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ALLAN DWAN PIONEIRO DO CINEMA

Joseph Aloysius Dwan (1885-1981) nasceu em Toronto, Ontário no Canadá. Filho de Joseph Michael, irlandês comerciante de tecidos e de Mary Hunt, ele foi com sua família uma primeira vez para Detroit, e depois para Chicago em 1893, onde frequentou a Alcott School e a North Division High School antes de entrar para a Universidade de Notre Dame e se formar em engenharia elétrica em 1907.

Allan Dwan

Dwan iniciou sua carreira no cinema por acaso quando trabalhava para a Peter Cooper-Hewitt Company, uma companhia de iluminação, para a qual desenvolveu os tubos de vapor de mercúrio. Em 1909, quando estava instalando estes tubos nos correios de Chicago, um homem se apresentou como George K. Spoor e lhe perguntou se as luzes seriam adequadas para a fotografia. Ele respondeu que sim e Spoor, um dos donos da Essanay Company, fez um pedido. Durante o período de experimentação Dwan ficou observando o que faziam no estúdio, ficou fascinado pelos filmes bobos que estavam fazendo sob as luzes, perguntou onde arranjavam aquelas histórias, quanto pagavam por elas, e lhes ofereceu as que havia escrito para a revista da sua Universidade.  Spoor gostou de seu trabalho e o contratou para ser supervisor de roteiros. Dwan aceitou o encargo e ainda o acumulou supervisionando também as iluminações.

Duas semanas depois, a maioria dos executivos da Essanay deixaram a empresa para formar a American Film Manufacturing Company (também conhecida como estúdios “Flying A”) e persuadiram Dwan a acompanhá-los, ganhando duas vezes o seu salário. A nova companhia tinha um problema. Em algum lugar da Califórnia – ninguém sabia ao certo – onde estava uma de suas equipes de filmagem. O suprimento de filmes havia cessado e, apesar de telegramas frequentes, também havia sido interrompido o fornecimento de qualquer informação. Dwan, na qualidade gerente de produção, foi designado para descobrir o que aconteceu. Ele localizou a equipe em San Juan Capistrano e verificou que eles estavam sem diretor porque ele (Frank Beal) era alcoólatra e havia partido para Los Angeles depois de uma bebedeira em uma farra. Então Dwan informou: “Sugiro que dissolvam a equipe, pois vocês não têm mais um diretor”. Os patrões responderam: “Você dirige”. Diante desta responsabilidade repentina, Dwan reuniu os atores e anunciou: “Ou em sou um diretor ou vocês estão sem emprego. Resposta dos atores: “Você é o melhor diretor que já vimos”.

Dwan fez seu primeiro filme (de 1 rolo – aproximadamente 10 minutos) em 1911 e continuou atrás das câmeras até 1961, quando terminou seu último longa-metragem, O Mais Perigoso dos Homens / Most Dangerous Man Alive, já que o projeto de Marine! em 1967 sobre a Guerra da Coréia (que ele preparava aos 82 anos de idade) não foi adiante. Assim, sua carreira durou 56 anos, mas ele se considerava orgulhosamente e antes de tudo um cineasta do cinema mudo. Como sua filmografia é muito extensa (cerca de 400 filmes) e a maior parte deles estão perdidos, vou apenas mencionar os mais importantes no cinema mudo e no sonoro.

Douglas Fairbanks em Robin Hod

Gloria Swanson em Este Mundo é um Teatro

Em 1914, Dwan fez seu primeiro longa-metragem, Richelieu, para a Universal -101 Bison Film Company e depois foi para a Famous Players, onde dirigiu Mary Pickford em A Sombra do Passado ou Traições e Bondades / A Girl of Yesterday / 1915 e A Enjeitada / The Foundling / 1915. Estes filmes com Mary e aqueles que fez com Norma Talmadge, Douglas Fairbanks e Gloria Swanson deram-lhe muita projeção no tempo da cena muda. Com Norma Talmadge fez A Via Dolorosa / Fifty-Fifty / 1916 e Pantéia / Panthea / 1917 (com Erich von Stroheim como assistente de direção e ator). Com Douglas Fairbanks fez Um Professor de Alegria / The Habit of Happiness / 1916; O Bom Facínora / The Good Bad Man / 1916; O Índio Amoroso / The Half Breed / 1916; Nova York Misteriosa / Manhattan Madness / 1916; Um Moderno Mosqueteiro / A Modern Musketeeer / 1917; O Protetor / M. Fix-It / 1918; O Homem do Automóvel / Bound in Morocco / 1918; Sempre Sorrindo / He Comes Up Smiling / 1918; Robin Hood / Robin Hood / 1923; O Máscara de Ferro / The Iron Mask / 1929. Com Gloria Swanson fez: Zaza / Zaza / 1923; Escândalo Social / A Society Scandal / 1924; Escravizada / Manhandled / 1924; Sua História de Amor / Her Love Story / 1924; A Bela Pecadora / Wages of Virtue / 1924; Folia / Coast of Foly / 1925; Este Mundo é um Teatro / Stage Struck / 1925.

Loretta Young e Tyrone Power em Suez

Dennis O´Keefe e Helen Walker em Chutando Milhões

John Wayne em Iwo Jima – O Portal da Glória

John Payne e Ronald Reagan em A Audácia é Minha Lei

Seu primeiro filme falado foi Ouro Sedutor / Tide of Empire (MGM) e na sua copiosa filmografia constam bons filmes sonoros, principalmente quando, nos anos 50, teve o apoio do produtor Benedict Bogeaus e do diretor de fotografia John Alton. Posso citar: Heidi / Heidi / 1937 e Sonho de Moça / Rebeca of Sunnybrook Farm / 1938, ambos com Shirley Temple; Suez / Suez / 1938; A Lei da Fronteira / Frontier Marshal / 1939; Chutando Milhões/ Brewster’s Millions / 1945; O Último Milagre / Angel in Exile / 1948; Iwo Jima – O Portal da Glória / Sands of Iwo Jima / 1949;  A Renegada / Woman They Almost Lynched / 1953; Montana, Terra do Ódio / Cattle Queen of Montana / 1954; Homens Indomáveis / Silver Lode / 1954;  A Audácia é a Minha Lei / Tennesse´s  Partner / 1955;  O Poder do Ódio / Slightly Scarlet / 1956; Matar para Viver / The River’s Edge / 1957).

Anthony Quinn, Debra Paget e Ray Milland em Matar para Viver

O incansável pioneiro Allan Dwan não foi um grande cineasta como Ford ou Hitchcock, mas apenas um profissional competente, despretensioso, capaz de lidar habilmente com variados gêneros e de filmar com rapidez, concisão, e simplicidade, procurando sempre eliminar o supérfluo, adaptando-se facilmente ao esquema tradicional dos estúdios no tempo do cinema americano clássico. Quando lhe caia em mãos uma boa história, fazia um bom filme.

RENATE MÜLLER

Ela foi uma das atrizes mais populares do início dos anos trinta, encantando o público com seu charme e vivacidade principalmente em uma sequência de comédias sofisticadas e musicais. Sua morte prematura interrompeu abruptamente uma carreira breve, mas deslumbrante.

Renate Müller

Renate Müller (1906-1937) nasceu em Munique, Baviera, Alemanha, filha de um editor de jornal e de uma pintora. Em 1924, mudou-se com a família para Berlim. Após ter lições de canto, frequentou aulas de arte dramática na Escola de Max Reinhardt, onde o diretor G. W. Pabst foi seu professor. Ela então se apresentou no Harzer Bergtheater em Thale e em Berlim.

Encorajada pelo diretor-ator Reinhold Schünzel, Renata iniciou uma carreira no cinema no final dos anos vinte em Peter, der Matrose / 1929. Schünzel usou-a novamente (após ela ter feito dois filmes com outros diretores) como a noiva do boxeador Max Schmeling em Amor e Box / Liebe Im Ring / 1930, rodado como um filme mudo e depois sincronizado com som. No mesmo ano e no próximo Renate atuou, sob as ordens de outros diretores e dividindo o estrelato com atores importantes: Der Sohn der weissen Berge com o também diretor Luis Trenker; O Favorito dos Deuses / Liebling der Götter com o grande Emil Jannings; Sanssouci / Das Flötenkonzert von Sanssouci com Otto Gebühr; Liebeslied com Gustav Frölich.

Emil Jannings e Renate em O Favorito dos Deuses

Como os primeiros filmes falados geralmente usavam interlúdios musicais, o treino de Renate como cantora logo mostrou ser produtivo. Sua canção “Ich bin ja heut’so glücklich’ (Estou tão feliz hoje) do filme Die Privatsekretärin / 1931 (Dir: Wilhelm Thiele) tornou-se um sucesso. Ela repetiu este papel na versão inglesa, Sunshine Susie.

Nos próximos anos, Renate continuou intimamente associada com Schünzel, atuando sob sua orientação em: Der kleine Seitensprung / 1931; Como Direi a Meu Marido? / Wie sag’ ich’s meinem Mann? / 1932; Quando O Amor Faz a Moda / Wenn die liebe Mode Macht / 1932; Saison in Kairo / 1933, exibida no Brasil a versão francesa Idylle au Cairo com Jorge Rigaud no lugar de Willi Fritsch e o título em português A Sombra da Esfinge; Viktor und Viktoria / 1933; Um Casamento Inglês Die englische Heirat / 1934.

Viktor und Viktoria, um de seus maiores sucessos, no qual ela interpretou o papel daquela cantora que se faz passar por travesti para obter emprego, seria depois refilmado na Inglaterra em 1935 como Mulher Antes de Tudo / Just a Girl com Jessie Mathews e Sonnie Hale e, em 1982, em Hollywood com Julie Andrews e Robert Preston. Curiosamente a versão alemã com Renate e Hermann Thimig só foi exibida no Sul do Brasil. No resto do país, passou a versão francesa George et Georgette, com Meg Lemmonier substituindo Renate e Julien Carette no lugar de Thimig. Em 1933, Renate trabalhou em outro filme com Willi Fritsch, A Guerra das Valsas / Walzerkrieg.

