Arquivo do Autor: AC

FILMES DE GUERRA BRITÂNICOS DO IMEDIATO PÓS-GUERRA

Na Grã-Bretanha logo após a Segunda Guerra Mundial foram feitos poucos filmes sobre um conflito que a maioria das pessoas desejava esquecer – pelo menos na esfera do entretenimento. Talvez os filmes mais significativos tenham sido os documentários curtos de Humphrey Jennings Um Diário para Timothy / A Diary for Timothy / 1945 (40 min) e A Defeated People / 1946 (18 min). O primeiro filme é uma meditação poética feita durante o período final da guerra sobre a Grã-Bretanha e seu povo escrita por E. M. Foster e endereçada a um bebê, Timothy, nascido em setembro de 1944. A narração explica para Timothy o que sua família, vizinhos e seus concidadãos estão passando enquanto a guerra se aproxima do fim e que problemas podem permanecer para novos ingleses como ele resolver. Narrado por Michael Redgrave, o documentário contém o único registro filmado de John Gieguld interpretando o papel de Hamlet no palco na ocasião em que este documentário foi filmado. O segundo filme, narrado por William Hartnell, descreve o estado despedaçado da Alemanha logo após a Segunda Guerra Mundial. A narração explica o que está sendo feito e o que precisa ser feito pelas forças de ocupação aliadas e pelo próprio povo germânico para construir uma Alemanha melhor das ruinas.

Um Diário para Timothy

Outros filmes documentários do período refletiram os anos de guerra: While Germany Waits / 1946 (Dir: Alan Pickard), short de 52 min filmado em 16mm pela organização Quaker Friend´s Relief Service, examinando a situação da Alemanha e seu povo no fim da Segunda Guerra Mundial; India Strikes / 1946 (Dir: Bishu Sem), registrando a contribuição da Índia para guerra com seu exército de 2,5 milhões de voluntários espalhados em todas as frentes de batalha  do Norte da África a Burma ou servindo na RAF e na Marinha Mercante britânicas; Land of Promise / 1946  (Dir: Paul Rotha) versando sobre os problemas no pós-guerra de habitação e eliminação de favelas; Man- One Family /1946 (Dir: Ivor Montagu), destruindo a lenda nazista  de uma herrenwolk (raça superior), demonstrando que nenhuma nação pode ser considerada inferior ou superior.

Cooperando com o Governo da Holanda, os britânicos capacitaram o ilustre cinegrafista e diretor, John Ferno, para fazer Broken Dykes / 1945 e The Last Shot / 1945-46. O primeiro filme (de 15 min), mostrava em cores a coragem das famílias holandesas na ilha de Walcheren, cujas terras e casas tiveram que ser sacrificadas ao mar quando, em uma tentativa para enfraquecer as posições germânicas, as forças aliadas bombardearam os diques. O segundo filme (14 min), era um registro impressionante de câmera, contrastando dramaticamente a alegria quase-histérica da população de Amsterdã no dia de sua libertação com a terrível devastação de seu país, bem como a ajuda que lhes foi prestada.

Similarmente, Striken Peninsula / 1945 (Dir: Paul Fletchner, 15 min), revelou a situação dos italianos como a guerra os deixou, mostrando cenas do desinfectamento em massa e filas de comida e o trabalho de reconstrução do Exército Britânico no Sul da Itália logo após a Segunda Guerra Mundial.

Um filme de vinte minutos, The Nine-Hundred / 1945, fotografado pelas unidades de câmeras de combate das Forças Aliadas do Mediterrâneo, RAF e Exército Britânico, mostrou como 900 feridos do exército lugoslavo foram removidos para a Itália por transporte aéreo quando ficaram cercados pelas forças germânicas nas montanhas. Star in the Sand / 1945 (Dir: Gilbert Gunn, 20 min) com comentário de Arthur Calder-Marshall) cobriu a história dos acampamentos da UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation Administration) para refugiados iugoslavos jovens, idosos ou enfermos, instalados no Egito em 1944. Um terceiro filme sobre iugoslavos, novamente escrito por Calder-Marshall, foi The Bridge / 1946 (Dir: J. D. Chamers, 39 min), registrou a reconstrução de uma ponte pelos próprios aldeões em uma área remota.

 

Os filmes de ficção britânicos de um modo geral deixaram a guerra de lado até que tivesse decorrido tempo suficiente para tornar o assunto aceitável de novo. Entretanto, em 1946, A Ealing realizou Corações Aflitos / The Captive Heart (Dir: Basil Sidney) e A Manada / The Overlanders (Dir: Harry Watt). O primeiro filme, foi estrelado por Michael Redgrave no papel de um capitão do exército iugoslavo, que escapa de Dachau, e se faz passar por um oficial britânico morto. Porém é preso e levado para um campo de concentração alemão, de onde se corresponde com a esposa do oficial cuja identidade assumiu, e acaba se apaixonando por ela. O segundo filme, estrelado por Chipps Rafferty, reconstrói a história de uma caminhada de duas mil milhas pelo deserto empreendida para salvar mil cabeças de gado, quando a invasão da Austrália do Norte pelos japoneses parecia iminente e uma política de terra arrazada estava sendo adotada.

Outros filmes de guerra no estilo documentário foram They Were Not Divided / 1950, (Dir: Terence Young) celebrando a Guard´s Armoured Division (Divisão Blindada da Guarda) e Theirs Is the Glory / 1946 (Dir: Brian Desmond Hurst), reconstituição da Operação Market Garden de setembro de 1944 envolvendo a 1ª Divisão Aerotransportada Britânica na Batalha de Arnhem, quando 10 mil tropas paraquedistas foram lançadas atrás das linhas inimigas.

Odette Agente 23

 

 

Frieda

Entre os filmes de ficção  surgiram: Odette, Agente 23 / Odette (Dir: Herbert Wilcox), contando o drama de uma mulher francesa, Odette Sansom (Anna Neagle), casada com um capitão inglês, Peter Churchill (Trevor Howard), e suas façanhas como espiã na França, onde é capturada e torturada pela Gestapo; Suplício Eterno / The Years Between / 1946 (Dir: Compton Bennett), no qual um casamento é ameaçado severamente quando um capitão do exército britânico (Michael Redgrave), que era membro do Parlamento na vida civil, retorna de um campo de concentração para encontrar sua esposa (Valerie Hobson), que o tinha como morto, ocupando seu lugar no parlamento e apaixonada por outro homem; Frieda /  Frieda / 1947 (Dir: Basi Dearden) apresentando um problema diferente: Frieda (Mai Zetterling) ajuda Robert (David Farrar), piloto da RAF, que era prisioneiro de guerra, a escapar. Para salvar a vida de Frieda, ele se casa com ela e a leva para a sua aldeia na Inglaterra, onde eles têm que suportar todo tipo de hostilidade pós-guerra, apesar de tudo o que a jovem faz para provar sua boa fé. Esta é posta ainda mais em dúvida quando seu irmão, que é ainda um nazista, visita a Inglaterra vestido com um uniforme polonês. Desmascarado, ele alega que sua irmã é uma nazista tão dedicada quanto ele. Frieda, na sua infelicidade, é impedida a tempo de cometer suicídio; Heróis Anônimos / Against the Wind / 1948 (Dir: Charles Crichton), focalizando a resistência Belga e marcando a primeira aparição de Simone Signoret em um filme britânico.; Coração Amargurado / The Hasty Heart / 1949 (Dir: Vincent Sherman), passado num hospital em Burma, onde um soldado escocês (Richard Todd) seriamente ferido, observa consternado seus camaradas fazendo as malas para voltar para casa; mas uma enfermeira atenciosa (Patricia Neal) e outros pacientes (entre eles Ronald Reagan em um filme britânico) lhe trazem consôlo.

The Small Back Room

Um filme incomum foi The Small Back Room / 1949 (Dir: Michael Powell e Emeric Pressburger), tendo como personagem central um especialista (David Farrar) em desarmar as bombas que os alemães jogaram na Grã-Bretanha em 1943, que luta contra o alcoolismo e as dores de um fermento grave. O episódio prolongado na praia enquanto a bomba é desmontada é um exemplo marcante de como lidar com o suspense num filme.

FILMES DE GUERRA BRITÂNICOS 1943-1945

A ênfase principal nos filmes de guerra britânicos durante a última fase da Segunda Guerra Mundial foi a abordagem documental, uns filmes utilizando a atores profissionais para a reconstituição de eventos verídicos; outros, recorrendo a atores não-profissionais para mesma finalidade.

O Navio Mártir

É particularmente interessante contrastar O Navio Mártir / San Demetrio, London / 1943 dirigido por Charles Frend (e Robert Hammmer, não creditado) quase que totalmente no estúdio da Ealing, que reconstitui com atores profissionais a história verídica do resgate do petroleiro MV San Demetrio por alguns membros de sua própria tripulação, após ter sido torpedeado por um cruzador pesado alemão e depois abandonado temporariamente, durante a Batalha do Atlântico e Western Approaches / 1944, realizado em uma abordagem totalmente documentarista por Pat Jackson, utilizando verdadeiros marinheiros para recriar o afundamento de um navio mercante e seus 22 homens que abandonaram o navio e aguardam o resgate – um incidente com o qual eles estavam todos familiarizados.

Western Approaches

Ambos os filmes são muito bons, mas considero Western Approaches – que vi em magnífica cópia comprada no Imperial War Museum,  uma obra-prima. Nenhum filme de guerra me impressionou tanto. Um bote salva vidas à deriva no Atlântico. Um navio mercante capta seu sinal de socorro e vai ao resgate. Um submarino inimigo avista o navio e percebe que, se aguardar, terá a chance de afundar o navio que respondeu ao sinal de socorro. Assim que o navio, o Leander, aparece no horizonte, os homens no bote percebem o periscópio do submarino. Eles tentam avisar o Leander mas a mensagem passa apenas a tempo dele evitar um dos dois torpedos que o submarino disparou.  tripulação abandona o navio e o submarino emerge para acabar com o navio atingido. Porém dois membros da tripulação que ficaram para trás conseguem fazer a arma do navio funcionar e afundam o submarino quando ele emerge. Apesar dos danos sofridos, o Leander permanece flutuando e sua tripulação e os sobreviventes no bote são recolhidos por outro navio do comboio. Com exceção de uma única cena, o filme foi rodado, não em um estúdio, mas no mar. O Technicolor, que geralmente sinalizava um faz-de-conta espalhafatoso, foi utilizado para captar a realidade. Algumas tomadas são vertiginosas. A gente tem a sensação de estar alí no meio das ondas. O excelente trabalho de câmera de Jack Cardiff é ainda mais notável pelo fato de ter sido realizado sob condições perigosas, semelhantes às retratadas no filme.

Além das Nuvens

Outros filmes feitos neste estilo e tradição foram: Mergulhamos ao Amanhecer / We Dive At Dawn / 1943; (Dir: Anthony Asquith), relato de um ataque realizado por um submarino britânico contra um novo navio de guerra alemão; For Those in Peril / 1944 (Dir: Charles Crichton),  a história de um piloto que não consegue ingressar na RAF e então se junta ao Air Sea Rescue Service, recolhendo pilotos cujos aviões foram abatidos e levando-os para um local seguro; Têmpera de Aço / The Way Ahead / 1944 (Dir: Carl Reed), o treinamento rigoroso de um grupo heterogêneo e principalmente relutante de civís convocado para o exército britânico e finalmente o seu envio para o Norte da África; Além das Nuvens /  The Way to the Stars / 1945 (Dir: Anthony Asquith), a rotina diária em tempo de guerra em uma base britânica de bombardeiros, revelada através dos olhos de um recém-chegado oficial-aviador; Journey Together / 1945 (Dir: John Boulting), os problemas emocionais de jovens que ambicionam ser pilotos, mas devem aprender as disciplinas envolvidas nos vôos operacionais.

Nine Men

Próximo de Western Approaches na sua recriação documental de um incidente de guerra, foi Nine Men / 1943 de Harry Watt. Rodado quase totalmente em locação em uma praia no Sul do País de Gales, o filme reconstrói as aventuras de uma patrulha   britânica perdida no deserto norte-africano em uma área mantida pelos italianos e sua eficácia dependeu da interpretação dos personagens por um grupo de atores profissionais em grande parte desconhecidos, cuidadosamente escolhidos por Watt.

Leslie Howard dirigiu (com Maurice Elvey) The Gentle Sex / 1943, o primeiro de uma série de filmes dedicados ao papel que as mulheres estavam desempenhando na Grã-Bretanha no tempo de guerra, focalizando sete moças de origem social variadas que ingressam no Auxiliary Territorial Service, um ramo feminino do Exército Britânico. Frank Launder e Sidney Giliat continuaram a série com Milhões Como Nós / Million Like Us / 1943, uma abordagem sobre o trabalho das mulheres na indústria de guerra. Maurice Elvey (e Leslie Howard), por sua vez fizeram The Lamp Still Burns / 1943 sobre uma arquiteta bemsucedida que se dedica à enfermagem durante a guerra.

