Arquivo do Autor: AC

PHIL KARLSON EXERCEU SEU GRANDE TALENTO NOS FILMES B

Philip N. Karlstein (1908-1982) nasceu em Chicago, filho da atriz Lillian O´Brien do teatro Yddish.  Após completar seu curso secundário, frequentou o curso de pintura no Chicago’s Art Institute e tentou seguir uma carreira de cantor e dançarino, acedendo finalmente ao desejo do pai, que desejava que ele fosse advogado. Enquanto estudava Direito na Loyola Marymount University na Califórnia, trabalhou em várias funções no estúdio da Universal e gradualmente passou de aderecista a assistente de direção (começando em A Volta de Tom / Destry Rides Again / 1932, estrelado por Tom Mix), montador, e finalmente diretor em 1944. Depois Lewis fez filmes para a Monogram (v. g. da série Charlie Chan, Bowery Boys, The Shadow), Columbia (entre eles um western interessante envolvendo a figura do escritor Robert Louis Stevenson, O Filão de Prata / Adventures in Silverado / 1948), Edward Small Productions, e outras companhias menores.

Phil Karlson

Seus melhores filmes foram os dramas criminais violentos e visualmente insinuantes, narrados em um estilo seco e objetivo: Os Quatro Desconhecidos / Kansas City Confidential / 1952, A Morte Ronda o Cais / 99 River Street / 1953, A Ilha do Inferno / Hell’s Island / 1954 e Cidade do Vício / The Phenix City Story / 1955. Karlson especializou-se nas cenas de ação brutais e no uso eficiente do close up para causar impacto nos momentos apropriados. Gostava de colocar em primeiro plano os rostos esmurrados e ensanguentados, porque achava que a violência devia ser mostrada tal como acontece na realidade (“Quando as pessoas são alvejadas, elas sangram”) e, depois de uma luta filmada pelo diretor, o público realmente tinha a noção de como duas pessoas podiam ser tão destrutivas. Seus heróis sofriam os danos físicos e psicológicos durante algum tempo, até que não aguentavam mais e reagiam com um furor irracional – para Karlson, os criminosos são a escória da sociedade e o crime deve ser totalmente destruído, daí a necessidade da contraviolência sempre presente nos seus filmes.

John Payne e Preston Foster em Os Quatro Desconhecidos

Em Os Quatro Desconhecidos desgostoso com os escassos proventos de sua aposentadoria e por ter sido compelido a requerê-la, Timothy Foster (Preston Foster), um policial de Kansas City, faz chantagem com três delinquentes – Harris (Jack Elam), Kane (Neville Brand) e Tony (Lee Van Cleef) – obrigando-os a executar seus planos para o assalto a um carro forte. Foster mantém o anonimato e os homens usam máscaras para que um não conheça a identidade do outro. Os ladrões utilizam uma van na fuga. Os policiais prendem o motorista de um carro idêntico, um ex-presidiário chamado Joe Rolfe (John Payne), interrogam-no brutalmente sobre o roubo e, depois o soltam, ao verificarem o engano. Rolfe obtém uma pista e chega à presença de Foster, desmascarando-o. Foster e Rolfe são homens amargurados. Foster define claramente os motivos pelos quais se tornou um criminoso: aposentou-se com proventos irrisórios, após passar vinte anos combatendo o crime, “vendo os bandidos sempre subindo na vida. Agora, quer uma compensação e vingança, inconformado com seu afastamento compulsório. Rolfe, por sua vez, foi formado pela guerra. Acusado injustamente de assalto, interrogado sob as luzes fortes da delegacia, ouve o comentário do Promotor Público sobre sua pessoa para um dos guardas: “Ele ganhou uma Medalha de Bronze e uma de Púrpura”. E responde rapidamente: “Tente comprar uma xícara de café com elas”. Tal como outros heróis noir. Rolfe é vítima do destino. Ao ser confrontado por ele, Harris lhe diz: “Não tínhamos nada contra você. Nem o conhecíamos. Apenas aconteceu assim”. Karlson teve em mãos uma história original e soube conduzí-la com o vigor exigido, explorando muito bem os primeiros planos como naquelas cenas em que Foster contrata seus cúmplices e nas de violência de uma maneira geral.

Jack Lambert e John Payne em A Morte Ronda o Cais

Em A Morte Ronda o Cais o ex-pugilista Ernie Driscoll (John Payne) dirige um táxi para sobreviver. Sua esposa, Pauline (Peggie Castle), é amante de Victor Rawlings (Brad Dexter), que acabara de roubar umas jóias. Rawlings vai com Pauline à loja de um receptador, Christopher (Jay Adler) para vender as jóias. Rawlings mata Pauline e esconde o corpo no táxi de Ernie. Com o auxílio de uma amiga, Linda (Evelyn Keyes), Ernie localiza o assassino e, mesmo ferido, consegue dominá-lo. A polícia chega a tempo de impedir que Ernie mate Rawlings de pancada. O que dá qualidade noir ao espetáculo, além do tema do herói acusado injustamente, são as obsessões e as frustrações dos seus personagens, a confusão entre aparência e realidade, a amargura, o desespero. Ernie queria ser um campeão, e o fato de não ter sido o deixa angustiado. Pauline trabalha em uma loja de flores e tem um problema semelhante. Na sua mente, casou-se com um pugilista, em vez de se dedicar à vida artística. “Poderia ter sido uma estrela”, lamenta. Linda e Rawlings também sonham com o sucesso. Linda julga-se uma grande atriz. Rawlings deseja partir para a França. Todos fracassam. Ernie diz a Pauline: “Uma chance para chegar ao topo. É a coisa mais importante do mudo”. Esta é uma fantasia que o filme destrói. Linda e Ernie só adquirem o direito a uma nova vida, quando reconhecem que suas fantasias são impossíveis de serem realizadas, quando aceitam seus limites. A ambiguidade se manifesta desde a primeira cena, quando a tela mostra uma luta de boxe. A câmera recua e vemos que se trata apenas de um videotape do combate realizado há três anos. Ela recua mais um pouco e notamos a cabeça de Ernie, assistindo a transmissão atentamente, quase sem ouvir a voz de Pauline que o chama para jantar.  Mais adiante, vemos a performance de Linda no teatro, enganando Ernie e a platéia, fazendo-os crer que matou um homem.

Em A Ilha do Inferno o ex-promotor público Mike Cormack (John Payne), que perdeu o emprego por ser alcoólatra e agora trabalha em um cassino, é contratado por Barzland (Francis L. Sullivan, um senhor aleijado de reputação duvidosa, para encontrar um rubi desaparecido. O motivo da escolha foi o fato de que sua ex-namorada Janet Martin (Mary Murphy) está envolvida com o homem que teria sabotado o avião que transportava a pedra preciosa. O filme começa de maneira original, com uma cena do final congelada, seguindo-se, depois de um corte também inusitado, o longo retrospecto. Se não fosse em cores, seria um filme noir, pois apresenta vários elementos típicos: trama complicada, narração em flashback e voz over, mulher fatal, violência, paixão. Alguém diz para o herói: “O amor é uma droga peculuar. Leva muito tempo para sair do seu sangue”.

Richard Kiley em A Cidade do Vício

Cidade do Vício é um dos filmes mais selvagens de Karlson, baseado em situações reais que ocorreram em Phenix City no Alabama, quando a cidade estava totalmente controlada por um sindicato de jogatina. A atmosfera de documentário dá aos fatos narrados uma impressão de autenticidade horripilante. O crime e a corrupção são mostrados com tanta crueza, são tão repulsivos (uma criança morta é jogada de um carro em movimento, um aleijado leva um tiro na boca), que o diretor não precisa fazer nenhum comentário explícito. A situação retratada no filme é uma metáfora para a apatia e o conformismo do cidadão americano médio. Apesar de uma vitória em pequena escala do jovem advogado John Patterson (Richard Kiley), o único que resolveu enfrentar os gângsteres, o filme termina com uma nota de desesperança e desespero. Além dos filmes citados  também merecem destaque outro drama criminal, Escândalo / Scandal Sheet / 1952, e um western, Sangue de Pistoleiro / Gunman´s Walk / 1958.

Broderick Crawford de costas e John Derek e Donna Reed de frente em Escândalo

No primeiro, após uma discussão com Charlotte (Rosemary DeCamp), a esposa que a abandonou anos atrás, Mark Chapman (Broderick Crawford), editor de um jornal de escândalos, agride-a, ela cai de mau jeito e morre. Steve Mc Cleary (John Derek), um jovem repórter discípulo de Chapman, e sua colega, Julie Allison (Donna Reed) cobrem o caso e, graças a um velho jornalista alcoólatra, Charlie Barnes (Henry O´Neill), que vem a ser assassinado por Chapman, acabam encontrando as provas de sua culpabilidade. Tal como no filme noir O Relógio Verde / The Big Clock / 1948 de John Farrow, um editor de publicação sensacionalista deixa seu principal repórter procurar um assassino que vem a ser ele próprio. No filme em questão, há uma outra ironia: Chapman ensinou tão bem seu método de jornalismo investigativo (embora marrom) para McCleary, que o dedicado discípulo acabou se tornando o instrumento de sua punição. O veterano homem de imprensa pode apenas observar com apreensão como a engrenagem que ele criou é manipulada pelo dinâmico pupilo e voltada contra si mesmo. Talvez este seja. O único traço noir no espetáculo, pois seu estilo é totalmente realista. Quando o cerco se fecha sobre o criminoso, temos a sensação de ter assistido a um fato real sem excessos sentimentais. A montagem concisa evidencia uma direção eficaz do princípio ao fim. Karlson soube também tirar bom proveito dos detalhes e do jogo fisionômico dos intérpretes, principalmente na cena da entrevista do mendigo com Chapman e na cena da morte de Barnes, esta última agraciada por um belo contraste de luz e sombra.

Van Heflin, Tab Hunter e James Darren em Sangue de Pistoleiro

No segundo, Lee Hackett (Van Heflin), rancheiro poderoso e brutal, tem dois filhos, Ed (Tab Hunter) e Davey (James Darren), que ele tenta forjar à sua imagem. Enquanto Davey é avesso à violência, Ed se torna progressivamente um fora-da-lei. Todo começa quando, durante uma perseguição de uma égua selvagem, Ed causa a morte de um mestiço., irmão de Clee Chouard (Kathryn Grant), a moça por quem Davey se apaixonara. Acusado de assassinato pelo agente dos índios, Ed consegue se livrar de uma condenação graças ao falso depoimento de um chantagista, Silverts (Ray Teal). Porém, comete outros crimes e acaba sendo morto pelo próprio pai que, a essa altura, compreendera os erros cometidos na educação dos filhos. Antigo pioneiro, Lee manteve sua confiança nas armas de fogo e seu ódio dos índios. Um dos filhos herdou seu orgulho e sua pontaria, mas não o senso de honra: o outro, jovem pacífico, atraiu o desprezo paterno por ter se interessado por uma mestiça. Esse drama familiar é retratado com vigor por Karlson, sempre atento para que a ação seja movimentada.