Hermann Thimig e Renate no filme

Outros trabalhos marcantes ocorreram em Liselotte von der Pfal. Frauen um dem Sonnenkönig / 1935, drama histórico contando a história de Elisabeth Charlotte da Baviera e seu casamento com Philippe d’ Orleans, irmão de Louis XIV e Allotria / Allotria / 1936, comédia sofisticada, cheia de alegria e movimento, conduzida magistralmente por Willi Forst, o respeitável diretor de Mascarada / Maskerade / 1934 e Mazurka / Mazurka / 1935.

Adolph Wolbrück e Renate em Allotria

Oficialmente descrita como suicídio, as verdadeiras circunstâncias da morte de Renate aos 31 anos de idade permanecem desconhecidas. Na época de seu falecimento surgiram vários rumores, entre eles o de que ela decidiu tirar sua própria vida, quando seu relacionamento com líderes nazistas se deteriorou depois que a atriz não se mostrou disposta a aparecer em filmes de propaganda e também se recusou a terminar seu relacionamento amoroso com um diplomata judeu. Perseguida pela Gestapo, Renate teria preferido se matar em 7 de outubro de 1937, em vez de tolerar o assédio sádico de Goebbels (cf. Film in the Third Reich de David Stewart Hull, ed. Simon and Schuster, 1973). Anos mais tarde, a cinebiografia Liebling der Götter / 1960, dirigida por Gottfried Reinhardt, com Ruth Lewerik no papel de Renate e Peter van Eyck como seu amante, sustentou a hipótese de suicídio.

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WALTER BRENNAN TRICAMPEÃO DO OSCAR

Ele foi o primeiro ator a ganhar três Oscar da Academia e continua sendo a única pessoa a receber por três vezes a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante.

Walter Brennan

Brennan foi também o primeiro ganhador do prêmio nesta categoria (que até então não era premiada) por seu desempenho no filme Meu Filho é Meu Rival / Come and Get it / 1936 como o sueco Swan Bostrom, fiel amigo de Barney Glasgow (Edward Arnold), o magnata da madeira que se apaixona por Lotta (Frances Farmer), filha da mulher, uma artista de cabaré que amara e perdera, e depois perde a filha também para o próprio filho (Joel McCrea). Ele concorreu com Mischa Auer em Irene a Teimosa / My Man Godfrey, Basil Rathbone em Romeu e Julieta / Romeo and Juliet, Stuart Erwin em Loucuras de Estudantes  / Pigskin Parade, Akim Tamiroff em O General Morreu ao Amanhecer / The General Died at Dawn.

Brennan com Edward Arnold e Frances Farmer em Meu Filho é Meu Rival

Walter Andrew Brennan (1894-1974) nasceu em Lynn, perto da casa de sua família em Swampscott, Massachusets. Descendente de irlandeses, filho de um engenheiro e inventor, estudou engenharia na Rindge Technical High School em Cambridge. Trabalhou posteriormente como lenhador, bancário e ator de vaudeville, antes de se alistar nas Forças Armadas dos EUA, para lutar na Primeira Guerra Mundial. Após o fim do conflito, foi para a Guatemala, onde se dedicou ao cultivo de abacaxi, indo depois para Los Angeles onde, durante os anos vinte, trabalhou no mercado imobiliário, ganhando e perdendo muito dinheiro.

Encontrando-se sem um tostão no bolso, estreou no cinema em 1925 como figurante, ganhando depois pequenos papéis em comédias curtas (v.g. dos Três Patetas), westerns (de Tim McCoy e outros grandes cowboys), shorts, seriados e filmes de longa-metragem, obtendo aos poucos funções interpretativas mais importantes diante das câmeras.  Brennan obteve um papel mais significativo como o velho Old Atrocity em Quando as Almas se Encontram / Barbary Coast / 1935 e fez seu primeiro papel principal no filme da Republic, Affairs of Cappy Ricks / 1937, como o capitão do mar rabugento que retorna para casa para descobrir que sua família e seu negócio estão num caos – a filha está prestes a se casar com um idiota que ele não suporta e a futura sogra da moça tinha assumido o comando de tudo.

Brennan em Romance do Sul

Em 1938, Brennan ganhou seu segundo Oscar em Romance do Sul / Kentucky como Peter Goodwin, o tio da heroína Loretta Young, numa história tipo Romeu e Julieta sobre o amor entre Sally Goodwin, a personagem de Loretta, e Jack Dillon, interpretado por Richard Greene. A rixa entre as famílias começara quando os chefes dos clãs ficaram em lados opostos durante a Guerra de Secessão. No final, Sally consegue pagar as dívidas de sua fazenda ganhando uma famosa corrida conhecida como o Derby de Kentucky, e o amor de Jack. Desta vez Brennan disputou o troféu com John Garfield em Quatro Filhas / Four Daughters, Gene Lockhart em Argélia / Algiers, Robert Morley em Maria Antonieta / Marie Antoinette, Basil Rathbone em Se Eu Fora Rei / If I Were King.

Brennan e Gary Cooper em O Galante Aventureiro

O terceiro Oscar veio em 1940 em O Galante Aventureiro / The Westerner, fazendo o papel do pitoresco e lendário Roy Bean, Juiz de Paz em Val Verde County, no sudoeste do Texas, dono de um saloon em Langtry, onde mantinha seu tribunal e se apelidava de “The Law West of Pecos” (A Lei a Oeste de Pecos). No enredo, Gary Cooper é Cole Hardin, um vaqueiro que é preso pelo roubo de um cavalo que, na realidade, ganhou no pôquer do verdadeiro ladrão. Ele é condenado pelo júri, mas tem a sentença suspensa por duas semanas por Roy Bean, quando este é levado a acreditar que Cole é amigo da atriz Lily Langtry (Lilian Bond), por quem o juiz é apaixonado. O vaqueiro inventa casos sobre ela para que o juiz acredite em sua história. Diz, inclusive, que tem um cacho de cabelos da atriz. Seguem-se vários incidentes até o desfecho famoso quando Bean vai assistir ao show de Lily e Cole, que fora nomeado delegado de Fort Davis, lhe dá voz de prisão. Eles trocam tiros e Bean é gravemente ferido. Cole o leva para ver a atriz de perto. Ele satisfaz sua fantasia e morre logo depois. As outras indicações para o Oscar foram: Jack Oakie em O Grande Ditador / The Great Dictator; Albert Basserman em Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent, James Stephenson em A Carta / The Letter, Wiliam Gargan em Não Cobiçarás a Mulher Alheia / The Knew What They Wanted.

Em 1941, Brennan  recebeu mais uma indicação para o Oscar por sua atuação como o Pastor Rosier em Sargento York / Sergeant Yor.  A meu ver, ele poderia ter sdo indicado ainda por seu desempenho exuberante  como o velho Clanton em Paixão dos Fortes / My Darling Clementine / 1946, simplesmente eletrizante chicoteando o filho por ter puxado a arma sem ter conseguido matar; como Nadine Groot, o fiel companheiro  do criador de gado Tom Dunson (John Wayne) em Rio Vermelho / Red River / 1948; ou como o velho coxo Stumpy, ajudante do xerife John T. Chance (John Wayne) em Onde Começa o Inferno / Rio Bravo / 1959.

Brennan e Henry Fonda em Paixão dos Fortes

Brennan e John Wayne em Rio Vermelho

Brennan com John Wayne em Rio Bravo

Na sua carreira prolífera, Brennan participou de muitas dezenas de filmes,  várias séries de TV, telefilmes, teleteatros e shows, gravou canções, emprestou sua voz para desenho animado, trabalhou com Walt Disney e encerrou sua longa trajetória nas telas em 1975 no filme Smoke in the Wind sob as ordens do veterano diretor de westerns Joe Kane.

LILIAN HARVEY E WILLY FRITSCH

Eles eram “o casal dos sonhos” que dominou o filme germânico nos anos trinta e encantou platéias do mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Promovida pela Ufa como a “moça mais doce do mundo”, loura, nascida na Inglaterra, Lilian Helen Muriel Pape Harvey (1906-1968) mudou-se com a família da Inglaterra para Berlim em 1914 e passou a Primeira Guerra Mundial na Suiça. Frequentou a escola de balé Berlin State Opera em 1923 e, no ano seguinte, atuou em um espetáculo do teatro de revista em Viena. Nesta ocasião, fez sua estréia no cinema em Der Fluch / 1924. Retornando a Berlim, o produtor e diretor Richard Eichberg empregou-a como dublê de sua esposa Lee Parry nas cenas de montanha de Motorbraut / 1924. Depois disto, ele a incluiu ao lado de Otto Gebühr no melodrama Leidenschaft, seguindo-se o filme que a lançou no estrelato: Amor e Toque de Corneta / Liebe und Trompetenblasen / 1925. Em Casta Suzanna / Die keusche Susanne / 1926, Eichberg emparelhou-a com Willy Fritsch.

Lilian Harvey

Favorito do público nas comédias românticas e outros gêneros alegres nos anos 30 a 50, o galã romântico Wilhelm Egon Fritz Fritsch (1901-1973), nascido em Kattowitz, Alemanha hoje Katowice, Polonia e educado em Berlim a partir de 1912, teve uma série de empregos antes de subir no palco do Grosses Schauspielhaus (Grande Teatro) em 1919. Ele fez sua estréia no cinema em Miss Venus / 1921, opereta dirigida por Ludwig Czeny e seu primeiro papel principal, como um artista que ficou cego durante a guerra, aconteceu em seguida no filme de Benjamin Christensen, Lábios Selados / Seine Frau, die Unbekannte / 1923. Subsequentemente, o produtor Erich Pommer contratou-o para a Ufa quando ele atuou ao lado de Henny Porten e Ossi Oswalda e então Fritsch ascendeu ao status de astro com sua interpretação de um suposto filho de aristocrata em O Fazendeiro do Texas / Der Farmer Aus Texas / 1925 de Joe May e como um conde impetuoso em Sonho de Valsa / Ein Walzertraum / 1925 de Ludwig Berger. Ele teve oportunidade de interpretar papéis diferentes em A Noiva do Boxeur / Die Boxerbraut / 1926 de Johannes Guters e, sob a direção de Fritz Lang, um agente especial decidido em Os Espiões / Spione / 28 um engenheiro de foguetes em A Mulher na Lua / Frau im Mond / 1929. Ainda em 1929, ele fez seu primeiro filme todo falado, a opereta da Ufa dirigida por Hans Schwarz Melodie des Herzens / 1929.