Em 1945, Sidney Gilliat escreveu e dirigiu Waterloo Road, drama romântico de guerra versando sobre um jovem soldado, que deserta em busca de sua esposa, desconfiando que ela está tendo um caso com um mulherengo civil na área onde moram na Waterloo Road em Londres. Segue-se uma reconciliação depois que ele dá uma surra no seu rival e então se rende para as autoridades militares.

1943 foi um ano fértil em documentários patrocinados oficialmente: Vitória no Deserto / Desert Victory  (Dir: Roy Boulting) sobre a guerra no Norte da África; Fires Were Started   e The Silent Village ambos dirigidos por Humphrey Jennings, o primeiro sobre o Corpo de Bombeiros durante a Blitz e o segundo rodado em uma vila mineira galesa como um tributo aos mártires de Lidice na Checoslováquia, massacrados pelos alemães em retaliação pelo assassinato do SS General Heydrich, plenipotenciário de Hitler em Praga; Close Quarters  (Dir: Jack Lee) acerca de um submarino britânico em uma patrulha pelo Mar do Norte; e possivelmente o melhor filme de Paul Rotha, The World of Plenty, uma investigação sobre a fome no mundo. Posso citar também um curta-metragem de ficção, The Volunteer, dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger sobre a Fleet Air Arm e em particular Pat McGrath, o camareiro teatral de Ralph Richardson em tempo de paz que se tornou um hábil engenheiro na dita Aviação Naval Britânica, na qual Richardson, que narra o filme, serviu como piloto.

Em 1944, veio A Conquista da Tunisia / Tunisian Victory, fruto de uma operação combinada das Service Film Units britânica e americana, codirigido por Roy Boulting e Frank Capra, cobrindo a campanha do Norte da África desde a intervenção americana em 1942 à capitulação final dos exércitos alemães neste teatro de guerra, sendo que o comentário fez uso das vozes alternadamente britânicas e americanas de Bernard Mies e Burgess Meredith. Em 1945, chegaram Burma Victory, dirigido por Roy Boulting, cobrindo a Campanha de Burma, interligada à Campanha da China e Verdadeira Glória / The True Glory, dirigido por Garson Kanin e Carol Reed, resumo emocional e factual da guerra na Europa a partir do desembarque do Dia-D.

A Verdadeira Glória

Diante dos padrões de autenticidade estabelecidos pelos documentários ou pelos filmes de ficção em estilo documentário, o restante dos filmes de guerra, salvo poucas exceções, parecem insípidos. Entre os melhores: The Silver Fleet / 1943 (Dir: Campbell Vernon Sewell e Gordon Wellesley),, a respeito de um construtor naval holandês que se apresenta como colaboracionista para provocar uma  grande sabotagem, em última análise ao custo de sua própria vida; The Bells Go Down / 1943 (Dir: Basil Dearden), um tributo ao Corpo de Bombeiro Auxiliar de East End em Londres, que prestou enorme serviço durante a Blitz; Undercover / 1943 (Dir: Sergei Nobandov), passado na Iugoslávia ocupada com outro herói da resistência fingindo-se de colaboracionista; Viagem Perigosa / Escape to Danger / 1943 (Victor Hanbury, Lance Comfort), cuja ação transcorre na Dinamarca ocupada, onde um professora inglesa atua como agente duplo; 2.000 Muheres / 2.000 Women / 1944 (Di: Frank Launder) mostra mulheres em um campo de detenção, que escondem aviadores britânicos dos soldados alemães e tentam ajudá-los a escapar; Johnny Frenchman / 1945 (Dir: Charles Frend), comédia romântica na qual a guerra une antigos “inimigos”, os pescadores da Bretanha e da Cornualha.

2.000 Mulheres

Entre os filmes mais românticos com um pano de fundo de guerra destacam-se: O Coração Não Tem Fronteiras / The Demi-Paradise / 1943 (Dir: Anthony Asquith), Longe dos Olhos / Perfect Strangers / 1945 (Dir: Alexander Korda) e I Live in Grosvenor Square (Dir: Herbert Wilcox). No primeiro filme, um inventor russo (Laurence Olivier) viaja para a Inglaterra com o propósito de ver sua revolucionária lâmina de hélice fabricada e se apaixona por uma jovem da alta sociedade (Penelope Dudley-Ward). No segundo filme (premiado com o Oscar de Melhor História Original), Robert Donat e Deborah Kerr formam um casal que se separa durante a Segunda Guerra Mundial – ele na Marinha, ela contribuindo para o esforço de guerra – e tem que se readaptar ao casamento, depois que cada um mudou muito, inclusive vivendo romances extraconjugais. No terceiro filme, a filha de um duque (Anna Neagle), noiva de um major aviador inglês (Rex Harrison), se apaixona por um sargento americano paraquedista (Dean Jagger), alojado na residência do duque em Grosvenor Square na Grande Londres.

FILMES DE GUERRA BRITÂNICOS 1942

O ano de 1942 foi um dos períodos mais ricos do filme de guerra na Grã-Bretanha. A “história de guerra” com cunho patriótico passou a dar lugar para o “documentário de guerra”, que fazia a ação derivar de eventos reais e pessoas reais. Não que as histórias de guerra estilo-estúdio tivessem cessado completamente: elas continuaram, por exemplo, em Paris Era Assim / This Was Paris (Dir: John Harlow), Secret Mission, Unpublished Story, Surgirá a Aurora / The Day Will Dawn (Dir: Harold French), Fortalezas Voadoras / Flying Fortress (Dir: Walter Forde), Às da Morte / Squadron-Leader X (Dir: Lance Comfort), Morrerremos ao Amanhecer / Tomorrow We Live (Dir: George King) e O Grito de Rebelião / Uncensored (Dir: Anthony Asquith). E uma abordagem mais leve para a situação de guerra apareceu em Professor Astuto / The Goose Steps Out (Dir: Basil Dearden, Will Hay), na qual um professor (Hay) é sósia de um general alemão e usa esta semelhança para ter acesso ao segredo de uma nova bomba.

Ainda no ano de 1942, o Ealing Studios lançou O Grande Bloqueio / The Big Blockade e Querer e Vencer / The Foreman Went to France (ambos produzidos pelo brasileiro Alberto Cavalcanti e dirigidos por Charles Frend); Alguém Falou / The Next of Kin (Dir: Thorold Dickinson); 48 Horas! / Went the Day Well? (Dir: Alberto Cavalcanti).

48 Horas

O Grande Bloqueio tem apenas 1 h 13 min de duração e foi feito com a ajuda do Ministry of Economic Warfare, The War Office, The Royal Navy e da RAF. O assunto é o bloqueio econômico da Alemanha e da Europa ocupada pelos nazistas. Querer e Vencer conta como um capataz de uma fábrica de aviões em Birmingham, por iniciativa própria, tenta recuperar uma peça importante de maquinaria de guerra que fora emprestada para a França, antes que ela caia nas mãos dos invasores nazistas. Alguém Falou, originalmente concebido como filme de treinamento militar pelo War Office para alertar sobre ao segurança nas forças armadas, notadamente o perigo de conversas descuidadas, o filme foi expandido para longa-metragem, visando encorajar um senso maior de discrição também entre os civís. Em 48 Horas, uma vila inglesa pacata, distante da guerra, é tomada por pára-quedistas alemães disfarçados de engenheiros do Real Corpo de Engenharia do Exército Britânico. O líder da comunidade é um traidor. Os aldeões levam algum tempo para perceber a presença do inimigo entre eles. Mas quando isto acontece, eles respondem com determinação, desenvoltura e, quando necessário, com uma surpreendente crueldade.

Outros estúdios britânicos adotaram o “novo realismo” e foi este espírito que determinou a natureza de filmes como E Um De Nossos Aviões Não Regressou / One of Our Aircraft is Missing, produzido pela British National Films -The Archers e realizado por Michael Powell e Emeric Pressburger e Por Um Ideal / The First of the Few, produzido pela British Aviation Film e realizado por Leslie Howard. O primeiro filme reconstrói, da maneira mais autêntica possível, a história verídica da tentativa da tripulação de um bombardeiro britânico, que estava em missão de ataque na Alemanha, para retornar à Inglaterra, quando sua aeronave foi abatida na Holanda ocupada pelos alemães. Eles procuram apoio de civis que arriscam suas vidas para salvá-los. O segundo filme conta a verdadeira história de como o projetista de aeronaves R.J. Mitchell (Leslie Howard), alarmado pelo crescente militarismo germânico, desenvolveu com a ajuda do piloto de provas Geoffrey Crisp (David Niven) um avião aerodinâmico e em forma de um pássaro, cuja superioridade tecnológica ajudou seu país a ganhar a Batalha da Grã-Bretanha, superando os Messerschmidts alemães. Ao custo da própria saúde, Mitchell sacrificou sua vida para concretizar seu projeto. Sua obstinação criativa e sacrifício físico tornam esta cinebiografia cativante do início ao fim.

Um filme que olhou para a guerra exclusivamente de um ponto de vista civil foi Salute John Citizen / 1942 (Dir: Maurice Elvey), mostrando a vida de uma família comum durante o bombardeio alemão de Londres. Mr. Bunting (Edward Rigby), é o chefe de uma família feliz, com sua esposa, filha e dois filhos. Quando chega a Blitz, observamos seus efeitos sobre a família e como eles lidam com a crise.

Dois filmes de 1942 foram de excepcional interesse: Thunder Rock, dirigido por Roy Boulting e Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve, sob direção de Noel Coward e David Lean. Gosto muito de ambos.

Thunder Rock, baseado em uma peça de Robert Ardrey atacando o isolacionismo americano, adota uma abordagem alegórica da guerra através da figura de um repórter britânico, Dave Charleston (Michael Redgrave), que tenta alertar o público para a agitação política que ele acredita que vai levar a outra guerra contra Alemanha; mas seus avisos passam despercebidos. Desesperado, ele então vai morar em um farol no lago Michigan nos Estados Unidos, e ali é visitado pelos fantasmas de um grupo de imigrantes da Europa que morreram há noventa anos, quando o navio que os conduzia para uma nova vida na América naufragou na costa devido a uma tempestade violenta. O capitão do navio, que parece ser o único que tem consciência de que está morto, age como mediador entre Charleston e os outros espíritos enquanto eles contam seus dramas, perseguidos que foram por suas idéias progressistas.  No final, os fantasmas convencem Charleston de que ele deve voltar para a Europa e continuar sua luta pela verdade  contra o mal que ameaça o continente.

David Lean e Noel Coward na filmagem de Nosso Barco, Nossa Alma

Cena de Nosso Barco, Nossa Alma

Nosso Barco, Nossa Alma, foi estrelado, escrito e codirigido (com David Lean fazendo sua estréia como diretor) por Noel Coward (autor também da trilha sonora), inspirado nas façanhas de Lord Mountbatten no comando do destroyer HMS Kelly, quando ele foi afundado na Batalha de Creta. É uma imagem patriótica de unidade nacional e coesão social no contexto da guerra e teve um valor de propaganda incalculável. Coward e Lean estudaram a estrutura de Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles, daí ser a história contada em retrospectos rápidos e de forma não-linear, ligando a frente doméstica e a zona de combate. A maior parte do espetáculo envolve o afundamento do HMS Torrin. Enquanto os homens flutuam na baleeira aguardando o resgate, os sobreviventes relembram suas vidas em casa e os acontecimentos anteriores ao ataque que destruiu o navio. Coward interpreta magnificamente  Kinross, o capitão do HMS Torrin, como um oficial modelo, impecável, preocupado com seus homens, muito exigente, mas não um tirano, que pede uma tripulação feliz e eficiente. O marinheiro Shorty Blake (John Mills) é o representante de todos os jovens cujas vidas são mudadas pela guerra. Ele conhece e se casa com Frieda (Kay Walsh), relacionada ao terceiro personagem proeminente, o Subchefe Oficial Hardy (Bernard Miles), que supera os golpes da perda da esposa e da sogra em um bombardeiro e se esforça para ajudar os outros. A cena no final em que o Capitão Kinross se despede de seus homens fazendo questão de apertar as mãos de cada um deles ficou na minha memória como uma das mais belas do cinema. Noel Coward ganhou um Certificado Especial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pela produção de Nosso Barco, Nossa Alma.

