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GEORGE SIDNEY

Ele foi um diretor que começou a aprender seu oficio desde muito jovem em um estúdio onde contava com as melhores equipes técnicas como mestres e, entre erros e acêrtos, foi demonstrando sua sensibilidade e seu talento, especialmente para a condução de musicais, revelando também notável aptidão para o filme de aventura de capa-e-espada.

George Sidney

Descendente de uma família judia da Hungria, George Sidney (1916-2002) nasceu em Nova York, filho de Louis K. (Kronowitz) Sidney e Hazael Mooney, ambos atores do vaudeville e recebeu o nome de seu tio, o também ator George Sidney. Louis foi produtor da Broadway e depois se tornou um executivo da MGM, onde alcançou o posto de vice-presidente e Hazel ficou conhecida como uma das Mooney Sisters. George entrou para a MGM como mensageiro, foi promovido a diretor de testes e depois passou a dirigir curtas-metragens para Pete Smith, Louis Lewyn, Os Peraltas (MGM / Prod: Jack Chertok), John Nesbitt.

Nesta fase de sua carreira ele fez: Polo / Polo / 1936 (Sports Parade n.10 – Pete Smith); Pacific Paradise / 1937 (Miniaturas Musicais MGM); Sunday Night at the Trocadero / 1937, Billy Rose’s Casa Mañana Review / 1938, Casamento Cabuloso /  Love on Tap / 1939, Hollywood Hobbies /1939 – Louis Lewyn); Party Fever / 1938, Valentes Amedrontados / Men in Fright / 1938, Football Romeo / 1938, Brincadeiras de Mau Gôsto / Practical Jokers / 1938,  A Tia de Alfafa / Alfafa’s Aunt / 1939, Ninharias / Tiny Troubles / 1939, Duel Personalities / 1939, Clown Princes / 1939, Cousin Wilbur / 1939, Dog Daze / 1939 (Série Os Peraltas / Our Gang); Loews Christmas GreetingThe Hardy Family) / 1939;  What’s Your IQ? / 1940, Tests / What’s Yor IQ? II /1940, Prodígios Fotográficos ou Coisas Que os Olhos Não Vêem / 1940, Assassinato Metroscópico / Three Dimensional Murder / 1941, Um Drama / Flicker Memories / 1941 (Pete Smith); A Door Will Open / 1940 – Jack Chertok); Willie and the Mouse / 1941, Cães e Charadas / Of Pups and Puzzles / 1941 (série A Parada da Vida / John Nesbitts’s Passing Parade). Prodígios Fotográficos e Cães e Charadas ganharam o Oscar de Melhor Curta de 1 rolo.

Sidney começou a dirigir longas-metragens em 1941, começando com Inimigos do Batente / Free and Easy, comédia romântica baseada em uma peça de Ivor Novello (com um elenco no qual se destacam Robert Cummings, Ruth Hussey, Nigel Bruce, C. Aubrey Smith, Judith Anderson). 1942 – Encontro no Pacífico / Pacific Rendevous. 1943, mistura de comédia romântica com filme de guerra (com um elenco no qual se destacam Lew Bowman, Jean Rogers, Mona Maris) – Piloto no. 5 / Pilot #5, drama de guerra (com um elenco no qual se destacam Franchot Tone, Marsha Hunt, Gene Kelly, Van Johnson), três filmes rotineiros apenas aceitáveis.

A próxima incumbência de Sidney foi A Filha do Comandante / Thousands Cheer / 1943, musical do subgênero filme-revista, produzido por Joe Pasternak, com um fio de intriga – acrobata (Gene Kelly) convocado para o exército, apaixona-se por uma cantora clássica (Kathryn Grayson), filha de um coronel (John Boles), separado de sua esposa (Mary Astor), os quais ela pretende reunir após anos de afastamento -, que serve de pretexto para uma série de shows – de qualidade variada – para as tropas com atores e atrizes da MGM. Os melhores números foram os de Mickey Rooney imitando Clark Gable e Lionel Barrymore; Judy Garland encorajando José Iturbi a executar um boogie-oogie; Kathryn Grayson cantando “Three Letters in the Mail Box”; Don Loper e Maxine Barrat dançando sob o som de “Tico Tico no Fubá”. Vincente Minelli dirigiu, sem ser creditado, o número de Lena Horne, “Honeysuckle Rose”.

Sidney continuou cuidando de musicais, seguindo-se Escola de Sereias / Bathing Beauties / 1944; Marujos do Amor / Anchors Aweigh / 1945; As Garçonetes de Harvey / The Harvey Girls / 1946; Romance no México / Holiday in Mexico / 1946. Em 1945, ele ainda dirigiu os seguintes segmentos do filme Ziegfeld Follies / Ziegfeld Follies, dirigido por Vincente Minelli: “Here’s to the Ladies”, “Pay the Two Dollars” e “When Television Comes”.

Esther Williams em Escola de Sereias

Escola de Sereias, produzido por Jack Cummings, também girava em torno de um enredo mínimo – um compositor (Red Skelton), por força de um mal entendido, briga com sua noiva (Esther Williams) e ela vai trabalhar como professora de natação em uma escola só para moças, na qual ele, aproveitando uma falha legal no regulamento da instituição estudantil, consegue se matricular como aluno – combinava música (Harry James e Xavier Cugat com suas orquestras; a organista Ethel Smith executando o  “Tico-Tico no Fubá”); canto (Carlos Ramirez, Lina Romay, Helen Forrest), balé aquático (Esther Wiliams); e comédia (Red Skelton), destacando-se os balés submarinos – dignos do melhor Busby Barkeley – dirigidos por John Murray Anderson.

Gene Kelly, Kathryn Grayson e Frank Sinatra em Marujos do Amor

Em Marujos do Amor, produzido por Joe Pasternak, dois marujos de folga em Los Angeles (Gene Kelly, Frank Sinatra) conhecem um menino (Dean Stockwell) e sua tia (Kathryn Grayson), uma jovem cantora, e tentam ajudá-la a fazer um teste na MGM, entrecho entremeado de números musicais, dos quais o mais lembrado é a dança combinando desenho animado-personagem vivo (Gene Kelly com o Camondongo Jerry da dupla Tom e Jerry). Frank Sinatra cantando “I Fell in Love So Easily”, Kathryn Grayson mostrando sua bela voz em  “Jealousy” e Gene Kelly dançando ao som de “La Cumparsita”, são outros momentos marcantes do espetáculo. As danças ficaram a cargo de Stanley Donen e Gene Kelly e Carlos Ramirez e José Iturbi integraram o elenco coadjuvante de artistas musicais.

Angela Lansbury e Judy Garland em As Garçonetes de Harvey

As Garçonetes de Harvey, musical passado no Oeste, produzido por Arthur Freed, inspira-se na história da cadeia de restaurantes de Fred Harvey, que em 1876 fundou um pequeno estabelecimento em Topeka, Kansas e desde então eles se espalharam por todo o país, distinguindo-se por empregar como garçonetes somente garotas bem comportadas. Susan (Judy Garland) chega a Sand Rock, para conhecer seu noivo por correspondência, No trem conhece as garçonetes que estão indo para o restaurante Harvey do local. Susan se decepciona ao conhecer seu pretendente e rompe com ele. Na verdade as cartas poéticas haviam sido escritas por Ned Trend (John Hodiak), dono do saloon Alhambra. Susan torna-se uma das garçonetes e o conflito entre elas e as garotas provocantes do Alhambra é acirrado. O único número musical arrebatador – muito bem filmado por Sidney (um plano sequênciacom apenas dois cortes) – é impulsionado pela canção “On The Atchison, Topeka and The Santa Fé “, de autoria de Harry Warren (música) e Johnny Mercer (letra), agraciada com um Oscar.

Em Romance no México, comédia musical produzida por Joe Pasternak, Christine Evans (Jane Powell), filha do embaixador dos EUA no México, Jeffrey Evans (Walter Pidgeon), pensa que está apaixonada pelo célebre pianista José Iturbi, ignorando a afeição de seu jovem amigo Stanley (Roddy MacDowell), filho do embaixador da Inglaterra. Enquanto isso, Evans reencontra a cantora húngara Toni Karpathy (Illona Massey), que ele ama. No final Evans se casa com Mila e Cristine continua a flertar com Stanley, depois de ter sido a estrela do grande recital de Iturbi. O ritmo do filme é arrastado, mas em compensação temos Iturbi tocando a versão hollywoodiana da Polonaise de Chopin e do 2º Concerto para Piano de Rachamninoff; Jane Powell revelando seu talento sonoro em “I Think of You” e “Ave Maria” de Schubert; a bela Illona Massey em “Gypsy Lullaby” e o sempre divertido Xavier Cugat e sua orquestra. Os letreiros de apresentação são mostrados com efeitos de animação proporcionados por William Hanna e Joseph Barbera.

Zachary Scott, Lana Turner e Spencer Tracy em Eterno Conflito

Van Heflin, Gene Kelly, Gig Young e Robert Coote em Os Três Mosqueteiros

June Allyson, Angela Lansbury e Vincent Price em Os Três Mosqueteiros

Lana Turner em Os Três Mosqueteiros

Em 1947, como diretor empregado de estúdio, Sidney foi designado para a filmagem de um drama romântico, Eterno Conflito / Cass Timberlane, adaptação superficial e insípida de um romance de Sinclair Lewis (com um elenco no qual se destacam Spencer Tracy, Lana Turner, Zachary Scott) e no ano seguinte realizou o primeiro de seus dois excelentes filmes de aventura de capa-e-espada, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers, produção vistosa da MGM, a primeira versão cinematográfica do romance de Alexandre Dumas em Technicolor (Robert Planck foi indicado para o Oscar de Melhor Fotógrafo). Os duelos são tratados como verdadeiros balés. As cenas de lutas de espada contra os guardas de Richelieu, filmadas nos jardins Busch de Pasadena, distinguem-se pela coreográfica cômico-acrobática. Jean Heremans, mestre de esgrima belga, aparece no desenrolar do filme, interpretando diversos adversários de D’Artagnan, inclusive no duelo de cinco minutos na praia, um dos pontos altos desse entretenimento. Lana Turner é uma Milady de Winter vestida magnificamente por Walter Plunkett e conspirando com um Richelieu traiçoeiro, que tem os traços de Vincent Price. Van Heflin (Athos), Robert Coote (Aramis) e Gig Young (Porthos) são os outros mosqueteiros e June Allyson a doce Constance.

Clark Gable e Loretta Young em Mulher a Quanto Obrigas

Após duas realizações insatisfatórias, Danúbio Vermelho / The Red Danube / 1949, drama anticomunista – sem a tensão reclamada pelo tema – sobre refugiados russos  que tentam emigrar para países ocidentais após a Segunda Guerra Mundial (com um elenco no qual se destacam Janet Leigh, Walter Pidgeon, Ethel Barrymore, Louis Calhern, Peter Lawford, Angela Lansbury) e Mulher a Quanto Obrigas / Key to the City / 1950, comédia romântica apenas suportável passada em San Francisco onde, durante uma Convenção, dois prefeitos, um do sexo masculino (Clark Gable) e outro do sexo feminino (Loretta Young), apesar de serem de diferente nível social, se apaixonam, Sidney retornou ao gênero no qual foi mais assíduo com  Bonita e Valente / Annie Get Your Gun / 1950 e O Barco das Ilusões / Show Boat / 1951.

Betty Hutton em Bonita e Valente

O primeiro é uma adaptação de um musical da Broadway, inspirado na vida da famosa atiradora Annie Oakley do Buffallo Bill’s Wild West Show. Betty Hutton entrou no lugar de Judy Garland depois da interrupção da primeira filmagem (sob direção de Busby Berkeley) por causa do esgotamento físico da atriz e se tornou a alma do espetáculo, interpretando com vivacidade as canções bem humoradas e pitorescas de Irvin Berlin como “You Cant Get a Man With a Gun”, “Anything You Can Do” (com Howard Keel) e “There’s no Business Like Show Business” (com H. Keel, Louis Calhern e Keenan Wynn).

O segundo, baseado em um romance de Edna Ferber adaptado para a Broadway -com música de Jerome Kern e letra de Oscar Hammerstein II – e transportado para a tela duas vezes (em 1929 com Joseph Schildkraut como Gaylord Ravenal e Laura La Plante como Magnolia e em 1936 com Irene Dunne e Allan Jones 1936 nos mesmos papéis), é um musical dramático com Kathryn Grayson (Magnolia) e Howard Keel (Gaylord), conjugando canto e dança com temas como preconceito racial e amor trágico. Usufruindo da esplêndida fotografia em Technicolor (Charles Rosher, indicado para o Oscar); de um barco fabuloso construído especialmente para a filmagem; de belas canções como “Why Do I Love You”, Can’t Help Lovin’ Dat Man”, “Make Believe” e  “Old Man River”; dos figurinos vistosos de Walter Plunkett; e de um elenco afinado, onde encontramos ainda Ava Gardner  (Julie LaVerne), Joe E. Brown (Capitão Andy), o baixo barítono  William Warfield,  e os dançarinos Marge e Gower Champion,  Sidney alcançou um resultado artístico apreciável.

Cena de Scaramouche

Eleonor Parker e Janet Leigh em Scaramouche

Mel Ferrer e Stewart Granger em Scaramouche

Em 1952 ele se dedicou exclusivamente à realização de Scaramouche / Scaramouche, o segundo de seus dois filmes de aventura de capa-e-espada e certamente sua obra-prima. Coube a Stewart Granger fazer a melhor e mais longa luta de esgrima do Cinema. Subscrita por Jean Heremans e com a duração de seis minutos e trinta segundos, ela tem lugar no Ambigu Theatre. Granger (André Moreau, herói romântico perfeito) e Mel Ferrer (Marquês de Maines vilão gentil e diabólico) duelam pela borda dos camarotes, pelos corredores, escadas e saguão, no palco, sobre as poltronas, nos bastidores. Quando André tem o Marquês à sua mercê, uma força íntima impede de matá-lo. Fica sabendo logo depois que o adversário é, na realidade, seu meio-irmão. Porém o filme também tem outros atrativos: roteiro primoroso; esplêndida fotografia em technicolor (Charles Rosher); cenários e guarda-roupa deslumbrantes; feliz escolha dos intérpretes principais e coadjuvantes (além de Granger e Ferrer: Eleonor Parker, Janet Leigh, Robert Coote, Lewis Stone, Nina Foch); drama, ação e humor em alternância bem dosada; ritmo ágil; e uma cena final divertida com um personagem famoso da História.