Willy e Lillian em O Congresso Dança

O primeiro filme falado da dupla Fritsch-Harvey foi a opereta A Valsa do Amor / Liebeswalzer / 1930 de Wilhelm Thiele, após o qual eles encabeçaram o elenco de comédias musicais como A Caminho do Paraíso (Para o Brasil veio  também a versão francesa, Le Chemin du Paradis com Henri Garat e o mesmo título em português) / Die Drei von der Tankstelle / 1930; O Congresso Dança, (No Brasil passou também a versão francesa Le Congrès S’ Amuse, também com Henri Garat sob o título de O Congresso se Diverte) / Der Kongress tantz) / 1931; Flagrante Delito / Einbrecher / 1930; Tudo por Ti / Hokuspokus / 1930 (obs. a versão inglesa chamou-se The Temporary Widow e foi com Laurence Olivier); Não há mais Amor / Nie wieder Liebe! / 1931; Ein blonder Traum / 1932 (No Brasil passou apenas a versão francesa, Um Sonho Dourado / Un Rêve Blond), mais uma vez com Henri Garat.

Em 1929, Lilian fez Adeus, Mascotte / Adieu Mascotte e depois integrou o elenco de três filmes realizados em versões múltiplas (No Brasil foram exibidas as versões francesas: Princesa às suas Ordens / Princesse a vos Ordres / 1931, Um Casal Alegre / La Fille et le Garçon / 1931, Eu E A Imperatriz / Moi et L’Imperatrice / 1932) e contracenou com Hans Albers em Adorável Sedução / Quick / 1932.

Atendendo a um convite da Fox, a atriz participou de três filmes de Hollywood:  Eu Sou Suzanne / I Am Suzanne / 1933 (Dir: Rowland V. Lee), Meu Beguin / My Weakness / 1934 (Dir: David Butler) e Vivamos Esta Noite! / Let’s Live Tonight / 1935 (Dir: Victor Schertzinger). Ela retornou à Europa em 1935, onde trabalhou em filmes na Inglaterra e na Itália e, em 1936, atuou novamente como Willy Fritsch na comédia maluca da Ufa Alegres Boêmios / Glückskinder e em Frau am Steuer / 1939 e fez, entre outros, Rosas Negras / Schwarze Rosen / 1935, Morrer De Amor / Fanny Eissler / 1937 e Capricho / Capriccio / 1938.

Willy e Lilian em Alegres Boêmios

Vigiada pela Gestapo, por ter ajudado colegas judeus e homossexuais, Lilian deixou a Alemanha, para contracenar com Vittorio de Sica em Castelli in aria / 1939, antes de emigrar para a França, onde apareceu ao lado de Louis Jouvet em Os Amores de Schubert / Sérénade / 1940 e em seu derradeiro filme, Miquette / 1940. Após a ocupação alemã de Paris, Lilian foi para os Estados Unidos, onde trabalhou para a Cruz Vermelha em Hollywood e rejeitou todas as propostas para voltar ao cinema.

Willy Fritsch em Anfitrião

Willy Fritsch fez ainda muito filmes até 1964, sobressaindo: Amphitryon / Amphitryon / 1935, sátira gostosa dos costumes da antiga Grécia dirigida por Reinhold Schünzel, no qual interpretou com muita graça ambos um velho deus grego libidinoso e um jovem centurião viril e o já citado Alegres Boêmios com Lilian Harvey. Após a guerra, Fritsch parodiou sua imagem de amante da tela no filme de Rudolf Jugert, Film ohne Titel / 1948 e depois disso apareceu principalmente em filmes leves de entretenimento e Heimatfilms (Filmes de Pátria), rodados em ambientes rurais, muito populares na Alemanha, Suiça e Austria do final dos anos 40 ao início dos anos 60. O filho de Willy, Thomas, também se tornou um ator e os dois trabalharam juntos no último filme de Fritsch, Das hab ich von Papa gelernt / 1964.

ANTONIO VILAR

Ele foi o mais internacional dos atores portugueses das décadas de 40/50. Recorrí ao magnífico Dicionário do Cinema Português de Jorge Leitão de Barros (ed. Caminho, 2011), fonte indispensável para traçar sua trajetória artística.

Antonio Vilar

Antonio Vilar Justiniano dos Santos (1912-1995) nasceu em Lisboa e, depois de seus estudos secundários e de frequentar o Instituto Comercial, instituição de estudo pós-secundário politécnico na área da contabilidade e comércio, volta-se decisivamente para o meio artístico e boêmio lisboeta. Canta na rádio, é repórter do jornal O Século, faz figuração no cinema em A Severa / 1931 de Leitão de Barros, inicia-se como técnico, ao lado de Antonio Lopes Ribeiro em Gado Bravo / 1934.

Continua a trabalhar como técnico durante vários anos até que, em 1940, consegue um pequeno papel em Feitiço do Império de A.Lopes Ribeiro. Dois anos depois ele é o Carlos Bonito de O Pátio das Cantigas (com argumento e diálogos de A. Lopes Ribeiro e direção de seu irmão, Francisco Ribeiro) e, em 1934, assume o protagonismo em Amor de Perdição, também dirigido por A.Lopes Ribeiro, segunda versão cinematográfica do romance de Camilo Castelo Branco, como Simão Botelho, o estudante de Coimbra desajuizado que se apaixona perdidamente por Teresa de Albuquerque. Os pais de ambos se odeiam e se opõem a esta união, sucedendo -se os momentos de sofrimento e paixão. A partir daí sua carreira está firmada.

Em poucos anos, Vilar protagonizou um núcleo de filmes históricos de perfil nacionalista, que fez dele o ator por excelência do regime. No final da década de quarenta, vai para Madrid e, com base na capital espanhola, enceta uma atividade internacional, filmando na Espanha, Itália, França, Argentina. Em 1959, volta para Portugal para ser o Basilio de O Primo Basilio / 1959, adaptação do romance de Eça de Queiroz e derradeiro longa-metragem de A.Lopes Ribeiro, com a presença no elenco da atriz francesa Danik Patisson como Luisa, a burguesinha seduzida por Basilio e chantageada pela empregada.

Vilar e Annabella em Don Juan

Martine Carol e Vilar emLe Desir et l’Amour

Vilar e Brigitte Bardot em A Mulher e o Fantoche

Ana Karina e Vilar em O Califa de Bagdá

Vilar contracenou também com Annabella em Don Juan / 1950; com  Martine Carol e Françoise Arnoul em Le Désir et L’Amour / 1952; com Brigitte Bardot em A Mulher e o Fantoche / La Feme et le Pantin / 1959; e com Ana Karina em O Califa de Bagdá / Shéhérazade / 1963. Em Camões / 1946, encarnou o grande poeta lusitano e em Alba de America / 1951, o grande navegador genovês Cristovão Colombo. Em Inês de Castro / 1944 ele é o infante D. Pedro, que caça os assassinos de sua amada Inês (Alicia Palacios), “aquela que despois de ser morta foi Rainha” como nos conta Camões naquele episódio lírico-trágico do Canto Terceiro de  Os Lusíadas.

Em abril de 1963, Vilar esteve no Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara), procedente de Buenos Aires e São Paulo, de onde embarcou para Paris. O galã português informou à imprensa que seus entendimentos em Buenos Aires para a rodagem de alguns filmes chegaram a um bom termo, o mesmo não ocorrendo no Brasil, onde pretendia comprar os direitos autorais de filmagem do romance “O Tempo e o Vento” de Erico Verissimo.