 

PRIMEIROS FILMES DE GUERRA BRITÂNICOS REALIZADOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

O primeiro filme de propaganda de guerra em longa-metragem, O Leão Tem Asas / The Lion Has Wings, realizado por Alexander Korda e seus colegas Michael Powell, Brian Desmond Hurst e Adrian Brunel trabalhando como codiretores, chegou às telas em novembro de 1939. Realizado em estilo documentário e composto por três “capítulos” com uma história de ligação girando em torno de um oficial sênior da RAF e sua família, o filme começa contrastando as atividades pacíficas do povo britânico com a imagem das botas militares nazistas marchando. O segundo capítulo recria o bombardeio de navios de guerra germânicos no Canal de Kiel e o terceiro mostra como um ataque dos bombardeiros da Luftwaffe é repelido pela RAF. Os atores Ralph Richardson, Merle Oberon, Miles Maleson, Bernard Miles e Flora Robson interpretam pequenos papéis enquanto o filme mantém sua unidade por uma narração falada em um tom tranquilo pelo conhecido comentarista de documentários e cinejornais E. V. H. Emmett.

O Leão Tem Asas

Os temas de espionagem começaram a aparecer com histórias concebidas inteiramente como thrillers, mostrando os nazistas como inimigos. O primeiro foi Traitor´s Spy / 1939 cuja trama em síntese é a seguinte: Ted Healey (Bruce Cabot) trabalha em uma fábrica de barco de patrulha “anti-submarino”, mas é pago pelos alemães; identificado por um agente secreto britânico disfarçado de repórter, ele é finalmente cercado em uma casa em Waterloo Road com sua esposa angustiada, onde são convenientemente queimados até a morte.

Em um segundo filme, Nas Sombras da Noite / Contraband / 1940, resultante dos talentos combinados de Michael Powel e Emeric Pressburger, o ator Conrad Veidt é capitão de um navio neutro que tenta ao mesmo tempo evitar o Controle de Contrabando Britânico e a ameaça de um submarino germânico. Obrigado a atracar em um porto britânico para inspeção, ele se envolve em uma perseguição pela escuridão de Londres, durante a qual o trabalho da Inteligência Germânica na Grã-Bretanha é exposto.

Gestapo

 

Gestapo / Night Train to Munich / 1940, dirigido por Carol Reed, era outro thriller. Nele, Gus Bennett do Serviço Secreto Inglês (Rex Harrison), tem a responsabilidade, de levar o inventor Checo, Dr. Bomasch (James Harcourt), para a Grã-Bretanha, juntamente com sua invenção relacionada com a fabricação de munições. A. filha de Bomasch, Anna (Margaret Lockwood) é usada pelos nazistas como isca para prender seu pai, e após vários incidentes, a ação se encaminha para a fuga final dos fugitivos para a Suiça, perseguidos pelo oficial alemão (Paul Henreid).

Neutral Port / 1940 mostra os esforços cômicos de um irascível capitão (Will Fyfe) de um navio mercante escocês afundado por um submarino nazista, para roubar um navio de abastecimento alemão atracado no porto neutro de “Esperanto” como compensação. O tom de Navio com Asas / Ships with Wings / 1941, é o de um drama romântico: o jovem aviador Dick Stacey (John Clemens) é demitido da Força Aérea da Frota por indisciplina. Quando vem a guerra, ele serve no Porta-Aviões HMS Ark Royal (O Navio com Asas) e empreende uma missão suicida por causa de um amor perdido, redimindo-se como herói.

Mister V / Scarlet Pimpernel / 1941 volta ao thriller com Leslie Howard atualizando seu papel de Pimpinela Escarlate do filme de 1934, agora como um professor cujo raciocínio rápido está escondido sob a capa da distração e cuja preocupação é resgatar vítimas da perseguição nazista.

Estes filmes estavam na extremidade mais leve do espectro da propaganda. Outros filmes desenvolveram uma atitude mais envolvida emocionalmente diante da ameaça da vitória nazista.  O primeiro foi O Mártir / Pastor Hall / 1940 de John e Roy Boulting, adaptação da peça de Ernest Toller, baseada nas experiências do Pastor Niemoller nas mãos dos nazistas. Wilfrid Lawson interpreta o papel do pastor de uma pequena aldeia germânica que, tendo denunciado o regime, é enviado em 1934 para um campo de concentração, do qual sua fuga é planejada com a ajuda de um guarda SS que havia estado uma vez em sua congregação. A idéia de sua filha é que ele deveria ir para os EUA; mas ele recusa, prega mais uma vez contra o regime, e assim provoca diretamente sua morte. O segundo, Uma Voz nas Trevas / Freedom Radio / 1941, dirigido por Anthony Asquith, refere-se à resistência na Alemanha Nazista por pessoas de duas gerações:  um médico de Hitler, Dr. Karl Roder (Clive Brook) – que é anti-nazista embora sua esposa (Diana Wyiniard) seja apoiadora do Partido, – e um jovem mecânico de rádio, Hans (Derek Farr,) envolvido em construir um transmissor para a Resistência Alemã na véspera da invasão da Polônia.

Luar Perigoso / Dangerous Monlight / 1941, dirigido por Brian Desmond Hurst, é um drama romântico de guerra, envolvendo um aviador polonês (Anton Walbrook), que na vida civil é pianista. Ele escapa da Polônia e chega aos Estados Unidos via Romênia. Lá, renova seu conhecimento com uma jovem jornalista americana (Sally Gray), eles se enamoram e se casam. Mas ele não consegue deixar de se juntar ao Esquadrão da Polônia Livre na Inglaterra. O trecho da execução do celebrado Concerto de Varsóvia de Richard Addinsel, representando a luta por Varsóvia e o romance dos dois personagens centrais, tornou-se muito popular na Grã-Bretanha na época.

Invasão de Bárbaros

A tentativa mais séria de mostrar o contraste entre a mentalidade nazista e ponto de vista democrático foi em Invasão de Bárbaros / 49th Parallel / 1941 de Michael Powell e Emeric Pressburger, filmado inteiramente no Canadá, financiado pelo British Ministry of Information, fotografado por Freddie Young e montado por David Lean. O enredo mostra a odisséia de seis sobreviventes de um submarino alemão afundado pela Fôrça Aérea Canadense no Golfo de St. Lawrence. O filme consiste em episódios sucessivamente interligados enquanto os alemães, liderados por seu comandante (Eric Portman), passam de um lugar para outro, seu número diminuindo à medida em que avançam. Ao longo do caminho eles encontram uma variedade de personagens: Johnnie (Laurence Olivier), caçador canadense francês; Peter (Anton Walbrook), líder de uma comunidade huterita de refugiados alemães do Nazismo; Philip Armstrong Scott (Leslie Howard), escritor culto possuidor de pinturas de Picasso e Matisse; Andy Brock (Raymond Massey), soldado canadense desertor desiludido por ter se alistado no exército para acabar com os alemães, mas que até então não havia visto nenhuma ação. É ele finamente quem prende o último sobrevivente em um trem de carga que segue em direção à fronteira indefesa, o Paralelo 49, entre o Canadá e o território ainda neutro dos Estados Unidos. Este espetáculo notável ganhou o Oscar de Melhor História Original.

Três filmes menores tentaram introduzir um grau de realismo documentário mais alto no filme de guerra em longa-metragem: For Freedom / 1940, Soldados da Liberdade / This England / 1941 e Comboio / Convoy / 1940. O primeiro filme tem como cenário uma companhia produtora de cinejornais e é uma compilação semi-dramáticaenvolvendo os principais eventos que levaram à eclosão da Segunda Guerra Mundial. No segundo filme, uma jornalista americana mostra como a população de uma aldeia inglesa respondeu à invasão ou sua ameaça através de quatro episódios históricos: a invasão Normanda, a Armada Invencível, a Era Napoleônica, o Século XX. O terceiro filme descreve a vida a bordo de um cruzador da Royal Navy, designado a proteger os comboios vitais entre a América e a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial.

London Can Take It

Outros filmes de propaganda marcantes foram produzidos pela GPO Film Unit, anteriormente sob a direção de John Grierson, mas agora comandada por Alberto Cavalcanti, o brasileiro que viera da França para ser assistente de Grierson em 1934. Entre eles os curtas-metragens: The First Days / 1939, registro factual da preparação para a guerra em Londres (primeiro aviso de ataque áereo,  primeiro uso dos abrigos anti-aéreos, evacuação de idosos e crianças das áreas de perigo, fechamento temporário dos teatros e cinemas, blecaute, assim por diante); Squadron 992, mostrando uma unidade da Barragem de Balões do treinamento à ação; Men of the Lightship / 1940, contando a história de um ataque áereo contra um navio-farol desarmado; Britain at Bay / 1940, proclamando o estado de espírito da Grã-Bretanha após a queda da França; Health in War / 1940, revelando os planos para manter os serviços de sáude; Behind the Guns / 1940 , exaltando o trabalho incessante nas indústrias de guerra; e  principalmente  London Can Take It / 1940, um tributo à coragem e à resiliência dos britânicos durante a Blitz, filmado por Humphrey Jennings e Harry Watt também em uma versão de cinco minutos, Britain Can Take It.

Alguns desses filmes mais curtos eram puramente domésticos e instrutivos, sobre salvamento ou conversa descuidada. Alguns eram “inspiradores” como Words for Battle / 1941, com suas citações da poesia e da prosa inglesa falada por Laurence Olivier enquanto cenas emotivas da vida e paisagem britânica se contrapunham às palavras de Shakespeare, Milton, Browning, Blake, e outros, sem falar do próprio Churchill.

Quando a GPO se tornou Crown Film Unit em 1940 sob a supervisão de Ian Dalrymple, surgiram filmes importantes como Merchant Seaman / 194, This is England / 1941, Alvo Para Esta Noite / Target for Tonight / 1941. O primeiro filme, sob direção de J. B. Holmes, começa com o torpedeamento de um navio mercante a caminho de se juntar a um comboio. Os náufragos são resgatados, e um deles, um jovem, decide fazer um curso de artilharia antes de ingressar em um novo navio. Em um novo comboio ele é responsável por afundar um submarino. O segundo filme, dirigido por Humphrey Jennings e narrado por Edward R. Murrow, é uma pesquisa sobre a Grã-Bretanha na guerra, centralizada nas Midlands e no Norte da Inglaterra, incluindo uma orquestra sinfônica tocando Beethoven e um Coro cantando O Messias de Handel. O terceiro filme, dirigido por Harry Watt, recria o ataque de um bombardeiro Wellington da RAF sobre a Alemanha, usando a tripulação verdadeira sem fazer uso de atores. Da cópia em dvd que obtive no Imperial War Museum em Londres consta, entre outros, um short de 14 minutos, Worker´s Week-End / 1943, que muito me impressionou, porque registra o esforço dos operários de uma fábrica de aviões para construir um bombardeiro Wellington completo em apenas 30 horas ou menos, trabalhando voluntariamente no fim de semana.

CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA II

Após o período de inatividade que lhe foi imposto pelos organismos encarregados da “purificação” por ter trabalhado para a Continental (companhia destinada a produzir na França filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Henri-Georges Clouzot teve um retorno triunfal que lhe rendeu a sua segunda obra-prima, Crime em Paris / Quai des Orfèvres /1947. O filme vai mais longe do que a intriga policial que lhe serve de ponto de partida, reconstituindo com riqueza de detalhes um meio, uma atmosfera na qual evolui uma galeria de personagens saborosos, tendo à frente um inspetor de polícia vivido admiravelmente por Louis Jouvet. Depois de uma boa adaptação literária modernizada do romance do Abade Prevost (Anjo Perverso / Manon / 1949), o diretor voltou-se para o suspense, obtendo dois grandes sucessos comerciais e artísticos: O Salário do Medo / Le Salaire de la Peur / 1953 e As Diabólicas / Les Diaboliques / 1954, ambos com o nome de sua esposa brasileira, Vera Clouzot, nos créditos, e ficou conhecido como “o Hitchcock francês”.   O que fez de melhor posteriormente foi um episódio de Retour à la Vie / 1949, e Le Mystère Picasso / 1956, filme sem equivalente na história do cinema, que mistura o preto e o branco, a cor e diferentes formatos e constitui um documento insubstituível sobre a criação artística.

Apaixonado pelos seres humanos – como seu mestre Jean Renoir -, Jacques Becker os observava nos ambientes mais diversos e procurava traduzir o seu comportamento e o que eles traziam no fundo de si mesmos, captando sempre a realidade viva. Isso ocorreu nos seus melhores filme, passados sucessivamente no meio rural (Mãos Vermelhas / Goupi Mains Rouges/ 1943; da alta costura Nas Rendas da Sedução (na TV) / Falbalas / 1945; no ambiente operário (Antonio e Antonieta / Antoine e Antoinette / 1947; da pequena burguesia (Eterna Ilusão / Rendez-vous de Juillet/ 1949); e da alta burguesia (Vivamos Hoje / Édouard et Carloine / 1951); dos apaches da Belle Époque (Amores de Apache / Casque d´Or / 1952; dos gângsteres (Grisbi, Ouro Maldito / Touchez pas au Grisbi / 1954; dos artistas de Montmartre do início do século XX (Os Amantes de Montparnasse / Montparnassse 19 / 1958; da prisão (A um passo da Liberdade / Le Trou/ 1959.

