The Outriders (Dir: Roy Rowland, MGM); Terra em Fogo / Crisis (Dir: Richard Brooks, MGM). 1960 – Jogadora Infernal / Heller in Pink Tights (Dir: George Cukor, Paramount). Embora suas aparições durassem pouco tempo em cena, Novarro marcava sempre sua presença nestes filmes, pois sabia muito bem incorporar seus personagens. Nos anos cinquenta, ele apareceu como convidado em programas e séries de televisão (Thriller / Thriller, Combate / Combat, Rawhide / Rawhide, Dr. Kildare / Dr. Kildare, Bonanza / Bonanza, James West / The Wild Wild West, Chaparral /The High Chaparral).

Sophia Loren e Novarro em Jogadora Infernal

Na manhã de 31 de outubro de 1968, os noticiários do rádio e da televisão anunciaram a descoberta do cadáver espancado e ensanguentado do ator Ramon Novarro na sua residência em Hollywood Hills. Esta notícia terrível chocou, não somente aqueles que o conheceram pessoalmente, como também os milhares de espectadores mais idosos que décadas atrás haviam admirado o astro tão popular dos anos vinte e início dos anos trinta. Além do choque causado pela morte tão violenta de Novarro, seus fãs e amigos tiveram que enfrentar a descoberta, não somente de que aquele senhor religioso era atraído por homens, mas também que ele havia frequentemente pago por favores sexuais. Aos 69 anos de idade, Novarro foi torturado e assassinado por dois garotos de programa, que acreditavam que havia uma grande quantia de dinheiro escondida em sua casa.

E.A. DUPONT E JOE MAY NÃO FORAM BEM SUCEDIDOS EM HOLLYWOOD

E. A. Dupont

Após se tornar conhecido como crítico de cinema e roteirista, Edwald Andreas Dupont (1891-1956) nascido em Zeitz, Alemanha, tornou-se um dos diretores de maior sucesso do Cinema de Weimar, antes de iniciar uma carreira internacional, que incluiu alguns dos primeiros filmes sonoros europeus.

E. A. Dupont

Filho de um editor de jornal, trabalhou como jornalista em vários periódicos de Berlim desde 1911 e, a partir de 1915, escreveu regularmente uma coluna de cinema no jornal diário “B. Z. am Mittag”. Em 1916, concebeu seu primeiro roteiro de cinema, um episódio da série dirigida por Rudolf Meinert, com o detetive Harry Higgs (Hans Mierendorff), intitulado Mein Ist Die Rache. Depois teve mais onze de seus scripts filmados, entre eles episódios dirigidos por Joe May da série com o detetive Joe Deebs (Max Landa) e as duas primeiras continuações de Es Werde Licht! (Dir: Richard Oswald), filme de esclarecimento sexual abordando temas como o aborto e a sífilis. Foi então contratado pela Stern-Film e, no final de 1919, havia escrito mais onze episódios para outra série de detetive estrelada por Max Landa.

No final de 1919, ingressou na Gloria Film como diretor de melodramas de luxo, e em vários deles – tais como Der Weisse Pfau, Patiente e Kinder Der Finsternis – colaborou com o então diretor de arte Paul Leni. Dupont chamou mais atenção com seus filmes Die Geier-Wally / 1921, primeira das diversas adaptações cinematográficas do romance muito popular Heimat e com o filme de tema judaico, Das Alte Gesets / 1923.

Em 1925, realizou Varieté / Variety, melodrama de paixão e perdição envolvendo um trio de acrobatas, produzido por Erich Pommer na Ufa, com Emil Jannings, Lya de Putti e Warwick Ward nos papéis principais e excepcional trabalho de câmera de Karl Freund.

Diante do sucesso internacional do filme, o diretor germânico recebeu convite de Hollywood. Após um único trabalho, Ama -me e o Mundo Será Meu / Love Me and the World Is Mine / 1926, voltou para a Europa e se tornou diretor geral de produção no recém-inaugurado Elstree Studios em Londres.

Trabalhando como roteirista, diretor e gerente de produção na British International Pictures (B.I.P) até o final de 1930, seus melodramas sofisticados Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1927-28) e Picadilly / Picadilly / 1928, não somente proporcionaram o estrelato para suas respectivas atrizes Olga Tschechowa e Anna May Wong, mas também ajudaram o diretor de alemão Alfred Junge e o cinegrafista Wernes Brandes a iniciar suas carreiras na Indústria Cinematográfica Britânica.

Desempenhando papel fundamental na mudança da Elstree para a produção de filmes sonoros, Dupont filmou Atlantic / Atlantic / 1929, drama inspirado no naufrágio do Titanic, em versões inglesa e alemã, sendo que a segunda foi aclamada com “o primeiro filme todo-falado alemão” e obteve um êxito financeiro colossal no continente europeu. Em 1930, alcançou novo sucesso com Two Worlds, drama de guerra (com versões inglêsa, francêsa e alemã) mostrando o romance trágico entre uma mulher judia e um oficial austríaco e Cape Forlorn / 1931, mais um drama, desta vez passado em um farol em uma costa solitária na Nova Zelândia, cujo faroleiro se casa com uma dançarina de cabaré que se relaciona com outros homens.

De volta para a Alemanha, realizou um melodrama de circo, Salto Mortale / 1931 e, aproveitando as Olimpíadas em Los Angeles, o filme esportivo Der Laufer Von Marathon, que despertou novamente a atenção de Hollywood sobre sua pessoa. Entretanto, uma vez lá, foi considerado como uma pessoa “difícil” e, tanto a Universal como a MGM e a Paramount lhe confiaram projetos sem brilho, que tinham poucas chances de sucesso (As Quatro Sabichonas / Ladies Must Love / 1933; Aventuras de uma Noite/ The Bishop Misbehaves / 1935; Armadilha Perfumada / Forgotten Faces / 1936; Por Culpa Alheia / A Son Comes Home / 1936; Night of Mystery / 1937; O Morto-Vivo / On Such a Night / 1937; Amor Nâo é Sopa / Love on Toast / 1937; Sucursal do Inferno / Hell´s Kitchen / 1939).

As Quatro Sabichonas

Sucursal do Inferno

 

Após uma briga com um dos astros juvenis durante a filmagem de Sucursal do Inferno, ele foi despedido e não lhe ofereceram nenhuma tarefa por mais de uma década. Com o apoio financeiro de seu colega diretor William Dieterle, tentou por um breve período voltar para o jornalismo como editor do “The Hollywood Tribune” e então passou a trabalhar como assessor de imprensa a partir de 1940.

Em 1951, Dupont dirigiu o prólogo e outros sete diretores (Luciano Emmer, Enrico Gras, Alain Resnais, Robert Hessens, Marc Sorkin, Olga Lipska, Lauro Venturi) também contribuíram para a realização do documentário Pictura – Adventure in Art; mas seu eventual retorno ao filme de ficção com Evidência Trágica / The Scarf / 1951 foi um fracasso nas bilheterias e ele foi posteriormente relegado para os filmes B (Problem Girls /1953; O Homem-Fera / The Neanderthal Man / 1953; O Tesouro do Califa / The Steel Lady / 1953; A Volta à Ilha do Tesouro / Return to Treasure Island / 1954.

Dupont ainda conseguiu escrever e dirigir alguns episódios da série criminal de televisão da CBS, Big Town / 1952-53, porém foi despedido como diretor de Miss Robin Crusoe / 1953 por embriaguez, sendo substituído por Eugene Frenke. Finalmente, despediu-se do cinema com um crédito de co-roteirista da cinebiografia de Richard Wagner, Chama Imortal / Magic Fire / 1955, dirigida por William Dieterle e fornecendo a história original de Mata-me por Favor / Please Murder Me / 1956, dirigido por Peter Godfrey.

Joe May

Filho de uma rica família industrial, Julius Otto Mandl (1880-1954) desperdiçou a fortuna da família com sua vida de playboy, casando-se com a cantora Hermine Pfleger em 1902. Ela subsequentemente adotou o nome artístico de Mia May, e então ele se autodenominou Joe May.

Joe May

Após filmar um prólogo curto para uma revista teatral em Hamburgo, na qual Mia era a atriz principal, Joe estreou no longa-metragem na Continental-Kunstfilm em Berlim com o romance trágico In Der Tiefe Des Schachtes / 1912, que marcou também a primeira aparição de Mia na tela. Ele inaugurou a série de detetive Stuart Webbs da companhia com Die Geheimnisvolle Villa / 1913-14 e em 1915 fundou sua própria produtora, May-Film, lançando uma série concorrente com o detetive Joe Debbs. Simultaneamente, impulsionou a carreira de Mia como atriz dramática e deu chances para novos talentos incluindo Thea von Harbou, Fritz Lang e Ewald André Dupont nos seus estúdios nos subúrbios de Berlim Weissensee e Woltersdorf. O sucesso de seu espetáculo histórico luxuoso de três horas de duração Veritas Vinci – A Verdade Vence / Veritas Vincit / 1918-19) em três episódios (o primeiro tendo lugar na Roma Antiga, o segundo na Idade Média e o terceiro na Atualidade) e estrelado por Mia May, levou-o a empreender um exótico seriado de aventura novamente com Mia, A Soberana do Mundo / Die Herrin Der Welt / 1919, em oito episódios, outro grande êxito,  inclusive no Brasil. Em nosso país o seriado foi exibido com os seguintes títulos dos episódios: 1 – A Amiga do Homem Amarelo 2. A História de Maud Gregaard 3. A procura do Rabino de Kuan-Fu 4. O Rei Macombe 5. Ophir, a Cidade do Pecado 6. A Senhora Milliardaria 7. A Benfeitora da Humanidade 8. A Vingança de Maud Gregaard.

A Verdade Vence

A Soberana do Mundo

Joe frequentemente atuava como supervisor artístico, designando seus assistentes para assumir a direção. Afiliado à Ufa durante três anos, ele se transferiu para a Europäische Film Allianz (EFA) em 1921 e se tornou o maior realizador de filmes de prestígio da companhia depois de Ernst Lubitsch. Seus trabalhos para a EFA incluíram Dono e Senhor / Das Indische Grabmal / 1921, roteirizado por Thea von Harbou e Fritz Lang e o drama criminal na alta sociedade A Divina Comédia do Amor / Tragödie Der Liebe / 1922-23).

Dono e Senhor

A Divina Comédia do Amor

Face à inflação desenfreada em 1923,  Mia, que administrava a May-Film, foi obrigada a reestruturar a companhia e se retirou da tela após o suicídio da filha do casal, Eva May, também atriz. Uma tentativa de fazer sucesso internacional, O Fazendeiro do Texas / Der Farmer aus Texas / 1924-25, tornou-se um desastre financeiro e, depois disso, ele realizou uma série de filmes menores.

Flor do Asfalto

Um retorno ao primeiro plano profissional seguiu-se sob os auspícios da unidade de produção de Erich Pommer na Ufa, com Joe dirigindo sucessivamente alguns dos clássicos da última fase do cinema mudo e início do período sonoro, incluindo O Canto do Prisioneiro / Heimkehr / 1928 e Flor do Asfalto / Asphalt / 1928-29, e escrevendo o roteiro com Hans Székely de Rapsódia Húngara / Ungarische Rhapsodie / 1928, dirigido por Hanns Schwarz. Além disso, produziu o musical de Gustav Ucicky, Der Unsterbliche Lump e a balada militar de Kurt Bernhardt, O Último Batalhão / Die Letzte Kompagnie, ambos de 1929-30, antes de sua estréia sonora com Sua Majestade, o Amor / Ihre Majestät Die Liebe / 1930, considerado um ápice da comédia cinematográfica germânica.

Após a pré-estréia do musical de Jan Kiepura, Uma Canção para Você / Ein Lied Für Dich / 1932-33, Joe emigrou via Paris e Londres para Hollywood, onde Pommer designou-o para fazer Música no Ar / Music in the Air / 1934 na Fox. Primeira produção cujo elenco e equipe técnica foi composta principalmente por emigrados da Alemanha nazista, o filme fracassou terrivelmente, assim como seu drama de tribunal Confession / 1937, refilmagem de Mazurka / Mazurka (Dir: Willi Forst) que a Warner não trouxe para o Brasil.