FILMOGRAFIA COMO ATOR

1931 – A Severa (Dir: Leitão de Barros) figurante não creditado.1940 – Feitiço do Império (Dir: Antonio Lopes Ribeiro); Pão Nosso … (Dir: Armando de Miranda). 1941 – O Pátio das Cantigas (Dir: Francisco Ribeiro). 1943 – Amor de Perdição (Dir: Antonio Lopes Ribeiro); 1944 – Inês de Castro (Dir: Leitão de Barros) co-prod: Portugal-Espanha. 1945 – A Vizinha do Lado (Dir: Antonio Lopes Ribeiro). 1946 – Camões – Erros meus, má fortuna, amor ardente (Dir: Leitão de Barros); A Mantiha de Beatriz (Dir: Eduardo Garcia Maroto); Rainha Santa (Dir: Rafael Gil) co-prod: Espanha-Portugal. 1948 – El Duende y el Rey (Dir: Alejandro Perla) prod: Espanha; La Vida Encadenada (Dir: Antonio Roman) prod: Espanha; La Calle sin Sol (Dir: Rafael Gil) prod: Espanha; Guarany (Dir: Ricardo Freda) prod: Itália; Mare Nostrum (Dir: Rafael Gil) prod: Espanha. 1949 – Santo Disonore (Dir: Guido Brignone) prod: Itália; Uma Mujer Qualquiera (Dir: Rafael Gil) prod: Espanha; Alas de Juventud (Dir: Antonio del Amo) prod: Espanha. 1950 – Don Juan (Dir: José Luis Saenz de Heredia) prod: Espanha; Bel Amour (Dir: François Campaux) prod: França. 1951 – Le Désir et l’(Dir: Henri Decoin, Luis Delgado) co-prod: França-Espanha; Alba de America (Dir: Juan de Orduña) prod: Espanha. 1952 – El Judas (Dir: Ignacio F. Iquino) prod: Espanha. 1953 – Fuego en laSangre (Dir: Ignacio F. Iquino) prod: Espanha; Tres Citas com el Destino (Dir: Florian Rey) co-prod: Espanha-México-Argentina. 1954 – Los Hermanos Corsos (Dir: Leo Fleider) prod: Argentina. 1955 – La Quintrala (Dir: Hugo del Carril) prod: Argentina; El Festin de Satanás (Dir: Ralph Pappier) prod: Argentina. 1956 – Miedo (Dir: Leon Kimowsky) prod: Espanha; Embajadores en el Infierno (Dir: José Maria Forqué) prod: Espanha. 1957 – Los Misterios del Rosario (Dir: Joseph Breen, Fernando Palacios) co-prod: Espanha-EUA.1958 Historiasde la Feria (Dir: Francisco Rovira Beleta) prod: Espanha. La Noche y el Alba (Dir: José Maria Forqué) prod: Espanha; Il Padrone delle Ferriere (Dir: Anton Giulio Majano) co-Prod: Itália- Espanha. 1959 – Muerte al Amanecer (Dir: Josep Maria Forn) prod: Espanha; A Mulher e o Fantoche / La Femme et le Pantin (Dir: Julien Duvivier) co-prod: França-Itália).  O Primo Basilio (Dir: Antonio Lopes Ribeiro. 1960 – El Principe Encadenado (Dir: Luis Lucia) co-prod: Espanha-Itália. 1961 – Alerta en el Cielo (Dir: Luis Cesar Amadori) prod: Espanha; Cuidado com las Personas Formales (Dir: Augustin Navaro) prod: Espanha. 1963 – O Califa de Bagdá / Shéhérazade (Dir: Pierre Gaspard-Huit) co-prod: França-Itália-Espanha. 1964 – Proceso de Conciencia (Dir: Augustin Navarro) prod: Espanha. 1966 – Fim de Semana com a Morte (Dir: Julio Coll) co-prod: Portugal-Espanha-RFA. 1970 – Buon Funerale, Amigos!…Paga Sartana (Dir: Giuliano Carnimeo) co-prod: Itália- Espanha. 1973 – Sinal Vermelho (Dir: Rafael Romero Marchent) co-prod: Portugal-Espanha. 1976 – Fulanita y Sus Menganos (Dir: Pedro Lazaga) prod: Espanha. 1978 – Estimado Sr. Juez … (Dir: Pedro Lazaga) prod: Espanha.1980 – Asalto al Casino (Dir: Max H.Boulois) co-prod: Espanha-Reino Unido.

TRIBUTO A G. W. PABST

Georg Wilhelm Pabst (1885-1967) nasceu em Raudnitz, Bohemia (hoje Roudnice nad Labem, Repúplica Theca). Filho de um ferroviário, criado em Viena, ingressou em uma escola técnica para se tornar engenheiro. Porém sentiu -se fortemente atraído para as artes e, depois de dois anos de estudo na Academia de Artes Decorativas de Viena, foi para a Suiça em 1906, onde começou uma carreira de ator de teatro. Após ganhar experiência excursionando com várias companhias através da Europa Central, rumou para Nova York com uma trupe de atores de língua alemã. Exceto por uma breve viagem de retorno a Viena em 1912, permaneceu nos Estados Unidos até 1914, atuando como ator e dirigindo peças de língua germânica em Nova York e várias outras cidades. Ele estava passando pela França no seu caminho de volta para a Austria, quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial. Detido pelos franceses durante o período da guerra, Pabst aproveitou seu domínio do idioma francês para encenar uma série de peças no campo de prisioneiros.

G.W. Pabst

Retornando a Viena em 1919, tornou-se diretor do teatro de vanguarda Neue Wiener Bühne (Teatro Novo de Viena). Quando visitava um set de filmagem de Im Banne der Krale / 1921 de Carl Froelich, deu sua única performance diante da câmera. Transferindo-se para Berlim, sua estréia na direção foi em Der Schatz / 1923, drama de amor e ambição com alusões visuais e literárias a lendas medievais. O assistente de diretor Marc Sorkin, que se tornou seu associado mais próximo, então encorajou-o para fazer Rua das Lágrimas / Die freudlose Gasse / 1925 com Asta Nielsen, Greta Garbo e a atriz húngara Ágnes Esterházy sobressaindo no elenco (e Marlene Dietrich como figurante). Passado em Viena durante o período de inflação, o filme descrevia uma sociedade dilacerada pela pobreza, tocava no tema da prostituição, e apresentava extremos de status social e emoções humanas. Seu realismo ao retratar este declínio, chocou seus contemporâneos. A Inglaterra proibiu exibições públicas do filme. As versões lançadas na Itália, França, Austria e em outros lugares foram consideradas mutiladas.

Rua das Lágrimas

Em seguida a um filme pouco relevante, Com O Amor Não se Brinca / Man spielt nicht mit der Liebe / 1926, drama no qual um homem mais velho se envolve com uma jovem mulher, Pabst fez (com a ajuda de dois assistentes de Freud) Segredos de uma Alma / Geheimnisse einer Seele / 1926, relato de um caso psicanalítico no qual um professor de química (Werner Krauss) é atormentado por um desejo irreprimível e irresistível de assassinar sua esposa. O filme ficou famoso por suas sequências de sonho expressas em sobreposições multifacetadas.

 A realização importante seguinte de Pabst foi O Amor de Jeanne Ney / Die Liebe der Jeanne Ney / 1927, baseada em um romance melodramático de Ilya Ehremburg sobre imigrantes russos em Paris, na qual um estilo pessoal de montagem suplementou o movimento de câmera para reforçar a ilusão de realidade.

Em outro filme menos significativo, Crise / Abwege / 1928, Brigitte Helm representava uma mulher da classe média alta entediada com a vida rotineira com o marido, que procurava se distrair em uma boate elegante, onde se juntava a um grupo de pessoas que, tal como ela, tentavam afogar sua desilusão em devassidões.

A Caixa de Pandora

No seu filme subsequente, A Caixa de Pandora / Die Büchse der Pandora / 1929, Pabst contratou a atriz americana Louise Brooks para sua versão cinematográfica da peça “Lulu” de Frank Wedekind, importante predecessor do expressionismo literário. Seu desempenho como a heroína enigmática e amoral levou-a a interpretar um papel semelhante no filme subsequente de Pabst Diário de uma Garota Perdida / Tagebuch einer Verlorenen / 1929. Na transição para a era do cinema sonoro, Pabst trabalhou como codiretor com Arnold Fanck Die weisse Hölle vom Piz Palüe / 1929, filme de montanhas, gênero no qual Fanck havia se especializado.

 

Guerra, Flagelo de Deus !

Os primeiros filmes sonoros de Pabst estão entre as realizações mais importantes de sua carreira. Seu primeiro filme falado, Guerra! Flagelo de Deus / Westfront 1918: Vier von den Infanterie / 1930, figura entre os mais sinceros e implacáveis filmes contra a guerra na História do Cinema. Na sua análise do espetáculo a London Film Society mencionou as semelhanças impressionantes do filme com a doutrina da Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit, movimento artístico surgido nos anos 20 como reação ao expressionismo). Ao longo do filme a guerra parece ser vivida em vez de encenada.

A Ópera dos Pobres

Após uma comédia provincial, Skandal um Eva / 1930, Pabst fez A Ópera dos Pobres (título da versão francesa L’ Opera de Quat’ Sous exibida entre nós) / Die Dreigroschenoper / 1931, adaptação da peça musical de Berthold Brecht – Kurt Weill. A versão filmada, se diferenciava muito da peça, porém no conjunto preservava a sua sátira social. Como a trama essencialmente teatral não poderia se tornar um filme realista, Pabst inverteu seu método de abordagem: em vez de penetrar no nosso mundo existente, ele construiu um universo irreal. Todo o filme é banhado por uma atmosfera estranha e fantástica, intensificada pela direção de arte de Andrej Andrejew.

Ainda em 1931 Pabst gerou polêmica política com o seu chamado para a solidariedade entre os trabalhadores de todas as nações na sua coprodução Germano-Francêsa A Tragédia da Mina / Kameradschaft. A mensagem foi simbolizada por um desastre ocorrido em uma mina na fronteira Franco-Germânica, durante o qual trabalhadores alemães vêm em socorro dos camaradas franceses.

A Tragédia da Mina

Em 1932, ele fez Atlântida / Die Herrin von Atlantis com Briggite Helm e, depois de completar Don Quichote (título em português da versão francesa que, assim como a versão inglesa foi exibida no Brasil, esta última com o título de D. Quixote) / Don Quichotte), com o grande cantor de ópera russo Feodor Chaliapin e Du Haut em Bas (com um Jean Gabin ainda em início de carreira), foi para Hollywood, onde dirigiu Herói Moderno / A Modern Hero / 1934 com Richard Barthelmess

Exceto por este breve período em Hollywood, Pabst ficou até o final da década trabalhando na França, dirigindo Mademoiselle Docteur, Espiã da Grande Guerra / Mademoiselle Docteur / 1937, O Drama de Shanghai / Le Drame de Shangai / 1938 e Garotas em Perigo / Jeunes Filles en Détresse / 1939 e supervisionando um filme de Marc Sorkin, A Escrava Branca / L’ Esclave Blanche.

Embora tivesse recusado ofertas para retornar à Alemanha Nazista durante a maior parte dos anos trinta, ao ser impedido de sair de lá quando estourou a Segunda Guerra Mundial durante uma visita que fez para mãe na Austria anexada, realizou dois dramas históricos para o regime nazista, Komodianten 1941 e Paracelsus / 1943. O primeiro filme é uma homenagem a um grupo teatral fundado por um grupo de atores na cidade Weimar no século dezoito, destacando-se uma orgia fantástica von Sternbergniana no subsolo do palácio real russo. O segundo filme é a história do médico suiço, alquimista, teólogo leigo e astrólogo da era da Renascença (retratado por Werner Krauss), avultando uma sequência totalmente mímica na qual a Morte aparece.