JOSEPH H. LEWIS, CINEASTA ESTILISTA DO FILME B

Por falta de oportunidade ou ambição ele teve sua carreira quase inteiramente dominada pelos filmes B, porém soube transformar as limitações orçamentárias em virtude. Distinguiu-se pela inteligência e originalidade na maneira de colocar a câmera e de movimentá-la. Suas obras mais expressivas não ficam nada a dever aos melhores filmes de muitos diretores de filmes classe A. Mesmo nos seus filmes mais fracos, surgem aqui e ali algumas tomadas brilhantes ou movimentos de câmera complexos e inesperados.

Joseph H. Lewis

Joseph H. Lewis (1907-2000) nasceu no Brooklyn, Nova York, filho de imigrantes russos judeus. Cresceu no Upper East Side e estudou na DeWitt Clinton High School no Bronx. Quando seu irmão Ben foi para Hollywood, ele o acompanhou com a esperança de se tornar ator. Ben lhe arrumou emprego como montador na Mascot em 1935, onde depois passou a ser supervisor de montagem, prosseguindo nesta mesma função depois na Republic.

Lewis co-dirigiu (com Crane Wilbur) seu primeiro filme, Segredos Navais / Navy Spy / 1937, distribuído pela Grand National. Seu primeiro filme como único diretor foi Coragem Cativante / Courage of the West / 1937, estrelado pelo cowboy Bob Baker.  Sua notável intuição cinematográfica manifestou-se desde este modestíssimo western da Universal. “Neste filme, o presidente Abraham Lincoln participava de uma conferência no auge da Guerra Civil. Ele era o único que falava, mas eu não queria mostrar o seu rosto. Comecei a fazer um movimento circular que dava várias voltas em torno da mesa. No final, o espectador devia se perguntar: ‘Mas quem é que está falando?’. Então ele via o presidente Lincoln: foi um plano revelador”, contou Lewis numa entrevista.

Ele fez mais três westerns com Baker, três com Charles Starrett e dois com Bill Elliott e, em seguida, três exemplares da série East Side Kids, seguindo-se vários filmes modestos (inclusive um da série The Falcon, O Falcão em San Francisco / The Falcon in San Francisco / 1945), até realizar seus primeiros trabalhos importantes, Trágico Alibi / My Name is Julia Ross / 1945, Satã Passeia à Noite / So Dark the Night / 1946 e O Czar Negro / The Undercover Man / 1949.

Nine Foch em Trágico Alibi

Em Trágico Alibi Julia Ross (Nina Foch), jovem americana desempregada em Londres, procura uma agência onde precisam de uma secretária particular. Na manhã seguinte, ela desperta em uma mansão isolada na Cornualha, onde vivem Mrs. Williamson (Dame Way Whitty) e seu filho Ralph (George Macready). Todos a chamam de Marian, a nora de sua patroa, e a tratam como se fosse meio louca. Prisioneira, Julia vive um longo suplício, uma série de decepções cruéis, e cai pouco a pouco no desespero. O filme aborda temas noirs clássicos como os de identidade instável, amnésia e loucura. As imagens de solidão, de aprisionamento, de abandono gradual da vítima aos seus carrascos, se acumulam na tela com uma notável economia de meios. Lewis enfatiza a situação da moça por meio de elementos estritamente cinematográficos (v. g. a protagonista enquadrada atrás da janela com grades etc.).

Steven Geray (ao centro) em Satã Passeia à Noite

Em Satã Passeia à Noite Henri Cassin (Steven Geray), célebre detetive particular parisiense, de férias na pequena cidade de Sainte-Margot, apaixona-se por uma camponesa, que se torna a primeira de uma série de vítimas de assassinato. O detetive investiga os crimes e chega à conclusão de que o culpado é ele mesmo. Variação estranha e original sobre o tema da dupla personalidade, passada em um ambiente rural francês (muito falso), cuja placidez contrasta com os horríveis fatos ali ocorridos. O tormento interior do personagem autodividido é evocado através de numerosos planos, nos quais se interpõem entre ele e a câmera, os objetos, os reflexos, as sombras e um vão envidraçado, que Cassin quebra no final, tendo decifrado o segredo do seu eu mais íntimo.

Glenn Ford em O Czar Negro

Em O Czar Negro agentes do Departamento do Tesouro tentam obter provas de que um figurão do submundo, “Big Fellow”, está sonegando impostos. Frank Warren (Glenn Ford) e seus homens começam a interrogar pessoas que têm acesso aos livros contábeis do gângster. O primeiro contato, Manny Zanger (Robert Osterloh), é morto logo após ter se encontrado com Warren. Quando um segundo informante, Salvatore Rocco (Anthony Caruso, também é assassinado, todo o esquema da investigação parece destinado ao fracasso. Entretanto, a mãe de Salvatore decide cooperar, entregando a Warren o livro comprometedor que seu filho mantinha escondido. O espetáculo segue a linha realista, laudatória (homenagem aos esforçados agentes do Fisco) e até patriótica (elogio da velha imigrante italiana ao grande país da democracia) dos semidocumentários criminais da época. A inteligência visual de Lewis é perceptível na elipse usada na cena da morte de Zanger, vendo-se apenas o pacote de biscoitos atirado ao meio-fio; na fuga desesperada de Rocco pelas ruas cheias, perseguido por dois capangas do gângster e, atrás destes, a pequenina Maria (Esther Minciotti) gritando pelo pai; no murro que sai da câmera e atinge o queixo de Warren, causando um sobressalto no público; no atropelamento de O’Rourke (Barry Kelley), após certo suspense durante a caminhada ao lado de Warren, seguidos pelos bandidos de carro.

O ápice da criatividade e imaginação de Lewis ocorreria em Mortalmente Perigosa / Gun Crazy / 1950 e Império do Crime / The Big Combo / 1955.

John Dall e Peggy Cummings em Mortalmente Perigosa

Em Mortalmente Perigosa Bart Tare (John Dall) é fascinado por armas de fogo desde menino. Em um parque de diversões itinerante, Bart é imediatamente atraído por Annie Laurie Starr (Peggy Cummings), uma bela artista que faz um número de tiro ao alvo. Ele a vence em um concurso de tiro, sendo contratado para formar uma dupla no espetáculo. Os dois se casam e, quando ficam desempregados, cometem uma série de roubos à mão armada. Procurados pela polícia, eles vão se esconder na cidade natal de Bart. Seus amigos de infância tentam convencê-los a se entregar, porém os dois fogem e se embrenham-no pântano, onde são metralhados pelos policiais. Os protagonistas de Lewis são unidos por estranha afinidade: a fascinação por armas de fogo e forte atração física. Como diz o dono do parque de diversões: “os dois se olham como um casal de animais selvagens”. Sob influência de Annie Laurie, Bart envolve-se em uma vida de crimes e, apesar de seus conflitos de consciência, não condena ou abandona a companheira Quando Laurie diz que vai embora, Bart exclama: “Não”! Vamos ficar juntos! Como as armas e as munições ficam juntas”. O filme está cheio de cenas admiráveis – o roubo do revólver da vitrine da loja durante a chuva; o concurso de tiros no parque de diversões com seu simbolismo erótico; o assalto ao banco visto em um único plano-sequência filmado com a câmera colocada no assento  traseiro do carro, fazendo-nos participar da ação; o roubo d fábrica de empacotamento de carnes com a fuga frenética através das carcaças de bois dependurados no teto enquanto o alarme não para de tocar;  a separação dos amantes, cada qual dirigindo seu carro em direções opostas, para um imediato reencontro extático no meio da estada; o desenlace trágico nitidamente expressionista, no meio do nevoeiro -, todas expostas com impressionante economia visual e expressividade.

Richard Conte em O Império do Crime

Cena final no aeroporto em O Império do Crime

Em Império do Crime o tenente Leonard Diamond (Cornel Wilde) investiga obsessivamente as atividades criminosas de um gângster chamado Mr. Brown (Richard Conte). Susan Lowell (Jean Wallace), a amante de Brown, tenta o suicídio, mas é salva a tempo e levada para o hospital. Diamond ouve um murmúrio dela sobre Alícia (Helen Walker), a primeira mulher de Brown e testemunha importante. Os dois capangas do gângster, Fante (Lee Van Cleef) e Mingo (Earl Holliman), arrombam a porta do apartamento de Diamod e atiram, mas só conseguem matar Rita (Helene Stanton), uma dançarina que às vezes passava a noite com o detetive. Susan lê a notícia da morte de Rita, decide cooperar e Brown é preso. A primeira coisa que chama atenção neste filme de gângster é a mistura de sexo e violência, também notada em Mortalmente Perigosa. Primeiramente a perversidade sexual no relacionamento entre Susan e Brown, bem representada por aquela cena em que ele acaricia os ombros dela e vai descendo pelo seu corpo até sair do quadro enquanto vemos a expressão de prazer no rosto da mulher. Os exemplos de violências são numerosos: a tortura de Diamond com o som altíssimo do rádio no seu ouvido; a bomba que Brown deixa estourar na mão dos dois capangas e a eliminação de McCLure (Brian Donlevy), um dos pontos altos da direção. Nesta cena memorável, McClure, o segundo no comando da organização, atrai Brown até o hangar do aeroporto secreto, pensando que os dois capangas estão trabalhando para ele e vão matar Brown. Acontece que os pistoleiros apontam suas armas para McClure, em vez de Brown. Procurando refúgio junto à parede, McClure pede misericórdia. Brown arranca seu aparelho de surdez e diz: “Vou lhe fazer um favor. Você não vai ter que ouvir os tiros”. A morte de McClure é então descrita do ponto de vista da vítima e nós vemos apenas os clarões das rajadas silenciosas das metralhadoras.

Antes de encerrar sua carreira cinematográfica e passar para a televisão, Lewis dirigiu quatro westerns: Obrigado a Matar / Lawless Street / 1955, O Fantasma do General Custer / 7th Cavalry / 1956, Ódio Contra Ódio / The Halliday Brand / 1957 e Reinado do Terror / Terror in a Texas Town / 1958. O primeiro é melhor do que o segundo, embora apresente defeitos no trecho final. São os outros dois que merecem destaque.

Ward Bond em Ódio Contra  Ódio

Em Ódio Contra Ódio o patriarca tirânico da dinastia Halliday, Big Dan (Ward Bond), é o delegado de uma pequena comunidade.  Por causa do seu preconceito, ele nada faz para impedir o linchamento do mestiço Jivaro (Christopher Dark), que está namorando sua filha Martha (Betsy Blair). O filho mais velho do delegado, Daniel (Joseph Cotten), consola Chad Burns (Jay C. Flippen), o pai branco de Jivaro, cuja inocência foi depois confirmada, e passa a hostilizar Big Dan.  Western melodramático e expressionista, levantando vários problemas como racismo, justiça pelas próprias mãos, lealdade filial, etc. Lewis arma algumas cenas de intensidade dramática (o linchamento, a morte de Chad, a briga de socos entre Daniel e seu pai) e, no final, uma iminência de tragédia, quando Big Dan, moribundo, ainda se levanta da cama armado para matar o filho, antes de sofrer um colapso.