A Casa das Sete Torres

Depois disso, Joe dirigiu filmes B na Universal como: 1939 – Os Mandamentos Sociais / Society Smugglers; Casa Mal-Assombrada / The House of Fear. 1940 – A Volta do Homem Invisível / The Invisible Man Returns; A Casa das Sete Torres / The House of the Seven Gables; Valente de Ocasião / You´re Not So Tough; Hit the Road. 1944 – Agarre Seu Homem / Johnny Doesn´t Live Here Anymore.

Ele ganhou a reputação de ser uma pessoa “difícil” quando foi despedido como diretor do filme anti-nazista A Estranha Morte de Adolf Hitler / The Strange Death of Adolph Hitler / 1943. Com a ajuda financeira de amigos, Joe e Mia May abriram um restaurante vienenense em Los Angeles em 1949, que fechou depois de apenas algumas semanas.

DOIS FILMES DE GUERRA IMPERDÍVEIS

 

São dois filmes britânicos, realizados nos anos cinquenta, abordando temas semelhantes e baseados em fatos reais:

O Homem Que Nunca Existiu / The Man That Never Was / 1956.

Produzido por André Hakim, distribuído pela 20thCentury-Fox e dirigido por Ronald Neame, com roteiro de Nigel Balcon baseado no livro do mesmo nome de autoria de Ewen Montagu e narra a Operação Mincemeat (Operação Carne Moída), um plano elaborado em 1943 pelo Serviço de Inteligência Britânico para enganar as Potências do Eixo, fazendo-as crer que a invasão aliada da Sicília ocorreria em outro lugar do Mediterrâneo.

Na trama, o capitão-tenente da Marinha, Ewen Montagu (Clifton Webb), concebe o esquema de lançar um corpo com uma identidade fictícia na costa da Espanha, onde fortes correntes marinhas o conduziriam até uma praia, onde um conhecido agente germânico operava. O inexistente Major William Martin seria a vítima de um desastre aéreo carregando documentos sobre uma próxima invasão aliada na Grécia ocupada pelos alemães, em vez da Sicília, o alvo mais óbvio. Superando a relutância de altas patentes, Montagu recebe finalmente a aprovação de Winston Churchill para executar a Operação Carne Moída. Acolhendo um conselho de um médico especialista, Montagu tem que usar o corpo de um homem que morreu de pneumonia, para dar a aparência de que se afogara. Com a permissão de um pai que perdeu o filho nesta condição, ele coloca o defunto em um recipiente cheio de gelo sêco e o transfere para um submarino. O cadáver é lançado no mar e levado à terra como planejado. As autoridades locais, observadas pelo pessoal do consulado germânico e britânico, identificam o corpo e conduzem a autópsia. Depois que a pasta contendo os documentos enganosos é devolvida a Londres, um perito forense confirma que a carta que descreve a invasão aliada da Grécia, foi habilmente aberta, fotografada e selada novamente. Hitler fica convencido de que os documentos são verdadeiros, mas o Almirante Canaris, chefe da Abwer (Wolf Freers), permanece cético. Os alemães enviam para Londres um espião irlandês, Patrick O´Reilly (Stephen Boyd) para investigar. O´Reilly procura a “noiva” americana de Martin, Lucy Sherwood (Gloria Grahame), que divide um apartamento com a assistente de Montagu, Pam (Josephine Griffin). O´Reilly chega ao apartamento delas, apresentando-se como um velho amigo de Martin, no mesmo dia em que Lucy está recebendo a notícia de que seu noivo foi morto em combate. Sua dor genuína quase convence O´Reilly. Como teste final, ele fornece seu endereço no norte de Londres para Lucy, dizendo-lhe que ela pode procurá-lo caso necessite de algo. O´Reilly então passa uma mensagem de rádio para seus contatos germânicos dizendo que, se ele não mandar outra mensagem dentro de uma hora, é porque foi preso. Enquanto Montagu, o General Cockburn (Michael Hordern) da Scotland Yard e policiais estão a caminho do apartamento de O´Reilly, Montagu percebe por que o irlandês deixou seu endereço com Lucy e convence um Cockburn relutante a deixar O´Reilly livre. Quando ninguém aparece para prendê-lo, O´Reilly envia uma mensagem de rádio, dizendo: “Martin genuíno!” Os alemães então transferem suas forças estacionadas na Sicilia para a Grécia, o que faz com que a invasão aliada na Sicília seja bem-sucedida.

Inspirado numa história fascinante da vida real, relatada por meio de um roteiro sóbrio e bem engendrado, o filme combina realidade e ficção com uma direção eficiente e simples, conquistando o espectador durante todo o desenrolar da projeção. Resulta um excelente thriller de espionagem oferecendo uma cena bastante original: o espião oferecendo a própria vida para descobrir os planos do inimigo. Por ter sido de um escocês o corpo que iludiu o inimigo, ouvímos no prólogo e no epílogo (na cena comovente em que Montagu deposita no túmulo do Major William Martin a condecoração que recebeu pelo êxito  de sua missão) os belos versos escoceses que falam de um sonho na ilha de Skye, onde “I saw a dead man win a battle and I found that that man was I”.

O Homem Que Enganou o Mundo / I Was Monty´s Double / 1958.

Produzido por Maxwell Setton para a Associated British-Pathé e dirigido por John Guillermin, com roteiro de Bryan Forbes baseado na autobiografia do ator M. E. Clifton James e narra outra operação do Serviço de Inteligência Britânico para ludibriar os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Na trama, pouco antes dos desembarques do Dia D, o governo britânico lança uma campanha de desinformação espalhando rumores de que os desembarques ocorreriam em um local diferente da Normandia. Os detalhes da operação (intitulada Operação Copperhead) são confiados a dois oficiais da inteligência, Coronel Logan (Cecil Parker) e Major Harvey (John Mills). Eles são inicialmente incapazes de conceber um plano, mas uma noite Harvey vê um ator em um teatro de Londres fazendo uma imitação convincente do Marechal de-Campo Bernard Montgomery. O ator chama-se M. E. Clifton James, tenente estacionado em Leicester com a Royal Army Pay Corps e artista profissional durante os tempos de paz. Clifton James é convocado para Londres, supostamente a fim de fazer um teste para um filme, e um plano é elaborado pelo qual ele fará uma tournée pelo Norte da África personificando Montgomery. James duvida que possa se passar por Montgomery com sucesso, mas concorda em tentar.  Disfarçado de cabo, ele transita algum tempo pelo quartel general de Montgomery e aprende a copiar os maneirismos e o estilo do general. Após uma entrevista com o general, James é enviado para uma tourné pelo Norte da África. Acompanhado por Harvey, que está interpretando o papel de brigadeiro e ajudante-de-campo de Montgomery, James chega a Gibraltar, onde o governador, que conhecia Montgomery há anos, fica espantado com a semelhança. Para promover o engano, um empresário local sueco e conhecido agente alemão, Karl Nielson (Marius Goring), é convidado para jantar, para que fique sabendo da presença de Montgomery e espalhe a informação. James e Harvey viajam pelo Norte da África e inspecionam as tropas. Faltando apenas alguns dias para os desembarques, ficam sabendo que os alemães foram sem dúvida enganados e mantiveram muitas tropas no Sul, distante da Normandia. Com seu trabalho terminado, James se esconde em uma vila fortemente vigiada na costa. Entretanto, os alemães foram mais enganados do que Harvey imaginava. Uma equipe de comandos germânicos é transportada por um submarino para sequestrar Montgomery. Eles matam seus guardas e estão prontos para embarcar com James, porém Harvey fica sabendo do sequestro e frustra a operação no último momento.

Em alguns momentos o filme afasta-se um pouco da verdade como esta tentativa inteiramente fictícia de sequestro de Montgomery e também deixa de mencionar que foi o ator David Niven que levou Clifton James à atenção da Inteligência Britânica enquanto estava servindo no Ministério da Guerra; mas isto não tira o sabor de documento histórico do espetáculo. O próprio Clifton James revive na tela as peripécias por que passou na vida real, que são apresentadas com a habitual sobriedade britânica. A câmera acompanha passo por passo a execução do audacioso plano militar, mostrando na primeira parte o treinamento do ator para que pudesse viver o ilustre personagem e na segunda parte, mais emocionante, a sua trajetória como o Marechal Montgomery.  Bryan Forbes inseriu lances cômico-satíricos no relato, explorou com eficiência a classe de John Mills e Cecil Parker, conseguiu construir cenas inspiradas como, por exemplo, o discurso de Monty para os oficiais americanos. E fez com que este semi-documentário prendesse a atenção do público do começo ao fim, graças sobretudo à atuação de Clifton James. Sua humildade e charme discreto o tornam uma pessoa instantânemante simpática e a facilidade com que se transforma no líder militar famoso demonstra sua grande habilidade como ator.

Os Personagens Reais

O Verdadeiro Marechal Montgomery

Meyrick Edward Clifton James (1898-1963) era um ator e soldado com uma semelhança com o Marechal-de-Campo Bernard Law Montgomery. Ele nasceu em Perth na Austrália. Após servir no Royal Fusiliers durante a Primeira Guerra Mundial e entrar em combate na Batalha do Somme, Clifton James começou uma carreira de ator. Na eclosão da Segunda Guerra Mundial apresentou-se como voluntário ao Exército Britânico como artista. Em vez de ser designado para a ENSA (Entertainment National Service Association – organização formada para proporcionar entretenimento para o pessoal das Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial) como esperava, em julho de 1940 ele foi incorporado como segundo tenente na Royal Army Pay Corps (corpo do exército britânico responsável por todos os assuntos financeiros) e eventualmente enviado para Leicester. Em 1944, sua semelhança com o Marechal Montgomery foi percebida e ele passou a integrar a Operação Copperhead. Após ser desmobilizado em junho de 1946, Clifton James publicou suas façanhas em um livro, “I Was Monty ´s Double”, que serviria de base ao filme. Ele também fez uma breve aparição como o Marechal Montgomery em um filme de 1957, Audácia a Jato / High Flight, estrelado por Ray Milland e dirigido por John Gilling.

O verdadeiro Ewin Montagu

Ewen Edward Samuel Montagu (1901-1985) era um juiz de direito britânico, oficial da Inteligência Naval e escritor. Ele nasceu em Londres, filho de Gladys, Baronesa Swaythling (nascida Goldsmid) e de Louis Montagu, 2º Barão Swaythling. Ele foi educado na Westminster School antes de se tornar um instrutor de metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial em uma Estação Aérea Naval dos Estados Unidos. Após a guerra, ele estudou no Trinity College, em Cambridge e na Universidade de Harvard. Montagu era um grande velejador e se alistou na Royal Navy Volunteer Reserve em 1938. Por causa de sua formação jurídica ele foi transferido para estudos especializados. De lá, foi designado para o Quartel-General da Marinha Real em East Yorkshire, em Hull, como oficial assistente da Inteligência. Montagu serviu na Divisão de Inteligência Naval do Almirantado Britânico, chegando ao posto de Tenente Comandante RNVR. De 1945ª 1973 Montagu ocupou o cargo de Juiz Advogado da Marinha e de 1954 a 1962 Presidente da United Synagogue. Seu irmão, Ivor Montagu era cineasta. Ele foi retratado também, em 2021 no filme Operation Mincemeat por Colin Firth. Durante o filme, o verdadeiro Montagu faz uma breve aparição como um vice-marechal da Royal Air Force, que tem dúvidas sobre a viabilidade do plano proposto, dirigindo-se ao falso Montagu, interpretado por Clifton Webb. Como curiosidade, no elenco consta o nome de Peter Sellers (emprestando sua voz para Winston Churchill) e do ator francês François Périer como um funcionário da Embaixada Britânica.

DESENHOS ANIMADOS NA TELEVISÃO

Quem gosta de ver desenhos animados na televisão?  Não se acanhem de responder afirmativamente, pois é engano pensar que só podem interessar às crianças. Curtí-los não tem nada de infantil, porque hoje são considerados como uma forma de arte peculiar.