Deborah Keer em A Rainha Virgem

Ainda nos anos cinquenta Sidney fez seus últimos três filmes para a MGM: A Rainha Virgem / Young Bess / 1953, drama pseudo-histórico technicolorido sobre a mocidade da Rainha Elizabeth I da Inglaterra (com um elenco no qual se destacam Jean Simmons, Stewart Granger, Charles Laughton, Deborah Kerr) que acompanhamos com interesse por causa da beleza das duas atrizes fotografadas maravilhosamente por Charles Rosher, dos figurinos de Walter Plunkett e da direção de arte de Cedric Gibbons e Urie McCleary (Plunkett, Gibbons e McCleary foram indicados ao Oscar);

Kathryn Grayson e Howard Keel em Dá-me um Beijo

Dá-me um Beijo / Kiss me Kate / 1953, sátira musical bem sucedida da comédia shakespereana “The Taming of the Shrew”, produzida por Jack Cummings e coreografada por Hermes Pan (com um elenco no qual se destacam Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller). Utilizando o processo do teatro dentro do teatro, um grupo de artistas encena uma adaptação musical da peça de Shakespeare e a representação constitui boa parte da ação do filme. O entrelaçamento teatro-realidade é bem equilibrado e o andamento da narrativa mantêm-se sempre animado. A Metro lançou o filme em 3-D, mas depois substituiu a cópia por outra comum. Os melhores números foram: “Tom Dick and Harry” (com Ann Miller, Tommy Rall, Bobby Van e Bob Fosse);  “From This Moment On” (com os três citados e mais Carol Haney e Jeanne Coyne); “So in Love” (com Kathryn Grayson e Howard Keel) e o vaudevillesco “Brush Up Your Shakespeare”(com Keenan Wynn, James Whitmore).

Esther Williams e Howard Keel em A Favorita de Jupiter

A Favorita de Júpiter / Jupiter’s Darling / 1955, farsa histórica com intervalos musicais, baseada na peça “Road to Rome” de Robert E. Sherwood. A história era original, mas devido a ausência de boas canções e de uma coreografia sem inspiração de Hermes Pan (a não ser no número de Marge e Gower Champion no mercado de escravos, ”If This is Slavery”), Sidney fez o que pôde, para entreter o público, explorando os shows aquáticos de Esther Williams (nadando sensual e insolitamente no fundo da piscina diante de estátuas gregas ou sendo vítima de uma perseguição submarina no mar) e o vestuário atraente de Helen Rose e Walter Plunkett.

Tyrone Power e Kim Novak em Melodia Imortal

Jeff Chandler e Kim Novak em Lágrimas de Triunfo

Em 1956 Sidney deixou a MGM e foi para a Columbia, onde recebeu a incumbência de dirigir Kim Novak sucessivamente em dois melodramas cinebiográficos, Melodia Imortal / The Eddie Duchin Story (sobre o pianista e chefe de orquestra muito popular nos anos 30-40, interpretado por Tyrone Power, dublado ao piano por Carmen Cavallaro) e Lágrimas de Triunfo / Jeanne Eagels / 1957 (enfocando a estrela em evidência no palco e na tela nos anos 10-20) e em Meus Dois CarinhosPal Joey / 1957, adaptação de um musical da Broadway de autoria de John O’Hara com músicas de Richard Rogers e Lorenz Hart, cujo personagem principal  é um cantor de boate (Frank Sinatra) envolvido com uma viúva milionária (Rita Hayworth) e uma corista provinciana (Kim Novak).  O primeiro, embora altamente ficcionalizado e com um roteiro seguindo apenas os clichês do gênero, serviu-se muito bem de uma suntuosa fotografia technicolorida dos exteriores de Manhattan  (Harry Stradling), de belas melodias e da formosura do par romântico, constituindo-se um êxito de bilheteria. O segundo, apesar de Kim não estar à altura de interpretar na tela a atriz famosa dos anos vinte, teve por mérito a fotografia de Robert Planck, acariciando-a esplêndidamente em claro-escuro. O terceiro encontrou Frank Sinatra em plena forma e um grande score de Rodgers e Hart incluindo os conhecidos “The Lady is a Tramp” e ‘Bewitched, Bothered and Bewildered”.

Ann Margret em Adeus, Amor!

Ann Margret e Elvis Presley em Viva Las Vegas!

Nos anos 60 Sidney fez mais seis filmes: 1960 – Quem Era Aquela Pequena? / Who Was That Lady?, comédia romântica razoavelmente divertida impulsionada pelo bom desempenho de seus três atores principais Dean Martin, Tony Curtis e Janet Leigh; Pepe / Pepe, comédia musical com Cantinflas que nem um punhado de astros e estrelas convidados, conseguem salvar de um desastre total; 1963 – Adeus,  Amor / Bye Bye Birdie, comédia musical satírica (aos entusiasmos histéricos que ídolos do rock como Elvis Presley provocam na juventude), baseada em um sucesso da Broadway. Um cantor de rock (Jesse Pearson) é convocado para o servico militar – o que provoca dificuldades para seu agente e habitual compositor (Dick Van Dyke) –  e chega a uma cidade do interior para dar um último beijo de despedida simbólico em uma de suas admiradoras (Ann-Margret), sorteada entre as milhares de seu fã clube, diante das câmeras da televisão. Alguns números musicais agitados – avultando entre eles aquele (“Honestly Sincere”) em que o rebolado do cantor provoca um desmaio coletivo na porta da Prefeitura- garantiram um bom espetáculo; Operação Matrimônio / A Ticklish Affair, comédia doméstica e sentimental sem brilho, girando em torno de um comandante da Marinha (Gig Young), que se apaixona por uma viúva (Shirley Jones) com três filhos, mas ela não quer mais saber de uniformes – sua cunhada (Carolyn Jones) e os três gurís decidem levá-la novamente ao matrimônio; 1964 – Amor a Toda Velocidade / Viva las Vegas, comédia musical valorizada pela perfeita alquimia entre Elvis Presley e Ann Margret (ela, sensual e sensacional!) e alguns números formidáveis bem dirigidos por Sidney. Elvys faz o papel de um mecânico que quer ser piloto de corridas e Ann Margret é a instrutora da piscina do mais afamado hotel de Las Vegas; 1966 – A Falsa Libertina / The Swinger, comédia sexy com Ann-Maigret  e Anthony Franciosa malograda em todos os sentidos; 1967 – A Moedinha do Amor / Half a Six Pence, musical exuberante produzido na Inglaterra com assunto, atores e cenários ingleses, baseado no romance “Kipps” de H. G. Wells com música de David Heneker e coreografia de Gillian Lynne, continuamente movimentado por ótimos números de canto e dança (v. g. “Flash Bang Wallop”, “If the Rain’s Got to Fall”. “This is My Dream”) tendo à frente Tommy Steele e com uma bela sequência não musicada nas regatas em Henley.

 

Sidney foi tanto um  “homem de estúdio” como um líder sindical. Aos 34 anos ele se tornou o presidente mais jovem do Screen Directors Guild (hoje Directors Guild of America), servindo de 1951-1959 e depois sucedendo Frank Capra como presidente no período 1961-1967. Para surpresa de todos aos 49 anos de idade deixou o  cinema, para se dedicar ao seu interesse por paleontologia, história da arte, compor música e, depois de passear pelo mundo no seu avião, foi estudar direito na UCLA. Faleceu aos 85 anos, vitimado pelo linfoma, tipo de cancer que afeta as células do sistema imunológico.

RUDOLPH MATÉ

Ele foi um grande fotógrafo do cinema cuja carreira pode ser dividida em três fases. Na primeira (1919-1934) este polonês nascido na Cracóvia em 1898 com o nome  de  Rezso Mayer, trabalhou na Europa  em filmes importantes como Pedro, o Corsário / Pietro der Korsar de Arthur Robinson, O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc e O Vampiro / Vampyr de Carl Theodor Dreyer, O Último Milionário / Le Dernier Milliardaire de René Clair e Liliom / Liliom de Fritz Lang. Na segunda fase (1935-1946) Maté foi para Hollywood, onde logo se afirmou como um dos fotógrafos mais talentosos da indústria, proporcionando para maiores ou menores diretores o estilo visual e o tom apropriado para seus projetos.  Ele recebeu cinco indicações consecutivas da Academia por seu trabalho em Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent de Alfred Hitchcock; Lady Hamilton, a Divina Dama / That Hamilton Woman de Alexander Kord; Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees  de Sam Wood; Sahara / Sahara de  Zoltan Korda  e Modelos / Cover Girl de Charles Vidor e apresentou esmeros fotográficos em outros filmes como Fogo de Outono / Dodsworth de William Wyler, Stella Dallas, Mãe Redentora / Stella Dallas de King Vidor, Endereço Desconhecido / Address Unknown de William Cameron Menzies , Gilda / Gilda de Charles Vidor  e A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai de Orson Welles. Na terceira fase Maté passou a ser diretor, função que exerceu  de 1947 até sua morte em 1964.

Rudoplh Maté

O fotógrafo talentoso iniciou sua trajetória cinematográfica no filme Kutató Sámuel, produzido na Hungria por Alexander Korda. Em seguida trabalhou na Austria, Alemanha,  França e Inglaterra. Nesta fase ele fotografou (sozinho ou com um outro colega), a príncipio usando algumas vêzes o nome de Rudolf Mayer: 1920 – Das Gänsemädchen. Alpentragödie. 1921 – Lucifer. Parema, Das Wesen aus der Sternewelt. 1922 – Eine mystiche Strassenreklame (com Hugo Eywo). 1923 – Das verlorene Ich ou Gefahren der Hypnose (com Hans Pebal). 1923 – Dunkle Gassen ou Der schwarze Boxer (com Stephan Lorant). Der Kaufman von Venedig com Axel Graatkjaer). Mikaël (com Karl Freund), 1924 – Pedro, o Corsário / Pietro der Korsar (com Fritz Arno Wagner, George Schneevoigt). 1926 – Mitgiftjäger ou Le Roman d’un Jeune Homme Pauvre. Unter Ausschluss der Öffentlichkeit. Die Hochstaplerin. 1927 – O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc. 1929 – Le Manque de Mémoire (curta-metragem). Miss Europa / Prix de Beauté. (com Louis Née). 1930 – O Vampiro / Vampyr. 1931 – Le Monsieur de Minuit, versão francesa do filme inglês Almost a Honeymoon (com Jacques Montéran, Gérard Perrin). A Costureirinha da Província / La Couturière de Lunéville. Le Roi du Camembert. La Vagabonde (com Louis Née). 1932 – Monsieur Albert, versão francesa do filme inglês Só Para Senhoras  / Service for Ladies). Lily ChristineAren’t We All? . Insult. La Belle Marinière. Le Petit Babouin. Paprika, versão francesa do filme alemão Pimenta Malagueta / Paprika). 1933 – Dans les Rues (Com Louis Née). Une Femme au Volant (com Louis Née). Les Aventures du roi Pausole.  Die Abenteuer des Königs Pausole, versão alemã do filme anterior (com Louis Née, Marcel Soulié). The Merry Monarch, versão inglesa do mesmo filme (com Louis Née, Marcel Soulié). La Mille-et-Deuxième Nuit (com René Gaveau). Liliom / Liliom. 1934 – O Último Milionário / Le Dernier Milliardaire (com Louis Née). Nada Mais Que Uma Mulher / Nada Más Que Una Mujer, versão espanhola do filme americano Pursued.

Falconetti em O Martírio de Joana D’Arc

Louise Brooks em Miss Europa

Cena de O Vampiro

Charles Boyer e Madeleine Ozeray em Liliom

Em 14 de outubro de 1929 Maté se casou em Paris com a dinamarquesa Paula Sophie Hartkopko.  Em agosto de 1937 Paula faleceu e, em 6 de julho de 1941, o viúvo contraiu matrimônio em Las Vegas com sua conterrânea Regina Opoczynski, vinte anos mais nova do que ele. Eles tiveram um filho, Christopher, nascido em 1945 e se divorciaram em 1958.

Spencer Tracy em A Nave de Satã

Walter Huston e Mary Astor em Fogo de Outono

Alan Hale e Barbara stanwyck em Mãe Redentora

Gary Cooper e Basil Rathbone em Aventuras de Marco Polo

Cena de Correspondente Estrangeiro

Vivien Leigh e Laurence Olivier em Lady Hamilton, a Divina Dama

Gary Cooper em Ídolo, Amante e Herói

Humphrey Bogart em Sahara

Na fase hollywoodiana de seu percurso artístico, sempre prestando toda colaboração ao realizador, Maté fotografou: 1935 – A Nave de Satã / Dante’s Inferno. Vingança de Mulher / Dressed to Thrill. Uma Rival Perigosa / Navy Wife (com John Seitz). Metropolitan / Metropolitan  (George Schneiderman foi substituído por Maté após um dia de filmagem). O Segredo de Charlie Chan / Charlie Chan’s Secret. Soldado Mercenário / Professional Soldier. Mensagem a Garcia / A Message to Garcia. 1936 – Sossega Leão / Our Relations. Fogo de Outono / Dodsworth. Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It (com Gregg Toland). Vencida a Calúnia / Outcast. 1937 – Aquela Dama Londrina  / The Girl from Scotland Yard (enquanto Robert Pittack esteve doente). Stella Dallas, Mãe Redentora / Stella Dallas. As Aventuras de Marco Polo / The Adventures of Marco Polo  (com Archie Stout). 1938. Bloqueio Blockade. O Triunfo do Amor / Youth Takes a Fling. Os Segredos de um Don Juan / Trade Winds.  Duas Vidas / Love Affair. 1939 – A Verdadeira Glória / The Real Glory. Minha Esposa Favorita / My Favorite Wife. 1940 – O Galante Aventureiro / The Westerner (durante três dias filmando cenas adicionais com Lewis Milestone). Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent. A Pecadora / Seven Sinners. Lady Hamilton, A Divina Dama / That Hamilton Woman. 1941 – Paixão Fatal / The Flame of New Orleans. Um Raio de Sol / It Started With Eve. Ser Ou  Não Ser / To Be Or Not To Be. 1942 – Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees. Correspondente Fenômeno / They Got me Covered. 1943 – Sahara / Sahara. Modelos / Cover Girl (com Allen M. Davey) Endereço Desconhecido / Adress Unknown. 1944 – O Coração de uma Cidade / Tonight And Every Night. 1945 – Gilda / Gilda. 1946 – A Dama de Shanghai / The Lady From Shanghai (enquanto Charles Lawton Jr. esteve doente).