Sterling Hayden em Reinado de Terror

Em Reinado de Terror um marinheiro sueco, George Hansen (Sterling Hayden), chega a Prairie City no Texas e encontra o pai morto misteriosamente. Ninguém na cidade, nem mesmo o delegado, deseja tomar qualquer providência a respeito. Hansen afinal descobre que um grileiro, Ed McNeill (Sebastian Cabot), com o auxílio do pistoleiro Johnny Gale (Ned Young), está forçando os fazendeiros a vender suas terras, porque sabe que nelas existe petróleo. O filme é sempre lembrado pelo famoso clímax, no qual o sueco usa seu arpão para matar o vilão; mas, além deste final extraordinário, há outras cenas que mostram o incrível senso cinematográfico de Lewis, graças ao qual valorizava suas modestas realizações. Podemos citar a sequência, inteiramente muda, em que Hansen abre a porta da casa do mexicano, vê o caixão coberto de flores e depois a mulher e os filhos. Sem dizer uma palavra, ele pega o harpão e sai, ouvindo-se apenas o choro do bebê que acabara de nascer.

EDDIE CANTOR

Ele foi um comediante, cantor e dançarino americano de olhos grandes e expressivos, grande defensor do humor étnico. “Quando esta espécie de humor inofensivo foi barrada, disse ele para o Los Angeles Times, “perdeu-se metade da diversão do show business”. Com o rosto pintado de preto ou exercendo seu magnífico humor judaico, o dinâmico comediante cantava suas canções, dançando, batendo palmas, arregalando os olhos, o que lhe valeu o apelido de “banjo eyes”, quando o artista Frederick J. Garner o caricaturou com grandes olhos redondos, assemelhando-os à panela em forma de tambor de um banjo.

Eddie Cantor

Isidore Itzkowitz ou Edward Israel Iskowitz (1892-1964) – ele reinvindicou ambos os nomes durante sua vida – filho de imigrantes russos, ficou órfão aos dois anos de idade e foi criado por sua avó no East Side de Nova York. Aos seis anos de idade sua avó registrou-o sob seu nome, Kantrowitz, que o tabelião anotou como “Kantor”. Quando ficou mais velho, ele mudou para “Cantor”. Começou a se chamar “Eddie” porque sua namorada (e futura esposa) Ida Tobias, gostava do jeito que soou nele.

Após trabalhar como garçom cantor em Coney Island, juntou-se à trupe de Gus Edwards e trabalhou no vaudeville, apresentando-se no Clinton Music Hall de Nova York em 1907.Tornou-se muito conhecido no palco do vaudeville em números usando frequentemente o rosto pintado de preto. Em 1914 foi para Londres para aparecer na revista Not Likely, retornando no irromper da guerra, a fim de atuar com Lila Lee no número Cantor e Lee. Como artista solo Cantor se exibiu no Ziegfeld Follies de 1917, 1918 e 1919 (mais tarde nas versões 1923 e 1927) e isto fez dele um astro. Foi o protagonista em Kid Boots (1923) e Whoopee! (1928) tendo sido Banjo Eyes / 1941, seu último espetáculo na Broadway.

Eddie Cantor em Whoopee!

Cantor em Meu Boi Morreu

Cantor em Escândalos Romanos

E O Espetáculo Continua

Keefe Brasselle em Nas Asas da Fama

Ele era um cantor único e estiloso de canções como “Margie”, “Yes sir, that’s my baby”, “Dinah”,“Ida”,“Makin’ whoopee” “Now’s the time to fall in love”, “Josephine”, “If you knew Susie” e sucessos semelhantes dos anos vinte. Iniciou sua carreira cinematográfica ainda no cinema mudo, aparecendo em Casar e Descasar / Kid Boots / 1926 ao lado de Clara Bow e Encomenda Postal / Special Delivery / 1927ao lado Jobyna Ralston. Seguiram-se no cinema sonoro: Glorifying the American Girl / 1930, Whoopee! / Whoopee! / 1930 ( filmado em Technicolor de duas cores), O Homem do Outro Mundo / Palmy Days / 1931, Meu Boi Morreu / The Kid from Spain /1932, Escândalos Romanos / Roman Scandals / 1933 (estes últimos quatro beneficiados pela direção do números musicais por Busby Berkeley) , Abafando A Banca / Kid Millions / 1934, Cai Cai, Balão / Strike me Pink / 1936, Ali Babá é Boa Bola / Ali Baba Goes to Town / 1937, Mamãe e Quero / Forty Little Mothers / 1940 (dirigido por Busby Berkeley), E O Espetáculo Continua / Show Business / 1940 (sucesso de bilheteria produzido por Cantor), Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1940, Graças a Minha Boa Estrela / Thank Your Lucky Stars / 1943, Você Conhece Susie? / If You Knew Susie / 1948, e A História de Will Rogers / The Story of Will Rogers / 1952. Um filme sobre sua vida, Nas Asas da Fama / The Eddie Cantor Story foi realizado em 1953 com Cantor proporcionando a voz e Keefe Brasselle o rosto.

Cantor e Deanna Durbin no programa de rádio

Cantor estreou no rádio em um programa de Rudy Vallee em fevereiro de 1931 e, em setembro do mesmo ano, iniciou seu próprio programa de comédia e variedades, o popularíssimo “The Eddie Cantor Show” (também conhecido como The Chase and Sunborn Hour” e depois “Time to Smile”). Entre os artistas que dele participaram estavam as cantoras Dinah Shore, Deanna Durbin e Bobby Breen (futuro astro mirim da RKO); o violinista Dave Rubinoff; os comediantes Bert Gordon como o “russo desmiolado” e Harry Einstein como o grego Nick Parkyakarkas; a jovem ventríloca Shirley Dinsdale; e Hattie McDaniel, a “Mammie” de … E O Vento Levou.

Em 1950 Cantor foi para a televisão com The Colgate Comedy Hour. Depois, foi o apresentador da série The Eddie Cantor Comedy Theater, pouco antes de sua morte em 1964.

Além do seu trabalho no rádio, no teatro, no cinema e na televisão Cantor escreveu letras para muitas canções e vários livros (v.g. Take My Life, The Way I See It, My Life Is In Your Hands).

Ele teve um grande interesse em atividades políticas e sociais. Ajudou a desenvolver a March of Dimes, organização sem fim lucrativo para melhorar a saúde de mães e bebês. Foi o fundador do Actor’s Equity, the American Federation of Radio Artists (AFTRA), The Screen Actors Guild, era um líder declarado em assuntos judaicos. O Estado de Israel premiou-o com a Medal of Valor em 1962 por suas conquistas extraordinárias em nome daquela nação. Em 1956, foi honrado com um Oscar especial “pelos serviços prestados à indústria cinematográfica”. E, em 1964, o Presidente Johnson concedeu-lhe a U.S. Service Medal em reconhecimento de seu trabalho humanitário.

ELLERY QUEEN NO CINEMA, NO RÁDIO E NA TV

Ellery Queen é o pseudônimo de dois autores americanos Manford Lepofsky (1905-1971), que passou a se chamar Manfred Blennington Lee e Daniel Nathan (1905-1982), que passou a se chamar Frederic Dannay, ambos nascidos no Brooklyn, Nova York. Manford e Daniel eram primos que trabalhavam em publicidade e se associaram em 1928 para participar de um concurso de romances policiais organizado pela revista McClure’s. Eles concorreram com o livro The Roman Hat Mystery, publicado no ano seguinte por um grande editor. Seu herói era um detetive particular, chamado Ellery Queen, ele próprio escritor de romances policiais, que foi também o pseudônimo conjunto que seus autores escolheram para assinar sua obra.

Os primos Manford e Daniel

Surgiram então vários crimes contados sob títulos insólitos e brilhantemente elucidados por Queen e seu pai, o inspetor Richard Queen, pois foi outra originalidade dos autores terem flanqueado Ellery de seu pai, que era policial. Outros ingredientes dos romances são um crime incomum, uma série complexa de pistas e aquilo que viria a se tornar a parte mais famosa de alguns romances: Ellery’s Challenge to the Reader (O Desafio de Ellery ao Leitor). Ou seja: em uma página próxima do fim do livro, o autor informava o leitor que ele já possuía todas as pistas na posse de Ellery e o desafiava a tentar solucionar o mistério, antes da leitura do restante da obra.

Em 1941, Manfred e Dannay criaram a Ellery Queen´s Mystery Magazine, revista que publicava o que havia de melhor em ficção policial da época, tendo apresentado um grande úmero de excelentes autores. No Brasil, a revista Mistério Magazine de Ellery Queen foi publicada primeiramente – de 1949 a 1975 – pela Editora Globo; houve uma interrupção de janeiro a outubro de 1976; a partir de novembro de 1976 a revista passou a ser publicada em São Paulo, pela Idéia Editorial, do grupo da Editora Três.

Conforme nos lecionou Paulo de Medeiros e Albuquerque (O Mundo Emocionante do Romance Policial (Livraria Franciso Alves Editora S.A,1970), filho do Inspetor Richard Queen, da Polícia Metropolitana de Nova Iorque, Ellery Queen derrota sempre por seu raciocínio os argumentos apresentados pelo próprio pai. Sem pertencer diretamente dos quadros da polícia, Ellery aproveita dele todo o serviço de rotina, terminando por encontrar, com essa ajuda, o criminoso que, na maioria das vezes, não é o elemento suspeito pelas autoridades policiais. Em 3 de abril de 1971, Manfred B. Lee, um dos primos autores, falece terminando dessa forma a dupla famosa.

Ellery Queen eclipsou um outro herói dos autores, Drury Lane, antigo ator shakespeareano que ficou surdo e se tornou detetive amador. Foi uma tentativa dos dois primos de criar outro detetive sob o pseudônimo de Barnaby Ross, surgindo daí quatro romances: The Tragedy of X e The Tragedy of Y, ambos em 1932; em 1933, mais dois, completando a tetralogia: The Tragedy of Z e Drury Lane’s Last Case.

As aventuras de Ellery Queen foram levadas ao rádio, cinema e televisão.