Ela começou com os fantoches ingenuamente rabiscados por Emile Cohl, lá por volta de 1906, evoluindo incessantemente graças a alguns gênios como Walt Disney e Max Fleischer (criador da Betty Boop e do marinheiro Popeye) até chegar aos modernos cartoons onde se nota o máximo de aperfeiçoamento e… permissividade.

É claro que seu reino continua sendo basicamente o do conto de fadas, no qual tudo acontece facilmente, e o da fábula, com os animais falando, pensando e agindo igualzinho aos seres humanos.

Todavia, neste mundo mágico e irreal percebe-se a capacidade inventiva e a técnica extremamente laboriosa de artistas que dão vida e mesmo certa coerência ao absurdo, fazendo, às vezes, poesia.

Daí podermos falar numa arte da animação tão respeitável quanto as outras e que merece ser apreciada com seriedade.

Neste artigo recordamos alguns desenhos animados, hoje já praticamente esquecidos, que foram exibidos na nossa TV há alguns anos, sobre os quais escreví, quando assinava a coluna Por Dentro dos Seriados no encarte Amigão da revista Amiga.

Entre os desenhos animados que a Rede Globo exibia nos domingos nos anos 70 no programa Brucutu e sua Turma, encontramos Os Sobrinhos do Capitão / Captain and the Kids, baseado na história em quadrinhos de extraordinária longevidade. Seus personagens foram criados em 1897 por Rudolf Dirks e viveram suas primeiras aventuras sob o nome de Katzenjammer Kids, no Suplemento Dominical de um dos jornais de William Randolph Hearst, inspirando-se nas figuras dos traquinas Juca e Chico (Max und Moritz) inventados por Wilhelm Busch. DIrks contava as diabruras de uma dupla de garotos, Hans e Fritz, numa colônia alemã da África; era uma verdadeira guerrilha conduzida pelos moleques contra todas as formas de autoridade; mas, por vezes, eles sofriam as consequências de suas artimanhas. Em 1912, Dirks desentendeu-se com Hearst, passando a colaborar para o “World”, um jornal concorrente. O magnata da imprensa tentou impedí-lo na Justiça e o processo se encerrou com uma decisão salomônica: Dirks ficou com o direito de usar seus personagens e Hearst com o título. A historieta de Katzenjammer Kids reapareceu então no jornal de Hearst, desenhada por Harold Kneer, enquanto Dirks publicava suas próprias tiras no “World”, primeiramente denominadas Hans e Fritz e, mais tarde, The Captain and the Kids”. No cinema foram feitos dois filmes com os personagens em 1903 e, em 1917, o estúdio do gripo Hearst, International Film Service, sob a direção de Gregory La Cava, realizou “cartoons” em alguns dos quais participaram como animadores Walter Lantz e John Foster. Em 1938, a Metro produziu nova série de desenhos sob a supervisão de Robert Allen e William Hanna.

Nos anos 70, a Rede Globo jogou no ar, na Sessão Aventura, um desenho animado que girava em torno de um dos mais originais personagens das historietas em quadrinhos. Trata-se de O Homem Elástico (Plastic Man) que tinha o nome de Homem Borracha quando aparecia nas páginas da revista Lobinho nos anos 40.  A tira, criada por Jack Cole, autor também do Cometa e do Meia-Noite, era uma paródia de todos os super-heróis das comic strips existentes na época.

O Homem Borracha surgiu quando um bandido chamado O´Brien foi atirado num tanque contendo um ácido desconhecido que lhe deu o poder de se elastecer; desde então passa a combater o crime auxiliado depois por Balão (Woozy), um ex-presidiário que também se regenerara.

Eles formavam uma dupla realmente diferente no gênero e em suas aventuras (algumas escritas por Mickey Spillane) havia um equilíbrio entre a simples palhaçada e o humor sofisticado, além da própria excentricidade das mil e uma formas que o herói elástico assumia para enfrentar os bandidos. No cartoon exibido pela Globo, substituíram o Bolão por um tal de Hula-Hula e introduziram a figura feminina de Penny, a jovem que pilota o jato supersônico, no qual o trio parte sempre para novas missões, cumprindo ordens de um chefe tão absurdo como eles.

Muitos leitores já devem ter assistido a alguns desenhos animados da série Mr. Magoo que, além de terem sido exibidos nas telas dos cinemas, apareceram na Rede Tupi nos anos 60 e 70, mas talvez não saibam que eles fizeram parte de um movimento renovador no campo da animação cinematográfica, tendo inclusive sido contemplados com o Oscar da Academia em 1954 e 1956. Sua criação tem origem no início dos anos 40, quando irrompeu uma greve nos estúdios de Walt Disney e, em consequência, vários artistas foram buscar emprego nas demais companhias, que se beneficiaram bastante com transferência de talentos. Um outro grupo, liderado por Stephen Bosustow, resolve fundar a UPA (United Productions of America) com o propósito de revolucionar o gênero desenvolvendo um estilo bem diverso de tudo que vinha sendo feito neste campo artístico, procurando usar o som e a cor com mais flexibilidade imaginação, identificando-se com as tendências da arte moderna.

Stephen Bosustow

Na verdade, seus primeiros desenhos buscaram inspiração em alguns mestres da pintura do século 20, tais como Picasso ou Braque, tentando dar um tratamento virtualmente abstrato às histórias. Estas, por sua vez, baseavam-se em obras sérias, como o conto The Tell Tale Heart de Edgar Allan Poe ou Unicorn in the Garden de James Thurber, sendo o primeiro narrado por um ator de prestígio como James Mason.

Mas, como estes dois títulos de inegável significação não despertaram o interesse do grande público, a UPA decidiu então escolher personagens mais populares e enredos acessíveis, surgindo daí o Mr. Magoo (idéia do produtor John Hubley, criação de Millard Kaufman, direção principalmente de Pete Burness), um velhote míope, vestido com capotão, chapéu e cachecol, de bengala e fumando charuto, típico exemplar da classe média abastada. O personagem Mr. Magoo fo realmente derivado de várias figuras da vida real, entre elas, um tio de Hubley e W. C. Fields, entre outros.

Em 1997, Leslie Nielsen assumiu o papel de Mr. Magoo em um filme de ação ao vivo em longa-metragem, Mr. Magoo / Mr. Magoo (Dir: Stanley Tong), fracasso de bilheteria e malhado pelos críticos.

Magoo, por causa de sua precária visão, nunca percebe o perigo que está correndo, sacando, em face de cada situação, as mais incorretas suposições, sempre imperturbável e posudo. Esta atitude era sublinhada na versão original exibida nos cinemas não só pela fisionomia carrancuda e ventre avantajado da figurinha, como também pela voz característica, fornecida pelo comediante Jim Backus, que a dublagem não conseguia reproduzir. Mas podem notar que, ao invés daquelas criaturas redondinhas que os colaboradores de Disney faziam com tanta habilidade, os desenhistas de Mr. Magoo riscam formas plana, estilizadas, traços mais econômicos, não naturalistas, em cores frescas e audaciosas. Também os problemas são os de um ser humano e não mais peripécias de bichinhos; mas não se perdeu o eterno fascínio do desenho animado, ou seja, a possibilidade de acontecerem as coisas mais absurdas.

Tex Avery

Na década de setenta, os telespectadores ainda viram os desenhos animados de um dos mais talentosos artistas que os criaram: Tex Avery, texano gorducho, cego da vista esquerda, descendente em linha reta do legendário juiz Roy Bean. Ele começou nos anos 30, usando seu verdadeiro nome, Fred, como desenhista de Walter Lantz, passando logo após para a companhia de Leon Schlesinger, produtor independente dos cartoons distribuídos pela Warner., onde ajudou a desenvolver a figura do coelho Pernalonga (Bugs Bunny), do Patolino (Daffy Duck) e do Gaguinho (Porky), entre outros. Em 1942, transferiu-se para a Metro, tornando-se responsável por praticamente todos os desenhos, com exceção dos de Tom e Jerry; no estúdio da marca do leão criou o Droopy, espécie de Buster Keaton canino, o Screwy Squirrel e a dupla George e Junior, estes últimos inspirados nos protagonistas do filme Carícia Fatal / Of Mice and Men, baseado na novela de John Steinbeck e dirigido por Lewis MIlestone em 1939.

Pernalonga

Patolino

Gaguinho

Em 1954, voltou a colaborar com Lantz, inventando então o pinguim Picolino (Chilly Willy) e, um ano depois, resolveu dedicar-se exclusivamente aos comerciais para TV, tendo recebido vários prêmios. Com notável senso cômico e habilidade técnica ele dirigiu centenas de cartoons, entre os quais avultam algumas obras-primas como, por exemplo, Quem foi o Assassino / Who Killed Who / 1943, paródia dos romances policiais, empregando muitos clichês do gênero para fins de humor. Nos desenhos animados de Tex Avery estão presentes a fantasia anárquica e o universo absurdo que levou alguém a chamar Tex de … “O Walt Disney que leu Kafka”.

PAUL LENI NO CINEMA AMERICANO

Embora seja uma figura hoje negligenciada, ele foi um dos estilistas mais exuberantes dos últimos anos do cinema mudo. Sua maneira de filmar fortemente visual e plasticamente cativante sofreu influência do expressionismo alemão e, sob o aspecto do contéudo, inspirou-se nos primeiros seriados francêses de Louis Feuillade como Fantômas (1913-14) e Les Vampires (1916). Seu formalismo, assim como o de F. W. Murnau, deixou marcas profundas no cinema de Hollywood.

Paul Josef Levi (1885-1929) nascido em Stuttgart, Alemanha, filho de Moses Hirsch Levi e Rosa Mayer Levi, trabalhou ainda bem jovem como aprendiz de uma firma de ferragens ornamentais. Por volta de 1902 mudou-se para Berlim e se matriculou na Academia de Belas Artes para uma licenciatura em pintura. Em 1910, desenhou o cabeçalho art nouveau usado na capa do jornal especializado em cinema Lichtbild-Bühne e, depois disso, forneceu ilustrações para numerosos posters de filmes, além de servir como decorador dos interiores de um dos primeiros palácios do cinema de Berlim, o Lichtspielhaus Wittelsbach.

Paul Leni

Em 1913, começou uma longa associação com o produtor e diretor Joe May na Continental Kunstfilm, trabalhando como diretor de arte em filmes de detetive (Ein Ausgestossener / 1913 e Das Panzergewölbe / 1914). Convocado durante a guerra, dirigiu o drama documentário Der Feldarzt / Das Tagebuch des Dr. Hart / 1917. Continuando a servir como desenhista de produção para Ernst Lubitsch e Joe May, P. Leni também dirigiu seus próprios filmes, inclusive uma aventura exótica, Das Rätsel Von Bangalor / 1917, o conto de fadas Dornröschen / 1917 e o drama expressionista Patience / 1920.

Na Gloria-Film entre 1919 e 1921, seus desenhos incluíram as humildes habitações dos fazendeiros em Die Geier-Wally / 1921 de E. A. Dupont e os interiores resplandecentes de épicos históricos como Die Verschwörung Zu Genua / 1920-21, dirigido por ele mesmo e Lady Hamilton / 1921 de Richard Oswald. No drama de câmara Hintertreppe / 1921, seu pictorialismo hábil destacou-se do simbolismo um tanto pesado do codiretor Leopold Jessner.

Após fundar a companhia de produção Paul Leni- Film em 1922, ele e o compositor Hans May abriram o teatro de cabaré “Die Gondel”, financiado por emigrantes russos. Estes mesmos emigrantes eram donos da Neptun-Film, que produziu Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, dirigido por P. Leni, composto por três episódios distintos, estrelados por Emil Jannings como Harun al-Rashid, Conrad Veidt como Ivã, o Terrível, e Werner Krauss como Jack, o Estripador.

Leni continuou a demonstrar extrema versatilidade nos dois anos seguintes, desenhando cenários; colaborando com Guido Seeber em uma série de curtas-metragens de animação, que eram jogos de palavras cruzadas filmados; criando prólogos para estréias de filmes em cinemas de Berlim tais como Paraíso Proibido / Forbidden Paradise de Ernst Lubitsch, Peter Pan / Peter Pan de Herbert Brenon e Varieté / Varieté de E. A. Dupont.