Seus outros trabalhos – Brincando de Ciúmes (na TV) Rue de L´Estrapade / 1953; Ali Babá e os 40 Ladrões / Ali Baba et les Quarente Voleurs / 1954; As Aventuras de Arsène Lupin / Les Aventures d´Arsène Lupin / 1957 – foram produtos meramente comerciais, mas, tal como todos os filmes do diretor, impressionaram pela clareza e pela autenticidade.  Becker foi um dos poucos realizadores da velha guarda sempre louvado e comentado pelos críticos da Cahiers du Cinéma, a começar por François Truffaut, que encontrou na sua obra uma fonte de inspiração.

Yves Allégret realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos de sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d´Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Depois dessa trilogia, que corresponde ao “período Simone Signoret” do cineasta, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande densidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e pelo alcoolismo.

Os filmes mais relevantes de André Cayatte logo após a guerra foram Desonra / Roger la honte / 1946, e principalmente, Os Amantes de Verona / Les Amants de Verone/ 1948, que deveu muito a Jacques Prévert. Nos anos 1950, cm a colaboração preciosa do roteirista Charles Spaak, ele começou a fazer seus famosos filmes de tese, denunciando vários aspectos do sistema judiciário francês: O Direito de Matar / Justice est Faite / 1950; Somos Todos Assassinos / Nous Sommes Tous des Assassins / 1952; Antes do Dilúvio / Avant le Déluge / 1953; e O Processo Negro / Le Dossier Noir / 1958. Servindo-se do cinema como o orador se serve da palavra para expor seu ponto de vista, o cineasta continuou a filmar problemas sociais e morais como em Olho por Olho / Oeil pour Oeil / 1956; O Espelho de duas faces /Le Miroir a deux faces / 1958, prosseguindo com essa intenção até sua aposentadoria em 1983.

Nos anos 1950, Robert Bresson deu à luz O Diário de um Padre (na TV) / Le Journal d´un Curé de Campagne / 1950; Um Condenado à Morte escapou / Um Condamné a Mort s’est echappé / 1956; e Pickpocket / Pickpocket / 1959, obras máximas de sua filmografia, que evidenciavam, mais do que nunca, o seu gosto pela perfeição levado à extrema minúcia e a sua preocupação em captara beleza de uma aventura humana interior. Era um cineasta exigente, altivo, interessado em encontra uma forma libertada dos códigos narrativos forjados no começo do sonoro. “O que eu busco “, disse ele, “não é tanto a expressão por gestos, a palavra, a mímica, mas, sim, a expressão pelo ritmo e pela combinação das imagens”.

A rigidez sindical e profissional – era preciso vinte anos de trabalho obscuro em um estúdio para se tornar diretor – desencorajava os jovens de ascender aos postos-chave de decisão e de criação. Entretanto, três novos cineastas conseguiram romper as barreiras corporativas: René Clement, Jacques Tati e Jean-Pierre Melville.

René Clement estudou arquitetura, fez um filme de animação (César chez les gaulois), vários curtas-metragens, entre eles, Soigne ta gauche / 1936, escrito e interpretado por Jacques Tati, e documentários no Oriente Médio e na África. Em 1946, realizou seus primeiros longas-metragens tendo como tema a resistência (A Batalha dos Trilhos / La Bataille du Rail e Le Père Tranquille), e atuou como consultor técnico no filme de Jean Cocteau, A Bela e a Fera / La Belle et la Bête / 1946. No ano seguinte, ainda tratou de um drama de guerra em Os Malditos / Les Maudits, estranhamente premiado como Filme de Aventura no Festival de Cannes. Daí em diante, tornou-se um diretor respeitado, recebendo vários prêmios em festivais, inclusive dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Três Dias de Amor / Au-délà des Grilles / 1949, e Brinquedo Proibido / Jeux Interdits / 1952. Nos anos 1950, também importantes foram Um Amante sob Medida / Monsieur Ripois / 1954, Gervaise, a flor do lôdo / Gervaise / 1956, e O Sol por Testemunha / Plein Soleil / 1959, realizados com o esmero técnico que sempre distingue sua obra.

Na sua juventude, Jacques Tati praticou vários esportes, tendo atuado como profissional de rugby durante um breve período. Em 1931, ele se consagrou no cabaré e no music-hall com um número de pantomimas inspiradas nos esportes que praticava. De 1932 a 1938, Tati começou a trabalhar no cinema como roteirista e intérprete de curtas-metragens. Após a guerra, apareceu com ator em dois filmes de Claude-Autant-Lara, Silvia e o Fantasma / Sylvie et le fantôme / 1946 e Adúltera / Le Diable au corps / 1947.

CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA I

O cinema francês do pós-guerra, salvo algumas exceções, não parecia ser muito diferente em conteúdo e forma do cinema de antes da guerra. Como percebeu René Predal (50 Ans du cinéma français, 1996), os grandes diretores que retornaram do exílio contribuíram para a volta da tradição: “Estes realizadores não haviam verdadeiramente conhecido a guerra; portanto, nem a Ocupação nem a Libertação poderiam constituir para eles assuntos suscetíveis de renovar sua inspiração. Entre a fidelidade às normas holywoodianas e ao espírito frondista do neorealismo eles preferiram aprofundar sua estética pessoal, alguns com brio, mas outros com algum sinal de esgotamento”. Durante a Segunda Guerra Mundial, René Clair fez nos EUA: Paixão Fatal / The Flame of New Orleans /1941; Casei-Me com uma Feiticeira / I Married a Witch / 1942; O Tempo é uma Ilusão / It Happened Tomorrow / 1944 e O Vingador Invisível / And Then There Were None / 1945. De volta ao seu país natal, ainda estava em forma (O Silêncio é de Ouro / Le Silence est d´or / 1947; Entre a Mulher e o Diabo / La Beauté du Diable /1949; Esta Noite é Minha / Les Belles de Nuit / 1952; As Grande Manobras / Les Grandes Manoeuvres / 1955; Por Ternura Também se Mata / Porte de Lilas / 1957), confirmando sua posição eminente na criação francesa. Ele continuou utilizando os exteriores filmados no estúdio para criar seu próprio mundo, no qual expressava a sua visão satírica da vida. Nos seus últimos filmes voltou-se para a tragicomédia, descrevendo a condição humana com mais severidade, mas sempre com um amor fundamental pela humanidade.

Antes da guerra Duvivier havia feito nos EUA:  A Grande Valsa / The Great Waltz / 1938 e, durante o conflito mundial, Lydia / Lydia / 1941; Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942; Os Mistérios da Vida / Flesh and Fantasy / 1943; O Impostor / The Imposter / 1944.

Ao retornar à França, reatou relações com o clima sombrio dos seus filmes de antes da guerra, focalizando em Pânico / Panique / 1946, o drama da exclusão social e os tormentos de um celibatário marginal, magnificamente vivido por Michel Simon. Juntamente com Vítimas do Destino / Aux Royaume des Cieux / 1949, outro drama de uma obscuridade vigorosa, passado em uma casa de correção para moças delinquentes, foi o melhor trabalho do cineasta na segunda metade dos anos 1940. No decênio seguinte, tal como no passado, Duvivier continuou experimentando vários gêneros, abordando vários estilos, sem encontrar verdadeiramente o seu. Mas, com  sua notável noção de cinema, especialmente no que diz respeito à criação de uma atmosfera e à imposição de um ritmo fluente nas narrativas, ele realizou, com a sensibilidade de um artista, filmes apreciáveis (Sinfonia de uma Cidade / Sous le Ciel de Paris / 1950: O Caso Maurizius / L´Affaire Maurizius / 1954; A Mulher dos meus Sonhos / Marianne de ma Jeunesse / 1955; As Mulheres dos Outros / Pot Bouille /1957; Marie Octobre (na TV) / Marie Octobre; suas duas jóias raras neste período, A Festa do Coração / La Fête à Henriette / 1952, e Sedução Fatal / Voici le temps des Assassins / 1956; e um imenso sucesso comercial, O Pequeno Mundo de Don Camillo / Le Petit Monde de Don Camillo / 1951.

Após uma temporada americana, durante a qual dirigiu cinco filmes (O Exilado / The Exile / 1947; Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948; Coração Prisioneiro / Caught / 1949; Na Teia do Destino / The Reckless Moment / 1949, Max Ophuls filmou na França suas obras mais famosas (Conflitos de Amor / La Ronde / 1950; O Prazer / Le Plaisir / 1951; Desejos Proibidos / Madame … / 1953 e Lola Montés / Lola Montés / 1955, exercendo com mais liberdade brilho o seu estilo barroco, para não dizer precioso, cujo principal traço distintivo era a movimentação incessante da câmera  e a forma rebuscada da narrativa. Foi com esses filmes da sua retomada francesa que Ophuls conquistou definitivamente lugar que merecia no coração dos iniciados da sétima arte.

Jean Renoir foi o último a chegar. Nos EUA, ele fez: O Segredo do Pântano / Swamp Water / 1941; Esta Terra é Minha / This Land is mine / 1943; Amor à terra/ The Southerner / 1945; Segredos de Alcova/ The Diary of a Chambermaid; Mulher Desejada /The Woman on the Beach / 1947. Ele passou pela Índia (O Rio Sagrado / The River / 1950) e depois por Cinecittà (A Carruagem de Ouro / Le Carosse D´Or / 1952), antes de assumir a direção de French Can Can / French Can Can / 1954, em Paris, quinze anos após A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939. Essa ausência prolongada causou o desinteresse por parte do público com relação à sua obra, acrescido pela dificuldade que as pessoas tinham de reconhecer no emigrado hollywoodiano o cineasta até então identificado como a encarnação do que havia de mais francês e como homem da Frente Popular. Foi preciso uma campanha de sacralização, promovida principalmente pela Cahiers du Cinéma, para que Jean Renoir recuperasse o seu lugar proeminente no cinema francês.

Ironicamente, enquanto muitos diretores – alguns deles inspirados por Renoir – estavam utilizando aquela espécie de encenação, combinando profundidade de campo com movimentos de câmera complexos, que ele favorecera no passado, o próprio cineasta começou a desenvolver um estilo simples, direto, teatral, concentrado no intérprete. Nos filmes que fez nos anos 1950 (entre os quais se incluem As Estranhas Coisas de Paris / Elena et les Hommes / 1956; Le Déjeuner sur l´herbe / 1959; O Testamento do Dr. Cordelier / Le Testament du docteur Cordelier / 1959, o grande cineasta continuou refletindo sobre a vida e o espetáculo e demonstrando um gosto pela experimentação – porém não manteve o mesmo nível artístico de suas realizações dos anos 1930.

Quanto aos diretores importantes que permaneceram no país durante a Segunda Guerra Mundial, não se pode dizer que tiveram mau rendimento artístico, muito pelo contrário.

Marcel Carné e Jacques Préver fizeram Les Portes de la Nuit em 1946. Depois disso então se separaram e os críticos começaram a achar que, sem o concurso do seu parceiro poeta, os filmes de Carné não eram tão eficientes. Na realidade o declínio de Carné coincidiu com o rompimento com Prévert, porém teve mais a ver com as mudanças do panorama social e do gosto do público. O cineasta passou a simbolizar a “estagnação” do cinema francês tradicional aos olhos dos jovens críticos da Nouvelle vague, que os julgaram fora de moda, apesar de ele ter feito vários filmes interessantes: Paixão Abrasadora / La Marie du Port / 1950; Juliette ou la clef des songes / 1951; Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1953; L´Air de Paris / 1954; Os Trapaceiros / Les Tricheurs / 1958.

Deixando de se apresentar em cena como intérprete, Sacha Guitry nos ofereceu quatro obras valiosas (La Poison / 1951; La Vie dún Honnête Homme / 1952; Amantes e Ladrões / Assassins et Voleurs / 1956; Les trois font laPaire / 1957), que permitiram ao autor exprimir seu ponto de vista sobre a sociedade contemporânea. Seus outros filmes (Le Comédien / 1947; Le Diable Boiteux / 1948; Le Trésor de Cantenac / 1950; Tu m’as sauvé la vie / 1950), até mesmo suas superproduções patrióticas (Se Versalhes falasse / Si Versaillhes m’était conté / 1953; Napoleão / Napoléon / 1954), não eram tão bons, mas demonstravam sempre o seu espírito e continham uma liberdade de expressão que o tornava um precursor da Nouvelle Vague. Nos anos 1960, depois de ter sido menosprezado pelos críticos como mero ilustrador de peças filmadas, ele foi reabilitado tendo sido reconhecida a sua contribuição para o cinema de sua época.