 

Santos Ortega, Hugh Marlowe e Maria Shockley num dos programas no rádio

NO RÁDIO

Na série do Rádio, The Adventures of Ellery Queen, a ação era interrompida perto do final e um painel de supostos especialistas tentava descobrir quem era o assassino. Os especialistas vinham do mundo do entretenimento, adicionando uma camada de glamour ao thriller policial padrão. Entre as celebridades que participaram do painel estavam, por exemplo, Gypsy Rose Lee, John Wayne, Jane Russel, Orson Welles Milton Berle, Bela Lugosi. Nos primeiros quatro meses, somente a escritora Lillian Hellman acertou em cheio quem era o culpado. Houve cinco transmissões da série entre 1939 e1948 com vários atores fazendo sucessivamente o papel de Ellery Queen: Hugh Marlowe, Carleton Young. Sydney Smith e Lawrence Dobkin.

William Gargan e Margaret Lindsay em A HerdeiraDesaparecida

Charley Grapewin, Margaret Lindsay e Ralph Bellamy em Mistério da Capa Espanhola

NO CINEMA

Infelizmente as histórias com o personagem criado em 1928 pelos primos não foram bem reproduzidas na tela. Nenhum dos atores que interpretaram Ellery (Donald Cook em Mistério da Capa Espanhola / The Spanish Cape Mystery / 1935; Eddie Quillan em The Mandarin Mystery / 1936; Ralph Bellamy em A Linda Impostora / Ellery Queen, Master Detective / 1940, Jóias Falsas / Ellery Queen´s Penthouse Mystery / 1941, A Sombra da Morte / Ellery Queen and the Perfect Crime / 1941, Quadrilha Diabólica / Ellery Queen and the Murder Ring / 1941; William Gargan em Herdeira Desaparecida / A Close Call for Ellery Queen / 1942; Arriscando Com a Sorte / Desperate Chance for Ellery Queen / 1942; Contrabando de Guerra / Enemy Agents Meet Ellery Queen / 1942) se aproximaram nas suas caracterizações do personagem descrito nos livros.

Jim Hutton e David Wayne numa das  séries de TV

NA TELEVISÃO

Nas series de televisão – The Adventures of Ellery Queen (1950-1951) com Lew Bowman; The Adventures of Ellery Queen (1954 -1956) com Hugh Marlowe; The Further Adventures of Ellery Queen (1958-1959) 25 episódios com George Nader e 12 episódios com Lee Philips; Ellery Queen: Don´t Look Behind You (1971) com Peter Lawford; Ellery Queen (1975-1976) com Jim Hutton (e David Wayne como seu pai) – a definição do personagem também não correspondeu às expectativas dos leitores dos romances policiais. Neste último espetáculo, foi retomado o “desafio ao leitor”, quando Hutton, como Queen, volta-se para a câmera e pergunta aos telespectadores se, depois de examinar todas as pistas oferecidas, eles descobriram quem é o culpado.

MÚSICA DE FILME

Hoje vista como um importante complemento artístico do cinema, a idéia de ter uma música de fundo surgiu em primeiro lugar da necessidade prática de cobrir o ruído dos primeiros projetores. Na era do cinema silencioso pianistas eram contratados para fornecer um acompanhamento contínuo, mais ou menos sem relação com a história. Logo, pianistas mais imaginativos começaram a improvisar música que combinava com a ação e ajudava a construir a atmosfera de uma cena. Então se tornou um costume fornecer uma partitura de piano especialmente composta junto com o filme e mais tarde, quando orquestras começaram a substituir pianistas, partituras completas foram escritas e divulgadas. A primeira música composta especificamente para um filme é geralmente considerada aquela feita para O Assassinato do Duque de Guise / L´Assassinat du Duc de Guise / 1908, escrita pelo compositor clássico Camille Saint-Saëns. As primeiras partituras completas escritas para filmes de Hollywood foram as de Victor Schertzinger para Civilização / Civilization e as de Victor Herbert para The Fall of a Nation, ambas em 1916.

Victor Herbert

Com a chegada do som, as orquestras foram dispensadas, mas o hábito da música de fundo estava enraizado e se tornou parte integral da trilha sonora.  Surgiu assim uma nova geração de compositores especializados com uma compreensão de como uma música adequada podia dar apoio artístico à história. Alguns dos primeiros compositores como Erich Wolfgang Korngold e Max Steiner foram treinados na tradição clássica vienense. Alguns, como Alfred Newman, vieram dos teatros da Broadway ou do Tin Pan Alley.

Erich Wolfgang Korngoid

Max Steiner

Alfred Newman

Nos anos 30 a música de cinema foi reconhecida como um ramo importante da produção musical. Uma das primeiras partituras para cinema aclamada por critérios puramente musicais foi escrita para King Kong / King Kong / 1933 por Max Steiner, que mais tarde ganhou o Oscar da Academia pela partitura de O Delator / The Informer / 1935 e … E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939. O status da música de filme cresceu nas mãos de compositores-maestros como Victor Young, Franz Waxman, Miklos Rozsa e Bronislaw Kaper, e seus nomes nas listas dos créditos foram logo considerados uma atração importante.

Victor Young

Franz Waxman

Miklos Rozsa

A indústria cinematográfica britânica seguiu o exemplo com o score escrito por Arthur Bliss para a produção de Alexander Korda, Daqui a Cem Anos / Things to Come / 1936, música admirável que foi ainda tocada separadamente e gravada. Houve outro precedente para o envolvimento de compositores acadêmicos quando Sergei Prokofiev escreveu os scores completos para os filmes russos Poruchik Kizhe / 1934 e Alexander Nevsky / Alexandr Nevsky / 1938. O exemplo de Bliss e Prokofiev, encorajou outros compositores importantes a emprestar seus talentos para o cinema, muitas vezes com resultados memoráveis. William Walton começou com Major Barbara / Major Barbara / 1941 e Querer e Vencer / The Foreman Went to France / 1942, antes de escrever os scores para os filmes de Laurence Olivier Henrique V / Henry V / 1945 e Hamlet / Hamlet / 1948. Ralph Vaughan Williams escreveu música para Invasão de Bárbaros / 49th Parallel / 1941 e seu score para Epopéia Trágica / Scott of the Antartic / 1948 formou a base para a sua Sinfonia Antartica. William Alwyn e Malcolm Arnold entraram entusiasticamente no mundo da música de filme juntando-se a outros compositores como Richard Addinsell, Charles Williams, Hans May e Mischa Spoliansky.

William Walton

Nos Estados Unidos compositores eminentes como Aaran Copland (v. g. com The City / 1939; Carícia Fatal / Of Mice and Man / 1939, Nossa Cidade / Our Town / 1940, Estrela do Norte / The North Star / 1943, Tarde Demais / The Heiress / 1948) e Virgil Thomson (v. g. com The Plow that Broke the Plains / 1936, A História de Louisiana / Louisiana Story / 1948) estavam entre aqueles que contribuíram com scores importantes que ajudaram a elevar o nível da música de filme. Algumas vezes um grande tema orquestral podia ser extraído de um score para uma performance individual como no filme Luar Perigoso / Dangerous Moonlight / 1942 o concerto executado por Anton Walbrook (o pianista húngaro Louis Kentner na verdade é quem estava tocando).  No cinema americano, houve algo equivalente:  uma peça musical estilo-concerto que funciona dentro do contexto do filme como foi o caso do concerto que Miklos Rozsa forneceu para Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945. O uso de um tema breve, mas persistente, como um leit motif (motivo condutor) durante todo o desenrolar do filme recebeu destaque notável, por exemplo, em O Terceiro Homem / The Third Man / 1949 de Carol Reed sob a forma do tema “Harry Lime”, composto e tocado em uma cítara por Anton Karas, que marca a presença do personagem vivido por Orson Welles.

Aaron Copland

Elmer Bernstein

Henri Mancini

Nos meados dos anos cinquenta o “big band motif” estava em alta, iniciado por Elmer Bernstein em O Homem do Braço de Ouro / The Man With the Golden Arm / 1955, moda seguida por Henry Manicini com sua música para o teledrama Peter Gunn (1958-1961) e numerosos filmes. No início da década de setenta scores influenciados pelo jazz por compositores como Quincy Jones e Lalo Schiffrin tornaram-se um pano de fundo normal para filmes com temas modernos. Quando os filmes se tornaram mais internacionais, nomes como Michel Legrand, Ennio Morricone e Francis Lai emergiram da Europa. No final dos anos sessenta e início dos anos setenta houve uma grande onda de uso dos chamados temas “clássicos”, notadamente a impressionante abertura Also sprach Zarathusta da ópera de Richard Strauss para 2001: Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 e a música de Gustav Mahler para A Morte em Veneza / Death in Venice / 1971.

Michel Legrand

Ennio Morricone

Quando a moda mudou e a pop music prevaleceu na produção musical corrente, o rock e suas ramificações passaram a ser fortemente usados na trilha sonora como em A Primeira Noite de um Homem / The Graduate / 1967, Sem Destino / Easy Rider / 1969 ou Perdidos na Noite / Midnight Cowboy / 1969. O rock emergira primeiramente como um ingrediente incidental do filme Sementes de Violência / The Blackboard Jungle /1954, seguindo-se Ao Balanço das Horas / Rock Around the Clock / 1955, Música Alucinante / Don´t Knock the Rock / 1956 e o filmes com Elvis Presley como Ama-me com Ternura / Love Me Tender / 1956 e Prisioneiro do Rock and Roll / Jailhouse Rock / 1957.

Foi nos anos cinquenta que as canções tema começaram a ficar quase tão importantes quanto os filmes. A idéia veio dos tempos do cinema mudo. As primeiras grandes canções foram “Charmaine” de Erno Rapee e Lew Pollack e “Diane” usadas em Sangue por Glória / What Price Glory / 1926 e Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1927. A canção título de Ramona / Ramona / 1928 tornou-se um grande êxito em turnês promocionais através dos EUA cantada por sua atriz Dolores del Rio. O primeiro grande êxito em um filme falado foi “Pagan Love Song”, cantada por Ramon Novarro em O Pagão / The Pagan / 1929 e escrita por Nacio Herb Brown e Arthur Freed.  Dois exemplos notáveis de velhas canções que ganharam um novo sopro de vida em filmes de sucesso foram “As Time Goes By”, composta por Herman Hupfield em 1931 quando foi ouvida em Casablanca / Casablanca / 1942 e “Moonglow”, composta por Will Hudson e Irving Mills em 1934 quando revivida em Férias de Amor / Picnic / 1963. Nos anos cinquenta a canção tema do filme era mais do que obrigatória, geralmente ouvida primeiramente durante a apresentação dos créditos por um cantor popular que não aparecia no filme como foi o caso de Frank Sinatra em A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain / 1954.

Dimitri Tiomkin

Maurice Jarre

John Williams

Não podemos esquecer Dimitri Tiomkin ganhador de 3 Oscar pelas partituras de Matar ou Morrer / High Noon/ 1952, Um Fio de Esperança / The High and the Mighty  / 1954  e O Velho e o Mar / The Old Man and the Sea / 1958 e de melhor canção original por The Ballad of High Noon; Maurice Jarre, vencedor do Oscar de Melhor Música pelas partituras de Lawrence da Arábia  / Lawrence of Arabia / 1962  e Doutor Jivago / Doctor Zhivago / 1965;  de John Williams, mais conhecido pela sua colaboração com Steven Spielberg e George Lucas. Ele foi indicado 52 vezes para o Oscar de Melhor Música e saiu vencedor 5 vezes, só perdendo para Alfred Newman, indicado 45 vezes, mas  saindo vencedor 9 vezes.