Contratado por Carl Laemmle para ser diretor na Universal em Hollywood, P. Leni realizou O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1926-27, adaptação de uma peça da Broadway de John Willard que chamou atenção por sua iluminação extraordinária e seus efeitos pictóricos e o tornou conhecido como um mestre em filmes de mistério atmosférico. Subsequentemente dirigiu: O Papagaio Chinês / The Chinese Parrot / 1927; O Homem Que Rí / The Man Who Laughs / 1927-28 e O Último Aviso / The Last Warning / 1929. Contraindo uma sepse em decorrência de uma infecção dentária não tratada, P. Leni faleceu aos 44 anos de idade. Seus filmes exerceram uma influência profunda sobre a série de horror da Universal dos anos 30 e 40.

 

O GATO E O CANÁRIO.

Exatamente vinte anos após a morte do milionário recluso e excêntrico, Cyrus West, um grupo de parentes do falecido (Arthur Edmund Carewe, Forrest Stanley, Creighton Hale, Flora Finch, Gertrude Astor) chega à sua velha e assustadora mansão para a leitura do seu testamento ao bater da meia-noite. Porque não gostava das atitudes gananciosas de seus parentes – que estavam de olho na sua fortuna como um gato em torno de um canário -, West deixou todos os seus bens para o parente mais distante com o nome West – a inocente Annabelle (Laura La Plante). A única condição imposta é que ela deve ser declarada sã por um médico para herdar. Se Annabelle não for declarada em plena posse de suas faculdades mentais a fortuna passará para a pessoa nomeada em um segundo envelope guardado no cofre de West. Mas o advogado, Roger Crosby (Tully Marshal, responsável pela guarda do testamento, é encontrado morto. Logo depois, chega o guarda de um asilo próximo (George Siegmann) em perseguição a um louco fugitivo conhecido como The Cat (O Gato) assim chamado porque “rasga suas vítimas como o gato faz com os canários”. Enquanto os herdeiros passam à noite na mansão, Annabella é ameaçada pelo Gato e várias ocorrências inexplicadas levam a família a duvidar de sua sanidade. Até que o verdadeiro “monstro” é capturado pela polícia e vem a ser a pessoa indicada no segundo envelope.

Leni não procura disfarçar a origem teatral do argumento, mantendo uma unidade de lugar (o castelo), de tempo (a noite) e de ação (as consequências do testamento), mas narra a história de um modo visualmente estimulante, criando sequências nas quais o mistério se mistura com a comédia e o horror enquanto uma intriga policial prende nossa atenção do início ao fim do filme.

 

O PAPAGAIO CHINÊS.

Sally Randall (Marian Nixon), filha de um rico plantador havaiano, casa-se com Phillimore, o homem escolhido por seu pai, apesar de ter jurado seu amor a Philip Madden (Hobart Bosworth); arrancando de sua garganta as pérolas caras que lhe foram dadas por seu pai, Madden declara que um dia ele vai comprá-la pelo mesmo preço. Vinte anos mais tarde, agora uma viúva em dificuldades financeiras, Sally (agora interpretada por Florence Turner) põe as jóias à venda em San Francisco. Acompanhada por sua filha, Sally, ela fica surpresa ao descobrir que Madden negociava as pérolas que ela confiou a Charlie Chan (K. Sojin) um detetive chinês, e a venda foi condicionada à entrega das jóias na sua casa no deserto. Madden é feito prisioneiro por criminosos e personificado por um imitador, Jerry Delane (Hobart Bosworth), que acolhe Sally e Robert Eden (Edward Burns), o filho do joalheiro. Enquanto Chan está secretamente investigando, as jóias são roubadas por várias pessoas, mas sucede que um papagaio chinês, que testemunhou o sequestro, consegue contar tudo em inglês para o detetive.

Esta adaptação cinematográfica do romance de Earl Der Biggers de 1926 é considerada um filme perdido. Reproduzo um trecho sobre a realização publicado no jornal Correio da Manhã na época de seu lançamento no Cinema Pathé do Rio de Janeiro: “Pode-se sem receio afirmar que o conhecido diretor alemão Paul Leni revolucionou a arte cinematográfica, realizando uma admirável inovação na respetiva técnica. Essa técnica é inconfundivelmente sua, muito sua”.

O HOMEM QUE RI.

Por ordem do rei James II, inimigo político de seu pai, Gwynplaine (Conrad Veidt), ainda menino, teve seu rosto desfigurado, ficando com um perpétuo sorriso macabro. Ele se torna um palhaço famoso e na companhia de Dea (Mary Philbin), uma moça cega, viaja na carroça de Ursus (Cesare Cravina), um artista saltimbanco de coração generoso. Um romance se desenvolve entre Gwynplaine e Dea até que ele descobre que é herdeiro de um título de nobreza. Barkilphedro (Brandon Hurst), bobo da corte da rainha Anne (Josephine Crowell,) fica sabendo da reivindicação de Gwymplaine ao título. A rainha, vendo uma oportunidade de disciplinar sua meia-irmã, Duquesa Josiana (Olga Baclanova), restaura Gwynplane no seu título de nobreza e decreta que ele deverá se casar com Josiana; porém Gwinplane renuncia ao título, recusa o matrimônio com a duquesa e segue Dea e Ursus, que haviam sido banidos da Inglaterra. Na sua fuga, é perseguido pelos soldados da rainha e Barkilphedro. Escapando ileso, encontra Dea e Ursus no momento exato em que o barco que os conduz está partindo.

Apesar de ter um final feliz diferente do romance de Victor Hugo (no qual Gwynplaine chega demasiado tarde ao barco, encontra Dea afogada e se suicida por desespêro), P. Leni apresenta um resumo aceitável e inspirado da obra literária, misturando melodrama romântico, comédia, sátira, ingredientes do filme de capa-e-espada com  a magnificência dos cenários, um esplendor plástico e uma montagem trepidante, beneficiando-se sobretudo da magnífica interpretação de Conrad Veidt  que, apesar de seu sorriso estático, foi capaz de fazer transparecer suas emoções através de um olhar tão eloquente.

O ÚLTIMO AVISO

Em um grande teatro da Broadway, o ator John Woodford morre assassinado em plena representação, eletrocutado quando sua mão acabou de tocar um candelabro. Os principais suspeitos são a atriz principal feminina, Doris Terry (Laura La Plante), o substituto de Woodford, Richard Quayle (John Boles) e o parceiro de Woodford, Harvey Carleton (Roy d’ Arcy), apaixonado, como Quayle, pela jovem Doris. Quando o legista chega, o cadáver desapareceu. Cinco anos mais tarde, por iniciativa do um dramaturgo, Arthur McHugh (Montagu Love), que é na verdade um policial visando expor o assassino, o teatro é reaberto com a peça fatídica, usando artistas do elenco original ainda disponíveis. Os ensaios começam e com eles acontecimentos estranhos (cenário que desaba, vozes estranhas) supostamente calculados para amendrontar os componentes da companhia. Estes recebem uma série de bilhetes anônimos do morto, com terríveis advertências do que lhes acontecerá, se mantiverem o teatro aberto.  O “fantasma” de Woodford aparece e emite um último aviso. Finalmente, após vários acontecimentos, descobre-se o assassino e o motivo do crime.

Baseado na peça de Thomas F. Fallon, por sua vez inspirada na história “The House of Fear”, escrita por Wadsworth Camp, foi o último filme de P. Leni antes de sua morte prematura. Trata-se de um drama criminal de mistério contendo os ingredientes clássicos do gênero com alguns elementos de horror (perspectivas distorcidas, ângulos inclinados, câmera baixa, jogo de sombras, sustos com teias de aranha ou rajadas de morcegos). A câmera desliza por todos os lugares e maior parte dos planos ainda hoje suscita espanto e admiração por causa de seu brilhantismo, notando-se o emprego pioneiro de truque visuais como, por exemplo, a cena em que vemos o assassino mascarado balançando em uma corda nas vigas do teatro. P. Leni coloca a câmera na própria corda e a empurra para lá e para cá, a fim de captar do ponto de vista do perseguido a reação de seus perseguidores. Merece destaque ainda o desenho de produção de Charles D. Hall (colaborador do diretor também em O Gato e o Canário e O Homem Que Ri), notadamente o balcão barroco do teatro.

ZARAH LEANDER

Bela, alta, de olhos escuros e cabelos ruivos, com voz grave e quente, esta diva da canção de fossa foi uma das maiores estrelas femininas durante o Terceiro Reich e subsequentemente se tornou um ícone contracultural para os gays e drag queens alemães. No começo da Segunda Guerra Mundial, Zarah estava ganhando 150 mil RM por filme, mais do que qualquer outro ator daquela época (Emil Jannings recebia 125 mil RM; Hans Albers, 120 mil RM; Gustaf Gründgens, 80 mil RM).  Mais tarde, chegou a perceber 400 mil RM. Seu rosto aparecia em toda parte, seus discos vendiam-se aos milhares e eram ouvidos constantemente no rádio. Os críticos descreviam sua voz como o canto de uma sereia ou um chamado do céu. No Brasil, as revistas de cinema A Scena Muda e Cinearte estampavam constantemente suas fotos e publicavam matérias extensas a respeito dela. Os anúncios de seus filmes nos jornais apelidavam-na de … a esfinge nórdica. Seus fãs aqui em nosso país eram numerosos. Com a partida de Marlene Dietrich para Hollywood e a recusa de Greta Garbo de trabalhar em filmes alemães, Goebbels encontrou uma substituta ideal para elas na pessoa de Zarah Leander, que havia chamado a atenção do departamento de elenco da UFA por causa de sua voz parecida com a de Marlene e um rosto luminosamente belo reminiscente de Garbo.

Zarah Leander

Sara Stina Hedberg (1907 – 1981), nasceu em Karlsbad, condado de Varmlândia, Suécia, filha do pastor Lorentz Heberg e de Mathilda Wikstroem. Desde cedo atraída pelas artes, estudou piano e violino, apresentando-se como cantora primeiramente na igreja onde seu pai oficiava, acompanhando-se ao órgão. Quando adolescente, morou dois anos em Riga, na Letônia, onde aprendeu o idioma alemão e trabalhou como secretária em uma empresa de publicidade. Seguiram-se aparições em revistas, operetas e comédias nos teatros entre 1929 e 1935.

Sua primeira chance surgiu quando ela substituiu a atriz principal no papel de Hanna Glawari, “A Viúva Alegre” na opereta famosa de Franz Lehar. Isto se passou em Estocolmo e seu parceiro era Gösta Eckman, glória das cenas nórdicas. O que deveria ter durado o espaço de algumas representações, iria, dado o sucesso, continuar, igualmente em Copenhagen, um ano inteiro. Zarah estava definitivamente lançada no meio artístico.

As tournês (constituídas não somente por operetas, mas também por comédias e revistas) se seguiram, notadamente em Viena. Após algumas tentativas (Dantes Mysterier, Falska Millionären, ambos de 1931, Äktenskapsleken, de 1935), na verdade pouco convincentes, nos estúdios de cinema de seu país natal, Zarah havia mesmo jurado não repetir jamais a experiência. Mas, trabalhando em outra opereta, “Axel an der Himmelstür” em Viena, Geza von Bolvary conseguiu persuadí-la a tentar sua chance novamente nas telas. E foi assim que ela fez o papel de uma artista do teatro de revista em Première / Premiere / 1937, musical com aspectos de filme policial, produzido pela Gloria-Films que, apesar de uma qualidade mais do que discutível, obteve grande sucesso.