Komodianten

Paracelsus

Em 1944, ele começou a filmar em Praga Der Fall Molander, melodrama sobre um falso Stradivarius; porém o filme ficou inacabado. Pouco depois do fim da guerra, Pabst tentou se reabilitar com um estudo histórico sobre o anti-semitismo, Der Prozess / 1948 e subsequentemente fez filmes na Austria, Itália e Alemanha Ocidental (Geheimnisole Tiefe / 1949; A Voz do Silêncio / La Voce del Silenzo / 1952; Cose da Passi / 1953; As Confissões de Ina kahr / Das Bekenntnis der Inna Karr). Dois de seus últimos filmes abordaram o passado nazista: O Último Ato / Der letzte Akt / 1955, dramatizando com vigor os derradeiros dias de Hitler no bunker e  Aconteceu em 20 de Julho / Es geschah am 20. Juli / 1955, expondo a tentativa fracassada do assassinato de Hitler em 1944.

 

Em 1956, Pabst encerrou sua carreira com Durch die Walder durch die Auen e Rosen für Bettina, mas estes filmes não igualaram o sucesso crítico ou comercial de suas obras anteriores, e ele se aposentou por motivo de saúde.

AS VERSÕES DE O GUARANI NO CINEMA BRASILEIRO

José Martiniano de Alencar (1829-1877), figura maior da prosa brasileira de ficção, é até hoje o romancista mais lido do país, sendo O Guarani um dos seus maiores sucessos. Inspirado principalmente no indianismo do Visconde François René de Chateaubriand (exposto na trilogia Atala, René e Les Natchez), a história de O Guarani era empolgante. Magalhães Junior no seu livro inestimável José de Alencar e sua Época (ed. Civilização Brasileira, 1977) nos oferece um resumo primoroso da trama.

José de Alencar

O fidalgo português Dom Antônio de Mariz com a esposa, o filho Diogo, a filha Cecília, ou Ceci, e ainda uma filha natural, Isabel, mestiça de índia, vivia no início do século XVII numa imensa casa de fazenda quase um castelo fortificado, às margens do Paquequer, zona perigosa, onde os índios aimorés frequentemente apareciam. Além da família, aí estavam também, para garantí-la e exercer tarefas diversa, inclusive a da caça, um grupo de quarenta homens, que o autor identifica como aventureiros. Apenas oito destes eram nomeados:- Aires Gomes, Bento Simões, Martim Vaz, Rui Soeiro, Vasco Afonso, Mestre Nunes, João Feio – todos de nomes muito portugueses, salvo um único, Loredano, que era italiano. Além deles havia também Álvaro de Sá, um cavaleiro lusitano de nobres sentimentos, a quem Dom Antônio de Mariz, destinaria mão de Cecília, se esta decidisse a mudar de estado, e o índio Peri, filho de Ararê, que se proclamava “primeiro de sua tribo, forte entre os fortes, guerreiro goitacá, nunca vencido”.

O romancista não explica como Perí se ligou à família Mariz e foi por ela, não apenas aceito, mas verdadeiramente absorvido. Tudo quanto se sabe sobre seus antecedentes é dito por Dom Antônio de Mariz, numa conversa com Alvaro de Sá: que Peri tem uma cega dedicação por Cecília e um caráter admirável. Mais, ainda: “Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e de heroismo”. Não se sabe como Peri a salvara, nem de que, nem como se civilizara ao ponto de conviver em tão boa harmonia com os Marizes e sua gente.

O italiano Loredano, é a alma danada do grupo. E José de Alencar faz dele um personagem padrão de seus romances: o homem de vida dupla e de dois nomes. Singularmente, o lubrico aventureiro Loredano é, na realidade, um religioso, o frade carmelita Frei Angelo di Luca, que se afastara de sua ordem consumido pela cobiça, sonhando em ficar riquíssimo, graças ao roteiro das famosas minas de prata de Robério Dias, que caíra em seu poder quando confessava um moribundo. É numa tentativa para alcançar as minas de prata que ele se incorpora ao grupo de aventureiros às ordens de Dom Antônio de Mariz. Mas, para prosseguir daí em diante, só sublevando uma parte dos homens, que seduz com a promessa de imensas riquezas e com a entrega de Isabel, para que nela satisfaçam a fome de sexo longamente reprimida. Cecília, essa, ele guardaria para si mesmo, pois como Álvaro e como Peri, o grande vilão também gravitava em torno dela.

O romancista, entretanto, distinguia: “Loredano desejava; Álvaro amava; Peri adorava. Loredano queria profanar a virgindade de Ceci. Álvaro aspirava a ser seu marido. E Peri queria ser apenas um escravo submisso. Dos três, o mais humilde seria o premiado, como no versículo bíblico. Abrasado de concupiscência e de ambição, Frei Ângelo di Luca só pensa em apoderar-se de Ceci e das fabulosas minas de prata. As coisas se complicam mais quando, já em plena conspiração, Dom Diogo de Mariz, ao sair para uma caçada, mata uma índia aimoré. O revide de sua tribo seria inevitável. E tão numerosos eram os guerreiros aimorés que Dom Antonio de Mariz logo o despacha, com uma pequena escolta, rumo ao Rio de janeiro, a fim de obter socorros.

Na casa dividida, a facção fiel ao velho fidalgo português enfrenta a ínsidia dos conspiradores. E é então que Loredano, confiante na sua impunidade, entra na alcova de Cecília. Mas quando o frade carmelita lhe vai tocar no corpo adormecido, tem a mão pregada à parede por uma seta de Peri. O índio é como a própria sombra de Cecília. Está sempre velando por ela. E é ele quem dá cabo de dois dos mais perigosos conspiradores, Bento Simões, que é estrangulado, e Rui Soeiro, que é degolado. Com o ataque dos índios, todos os homens se unem, para enfrentar o perigo comum. Peri deixa deliberadamente o reduto fortificado, indo atacar os aimorés e matando muitos deles. Não tem a intenção de vencê-los. Sabe que isto é impossível. Acaba aprisionado e amarrado, para ser depois sacrificado.

Era esse, precisamente, o seu plano. Oferecia-se, estoicamente, para ser executado. Sabe que os aimorés, sendo canibais, se banqueteavam com os despojos de suas vítimas. E levava uma porção de curare, mais que suficiente para envenenar suas carnes e assim matar os inimigos que o devorassem. Toma o veneno, mas uma índia aimoré, que por ele se apaixona, o liberta e o convida a partir com ela. Peri resolve voltar, porém, para perto de Cecília, que lhe acenara, chamando-o. Para não morrer sob a ação do veneno, ele, já sentindo sintomas de envenenamento corre para a floresta, à procura de um antídoto que o romancista não revela qual seja. Nesse meio tempo, os aventureiros, arrependidos da própria traição, mas considerando que o grande culpado era aquele   que os instigara à rebeldia, condenam Loredano à morte e o devasso frade italiano acaba numa sinistra fogueira, como as da Inquisição.

Redobra o assédio dos aimorés, armados de setas incendiárias. E o socorro não chega. Só restam duas alternativas: ou a capitulação, que os exporia a todos a torturas e atos de canibalismo, ou a morte heróica e voluntária. Dom Antônio de Mariz opta por esta. Fará a casa ir pelos ares, ao ser incendiado o seu paiol de pólvora., quando tiverem sido esgotados todos os recursos de uma resistência desesperada. É então que Peri se apresenta mais uma vez para salvar Cecília, mesmo contra a vontade dela e em condições perigosíssimas. Antes, o fidalgo o batiza com o seu próprio nome. E o novo Antônio parte, com a virgem loura, passando sobre um abismo, num prodígio de habilidade, agarrado às folhas de uma palmeira, de onde alcança a copa de uma árvore no lado oposto, tudo isso sem largar a moça.

 

Em pouco tempo acham-se à distância, numa canoa, enquanto os aimorés avançam, soltando gritos de guerra. Há então uma grande explosão e um mar de chamas envolve a casa. Mas ainda não está conjurado o derradeiro perigo. Sobrevém uma terrível tempestade. E, com o enorme aguaceiro, ameaçadora enchente do rio Paraíba, que sai do seu leito, avassalando tudo. E o romance acaba com Peri e Ceci agarrados ao tronco de uma palmeira, que faz as vezes de jangada providencial. Palmeira que ele mesmo arrancara na hora do perigo, com ingente esforço, na última de suas façanhas de Hércules Caboclo. O final do romance é idílico e o leitor sabe que o amor de Peri e Ceci, antes impossível, é a agora a coisa mais natural do mundo.

Como acentuou José Guilherme Merquior em De Anchieta a Euclides – Breve História da Literatura Brasileira (Ed. É Realizações Editora, 2014) a idealização do herói nativo, liricamente debuxada por Gonçalves Dias, tomava plenamente corpo na prosa.  Segundo R. Magalhães Junior o próprio Alencar reconheceu que Peri é uma simples idealização de natureza poética, não pretendendo, pois, retratar o verdadeiro caráter do índio brasileiro, em geral, ou mesmo um só índio em particular.

A ópera de Carlos Gomes Il Guarany – tendo como tema O Guarani – estreou no Scala de Milão em 19 de março de 1870. A primeira apresentação no Brasil no Rio de Janeiro foi em 2 de dezembro de 1870, no Teatro D. Pedro II. A ópera é lembrada pela sua abertura, conhecida por ser o tema do programa de rádio A Voz do Brasil e também pela marcha de Lamartine Babo, História do Brasil, extraordinário sucesso do Carnaval de 1934 que, em certo trecho nos faz ouvir: “Depois/Ceci amou Peri/ Peri beijou Ceci /Ao som/ Ao Som do Guarani”.

Magalhães Junior nos informa que o espetáculo operístico foi dado em recital de gala pela data aniversária do imperador, que lá estava, no camarote de honra. Alencar e a esposa estavam também presentes num camarote. Triunfo completo. Aclamações a Carlos Gomes. Aclamações a Alencar, acompanhado à casa entre vivas. Mas, no fundo, estava ele um tanto amuado com as deturpações de sua obra, tendo confidenciado a Afonso d’E. Taunay: “O Carlos Gomes fez do meu Guarani uma embrulhada sem nome, cheia de disparates, obrigando a pobrezinha da Ceci a cantar duetos com o cacique dos Aimorés, que lhe oferece o trono de sua tribo, e fazendo Peri jatar-se de ser o leão das nossas matas”

Mas completara, com indulgência: “Desculpo-lhe, porém, tudo, porque daqui há tempos, talvez por causa das suas espontâneas e inspiradas harmonias, não poucos hão de ler este livro, senão relê-lo – o maior favor não pode merecer um autor”. Nisso, enganava-se. A vida do livro suplantaria a da ópera hoje quase esquecida do público.