JOHN FARROW

JOHN FARROW

O australiano John Villiers Farrow (1904-1963) chegou em Hollywood no final dos anos vinte e lá ficou, iniciando carreira como roteirista, primeiramente escrevendo os subtítulos de A Tragédia da Alcova / White Gold / 1927 e A Noiva do Mar / The Wreck of the Hesperus / 1927. Depois escreveu outro subtítulo e roteiros, adaptações ou diálogos até 1935, quando atuou como assistente de direção da versão em língua inglesa de Don Quichotte de G. W. Pabst. Em seguida co-dirigiu, sem ser creditado, A Fuga de Tarzan / Tarzan Escapes / 1936, casando-se com Maureen O’Sullivan, a atriz que fazia o papel de Jane., com quem teve sete filhos, entre eles, Mia Farrow. Seu único filme com algum interesse na década de trinta, entre os quinze que fez neste período, foi Cinco Devem Voltar / Five Came Back / 1939, produzido pela RKO, contando a história de um grupo de pessoas preso num ambiente isolado, no caso as selvas da América do Sul habitadas por canibais, e como eles lidam com esta situação.

John Farrow e Maureen O`Sullivan

Nos anos quarenta, entre filmes insignificantes, destacaram-se os filmes de guerra Nossos Mortos Serão Vingados / Wake Island / 1942 (indicado ao Oscar … provavelmente por motivo patriótico e única indicação de Farrow como Melhor Diretor), Os Comandos Atacam de Madrugada / Commandos Strike at Dawn / 1942 e A Quadrilha de Hitler / Hitler’s Gang / 1944; dois filmes noirs, O Relógio Verde / The Big Clock / 1948 e A Noite Tem Mil Olhos / Night Has a Thousand Eyes / 1948; e uma mistura de fantasia com drama político, O Enviado de Satanás / Alias Nick Beal / 1949.

Nos anos cinquenta, sobressaíram entre outras realizações de pouca envergadura artística, o filme noir Trágico Destino / Where Danger Lives / 1950; Seu Tipo de Mulher / His Kind of Woman / 1951, drama criminal que, a certa altura, torna-se uma aventura farsesca deleitosa animada pela interpretação exuberante de Vincent Price como o ator shakespeareano canastrão e fanfarrão; e o western Caminhos Ásperos / Hondo / 1953, entremeando boas cenas de ação, como a perseguição e o aprisionamento de Hondo (John Wayne), a luta de faca entre Hondo e o apache Silva (Rodolfo Acosta), e o ataque ao comboio, instalando-se momentos de relacionamento, marcados por um percuciente estudo psicológico do personagem central. A meu ver, os melhores filmes de John Farrow foram os três filmes noirs.

Charles Laughton e Ray Milland em O Relógio Verde

O RELÓGIO VERDE

George Stroud (Ray Milland) é o editor da revista Crimeways, uma das várias publicações de Earl Janoth (Charles Laughton). Stroud é abordado por Pauline Delos (Rita Johson), sem saber que ela é a amante de Janoth. Janoth chega no prédio de Pauline justamente no momento em que Stroud está saído, mas não reconhece seu empregado. Enciumado, interroga Pauline e esta admite que recebeu a visita de um amigo imaginário “Jefferson Randolph”. Em um acesso de raiva, Janoth mata Pauline. Tomado de pânico, relata o ocorrido a seu assistente, Steve Hagen (George Macready). Os dois planejam incriminar o homem que esteve no apartamento de de Pauline. Necessitando da experiência de Stroud, com quem se desentendera, Janoth pede-lhe desculpas e o convoca para ajudá-lo a encontrar “Randolph”.

O filme se abre com um elemento noir clássico: a câmera faz uma panorâmica sobre a cidade noturna, chega em um edifício passando pelo letreiro que identifica as “Publicações Janoth” e entra em um corredor escuro, onde uma figura misteriosa, ocultando-se nas sombras, começa a contar em voz over como acabou naquela situação, caçado pela polícia e pelos seus próprios companheiros de trabalho. A maior parte da história é narrada em retrospecto, composições assimétricas, iluminação contrastada e angulações dramáticas, outros itens do estilo noir. O tom é sombrio e melancólico, porém há alguns momentos de humor (a cargo da artista plástica excêntrica interpretada por Elsa Lanchester), que servem de contraste para o magnata de comportamento mecânico, uma versão decidamente mais dark de loucura. O magnata é um pomposo psicótico que cultua a si mesmo (“Todos me conhecem”), controla obsessivamente o seu tempo e trata os empregados como se fossem escravos. O relógio gigantesco é o símbolo de sua egolatria e do seu poder corporativo. A história se desenrola em um clima de crescente expectativa e o cinegrafista John Alton faz uma série de planos sequência com complicados movimentos de câmera.

John Lund, Gail Russell e Edward G. Robinson

 

A NOITE TEM MIL OLHOS

Em uma noite estrelada, Elliott Carson (John Lund) impede que sua namorada, Jean Courtland (Gail Russell) cometa suicídio, atirando-se de uma passarela sobre a linha ferroviária. Eles entram em um bar e se encontram com John Triton (Edward G Robinson), que lhe conta a sua história. Triton fazia um espetáculo de clarividência, assistido por sua noiva Jenny (Virginia Bruce) e seu melhor amigo Whitney Courtland (Jerome Cowan), que viriam a ser os pais de Jean. Triton passou a ter premonições, inclusive a da morte de Jenny e, angustiado, passou vinte anos sem se comunicar com ninguém. Jean tentou o suicídio porque Triton reapareceu e, depois de prever a morte de seu pai, teve uma visão de que ela iria morrer de noite sob aluz das estrelas.

Este thriller que poderíamos classificar de parapsicológico, conta a tragédia de um homem, amaldiçoado pelo seu dom de prever acontecimentos fatídicos (“Comecei a ter a sensação maluca de que estava fazendo as coisas acontecer como um feiticeiro de vodu que mata as pessoas espetando bonecas com um alfinete”), sem ter poderes para impedi-los. Os temas da fatalidade implacável e do sentimento de culpa que atormenta o protagonista, o uso de retrospectos e da voz over, o score lúgubre e a fotografia contrastada “enegrecem” o filme. Particularmente notável é toda a sequência inicial, quando Elliott surge no meio da fumaça de um trem. Ele acha uma luva de Jeane depois sua bolsa aberta com os objetos caídos no chão. Avista Jean no alto de uma passarela e outro trem que se aproxima. Sobe correndo uma escada em espiral e chega a tempo de agarrá-la, no momento em que ia se atirar sobre a linha férrea.

Robert Mitchum, Claude Rains e Faith Domergue em Trágico Destino

 

TRÁGICO DESTINO

Após tentar o suicídio, Margo Lannington (Faith Domergue) é atendida pelo médico Jeff Cameron (Robert Mitchum). Embora comprometido com Julie (Maureen O´Sullivan), Jeff sai com sua paciente. Ela diz que seu pai, o milionário Frederick Lannington (Claude Rains), pretende levá-la para Nassau. Apaixonado, Jeff decide ir à sua casa para dizer ao pai da moça que a ama e fica sabendo da verdade. Frederick não é pai, mas sim marido da Margo. Jeff sai furioso e Frederick bate em Margo. Ao ouvir os gritos de Margo, Jeff volta correndo. Frederick golpeia-o na cabeça com um atiçador, porém Jeff ainda consegue atingi-lo com um soco, deixando-o desfalecido. Enquanto Jeff vai ao banheiro molhar um pouco a testa, a jovem mata Frederick, sufocando-o com um travesseiro. Jeff desmaia de dor. Quando volta a si, pensa que foi ele quem matou Frederick. Margo é uma mulher fatal esquizofrênica. O médico fica atraído por ela instantaneamente quando a vê, com seus lindos cabelos negros, deitada na cama do hospital. “Você me salvou”, diz Margo. E ele responde: “Você me agradece amanhã de manhã!”. “Eu o agradeço agora”, e a câmera corta para o rosto de Julie, que já percebe o que está acontecendo. Jeff é um dos protagonistas mais masoquistas do filme noir. Ao confrontar-se com ele, Frederick explica as bases de seu casamento: “Margo casou-se comigo por dinheiro. Eu me casei com ela por sua juventude. Ambos obtivemos o que desejávamos”. Esta revelação dá a Jeff a chance de recuperar o seu bom senso e voltar para Julie. Mas ele fica, e é arrastado para a degradação. No auge de sua forma, Farrow cria (com o grande fotógrafo Nicholas Musuraca) um estilo visual dark apropriado para o clima de sofrimento, neurose e corrupção que predomina durante toda a narrativa.

 

 

ANÁLISE DE PACTO SINISTRO DE ALFRED HITCHCOCK

Guy Haines (Farley Granger), tenista famoso, encontra um estranho, Bruno Anthony (Robert Walker), num trem, e trocam confidências. Guy quer se livrar de sua esposa infiel Miriam (Laura Elliot), para poder se casar com Anne Morton (Ruth Roman), filha de um senador, mas não está conseguindo obter o divórcio. Bruno lhe propõe um pacto: ele mata a mulher de Guy e, em troca, Guy mataria seu pai. Como os dois são estranhos, seria um crime perfeito. Guy não leva a sério a proposta de Bruno, mas este executa a sua parte do plano, estrangulando Miriam em um parque de diversões. Depois, assedia Guy para que ele cumpra a sua.

O nome de Raymond Chandler, um dos mais famosos escritores de romances policiai, como um dos autores do roteiro (baseado num romance de Patricia Highsmith), bastaria para classificar este filme como um drama criminal de suspense. Só que o suspense aqui é mais moral do que dramático, um suspense que nasce da conjunção dos dois temas principais.

O primeiro tema é o da transferência de identidade. Para o Bruno, mais importante do que trocar os assassinatos é tomar o lugar de Guy, identificar-se com ele. O Bruno é um rapaz atormentado e complexado (sua atitude edipiana é mostrada no relacionamento com o pai e a mãe). Ele fica seduzido pela personalidade de Guy, ele admira o Guy – e quer também dominar o Guy.

Farley Granger e Robert Walker em Pacto Sinistro

O segundo tema é o da transferência de culpa. O Guy tem interesse em se desembaraçar de Miriam, que é o único obstáculo para o seu casamento com a filha do senador. No fundo, ele deseja se livrar dela e do mundo de desordem e vulgaridade que ela representa, para penetrar no mundo ordenado e respeitável dos políticos de Washington. Ele tem inconscientemente o desejo de matá-la. Quando o Bruno mata a Miriam, o Guy descobre sua culpabilidade moral. É como se ele próprio a tivesse matado. Então o Bruno realiza o que o Guy deseja. Ele é o sósia ou o duplo de Guy, ou talvez fosse melhor dizer, a sombra do Guy. Ele mostra o lado escuro, dark, dos desejos do Guy.