Rita Hayworth em Modelos

Paul Lukas em Endereço Desconhecido

Rita Hayworth em Gilda

Após a Segunda Guerra Mundial Maté ficou com vontade de dirigir seus próprios filmes e deu início à terceira fase de sua rota no cinema durante a qual serviu a vários estúdios de Hollywood e produções européias. Nesta terceira e última fase de sua carreira ele fez: 1947 – Tem Que Ser Você / It Had to be You (co-dir. Don Hartman). 1948 – Passado Tenebroso / The Dark Past. 1949 – Com as Horas Contadas / D. O. A.). 1950 – Destino Amargo / No Sad Songs For Me, Rastro Sangrento / Union Station. A Marca Rubra / Branded. 1951 – O Príncipe Ladrão / The Prince Who Was a Thief. O Fim do Mundo / When Worlds Collide. 1952 – A Luva de Ferro / The Green Glove. Coração de Mãe / Paula. O Céu Está Em Toda Parte / Sally and Saint Anne. 1953 – Aventureiro do Mississipi / The Mississipi Gambler. A Última Chance / Second Chance. 1954 – Lábios Que Mentem / Forbidden. Corações Divididos / The Siege at Red River. O Escudo Negro de Falworth / The Black Shield of Falworth. 1955 – Um Pecado Em Cada Alma / The Violent Man. Aventura Sangrenta / The Far Horizons. 1956 – O Amor Nunca Morre / Miracle in the Rain. O Vício Singra o Mississipi / The Rawhide Years. Pecadoras de Porto África / Port Afrique. 1957 – Trindade Violenta / Three Violent People. 1958 – Batalha Contra o Medo / The Deep Six. 1959 – Pela Primeira Vez / For The First Time (Itália – Alemanha Ocidental / Dist: MGM). 1960 – A Revolta dos Bárbaros / Revak, lo Schiavo di Cartagine (Itália); The Immaculate Road (Inglaterra). 1962 – Os 300 de Esparta / The 300 Spartans. O Pirata Real / Il Dominatori dei 7 Mari ou Seven Seas to Calais, co. dir Primo Zeglio (Itália). 1963 – Aliki (Inglaterra – Grécia).

Como diretor Maté foi menos importante do que como fotógrafo, produzindo uma obra irregular. Ele somente se elevou à altura da expectativa, que seu passado como luminar da câmera lhe preparou, nos seus dois dramas criminais Com As Horas Contadas e Rastro Sangrento.

Neville Brand e Edmond O’Brien em Com As Horas Contadas

O primeiro filme é um noir puro. Em nenhum outro filme noir estiveram tão presentes o absurdo e o caos emocional. Ele se abre com câmera seguindo o perito-contador e tabelião Frank Bigelow (Edmond O’Brien) através de uma sucessão de escuros e intermináveis corredores de uma delegacia. Não vemos seu rosto, somente suas costas exaustas e passos firmes. Com aquela força que as pessoas parecem adquirir quando estão perto da morte, ele consegue chegar ao Departamento de Homicídios. “Quero dar parte de um assassinato”, diz para o delegado de plantão. “Quem é que foi morto?”, pergunta  o policial. Bigelow, em close-up, responde: “Fui eu”. Bigelow não sabe como, quando, onde ou por que foi morto e se torna, ao mesmo tempo, o investigador e a vítima de seu próprio assassinato.

William Holden e Nancy Olson em Rastro Sangrento

O segundo filme é um noir impuro que utiliza a forma dos filmes de procedimentos policiais, no caso as atividades conjuntas dos seguranças da estrada de ferro e da polícia Perfeitamente ritmada e bastante precisa, a ação transcorre quase exclusivamente na grande estação ferroviária de Chicago, a Union Station, incluindo sua complexa rede de túneis subterrâneos com quilometros de tubos e fios eletrificados, dos quais o usuário não tem conhecimento. O espetáculo tem muitas cenas de brutalidade (v. g. a morte de um dos bandidos sob as patas dos animais alvoroçados) e, nos momentos culminantes, Maté constrói um bom suspense quando, na estação totalmente vigiada pelos detetives, o criminoso, disfarçado de ferroviário, usa um mensageiro para apanhar a mala como o dinheiro, seguindo-se depois uma formidável perseguição pelos túneis subterrâenos  enquanto a cega se arrasta pelos trilhos perigosos, gritando por socorro.

Alan Ladd em A Marca Rubra

Brian Keith e Edward G. Robison em Um Pecado Em Cada Alma

Maté dirige Robert Mitchum e Linda Darnell em A Última Chance

Tony Curtis e Janet leigh em O Escudo Negro de Falworth

Cena de O Fim do Mundo

Cena de Os 300 de Esparta

Embora se revelasse em todos os seus filmes um realizador seguro de sua profissão, Maté foi se diluindo na produção comercial, oferecendo apenas alguns filmes mais relevantes nos vários gêneros aos quais se dedicou. Entre eles estão um drama policial psicanalítico absorvente, Passado Tenebroso; dois melodramas, Destino Amargo e Coração de Mãe, o primeiro com grande força sentimental e o segundo com um vigoroso clima de suspense; três bons westerns um, melodramático (A Marca Rubra); outro, psicológico (Um Pecado Em Cada Alma); e um terceiro com ritmo de ação rápido e colorido brilhante (O Vício Singra O Mississipi); dois filmes de aventura divertidos, um oriental (O Príncipe Ladrão) e outro, medieval (O Escudo Negro de Falworth); um filme de ficção cientifica interessante (O Fim do Mundo) com efeitos especiais nas cenas de cataclismo premiados com um Oscar; e uma aventura histórica (Os 300 de Esparta), essencialmente fiel aos fatos reais e com cenas de batalha empolgantes.

Maté faleceu aos  66 anos de idade vítima de um ataque cardíaco.

JULES DASSIN

Seu verdadeiro nome era Julius Moses Dassin (1911-2008), nascido em Middletown, Connecticut, filho de Berthe Vogel e Samuel Dassin, imigrantes judeus que se instalaram com seus oito filhos no Harlem em Nova York em busca de uma vida melhor. Jules estudou na Morris High Scholl no Bronx. O interesse pelo teatro levou-o a frequentar aulas de arte dramática na Civic Repertory Theatre Company de Eva La Gallienne. Em 1936, ele ingressou na New York Yddish Proletarian Theatre Company, onde atuou como ator e diretor em algumas peças e depois se envolveu com o Federal Theatre Project, iniciativa do “New Deal” do Presidente Roosevelt para dar trabalho a atores, diretores e autores durante a Grande Depressão. Em 1931, quando foi formado o Group Theatre por Lee Strasberg, Harold Clurman e Cheryl Crawford, Dassin participou de suas produções e, depois de ver “Waiting for Lefty” de Clifford Odets, ele se filiou ao Partido Comunista, do qual se desligaria mais tarde por desacordos sobre diferentes questões. Em 1938 começou a escrever para o rádio, fornecendo scripts inclusive para o programa muito popular de Kate Smith na CBS. Após ter dirigido a peça “Medicine Show” de Oscar Saul e H. R. Hays na Broadway com muito sucesso, a RKO lhe ofereceu um contrato de seis meses como aprendiz de direção – uma oferta que ele aceitou.

Jules Dassin

Quando seu contrato terminou, Dassin estava prestes a voltar para Nova York, mas foi chamado para ser diretor na MGM. O primeiro filme na “Marca do Leão”, o curta-metragem A Lenda do Coração / The Tell-Tale Heart / 1941, adaptação do conto de Edgar Allan Poe com Joseph Schildkraut e Roman Bohnen nos papéis principais, revelou seu senso diretorial e lhe garantiu um contrato de sete anos com o estúdio.  Em seguida ele dirigiu: A Sombra do Passado / Nazi Agent / 1942, drama de espionagem; com Conrad Veidt em um papel duplo; Sua Criada, Obrigada / The Affairs of Martha / 1942, comédia romântica com Marsha Hunt e Richard Carlson; Uma Aventura em Paris / Reunion in France / 1942, drama romântico em tempo de guerra na Europa com Joan Crawford e John Wayne; Cuidado Com Mamãe / Young Ideas / 1942, comédia de faculdade com Susan Peters e Richard Carlson; O Fantasma de Canterville / The Canterville Ghost / 1943, adaptação bastante livre do conto cômico-sobrenatural de Oscar Wilde com Charles Laughton, Robert Young e Margaret O’ Brien; Uma Carta Para Eva / A Letter for Evie / 1946 comédia-dramática inspirada em ‘”Cyrano de Bergerac”, passada na frente doméstica durante a guerra com Marsha Hunt, Hume Cronyn e John Carroll; Algemas Para Dois / Two Smart People / 1946, comédia romântica com sublinhamento policial interpretada por Lucille Ball e John Hodiak.

Joseph Schilkraut em A Lenda do Coração

Conrad Veidt em A Sombra do Passado

Joan Crawford e John Wayne em Uma Aventura em Paris

Richard Carlson e Susan Peters em Cidade com Mamãe

Margaret O’Brien e Charles Laughton em O Fantasma de Canterville

John Hodiak e Lucille Ball em Algemas para Dois

Dassin estava descontente na MGM, porque não era ele quem dava a última palavra com relação à montagem de seus filmes, mas sim seus produtores. Ele pediu a Mayer que o libertasse de seu contrato, mas Mayer negou. Como represália, Dassin ficou “de greve” treze meses em casa. Mayer o manteve na folha de pagamento, porque sabia que ele acabaria se entediando e desejando voltar a trabalhar. evoltaria para Quando Dassin retornou, teve um desentendimento tão acalorado com o patrão que este o expulsou do estúdio, mesmo sem que seu contrato ainda não tivesse expirado.

Cena de Brutalidade com Burt Lancaster (segundo à direita)

Don Taylor e Ted De Corsia em Cidade Nua

Prosseguindo na sua rota artística, como não quís mais ficar ligado a um contrato longo, Dassin acertou com o produtor independente Mark Hellinger e a Universal International a produção de seus dois próximos filmes  Brutalidade / Brute Force / 1947 e Cidade Nua / The Naked City / 1948, nos quais pôde confirmar sua versatilidade cinematográfica. O primeiro filme (com um elenco onde se destacam Burt Lancaster, Hume Cronyn, Charles Bickford, Yvonne De Carlo, Ann Blyth, Ella Raines, Sam Levene) é um drama penitenciário com uma severa acusação do sistema penal e da sociedade contemporânea. A prisão é representada como um microcosmo de uma ordem social baseada na repressão e na tirania. É um verdadeiro inferno, do qual não há escapatória. As cenas da morte do delator, ameaçado pelos maçaricos acesos de seus companheiros até ser esmagado pela prensa; a morte do suicida, vendo-se a sombra do enforcado na parede e os óculos caídos; a rebelião no pátio, com a execução do traidor amrrado ao vagão de carregamento de minério e Joe Collins (Burt Lancaster) jogando o Capitão Munsey (Hume Cronyn) do alto da torre são os momentos cinematográficos de maior impacto na direção viril de Dassin. O segundo filme (com um elenco onde se destacam Barry Fitzgerald, Howard Duff, Don Taylor, Ted De Corsia, Dorothy Hart) foi rodado em lugares autênticos, no estilo semidocumentário, é uma autêntica reportagem cinematográfica, descrevendo de maneira concisaa e vigorosa o trabalho da polícia na grande metrópole. O próprio produtor narra os acontecimentos, conversando com os os personagens, lendo seus pensamentos, fazendo comentários e até atuando como nosso substituto, quando diz, por exemplo, ao fugitivo Garzah (Ted De Corsia): “Calma, Garzah. Não corra! Não chame a atenção sobre sua pessoa!”ou “Não perca a cabeça!”, no instante em que o assassino é atacado pelo cão do cego e ele tira a arma do bolso traseiro da calça para matá-lo. O filme demonstra certa consciência social no momento em que o casal do interior chega a Manhattan para identificar o corpo de sua filha assassinada. A mãe lamenta: “Luzes brilhantes, teatro, peles, boates … Bom Deus, por que ela não nasceu feia?” Esta cena triste, passada na margem do East River, enquanto o sol se põe atrás dos arranha-céus, magnificamente fotografadas por William Daniels, tem a força de uma acusação. A fotografia, a montagem e a música, bem coordenadas por Dassin, dão um rimo ideal à narrativa, que transcorre em uma atmosfera humana e realista até o desfecho eletrizante da perseguição do criminosos pelas ruas, culminando no alto da ponte, onde ele é alvejado pelas balas dos policiais. A fotografia e a montagem mereceram um Oscar.

O relacionamento professional entre Dassin e Hellinger terminou quando este faleceu em dezembro de 1947 antes desse ultimo filme ser lançado. Dassin então foi para a Broadway, onde dirigiu duas peças: “Joy of the World”, uma comédia  e  “Magdalena-A Musical Adventure “, baseado na opereta folclórica do nosso Heitor Villa-Lobos.

Millard Mitchell e Richard Conte em Mercado de Ladrões

O próximo filme de Dassin, Mercado de Ladrões / Thieves Highway / 1949 (com um elenco onde se destacam Richard Conte, Valentina Cortese, Lee J. Cobb, Barbara Lawrence, Millard Mitchell, Jack Oakie, Joseph Pevney) foi produzido pela 20thCentury-Fox. É um drama realista de repercussão sical – caminhoneiros que vão buscar frutas às mãos dos produtores e levá-las até o Mercado distante, onde são explorados por intermediários – cuidando particularmente da vingança de um ex-pracinha  (Richard Conte) contra um dos inescrupulosos negociantes. Dassin expõe os fatos cruamente, aproveitando as locações nas estradas e no Mercado de San Francisco para efeitos de realismo – e lhes dá uma conclusão otimista, divergente da obra original (o romance “Thieves Market” de A. J. Bezzerides, autor do roteiro), pois nesta, o protagonista se converte à ganância geral. O detalhe noir está na transformação do veterano de guerra, por força das circunstâncias, em um indivíduo rancoroso, que pretende fazer justiça com as próprias mãos, e no ambiente de cobiça e de traição, no qual ele é obrigado a se envolver. Esta mudança é bem expressa pela fotografia. As cenas passadas no campo são claras e filmadas geralmente com uma câmera normal colocada na altura dos personagnes. À medida que Nick se aproxima da cidade, a iluminação se torna mais escura e os ângulos mais ousados, O espetáculo também tem cenas angustiantes (a descida vertiginosa do caminhão descontrolado de Ed (Millard Mitchell) pela ladeira) e violentas (o acerto de contas no epílogo quando Nick usa o cabo da machadinha para quebrar a mão de Figlia (Lee J. Cobb), ambas realizadas com consciência cinematográfica.