Recomeça a Vida

La Habanera

Seguiu-se um contrato com a UFA, onde Detlef Sierk (depois conhecido em Hollywood como Douglas Sirk) firmou sua persona típica de mulher sofredora em dois melodramas Recomeça a Vida / Zu Neuen Ufern / 1937 e La Habanera / La Habanera / 1937. Os filmes de Sierk também propiciaram a Zarah muita oportunidade de cantar suas típicas baladas melancólicas. Em Recomeça a Vida ela é uma cantora inglesa, Gloria Vane, que assume a culpa pela fraude cometida por seu amante (Willy Birgel) e é deportada para uma prisão de mulheres em Paramatta na Austrália. Em La Habanera ela é uma jovem sueca, Astrée Sternjhelm, que chega a Porto Rico, fica seduzida pelo ambiente tropical e por uma melodia popular (La Habanera) e se casa com Do Pedro de Avila (Ferdinand Marian), o homem mais influente da ilha, ciumento e autoritário. Dos cinco filmes de Zarah que pude adquirir em dvd, gostei mais destes pela imaginação visual de Sierck e pelas belas canções respectivamente de Ralph Benatzky (“Ich hab’ eine Tiefe Sehnsucht in mir” / Eu tenho uma saudade profunda em mim; “Yes, Sir!”/ Sim, Senhor!; “Ich Steh’ im Regen und warfe auf Dich”/ Eu estou na chuva a esperar por você. ) e Lothat Brühne (“Der Wind hat mir ein Lieden erzählt” / O Vento contou-me uma história; “Du kannst es nichwissen”/ Você não pode sabê-lo; “A-B-C … Kinderlied”./ A-B-C … Cantigas Infantís)       interpretadas pela atriz com aquela “voz feita de trevas e mistério” como diziam pitorescamente os jornalistas da época. Os outros que ví, Minha Terra, Noite de Baile e Der Grosse Liebe, não me agradaram tanto, mas a presença de Zarah é sempre fascinante.

Minha Terra

Depois da partida de Sierk para o exílio por causa de sua orientação política e sua mulher judia, outros diretores deram prosseguimento à fórmula, especialmente Carl Froelich, que dirigiu Zarah em Minha Terra / Heimat / 1938, Noite de Baile / Es War Eine Rauschende Ballnacht / 1939, Coração de Rainha / Das Herz Der Königin / 1940, no qual ela fez o papel da Mary Stuart, Rainha da Escócia.

Noite de Baile

A UFA lançou uma grande campanha publicitária em torno de sua estrela em um estilo que só ela poderia ter conseguido, comercializando Zarah vigorosamente. Cada mínimo detalhe de suas aparições era cuidadosamente planejado. Quando Zarah partia em grandes viagens de publicidade no exterior, não ela, mas o departamento de figurinos da UFA, decidia o que deveria vestir, onde e como. Para ter certeza de que a atriz não cometesse nenhum erro, os costureiros lhe davam longas listas, que prescreviam com grande detalhe a composição de suas roupas e os acessórios apropriados para cada ocasião.

A pessoa mais importante neste trabalho foi o diretor de fotografia Franz Weihmayr, cujo currículo incluía principalmente os documentários de Leni Riefenstahl, O Triunfo da Vontade / Triumph des Willens / 1934 e Olympíadas e Mocidade Olympica/ Olympia, Fest der Volker, Fest der Schönheit / 1936. Weihmayr passava horas iluminando um close-up daquele rosto com ossos fortes e olhos langorosos para que pudesse revelar o mistério e a melancolia que se tornaram a encarnação de sua indescritível tristeza. Nos anos do pré-guerra e ainda mais durante a guerra, os alemães sob o Estado Nazista encontraram nesta tristeza o romantismo que lhes fôra negado na sua vida cotidiana e a força da qual eles desesperadamente necessitavam.

DIe Grosse Liebe

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as personagens de Zarah serviram como exemplo propagandístico para as mulheres que ficaram sozinhas na frente doméstica, particularmente em Abnegação / Der Weg Ins Freie / 1941 e Die Grosse Liebe / 1941, um dos filmes de maior sucesso do período nazista. Lançado em 12 de junho de 1942, conta uma história de amor entre um piloto alemão (Viktor Staal) de licença e uma cantora dinamarquesa do teatro de revista, Hanna Holberg (Zarah Leander) e seus problemas contínuos quando a guerra interrompe sua relação. Foi a maior contribuição da UFA para estabilizar o desmoronamento moral da frente doméstica da Alemanha. Apenas duas semanas antes, o primeiro grande ataque aéreo britânico havia reduzido a escombros o distrito central de Colônia em noventa minutos.

Raposa Azul

Nas décadas de trinta e quarenta, Zarah ainda fez: Raposa Azul / Der Blaufuchs / 1939; Canção do Deserto / Das Lied Der Wuste / 1939 e Damals / 1943. Entretanto, depois de ter sido orientada a adotar a nacionalidade germânica e a Ufa não querer mais respeitar a cláusula de seu contrato, segundo a qual ela deveria receber parte de seus honorários em moeda sueca, Zarah rescindiu seu contrato com a empresa alemã em 1943 e decidiu retornar para sua terra natal. A destruição de sua vila em Berlin- Grunewald durante um bombardeio, também contribuiu para a tomada desta decisão. Levando dois tapetes persas – tudo o que lhe restou – ela embarcou no primeiro avião para a Suécia.

Damals

As autoridades de lá proibiram-na de trabalhar, e outras proibições neste sentido foram estendidas na Alemanha e na Austria no final da guerra. Todavia, em 1949, Zarah foi capaz de reiniciar sua carreira de cantora e atriz. Embora seus filmes do pós-guerra nunca igualaram o êxito dos seus anos na Alemanha, o filme que marcou seu primeiro retôrno, Gabriela / 1950, dirigido por Géza von Cziffra, ainda foi a terceira produção cinematográfica de maior bilheteria na Alemanha Ocidental, seguindo-se, nos anos cinquenta: Destino de uma Mulher / Ave-Maria; Cubacabana / 1957 e Meu Filho é Inocente / Der Blaue Nachtfalter / 1959.

Zarah casou-se primeiro como o ator Nils Leander, com quem teve dois filhos, Göran e Böel. A união durou pouco por causa da diferença de idade e, sobretudo, por uma incompatibilidade de temperamento flagrante. Ela então conheceu o jornalista Vidar Forsell, união que se desfez em 1945. Em 1956, desposou seu compatriota, o pianista e chefe de orquestra Arne Hülphers, matrimônio que perdurou até a morte de Hülphers em 1978.

Em 1965, Zarah foi vista em uma comédia musical cujo assunto foi tomado emprestado de Oscar Wilde, no qual ela cantava “Ich Bin Eine Frau mit Vergangenheit” (Eu sou uma mulher que tem um passado). Em 1973 a biografia de Leander foi publicada (Es war so wunderbar – Mein Leben (Ela foi maravilhosa – Minha Vida). Ela fez sua última aparição em Estocolmo em 1978.

A MARCHA DO TEMPO E LOUIS DE ROCHEMONT

Muitas décadas já se passaram desde que os newsreels (cine-jornais) apareciam nas telas dos cinemas e hoje os espectadores que os conheceram não devem mais se lembrar deles. O público mais jovem nem sequer sabe que eles existiram.

O cine-jornal era um pot-pourri de cenas com duração de cinco a dez minutos cobrindo notícias filmadas, que costumava ser exibido duas vezes por semana nos cinemas americanos. Por mais de meio século, de 1911 a 1967, ele sobreviveu intacto e, durante este tempo, fez parte dos programas de praticamente todas as salas de exibição dos Estados Unidos.

No auge de sua existência, funcionavam cinco grandes cine-jornais americanos: Fox Movietone News (20th Century-Fox Atualidades); Hearst Metrotone News (Metrotom Atualidades), depois reintitulado News of the Day (Notícias do Dia) distribuído a partir de certa data pela Metro; Paramount News (A Voz do Mundo); Pathé News (depois RKO-Pathé News e Warner-Pathé News (Atualidades RKO-Pathé, depois Warner-Pathé), Universal News (Noticiário Universal).

Uma série de fatores levaram ao fim do cine-jornal, principalmente a competição com os noticiários da televisão, que eram mais rápidos e mais completos na sua cobertura. A partir dos anos cinquenta, eles foram desaparecendo: Warner Pathé fechou em 1956; Paramount News em 1957, Fox Movietone News em 1963 e Hearts Metrotone News e Universal News em 1967.

Muitos críticos consideravam o cine-jornal fundamentalmente falho como meio jornalístico por causa da relutância dos produtores em tratar de assuntos polêmicos. Os críticos também achavam que não conseguia apresentar um tratamento completo das atualidades. Por causa de sua breve duração e sua cobertura de tantos assuntos diferentes, o tratamento de qualquer evento era superficial ou inadequado. Claramente, nos meados dos anos trinta havia chegado a hora de um “cine-jornal interpretativo”, que pudesse explorar notícias selecionadas com maior profundidade.

A Marcha do Tempo, lançado em 1935 pela Time Inc., produzido por Louis de Rochemont, distribuído pela 20th Century-Fox, preencheu esta necessidade e revolucionou os conceitos existentes do jornalismo fílmico, causando durante 16 anos um grande impacto sobre o público americano e internacional. Sua criação, tanto no rádio como no cinema, deveu-se a Roy Edward Larsen, originalmente gerente de circulação e depois gerente geral da Time e figura mais influente na empresa depois de seu fundador Henry Luce.

Em 1928, Larsen, em associação como o executivo do rádio Fred Smith, empreendeu a transmissão semanal de uma série de programas de 10 minutos de breves resumos de notícias extraídas dos números correntes da revista Time. Para este programa, Larsen cunhou o termo “Newscasting”, logo convertido em uma nova série chamada “Newsacting”, que apresentava esquetes dramáticos interpretados por atores profissionais com acompanhamento de efeitos sonoros, ilustrando notícias de jornal correntes. A série era oferecida de graça para as estações de rádio em troca de publicidade para a revista Time. Embora mais de cem estações se inscrevessem no programa, Larsen e Smith ficaram insatisfeitos com seu formato modesto e propuseram a Luce que a Time produzisse um programa de meia hora com mais recursos, utilizando “os dez melhores atores do rádio”, um “locutor extraordinário”. “uma orquestra esplêndida” e um “diretor inteligente”. No momento oportuno, eles conseguiram o que desejavam.

Transmissão da A Marcha do Tempo no rádio

O título de uma canção de Harold Arlen, “The March of Time”, que havia sido escrita para uma produção da Broadway, foi escolhida para a série e a própria canção usada como música de abertura. A primeira transmissão ocorreu em 6 de março de 1931 através da CBS e ficou no ar até 1945 como um dos programas de rádio mais populares, ouvido por milhões de americanos. Ao longo dos anos funcionaram três “locutores extraordinários”, Ted Husing, Harry Von Zell e Westbrook Van Voorhis; uma “orquestra esplêndida” conduzida em épocas diferentes por Donald Voorhees e Howard Barlow; “diretores inteligentes” como  Arthur Pryor, Jr. e Don Stouffer; e finalmente alguns “dez melhores atores” foram contratados, entre outros: Agnes Morehead, Nancy Kelly e Jeannette Nolan (que interpretaram Eleanor Roosevelt de tempos em tempos); Art Carney, Bill Adams e Stats Cotsworth (todos os quais interpretaram Franklin Roosevelt); Dwight Weist (Adolf Hitler), Edwin Jerome (Josef Stalin e Hailé Selassié), Ted de Corsia (Mussolini), Peter Donald (Neville Chamberlain), Jack Smart (Huey Long), Maurice Tarplin (Winston Churchill), Gary Merrill, Kenny Delmar, Arlene Francis, Ray Collins, Pedro de Cordoba, Porter Hall, Arnold Moss, Paul Stewart, Juano Hernandez, John McIntire, Everett Sloane  e um Orson Welles muito jovem. A série foi suspensa em 1939, revivida em 1941 e, com um novo formato, durou até 1945, quando saiu do ar.

Orson Welles no programa radiofônico

Tendo em vista o talento de Larsen para a inovação jornalística, era inevitável que ele consideraria converter A Marcha do Tempo em uma série cinematográfica. A pessoa escolhida para produzir a série no cinema foi um veterano cinegrafista chamado Louis de Rochemont, produtor de séries de curta metragem como Tapete Mágico / Magic Carpet e As Aventuras de um Operador Cinematográfico / Adventures of a Newsreel Cameramen na Fox Movietone Corporation. A Marcha do Tempo foi fundada em 1934, separada mas sob o controle e propriedade da Time, Inc. com escritórios na 135 East 42nd Street em Nova York e, em 26 de janeiro de 1935, cerca de 500 cinemas haviam reservado a série antecipadamente para a sua programação.