O Bruno habita um mundo de trevas. O Guy, um mundo de luz. Vejam, por exemplo, aquele encontro em frente à casa do Guy. O Bruno escondido na sombra, seu rosto coberto pelas barras da grade. A Mansão onde ele mora é triste e escura, cheia de sombras, e até o barco que ele escolhe para entrar no túnel escuro do parque de diversões tem o nome de Plutão, o Deus dos Infernos na mitologia grega. Já o Guy vive no mundo da luz, representado pelas quadras de tênis claras, pelas suas roupas leves, pelos jantares nos salões iluminados de Washington. Há uma cena visualmente interessante, quando vemos, num plano geral, o Bruno aparecendo de longe como uma mancha maligna em contraste como o branco do memorial de Thomas Jefferson. O contraste simbólico entre a luz e a escuridão é forjado por uma magnífica fotografia expressionista que ajuda a criar o clima noir de inquietude e perversão, porque, de fato, o que temos aqui é uma variante do drama criminal: um filme noir.

O assassinato visto pelas lentes do óculos da vítima

Quanto à parte técnica há duas sequências notáveis: a da morte de Miriam vista através das lentes e dos óculos e a sequência final no carrossel, depois de uma montagem paralela entre o jogo de tênis e Bruno tentando apanhar o isqueiro no bueiro. O cuidado com que Hitchcock preparou a cena da morte de Miriam, justifica aquela observação de François Truffaut. Ele disse que o Hitchcock filmava as cenas de assassinato como se fosse cenas de amor e as cenas de amor como se fossem cenas de assassinato. Nesta cena, Hitchcock mandou fazer uma lente enorme e distorcida e depois fotografou os dois atores refletidos nela num ângulo de 90 graus. Na cena do carrossel, quando ele quebra, o Hitchcock usou uma miniatura, que foi explodida com uma pequena carga de dinamite. Depois, ele projetou a imagem ampliada disto numa tela e colocou pessoas em volta e na frente.

O quase estrangulamento

Eu gosto ainda de duas outras sequências: a da visita do Guy à mansão do Bruno e a da festa, quando Bruno quase estrangula a velha, ao olhar para Barbara, a irmã da noiva do Guy (interpretada por Patricia Hitchcock, filha de Hitchcock), lembrando-se de Miriam. Na visita do Guy à casa do Bruno, o Hitchcock cria primeiro o suspense com o cão ameaçador e depois uma surpresa, como o Bruno parecendo no lugar do pai. Vocês devem ter notado nesta cena a influência da iluminação germânica.

Farley e Walker na luta final no carrossel

Pode-se notar ainda o som usado no parque de diversões, onde os ruídos estão todos reunidos. Nós temos realmente a impressão de ar livre. E também a maneira visual com que o Hitchcock define o caráter dos dois personagens principais, pelos seus sapatos e suas roupas. Por exemplo: os sapatos de duas cores do Bruno e sua gravata espalhafatosa (aliás, foi o próprio Hitchcock que desenhou aquelas garras de lagosta na gravata, que sugerem um estrangulador). Já o Guy é bem esportivo. Outra cena marcante é o clímax no carrossel descontrolado onde Guy e Bruno lutam entre os cavalos de pau montados por crianças apavoradas enquanto o velho empregado se arrasta por debaixo do maquinismo para desligá-lo.

O personagem que domina todo o filme é, sem dúvida, o psicopata, maravilhosamente interpretado por Robert Walker, que foi escolhido para o papel against the type, como se diz na gíria dos estúdios, porque ele sempre foi o modelo do simpático garotão americano. Walker tem um desempenho brilhantes. Ele é um vilão elegante e sedutor. A gente não esquece facilmente a expressão do seu olhar, um olhar de louco. Nós acreditamos na sua loucura. Ele é o alter ego (o outro eu) assustador do Guy. É um dos vilões mais carismáticos e diabólicos da obra do diretor.  O Bruno herdou a loucura da mãe. Há uma cena deliciosa, na qual o Hitchcock aproveita para gozar a arte moderna, quando ela mostra ao filho o quadro cubista horrendo, e diz que é o pai dele. É o humor que Hitchcock sempre insere nos seus filmes.

HOMENAGEM A JACQUES BECKER

Jacques Becker (1906-1960) nasceu em Paris. Em Marlotte, onde sua família passava as férias e frequentava a casa dos Cézanne, o jovem Jacques – tinha então 14 anos de idade – descobriu o cinema na pessoa de Jean Renoir. O filho do grande pintor conhecia os Cézanne e foi assim que Becker entrou em contato com ele. Quando as férias acabaram, o rapaz continuou seus estudos na École Bréguet e depois arrumou alguns empregos, inclusive na Compagnie Générale Transatlantique. Entre Havre e Nova York, Becker conheceu King Vidor, que lhe ofereceu emprego nos EUA como ator e assistente de direção. Becker estava prestes a permanecer na América, porém não conseguiu obter o visto de residência. Foi Jean Renoir que o levou para o cinema, como seu assistente, amigo e discípulo.

Jacques Becker

Em 1935, Becker se aventurou brevemente na produção independente dirigindo dois filmes curtos, Tête de Turc e Le Commissaire est bon enfant, le gendarme sans pitié, neste último dividindo a direção com Pierre Prevert. Em 1939 começou a dirigir L’Or du Cristobal / 1940, mas após três semanas de filmagem, deixou a produção a cargo de Jean Stelli.

Em 1942, após passar um ano em um campo de prisioneiros de guerra alemão, ele voltou para a França e fez seu primeiro longa-metragem, Dernier Atout, filme policial cuja ação se passa num país indeterminado da América do Sul. A partir do ano seguinte, começaram a chegar às telas suas realizações mais importantes.

Apaixonado pelos seres humanos – como seu mestre Jean Renoir -, ele os observava nos ambientes mais diversos e procurava traduzir o seu comportamento e o que eles traziam no fundo de si mesmos, captando sempre a realidade viva. Isso ocorreu nos seus melhores filmes, passados sucessivamente no meio rural (Mãos Vermelhas / Goupi Mains Rouges / 1943; da alta costura (Nas Rendas da Sedução (na TV) / Falbalas / 1945); no ambiente operário (Antonio e Antonieta / Antoine et Antoinette / 1947); da pequena burguesia (Eterna Ilusão / Rendez-vous de Juillet / 1949) e da alta burguesia (Vivamos Hoje! / Édouard et Caroline / 1951); dos apaches da Belle Époque (Amores de Apache / Casque D’or / 1952); dos gângsteres (Grisbi, Ouro Maldito / Touchez pas Au Grisbi / 1954); dos artistas da Montmartre do início do século XX (Os Amantes de Montparnasse / Montparnasse 19 / 1958); da prisão (A Um Passo da Liberdade / Le Trou / 1959). Seus outros trabalhos – Brincando de Ciúmes (na TV) / Rue de L’Estrapade / 1953; Ali Baba e os 40 Ladrões / Ali Baba et les Quarante Voleurs / 1954; As Aventuras de Arsène Lupin / Les Aventures d’ Arsène Lupin / 1957 – foram produtos meramente comerciais, mas, tal como todos os filmes do diretor, impressionaram pela clareza e autenticidade.

No meu livro Uma Tradição de Qualidade O Cinema Clássico Francês (1930-1959) (ed. PUC Rio-Contraponto, 2010) selecionei 150 filmes representativos do cinema clássico francês, entre eles estes oito filmes mais importantes de Jacques Becker, cujas sinopses e comentários reproduzo aqui, mencionando apenas os nomes dos artistas principais.

Robert Le Vigan em Mãos Vwrmelhas

Mãos Vermelhas. Em uma aldeia do Charente, vive a família Goupi: Tisane, Mes Sous, Dicton, La Loi, L´Empereur. Dois Goupi ficam à margem: Tomkin (Robert Le Vigan), um neurótico obcecado com a Indochina e Mains Rouges (Fernand Ledoux), um caçador que mora em uma cabana na floresta. Os outros membros do clã são a jovem Goupi Muguet e Eugène, filho de Mes Sous, chamado de Goupi Monsieur; porque todos pensam que ele tem uma boa situação em Paris. Quando Eugène chega à aldeia, Tisane é encontrada morta e uma valiosa quantia desaparece.

Crônica social impregnada de poesia fantástica, focalizando um clã agrícola que resolve sozinho seus próprios problemas. Becker conseguiu dar vida a quase uma dezena de personagens complexos e todos desempenhando um papel importante na trama. Desde o início, a família Goupi é apresentada de maneira a fazer com que os espectadores compreendam bem as manias, as paixões e a estranha humanidade daqueles camponeses solidamente arraigados às suas tradições, ao gosto pelo dinheiro e pela propriedade. É também um filme de atores cuidadosamente escolhidos, entre os quais avulta Robert Le Vigan, um Tomkin completamente alucinado.

Raymond Rouleau e Micheline Presle em Nas Rendas da Sedução

Nas Rendas da Sedução. Philippe Clarence (Raymond Rouleau), grande costureiro parisiense, apaixona-se por Micheline Lafaurie (Micheline Presle), noiva de Daniel Rousseau, seu amigo e fornecedor de tecidos. Philippe decide fazer o vestido de noiva e seduz Micheline, conquistada ao mesmo tempo pelo homem e pelo criador. Mas rapidamente a jovem se revolta diante de seu egoísmo e frivolidade e se afasta dele. Phillipe não consegue esquecê-la. No dia da apresentação de sua coleção, ele se tranca no escritório e, em um acesso de loucura, se precipita pela janela, abraçado ao manequim com o vestido da noiva.

Drama passado no meio da moda, tendo como personagem central um famoso costureiro que esvoaça de mulher em mulher, para nutrir sua inspiração. Quando uma delas lhe escapa, ele enlouquece abruptamente e acaba se matando de forma inesperada.  Escolha de começar o filme pelo fim, anunciando-nos a morte de Philippe, mostra que Jacques Becker já se interessava mais pelos personagens e pela descrição dos ambientes do que pelos enredos. Neste filme, ele nos apresenta, por meio de um longo retrospecto, a caminhada autodestrutiva de um artista nervoso e retrata, com veracidade, a vida em um ateliê de costura parisiense no tempo da Ocupação. Raymond Rouleau apresenta uma atuação magistral, principalmente quando a loucura toma conta de Philipe e o devasta, destruindo-o.