Em 1946, Jean Cocteau estreou seu primeiro longa-metragem, A Bela e a fera / La Belle et la Bête e, subsequentemente, A Águia de Duas Cabeças / L´Aigle a Deux Têtes / 1947;

O Pecado Original / Les Parents Terribles / 1949; e sua obra-prima, Orfeu / Orphée / 1949. Graças a este filme, Cocteau seria um dos raros cineastas a não sofrer os ataques dos “jovens turcos”: ele foi reconhecido como autor e precursor daquela Nouvelle Vague que por várias vezes lhe renderia homenagem.

Cineastas exemplares da qualidade francesa, Christian-Jaque, Jean Delannoy, Henri Decoin e Claude Autant-Lara realizaram filmes de mérito artístico variado, mas cada qual honrou sua profissão com pelo menos três filmes de peso: Christian-Jaque (Un Revenant / 1946; A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos / La Chartreuse de Parme / 1947; Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe / 1952); Delannoy (Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950; Amar-te é meu Destino / La Minute de Verité / 1952; Assassino de Mulheres. / Maigret tend um Piège / 1958); Decoin (Trágica Inocência / Non Coupable / 1947; Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952; Antro do Vício / Razzia sur la Chnouf / 1955; Autant-Lara (Adúltera / Le Diable au Corps / 1947; A Estalagem Vermelha / L ´Auberge Rouge / 1951; A Travessia de Paris / La Traversée de Paris / 1956).

Já os diretores que haviam iniciado carreira no tempo da Ocupação  (assunto que já abordei no meu artigo Cinema Francês durante a Ocupação de janeiro de 2015) atingiram o auge de sua aptidão fílmica. É o que veremos no artigo seguinte.

DEZ GRANDES WESTERNS

MAN FROM LARAMIE, THE / UM CERTO CAPITÃO LOCKHART.

O filme apresenta um herói taciturno com ânsia implacável de vingança. O capitão Will Lockhart (James Stewart) sai de Fort Laramie e chega a Coronado, em busca do responsável pela venda de armas aos apaches que massacraram seu irmão. Ali, entra em conflito com Alec Waggonman (Donald Crisp), poderoso proprietário de terras que, prestes a ficar completamente cego, quer dividir o imenso domínio territorial entre o filho legítimo, Dave (Alex Nicol), rapaz arrogante e impulsivo, e o de criação, Vic Hansbro (Arthur Kennedy), capataz da fazenda, encarregado de conter as desordens do “irmão”. Com a ajuda de Kate Canaday (Aline MacMahon), vizinha e rival de Alec, e após sofrer muita violência, Lockhart descobre o homem que procurava, ensejando os momentos culminantes no alto de uma colina. A figura trágica do velho, de inspiração shakespeareana, pois a analogia com o Rei Lear é evidente – Alec pensa em repartir seu império, não percebe que é o filho adotivo que mais o ama, comete atos insensatos, provoca sua própria queda etc. – dá enorme dramaticidade ao filme, que apresenta, sob o plano formal, uma inteligente utilização do CinemaScope. Anthony Mann contradiz todas as hipóteses pessimistas levantadas por ocasião do advento deste formato, tais como a impossibilidade dos primeiros planos, a dificuldade dos movimentos de câmera e a morte da montagem. A sequência brutal nas salinas, por exemplo, mostra os planos bem próximos do rosto de Lockhart, capturados no laço e arrastado por sobre as cinzas da fogueira, intercalado naturalmente com outras tomadas mais gerais. Todos os enquadramentos são sabiamente construídos, como na cena do enterro, o desenho de um imenso triângulo, cujo vértice é constituído pela cabeça do assassino e, depois, no funeral, a silhueta negra do ancião que dá tiros a esmo, desesperado

MY DARLING CLEMENTINE / PAIXÃO DOS FORTES.

A partir dos personagens do célebre duelo no O.K. Corral, John Ford realiza com Paixão dos Fortes um western onde a lenda prevalece sobre a realidade histórica. O filme conta mais uma vez a passagem da natureza selvagem para a civilização e progride alternando ação dura e violenta com cenas líricas e tranquilas. A visão mítica dos personagens baseia-se tanto nas suas proezas como nos pormernores pitorescos de seu comportamento (v. g. as inequecíveis cenas de Wyatt Earp (Henry Fonda) equilibrando-se na cadeira, da recitação de Hamlet no saloon e do velho Clanton (Walter Brenann) chicoteando o filho por ter puxado a arma sem ter conseguido matar). Uma sequência como a do baile popular na inauguração da igreja, onde o tímido Earp decide dançar com Clementine (Cathy Downs), mostra bem a união do tema “social” como o tema “sentimental”, ao mesmo tempo em que faz um contraste com os momentos conturbadores do confronto final. A sobriedade, a precisão, a preocupação com os detalhes exatos, a verdade psicológica, a tensão dramática e a rapidez do “duelo” do desenlace, a plástica cinematográfica admirável, o emprego judicioso da música folclórica do Oeste fazem de Paixão dos Fortes um filme perfeito.

NAKED SPUR, THE / O PREÇO DE UM HOMEM.

O filme inicia-se quando, disfarçado de xerife, Howard Kemp (James Stewart) caça o fora-da-lei Ben Vandergroat (Robert Ryan, visando à recompensa de cinco mil dólares, estipulada para a captura do bandido. Com o dinheiro, pretende reaver o rancho do qual fora destituído por ocasião da Guerra Civil. Entretanto, é obrigado a aceitar a ajuda de Jesse Tate (Millard Mitchell), um velho garimpeiro, e de Roy Anderson (Ralph Meeker), ex-militar de moralidade duvidosa, também interessado no prêmio. Os três conseguem prender Ben, que se refugiara no alto de um penhasco na companhia de uma jovem órfã. Lina (Janet Leigh), filha de um ex-companheiro de assaltos. Durante a viagem até a cidade, semeada de incidentes, o malfeitor incita uma guerra de nervos entre seus guardiães, servindo-se de Lina para distrair a atenção de Kemp. Após uma tentativa frustrada de fuga, Ben convence Tate a soltá-lo, com a promessa de indicar-lhe o local de uma mina de ouro; mas, assim que se vê livre, mata-o sem piedade. Em seguida, arma uma cilada para Kemp e Roy, porém, graças à Lina que compreendera enfim o verdadeiro caráter do amigo, o plano se frustra. Abatido por Kemp, o corpo de Ben cai nas correntezas de um rio e, pensando na recompensa, Roy tenta resgatar o cadáver, sendo tragado pelas águas turbulentas. Kemp resgata o corpo; mas, diante das súplicas de Lina, o abandona. Com o apoio e o amor da jovem, constituirá uma nova vida, sem recorrer àquele dinheiro, causa de tantos males.  O filme, dirigido por Anthony Mann, possui a simplicidade e o rigor de uma obra clássica, com a ação única passada em tempo e lugar determinados. Apenas cinco personagens, cujas relações e sentimentos são analisados diante dos exteriores do Colorado, magistralmente fotografados. É uma tragédia clássica em plena natureza e, ao mesmo tempo, um penetrante estudo da ambição humana.

RED RIVER / RIO VERMELHO

Embora contendo um certo modernismo, vislumbrado nas ambigüidades e na complexidade do personagem principal, Tom Dunson (John Wayne), cuja obstinação e autoridade quase patológicas são utilizadas por Howard Hawks para enriquecer a ação, Rio Vermelho impressiona pelo seu classicismo, sua simplicidade e uma fotografia excepcional. Em poucos planos o diretor expõe o cenário e a atmosfera. Uma simples cena, como a partida da tropa, torna-se realmente inesquecível e quando, no final, os adversários- Dunson e Matthew Garth (Montgomery Clift) – tornam a se encontrar, não será somente o reencontro de dois homens, que seguiram caminhos diferentes e que estão prestes a se matar, mas também a reunião de dois seres ligados por uma amizade profunda. Movendo-se rapidamente pelas planícies sem horizontes e cobrindo o vasto território que os vaqueiros devem percorrer na sua odisséia, a câmera capta as tempestades, os rios, os desfiladeiros e as montanhas distantes com grande senso de beleza. O diretor não se ocupa somente com as relações humanas e suas tensões, como também com a ação e o espetáculo. Um impressionante estouro de boiada e o salvamento de uma caravana sitiada pelos índios são cenas bastante movimentadas, mas o filme também é peculiarmente eficiente ao mostrar o detalhe quase documentário da rotina diária de uma cattle drive.

RIDE LONESOME / O HOMEM QUE LUTA SÓ.

O xerife Ben Brigade (Randolph Scott) e os simpáticos fora-da-lei, Sam (Pernell Roberts) e Wild (James Coburn) disputam a posse do assassino Bill John (James Best), que deverá ser conduzido para Santa Cruz. Ben atrasa propositadamente a viagem, na esperança de ser alcançado por Frank (Lee Van Cleef) o irmão de Billy que, em passado distante, matara sua mulher. Sam e Wild, sonhando com um pequeno rancho, desejam obter o perdão prometido pela captura de Billy. No final, Ben mata Frank, põe fogo simbolicamente na árvore onde sua esposa fora enforcada e permite que os dois rapazes partam com Billy e Carrie, uma viúva que eles encontraram no caminho. O filme se organiza em sequências bem delimitadas no espaço e no tempo, que fazem progredir a ação com uma lentidão cuidadosamente calculada. Budd Boetticher desenvolve a história com um rigor quase matemático. Ao redor de Ben, os comparsas – um bandido que serve de isca, dois jovens desencaminhados que querem se tornar cidadãos honrados, uma mulher cujo marido foi morto pelos índios – são apenas peças de um jogo de xadrez: cada gesto, cada palavra sendo calculados para produzir o máximo de efeito.  Assim no final do filme, Ben sacia seu desejo de vingança e, ao mesmo tempo, torna claras todas as combinações do jogo: os dois rapazes podem apoderar-se do bandido e ganhar sua anistia; a mulher, cuja presença sugeria um idílio possível com o herói, pode partir com eles, porque para Ben só importa a lembrança da esposa. A direção de Boetticher, bastante despojada, dá uma densidade particular aos personagens e não esquece os vastos espaços que fazem a grandeza dos westerns, forjando alguns enquadramentos inspirados em uma sábia utilização do CinemaScope.

RIDE THE HIGH COUNTRY / PISTOLEIROS DO ENTARDECER.

O ex-xerife Steve Judd (Joel McCrea) é contratado para escoltar um carregamento de ouro de uma mina para um banco da cidade. Steve convoca como ajudante seu antigo colega Gil Westrum (Randolph Scott) e o jovem Heck Longtree (Ronald Starr). No caminho junta-se a eles a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) que está fugindo de um pai puritano e violento para se encontrar com o noivo Billy Hammond (James Drury) no acampamento dos mineiros. Após uma cerimônia matrimonial grotesca em um bordel, Elsa tem que ser resgatada das atenções brutais dos irmãos de Billy (John Anderson, Warren Oates, L. Q. Jones, John Davis Chandler). Na viagem de volta, perseguidos pelos Hammond, Judd frustra as tentativas de seus dois companheiros para roubar o ouro. Em uma confrontação final com os Hammond, Westrum, que havia fugido, retorna para ajudar Heck e Judd, e este morre, ouvindo a promessa de Westrum de completar a missão. Os heróis estão envelhecidos. Logo nas primeiras cenas vemos o primeiro esconder sua miopia e se trancar no banheiro para ler um contrato e o segundo, fantasiado de Bufallo Bill, com cabelos longos e barba postiços, explorando um estande de tiro em um parque de diversões. Antigos guardiães da lei, eles sobreviveram à invasão do Oeste pela civilização e encontrarão juntos a oportunidade de viver sua última aventura, seu último duelo, e de readquirir o respeito próprio. De seu passo aventureiro – constantemente relembrado – Judd e Westrum conservaram um certo senso de honra (mesmo Westrum, que queria se apossar do ouro) e de amizade e, em contato com os dois idosos, o jovem Heck aprende a se tornar um homem digno deste nome. A escaramuça nas montanhas varridas pelo vento é uma das várias cenas magistrais do espetáculo. Há também o jantar, no qual Judd cita versículos dos Provérbios, o pai de Elsa retruca com Isaías e Westrum, encantado com a comida, “cita” Apetite., Capítulo 1. Ainda melhor é a festa de casamento em um bordel, celebrada por um juiz bêbado e com as prostitutas como damas de honra. Na sequência final antológica, Judd, ferido, e Heck, são encurralados em uma vala enquanto Billy e seus dois irmãos atiram neles da casa do rancho e do celeiro. De repente, em uma cavalgada emocionante, Westrum aparece para socorrê-los. Com um sorriso nos lábios Judd e Westrum tornam-se parceiros novamente. Os cinco homens se confrontam e todos são alvejados. Os Hammond morrem. Westrum assegura ao agonizante Judd que vai entregar o ouro “tal como este teria feito”. Judd responde: “Diabos, eu sei, sempre soube. Você apenas esqueceu por alguns momentos. Só isso”.