Richard Widmark em Sombras do Mal

No final dos anos 40 Edward Dmytrik prestou depoimento para a House Un American Activities Committee (HUAC), apontando Dassin como comunista (embora ele já tivesse deixado o partido em 1939). Entrando na lista negra, Dassin foi para a Inglaterra, onde fez Sombras do Mal / Night and the City, produzido pela 20thCentury-Fox Limited, subsidiária inglesa da Fox (com um elenco onde se destacam Richard Widmark, Gene Tierney, Googie Withers, Francis L. Sullivan, Hugh Marlowe, Mike Mazurki, Herbert Lom). O espetáculo possui todos os ingredients de um filme noir puro salvo o ambiente urbano americano. Seu personagem central, Harry Fabian (Rochard Widmark) é um heroi dark típico, que circula em um submundo povoado por falsos mendigos e pequenos escroques que lembram o “pátio dos milagres” Hugoniano. Ao lado desses tipos de rua surgem, em um nível mais elevado da escala social, personagnes grostescos ou patéticos (o proprietário da boate, obeso e mal amado, sua esposa frustrada e ambiciosa; o gângster  inescrupuloso e vingativo; o lutador idealista e anacrônico) cujas ações vão influenciar o fim trágico do vigarista. Desde os primeiros momentos da narrativa, fica óbvio que Fabian é um perdedor e sua sorte está selada. Nosseross  (Francis L. Sullivan) lhe diz: “Você  é um homem morto”. Após ter sido perseguido durante toda a noite, ele consegue abrigo no barraco de uma mulher que negocia no mercado negro e se abre pela primeira e única vez, confessando para a velha indiferente: “Passei toda a minha vida correndo: de assistentes sociais, de bandidos, de meu pai …” Finalmente, Fabian pensa: “Eu estava tão perto … Então um acidente, um simples acidente e tudo se desmorronou”. Na realidade, nunca esteve perto de nada, a não ser da morte. O ritmo do filme é vibrante e a composição plástica expressionisticamente barroca. Dassin e seu cinegrafista (Max Greene) exploram muito bem o claro-escuro, as ruelas e as ruínas da Londres do pós-guerra, elevando a filmagem realmente de noite a um nível máximo de criatividade. Empregam o close-up, a lente angular e os ângulos bizarros de maneira admirável, principalmente  quando focalizam o gordo Nssseross como se fosse uma aranha na sua toca ou O Estrangulador (Mike Mazurki) enfrentando Gregorios (Stanislaus Zbyszko) em um choque de gigantes.

Cena de Rififi (Dassin é o último à direita)

Com dificuldade de arranjar trabalho em Hollywood, Dassin partiu para a França  onde dirigiu Rififi / Du Rififi Chez les Hommes / 1955, drama criminal de assalto  baseado no livro de Auguste Le Breton (com um elenco no qual se destacam Jean Servais, Carl Mohner, Robert Manuel e o próprio Dassin, creditado como Perlo Vita).

Tony Stéphanois (Jean Servais), após cumprir cinco anos de cárcere, idealiza o roubo das jóias da Mappin & Webb e o executa com a cumplicidade de dois amigos (Robert Manuel, Carl Mohner) e de Cesar-le-Milanais (Jules Dassin), especialista em arrombar cofres. Este, por uma imprudência, revela a identidade dos assaltantes a uma quadrilha rival, ocasionando uma guerra entre os dois grupos, que só termina com a morte do último bandido. O filme ficou famoso pela sequência da execução do plano audacioso, cêrca de trinta minutos de suspense sem uma só palavra e sem fundo musical, apenas com os ruídos que os assaltantes não podem evitar furando o chão, amordaçando o alarma ou arrombando o cofre – em uma exposição minuciosa do assalto. A humanidade dos personagens também faz com que o espectador fique  preso à intriga o tempo todo e Dassin expõe a narrativa em estilo rigoroso e áspero, construindo outras boas cenas como da morte de Cesar-le-Maltais (que reconhece ter desobedecido o código de ética dos criminosos e aceita  sua punição) e principalmente o final, quando Tony, o derradeiro criminoso sobrevivente, mortalmente ferido na guerra entre quadrilhas, dirige o carro, tendo a seu lado o menino, que brinca, encostando na sua cabeça o revólver de brinquedo, sem consciência da tragédia que estava se encerrando  naquele momento. O filme teve grande sucesso e deu a Dassin o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes. Nesta ocasião Dassin conheceu a atriz grega Melina Mercouri e ao mesmo tempo a obra literária de Mikos Kazantzakis.

Pierre Vaneck em Aquele Que Deve Morrer

Em 1957 ele dirigiu Aquele Que Deve Morrer / Celui Qui Doit Mourir baseado no romance de Kazantzakis, “O Cristo Recrucificado”, produção franco-italiana (com um elenco no qual se destacam Jean Servais, Pierre Vaneck, Carl Mohner, Grégoire Aslan, Gert Fröebe, Melina Mercouri, Roger Hanin, Fernand Ledoux, Maurice Ronet).

A ação transcorre em 1920 em uma aldeia grega, estando o país sob domínio turco. É Época de Páscoa e, segundo o costume, encenar-se-á a Paixão de Cristo. Manolios (Pierre Waneck) jovem pastor, humilde e gago, encarnará o Nazareno enquanto que o papel de Maria Madalena será entregue à viúva Katerina (Melina Mercouri). Durante os preparativos para a cerimônia, liderados pelos sacerdote Fotis (Jean Sevais), surgem os retirantes de uma aldeia destruída pelos turcos, O sacerdote local, Grigoris (Fernand Ledoux), aliado às forças dominantes (o capitalismo, representado por um proprietário de terras, e a tropa de ocupação) opõe-se à sua permanência na aldeia. Há uma revolta e, no fim, o povo se une contra a tirania, e Manolios tem a sua própria Paixão, sendo apunhalado por Panagiotaros (Roger Hanin), que devia assumir o papel de Judas.

Esta alegoria religiosa mostra duas concepções da igreja cismática: um sacerdote defende a ordem estabelecida e o poder vigente enquanto que o segundo sacerdote coloca-se ao lado do refugiados e os sustenta ativamente. Os sentimentos humanos são postos em evidência, quer sejam positivos ou negativos: a coragem, a covardia, o amor, o ódio, a indiferença, a compaixão, a hipocrisia, o oportunismo etc. … em suma trata-se de um filme profundamente humano. Magníficos exteriores selvagens e rudes são captados com inspiração plástica pelas câmeras do CinemaScope e as imagens de grupos de pessoas são vistas por enquadramentos inspirados assim como o movimento das massas (os homens em trapos sentados na colina; o combate final entre as duas facções). Todos os atores desincumbem-se de seus papéis com entusiasmo.

Marcello Mastroianni e Gina Lollobrigida em A Lei dos Crápulas

Em 1958 Dassin dirigiu A Lei dos Crápulas / La Legge, baseado no romance de Roger Vailland (com um elenco no qual se destacam Gina Lollobrigida, Marcello Mastroianni, Yves Montand, Pierre Brasseur, Paolo Stoppa, Melina Mercouri),  estudo de costumes tragicômico cujos tipos pitorescos são encarnados com vigor pelos seus intérpretes. No centro da intriga está Marietta (Gina Lollobrigida), a moça mais bonita de Porto Manacore, pequena aldeia de pescadores da Sicília. Todos os homens do lugar a cobiçam. Entre eles: Enrico Tosso (Marcello Mastroiani), jovem agrônomo novo na região; Matteo Brigante (Yves Montand), líder da contravenção; Don Cesare (Pierre Brasseur), velho latifundiário e patriarca da região; o tímido serviçal de Don Cesare, Toni, que é cunhado de Marietta (Paolo Stoppa). Brigante tem um filho, Francesco (Raf Mattiolo), que ama Donna Lucrezia (Melina Mercouri), mulher do juiz. O enredo é tortuoso e complicado, as cenas são muito longas. Dassin apresenta alguns trechos de bom cinema em sequências dispersas: a tentativa de estupro de Marietta por Tonio, os desocupados na praça e a morte de Lucrécia com um excelente corte para o último suspiro de Don Cesare. Deste modo, A Lei dos Crápulas fica no meio têrmo. Não é um mau filme, mas não está à altura das realizações anteriores do cineasta.

Nos anos 60 Dassin realizou:  Nunca os Domingos / Pote tin Kyriaki / 1960; Profanação / Phaedra / 1962; Topkapi/ Topkapi / 1964; Corações Desesperados / 10.30 P. M.  Summer / 1966; O Poder Negro / Up Tight / 1968 e um documentário, Survival Hamichama al Hashalom / 1968, sobre a Guerra dos Seis Dias.

Melina Mercouri e Jules Dassin em Nunca aos Domingos

O primeiro filme é o melhor. Homer Thrace (Jules Dassin) turista americano, apaixonado pela Grécia antiga e seus filósofos, chega a Atenas para descobrir a verdade sobre a queda da civilização grega. Em um bar no porto de Pireu ele conhece Ilya (Melina Mercouri), prostituta muito popular, que “recebe” todos os dias da semana menos no domingo (que reserva para a sua grande paixão: o teatro clássico grego – embora veja nas peças antigas apenas aquilo que ela quer ver). Surpreendido por este interesse Homer, como um novo Pigmalião, decide dar-lhe lições sobre literatura, música clássica e as belas artes e ajudá-la a  ascender socialmente. Porém ele financia seu projeto com o dinheiro do principal proxeneta do Pireu, M. Noface (Alexis Solomos) que vê em Ilya, trabalhadora independente, um mau exemplo e quer se desembaraçar dela. Quando Ilya descobre o acordo secreto que liga Homer à Noface, ela renuncia a mudar de vida e incita a revolta de suas companheiras de lenocínio. Ilya acaba por se reconciliar com Homer, que parte para os Estados Unidos, depois de descobrir o que ele nunca aprendeu nos livros: o prazer de viver. Quanto à Ilya, ela encontra o amor junto de Tonio  (Giorgos Foundas), operário do porto. Com esta história hedonista (da qual ele é também o autor e intérprete), Dassin realiza um filme arrebatador que deve à sua estrela Melina Mercouri grande parte de sua vivacidade e bom humor. Ela recebeu por sua criação o prêmio de interpretação no Festival de Canne e uma indicação para o Oscar de Melhor Atriz. Dassin também foi indicado por sua direção e roteiro e “Ta Paidia tou Peiraia”, com letra e música de Manos Hadjidakis, ganhou o Oscar de Melhor Canção. O filme foi um tremendo sucesso de bilheteria.

 

Melina Mercouri e Anthony Perkins em Profanação

Profanação é uma versão moderna da peça de Eurípedes, apresentando Fedra (Melina Mercouri) como a segunda mulher de Thanos, grande armador grego; Teseu reincarnado como Thanos (Raf Vallone) e Hipólito  (Anthony Perkins), filho de Teseu, revivendo como Alexis, o rapaz que se torna amante de sua enteada. A direção de Dassin de um modo geral é firme e os três intérpretes dão a devida intensidade dramática às paixões exacerbadas de seus personagens. Percebe-se algumas referências clássicas como, por exemplo, o encontro de Fedra com Alexis no British Museum de Londres, onde vemos as esculturas de mármore do Parthenon. A figurinista Denny Vachlioti ganhou uma indicação para o Oscar, destacando-se aquele contraponto que percebemos na cena final do filme, quando Melina Mercouri toda vestida de branco abre caminho através de um grupo de mulheres de luto, lembrando imediatamente a imagem do côro no drama antigo. A melhor sequência em termos cinematográficos, cheia de angústia, é a da morte de Alexis no seu carro-esporte.

Cena de Topkapi

Topkapi é uma comédia policial baseada em um romance de Eric Ambler sobre o roubo de uma adaga com quatro esmeraldas fabulosas (guardada em uma vitrine de vidro inquebrável e hermeticamente fechada com o assoalho cheio de dispositivos de aviso impossíveis de neutralizar) no Palácio Topkapi em Istambul. Os autores intelectuais do assalto, Elizabeth Lipp, também conhecida como Elizavetta Lippmanova (Melina Mercouri) e seu amante Walter Harper, um larápio internacional também conhecido como Walter Haberlee (Maximilian) recrutam como cúmplices Arthur Simon Simpson (Peter Ustinov), guia turístico; Cedric Page (Robert Morley), inventor excêntrico; Gerven (Akim Tamiroff), cozinheiro alcoólatra; Hans Fisher (Jess Hahn), atleta vigoroso; e o acrobata mudo, Giulio (Gilles Segal), formando um bando de amadores, sobre os quais é mais difícil atrair a atenção da polícia. Neste seu primeiro filme em cores Dassin providencia um espetáculo divertido, repetindo a fórmula já usada em Rififi, mas construindo uma sequência de assalto mais longa (cerca de 40 minutos) e com um suspense extra causado pela acrofobia do guia turístico. Peter Ustinov arrebatou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Cena de Corações Deseperados – Roy Schneider, Peter Finch, Melina Mercouri

Cena de O Poder Negro

Corações Desesperados, melodrama psicológico baseado no romance “Dix heures et demie du soir en été” de Marguerite Duras  (com um elenco no qual se destacam Melina Mercouri, Peter Finch e Romy Schneider) e O Poder Negro, drama racial baseado no romance de “The Informer” de Liam O’Flaherty, mudando o cenário da Irlanda para a América do Norte (com um elenco no qual se destacam Ruby Dee, Raymond St. Jacques, Frank Silvera, Roscoe Lee Browne) desapontaram os críticos.

Cena de Promessa ao Amanhecer

Nos anos 70, Dassin fez: Promessa ao Amanhecer / Promise at Dawn / 1970, drama baseado em um romance autobiográfico de Romain Gary, no qual Melina Mercouri interpreta a mãe do escritor, a atriz Nina Kacew, que cria – com sonhos megalomaníacos – seu filho ilegítimo (interpretado por Assaf Dayan, filho de Moshe Dayan, militar e político israelense) nascido do seu romance com o famoso ator do cinema mudo Ivan Mosjoukine, encarnado por Dassin (mais uma vez sob o pseudônimo de Perlo Vita); The Rehearsal / 1974), recriação em forma de ensaio teatral (no ICinema Studio em Nova York) do massacre em 1973 de estudantes e trabalhadores na Escola Politécnica de Atenas pela Junta Militar, com Melina Mercouri como narradora, atores gregos (Olympia Dukakis, Stathis Giallelis etc.) e a participação de celebridades (Laurence Olivier, Arthur Miller, Maximilian Schell, Lillian Hellmann) lendo poemas ou cartas; A Dream of Passion / 1978, drama no qual em virtude de um golpe de publicidade, Maya (Melina Mercouri), atriz grega que está interpretando o papel principal de Medéia no teatro, é posta em contato com Brenda Collins (Ellen Burstyn), americana presa na Grécia por ter assassinado seus três filhos para se vingar de seu marido infiel. A paixão alucinada de Brenda e o horror de seu crime fascinam Maya, a ponto de que seu desempenho em cena vem a ser consideravelmente influenciado: quanto mais ela reencontra Brenda na prisão  mas ela parece se identificar com a infeliz. Na noite de estréia da peça, enquanto Maya grita sua dor e seu ódio a Jasão, Brenda, na sua cela, repete seus berros como um eco, exprimindo toda a solidão e o desespero de uma mulher atormentada. A  proposta de todos esses filmes era interessante, porém mais uma vez o trabalho de Dassin decepcionou.