Claire Maffei e Roger Pigaut em Antonio e Antonieta

Antonio e Antonieta. Antoine Moulin (Roger Pigaut) empregado de uma tipografia, e sua jovem esposa Antoinette (Claire Maffei), vendedora em uma loja de departamentos, se amam. Um dia a sorte lhes sorri. Antoine acha na bolsa da mulher um bilhete premiado. Mas quando ele se apresenta na casa lotérica, não encontra o devido comprovante do prêmio. A felicidade do casal transforma-se em desespero. Todo o bairro compartilha do seu sofrimento, até que chega a boa notícia: a caixa da estação do metrô encontrou o bilhete perdido.

Abordando um assunto simples, extraído da vida cotidiana, Jacques Becker fez um filme encantador. Ele reconstruiu com precisão o pequeno universo banal e simpático onde se desenrola a história, através de uma infinidade de detalhes exatos sobre o lugar onde o casal vive, suas relações com os vizinhos e as pessoas do bairro, o modo como se vestem, a linguagem que usam etc., lembrando o método neorealista. Essa fiel observação da realidade transcorre em um ritmo que, sustentado por uma montagem eficiente, não retarda nem por um instante, e a presença de atores pouco conhecidos dá veracidade às personagens.

Nicole Courcel e Daniel Gélin em Eterna Ilusão

Eterna Ilusão. Lucien Bonnard (Daniel Gélin) se reúne com um grupo de amigos frequentadores das boates de Saint-Germain-des-Prés, decidido a montar uma expedição etnográfica. Ele gosta de Christine Courcel (Nicole Courcel), aluna de um curso de arte dramática que está disposta a tudo para triunfar nos palcos. Um  grande diretor, Guillaume Rousseau, vai montar a peça de seu irmão François. Sua amiga, Thérèse (Brigitte Auber), que também quer ser atriz, ama Roger Moulin (Maurice Ronet), ex-aluno do Idhec, que toca trompeta na orquestra de Claude Luter. Pierre Rabut é outro que sonha em ser ator. Todos se mobilizam em torno do projeto de Lucien.

Testemunho sobre o imediato pós-guerra parisiense, focalizando um grupo de jovens da pequena burguesia, que confrontam suas ilusões, suas ansiedades, suas iniciativas, na busca de um futuro profissional e sentimental. Becker traça o retrato dessa juventude com sede de viver e o desejo de se afirmar, com uma atenção minuciosa para o real. Está tudo ali: a moda existencialista, as ruas do Quartier Latin, as boates animadas pela música de jazz, o jipe dos rapazes, os vestidos leves das moças … No final, Lucien , que surpreendeu Christine no leito de Rousseau, embarca no avião sem um olhar para o passado, que surgiu entretanto no fim da pista de decolagem: logo Christine não será mais que um minúsculo ponto melancólico e desiludido, perdido no aeroporto.é

Daniel Gélin e Anne Vernoé em Vivamos Hoje!

Vivamos Hoje! À tardinha no apartamento de Edouard (Daniel Gélin) e Caroline (Anne Vernon). Eles estão se preparando para ir para a casa do tio de Carolina, um socialaite riquíssimo que convidou muitos amigos para fazê-los conhecer o talento de pianista de Edouard. Ambos estão muito tensos e não demora muito para uma discussão começar. Será uma longa noite de disputas e reconciliações.

Comédia sofisticada com um argumento muito bem escrito por Annette Wademant e interpretada com sutileza, na qual aflora igualmente uma sátira à sociedade, no caso uma casta de aristocratas ridículos e hiperbólicos. Dispondo de poucos recursos, Becker soube compor sua encenação, ela também muito simples (a ação se passa somente em dois lugares e o filme se desenrola quase em tempo real), recriando toda paixão e candura de seus personagens.

Simone Signoret em Amores de Apache

Amores de Apache. Na Paris de 1898, Marie, apelidada de Casque d´Or (Simone Signoret), atrai o olhar de Georges Manda (Serge Reggiani), um marceneiro. Em uma taberna, o par dança uma valsa e um grande amor começa. Mas Marie tem um “protetor”, Roland, que faz parte dobando de Félix Leca (Claude Daupin). Este, que deseja Marie, provoca um duelo entre os dois homens. Roland é morto por G. Manda. Ao saber que seu amigo de infância, Raymond, foi denunciado por Leca pela morte de Roland, G.Manda se entrega à polícia. Depois foge e elimina o miserável Leca. Alguns meses mais tarde, sobe ao cadafalso.

Os dois amantes vivem em um mundo cruel, do qual Becker quis fazer uma descrição sóbria, desprovida da futilidade e do pitoresco dos romances populares. Sua história trágica, contada sem sentimentalismos, se insere uma reconstituição precisa e atraente dos subúrbios de Paris da Belle Époque e propicia uma análise irrepreensível dos tipos que intervêm na intriga. Becker ama seus personagens. Ele observa como eles vivem e sofrem, com respeito, com ternura, e nos faz compartilhar desses sentimentos. Amores de Apache é, antes de tudo, um filme humano, e os intérpretes exprimem muito bem essa humanidade.

À direita Jean Gabin e.René Dary em Grisbi, Ouro Maldito

Grisbi, Ouro Maldito. Max (Jean Gabin) e Ritton (René Dary), dois gângsteres amigos de longa data, roubam cinquenta milhões em barras de ouro. Ritton comete a imprudência de revelar o roubo para sua amante, Josy (Jeanne Moreau), que se apressa em informar Angelo (Lino Ventura), seu mais recente protetor, um traficante de drogas. Angelo rapta Riton.  Max aceita trocar o ouro pelo seu amigo em uma estrada nacional do subúrbio parisiense. Mas Angelo planeja matar Max e seus amigos após a troca.  Um acerto de contas se segue, no qual Riton fica gravemente ferido e Max é obrigado a abandonar o ouro no carro de Angelo em chamas.

Como acontece em todos os filmes de Jacques Becker, os personagens lhe interessam mais do que a intriga. Aqui temos dois gângsteres unidos pela amizade do “ofício”, dos riscos que correram juntos no passado. Essa amizade, para Max, vale mais do que o dinheiro.  Ela vale o que ele nunca pôde encontrar antes: o repouso. Este é o tema oculto do filme: mais do que um drama da amizade, é um drama da lassitude. O cansaço de um quinquagenário, que já realizou tudo o que queria e agora só quer tranquilidade, o isolamento consigo mesmo. Mas, para salvar o amigo, ele volta a se engajar em “histórias sujas”. Este tema se soma ao tema da amizade e eles dão à obra uma ressonância profundamente amarga, desesperada.

Anouk Aimé e Gérard Philipe em Os Amantes de Montparnassse

Os Amantes de Montparnasse. Amedeo Modigliani (Gérard Philipe) tem um relacionamento coma escritora inglesa Beatrice Hastings (Lili Palmer) e depois conhece Jeanne Hebuterne (Anouk Aimée), uma estudante que abandona sua família burguesa para ir morar com ele. Léopold Sborowsky, amigo de Modi, tenta em vão vender os quadros do pintor. Após um período de felicidade ao lado de Jeanne, Modi, alcoólatra, tuberculoso e miserável, morre em um hospital. O mercador de quadros Morel (Lino Ventura) procura Jeanne imediatamente e compra todas as telas do pintor.

A cinebiografia de Modigliani ia ser filmada por Max Ophuls, porém a morte de Ophuls pôs fim ao projeto. Escolhido para substituí-lo, Jacques Becker não poderia trabalhar com um roteiro que não era dele, pois seu estilo cinematográfico não tinha nenhuma afinidade com o de Ophuls. Becker despojou sua encenação ao extremo, preocupando-se mais com o ângulo humano e suprimindo todo o pitoresco tradicional do gênero – o cineasta recusou-se inclusive a usar a cor, o que parece a priori um contrassenso em um filme sobre pintura, o que levou André Bazin a dizer que esse é o filme mais bressoniano do diretor.

Cena de A Um Passo da Liberdade

A Um Passo da Liberdade.

Claude Gaspard (Marc Michel) é encarcerado na prisão de la Santé por causa de um falso testemunho de sua mulher. Ele é colocado em uma cela já ocupada por quatro detentos – Jo (Michel Constantin), Roland (Jean Kéraudy), Manu (Philippe Leroy) e Monseigneur (Raymond Meunier) -, que preparam uma fuga.  Os quatro a princípio não vêem com bons olhos a chegada de um novo companheiro, mas as circunstâncias os obrigam a fazer de Claude um cúmplice. Com uma energia incrível, eles cavam um túnel, que deverá conduzí-los à liberdade. Na véspera do dia escolhido para pôr o projeto em execução, Claude trai seus amigos e revela o plano de evasão.

O filme mostra etapa por por etapa os preparativos minuciosos da fuga. Becker nos comunica seu amor pelo trabalho e pela engenhosidade humana: nas mãos de Roland um pedaço de ferro torna-se uma chave, duas pequenas garrafas tornam-se uma ampulheta. Essa espécie de detalhe solicita mais sua atenção do que a intriga. O diretor reproduz com justeza a atmosfera do universo carcerário, faz-nos compreender nuanças do relacionamento entre os detentos, faz-nos viver literalmente as suas inquietudes e as suas esperanças. A câmera gruda nos fatos, nos gestos e nas personagens, recriando a vida com naturalidade. Os atores não interpretam; eles são eles mesmos.

 

O FILME DE GÂNGSTER NA SUA ÉPOCA ÁUREA

O filme de gângster é, tal como o filme de prisão e o filme noir, um subgênero do drama criminal, ambientado no meio das gangues e do crime organizado.  Existem muitos antecedentes do filme de gângster nos primeiros dramas criminais do cinema tais como A Daring Daylight Burglary / 1903, filme de Frank Mottershaw, produzido pela Sheffield Photo Company, do Reino Unido); The Moonshiners / 1904, filme de Wallace McCucheon, produzido pela American Mutoscope & Biograph, EUA; e Desperate Encounter Between Burglars And Police / 1905, filme de Edwin S. Porter produzido pela Edison Manufacturing Company, EUA).

The Musketeers of Pig Alley / 1912 de David Wark Griffit e Regeneração / The Regeneration / 1915 de Raoul Walsh, estão entre os filmes de gângster primitivos mais conhecidos da década de dez. Nos anos vinte, houve um ciclo de filmes de gângster que incluiu Paixão e Sangue / Underworld / 1927 de Josef von Sternberg; A Lei dos Fortes / The Racket / 1928 de Lewis Milestone ; Os Predestinados / The Way of the Strong / 1928 de Frank Capra;  Amar para Morrer / Dressed to Kill / 1928 de Irving Cummings;  O Peso da Lei / Alibi / 1929 de Roland West; Regeneração / Weary River / 1929 de Frank Lloyd; O Gângster / The Racketeeer / 1929 de Howard Higgin.