Louis de Rochemont

Louis de Rochemont (1899 – 1978) nasceu em Chelsea, Massachussetts, filho de um advogado de Boston, Louis L. G. Rochemont e Sarah Wilson Miller. Sua família descendia dos huguenotes francêses que haviam se instalado em New Hampshire, região da Nova Inglaterra, nos anos 1820. Ele foi criado e educado próximo à Winchester, vila localizada em Massachussetts.  Aos 13 anos de idade, já estava trabalhando como cinegrafista de cine-jornais autônomo, fornecendo aos cinemas da região cenas filmadas de cidadãos locais e eventos com uma câmera de 35mm.

Aos 16 anos de idade, chamou atenção com sua cobertura da prisão de Werner Horn, sabotador alemão acusado da demolição de uma ponte em Vanceboro, Maine. Ao saber da apreensão de Horn, Rochemont e outros cinegrafistas de cine-jornais partiram apressadamente para para Portland, local da prisão, onde descobriram que haviam chegado atrasados para filmar o encarceramento. Rochemont permaneceu no local até que seus competidores fossem embora e então persuadiu, tanto o xerife como o sabotador, a “recriar” conjuntamente o aprisionamento exatamente como havia ocorrido antes. Este foi a primeira tentativa de Rochemont de “recriar”a realidade, reencenando eventos reais.

Durante a Primeira Guerra Mundial Rochemont serviu na Marinha e, ao retornar para a vida civil, trabalhou subsequentemente na Hearst International Newsreel, Pathé News e Fox Movietone News, onde produziu a série Tapete Mágico e As Aventuras de um Operador Cinematográfico. Em 1933, ele se aventurou na produção independente de um documentário de 70 minutos intitulado The Cry of the World, que construiu com material filmado da guerra e de cine-jornais do acervo da Fox Movietone. O filme era uma acusação contundente da guerra e da opressão e deu uma idéia dos conflitos militares que ainda estavam por vir. Foi um dos primeiros longas-metragens de compilação (editado a partir de imagens de arquivo) com som ótico. Entretanto, em 1933, o filme – utilizando técnica de montagem que se tornariam populares nos anos 60 e 70 – era temática e estilisticamente adiante de seu tempo e foi um fracasso financeiro.

Porém Rochemont nunca olhava para trás e começou a trabalhar em uma série inteiramente nova, chamada March of the Years, recriando acontecimentos históricos envolvendo pessoas célebres ou infame, que foi inspirada pela versão radiofônica de A Marcha do Tempo.  O objetivo de Rochemont era “reencenar” o passado de um modo ao mesmo tempo convincente e divertido, usando atores e atrizes profissionais nos papéis de personagens históricos conhecidos. A série foi anunciada como “O primeiro curta-metragem diferente desde Mickey Mouse” e foi exitosamente distribuída pela Columbia Pictures. A maioria dos atores da nova série vinham do teatro, muitos dos quais aparecia em filmes pela primeira vez, entre eles Charles Coburn, que interpretava o político do final do século XIX, William M. Tweed, conhecido como o “Czar de Nova York”.

Estes foram os antecedentes do homem que, aos 35 anos de idade, foi contratado para lançar o novo projeto ambicioso de Roy Larsen, a Marcha do Tempo, nos cinemas. Em 1 de fevereiro de 1935, o primeiro exemplar da série foi lançado no Capitol Theatre em Nova York e quase simultaneamente em 71 cinemas de primeiro lançamento através do país. Com duração de 22 minutos, cobrindo uma ampla variedade de assuntos, em um estilo que os produtores chamavam de “jornalismo pictórico”.

Entre os principais colaboradores de Louis de Rochemont estavam seu irmão Richard, que por muitos anos comandou uma operação agressiva muito eficiente para a Marcha do Tempo na Europa; John Grierson, Harry Watt, Len Lye, que estavam criando o movimento documentarista britânico;  Gunther von Fritsch (conhecido depois por sua participação na série de horror de Val Lewton) e Franklin Schaffner (diretor de O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes e outros bons filmes dos anos 60-70); Jack Glenn, realizador dotado de muita energia e tenacidade, responsável por mais de 121 dos 290 episódios de A Marcha do Tempo.

Rochemont contou ainda com três diretores musicais (John Rochetti, Louis De Francesco, Jack Shaindlin); o chefe de montagem Lothar Wolff (que trabalhou com grandes diretores como G. W. Pabst, Fritz Lang, Rex Ingram e Abel Gance); vários roteiristas destacando-se Jimmy Shute e John Martin; Tom Orchard, braço direito de Louis que exerceu várias atividades durante os anos 30; os cameramen Jimmy Hodgson, Victor Jurgens, Peter Hopkinson, Frank Follette, Eric Salomon, Julian Bryan e técnicos de montagem e corte como Jack Bradford e Morris Roizman, para citar apenas os mais importantes. Porém o mais popular de seus colaboradores foi sem dúvida (Cornelius) Westbrook Van Voorhis, cuja voz poderosa e autoritária narrou A Marcha do Tempo durante toda a sua história, empolgando os quando dizia o bordão “Time … Marches On!”. Em 1936 a Academia ofereceu um Oscar Especial para A Marcha do Tempo “por sua importância para o Cinema e por ter revolucionado um significativo ramo da indústria – o jornal cinematográfico”. O episódio da série, A Chance to Live / 1949, estudo sobre os órfãos empobrecidos e brutalizados na Itália do pós-guerra, concorreu ao Oscar com o filme de animação So Much for So Little da Warner Bros. na categoria de Melhor Documentário Curto, ocorrendo um empate entre as duas realizações.

 

Primeiramente, cada cine-jornal de A Marcha do Tempo tinha vários segmentos, mas desde 1938 passou a abordar apenas um tópico, como foi o caso de Inside Nazi Germany, feito para condenar a militarização, opressão e ideologia do regime Nazista. Em 1940, Rochemont produziu e dirigiu o primeiro longa-metragem de A Marcha do Tempo, The Ramparts We Watch, dramatização do impacto de Segunda Guerra Mundial em uma pequena cidade americana. Em 1942, produziu We Are the Marines e seu irmão Richard cuidou de The Story of the Vatican / 1941 e The Golden Twenties / 1950.

 

Em 1943, Louis se juntou à 20th Century-Fox, para a qual produziu, no ano seguinte, o documentário Belonave / The Fighting Lady, premiado com o Oscar. Após a Segunda Guerra Mundial, ainda como produtor da Fox, ele foi pioneiro na filmagem de longas-metragens de ficção em estilo semi-documentário, destacando-se os excelentes dramas de espionagem A Casa da Rua 92 / House on 92nd Street / 1945 e 13, Rua Madeleine / 13, Rue Madeleine / 1946, ambos dirigidos por Henry, e o drama criminal O Justiceiro / Boomerang /.1947, dirigido por Elia Kazan).

Posteriormente, Rochemont tornou-se produtor independente, formando a Louis de Rochemont Associates com ex-colegas de A Marcha do Tempo. Seus filmes subsequentes: Fronteiras Perdidas / Lost Boundaries. 1951 – O Direito de Viver / The Whistle at Eaton Falls. 1952 – Caminhe para o Leste / Walk East on Beacon! 1953 – Martim Lutero / Martin Luther. 1955 – Cinerama Holiday. 1958 – Windjammer. 1960 – Contra Espionagem / Man on a String. 1961 – Em Roma na Primavera / The Roman Spring of Mrs. Stone..

Rochemont atuou ainda como produtor de fachada para A Revolução dos Bichos / Animal Farm / 1954, filme de animação de propaganda anticomunista, financiado pela Central Intelligence Agency (CIA). Esta agência forneceu a quantia necessária para Rochemont adquirir os direitos de filmagem da sátira política de George Orwel e ele contratou o casal de animadores britânicos John Halas e Joy Batchelor para dirigir o filme, que foi  apresentado no Brasil em  dezembro de 1962  durante   o   festival “Panorama do Cinema de Halas e Batchelor”, organizado pela Cinemateca do MAM em colaboração com o British Council,  com a presença dos cineastas..

D. PEDRO I NO CINEMA ARGENTINO

Um fato curioso pouco conhecido dos fãs de cinema: em 1941, a Columbia Pictures firmou um contrato com a companhia Lumiton, de Buenos Aires, para distribuição no Brasil do filme Embrujo, cujo argumento versava sobre os amores de D. Pedro I com Domitila de Castro Canto e Melo e que foi exibido entre nós como o título de A Marquesa de Santos.

O filme foi dirigido por Enrique Telémaco Susini, autor do roteiro de parceria com o poeta, professor, ensaista e conferencista Pedro Miguel Obligado. Susini (1891-1972) foi um empresário argentino e pioneiro da mídia. Em 1920, liderou o esforço para a primeira transmissão radiofônica na Argentina e subsequentemente fundou uma das primeiras estações de rádio regulares do mundo. Durante os anos vinte e trinta ele se tornou um empresário de sucesso na indústria nascente do rádio e do cinema. Além de seus interesses comerciais, Susini era um artista talentoso. Trabalhou como diretor de teatro na Argentina e Itália e dirigiu 5 filmes, um italiano (Noites do Danúbio / Finisce Sempre Cosi / 1939) e 4 argentinos (Los Tres Berretines, / 1933; Ayer y Hoy / 1934; La Chismosa / 1938; A Marquesa de Santos / Embrujo / 1941, produzidos pela Lumiton, que ele fundou em 1932 no início da Idade de Ouro do Cinema Argentino com outros sócios e na qual trabalhou o famoso diretor de fotografia John Alton.

 Alice Barrié e Georges / Jorge Rigaud em uma cena de A Marquesa de Santos

Entre os intérpretes de A Marquesa de Santos destacavam-se Alice Barrié (Domitila), Ernesto Vilches (José Bonifácio), Pepita Serrador (Imperatriz Leopoldina), Carlos Tajes (Chalaça) e Georges Rigaud, no papel de D. Pedro.

Pedro Jorge Rigato Delissetche, mais conhecido pelos seus nomes artísticos George Rigaud ou Jorge Rigaud nasceu em Buenos Aires e, entre 1932 e 1981, construiu uma carreira internacional extensa, compreendendo o cinema francês, americano, italiano, britânico, alemão, espanhol e argentino. Ele morreu em um acidente em Leganés (município localizado na província de Madrid), atropelado por uma motocicleta.

Colhí na revista A Scena Muda estas informações sobre a filmagem de Embrujo, que reproduzo tal como está escrito: “O Sr. Susini, não somente levou fotos destinadas a autenticar ambientes do filme, como contratou quatro pessoas do Rio como integrantes do ‘cast’.  Uma dessas era a artista do teatro popular, Celeste Aida, que iria fazer o papel de macumbeira numa cena de bruxaria (embrujo, feitiço), tendo-se submetido a provas e sido contratada. Infelizmente certas demoras vieram perturbar a viagem de Celeste não podendo ela tomar parte no filme. Dos outros brasileiros, peritos em capoeiragem, somente dois. Puderam ir a Buenos Aires para filmar as cenas de lutas entre capoeiras e outros arruaceiros. Eram três os contratados pelo Sr. Susini, mas apenas dois chegaram a Buenos Aires, após inúmeros contratempos … O filme para o Brasil é falado em português, cuja dublagem foi realizada em Buenos Aires. A cinematografia argentina presta, desta maneira, fidalga homenagem ao Brasil, trazendo para a tela uma página de nossa história política, celebrizada pela galantaria de Pedro I e as angústias da Imperatriz, mártir dos amores levianos do seu augusto e estouvado esposo”.

Carlos Tajes ,Alicia e Rigaud em A Marquesa de Santos

A Marquesa de Santos foi lançado no Rio de Janeiro no Cinema Plaza em conjunto com as salas Astoria, Olinda, Ritz e Parisiense, pertencentes ao Circuito Vital Ramos de Castro. Em São Paulo, a produção argentina foi apresentada no Cinema Rosário, situado na parte inferior do Edifício Martinelli no Anhangabaú, em avant-première de caridade.