Richard Burton e Tatum O’Neal em Círculo de dois Amantes

Nos anos 80 foi lançado o último filme do diretor, Círculo de dois Amantes / Circle of Two, produção canadense sobre o amor impossível entre um pintor famoso sexagenário  (Richard Burton) e uma jovem de 16 anos (Tatum O’Neal) – outro fracasso profissional. E assim terminou melancolicamente a carreira de Jules Dassin, cineasta habilidoso que, na sua melhor fase, realizou filmes importantes nos Estados Unidos e na Europa. Ele se casou duas vêzes: em 1937 com Béatrice Launer, violinista judaico-americana, da qual se divorciou em 1962; em 1966 com Melina Mercouri. Dassin faleceu em 2008 aos 96 anos de idade. Melina havia falecido em 1994. Em 1971 ela abandonou a vida artística, após ter sido eleita para o Parlamento Grego como uma ardente socialista. A ex-atriz tornou-se Ministra da Cultura em 1981 e tentou em vão obter a devolução dos mármores do Partenon, que estão no Museu Britânico, para sua terra natal.

ALFRED HITCHCOCK – JANELA INDISCRETA

ALFRED HITCHCOCK – JANELA INDISCRETA

RESUMO DO ARGUMENTO

Um repórter fotográfico, L. B. Jeffries (James Stewart), confinado em uma cadeira de rodas por causa de uma perna quebrada, observa ociosamente o comportamento de seus vizinhos através do pátio interno de seu apartamento em Greenwich Village. Suas observações levam-no a suspeitar de que um dos vizinhos, Lars Thorwald (Raymond Burr), assassinou a esposa, mas não consegue convencer sua noiva, Lisa Fremont (Grace Kelly,) e seu amigo detetive, Thomas J. Doyle (Wendell Corey), de que está certo. Eventualmente, quando Lisa encontra uma prova incriminadora, confirmando suas suspeitas, o assassino descobre que está sendo vigiado e tenta matar o fotógrafo. Este é salvo no momento exato, porém sua outra perna é quebrada no curso da operação de resgate.

Alfred Hitchcock e James Stewart

TEMA.

O tema mais geral, é óbvio, é o do voyeurismo, a curiosidade incontrolável de espiar os outros. O Hitchcock faz do espectador um cúmplice do voyeurismo do protagonista, criando uma metáfora da própria essência do cinema. Existe uma analogia entre o voyeurismo do Jeff (James Stewart) e o do espectador de cinema. Nós espectadores espreitamos a vida dos personagens que vemos na tela, penetrando na sua intimidade que, para nós, se torna um espetáculo; porém há uma nuance: o que vemos na tela é puramente imaginário e feito para ser visto, ao contrário do que ocorre com Jeff. Ele vê o que, para ele, é real e não consentido. Outra comparação que se pode fazer é que o Jeff espia os vizinhos para fugir dos seus próprios problemas – a perna quebrada, a imobilidade forçada, o tédio – assim como o espectador médio entra no cinema e espia a vida dos personagens que vê na tela, para escapar dos seus. É o escapismo típico do cinema. E nós nos identificamos a tal ponto com o Jeff, que esperamos fervorosamente que a sua dedução esteja certa e que o suspeito tenha mesmo cortado a esposa em pedacinhos. Vejam só que coisa macabra:  a gente torce para que um crime horrendo tenha sido cometido. O fascínio consiste justamente em provar a veracidade da hipótese levantada por Jeff.

Outra coisa parece evidente, e este seria um subtema: aquilo que o Jeff vê pela janela dos fundos, pela rear window, é um microcosmo, um pequeno universo com várias facetas do comportamento humano. É uma alegoria da solidão e do egoismo nos grandes centros urbanos, do isolamento entre as pessoas. Todo esse pequeno mundo cohabita se ignorando. Não há nenhuma comunicação, nenhuma fraternidade, nenhum calor humano entre eles. É o triunfo da solidão e do egoismo. Quando aquela mulher grita pela morte do seu cachorrinho, os vizinhos chegam na janela, mas só mostram curiosidade, nada mais. Não há qualquer gesto de solidariedade. Hitchcock olha para esse mundo com certa compaixão e não como um misantropo, como alguém que tem aversão à sociedade. E não sei se vocês notaram. Todas aquelas mini-histórias ou vinhetas têm um denominador comum: elas envolvem algum aspecto do relacionamento homem-mulher, do amor ou do casamento. A mulher solitária, os jovens récem-casados, o músico solteirão, a bailarina assediada pelos homens, o casal sem filhos que transfere o amor para o cãozinho e o casal que se odeia, ou seja, o suspeito e sua mulher.

James Stewart

Uma observação: tudo aquilo pelo qual o Jeff passou não teria sido uma espécie de experiência terapêutica, que é um tema recorrente de Hitchcock? Isto é, depois de tudo o que ele passou é que ele se tornou apto para aceitar o noivado e se libertou da compulsão de espiar os outros? Acho que, depois que ele viu o espírito de iniciativa e a coragem de Lisa, indo lá no apartamento do assassino, sentiu que tinha uma afinidade com ela. Jeff é um homem de ação e aventura e descobriu uma Lisa diferente daquela Lisa manequim ou dondoca. E aí ele passou a aceitar a possibilidade de casamento. Há um plano que mostra bem o seu contentamento e admiração pela namorada, quando ela está no apartamento do assassino. E, ainda quanto à libertação terapêutica do voyeurismo, vejam que na última cena Jeff está sentado de costas para a janela.

Mais uma interpretação possível: o Hitchcock teria desejado dar uma de moralista, fazendo o Jeff ser punido por ter cedido à tentação de espiar os outros. Ele recebeu o que merecia, quebrando a outra perna. No final, quando o criminoso vai ao quarto de Jeff, ele pergunta: “O que é que você quer de mim? E Jeff não responde. Porque, de fato, as sua ações não tinham justificativa, eram motivadas por pura curiosidade.

Hitchcock e o roteirista John Michael Hayes

ROTEIRO.

O roteiro foi escrito por John Michael Hayes, inspirado no livro de Cornell Woolrich. conhecido autor de romances policiais, que usava às vezes o pseudônimo de William Irish. Irish foi o escritor que forneceu mais histórias para os filmes noirs entre eles, A Dama Fantasma / Phantom Lady /1944, Anjo Diabólico / Black Angel / 1946, Morte ao  Amanhecer / Deadline at Dawn / 1946, Chantagem / Fall Guy /1947, Um Rosto no Espelho / Fear in the Night /1947, A Noite Tem Mil Olhos/ Night Has A Thousand Eyes / 1948 etc. Michael Hayes era redator de rádio e sua contribuição foi mais com relação aos diálogos. Ele foi responsável pelos diálogos espirituosos que valorizaram muito o filme. São diálogos mordazes, às vezes carregados de um humor macabro, principalmente os que são ditos pela massagista (Thelma Ritter). Na história original o herói era um inválido, que acabava levando um tiro do assassino e a bala pegava, imaginem só, em um busto de Beeethoven. O Hitchcok, em vez de aproveitar esta cena absurda, inventou o lance genial dos flashes da máquina fotográfica etc.O roteiro é bastante original na apresentação da intriga, pois o herói, ao contrário do que costuma acontecer nas histórias policiais, está imobilizado e faz suas investigações usando o telefone, a luneta, o binóculo, a teleobjetiva, enfim, os seus próprios instrumentos de trabalho. E aí vocês vêem como os acessórios podem assumir uma importância particular em um filme.

CONSTRUÇÃO DRAMÁTICA

A construção dramática é a do drama clássico com unidade de tempo, lugar e ação. Com um detalhe interessante: é como se nós estivessemos duplamente no cinema. Nós vemos o Jeff e seus problemas que, por sua vez, nos faz ver as pequenas misérias de seus vizinhos. Estes vizinhos são personagens de “filmes dentro do filme”. Eles são distribuídos em sequências, que são enquadradas pelo Jeff com o binóculo ou a teleobjetiva, como se estivesse reinventando os planos, uma metalinguagem.

CENÁRIO.

O cenário ao fundo,James Stewart, Grace Kelly, Hitchcock.

O cenário é confinado. Tudo se passa em um mesmo lugar: o pátio interno de um edifício. O Hitchcock retoma o desafio técnico que enfrentara em Um Barco e Nove Destinos / Lifeboat / 1944, filme no qual a ação se passava toda em um bote salva vidas e Festim Diabólico / Rope / 1948, que se passava todo em um apartamento.   Ele planejou tudo minuciosamente, fazendo questão de supervisionar a construção dos cenários. Além do seu costumeiro desenho de produção. Ele desenhava cena por cena do filme dando instruções minuciosas sobre cada plano, cada movimento de câmera, cada corte, em uma espécie de montagem a priori. Depois que tudo era posto no papel, dava seu trabalho por encerrado. A filmagem era mera formalidade, mera execução. O crítico André Bazin ficou espantado quando foi assistir à filmagem de Ladrão de Casaca / To Catch a Thief / 1955 e viu o Hitchcock entediado, sentado  em uma cadeira, quase dormindo. E James Stewart contou,  durante uma entrevista coletiva à imprensa da qual participei  (em outubro de 1980, quando ele veio ao nosso país para promover o relançamento de quatro filmes de Hitchcock), que nunca viu o Hitchcock olhando pelo visor da câmera. É claro que há exagero nestes depoimentos, pois em uma filmagem às vezes ocorrem imprevistos; mas, de uma maneira geral era aquilo mesmo que acontecia. Segundo Stewart, Hitchcock era um dos poucos diretores que terminava o filme com 80 ou 100 metros de película filmada. A maioria deles terminava com 8 mil metros.

Grace Kelly e James Stewart com Hitchcock

 

DIREÇÃO.

O filme é um perpétuo exercício de estilo, que contém e resume a maior parte das proezas da obra anterior de Hitchcock. É uma espécie de súmula, uma obra-prima de suspense e humor. Nós estamos ao mesmo tempo, dentro do filme, subjugados pela trama policial e pelas leis do suspense, e fora dele, como observadores, ora risonhos, ora comovidos com a tragi-comédia humana que são aquelas vinhetas, aqueles aspectos do comportamento humano. E, apesar de todo virtuosismo técnico, trata-se de um estilo sóbrio, cristalino, econômico. A simplicidade e a clareza cujo segredo só os grandes cineastas conhecem.

É impressionante como Hitchock fica à vontade em um espaço reduzido, usando principalmente o ponto de vista subjetivo, as panorâmicas e o contraste constante entre os planos mais próximos e os mais afastados, Enfim, ele joga com a identificação e com a distância. E vocês notaram que quando o assassino percebe que a Lisa se comunica  com alguém do prédio vizinho, ele encara ostensivamente a câmera e dá um choque na platéia.  Tal como deu no Jeff. Ambos, a platéia e o Jeff, até então vinham observando tudo anonimamente  mas, a partir daí, o Jeff  se separa, se liberta do público, deixa de ser um voyeur como ele – a metaliguagem cede lugar à ação.

Grace Kelly e James Stewart

Além deste, há um outro momento em que o filme muda o seu ponto de vista subjetivo. É no final da cena em que a mulher começa a gritar, histérica, ao saber da morte do seu cachorrinho e os vizinhos chegam nas janelas, exceto o assassino, que fica fumando no escuro. A câmera aí, sai do apartamento do Jeff e a cena se torna totalmente objetiva. Esta cena ilustra uma regra do trabalho do Hitchcock que consiste em não mostrar uma vista geral do cenário até um auge dramático. É só naquele instante que ele mostra pela primeira vez todo o pátio. Certa vez ele contou  que estava fazendo um filme para a TV e havia uma cena na qual um homem entrava em uma delegacia para se entregar. Disse o Hitchock: “eu dei um close dele entrando, da porta se fechando atrás dele e dele caminhando até a mesa. Tudo em close. E então alguém me perguntou: “O senhor não vai mostrar todo o cenário para que as pessoas saibam que estamos em uma delegacia?”. E ele respondeu: “Porque que eu vou me preocupar com isso? O sargento que está sentado na mesa tem três listras no seu braço direito, que está perto da câmera, e isso é o bastante para dar a idéia de uma delegacia. Por que vou desperdiçar um plano geral que poderá ser útil em um mmento dramático? Este conceito de desperdício, de poupar a imagem para uso futuro é interessante.

Grace Kelly mostrando a aliança

 

Outra coisa que o Hitchcock faz admiravelmente é expor a ação e os personagens com muita economia de meios. Vejam a cena da abertura do filme. Ele se abre como o rosto do Jeff. A câmera se move para a parede, onde se vê fotos de carros de corrida virados na pista. Por meio deste simples movimento de câmera nós ficamos sabendo quem é o personagem, o que ele faz, e até como teria sido o seu acidente. É um exemplo de como se usa meios puramente cinematográficos para se contar uma história. É muito mais interessante do que se o Hitchcock tivesse posto alguém perguntando ao jeff como foi que ele quebrou a perna. Isso é o que um diretor comum faria, ele recorreria ao diálogo.

Grace Kelly

E por falar em diálogo, nós vimos que os diálogos são muito espirituosos, mas eu gosto muito é de uma cena muda. Aquela quando a Lisa entra no apartamento do criminoso e acha a aliança da vítima. Ela coloca a aliança no dedo e balança a mão para que Jeff a veja. O gesto tem dupla significação: é a vitória dela, achando a prova do crime e, ao mesmo tempo, uma insinuação para que Jeff se case com ela. É um toque irônico. A ironia está sempre presente nos filmes de Hitchcock.

Na filmagem, Grace Kelly (em pé), Wendell Corey James Stewart (sentados), Robert Burks (ao fundo no centro ), Hitchcock (na extrema direita)

FOTOGRAFIA E ILUMINAÇÃO.

Quanto à iluminação e à cor a gente tem um belo exemplo de sua utilização expressiva quando o assassino fica no escuro e o vermelho da brasa do seu cigarro aceso se reflete nos seus óculos. E depois, a cena climax, quando Jeff se defende usando os flashes da sua máquina fotográfica. A câmera aí se torna por um instante subjetiva e nós é que ficamos cegos com os clarões de luz. É uma sequência admirável e muito bem montada por George Tomasini, o mesmo que ajudou o Hitchcock em Psicose / Psycho / 1960. O Tomasini e o fotógrafo Robert Burks eram colaboradores assíduos do diretor assim como o Bernard Hermann que, entretanto, não participou de Janela Indiscreta.

James Stewart e Grace Kelly

SOM.

Enquanto a imagem se aproxima dos vizinhos através da luneta, do binóculo ou da telobjetiva, o som continua em plano geral. Isto é, o som não é audível como, por exemplo, na experiência mal sucedida da mulher solitária. O espectador é obrigado a construir um som subjetivo para essa sequência. O público assume a função de autor dos diálogos. Uma cena de bom emprego do som é quando o criminoso vai para o apartamento do Jeff. Ouve-se o barulho dos seus passos e outros ruídos, aumentando a tensão.

James Stewart e Grace Kelly

MONTAGEM.