SEARCHERS, THE / RASTROS DE ÓDIO.

O Texas em 1868. Ethan Edwards (John Wayne), ex-confederado, chega à fazenda de seu irmão Aaaron (Walter Coy). No dia seguinte, Sam Clayton (Ward Bond) que é ao mesmo tempo pastor e capitão dos Rangers, convoca-o para irem atrás de ladrões de gado. Porém o roubo de gado era uma armadilha para afastar os Rangers. No seu retorno, Ethan depara-se com a casa incendiada, o irmão e a cunhada (Dorothy Jordan) mortos e as duas sobrinhas Lucy (Pipa Scott) e Debbie (Lana Wood) sequestradas pelos índios. Na companhia de Brad Jorgensen (Harry Carey, Jr.), noivo de Lucy e Martin Pauley (Jeffrey Hunter), um jovem mestiço adotado pelo casal, Ethan sege a pista dos assassinos. Após alguns meses, os três homens descobrem o cadáver de Lucy. Brad, louco de dor, ataca o acampamento indígena e morre. Anos depois, Martin e Ethan voltam para a fazenda dos Jorgensen (John Qualen, Olive Carey, vizinhos de Aron, e ficam sabendo que Debbie (Natalie Wood), já adulta, está vivendo entre os comanches. Passados mais alguns meses, no Novo México, eles encontram Debbie como mulher do chefe “Scar” (Henry Brandon); mas ela se recusa a seguí-los, pois se considera uma verdadeira índia. Furioso, Ethan quer matá-la, porém Martin não deixa. Os dois voltam novamente para a fazenda dos Jorgensen, onde Martin impede que a filha destes, Laurie (Vera Miles), sua antiga namorada, se case com outro. Mais tarde, o chefe “Scar” é visto na região. Durante um ataque de surpresa dos Rangers ao acampamento comanche, Martin consegue libertar Debbie. Ethan a princípio não desiste da idéia de matá-la, mas afinal reconhece a moa como sua sobrinha, erguendo-a amorosamente nos braços. Todos retornam para o lar dos Jorgensen. Tudo em ordem. Ethan parte para o deserto.

Rastros de Ódio aborda os grandes temas do western: o racismo, os problemas dos pioneiros brancos, as guerras com os índios com seu cortejo de massacres de ambas as partes etc. Entretanto, John Ford se apega ao seu herói, este “homem só”, irremediavelmente perdido e afastado da civilização, do calor do lar e da vida, enigmático e taciturno, parcial e violentamente racista que, em busca da sobrinha, empreende uma imensa odisséia que se desenrola sob a neve e o deserto, em uma impressionante variedade de paisagens. Os exteriores do filme foram rodados principalmente no Monument Valley – que, desde No Tempo das Diligências, serviu para muitos westerns do diretor. Todo o filme “respira” estas vastas extensões onde a areia, o vento quente, a distância, os enormes blocos rochosos esculpidos pela erosão, a falta de água, o sol tórrido, criam um clima pesado, desolado, desértico, desumano. Visualmente o filme representa a arte de John Ford no seu ápice. Seu grande amor pela humanidade e pela natureza se espalha em imagens majestosas, que se organizam para formar um grande, um belo poema lírico. Porém o motivo visual mais significativo em Rastros de Ódio é certamente a porta aberta para o agreste. Esta é a imagem que abre e fecha o filme. É uma imagem que expressa o tema e o conflito do filme: do lado de dentro estão os valores apreciados pela civilização; do lado de fora está a terra selvagem que os ameaça. O plano final mostra a família reunida entrando pela porta. Ethan também começa a entrar; mas hesita. Compreendendo que sua missão está cumprida e que realmente não há lugar para o herói do western naquele lar, ele se vir e vai embora enquanto a porta se fecha atrás dele.

STAGECOACH / NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS

No tempo das diligências marca uma data e uma etapa decisiva na história do western. Respeitando todos os temas dramáticos do gênero, John Ford os enriqueceu com um conteúdo moral, social e psicológico, conferindo-lhes uma dignidade intelectual e artística. Foi a realização deste filme que, segundo muitos críticos, teria criado todos os clichês do gênero. Entretanto, o filme apenas reúne um espaço (as grandes planícies do Oeste), acontecimentos (a viagem, o ataque dos índios, a perseguição), e sobretudo uma galeria de tipos (Hatfield (John Carradine), o cavalheiro sulista, jogador e arruinado; Dr. Josiah Boone (Thomas Mitchell), o médico alcoólatra; Samuel Peacock (Donald Meek), o vendedor de uísque; Henry Gatewood (Berton Churchill), o banqueiro escroque; Curly Wulcox (George Bancroft), o xerife; Ringo Kid (John Wayne), o fora-da-lei; Dallas (Claire Trevor), a prostituta etc.), que fazem parte da tradição do western – não há nada de novo. A mestria de Ford consiste na composição dramática e de elementos conhecidos. O movimento do filme, retomado por etapas da viagem e seus incidentes, se funda, de um lado, na evolução das relações entre os membros do grupo e, de outro, na tensão crescente dos perigos que os ameaçam. Assim, No Tempo das Diligências é, sem cessar e ao mesmo tempo, uma epopéia trágica e um drama psicológico, uma aventura coletiva e uma série de aventuras individuais, destacando-se entre estas a do fora-da-lei heróico e a da prostituta de bom coração (cujo personagem e situação lembram a Boule de Suif, de Maupassant. As reações dos diversos personagens, provocadas por sua educação ou preconceitos, alargam o quadro do filme e fazem desse microcosmo que é a diligência uma amostra da sociedade americana do fim do século XIX. Pode-se dizer, a respeito dessa obra, que ela abriu caminho para um western mais cerebral, consciente de seus temas e de sua significação.

WAGON MASTER / CARAVANA DE BRAVOS

É um verdadeiro filme-poema no qual John Ford expressa seu amor pelo Oeste e pelos verdadeiros cowboys, usando imagens encantadoras e uma comovente trilha musical de hinos e canções folclórica. Construído episodicamente, o filme descreve a viagem para a Terra Prometida de uma caravana de mórmons, liderada por um patriarca, Elder Wiggs (Ward Bond), ao qual vão se juntando dois jovens vaqueiros, Travis Blue (Ben Johnson) e Sandy Owen (Harry Carey, Jr.), uma pequena troupe de artistas (Allan Mowbray, Joanne Dru, Ruth Clifford, Francis Ford), alguns fora-da-lei (Charles Kemper, James Arness, Fred Libby, Hank Worden, Mickey Simpson) e um grupo de índios Navajos.

Alternando drama e humor em uma coleção de incidentes apresentados de uma maneira natural, espontânea, singela, Caravana de Bravos é um pequena obra-prima de expressão pura, obra de pintor e de músico (pelo seu andamento , suas repetições), uma mistura de epopéia lírica com realidade cotidiana, impregnada de valores humanistas e religiosos (a fé, os esforços e a tolerância dos mórmons, a amizade sincera e solidária dos dois vaqueiros a mulher perdida tocada pela graça, o valor da família, a busca de paz etc.).”O western mais puro e mais simples que já fiz”, declarou o cineasta referindo-se a um de seus filmes prediletos.

WINCHESTER 73 / WINCHESTER 73.

O filme começa em 4 de julho de 1873, em Dodge City. Lin MacAdam (James Stewart) encontra finalmente Dutch Henry Brown (Stephen McNally), que vinha perseguindo há algum tempo. Porém, como o xerife local, o famoso Wyatt Earp (Will Geer), confisca todas as armas, o acerto de contas fica para uma outra oportunidade. Os dois participam de um concurso de tiro cujo prêmio é uma Winchester 73, o fuzil mais aperfeiçoado da época, muito cobiçado no Oeste. Lin ganha a disputa, mas Dutch rouba-lhe a carabina e foge da cidade. Lin e o amigo High Spade (Millard Mitchell) vão atrás dele, enquanto a Winchester passa sucessivamente das mãos de Dutch para as de um traficante, Joe Lamont (John McIntire); um chefe indígena, Young Bull (Rock Hudson); um covarde, Steve Miller (Charles Drake) e um assaltante de bancos, Waco Johnny (Dan Duryea), voltando depois à posse do primeiro. Lin alcança Dutch e os dois se defrontam em um duelo, revelando-se então que eram irmãos e Dutch havia matado o pai. A trama episódica e circular reúne com virulência e autenticidade todos os tipos tradicionais do gênero, ligando o destino dos numerosos participantes do drama e ensejando uma meditação sobre a violência – as pessoas que se apoderam da carabina de alto poder de destruição morrem, porque só a desejam para matar. A violência é acentuada ainda pelo caráter trágico da relação familiar entre vilão e herói. Aqui, como em vários outros westerns de Anthony Mann, um indivíduo amargurado e raivoso, movido pelo ódio. Além do plano-sequência inicia, destacam-se as cenas do torneio de tiro, o roubo da arma por Dutch e seu capangas, a morte de Joe Lamont escondida pelo gesto de Young Bull que se coloca diante da lua, o ataque dos índios, a primeira aparição de Waco Johnny e o tiroteio final na montanha rochosa, imagens compostas com perspicácia visual admirável.

HORROR GÓTICO NO CINEMA

O Romance Gótico – histórias sobre o macabro, o fantástico e o sobrenatural que se passam geralmente em castelos assombrados, cemitérios, ruínas e paisagens selvagens pitorescas – atingiu o auge de sua considerável moda no final do século dezoito e início do século dezenove.

No século dezoito, Horace Walpole e Ann Radcliffe definiram os parâmetros para o gênero. Apaixonado pelos romances e mistérios medievais, Walpole publicou em 1764, The Castle of Otranto. A narrativa, repleta de fantasmas e lendas apavorantes, um nobre tirânico e perverso como vilão, a heroína santa muito perseguida que sofre os maiores terrores, luzes estranhas, aparições misteriosas, manuscritos embolorados ocultos, dobradiças rangentes, e emoções violentas de angústia e amor, era artificial e melodramática, mas exerceu grande influência na literatura do sobrenatural. Os romances de Ann Radcliffe estabeleceram padrões novos e mais elevados no domínio do macabro e da atmosfera aterradora. Ela escreveu seis romances, sendo o mais famoso, The Mysteries of Udolpho, um exemplar da história gótica primitiva em sua melhor forma.

No século dezenove surgiram Frankenstein de Mary Shelley; Dracula de Bram Stocker; The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde de Robert Louis Stevenson; The Monk de Matthey Gregory Lewis; Melmoth de Charles Robert Maturin; Wuthering Heights de Emily Bronte; The House of the Seven Gables de Nathaniel Hawthorne; In a Glass Darkly, de Sheridan LeFanu; e os contos de Edgar Allan Poe, ao qual devemos a moderna história de horror em seu estado final e aprimorado.

As histórias de horror- gótico do século dezoito e dezenove se prestaram não somente a adaptações teatrais, mas também a espetáculos de luz e sombra como as “phantasmagorias” de E. G. Robertson, esqueletos e aparições de fantasmas que pareciam se mexer, projetados pela lanterna mágica, que ele aperfeiçoou, patenteando- em 1799 como Fantascópio. Cem anos depois, aparições semelhantes puderam ser vistas nos filmes-fantasia pioneiros de George Méliès, porém o gênero começou a se definir na primeira década do século vinte, quando a Selig Poliscope lançou uma breve adaptação de Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1908. A Nordisk Company seguiu o exemplo com uma filmagem da mesma história (1909) e com duas produções sobre enterro prematuro intituladas The Necklace of the Dead / 1910 e Ghosts of the Vault / 1911. E a Edison Company entrou neste campo com uma adaptação de Frankenstein / 1910, que foi seguida por mais três versões de Jekyll and Hyde – inclusive uma produzida por Carl Laemmle, cujo estúdio, Universal Pictures, iria dominar o mercado com histórias deste tipo de maneira igualada somente pela Hammer Films durante o seu período de glória nos anos 50, 60 e 70

 

Estas primeiras produções, juntamente com Consciência Vingadora ou O Amor Domina o Mundo / The Avenging Conscience / 1914 de David Wark Griffith, (baseado no conto de Edgar Allan Poe, The Tell-Tale Heart) e Lágrimas e Risos da Boemia / Trilby / 1915 de Maurice Tourneur (que introduziu a figura do hipnotizador demoníaco muito antes de que Werner Krauss, Rudolph Klein-Rogge e Paul Wegener se apropriassem dela), representam o início de uma onda cuja crista foi alcançada no cinema silencioso germânico com O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920, Unheimliche Geschichten / 1919 de Richard Oswald, Alraune / Alraune/ 1929 de Henrik Galeen; nas criações grotescas de Lon Chaney nos Estados Unidos de O Homem Miraculoso / The Miracle Man / 1919 a Trindade Maldita / The Unholy Three / 1930; nos filmes de outros países como A Carruagem Fantasma / Körkalen / 1921 de Victor Sjöström e Páginas do livro de Satã / Blade af Satans Bog / 1920 de Carl Dreyer; Uma Página de Loucura / Kurutta ichipeiji / 1926 de Teinosuke Kinugasa; A Queda da Casa de Usher / The Fall of the House of Usher / 1928 de Jean Epstein. Neste último filme, o assistente de Epstein era Luis Buñuel, cuja colaboração com Salvador Dali em Um Cão Andaluz / Un Chien Andalou no mesmo ano vinculou o surrealismo a elementos violentos que lembravam o conto de horror.