FILMOGRAFIA ABREVIADA

O Guarani / 1908.

Cia. Prod: William e Cia. (Rio de Janeiro). Produção cantada por Antonio Cataldi e Santiago Pepe, baseada na ária “Canção do Aventureiro” da ópera homônima de Carlos Gomes.

O Guarani / 1911.

Cia. Prod: Empreza Lazzaro e Companhia (Rio de Janeiro). Produção baseada em uma ária da ópera homônima de Carlos Gomes. Dir: Salvatore Lazzaro. El: Griselda Lazzaro, Ângelo Brunetti, Laura Malta, Miguel Russomano, Sante Athos. Primeira versão cinematográfica em longa-metragem da obra de Carlos Gomes.

O Guarani / 1912.

Cia. Produtora: Opera Film (Barbacena-MG). Produção baseada na ópera homônima de Carlos Gomes. Dir: Paulo Benedetti. El: Antonio Russo, Alfredo “Boi d’Água” de Castro, Sebastião.

O Guarani / 1914.

Cia. Prod: Guarany Films (Pelotas, RS). Filme inacabado (que teria sido interrompido em função da falta de fornecimento de película virgem com o início da Primeira Guerra Mundial) baseado no romance homônimo de José de Alencar

O Guarani / 1916.

Cia. Prod: Campos & Capellaro (São Paulo, SP). Dist: Companhia Cinematográfica Brasileira. Dir: Vittorio Capellaro. Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. Foto: Antônio Campos. El: Vittorio Capellaro, Georgina Marchiani, Santino Giannastasio, Eduardo Cassoli, Maria Valentini.

O Guarani 1920

O Guarani / 1920.

Cia. Prod: Carioca Films (Rio de Janeiro-RJ). Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. Dir: João de Deus. Foto: Alberto Botelho. Uma grande orquestra, regida pelo maestro Martinez Grau, executou trechos da ópera O Guarani na estréia. Arranjador Musical: Luiz Moreira. El: Pedro Dias, Abigail Maia, Joselina Barco, João de Deus, Jota Figueiredo. 

 

O Guarani  1926

O Guarani / 1926.

Cia. Prod: Vittorio Capellaro (São Paulo, SP), Paramount Pictures). Prod / Dir / Rot: Vittorio Capellaro. Foto: Vittorio Capellaro, Paulo Benedetti. Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. El: Armanda Mauceri Mazza, Tácito de Souza, Luigi Pianconi.       Gilberto Bianchini, Gastão Menichelli.

O GUARANI, 1950.

Cia. Prod: Universalia Filmes (Roma). Produção baseada na vida de Carlos Gomes. Dir: Ricardo Freda. Foto: Ugo Lombardi. El: Antônio Vilar, Marieta Lotti, Luigi Pavese, Giana Maria Canale, Maria da Glória.

O GUARANI, 1979.

Cia. Prod: Virgínia Filmes – Fauzi A. Mansur Cinematográfica (São Paulo) e Embrafilme. Prod / Dir: Fauzi Mansur. Adaptação: Fauzi Mansur, Marcos Rey baseada no romance homônimo de José de Alenca. Texto: Ody Fraga. Foto: Cláudio Portioli. Mús: Augustinho Zaccaro e excertos de Carlos Gomes. Eastmancolor. El: David Cardoso, Dorothée-Marie Bouvier, Flavio Portho, Tony Correia, Luigi Pichi.

O GUARANI, 1996

Cia. Prod: NB Produções Cinematográficas. Prod Exec. / Norma Benguell, Jaime A. Schwartz. Dir: Norma Benguell. Rot: José Joffily Filho, baseado no romance homônimo de José de Alencar. Foto: Antônio Luiz Mendes Soares. Música: Wagner Tiso a partir do tema e músicas incidentais da ópera O Guarani de Carlos Gomes. Colorido. El: Glória Pires, Tatiana Issa, Márcio Garcia, José de Abreu, Herson Capri.

O Guarani 1996

 

ADENDO

OS GUARANIS, 1908

Cia. Prod: Photo-Cinematographa Brasileira (Rio de Janeiro). Produção baseada no romance de José de Alencar. Prod. Alberto Botelho. Dir: Benjamin de Oliveira.  Além do trecho cantado, havia ainda momentos de pantomima circense tal qual era representada no picadeiro, com a participação dos artistas do Circo Spinelli. El: Benjamin de Oliveira, Inez Grizeta.

ALFRED JUNGE

Nascido em 1886 em Gorlitz, Alemanha e falecido em 1964 em Londres, ele começou sua carreira de cenógrafo no teatro, trabalhou nos principais filmes do cinema de Weimar (1919-1933), e depois se tornou o diretor de arte mais importante do Cinema Britânico, prestando serviço para a Gaumont-British, The Archers e o estúdio britânico da MGM.

Alfred Junge

Após a morte prematura de seu pai Junge começou seu aprendizado como pintor de casas e frequentou cursos de arte paralelamente. Fascinado pelo teatro desde os dezoito anos de idade, trabalhou no Stadtteather Görlitz atuando como ator, pintor e criador de efeitos especiais. Depois de funcionar como artista cênico e designer em teatros provinciais, mudou-se para Berlim a fim assumir funções no Staatsoper e no Staatstheater. Sua carreira teatral foi interrompida pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Em 1920, começou a trabalhar como cenógrafo nos estúdios da Ufa e ganhou seu primeiro crédito colaborando com Walter Reimann no filme ambicioso da Gloria-Film, Die Grune Manuela / 1922/23, dirigido por E. A. Dupont, com o qual trabalharia constantemente nos próximos anos (começando com Das Alte Gezets / 1923) e que exerceria uma influência importante na sua carreira. Para o filme estilizado Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, Alfred Junge e Fritz Maurischat tiveram que transformar os esboços imaginativos do diretor-designer Paul Leni em realidade tridimensional. Outro diretor com o qual A. Junge trabalhou repetidamente no início dos anos vinte no Gloria-Film foi Hans Steinhoff, por exemplo, em Mensch Gegen Mensch / 1924, colaborando com O. F. Werndorff, com o qual também formou dupla no sucesso internacional de E.A. Dupont, Varieté / Varieté / 1925.

Figuras de Cera

Varieté

A partir de meados de 1920, A. Junge trabalhou em produções padrão para a Ufa, e também para firmas menores como Phoebus, Greenbaum ou National-Film, e para diretores como Holger-Madsen (Spitzen / 1926), Erich Washneck (O Bairro da Perdição / Die Carmen Von St. Pauli / 1928; Die Drei um Edith / 1929), e William Dieterle (Ich Liebe Für Dich / 1929).

Quando E. A. Dupont voltou de Hollywood em 1927 para assumir o posto de gerente de produção e diretor nos estúdios da British International Picture (B.I.P.) em Elstree, ele chamou Junge – juntamente com o cinegrafista alemão Werner Brandes – para trabalhar com ele em Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1928 e Picadilly / Picadilly / 1929, ambos os filmes passados no ambiente do teatro de variedades.

Moulin Rouge

Picadilly

Após realizar vários filmes mudos na Alemanha, A. Junge retornou a Elstree em 1930, para colaborar com Dupont nas suas produções multilíngues: Two Worlds / 1930 e Cape Forlorn / 1931. Atravessando o Canal, desenhou cenários para outras produções em versões múltiplas como Salto Mortale / 1931 (Dir: E. A. Dupont) em Babelsberg e Marius / 1931 (Dir: Alexander Korda) em Joinville, assim como para outras produções germânicas.

Em 1932, A. Junge se transferiu definitivamente para Londres, onde Michael Balcon nomeou-o chefe do departamento de arte no Gaumont British Studios em Shepherd´s Bush. Um dos primeiros compromissos lá foi Waltz Time / 1933, versão inglesa de Die Fledermaus, dirigido por Wilhelm Thiele, o especialista em operetas da Ufa.

O Homem Que Sabia Demais

Até 1938 ele desenhou cenários para todos os gêneros, colaborando com uma série de diretores britânicos, inclusive Alfred Hitchcock (O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew too Much / 1934, Jovem e Inocente / Young and Innocent / 1937) e Victor Saville (Eu Fui uma espiã / I Was a Spy / 1933, Sempre Viva / Evergreen / 1934, Ainda   O Amor / It´s Love Again / 1936). Outros filmes foram feitos com diretores emigrados como Anatole Litvak (O Galã do Expresso / Sleeping Car / 1933) e Lothar Mendes (O Judeu Suss / Jew Suss /1934. Seu último filme para a Gaumont-British foi Climbing High (Dir: Carol Reed) em 1938. No ano seguinte, A. Junge exerceu seu ofício no novo estúdio britânico da MGM em Denham, criando os cenários de uma Escola Pública para Adeus, Mr. Chips / Goodbye, Mr. Chips / 1939 de Sam Wood.

Neste Mundo e no Outro

Narciso Negro

No filme The Fire Raisers / 1934 da Gaumont British A. Junge trabalhou pela primeira vez com Michael Powell. Em 1939, eles renovaram sua colaboração no thriller de guerra interpretado por Conrad Veidt, Nas Sombras da Noite / Contraband, escrito pelo emigrado russo Emeric Pressburger. Quando Powell e Pressburger formaram sua companhia The Archers em janeiro de 1942, A. Junge se uniu a eles como diretor de arte. Nos próximos cinco anos, o time criou uma série de obras-primas do cinema britânico: Coronel BlimpVida e Morte / The Life And Death of Colonel Blimp; Um Conto de Canterbury / A Canterbury Tale; Sei Onde fica o Paraíso / I Know Where I´m Going; Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death; e finalmente Narciso Negro / Black Narcissus, que deu a A. Junge um Ocar pelo seu impressionante design em Technicolor.