Na entrevista que concedeu ao Truffaut, Hitchcock referiu-se à experiência de Kulechov que consistiu em colocar a imagem do ator Ivan Mosjoukine  sucessivamente ao lado de um prato de sopa, de uma mulher moribunda e o deuma criança sorrindo. O rosto do ator em uma atitude impassível, parecia exprimir em cada caso: fome, pena ou ternura. Pois bem, o Hitchock fez a mesma experiência com dois closes de James Stewart. Ele deu um close de Jeff e em seguida cortou para o cachorrinho que está descendo em uma cesta; quando cortou de novo para o  mesmo close, o Jeff parece que está dando um sorriso amável.  Depois ele usou novamente o close, desta vez cortando para uma garota semi nua, exercitando seus passos de dança; e quando volta a mostrar o close do James Stewart, o sorriso de Jeff parece lascivo. Mas era sempre o mesmo close, com a mesma expressão do ator.

PERSONAGENS.

Jeff é o centro do filme. Ele está sempre presente. Sempre como testemunha. Ele é “aquele que espia” e nós o espiamos, espiando. É um personagem curioso e cínico. E parece misógino. A Lisa está louca para casar com ele,. Mas ele, sendo um homem acostumado com a ação e a aventura, não quer perder a liberdade. A cena da primeira aparição de Lisa, sua sombra cobrindo o corpo do Jeff, é bastante simbólica do seu desejo de conquista. E a cena do beijo prolongado também é significativa da oposição Jeff-Lisa. Ela, envolvente e ele distraído, com a atenção voltada para outro lugar, preocupado como o que está acontecendo do outro lado do pátio.  Lisa é a manequim, elegante, uma dondoca; mas depois se revela como uma moça de ação e coragem, que poderá  ser uma boa companheira para Jeff. A Grace Kelly era mesmo a atriz ideal para o papel.

Thelma Ritter e James Stewart

A massagista é responsável pelos diálogos mais engraçados. Suas reflexões sobre o casamento, seu humor macabro, são hilariantes. Thelma Ritter sempre foi uma ótima atriz coadjvante. O detetive (Wendell Corey) é sarcástico, incrédulo. É uma figura antipática. O Hitchcock, desde que contou aquela história da sua infância, quando ficou preso em uma cela por ter feito uma travessura, ficou com a fama de ser contra a polícia, mas sempre que tocavam no assunto, ele dizia: “Não sou contra a polícia. Só tenho medo dela”.

Grace Kelly, Wendell Corey, James Stewart

Raymond Burr

Quanto ao casal Thorwald, a mulher, apesar de doente, é despótica, é uma megera, quase justificando o ato do marido. E o Raymond Burr é um excelente vilão. O Hitchcock tinha uma regra: quanto melhor o vilão, melhor o filme. A mulher solitária é uma personagem triste, levemente ridicularizada, No desespêro, ela acaba recorrendo ao aliciamento e a experiência  é catastrófica, porque o gigolô não tem a delicadeza que ela esperava. O casal sem filhos transfere o amor para o cachorrinho. Os jovens récem-casados estão sempre em lua de mel mas, quando amanhece, já começam a brigar. O compositor almeja o sucesso e bebe. A bailarina, é um tanto exibicionista e cortejada pelos admiradores. Talvez seja uma imagem de Lisa que era manequim e deveria também ser cortejada. A escultora, feia, bota no barro as formas horrorosas e futuristas, uma nota de humor tipicamente hitchcockiana.

Grace Kelly

CONCLUSÃO.

O Hitchcock tinha um espírito prático, uma queda para a engenharia e estudou mecânica e eletricidade. Talvez por isso o seu grande estímulo tenha sido sempre o desafio técnico. Nós podemos mesmo dizer que o conteúdo de seus filmes no fundo era a própria técnica, que ele dominava de maneira absoluta e punha a serviço da diversão, do entretenimento. Como disseram Claude Chabrol e Eric Rohmer no seu livro clássico sobre ele, “A forma dos filmes de Hitchock cria o conteúdo”. Hitch costumava dizer: “Muitos diretores fazem filmes que são pedaços da vida, os meus são pedaços de bolo”. Não estou interessado em conteúdo, ele dizia, “Sou como um pintor que não se importa com as maçãs que está pintando, se são doces ou amargas. O que interessa é seu estilo, sua maneira de pintá-las – daí é que vem a emoção”. Hitchcock é um formalista típico, que faz a arte pela arte, a arte como um fim em si mesma. Ele sempre esteve preocupado com a forma, como emocionar o espectador através de meios puramente cinematográficos.  E é isso que me fascina, a sua maneira de fazer cinema, um cinema puro, essencialmente visual e não como ele próprio dizia, “fotografias de pessoas falando”, um cinema de invenção pictórica.

A COR NO CINEMA

A cor foi amplamente usada desde os primórdios do cinema. Os sistemas de cor podiam ser naturais ou artificiais. Os sistemas de cor artificial datam do nascimento do cinema e envolvem a colorização do filme no todo ou em parte. Os processos então disponíveis eram a colorização à mão, a estencilização, o tingimento e a viragem.

Cenas de O Roubo do Grande Expresso

Os primeiros filmes foram coloridos à mão imagem por imagem (v. g. as cenas de dança no saloon ou o plano do tiro de revólver no final de O Roubo do Grande Expresso / The Great Train Robbery / 1903 de Edwin S. Porter). Em 1905, Charles Pathé inventou um processo de pintura por meio de estêncil chamado pathécolor (rebatizado de Pathéchrome em 1929), que mecanizava a aplicação da cor. Nos Estados Unidos uma outra forma de estencilização foi patenteada em 1916 pelo gravador Max Handschiegl e pelo cinegrafista Alvin Wycoff. O processo Handschiegl foi usado, por exemplo, em Intolerância / Intolerance / 1916 (Dir: David Wark Griffith) e Ouro e Maldição / 1925 (Dir: Erich von Stroheim).

Cena de Intolerância

Cena de Ouro e Maldição

Depois, os filmes passaram a ser colorizados por meio dos processos de tingimento e viragem. O processo de tingimento (tinting) consistia na imersão do filme positivo preto-e-branco em um banho  de tinta. O processo de viragem (toning) era obtido pelo tratamento químico da prata que havia no filme. A combinação do tingimento com a viragem permitia efeitos  de cor complexos  – tais como o efeito de crepúsculo e luar sobre as águas -, mas eram muito difíceis e caros (King Vidor usou-os em O Bom Pastor / The Sky Pilot / 1921). No começo dos anos 20, 80 a 90% de todos os filmes americanos usavam um desses processos  em pelo menos algumas cenas. Porém a chegada do som trouxe problemas, porque as tintas usadas interferiam na trilha de som, absorvendo muita luz.

Cena de Horizonte Sombrio

O primeiro processo natural foi um sistema de duas cores, vemelho e azul-esverdeado, denominado kinemacolor. O filme colorido era produzido por um processo aditivo, usando-se filtros coloridos na câmera e depois no aparelho de projeção. Este sistema patenteado na Inglaterra em 1906 por George Albert Smith, e explorado nos Estados Unidos por Smith e Charles Urban, não deu bom resultado. Ele foi aperfeiçoado por William Van Doren Kelley, que usou um processo substrativo (eliminado as cores não desejadas do espectro). Seu sistema, prizmacolor, foi usado em shorts e inserções ocasionais em filmes como Horizonte Sombrio / Way Down East / 1920 (Dir: David Wark Griffith) e Flor de Ouro / The Gilded Lily / 1921 (Dir: Robert Z. Leonard), mas também tinha defeitos.  Para solucioná-los, Kelley se uniu com Handschiegl em 1926 e lançaram um sistema de embebimento (imbibition) com o nome de Kelley Color. Todavia, nessa ocasião, o mercado do filme colorido já estava dominado pela Technicolor Motion Picture Company.

Cena de The Guff Between

Cena de Flor de Lótus

Os fundadores da Technicolor (o “Tech” de Technicolor derivou de sua associação com o Massachusetts Institute of Technology), Herbert T. Kalmus e Daniel Comstock, criaram um sistema de duas cores baseado na colagem ou cimentação de dois negativos. Primeiramente, eles experimentaram um sitema aditivo parecido com o kinemacolor em The Gulf Between / 1917 (Dir: Wray Physioc), que apresentou problemas no ajuste do prisma acoplado ao projetor para registrar adequadamente as duas imagens coloridas na tela. Kalmus e Comstock então introduziram o Technicolor subtrativo de duas cores em Flor de Lótus / The Toll of the Sea / 1922 (Dir: Chester Franklin). O processo número dois tinha como novidade o registro da cor na própria imagem, sem necessidade de filtros. Um único negativo registrava tanto o vermelho quanto o azul-esverdeado. Duas matrizes eram produzidas e recebiam um banho de tinta de uma cor complementar à cor original registrada (a vermelha recebia o ciano e a azul-esverdeada o magenta), sendo depois coladas, para dar origem às cópias de exibição.

Cena de Os Dez Mandamentos

Cena de O Fantasma da Ópera

Cena de Ben-Hur

Cena de O Vagabundo do Deserto

Cena de O PIrata Negro

Os avanços do novo sistema  encorajaram os produtores hollywoodianos a empregar o Technicolor em algumas cenas de filmes em preto e branco ( v. g. Os Dez Mandamentos / The Ten Commandements / 1923 (Dir: Cecil B. De Mille), O Grande Desfile / The Big Parade / 1925 (Dir: King Vidor), O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1925; Ben-Hur / Ben- Hur / 1926 (Dir: Fred Niblo) e depois em filmes inteiramente  em Technicolor como O Vagabundo do Deserto / The Wanderer of the Wasteland / 1924 (Dir: Irvin Willat) e O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926 (Dir: Albert Parker). Porém o segundo processo também tinha suas próprias dificuldades: as tiras de película coladas dobravam-se sob o calor da projeção, deixando o filme fora de foco.

Cena de O Rei dos Reis

Cena de A Marcha Nupcial

Cena de Toca a Música

Cena de As Mordedoras da Broadway

Cena de Os Crimes do Museu

Um terceiro processo empregou um método de embebimento parecido como o de Kelley e Handschiegl, que dispensava a colagem. O embebimento permitiu à Technicolor um controle muito maior das cores. O Rei dos Reis / King of Kings / 1927 (Dir: Cecil B. De Mille) e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928 (Dir: Erich von Stroheim) usaram este sistema, que ficou em uso geral até 1933. Na fase sonora, o novo processo foi primeiramente usado em sequências de Broadway Melody / Broadway Melody  / 1929 (Dir: Harry Beaumont) e A Canção do Deserto / The Desert Song / 1929 (Dir: Roy Del Ruth) e os primeiros filmes sonoros inteiramente em Technicolor foram Toca a Música / On With the Show / 1929 (Dir: Alan Crosland) e As Mordedoras da Broadway / Gold Diggers of 1929 (Dir: Roy Del Ruth). A Warner realizou o último filme em Technicolor de duas cores, Os Crimes do Museu / The Mystery of the Wax Museum / 1933 (Dir: Michael Curtiz). No final dos anos 20, foi também utilizado um outro processo de duas cores intitulado multicolor (v. g. algumas sequências  de Follies / Fox Movietone Follies of 1929 (Dir: David Butler).

Cena de  Follies em multicolor

Finalmente, em 1932, Kalmus lançou um processo de três cores, o chamado glorious technicolor. Ele criou uma câmera especial, dentro da qual correm três negativos diferentes, cada um deles sensível a uma cor básica: o vermelho, o verde e o azul. Os negativos servem para fazer as matrizes, cujas superfícies  retêm os colorantes por embebimento, tal como as pedras litográficas  retêm as tintas de impressão. Cada matriz é coberta com uma tinta de cor complementar, a matriz vermelha recebendo o ciano; a verde, o magenta; e a azul, o amarelo. Uma de cada vez, as matrizes são postas em contato, sob alta pressão, com o filme receptador (que é um filme preto-e-branco coberto de uma substância para fixar as cores), e a tinta é transferida para este.

Natalie Kalmus

O processamento das cópias era totalmente controlado pela companhia. Os produtores alugavam as câmeras especiais da Technicolor e o trabalho de cameramen que sabiam operá-las, inicialmente J. Arthur Ball e, depois, Ray Rennahan. Outra imposição da Technicolor era a  de que a mulher de Kalmus, Natalie Kalmus, servisse como consultora  para garantir o controle de qualidade. Por isso, o nome dela aparece nos créditos de todos os filmes rodados no processo technicolor. Esse processo de três cores era tecnicamente superior a qualquer outro, mas tinha seus inconvenientes. O aluguel das câmeras custava caro e elas eram muito pesadas, complicando a filmagem em locação. A exposição de três negativos em preto e branco requeria muita luz, aumentando ainda mais os custos de produção.

Flores e Árvores

Cena de La Cucaracha

Cena de Vaidade e Beleza

A Technicolor não quís se aventurar no campo da produção por conta própria, preferindo oferecer o processo inicialmente aos pequenos independentes como Walt Disney e a Pioneer Film. Disney foi o primeiro a usar o Technicolor de três cores no seu desenho Flores e Árvores / Flowers and Trees / 1932, obtendo grande sucesso e arrebatando um Oscar da Academia. O primeiro filme de ação ao vivo neste processo foi um curta-metragem da Pioneer intitulado La Cucaracha / La Cucaracha / 1934 (Dir: Lloyd Corrigan), que tanbém ganhou o Oscar. Animada com este êxito, a Pioneer realizou o primeiro longa-metragem em Technicolor de três cores com o título de Vaidade e Beleza / Becky Sharp / 1935 (Dir: Rouben Mamoulian).

Cena de  Piratas da Perna de Pau  / Abbott and Costello Meet Captain Kid  Abbott  em Cinecolor

Amigo Fiel / Eyes of the Texas com Roy Rogers em Trucolor

A técnica do filme em cores foi evoluindo e, em 1941, a Technicolor criou um processo que dispensava os três negativos; porém este processo, chamado de monopack ou tripack integral,foi considerado insatisfatório. Surgiram alguns processos concorrentes como o cinecolor e o trucolor (ex-magnacolor) – mais usados em westerns –  mas o technicolor praticamente monopolizou o mercado até que, nos anos 50, um novo sistema tripack integral aperfeiçoado pela Easman Kodak, denominado eastmancolor, que podia ser usado por qualquer câmera e revelado pelos meios convencionais, iria prevalecer.

Cena de O Barão Munchausen

Cena de Die goldene Stadt

Cena de Ivan o Terrível

O eastmancolor foi baseado no processo alemão agfacolor, muito usado no cinema nazista em produções espetaculares (v. g. Die goldene Stadt / 1942 e Immensee / 1943 de Veit Harlan, O Barão Münchausen / Münchausen / 1943  de Josef von  Baky), depois por Eisenstein em Ivã, o Terrível – Parte II / Ivan Grosnyi / 1945-46, e se tornou a base técnica para o sistema sovcolor durante os anos 50. Após a guerra, e a liberação das patentes Agfa, os princípios do agfacolor foram também empregados em vários sistemas, como o ferraniacolor (Itália), o gevacolor (França) e, mais notavelmente, no ansco color, que teve uso corrente em Hollywood (Dá-me um Beijo / Kiss Me Kate / 1953 (Dir: George Sidney), Sete Noivas Para Sete Irmãos / Seven Brides for Seven Brothers (Dir: Stanley Donen), A Lenda dos Beijos Perdidos / Brigadoon / 1954 (Dir: Vicente Minneli) etc.). Mas foi o eastmancolor que substituiu o technicolor como sistema de cor dominante no Ocidente, ficando congecido pelos nomes dos estúdios que pagavam para usá-lo (v. g. WarnerColor, MetroColor, PathéColor, SuperCineColor da Columbia) ou pelos laboratórios que o processavam (Movielab, DeLuxeColor, e a Technicolor – que, a partir de 1975, fazia apenas cópias fotografadas em  eastmancolor).