Dracula

Frankenstein

Uma segunda onda de filmes de horror emanou dos Estados Unidos, quase imediatamente a pós o advento do som: Dracula / Dracula / 1931 de Tod Browning, com Bela Lugosi, Frankenstein / Frankenstein / 1931 de James Whale com Boris Karloff, e Zumbi, a Legião dos Mortos / Zombie / 1932 de Victor Halperin com Lugosi foram todos feitos nos estúdios da Universal, onde a influência do cinema alemão se mostrou particularmente forte, graças a figuras importantes como o diretor Paul Leni e o diretor- cinegrafista Karl Freund. O auge desta onda foi alcançado com King Kong / King Kong / 1933 de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.

A próxima onda veio durante a Segunda Guerra Mundial, quando a série de Val Lewton – de Sangue de Pantera / Cat People /1942 de Jacques Tourneur a Asilo Sinistro / Bedlam / 1946 de Mark Robson – na linha de produção “B” da RKO-Radio, renovou o gênero, conjugando escassez de recursos com qualidade artística. Descartando os monstros tradicionais, os filmes de Lewton não lidavam como o horror realístico, mas com o horror sugerido, ou seja, a expressão de algum medo ou superstição universal através de meios estritamente cinematográficos ou simples sugestões da câmera.

O Fantasma da Opera com Lon Chaney

Michael Redgrave em Na Solidão da Noite

A refilmagem de Artur Lubin de O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1943, também atenuou consideravelmente os impactos do original (como a maquilagem de Claude Rains é fraca quando comparada com a de Lon Chaney no mesmo papel) na versão primitiva de 1925!); e os filmes britânicos sobre aparições fantasmagóricas após a morte como Thunder Rock / 1942 de Roy Boulting e The Halfway House / 1944 de Basil Dearden provavelmente assustaram apenas as pessoas mais sugestionáveis, exceção feita para O Solar das Almas Perdidas / The Uninvited / 1944 de Lewis Allen. Outros filmes trataram os fantasmas em tom de comédia como em Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 de René Clair ou com uma explicação racional como em O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 de George Marshall. Entretanto, este ciclo terminou com um clássico cinematográfico do conto de horror, Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, dirigido por Alberto Cavalcante, Robert Hammer, Charles Crichton e Basil Dearden.

A quarta onda emergiu incitada pela repercussão dos foguetes que haviam aterrorizado a Inglaterra durante os últimos dias da Segunda Guerra Mundial e o início da exploração do espaço. Desde o princípio, em filmes como Frankenstein por exemplo, o conto de horror cinematográfico demonstrava certa coincidência com a ficção científica e esta sincronia aumentou quando surgiram Destino à Lua / Destination Moon / 1950 de George Pal, O Monstro do Ártico / The Thing from Another World / 1951 de Christian Nyby e Howard Hawks; O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still / 1951 de Robert Wise; O Monstro do Mar / The Beast from 20.000 Fathoms / 1953 de Eugène Lourié; O Mundo em Perigo / Them / 1954 de Gordon Douglas; O Monstro da Lagoa Negra / Creature from the Black Lagoon / 1954 de Jack Arnold; Gojira / Godzilla, / 1954 de Ishirô Honda; Terror que Mata / The Quatermass Xperiment / 1955 de Val Guest (produzido pela Hammer); Vampiros de Almas / The Invasion of the Body Snatchers / 1956 de Don Siegel;  A Hora Final / On the Beach / 1959; Gorgo / Gorgo / 1961 de Eugene Lourié; O Mundo os Condenou / These are the Damned / 1962 de Joseph Losey; As 4 Faces do Medo / Kwaidan / 1964 de Masaki Kobayashi; Onibaba, a Mulher-Demônio / Onibaba / 1964 de Kaneto Shindô; Alphaville / Alphaville / 1965 de Jean-Luc Godard; Fahrenheit 451 / Fahrenheit 451 / 1966 de François Truffaut; Viagem Fantástica / Fantastic Voyage / 1966 de Richard Fleischer; O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes / 1968 de Franklin J. Shaffner; 2001: Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 de Stanley Kubrick.

Onibaba

Planeta dos Macacos

Em 1957, devido ao sucesso de Terror que Mata, a Hammer lançou a sua série de horror com A Maldição de Frankenstein / The Curse of Frankenstein e depois O Vampiro da Noite / Horror of Dracula / 1958, que impulsionou o pequeno estúdio, transformando-o num fenômeno mundial. Os filmes propiciaram uma bela carreira para Terence Fisher e Peter Cushing e Christopher Lee tornaram-se os astros de filme de horror mais famosos desde Boris Karloff e Bela Lugosi.

Roger Corman e Vincent Price

Enquanto a Hammer estava revivendo os monstros da Universal (em 1959 foi a vez de A Múmia / The Mummy e em 1961 veio A Maldição do Lobishomem / The Curse of the Werewolf), a American International Pictures iniciou com I Was a Teenage Werewolf / 1957 (Dir: Gene Fowler Jr.) um ciclo de horror destinado aos jovens. Parte dos lucros auferidos serviu para financiar uma outra série mais memorável. Começando com House of Usher / O Solar Maldito / 1960 e terminando com The Tomb of Ligeia / O Túmulo Sinistro / 1965, Roger Corman dirigiu oito filmes em cores e tela larga, adaptados livremente das obras de Edgar Allan Poe, que obtiveram enorme sucesso comercial e respeito dos críticos.

A literatura gótico romântica de Poe, explorando o lado sombrio da experiência humana – morte, alienação, ansiedade existencial, pesadelos, fantasmas, várias formas de insanidade e melancolia -, apesar de algumas discrepâncias radicais entre os textos dos contos (ou poemas) originais e o enredo dos filmes, encontrou um intérprete compreensivo em Corman, que soube manter o espírito do genial escritor.  A encenação dos filmes de Poe deve-se muito aos cenários bem detalhados do diretor de arte e desenhista de produção Daniel Haller. Haller também merece crédito pela qualidade expansiva dos cenários, construídos para dar à câmera o máximo de liberdade de movimento. Esta liberdade de movimento é traduzida pelos fotógrafos Floyd Crosby, Nicolas Roeg e Arthur Grant (Crosby colaborou em todos os filmes da série menos nos dois últimos, que ficaram a cargo respectivamente de Roeg e Grant) por meio de uma grande quantidade de travelings e gruas. Sem esquecer as formidáveis interpretações de Vincent Price.

O Exorcista

A Hora do Pesadelo

Uma outra onda de filmes de horror atingiu o auge com filmes como O Massacre da Serra Elétrica / The Texas Chain Saw Massacre / 1974 de Tobe Hooper, que provocava o choque através da máxima exibição de corpos sendo mutilados e sangue sendo derramado;  Geração Proteus / Demon Seed / 1977 de Donald Camme, que mostrava Julie Christie estuprada por um computador; e por filmes de possessão demoníaca, faculdades paranormais destrutivas e reencarnações misteriosas representadas por obras como O Exorcista / The Exorcist / 1973 de William Friedkin, Carrie, a Estranha / Carrie / 1976 de Brian De Palma, A Profecia / The Omen / 1976 de Richard Donne, A Mansão Macabra / Burnt Offerings / 1976 de Dan Curtis, O Exorcista II: O Herege / The Heretic / 1977 de John Boorman e Estranho Poder de Matar / The Shout / 1978 de Jerzy Skolimovski.

Nas décadas seguintes o gênero de horror continuou marcando presença nas telas surgindo obras importantes como, por exemplo, A Hora do Pesadelo / A Nightmare at Elm Street / 1984 de Wes Craven, apresentando Freddy Krueger, o assassino como o rosto e o corpo coberto de cicatrizes. Mas não podemos esquecer a contribuição brasileira de José Mojica Marin iniciada com A Meia-Noite Levarei Sua Alma / 1964 e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver / 1967 ambos com  o agente funerário cético e cruel Zé  do Caixão.

UMA SÉRIE ENCANTADORA

Existem certos filmes que jamais perdem o encanto. É o caso de Os Peraltas / Our Gang, série americana de comédias curtas sobre um grupo de crianças de um bairro pobre e suas aventuras. Elas começaram a ser produzidas em 1922 pelo estúdio de Hal Roach e distribuídas pela Pathé Exhange. Em 1927, a distribuição passou a ser feita pela Metro-Goldwyn-Mayer e a série entrou no seu período mais popular, após terem sido sonorizadas em 1929. A produção continuou no estúdio de Roach até 1938, quando a série foi vendida para a MGM, que passou a produzir as comédias ela própria até 1944. No total foram produzidos 96 filmes durante a fase do cinema mudo e depois mais 132, sonorizados, um dos quais, O Grande Generalzinho / General Spanky, era de maior metragem (1h,11m). Em 1955, os filmes da série sonorizados produzidos por Roach foram vendidos para a televisão onde receberam o título de Os Batutinhas / The Little Rascals.

Hal Roach

No Brasil, nos anos 70, Os Batutinhas foi exibida na TV Educativa, Canal 2 no Rio dentro do programa Arco-Íris que ia ao ar de segunda à sexta, às 19 horas. Durante os anos de 1978-1983, a convite de Paulo Alberto Monteiro de Barros (colunista de televisão, professor, escritor e político, mais conhecido como Artur da Távola), colaborei na revista Amiga (no encarte intitulado Amigão) das empresas Bloch, assinando duas colunas de uma lauda semanais nas contracapas da revista, intituladas Por dentro dos Seriados e, naquela ocasião, pronunciei-me quanto à série. Eis um trecho do meu comentário: “Impressionante como estas fitas resistem ao tempo, mas não é difícil compreender. Nós os adultos temos em geral a nostalgia da infância e, por outro lado, o espírito das crianças é o mesmo em qualquer época, de modo que as de hoje se identificam perfeitamente com as peraltices daquela garotada antiga que vêem no vídeo. Assim, vibram quando algum membro da turma vence um personagem pretencioso ou antipático, dando-lhe uma boa lição, ou diante da incrível competência com que se organizam, sem a ajuda da gente grande … Evidentemente que nem todas as histórias dos “Batutinhas” têm a mesma graça, mas isto não prejudica o passatempo porque todas as traquinadas possuem um clima de inocência, que é seu primordial fator de sedução”.

Segundo Roach, a idéia da Our Gang lhe veio à mente em 1921, quando encontrou uma criança negra extremamente talentosa, Ernie Morrison, cujo apelido era “Sunshine Sammy”. Ele trabalhou em várias comédias suas e teve uma boa acolhida por parte do público. O produtor e um de seus diretores mais jovens, Robert McGowan procuraram outras crianças talentosas profissionais e encontraram Mary Kornman (filha de Gene Kornman, fotógrafo de Harold Lloyd) e Jackie Davis (o irmão mais jovem de Mildred Davis, esposa e leading lady de Lloyd). O sardento Mickey Daniels; Jackie Condon; o gordinho Joe Cobb e o pretinho Allen Clayton Hoskins (conhecido como Farina) foram outros dos primeiros membros da trupe.

Our Gang 1923

Em 1922 Our Gang nasceu. McGowan e Anthony Mack dirigiram a série até o final dos anos vinte e até esta data o elenco, com recém-chegados ocasionais, permaneceu o mesmo. Em 1929 chegaram novos garotos entre os quais: Jackie Cooper, Bobby “Wheezer” Hutchins e Mary Ann Jackson (estes dois últimos haviam aparecido em alguns filmes mudos da série), Norman “Chubby” Chaney (que venceu um concurso nacional para substituir Joe Cobb como o “gordinho” da série), Dorothy De Borba, e Matthew “Stymie” Beard. Em 1930 surgiu a personagem de Miss Crabtree, a professora da turma, interpretada por June Marlowe. Nesta década ocorreram mudanças constantes no elenco juvenil de Our Gang. Em 1931, Jackie Cooper deixou a série para atingir o estrelado em filmes como O Campeão / The Champ / 1931 e Skippy / Skippy / 1931 e seu lugar foi ocupado por Dickie Moore.  Em 1932, outros membros acrescentados à equipe foram Spanky McFarland e Scotty Beckett e houve também a introdução de um novo diretor, Gus Meins, responsável algumas das melhores comédias da série.