Em 1948, A. Junge assumiu o departamento de arte no Metro-Goldwyn-Mayer British Studios em Elstree, que era responsável pelos filmes feitos por diretores americanos em estúdios europeus. Embora alguns destes filmes não fossem tão inventivos e importantes como os de Powell-Pressburger, nota-se algumas produções notáveis como Convite à Dança / Invitation to Dance / 1956 de Gene Kelly.  Outros filmes com seu nome nos créditos nesta época estão, por exemplo: Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952; Mogambo / Mogambo / 1953; Os Cavaleiros da Távola Redonda / Knights of the Round Table / 1953 (que lhe deu nova indicação para o Oscar); O Belo Brummel / Beau Brummel / 1954. Seu último compromisso, como desenhista de produção freelancer, foi na adaptação de Charles Vidor de Adeus às Armas / A Farewell to Arms / 1957, filmado em locação na Itália e nos estúdios de Cinecittà.

JAMES WONG HOWE, LUMINAR DA CÂMERA

Wong Tung Jim (1899-1976) nasceu na China na província de Kwang-tung (Guangdong) e chegou nos EUA em 1904. Passou sua juventude no Estado de Washington em uma pequena cidade chamada Pasco e, aos treze ou quatorze anos de idade, foi para uma cidade agrícola chamada Freewater no Oregon. Quando era criança, lutou boxe um pouco, mas não quis fazer disso uma carreira. Esteve no ringue apenas por um ano ou dois. Em Pasco, a compra de uma câmera Brownie teria despertado seu interesse pela fotografia.

Em 1916, Howe deixou o Oregon e foi para San Francisco, com a intenção de ingressar numa escola de aviação, porém ficou sem dinheiro e rumou para Los Angeles, onde arranjou emprego como moço de entregas para um fotógrafo comercial, Raymond Stagg. Em 1917, aproximou-se de Alvyn Wycoff, chefe do departamento de câmera e também cameraman principal de Cecil B. DeMiIle, e lhe pediu um emprego como assistente de câmera. Wycoff respondeu que acabara de contratar uma pessoa para este cargo, mas precisava de uma pessoa para manter limpas as salas do seu departamento. Disse-lhe que este seria o seu trabalho e, quando chegasse a hora e precisasse de outro assistente, ele teria esta oportunidade.

Após seis ou sete meses, De Mille precisou de um assistente extra para exercer a função de clapperboy (rapaz responsável pela claquete) e foi assim que Howe se tornou um dos três ou quatro assistentes de câmera. Neste encargo esteve em vários filmes de DeMille, inclusive Macho e Fêmea / Male and Female / 1919, porém nunca fotografou um filme do diretor.

Como Howe explicou para Alain Silver, autor de James Wong Howe – The Camera Eye – A Career interview (Ed. Pendragon, 2010), no tempo do cinema mudo usava-se duas câmeras para cada cena que fotografavam. E a razão para isso era que precisavam de dois negativos, um para a exibição doméstica e um para o mercado europeu. Assim, eles usavam uma segunda câmera e a pessoa que a manejava era chamada de segundo cameraman ou operador de câmera. O outro ou o principal era chamado de primeiro cameraman. Naqueles dias eles não eram conhecidos como diretores de fotografia. Este título só foi criado mais tarde, após o advento do som. A pessoa era promovida de assistente a segundo cameraman e de segundo cameraman ela se tornava o primeiro cameraman.

James Wong Howe

Após dois anos como assistente, Howe foi promovido a segundo cameraman e isto aconteceu na filmagem de O Amor Não se Vende / Everything for Sale / 1921, cujo primeiro cameraman era Harold Rosson. Ele tinha adquirido uma câmera que usava para tirar fotos para atores. Naquela época não existiam agentes e cada ator ou atriz tinha que ter fotos suas, que eles deixavam no escritório de elenco do estúdio. Fazendo estes retratos, Howe ganhou um dinheirinho extra e aprendeu a fotografar e iluminar rostos. Um dia perguntou à atriz Mary Miles Minter, uma moça linda com cachos louros e olhos azuis claros, se podia fazer um retrato dela. Mary gostou das fotos que Howe fez para ela e alguns meses depois ele foi chamado pelo estúdio para ser o seu cameraman. Assim, Howe tornou-se primeiro cameraman em O Semi-Bárbaro / Drums of Fate / 1923.

A longa carreira de Howes se estendeu por mais de cinco décadas, participando de 128 filmes de longa-metragem, cujos títulos não vou citar todos para não cansar os leitores. Ele ganhou a reputação de ser um dos diretores de fotografia mais inovadores, sempre ansioso para experimentar. Seu uso da iluminação em low key (chave baixa) com muito contraste entre luz e sombra em Peter Pan / Peter Pan / 1924 estrelado por Betty Bronson melhoraram sua reputação assim como sua iluminação realista em Ridi Pagliacci / Laugh, Clown Laugh / 1928, estrelado por Lon Chaney, ambos os filmes dirigidos por Herbert Brenon.

Quando a chegada do som colocou em turbulência os estúdios de Hollywood, Howe tirou uma folga para visitar sua terra natal. Ao retornar teve dificuldade de encontrar trabalho porque os produtores explicavam que precisavam de fotógrafo que entendessem de som. Howard Hawks quebrou o gelo chamando-o para filmar O Código Penal / The Criminal Code / 1930, que lhe rendeu um contrato de dois anos com a Fox. Seus melhores filmes na Fox foram o inovador Transatlântico / Transatlantic / 1931 e Glória e Poder / Power and the Glory / 1933, ambos sob o comando de William K. Howard.

Filmagem de A Ceia dos Acusados

Howe foi para a MGM em 1933, onde entre seus filmes destacavam-se: Viva Villa / Viva Villa / 1934 (Dir: Jack Conway); Vencido Pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934 (Dir: W.S. Van Dyke), A Ceia dos Acusados / The Thin Man / 1934 (Dir: W.S. Van Dyke) e Ladra Encantadora / Whipsaw / 1935 (Dir: Sam Wood). Ele ficou entediado na MGM e, depois de filmar os testes de cor de Marlene Dietrich para O Jardim de Alá / The Garden of Allah, produção de David O. Selznick, foi para Inglaterra, onde fotografou Fogo sobre a Inglaterra / Fire Over England / 1937 (Dir: William H. Howard). Retornando aos EUA, fez um dos seus melhores trabalhos para Selznick em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937 (Dir: John Cromwell). Neste filme Ronald Colman fazia um papel duplo e Howe mostrou sua inventividade na cena em que Colman aperta a mão e fala com ele mesmo.

Cena de O Prisioneiro de Zenda

Acompanhando este sucesso, Howe fotografou seu primeiro filme em cores, também para Selznick, As Aventuras de Tom Sawyer / The Adventures of Tom Sawyer / 1938 (Dir: Norman Taurog), demostrando novamente  sua criatividade e, em seguida, Argélia / Algiers / 1938 (Dir: John Cromwell) em um preto-e-branco atmosférico, transformando Hedy Lamarr em glamour girl, o que lhe garantiu um contrato com a Warner Bros., onde o estilo realista de Howe foi uma combinação perfeita para o tipo de filme contundente deste estúdio.

Entre os filmes da Warner o perfeccionismo de Howe sobressaiu sobretudo em: A Vida do Dr. Ehrlich / Dr.Ehrlich´s Magic Bullet / 1940 (Dir: William Dieterle), Dois Contra uma Cidade Inteira /  City for Conquest / 1940 (Dir: Anatole Litvak),  Em Cada Coração um Pecado / Kings Row / 1942 (Dir: Sam Wood), A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy (Dir: Michael Curtiz); Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944 (Dir: Michael Curtiz); Águias Americanas / Air Force / 1944 (Dir: Howard Hawks); Um Punhado de Bravos / Objective Burma / 1945 (Dir: Raoul Walsh), este  com uma sequência de batalha noturna notável; A Sentença / Nora Prentiss / 1947 (Dir: Vincent Sherman); Sua Única Saída /  Pursued / 1947 (Dir: Raoul Walsh).

Filmagem de Estrela do Norte

Filmagem de Corpo e Alma

Outros filmes dos anos 40 nos quais o talento de Howe – a serviço de outros estúdios – se manifestou de forma esplêndida foram: O Libertador / Abe Lincoln in Illinois / 1940 (Dir: John Cromwell), Os Carrascos Também Morrem / Hangmen Also Die / 1943 (Dir: Fritz Lang); Estrela do Norte / The North Star / 1943 (Dir: Lewis Milestone) e Corpo e Alma / Body and Soul /1947 (Dir: Robert Rossen), no qual ele colocou um par de patins para acompanhar com a câmera na mão os dois pugilistas em confronto no ringue.

Filmagem de O Segudo Rosto

Durante os anos 50 e 60 Howe tornou-se free lancer, realizando seu trabalho mais  memorável – A Cruz da Minha Vida / Come Back Little Sheba  / 1952 (Dir: Daniel Mann); Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954 (Dir: Elia Kazan), Férias de Amor / Picnic / 1955 (Dir: Joshua Logan), A Rosa Tatuada / The Rose Tattoo / 1955   (Dir: Daniel Mann), pelo qual recebeu seu primeiro Oscar; A Embriaguez do Sucesso / The Sweet Smell of Success / 1957 (Dir: Alexander Mackendrick)  e O Velho e o Mar / The Old Man and the Sea / 1958 (Dir: John Sturges). Seu senso de realismo dramático estava evidente em O Indomado / Hud / 1963 (Dir: Martin Rott), que lhe proporcionou sua segunda estatueta da Academia. Entretanto, na opinião de muitos, seu melhor trabalho foi a fotografia inovadora e distorcida em grande angular para o filme de John Frankenheimer O Segundo Rosto / Seconds / 1966. O filme derradeiro de Howe foi Funny Lady / Funny Lady / 1978 (Dir: Herbert Ross) substituindo Vilmos Zsigmond. Quando Howe ficou doente durante a filmagem, Ernest Laszlo ocupou temporariamente seu lugar.