Interessante, personagens da nossa história serem retratados por artistas portenhos numa produção caríssima para a época, filmada com muito luxo e esplendor, tanto no vestuário quanto na cenografia, tendo ainda canções e quadros coreográficos afro-cubanos como atrativo. Porém, infelizmente, segundo o crítico Domingo de Nubila, o romance entre o nosso monarca e Domitila de Castro Canto e Melo foi narrado numa linguagem pouco cinematográfica, sem o menor poder de sugestão.

Convém acrescentar que Rigaud não tinha a menor semelhança física como o nosso galante imperador, mas isso costuma acontecer com frequência no mundo imprevisível do cinema.

ESTRELAS DO CINEMA FRANCÊS IV

MADELEINE RENAUD (1900-1994). Nome verdadeiro: Lucie Madeleine Renaud. Local de nascimento: Paris, França.

Madeleine Renaud

Ainda mocinha leu uma fábula por ocasião de uma festa de caridade. Por acaso, o ator Maurice de Féraudy estava lá e aconselhou sua mãe a encaminhar Madeleine para o teatro. Mamãe aceitou o conselho com a condição de que a filha cursasse o Conservatório e entrasse para a Comédie Française. A jovem saiu do Conservatório com seu primeiro prêmio (no papel de Agnès de “L’École des Femmes” de Molière – empatada com Marie Bell) e entrou para a prestigiosa companhia teatral fundada por Richelieu.

Em 1922, aos dezoito anos de idade, casou-se com o ator Charles Granval, perto de vinte anos mais velho do que ela. “Sem Granval, ela seria uma boa comediante. Sob sua influência, ela se tornou artista” (diria Jean-Louis Barrault). Membro permanente da Comédie desde 1928, Madeleine interpretou as jovens das peças de Molière (Henriette, Angélique, Marianne) e depois as coquetes de Marivaux e de Beaumarchais.

Madeleine iniciou sua carreira na cena muda em Vent Debout / 1923 de René Leprince, seguindo-se algum tempo depois La Terre qui Meurt / 1927 de Jean Choux. No início do cinema falado, distinguiu-se em Jean de La Lune, também de Jean Choux, como Marceline, ao lado de René Levèfre (Jean de la Lune) e Michel Simon (Clo Clo), e logo em seguida fez três filmes dirigidos pelo americano Harry Lachman (Mistigri / 1931; A Costureirinha da Província / La Couturière de Luneville /1932 e La Belle Marinière / 1932) inusitados, porque embora rodados na Paramount de Joinville, não eram versões de filmes hollywoodianos.

Madeleine ganhou mais notoriedade na tela em La Maternelle / La Maternelle / 1933 de Jean Benoît-Levy e Marie Epstein, no qual era Rose, jovem de origem burguêsa que trabalha em uma escola pobre e adota uma menina  abandonada. Rose é pedida em casamento por um médico e a criança, não podendo suportar o que ela ressente como uma traição, tenta se suicidar.

Ainda nesse período, Túnel Submarino / Le Tunnel / 1933 (versão francêsa) de Kurt Bernhardt e Primerose / 1934 de René Guissart  deram-lhe uma visibilidade ainda maior, reforçada graças a sua intervenção em um dos grandes filmes de Julien Duvivier, Maria Chapdelaine / 1934. No Canadá, Maria Chapdelaine é cortejada por três homens: um caçador  (François / Jean Gabin), um lenhador (Eutrope / Alexandre Rignault) e um citadino que vem regularmente comerciar na região (Lorenzo / Jean-Pierre Aumont). Ela prefere François, mas este morre de frio, ao enfrentar imprudentemente uma tempestade. A expressão no rosto de Madeleine Renaud, quando Maria avista o corpo inerte do seu amado, enrolado no cobertor, ninguém jamais esquece.

Após participar de mais alguns filmes, a atriz antigiu o auge de sua capacidade interpretativa em quatro filmes notáveis realizados  por Jean Grémillon: O Homem que Viveu Duas Vidas / L’Étrange Monsieur Victor / 1938; Águas Tempestuosas / Remorques / 1941; Lumière d’Été / 1943 e O Céu lhe Pertence (TV) / Le Ciel est à Vous / 1944. No primeiro, ela é a encantadora Madeleine, esposa do gordo e próspero Victor Agardanne (Raimu), que vive uma vida dupla de um comerciante honesto e respeitado durante o dia, que à noite se torna chefe de uma quadrilha de ladrões; no segundo, ela é Yvonne, que sofre de uma doença cardíaca enquanto seu marido, o capitão de um rebocador (Jean Gabin) se deixa seduzir por outra mulher (Michèle Morgan); no terceiro, ela é Cri-Cri, proprietária de um hotel nos Alpes e antiga amante de um aristocrata perverso (Paul Bernard),  implicado em um assassinato; no quarto, ela é Thérèse, cônjuge de Pierre Gauthier (Charles Vanel), proprietários de uma pequena garagem, que se apaixonam pela aviação, e Thérèse acaba batendo o recorde feminino  de distância em linha reta.

Nos anos cinquenta e sessenta, Madeleine fez mais alguns filmes (sendo os mais importantes O Prazer / Le Plaisir / 1952 de Max Ophuls, como Julia Tellier no segmento “La Maison Tellier” e Assim Deus Mandou / Les Dialogues des Carmélites / 1960, como a primeira Madre Superiora), e vários telefilmes, tendo sido o derradeiro deles, Oh! Les Beaux Jours, baseado na peça de Samuel Beckett, no qual ela atuou ao lado de seu segundo marido, Jean-Louis Barrault. Seu último filme foi La Lumière du Lac / 1988 de Francesca Comencini.

Madeleine Renaud e Jean-Louis Barrault estiveram duas vêzes no Brasil, estreando com sua companhia teatral no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1950 com as peças “La Seconde Surprise de L ‘Amour” de Marivaux e “Les Fourberies” de Scapin de Molière em 7 de maio de 1954 com as peças “Oedipe” de André Gide e “Amphitryon” de Molière. No repertório que trouxeram, constava também, entre outras, “Hamlet” de William Shakespeare, em uma tradução de André Gide.

VIVIANE ROMANCE (1912-1991). Nome verdadeiro: Pauline Ronacher Ortmans. Local de nascimento: Roubaix, Nord , França.

Viviane Romance

Estréia no mundo do espetáculo aos treze anos de idade como dançarina  no Teatro Sarah Bernhardt. Aos quatorze anos, junta-se à trupe do Moulin Rouge, onde chamou atenção quando esbofeteou a grande Mistinguett, que havia cometido a infelicidade de lhe falar de uma maneira um pouco rude. Ela parte então para dançar o can-can no Bal Tabarin e, aos dezesseis anos, passa para a opereta e o teatro de boulevard. Eleita Miss Paris aos dezoito anos, Viviane provoca um novo escândalo, quando se descobre que ela está grávida. Destituída de seu título, ganha em compensação uma certa notoriedade.

Viviane apareceu no cinema em 1929, trabalhando como figurante e depois fazendo

pequenos papéis (v. g. em Liliom / Liliom / 1934 de Fritz Lang; A Bandeira / La Bandera / 1935 de Julien Duvivier; Princesa Tam Tam / Princesse Tam Tam /  1935 de Edmond T. Gréville), até conquistar um lugar mais importante no elenco de Camaradas / La Belle Équipe / 1934. Neste filme exemplar de Julien Duvivier, Viviane é Gina, a jovem que provoca uma rivalidade amorosa entre Charles (Charles Vanel), seu ex-marido, e Jean (Jean Gabin), dois operários desempregados que ganharam o prêmio da loteria juntamente com outros três colegas, e resolveram se associar, para construir um restaurante.

A partir daí, Viviane encontrou mais oportunidades de demonstrar seu talento como Molly em O Puritano / Le Puritain / 1937 de Jeff Musso; Lolita em O Ídolo das Mulheres / Naples au Baiser de Feu / 1937 de Augusto Genina; como Hilda em  Traidora / L ‘Homme à Abattre / 1937 de Léon Mathot; como Adrienne Robineau em O Homem que Vivia Duas Vidas / L’Étrange Monsieur Victor / 1937 de Jean Grémillon; Gaby em Mademoiselle Docteur / Salonique, nid d’espions / 1937 de G.W. Pabst; Blanche du Placet em O Jogador / Le Joueur  de Louis Daquin (versão francêsa de Der Spieler de Gerard Lamprecht); Safia em Pecadoras de Tunis / La Maison du Maltais / 1938 de Pierre Chenal; Régine em Prisão de Mulheres / Prison des Femmes / 1938 de Roger Richebé; Mercedes em Gibraltar / Gibraltar / 1938 de Fedor Ozep; Angélica em Angélica / La Rose du Sang / 1939 de Jean Choux; Mireille em A Escrava Branca / L’Esclave Blanche / 1939 de Marc Sorkin;  Clara Véry em À Uma da Madrugada / La Tradition de Minuit / 1939 de Roger Richebé.

Sua presença no melodrama romântico e exótico Pecadoras de Tunis é inesquecível. Como Safia, uma prostituta européia que espera um filho de Matteo (Marcel Dalio),  um vagabundo, poeta e contador de histórias e depois, pensando que ele está morto, casa-se com um arqueólogo rico (Pierre Renoir), vindo a ser chantageada por um escroque (Louis Jouvet), Viviane celebra  toda a  sua beleza e o seu poder de sedução.

Nos anos quarenta, ela prosseguiu sua carreira, participando de quatro filmes, tendo como parceiro seu então marido, Georges Flamant (Vénus Aveugle / 1941, um dramalhão de Abel Gance; Cartacalla, reine des gitans / 1942 de Léon Mathot; Feu Sacré / 1942 de Maurice Cloche; Une Femme dans la Nuit / 1943 de Edmond T. Gréville), seguindo-se algumas realizações mais apreciáveis: Os Amores de Carmen / Carmen / 1945 de Christian-Jacque; Manon, a 326 / La Route du Bagne de Léon Mathot; A Tentadora / La Boîte aux Rêves / 1945 de Yves Allégret;  O Colar da Rainha / L’Affaire du Collier de la Reine / 1946, no qual ela interpreta o papel de Jeanne de la Motte, personagem central de um caso histórico célebre; Pânico / Panique / 1946 de Julien Duvivier; e Maya, a Desejável / Maya de Raymond Bernard.

O melhor foi Pânico, baseado em um romance de Georges Simenon, cujo protagonista é um fotógrafo amador e misantropo, Monsieur Hire (Michel Simon),  tido como suspeito de um crime. Viviane é Alice, amante do verdadeiro asssassino (Paul Bernard), que faz caírem as supeitas sobre Hire, secretamente apaixonado por ela.

Nas décadas subsequentes, Viviane fez mais dezesseis flmes, alguns na Itália; atuou como co-roteirista e / ou produtora em alguns deles; e encerrou suas atividades na tela em Nada / 1974 de Claude Chabrol.  Seus dois melhores filmes nesse período foram As Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 de Henri Decoin, no qual interpretou a envenenadora La Voisin e Gangsters de Casaca / Mélodie en Sous-Sol / 1962 de Henri Verneuil, no qual interpretou a esposa de um gângster sexagenário (Jean Gabin), recém saído da prisão, que planeja assaltar o Cassino de Cannes.

SIMONE SIGNORET (1921-1985). Nome verdadeiro: Simone Henriette Charlotte Kaminker. Local de nascimento: Wiesdaden, Alemanha.

Simone Signoret

Seu pai, André Kaminker, era um oficial do exército, judeu de descendência polonesa nascido na França e sua mãe, Georgette (Signoret) Kaminker, francesa católica originária da Provença. Simone nasceu na Alemanha renana então ocupada pelos francêses após a Primeira Guerra Mundial mas cresceu em Paris onde, depois de concluir seus estudos secundários, a fim de ajudar no sustento de sua familia, trabalhou como secretária para um jornal colaboracionista francês, dirigido por Jean Luchaire. Durante a Ocupação, ela frequentava o Café de Fiore em Saint-Germain-des-Prés, onde se reunia um grupo de artistas e escritores. A essa altura, Simone desenvolveu um interesse pela arte de interpretar e foi encorajada por seus amigos, a seguir a profissão de atriz.