Alfafa, Darla e Spanky

Tal como todas as comédias de Hal Roach, Our Gang se beneficiou muito da participação de atores coadjuvantes adultos como June Marlowe, Billy Gilbert, Franklin Pangborn, James Finlayson, Johnny Arthur, Gay Seabrook, Clarence Wilson, Dell Henderson, James C. Morton. Sem falar na presença, como convidados especiais, de Oliver Hardy e Stan Laurel (O Gordo e o Magro) vestidos com roupas de bebês em Quê Pose! / Wild Poses / 1933. Em 1935, em A Folia dos Peraltas / Our Gang Follies of 1936, a turma começou a trabalhar com um formato musical, que foi reutilizado várias vezes durante os anos seguintes. Um dos melhores destes musicais em miniatura e o último feito por Roach foi Alfafa, a Voz das Vozes / Our Gang Follies of 1938 / 1927, uma divertida paródia dos musicais dos anos 30 dirigida por Gordon Douglas. No elenco já estavam os novos garotos contratados para a série: Carl “Alfafa” Switzer, Darla Hood e Billy “Buckwheat Thomas, Eugene “Porky” Lee.

A Folia dos Peraltas

Fugindo da Escola

Em 1936, muitos dos shorts diminuíram de duração de dois rolos (aproximadamente 20 minutos) para um rolo (aproximadamente 10 minutos) e, surpreendentemente, o primeiro filme de um rolo (dir: Gordon Douglas), Fugindo da Escola / Bored of Education / 1936, recebeu o Oscar de Melhor Curta nesta metragem. Também nesta época, o elenco foi reforçado com um Pit Bull Terrier Americano com um círculo em torno de seu olho: originariamente chamado “Pansy”, o cachorro logo se tornou conhecido como Pete the Pup, o animal de estimação mais famoso da série. Ainda em 1936, Roach produziu um exemplar da série no formato de longa-metragem (1h,11m), O Grande Generalzinho   / General Spanky, co-dirigido por Gordon Douglas e Fred Newmeyer. porém o filme não obteve sucesso.

O Grande Generalzinho

Em 1938, Roach vendeu a série para a MGM (que vinha distribuindo os filmes), inclusive o direito de usar o nome Our Gang, razão pela qual as comédias originais de Roach foram chamadas The Little Rascals na TV. Inicialmente, os astros principais da série, o diretor (Gordon Douglas) e dois roteiristas (Robert McGowan e Harold Law) foram para a MGM a fim de continuar os shorts e foi admitido uma nova criança, Mike Gubitosi, que logo mudou o nome para Robert Blake, o futuro ator adulto do seriado Baretta e filmes conhecidos como A Sangue Frio / In Cold Blood / 1967 e Willie Boy / Tell Them Willie Boy is Here / 1969, entre outros. Our Gang foi usada pela MGM como campo de treinamento para futuros diretores: George Sidney, Edward Cahn e Cy Endfield trabalharam na série antes de passarem para a realização de filmes de longa-metragem.

CHIANCA DE GARCIA NO BRASIL

Em 18 de abril de 2011, amparando-me no Dicionário do Cinema Português 1895-1961 de Jorge Leitão Ramos (Ed. Caminho, 2011) e na História do Cinema Português de Luís de Pina (ed. Europa-América, 1986), escreví neste blogue “A Época de Ouro do Cinema Português” (um dos artigos mais apreciados pelos leitores conforme os comentários que recebí), no qual, entre outros, fiz referência à obra de cineastas portugueses renomados como, por exemplo,  Cottinelli Telmo, Antonio Lopes Ribeiro, Arthur Duarte, Jorge Brum do Canto, Manoel de Oliveira, Arthur Duarte Leitão de Barros, Chianca de Garcia. Neste artigo desejo falar sobre os dois filmes que este último realizou no Brasil: Pureza / 1940 e 24 Horas de Sonho / 1941, fazendo antes um resumo de sua vida e obra em Portugal e no Brasil.

Chianca de Garcia

Eduardo Augusto Chianca de Garcia (1898-1983) nasceu em Lisboa. Após a Primeira Guerra Mundial, seu nome começa a aparecer nos jornais, com artigos sobre teatro, esporte, cinema.  Em 1923, ele escreve, com Norberto Lopes, a peça A Filha de Lázaro, estreada no Teatro T-Politeama pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. Em 1928, está na direção da revista de cinema Imagem (como João Botto de Carvalho e Antônio Lopes Ribeiro). Secretário técnico do Cineteatro São Luiz, ele teve, em 1929, a idéia de fazer um curta-metragem para abrilhantar o Carnaval de 1930. Devia chamar-se São Luiz Melody, mas acabou por se chamar Ver e Amar / 1930, tornou-se um longa-metragem, e chegou mesmo a ser vendido para o Brasil.

Na sinopse, uma jovem costureira aspira a ser vedete do teatro de revista, porém acaba escolhendo uma vida simples, por amor a um motorista de taxi. As filmagens decorreram no jardim de Inverno e no palco do teatro, transformados em um estúdio improvisado. O filme teve uma estréia polêmica e animadora, que mais espicaçou Chianca na sua idéia da necessidade de um estúdio devidamente equipado para que pudesse haver cinema em Portugal. Ele pugnou na imprensa e acabou nomeado para a comissão a que o Governo propôs para o estudo da questão. Assim nasceu a Tobis Portuguesa. Chianca é indicado como conselheiro técnico da primeira produção da nova empresa – A Canção de Lisboa /1933, dirigida por Telmo Continelli e com Beatriz Costa encabeçando o elenco.

Diretor de produção de As Pupilas do Sr. Reitor / 1935 de Leitão de Barros, Chianca consegue, no ano seguinte, realizar o seu primeiro filme sonoro – O Trevo de Quatro Folhas – estrelado por Beatriz Costa, num papel duplo. Ela foi também a protagonista da revista Água Vai! (que ele escreveu em 1937 de parceria com Tomás Ribeiro Colaço e foi apresentada no Teatro Trindade), e um dos filmes que fez em 1938, Aldeia da Roupa Branca – enorme sucesso. O outro filme dele de 1938 foi A Rosa do Adro, baseado no popularíssimo romance de Manuel Maria Rodrigues, mas com Maria Lalande no papel título.

Cenas de Aldeia da Roupa Branca

Para minha alegria, encontrei em Lisboa o dvd de Aldeia da Roupa Branca, produzido pela Madragoa Filmes, com a nova versão restaurada e, ao exibí-lo em minha casa, foi amor à primeira vista. Numa aldeia nos arredores de Lisboa, na zona saloia, duas famílias lutam pelo monopólio do transporte das lavadeiras, que se deslocam à capital, para recolher as roupas dos citadinos e entregar as encomendas de camisas e calças, já devidamente lavadas e engomadas. A personagem central da história é Gracinda (Beatriz Costa), sobrinha de Jacinto (Manuel Gomes Carvalho), que tem longa inimizade com sua eterna rival, a viúva Quitéria (Elvira Velez). As coisas não correm bem para o velho Jacinto, privado da ajuda do seu filho Chico (José Amaro), que tinha decidido seguir outro rumo. Enquanto na aldeia se luta pelo domínio do transporte, ele anda por Lisboa, divertindo-se com a namorada, uma fadista de renome (Herminia Silva) e trabalhando como motorista. Até que Gracinda vai à cidade convencer Chico, por quem se apaixonou, a voltar à terra e ajudar o pai a recuperar seu negócio. O filme é uma delícia e eu notei algumas influências do cinema americano de Ernst Lubitsch. Na sequência de abertura Beatrizinha – mais bela e faceira do que nunca – canta “Água fria na ribeira / Água fria que o sol esqueceu” enquanto a câmara ágil de Aquilino Mendes vai mostrando com inspiração pictórica e rítmica as lavadeiras na prática do seu ofício.

Do Brasil Adhemar Gonzaga convida Chianca para realizar Pureza, inspirado no romance de José Lins do Rego. Chianca aceita e parte para o Rio de janeiro, em junho de 1939.  No enredo, num pequeno vilarejo paraibano, um político dissoluto, Dr. Jorge (Sérgio Serrano) desperta o amor das duas irmãs, ávidas de uma vida melhor. Primeiramente atrai a loura Margarida (Nilza Magrassi), que sonhava com uma vida melhor na capital e depois a morena Maria Paula (Sônia Oiticica) que, mesmo prometida ao pobretão Chico Bem-Bem (Roberto Acácio) não consegue resistir aos encantos do doutor. O pai das moças, Cavalcanti (Procópio Ferreira), chefe da estação ferroviária, é covarde e relapso, trazendo transtornos constantes aos familiares.

Não posso comentar o filme, porque não pude ver a cópia recuperada por Alice Gonzaga em 1977. Mario Nunes (Jornal do Brasil, 5/11/1940 considerou Pureza “o melhor filme feito até hoje entre nós” e apontou sequências magníficas, como a festa da usina, a da luta do pequeno Joca (Jayme Pedro Silva) com a correnteza do rio e a queda na catarata, “que nada deixam a desejar e podiam figurar com honra em filmes de Hollywood”. Pureza recebeu o primeiro prêmio para filmes nacionais, instituído pelo então Departamento de imprensa e Propaganda. (DIP).

O segundo filme que Chianca realizou no Brasil, 24 Horas de Sonho, também produzido pela Cinédia, conta a história de uma moça, Clarissa (Dulcina de Moraes) decidida a se suicidar, mas antes quer aproveitar os últimos momentos de sua vida de maneira intensiva. Instala-se em um hotel luxuoso, fingindo-se passar por uma baronesa, compra a crédito e flerta com um empregado do hotel (Odilon de Azevedo).

Odilon e Dulcina em 24 Horas de Sonho

No meu artigo “Dulcina e Cacilda no Cinema” (2/8/2018) expûs as apreciações severas de Maria Andréia na revista Carioca e de crítico de A Noite (que se assinava R) e o comentário mais benevolente do comentarista da revista Cinearte e, em seguida, dei minha opinião: ”Esta imitação das comédias norte-americanas não tem o mesmo brilho das suas congêneres de Hollywood, mas a meu ver é uma produção digna de respeito com um argumento (de Joraci Camargo) interessante e divertido, uma técnica razoável dentro das possibilidades de nossos estúdios na época, interpretações corretas (distinguindo-se Dulcina, que está muito à vontade diante das câmeras)e, quanto à direção de Chianca de Garcia, se ele não foi tão feliz com relação principalmente ao ritmo, como no seu filmes português A Aldeia da Roupa Branca, também não merece desprezo”.

Chianca de Garcia assumiu então a direção artística do Cassino da Urca, tendo produzido inúmeros espetáculos (vários com Luís Peixoto) até o jogo ser proibido no Brasil em 1946. A seguir deslocou-se para o Teatro Carlos Gomes, onde produziu inúmeras revistas e peças de teatro ligeiro.

Cena de Escândalos com Bibi Ferreira e Mara Rubia

Em 1947, ele montou uma revista feérica, “Um Milhão de Mulheres”, de muito sucesso. Como informa Salvyano Cavalcanti de Paiva no seu magnífico Viva o Rebolado – Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro (ed. Nova Fronteira, 1991). Em 1948, Chianca escreveu (com Geysa Bôscoli e J. Maia) e superproduziu o primeiro espetáculo musicado a despertar real entusiasmo da crítica e do público: Beijos, Abraços e Amor! estreada no João Caetano. Em 1950, Chianca escreveu com o jovem industrial Hélio Ribeiro, na época marido da artriz Bibi Ferreira, uma das melhores revistas do ano, Escândalos, superprodução montada por Hélio. Conta Salvyano que a profusão de graça e beleza surpreendeu a Praça Tiradentes, e a Zona Sul desceu toda para a cidade a fim de ver Bibi na revista.

Bibi Ferreira

Em 1951, Chianca entrou para a TV Tupi, onde dirigiu as primeiras novelas (entre elas Coração Delator, adaptação de um texto de Edgar Allan Poe), musicais com cantores da Rádio Tupi (entre eles Aracy de Almeida e Elizete Cardoso) e dois teleteatros intitulados Retrospectiva do Teatro Universal e Retrospectiva do Teatro Nacional, que a cada semana apresentavam uma peça do repertório clássico mundial e nacional, com um elenco do qual faziam parte Fernanda Montenegro, Paulo Porto, Fregolente, Heloisa Helena. Chianca escreveu ainda o argumento de Appassionata / 1952, filme produzido pela Companhia Vera Cruz e dirigido por Fernando de Barros com Tonia Carrero, Ziembinski, Anselmo Duarte e Paulo Autran.

Em 1960, Chianca retirou-se do mundo do espetáculo, torna-se bibliotecário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e dirige revista da instituição. Nessa década retoma o contato com os portugueses através de crônicas regulares no Diário de Lisboa. Mas nunca mais votaria a Portugal. Ele morreu, no Rio de Janeiro a 28 de janeirode1983.