Cena de Dá-me um Beijo

Cena de Sete Noivas para Sete Irmãos

Cena de A Lenda dos Beijos Perdidos

O problema com o eastmancolor, não previsto na época de sua introdução, e só manifestado na década seguinte, é que suas cores eram menos estáveis (i. e. mais suscetíveis de descoloração do que o velho processo de embebição do technicolor), resultando em um protesto por parte de cineastas de arquivistas no começo dos anos 80. Em resposta, a Eastman Kodak lançou um novo “filme de baixa descoloração”. Em 1969, 96% de todos os filmes americanos de longa-metragem eram realizados em cores.

OS NEGROS NO CINEMA AMERICANO CLÁSSICO

O uso de brancos em papéis de negros era uma prática comum, tradição transportada do palco (minstrel shows, vaudeville, Broadway) e mantida durante os primeiros tempos do cinema mudo.

Nesta época surgiram os cinco estereótipos raciais mencionados por Donald Bogle no seu esplêndido livro “Toms, Coons, Mulattoes, Mammies and Bucks” (Roundhouse, 1973), tipos característicos utilizados para o mesmo efeito: divertir enfatizando a inferioridade negra. Esses estereótipos já existiam desde os tempos da escravidão e haviam sido popularizados na vida e na arte americanas – os filmes apenas os reproduziram e eles iriam dominar os personagens negros no próximo meio-século.

James B. Lowe

O tom era o Bom Negro. Apesar de ser atormentado, insultado, açoitado, caçado com cães, ele permanecia bondoso e submisso aos seus donos, emergindo como um herói para as platéias brancas. Em 1903, Edwin S. Porter realizou a primeira versão cinematográfica de “Uncle Tom’s Cabin” (A Cabana do Pai Tomás), mas o primeiro tom que chamou atenção foi interpretado pelo ator do teatro, Sam Lucas na quarta versão do romance de Harriet Beecher, dirigida por William Robert Daly em 1914. Como Pai Tomás, Lucas foi o primeiro homem negro a interpretar um papel principal no cinema. Mais tarde, em 1927, outro ator negro, James B. Lowe, seria contratado para estrelar o filme da Universal, A Cabana do Pai Tomás / Uncle Tom’s Cabin, dirigido por Harry Pollard. Posteriormente, tom seria representado na tela por atores como Bill Robinson, Eddie Anderson e Clarence Muse.

Bill “Bojangles” Robinson e Shirley Temple em A Mascote do Regimento

Neto de escravos, Bill “Bojangles” Robinson era um sapateador que, oriundo do vaudeville, se tornou figura muito popular depois de dançar com Shirley Temple descendo uma escadaria em A Mascote do Regimento / The Little Colonel / 1935 e depois, em A Pequena Rebelde / The Littlest Rebel / 1935, ele foi um típico tom como o seu guardião, a primeira vez em que um criado negro ficou responsável por uma vida branca. Fred Astaire considerava-o o maior dançarino de todos os tempos.

Ethel Waters,Kenneth Spencer, Eddie  “Rochester Anderson”, Lena Horne e Rex Ingram em Uma Cabana no Céu

Eddie “Rochester” Anderson veio também do vaudeville e se transferiu primeiramente para o rádio, onde iniciou sua participação como Rochester van Jones, o mordomo de Jack Benny no seu programa na NBC. No cinema, foi visto mais notadamente como Noah em Mais Próximo do Céu / Green Pastures / 1936, como o criado de Bette Davis em Jezebel / Jezebel / 1938, e em um raro papel principal como “Little Joe” Jackson no musical com elenco só de artistas negros, Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943.

Clarence Muse

Clarence Muse, marcou sua presença primeiramente em Hearts in Dixie / 1929,  interpretando Uncle Napus e depois quando apareceu em Mocidade Feliz / Huckleberry Finn / 1931 como Nigger Jim e em A Vitória Será Tua / Broadway Bill / 1934 como Withey, o amigo de Warner Baxter no seus empreendimentos turfísticos.  Nos meados da década de 30, deixou de lado momentaneamente os toms que representava tão bem e apareceu como Cato, o líder de escravos rebeldes em Noivado na Guerra / So Red the Rose / 1935; porém depois voltou aos toms em Magnólia / Show Boat / 1936 e muitos outros filmes.

O coon era o Negro Bufão. Havia o coon puro e duas variantes deste tipo: o pickaninny e o uncle remus. O coon puro consistia na união de dois estereótipos oriundos dos minstrel shows, o jim crow e o zip coon. O minstrel show (em português, espetáculo de menestréis) era um tipo de espetáculo teatral popular tipicamente americano que reunia quadros cômicos, dança e música, inicialmente com artistas brancos com o rosto maquiado de preto (blackfaces) e o contorno dos lábios e dos olhos pintados com uma tinta branca, que combinava com luvas e meias da mesma cor.

O jim crow nasceu quando, em 1830, um ator branco, Thomas “Daddy” Rice, escureceu o rosto com milho queimado e dançou de maneira saltitante enquanto entoava as letras de  “Jump Jim Crow” (Jim Crow Saltitante), canção muito popular entre os escravos. O zip coon era o dândi negro urbano, escravo libertado que se vestia de modo extravagante, procurando se parecer como um branco afluente, sem se dar conta do ridículo.

Rastus in Zululand

O coon puro era muito comum no cinema mudo em filmes como, por exemplo, Rastus in Zululand / 1910, um dos exemplares da Rastus Series (1910-1911), no qual um negro meio amalucado sonha em ir para a Zululand no coração da África.  Lá ele conquista a afeição da filha do chefe selvagem. Rustus está disposto a flertar com a moça mas, quando intimado a se casar com ela, recusa, preferindo ser cozinhado vivo. O chefe selvagem quase lhe concede este direito, mas tudo não passou de um sonho.

 

Stepin Fetchit e Will Rogers

Sob alguns aspectos, essa série e seu personagem central abriram caminho para o maior coon de todos os tempos, Stepin Fetchit (cujo verdadeiro nome era Lincoln Theodore Monroe Andrew Perry), que deu vida a um dos mais degradantes estereótipos negros: aquele negro preguiçoso e sonolento, que não servia para nada, a não ser comer melancias, roubar galinhas, jogar dados ou – falando lentamente – massacrar o idioma inglês, coçando a cabeça como um macaco.

Fetchit é principalmente lembrado por suas intervenções ao lado de Will Rogers, nos filmes de John Ford Steamboat Round the Bend / 1934 e Judge Priest  / 1935, inéditos comercialmente nos cinemas do Brasil e exibidos apenas no antigo Telecine 5 da Rede Globo com os títulos de Nas Águas do Rio e O Juiz Priest, em um Festival John Ford, nos bons tempos em que Sergio Leemann estava à frente da programação dos cinco canais a cabo da emissora.

Manton Moreland

Os sucessores de Fetchit como coons do cinema foram Mantan Moreland (mais conhecido como o chofer Birmingham Brown, na série Charlie Chan da Monogram) e Willie Best (que o leitor conhece como Chattanooga, o primo de Birmingham Brown em Charlie Chan no México / The Red Dragon / 1946, na mesma série). Mantan ficou célebre pelas suas caretas, seus tropeções quando tentava sair com pressa, seus double takes e nenhum ator conseguiu arregalar os olhos tão bem como ele.

Bob Hope e Wille Best em Castelo Sinistro

Willie chegou em Hollywood no final dos anos 20. Em filmes como O Mistério da Ferradura / Murder on a Honeymoon / 1935 (da divertida série Hildergard Withers com Edna May Oliver e James Gleason) ele era conhecido como Sleep’n’Eat, nome que queria dizer o seguinte: um cara que ficava satisfeito desde que tivesse o bastante para comer e um lugar para dormir. Tal como Stepin Fetchit, Willie era alto e magro e se especializava em personagens facilmente  amendrontados e inarticulados.  Em O Castelo Sinistro / The Ghost Breackers / 1940, ele foi alvo de piadas raciais. Durante um apagão neste filme, Willie treme de medo e de fantasmas, mas é repreendido por seu patrão, Bob Hope, que diz para a heroína, Paulette Goddard: “Ele sempre vê o lado mais negro de tudo.  Nasceu durante um eclipse”. Mais adiante, Hope ameaça Willie: “Você parece um blecaute dentro de um blecaute. Se isto continuar assim, vou mandar pintá-lo de branco”.

Rosetta  e VivianDuncan em Topsy e Eva

O pickaninny era o escurinho ou escurinha de olhos esbugalhados, cabelos arrepiados e cujo comportamento era agradável ou divertido. O termo (que pode ter sido derivado do português pequenino) popularizou-se com referência à Topsy de “A Cabana do Pai Tomás”. Interpretada por Mona Ray na versão cinematográfica de 1927, a personagem fez tanto sucesso, que reapareceu no mesmo ano em Topsy e Eva / Topsy and Eva (Dir: Del Lord) sob os traços de Rosetta Duncan, conquistando mais uma vez o público. Sua irmã Vivian era Eva e o Pai Tomás, Noble Johnson. Thomas Alva Edison foi um pioneiro na exploração dos pickaninnies, quando mostrou Ten Pickaninnies em 1904, precursor da série os Os Peraltas / Our Gang de Hal Roach na qual, nos anos 20 e 30, atores infantis como Matthew “Stymie” Beard, Allen “Farina” Hoskins, Billie “Buckwheat” Thomas, Ernie “Sunshine Sammy” Morrison deram vida a este estereótipo.

Allen “Farina” Hoskins entre Os Perltas.

Vivien Leigh e Butterfly McQueen em … E O Vento levou

Um pickaninny especial foi a Prissy, interpretada por Butterfly McQueen em … E O Vento Levou, que divertiu o público com a sua histeria cômica (por causa da qual levou aquela antológica bofetada de Scarlet O’Hara / Vivien Leigh). Havia ainda o sambo  (The Sambo Series / 1909-1911), popularizado pelo livro “The Story Of Little Black Sambo”, escrito por Helen Bannerman em 1899. Ele era um menino indiano mas, nas ilustrações da obra literária e na tela, parecia um negrinho, talvez gerado a partir da miscigenação entre africanos e nativos da Índia.

James Basquete em A Canção do Sul

O membro final do triunvirato coon é o uncle remus, primo irmão do tom, que se distingue por sua resignação ingênua e inocente. Este personagem se desenvolveu plenamente nos anos 30 e 40 em filmes como A Canção do Sul / Song of the South / 1946. Nele, James Baskette é o velho e querido Tio Remus, um modelo de contentamento e domesticação, que sente prazer em contar histórias maravilhosas ao seu pequeno senhor branco. Em reconhecimento à sua calorosa interpretação, recebeu um Prêmio da Academia Honorário, tornando-se o primeiro ator negro a receber um Oscar. “Tom, Remus, e os pickaninnys”- concluiu Bogle – “foram sempre usados para indicar a satisfação do negro com o sistema e o seu lugar nele”.

O mulatto era uma mulher ou homem negro com sangue branco nas veias, frequentemente retratado na tela como uma figura trágica que, intencionalmente ou não, passam por branco até que descobrem que têm sangue negro ou são descobertos como negros por outro personagem. Segundo Bogle, uma da primeiras aparições do mulatto (ou mulato trágico) ocorreu em The Debt / 1912, curta de dois rolos sobre o Velho Sul. A esposa de um homem branco e sua amante negra lhe dão filhos ao mesmo tempo. Crescendo juntos, o filho branco e a filha mulata se apaixonam e decidem se casar, porém seu parentesco lhes é revelado no momento crucial.  Suas vidas são arruinadas, não somente por serem irmão e irmã, mas também porque a moça tem uma gôta de sangue negro. Bogle aponta ainda três filmes – Humanity’s Cause, In Slavery Days e The Octoroon -, todos realizados por volta de 1913, nos quais vemos a situação de uma mulata tentando passar por branca.

Louise Beavers e Fredi Washinton em Imitação da Vida

No cinema falado temos um exemplo clássico no filme Imitação da Vida / Imitation of Life / 1934, quando Peola (Fredi Washington), a filha da cozinheira negra, se aborrece sempre que tenta se misturar com brancos e seus esforços são frustrados pela aparência de sua mãe preta.  Apesar de ter recebido o aplauso da crítica, Fredi teve dificuldade de arranjar trabalho em Hollywood nos anos 30 e 40. De um lado, ela era demasiadamente bonita e insuficientemente escura para fazer o papel de criadas. Por outro lado, os diretores se preocupavam mais em colocar uma atriz negra com aparência de branca em um papel romântico ao lado de um galã branco e, como o Código de Produção proibia sugestões de miscigenação, eles não ofereciam  papéis românticos para a talentosa Fredi.

O quarto tipo, mammy, era a criada preta, mau humorada e atrevida, porém com implícita aceitação de sua própria inferioridade e devoção aos brancos. Ela cuidava dos filhos dos outros, porém nunca poderia ser um “modelo de maternidade” porque, se fosse casada, o matrimônio não era reconhecido ou sancionado legalmente pela sociedade e, se desse a luz filhos, sua responsabilidade para com as crianças brancas suplantava sua lealdade para com sua própria prole.

Vivien Leigh e Hattie MacDaniell em … O Vento Levou

Parruda, de rosto redondo e sorridente, boca enorme, olhos maravilhosamente expressivos, dentes “da cor das pérolas” e voz estrondosa, Hattie McDaniell aperfeiçoou esse tipo nos anos 30, sendo inesquecível sua participação como a criada de Scarlet O’Hara em … E O Vento Levou / Gone With The Wind / 1939, mas sobressaiu-se também em outros filmes, exprimindo sua teimosia e insolência ou sua preocupação maternal como Queenie em Magnólia / Show Boat / 1955, Malena em A Mulher Que Soube Amar / Alice Adams / 1935, Rosetta em Saratoga / Saratoga / 1937 e  Hilda em Quando Elas  Teimam / The Mad Miss Manton / 1938.

Criticada por seus personagens estereotipados, Hattie respondeu aos críticos ásperamente, tal como responderia a um patrão em um de seus filmes: “ Por que eu iria me queixar de ganhar sete mil dólares por semana interpretando uma criada? Se eu não fizesse isto, estaria ganhando sete dólares semanais sendo uma de verdade!”.