Em 1942, graças à filha de seu patrão, a atriz Corinne Luchaire, ela começou a aparecer como figurante (v. g. Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 de Marcel Carné) ou em pequenos papéis (v. g. Lily, uma  taberneira em Les Démons de l’Aube /1945 de Yves Allégret), adotando o sobrenome de solteira de sua mãe, para esconder suas raízes judaicas. De modo que sua carreira cinematográfica iniciou-se verdadeiramente em 1946 com Hotel Clandestino / Macadam / 1946 de Marcel Blistène (supervisionado por Jacques Feyder), que lhe proporcionou o prêmio Suzanne-Bianchetti de atriz revelação.

Seguiram-se duas participações importantes em Fantômas / Fantômas / 1947 de Jean Sacha (como Hélène ao lado de Marcel Herrand / Fantômas) e no filme inglês de  espionagem  Heróis Anônimos / Against the Wind / 1947 de Charles Crichton; porém foi Yves Allégret (com quem vivia desde 1943 e se casou em 1948 depois do nascimento de uma filha, Cathérine Allégret), que ofereceu a Simone seus primeiros grandes papéis em Escravas do Amor / Dédée d’Anvers / 1947 e A Cínica / Manèges / 1950.

No primeiro, ela é Dédée, prostituta em um bar de propriedade de um ex-gângster simpático, M. René (Bernard Blier) e “protegida” de um rufião, Marco (Marcel Dalio). Ela se apaixona por Francesco (Marcel Pagliero), capitão de um cargueiro especializado em contrabando de armas. Marco não quer perder o seu ganha-pão e mata Francisco. Dédée e René executam Marco, ela retoma seu lugar ao lado do patrão, e a vida continua. No segundo, ela é Dora, que sofreu um acidente de automóvel e está gravemente ferida e inconsciente em uma clínica. À sua cabeceira encontram-se seu marido, Robert (Bernard Blier), e sua mãe, uma mulher, gorda e vulgar (Jane Marken). Robert, dono de uma escola de equitação, sacrificou tudo pela felicidade de Dora. A mãe revela a Robert que a filha não se casou com ele por amor, mas pelo seu dinheiro. Enquanto ela fala, Robert revê certos momentos de sua vida com Dora. Ela enganou-o várias vezes, e quando foi se encontrar com seu último amante, é que se acidentou. Robertse afasta, abandonando definitivamente Dora, que ficará paralítica.

Em 1949, Simone deixa Allégret por um jovem cantor descoberto por Edith Piaf, Yves Montand; eles se casam em dezembro de 1951. Na década de cinquenta, a  bela sensual e talentosa Simone tornou-se uma estrela, incorporando em sua filmografia trabalhos de alto teor artístico como Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 de Max Ophuls (como Léocadie, a prostituta); Amores de Apache / Casque d’Or / 1951 de Jacques Becker; O Último Endereço / Sans Laisser d ‘Addresse / 1951 de Jean-Paul le Chanois; Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1953 de Marcel Carné; As Diabólicas / Les Diaboliques / 1954 de Henri-Georges Clouzot; A Morte no Jardim / La Mort en ce Jardin / 1956 de Luis Buñuel; As Virgens de Salem / Les Sorcières de Salem / 1957 de Raymond Rouleau; Almas em Leilão / Room at the Top / 1959 de Jack Clayton.

O desempenho de Simone em todos esses filmes foi admirável, mas creio que sua atuação mais marcante foi em Teresa Raquin. Casada com seu primo Camille Raquin (Jacques Duby), de saúde frágil, Thérèse não é feliz, e se torna amante de Laurent, um caminhoneiro italiano (Raf Vallone). No curso de uma viagem de trem, após uma violenta discussão, Camille é morto por Laurent. O inquérito policial conclui que a morte de Camille foi um acidente, mas o destino intervém na pesoa de Riton (Roland Lesaffre), um marinheiro que testemunhara o crime, e começa a chantagear o casal de amantes. Simone consegue passar da frustação resignada ao êxtase do amor, depois à tristeza, ao ódio e ao medo. Uma criação excepcional da renomada atriz.

Em 1959, ela parte para os Estados Unidos com Yves Montand, que fôra convidado para atuar ao lado de Marilyn Monroe em Adorável Pecadora / Let’s Make Love / 1960 de George Cukor. Depois de ter ganho o Oscar de Melhor Atriz por sua interpretação em Almas em Leilão, retornou à França enquanto uma relação – conhecida por todos – se estabeleceu entre Montand e Marilyn durante alguns meses; entretanto, o ator francês reuniu-se com sua esposa após a promoção do filme. Na sua autobiografia, “La Nostalgie n’est plus ce qu’elle était”, Simone referiu-se ao episódio Marilyn com muita elegância e inteligência.

Ela voltou a Hollywood para fazer A Nau dos Insensatos / Ship of Fools  / 1965  com Stanley Kramer e A GaivotaThe Sea Gull / 1968  com Sidney Lumet e, no decorrer das décadas de sessenta e setenta, continuou trabalhando muito (sobressaindo O Dia e a Hora / Le Jour et l’Heure / 1962 de René Clement; Chamada para um Morto / The Deadly Affair / 1966, de novo sob as ordens de Lumet; O Exército das Sombras / L’Armée des Ombres / 1969 de Jean-Pierre Melville; A Confissão / L ‘Aveu / 1970 de Costa-Gravas) e iluminou três filmes de Pierre Granier-Deferre com suas confrontações com Jean Gabin ( O Gato / Le Chat / 1971); Alain Delon ( A Viúva / La Veuve Couderc / 1971) e Philipe Noiret (L’Étoile du Nord / 1982).

No palco, suas intervenções como Regina Giddens na versão teatral francêsa de “The Little Foxes” de Lillian Hellman e como Lady Macbeth, contracenando com Alec Guiness, no Royal Court Theatre em Londres, não foram bem recebidas por alguns críticos.

Seu último papel no cinema foi em Guy de Maupassant / 1982 de Michel Drach, como a progenitora do célebre escritor, encarnado por Claude Brasseur.

SIMONE SIMON (1910-2005). Nome verdadeiro: Simone Thérèse Fernande Simon. Local de nascimento: Béthune, Marseille, França.

Simone Simon

Filha de Henri Louis Firmin Champmoynat, engenheiro francês judeu que durante a Segunda Guerra Mundial serviu como piloto, foi capturado, e faleceu em um campo de concentração e de Emma Maria Domenica Giorcelli, dona-de-casa italiana, Simone passou a infância na Provença e em Madagascar. A princípio pensou em ser desenhista de moda porém, aos vinte anos de idade, chamou a atenção do diretor Viktor Tourjansky em um restaurante, e este providenciou sua estréia na tela em Le Chanteur Inconnu / 1931.

Seguiram-se pequenos papeís em alguns filmes, entre os quais se destacam um de Marc Allégret (La Petite Chocolatière / 1932), dois de Carmine Gallone (Un Fils d’Amérique / 1932 e Le Roi des Palaces / 1932), e um de Maurice Tourneur (Le Voleur / 1933) até o reencontro de Simone com Allégret em Lac aux Dames / 1934, quando iniciou para valer sua carreira cinematográfica. No papel de uma mocinha um pouco feérica justamente batizada de Puck, Simone Simon, com aquele rosto de gata e uma doce sensualidade ofuscou a atriz principal, Rosine Dérean. As cenas de amor foram abordadas pudicamente, mas a cena da granja (com Jean-Pierre Aumont) fez vibrar mais de um coração palpitante.

Depois de atuar em mais um filme de Tourjansky, Olhos Negros / Les Yeux Noirs / 1935 e de Allégret, Les Beaux Jours / 1935, Simone foi para Hollywood contratada pela Fox onde trabalhou em cinco filmes: como Marie Claudel, aluna de uma escola particular para moças da sociedade em Dormitório de Moças / Girl’s Dormitory / 1936 de Irving Cummings; como Marie Armand um pequeno papel em Mulheres Enamoradas / Ladies in Love / 1936 de Edward H. Griffith, estrelado por Janet Gaynor, Loretta Young e Constance Bennett; como Diane em Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1937 de Henry King, refilmagem do clássico de 1927 dirigido por Frank Borzage, tendo a seu lado James Stewart no papel  de Chico, que antes fôra de Charles Farrell; como Yvette Guerin, cantora envolvida em uma rivalidade entre um chefe de orquestra e um colunista  em Não Me Queiras Tanto / Love and Hisses / 1937 de Sidney Lanfield; e como Reneé Le Blanc, cantora de boate confundida com uma “cavadora de ouro” chamada Josette, na deliciosa comédia Josette / Josette / 1938 de Allan Dwan.

Simone retornou à França para ser em uma das obras-primas de Jean Renoir, A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938, Séverine, jovem mulher adúltera que instiga Lantier (Jean Gabin), um maquinista apaixonado por ela, a eliminar seu marido. Porém, Lantier, sem poder controlar seus impulsos mórbidos, apunhala Séverine e depois, desesperado, ele se joga de uma locomotiva em movimento.

Retornando à “Terra do Cinema” durante a guerra, contratada pela RKO, Simone ficou devendo a William Dieterle, um de seus melhores filmes americanos, O Homem que Vendeu a Alma / All That Money Can Buy / 1941, adaptação cinematográfica do romance de Stephen Vincent Benet, “The Devil and Daniel Webster”, na qual ela era Belle, a enviada de Mr. Scratch (Walter Huston), na realidade o Diabo, para tentar um fazendeiro pobre (James Craig) que fizera um pacto com Lucifer, para obter sete anos de prosperidade.

Logo em seguida, o produtor Val Lewton escolheu Simone para ser Irena Dubrovna, uma garota da Sérvia, desenhista de moda que vive na cidade de Nova York, obcecada pela idéia de que é descendente de uma antiga raça de mulheres felinas, as quais, quando excitadas, transformam-se em panteras. Ela foi uma escolha perfeita para esse papel neste filme de horror superlativo de Lewton-Turner e depois apareceu brevemente como o fantasma de Irina na continuação, A Maldição do Sangue de Pantera / The Curse of the Cat People / 1944 de Robert Wise.

Um terceiro filme de valor feito por Simone na RKO, produzido por Lewton, foi Mademoiselle Fifi / 1944 de Robert Wise como Elizabeth Rousset, uma lavadeira francêsa que, durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, embarca em uma carruagem, e quando esta para em uma estalagem no meio do caminho, um oficial prussiano, apelidado de Mademoiselle Fifi, convida-a para jantar, e ela recusa. Na manhã seguinte, os demais passageiros são informados de que ficarão detidos até que Elizabeth mude de idéia. A princípio, seus companheiros de viagem a apoiam; mas depois, eles a pressionam para que sacrifique seus princípios para o bem do grupo.

No final dos anos quarenta, Simone fez Pétrus / 1946 de Marc Allérgret com Fernandel; O Porto da Tentação / Temptation Harbor / 1947 de Lance Comfort, na Inglaterra, com Robert Newton e, entre mais uns outros de pouca importância, integrou o elenco estelar de Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (como Marie, a criada) e O Prazer / Le Plaisir / 1952 (como Josephine no segmento “Le Modèle”), ambos dirigidos por Max Ophuls e se confrontou com Edwige Feuilère em Olivia / Olivia / 1951 de Jacqueline Audry. Seu derradeiro filme foi La Femme en Bleu / 1957 de Michel Dréville.

Simone nunca se casou. Segundo consta, ela teve um relacionamento amoroso com George Gershwin e parece que o compositor escreveu “Love Walked In” com Simone no seu pensamento.

Entretanto, seu “love affair” mais notório foi com o agente duplo e espião, o iugoslavo Dusko Popov. Durante a produção de Sangue de Pantera, Simone estava sob vigilância do FBI por causa de sua associação com Popov.