George Bancroft em Paixão e Sangue

Thomas Meighan  em A Lei dos Fortes

Paixão e Sangue  proporcionou ao ex-reporter Ben Hetch o Oscar de melhor História Original e anunciou a chegada de um ciclo de filmes de gângster produzidos por Hollywood entre1930 e 1932, do qual fizeram parte Alma no Lodo / Little Caesar / 1930 de Mervyn LeRoy, Inimigo Público / The Public Enemy / 1931 de William Welman e Scarface, A Vergonha de uma Nação / Scarface / 1932 de Howard Hawks, Estes filmes eram populares entre o público e rapidamente estabeleceram uma iconografia distintiva da paisagem urbana (Chicago, Nova York), ruas escuras, pensões sombrias, apartamentos de cobertura, mansões, bares, clubes, delegacias, automóveis rápidos, a garota glamorosa (namorada do gângster), e metralhadoras. Nos anos 30, a Depressão e a contínua expansão do gangsterismo, aliados ao advento do som, deram um novo impulso ao subgênero. A introdução do som sincronizado garantiu que a violência explosiva, simbolizada pelo ritmo staccato das metralhadoras ou o estrondo das bombas espatifando as vitrines das lojas se tornassem suas características centrais.

Alma no Lodo com Edward G. Robinson

Inimigo Público com James Cagney

Scarface com Paul Muni

O comportamento físico, robusto, masculinizado do gângster foi marcado pelos estilos de interpretação de astros como Edward G. Robinson, James Cagney e Paul Muni. Os protagonistas dos filmes do ciclo clássico como Alma no Lodo, Inimigo Público e Scarface – Cesare “Rico” Bandello (Edward G. Robinson em Alma no Lodo), Tom Powers (James Cagney em Inimigo Público) e Tony Camonte (Paul Muni em Scarface) – foram inspirados em homens notórios da época, Rico e Tony por Al Capone e Tom Powers por Earl “Hymie” Weiss, rival de Capone.

James Cagney em Contra o Império do Crime

James Cagney e Pat O´Brien em Anjos de Cara Suja

O ciclo clássico de gângster floresceu por pouco tempo. Com a implementação do Código de Produção (conjunto de diretrizes estipulando o que era permissível no campo da representação da Hollywood clássica, particularmente no que se referia a assuntos sexuais e criminais), a violência dos filmes de gângster foi substancialmente reduzida após1934, v.g.  a transformação do herói gângster no G-Man ou promotor público, pondo toda a energia e dinamismo dos gângsteres do lado da lei. Os estúdios transformaram o gângster em um agente federal, por exemplo colocando James Cagney do lado da lei em Contra o Império do Crime / G-Men / 1935 (Dir: William Keighley) e Edward G. Robinson como um detetive da polícia infiltrado num bando em Balas e Votos / Bullets or Ballots / 1936. A Warner Bros. continuou com o ciclo até o final da década, mas outras majors diminuíram a produção de filmes criminais para um ou dois no máximo por ano. Surgiram assim, até o final do decênio, Beco Sem Saída / Dead End / 1937 (Dir: William Wyler); Anjos de Suja / Angels with Dirty Faces / 1938 (Dir: Michael Curtiz); Heróis Esquecidos / Roaring Twenties / 1939 (Dir: Raoul Walsh); Homens Marcados / Invisible Stripes / 1939 (Dir: Lloyd Bacon); Contra A Lei / King of the Underworld / 1939 (Dir: Lewis Seiler) / 1939, nos quais estava – em papéis secundários – um outro ator relacionado com o filme de gangster: Humphrey Bogart.

 

O ataque de loucura no refeitório da prisão

O final apocalíptico de Fúria Sanguinária

Nos anos quarenta surgiram alguns filmes de gângster produzidos por companhias menores (v. g. Dillinger / Dillinger / 1945 ((Dir: Max Nossek) / King Brothers Production; Bandidos do Cais / Gangs of the Waterfront / 1945 (Dir: George Blair) / Republic; Crime S/A / Crime Inc. / 1945 (Dir: Lew Landers) / PRC ou pela unidade B de uma grande companhia (v. g. O Último Gangster / Roger Touhy, Gangster / 1944 (dir: Robert Florey) / Twentieth Century Fox e uma obra-prima produzida pela Warner Bros. e dirigida por Raoul Walsh: Fúria Sanguinária / White Heat / 1949, no qual James Cagney voltou a ser gângster, enérgico como sempre, mas desta vez como um psicopata perverso com uma adoração patológica pela mãe. Sua atuação como Cody Jarret é eletrizante, principalmente na cena do ataque de loucura de Jarret quando fica sabendo no refeitório da prisão que sua mãe foi morta e o final apocalíptico, quando ele atira num tanque cheio de gás explosivo e, enquanto ele explode em chamas, grita para sua mãe morta: “Look Ma, top of the world!”. São momentos cinematográficos inesquecíveis.

A partir dos anos quarenta, ocorreu uma intromissão noir no filme de gangster como, por exemplo, em Último Refúgio / High Sierra / 1941, também dirigido por Raoul Walsh, que proporcionou a Humphrey Bogart um papel de primeiro plano. Seu personagem, Roy Earle, não é um criminoso autoconfiante e impetuoso como aqueles gângsteres dos anos 30. Parece mais um herói noir, alienado e solitário, consumido pelo seu drama emocional. Em vez de um assassino frio, temos um homem de bons sentimentos, cuja esperança de felicidade foi cortada pelo destino. Walsh cria um clima quase insuportável de desilusão e inevitabilidade e Bogart transmite toda a amargura do seu personagem. Nos anos cinquenta, temos os exemplos desta intromissão, por exemplo, em O Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1950 (Dir: John Huston); Sindicato do Crime / 711 / Ocean Drive / 1950 (Dir: Joseph N. Newman); O Amanhã Que Não Virá / Kiss Tomorrow Goodbye / 1950 (Dir: Gordon Douglas); O Império do Crime / The Big Combo / 1955 (Dir: Joseph H. Lewis).

 

COELHO PERNALONGA E O HOMEM DAS MIL VOZES

No decorrer das décadas de 30, 40 e 50, a Warner Bros. organizou uma equipe de talentosos artistas, que produziram centenas de excelentes “cartoons”, divididos em dois grupos: os “Looney Tunes” e os “Merry Melodies”, dando-lhes uma feição diferente da que faziam suas concorrentes. Estas duas séries de desenhos animados foram iniciadas por Hugh Harman e Rudolf Ising, sob a supervisão do produtor Leon Schlesinger, aproveitando as fórmulas usuais de Walt Disney com quem havia trabalhado.

Quando saíram da Warner, a maioria dos “Merry Melodies” passou a ser dirigida por Fritz Freleng, que, no entanto, não lhes deu maior expressão do que os antecessores, seguindo a mesma linha artística. Porém os novos principais diretores das “Looney Tunes”, Tex Avery e, depois, Robert Clampett, foram inventivos e não se deixaram influenciar pelo pai do Mickey Mouse. Assim, criaram “gags” mais surrealistas, deram um ritmo rapidíssimo à movimentação dos personagens e usaram de modo sofisticado as distorções, para acentuar o estado de espírito deles, conferindo-lhes uma vivacidade incomum e ampliando os horizontes emocionais da animação cinematogrática.

O coelho Pernalonga (Bugs Bunny) apareceu a partir de 1938 em alguns desenhos realizados por vários diretores, com um aspecto diferente daquele que tomou depois: era um animalzinho meio felpudo, com olhos rasgados e o rabo em forma de floco de algodão. Ele surgiu primeiro com esta forma em três desenhos: Porky´s Hare Hunt / 1938, Presto-O Change-O / 1939 e Hare-Um Scare Um / 1939.

O Pernalonga de McKimson

Foi Robert McKimson, um dos colaboradores de Clampett, quem lhe deu os traços pelos quais o conhecemos hoje: esguio sorridente, sempre petulante de cenoura em punho a atormentar o pobre do Hortelino Trocaletra (Elmer Fudd), seu enfezado vizinho, que costuma ameaçá-lo com uma espingarda de dois canos quando o surpreende no quintal roubando o alimento predileto. Bugs, indiscutivelmente, um tremendo gozador, com aquela voz inconfundível que lhe emprestava o animador Mel Blanc, arrebatou o Oscar de 1958 com o desenho Knighty Knight Bugs, no qual comparece seu outro arqui-inimigo, o bigodudo Yosemite Sam.

Mel Blanc e Robert McKimson

Clampett contou que se inspirara no modo de falar do ator Humphrey Bogart para criar a voz do coelho Pernalonga e que a conhecida frase do Bugs, “What´s up, doc?” é a variação de outra, “What´s up, duke?” com a qual Carole Lombard interpelava William Powell no filme Irene, a Teimosa / My Man Gidfrey / 1936, um dos êxitos de Gregory LaCava. Revelou também que os traços do Piu -Piu (Tweety Bird), aquele passarinho sempre perseguido pelo gato Frajola (Sylvester) em outro desenho animado da Warner, foram tirados de uma foto dele, Clumpett, quando era apenas um bebê e que, a princípio, existiam dois gatos Frajolas, cujas atitudes lembravam muito as da dupla de comediantes Bud Abbott e Lou Costello

Mel Blanc e suas vozes

Val a pena dizer algumas palavras sobre Mel Blanc. Em Hollywood eles o chamavam de The Man of a Thousand Voices (O Homem das Mil Vozes). Nasceu na Califórnia e seu verdadeiro nome é Melvin Jerome Blanc. Iniciou-se na vida artística como músico e maestro: somente a partir de 1937 entrou para a Warner e se dedicou a imitar as vozes das figuras dos cartoons.  Entre suas criações se destacaram, entre outras, a voz do coelho Pernalonga, Gaguinho (Porky Pig), Hortelino Trocaletra (Elmer Fudd), o gato Frajola (Sylvester), Ligeirinho (Speedy González), Patolino (Daffy Duck), Papa-Léguas (Road Runner), Coiote (Wile E. Coyote), Piu Piu (Tweety Bird), o galo antropomórfico Frangolino (Foglorn Leghorn), e do robozinho Twiki na versão original da série de TV Buck Rogers no Século 25 / Buck Rogers in the 25th Century / 1979. Mel chegou a fazer (sem ser creditado) as vozes de Hitler e Stalin no short de animação colorido Historical Reel: Broken Treaties / 1941 da série da Columbia This Changing World, apresentado pelo comentarista do rádio Raymond Gram Swing.

Mel Blanc e Jack Benny

Na televisão, participou como ator coadjuvante em alguns programas como o de Jack Benny, no qual fazia o professor de violino de Jack, emprestou sua voz para o Barney de Os Flintstones e para outras séries televisivas de animação como Os Jetsons, Speed Buggy e Os Monstros (era o Corvo, sem ser creditado). Apareceu ainda como ator de apoio em A Filha de Netuno / Neptune´s Daughter / 1949 (como Pancho) e Beija-me Idiota / Kiss me Stupid / 1964 (como Dr. Sheldrake), mas seu grande talento estava mesmo na laringe.   Uma laringe legendária.