Além das duas indicações ao Oscar que resultaram em premiação, Howe recebeu mais 8 indicações pela fotografia dos seguintes filmes: Algéria, O Libertador, Em Cada Coração um Pecado, Águias Americanas, Estrela do Norte, O Velho e o Mar, O Segundo Rosto e Funny Lady.

FILMES DE GUERRA ITALIANOS

Como parceira da Alemanha no estabelecimento do fascismo na Europa, a Itália deu sua própria contribuição para os filmes expressando a política fascista. Como o filho de Mussolini, Vittorio, era especialmente interessado em fazer filmes, o regime favoreceu o cinema. Em 1937 foi fundado o estúdio Cinecittà, considerado na época o maior da Europa, juntamente com o Instituto Luce, para curtas-metragens e documentários, e a escola de cinema Centro Sperimentale di Ciematografia. O Festival de Veneza havia sido fundado em 1932 e se tornou por alguns anos um centro onde os filmes espetaculares de propaganda alemães e italianos eram exibidos ao lado de filmes das democracias.

O talento indubitável dos italianos para o cinema, demonstrado desde o início do século, foi até certo ponto esmaecido durante o período de controle total da Itália por Mussolini durante os anos trinta e começo dos anos quarenta, quando nomes honrados na História do Cinema Italiano, como Alessandro Blasetti e Roberto Rosselini, realizaram filmes de apoio ao regime. Durante a era fascista na Itália, Blasetti fez Vecchia Guardia / 1934, celebrando a marcha sobre Roma de 1922 e Rosselini realizou três filmes – La Nave Bianca / 1941; Um Piloto Retorna / Un Pilota Ritorna / 1942; O Homem da Cruz / L´Uomo dalla Croce / 1943 – que parecem inteiramente sujeitos às exigências da propaganda fascista, embora alguns comentaristas o considerem apenas patrióticos.

O Homem da Cruz

O primeiro filme, rodado com atores não profissionais e em estilo semidocumentário, mostra a vida dos marujos e seus oficiais em um navio hospital italiano durante a Segunda Guerra Mundial. No segundo filme, o interesse humano fictício é tão forte quanto o aspecto documentário:  um jovem piloto italiano (Massimo Girotti), cujo avião foi abatido durante a guerra contra a Grécia, foge de um campo de prisioneiros britânico embarcando em um avião inimigo e há uma subtrama, na forma de uma história de amor sentimental: ele se apaixona pela filha do médico do campo. No terceiro filme, que completa esta trilogia das forças armadas, o herói é o padre Reginaldo Giuliani, que, na frente russa, prontamente troca sua cruz por um rifle, luta ao lado dos fascistas contra os comunistas e morre tentando salvar um soldado ferido.

Esquadrão Branco

Com o aumento do interesse italiano pela África, assuntos coloniais começaram a aparecer: Esquadrão Branco / Lo Squadrone Bianco / 1936 de Augusto Genina, Sentinelle di Bronzo / 1937 de Romolo Marcellini e Sotto Croce del Sud / 1938 de Guido Brignone.

Quando a campanha da Abissinia teve que ser justificada, Mario Camerini fez O Grande Apelo / Il Grande Apelo / 1936 e imagens filmadas por uma equipe especial que cobria a guerra foram montadas por Luciano de Feo, resultando um documentário de propaganda de 70 min, Il Camino degli Eroi / 1937. Em O Grande Apelo, um italiano dono de um bar miserável em Djibouti vende armas para os etíopes que lutam contra seu país; porém, encontrando seu filho há muito perdido na frente fascista, decide escolher o patriotismo em vez do lucro fácil.

Luciano Serra Pilota

Em 1938, o próprio Vittorio Mussolini atuou como supervisor de Luciano Serra Pilota, dirigido por Goffredo Alessandrini, utilizando um roteiro na feitura do qual Rosselini participou. Seu tema era a paixão inata pela aviação que um filho pode herdar de seu pai; o pai (Amedeo Nazzari), neste caso, herói da aviação na Primeira Guerra Mundial, sacrifica sua vida para salvar seu filho durante a guerra da Abissínia.

A Guerra Civil Espanhola – na qual a intervenção da Itália não foi nominalmente reconhecida embora geralmente bem conhecida – foi apresentada em Alcazar / L´Assedio dell’ Alcazar / 1940 de Augusto Genina. O relato conta a história do comandante do Forte Alcazar em Toledo, fiel ao General Franco que, na ocasião em que o filme foi feito, havia tomado o poder na Espanha.

Prisioneiros do Mar

Apesar de suas intenções abertamente propagandísticas, Prisioneiros do Mar / Uomini sul fondo / 1941 (Dir: Francesco De Robertis) foi respeitosamente admirado pelos homens do cinema neorrealista pelo seu estilo sêco e sua preocupação com a verossimilhança. Descreve o drama da tripulação de um submarino que, durante manobras, colide com um navio e cai no fundo do oceano. Os homens têm apenas trinta horas de ar para trazê-lo para a superfície. O elenco é composto pelos membros da tripulação e oficiais de um submarino italiano.

A produção de filmes de guerra italianos cessou com a chegada do exército germânico de ocupação. Mussolini, deposto em julho de 1943, foi resgatado por paraquedistas alemães em setembro e instalado como um governante fantoche no norte da Itália ocupado – a chamada República Social da Itália – a assim chamada República de Salô. Nápoles passou para as mãos aliadas em outubro, Roma em junho de 1944, e a rendição no Norte veio em maio de 1945.

A guerra vista do ponto de vista italiano foi sintetizada por três filmes célebres de Roberto Rosselini: Roma, Cidade Aberta / Roma, Città Aperta / 1945; Paisà / Paisà / 1946; Alemanha, Ano Zero / Germania Anno Zero /1948.

Roma, Cidade Aberta foi realizado nas piores condições possíveis, quando as tropas de ocupação germânicas mal tinham saído de Roma. Por exemplo, Rosselini teve que comprar pedaços de filme virgem de fotógrafos de rua; foi obrigado a filmar na rua porque os grandes estúdios não existiam mais; o som ambiente e as vozes dos atores foram dubladas depois que o filme foi montado, simplesmente porque era mais barato; a maioria das cenas foi feita às cegas, porque a visão das cenas filmadas diariamente era um luxo.

Cenas de Roma, Cidade Aberta

No enredo, Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), um dos chefes da Resistência Italiana, conta com a ajuda do padre anti-fascista Don Pietro (Aldo Fabrizi) e um tipógrafo partigiano chamado Francesco (Francesco Grandjaquet), para mantê-lo escondido dos alemães. Na manhã seguinte, dia do casamento de Francesco, ele é capturado pelos nazistas e sua noiva grávida, Pina (Anna Magnani), baleada ao tentar interferir. Manfredi é traído por sua namorada, Marina (Maria Michi), dançarina e prostituta viciada em drogas que lhe foram dadas por uma lésbica nazista, Ingrid (Giovanna Gallatti) e ele, Don Pietro, e um desertor australiano, que o padre vinha abrigando, são presos O desertor se enforca e quando Manfredi se recusa a falar, é torturado até a morte na presença de Don Pietro; na manhã seguinte, o próprio padre é executado enquanto os meninos de sua paróquia observam de longe a cena, assobiando atrás de umas grades, em sinal de apoio.

Paisà

Se Roma, Cidade Aberta estabeleceu padrões inteiramente novos para o filme de guerra – e introduziu a abordagem de técnicas de imagem que veio a ser chamada de neo-realismo -, Paisà confirmou estes padrões, mostrando seis narrativas independentes, tendo por contexto a libertação progressiva da Itália pelos aliados e pela resistência Partigiana. Seis pequenas histórias de contéudo dramático doloroso, todas relacionadas com a situação catastrófica na qual o país estava mergulhado no final da Segunda Guerra Mundial. No meu post Roberto Rosselini de 2/10/2017, dei mais informações sobre as seis histórias narradas bem como o enredo do filme seguinte que omiti agora para não cansar o leitor.

Alemanha, Ano Zero

Em Alemanha, Ano Zero, Rosselini continua a testemunhar, de maneira objetiva e fiel, a miséria material e moral de uma época em que a Europa começou do zero (daí o título do filme). Este filme é diferente dos anteriores porque, de uma parte, ele nos mostra as consequências do conflito mundial, não mais do lado italiano, mas do lado do agressor e, de outra parte, tudo é mostrado peloso olhos de uma criança. É um relato de desespêro sem saída, descrito com uma intensidade e uma autenticidade extraordinárias. Sem desprezar a ficção, e com seu estilo sóbrio, Rosselini acompanha minuciosamente o itinerário do pequeno Edmund, um ser inocente que a distorção de uma educação eugênica leva a cometer um crime, acreditando ter praticado um ato heróico. Tudo isto faz de Alemanha Ano Zero uma realização chocante e amarga e encerra com chave de ouro o trio de filmes de um grande diretor comprometido em mostrar os horrores da guerra e a refletir sobre eles.

Dois filmes tratando da atividade partigiana foram patrocinados pela ANPI (a ex- Associazione Nazionale Partigiani Italiani): Il Sole Sorge Ancora / 1945-46 (Dir: Aldo Vergano) e Trágica Perseguição / Caccia Tragica / 1947 (Dir: Giuseppe De Santis). O primeiro filme, introduzindo a futura estrela Lea Padovani, mostra a resistência italiana contra os alemães. Foi muito elogiada uma cena de fuzilamento na qual um padre, cantando o Ora Pro Nobis (que é repetido pela multidão) e um jovem trabalhador radical, marcham para suas mortes. O segundo filme, descreve a situação caótica do pós-guerra. Michele (Massimo Girotti) e sua noiva Giovanna (Carla del Poggio) estão carregando dinheiro para uma fazenda coletiva na qual pretendem ingressar, quando são emboscados por bandidos. Os bandidos sequestram Giovanna como refém e a “perseguição trágica” realizada por Michele e os membros da fazenda coletiva começa. Eles precisam não somente resgatar Giovanna, mas também receber o dinheiro do qual depende seu sustento.