Hattie conquistou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua atuação em … E O Vento Levou, o primeiro artista negro a receber tal honraria. Um  Prêmio da Academia Honorário seria concedido a James Baskette em 1948.

Louise Beavers foi outra atriz negra que se incluia na categoria de mammy. Robusta, com uma pele lisa como veludo e olhos grandes e brilhantes, ela era sempre convocada para papéis de cozinheira. Todos se lembram dela como Aunt Delilah, cozinhando e vendendo panquecas com sua patroa Claudette Colbert em Imitação da Vida / Imitation of Live / 1934 embora, por ironia, na realidade, ela detestasse o trabalho de cozinha; de modo que, durante a filmagem, cozinheiras profissionais tiveram que preparar as panquecas. Suas mãos nunca tocaram um prato em toda a sua vida. Outro papel importante de Louise foi em Nascidos para Casar / Made for Each Other / 1939 no qual, como a inocente e devotada criada Lily, ela é um verdadeiro anjo da guarda negro das vítimas da Depressão, Carole Lombard e James Stewart.

Louise Beavers e Claudette Cpbert em Imitação da Vida

Louise Beavers e Mae West em Uma Loura Para Três

Louise integrou também um outro estereótipo, a aunt jemima, que era uma mummy mais bem humorada e menos mandona, versão feminina do uncle tom. As criadas-confidentes dos filmes de Mae West nos anos 30 se enquadram nesta categoria. Louise foi uma aunt jemima em um deles, como a Pearl em Uma Loura para Três / She Done Him Wrong / 1933 e outras duas atrizes negras, Getrude Howard e Libby Taylor apresentaram-se como aunt jemimas respectivamente como Beulah e Jasmine em Santa Não Sou / I’m No Angel / 1933 e Uma Dama do Outro Mundo / Belle of the Nineties / 1934. Ficou célebre aquela cena de Santa Não Sou em que Mae, após ter expulsado de seu apartamento uma dama da alta sociedade que a desprezara, logo se acalma, dando a ordem mais famosa que qualquer criada do cinema recebeu: “Beulah, peel me a grape!”(Beulah, descasque-me uma uva!).

Em contraste com a mummy, podemos apontar o estereótipo jezebel, a mulata promíscua ou “sedutora traiçoeira” que mantinha relações sexuais com seus donos pelos privilégios que esta situação lhe trazia. Encontramos um exemplo perfeito da jezebel no personagem Lydia Brown, a mulata amante do senador abolicionista Stoneman em O Nascimento de Uma Nação / The Birth of a Nation / 1915.

Foi exatamente este filme que introduziu o último estereótipo: o brutal black buck. Neste filme, Griffith usou três variedades de negros. Os primeiros foram as “almas fiéis”, uma mummy e um uncle tom, que permanecem com a família Cameron o tempo todo e a defendem lealmente contra os rebeldes bem como alguns pickaninny, dançando e cantando nas ruas. A segunda variedade foram os brutais black bucks que, tal como o estereótipo coon, pode ser dividido em dois subgrupos, os black brutes e os black bucks, embora as diferenças sejam mínimas. O black brute é um negro bárbaro, boçal. Em O Nascimento de uma Nação os black brutes aparecem proeminentemente na sequência do Congresso no qual os negros têm maioria. Os black bucks puros são os negros violentos e frenéticos no seu desejo sensual de carne branca. Silas Lynch (George Siegmann), o mulato que quer obrigar a branca Elsie Stoneman (Lilian Gish) a se casar com ele, assim como Gus (Walter Long), o renegado negro que tenta estuprar a filha Cameron mais jovem (Mae Marsh) – ambos representados por atores brancos com o rosto pintado de preto -, entram nesta categoria.

George Siegmann (à esquerda) em O Nascimento de uma Nação

Walter Long em O Nascimento de uma Nação

Íntimamente ligada aos bucks e brutes de O Nascimento de uma Nação está a jezebel Lydia, referida linhas atrás. Ela odeia brancos e recusa ser tratada como uma pessoa inferior. Quer poder. Angustia-se o tempo todo com a sua situação desagradável como mulher negra em um mundo branco hostil. Tanto Lydia quanto Mummy foram interpretadas por atrizes brancas com o rosto pintado de preto: pela ordem, Mary Alden e Jennie Lee. Quem fazia o uncle tom também era um ator branco: Harry Braham.

Mary Alden em O Nascimento de uma Nação

Como observou Bogle, sob muitos aspectos, os negros de um clássico como Aleluia    / Hallellujah / 1929 de King Vidor também eram estereótipos, retratados como idealistas sentimentais ou animais altamente emocionais. Rebolando sensualmente na famosa cena do cabaré, a Chick de Nina Mae McKinney representava a mulher negra como um objeto sexual exótico, metade mulher, metade criança, mulher carente sem o contrôle de suas emoções, dividida entre suas lealdades e suas próprias vulnerabilidades. Subentendido neste confronto estava o tema da mulata trágica. Chick era sempre referida como “a garota cor de canela”. Sua metade branca representava o espiritual; a metade negra, o animalesco.

Nina Mae McKinney

Nina Mae McKinney em Aleluia

Nina emergiu como a primeira atriz negra reconhecida da tela. Vidor classificou seu desempenho como “sensacional” e Irving Thalberg proclamou-a como uma das grandes descobertas da época. Mas seu sucesso fenomenal em Aleluia não levou a lugar nenhum. Ela descobriu que não havia papéis principais para atrizes negras. Logo ficou esquecida na América e foi cantar em cabarés e boates pelo mundo afora, anunciando-se como a Garbo Negra. De passagem pela Inglaterra em 1935, apareceu  ao lado de Paul Robeson em Bosambo / Sanders of the River e depois retornou aos Estados Unidos, onde foi vista em alguns filmes independentes só com atores negros. Seu último papel importante foi como Rozelia, a mulher negra agressiva com ciúme de Pinky (Jeanne Crain) – mais uma mulata trágica do cinema -, em O Que a Carne Herda / Pinky / 1949 de Elia Kazan.

Rex Ingram em O Ladrão de Bagdad

Humphrey Bogart e Rex Ingram em Sahara

Dois atores negros escaparam dos estereótipos, interpretando personagens muito dignos e circunspectos: Rex Ingram e Paul Robeson. Ingram interpretou homens que pareciam ser essencialmente livres ou heróis.  O seu Nigger Jim em As Aventuras de Huck / The Adventures of Huckleberry Finn / 1939 nunca foi servil como o de Clarence Muse na versão anterior, Mocidade Feliz / Huckleberry Finn, de 1931. Com sua presença física impressionante e voz estentória, ele parecia tão poderoso (foi Deus em Mais Próximo do Céu / The Green Pastures/ 1936) que o público sabia que não haveria correntes suficientemente fortes para segurá-lo. Em uma cena famosa de O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940, quando Ingram, como um gigantesco gênio da fantasia oriental, finalmente é libertado por Sabu da garrafa onde permanecera encerrado durante séculos, ele grita triunfante: “Livre! Estou livre afinal!” Em Sahara / Sahara / 1943, Ingram é um soldado sudanês Tambul, que se sacrifica para salvar a vida da tripulação do tanque americano sob o comando de sargento Joe Gunn (Humphrey Bogart), atacado pelos alemães nas areias do deserto da Lybia. Em uma cena trepidante, Tambul corre atrás do alemão capturado que vai avisar seus companheiros do blefe armado por Gunn, consegue matá- lo, e depois é fatalmente alvejado.

Paul Robeson em O Imperador Jones

Filho de um escravo que se tornou pregador, Paul Robeson cursou a Rutgers University em New Brunswick, New Jersey, onde era um excelente jogador de futebol americano. Depois de se graduar na Rutgers como primeiro aluno de sua classe, rejeitou uma carreira como atleta profissional e ingressou na Columbia University. Obteve o diploma de Direito em 1923 mas, por falta de oportunidade dos negros na profissão legal, se redirecionou para o palco, unindo-se ao Provincetown Players, grupo teatral de Nova York que incluia o dramaturgo Eugene O’Neill. Sua atuação no papel principal de “ The Emperor Jones” de O’Neill causou sensação em Nova York (1924) e Londres (1925) e ele também estrelou a versão cinematográfica, O Imperador Jones / The Emperor Jones / 1936. Como bem acentuou Bogle, a maior contribuição de Robeson para a história do cinema negro – e o aspecto de sua obra que mais perturbou os espectadores americanos brancos – foi seu retrato orgulhoso, desafiador do homem de cor.

Paul Robeson em Magnólia

Em acréscimo aos seus outros talentos, Robeson possuía uma voz soberba de baixo-barítono e se tornou ainda mais famoso no tablado e depois na tela como Joe em Magnólia / Show Boat / 1936, cantando “Ole Man River”. Neste filme, ele e Hattie McDaniel, como dois criados cômicos, não escaparam dos estereótipos; porém Robeson – é Bogle quem fala –  “nunca se rebaixa totalmente e quando canta ‘Ole Man River’ e ‘Still Sits me ‘(com Hattie), ele levanta o filme com seus ombros maciços e o carrega para momentos de eloquência e grandeza”.

 

Na maioria de seus filmes britânicos (Bosambo / Sanders of the River / 1935, As Minas de Salomão / King Solomon’s Mines / 1937, A Canção da Liberdade / Song of Freedom / 1938 e Tragédia na Mina / The Proud Valley / 1941), Robeson interpretou personagens respeitáveis: em Bosambo, ele é Bosambo, braço direito de confiança de Sanders (Leslie Banks), o homem branco de aço que governa as tribos negras atrasadas da África; em As Minas de Salomão, é Umbopa, o guia (na realidade um grande chefe nativo), que ajuda Allan Quaterman (Sir Cedric Hardwicke) na procura das minas lendárias; em A Canção da Liberdade, é um cantor de concerto de sucesso na Inglaterra, que descobre ser descendente de uma rainha africana, cuja tribo agora está à espera de um líder; em Tragédia na Mina, é o mineiro forte e heróico, que sacrifica sua vida, a fim de que seus irmãos brancos possam viver.

Robeson ao centro em A Tragédia da Mina

Depois do lançamento de O Nascimento de uma Nação em 1915 irrompeu um furor público contra o seu racismo e a percepção de que os negros americanos deveriam produzir seus próprios filmes. Assim surgiu o cinema negro (black cinema) também denominado “cinema de raça” (race cinema) como resposta à ultrajante estereotipagem dos negros americanos no cinema corrente da época.

Oscar Micheaux

Logo no início do século XX, um grupo de realizadores negros independentes – Emmett J. Scott, os irmãos George e Noble Johnson (Lincoln Motion Picture Corporation), Robert Levy (Reol Motion Picture Corporation, que lançou a primeira estrela negra, Edna Morton, anunciada como a “Mary Pickford negra”), e o legendário Oscar Micheaux – formaram companhias produtoras para fazer filmes que realçassem os feitos e as ambições da América negra.

Posteriormente, uma quantidade de outras produtoras (algumas de propriedade de negros, outras controladas por brancos) surgiram em locais tão diversos como Jacksonville, St. Louis, Philadelphia, Chicago e Nova York, quase sempre utilizando os estúdios abandonados da Costa leste ou casas particulares. De acordo com  Thomas Crips (autor de “Slow Fade to Black”, Oxford University, 1977) mais de cem companhias foram fundadas para produzir negro films entre elas a Foster Photoplay, Gate City Film Corporation, Constellation Films, Renaissance Company (que produzia cine jornais e era dirigida pelo ator negro Leigh Whipper), Dunbar Pictures, Roseland Pictures, Paragon Pictures etc. Algumas das companhias mais importantes com financiamento de brancos eram a Astor Pictures (Robert M. Savini), Herald Pictures Incorporated (Jack e Dave Goldberg), Hollywood Pictures (Richard C. Kahn, produtor dos black westerns) e Million Dollar Pictures, que será abordada mais adiante.

Bill Picktett

Seus filmes passavam em qualquer lugar onde pudesse atingir uma platéia negra: cinemas segregados no Sul, salas situadas nos guetos das grandes cidades do Norte e, ocasionalmente, em igrejas, escolas ou reuniões sociais de negros. Alguns desses filmes trouxeram novos estereótipos: por exemplo, homens negros de ação praticando atos de heroismo e de honra como ocorria com o caubói vivido por Bill Pickett em filmes como The Bull Dogger / 1923; porém outros eram manifestos sobre a natureza dos negros na América ou sobre a dinâmica racial – divisões e tensões dentro da própria comunidade (v. g. Scar of Shame / 1929, melodrama lento e melancólico que contava a história de um casamento malogrado entre um jovem pianista negro e uma mulher negra da classe baixa).

De todos os primeiros realizadores negros o mais importante (e um dos poucos que trabalharam tanto no cinema silencioso como no sonoro) foi o infatigável produtor/ diretor Oscar Micheaux. Seus filmes refletiam as aspirações da burguesia negra e raramente abordavam a miséria racial: ele criou um mundo ideal onde os negros eram tão afluentes e educados quanto os brancos, e por isto foi muito criticado. Micheaux escolhia seus elencos com base no tipo. Ele moldava seus astros conforme as personalidades brancas de Hollywood e os promovia como versões negras. O bonitão e elegante Lorenzo Tucker foi primeiramente apresentado como o “Valentino negro” e posteriormente, quando veio o cinema falado, ele era o “William Powell de cor”; a sensual e insolente Bee Freeman era a “Mae West marrom”; “Slick” Chester, ator que interpretava papéis de gângster, tornou-se o “Cagney de cor”; a graciosa Ethel Moses foi anunciada como a “Harlow negra”.

Lorenzo Tucker

A principal representante do cinema negro dos anos 30 em diante foi a firma Million Dollar (fundada em 1936 pelo chefe de orquestra e mestre-de-cerimônias Ralph Cooper juntamente com os brancos Harry e Leo Popkin), que tirou a realização de filmes de raça da marginalidade, aumentando sua reputação e capacidade de atrair o público. Tal como a firma de Cooper, muitas das outras companhias  (e certamente as mais prolíficas) não eram brancas nem negras, realizando black westerns, filmes de gângster e de mistério, comédias românticas, musicais, aventura, horror etc.

Os black westerns (v. g. Bronze Buckaroo / 1938, Harlem Rides the Range / 1939 com o cantor-cowboy negro Herbert Jeffries) transcorriam em um Oeste totalmente negro; não havia brancos nele, nem mesmo como vilões! Não obstante, os intervalos cômicos usavam invariavelmente a espécie de tipos e situações (o cômico companheiro do mocinho assustado por fantasmas, o cozinheiro ladrão de galinhas, os trabalhadores braçais preguiçosos), que os negros compreensivelmente rejeitavam nos filmes corriqueiros de Hollywood.

Lena Horne e Bill” Bojangles “Robinson em Tempestade de Ritmo

Nos meados dos anos 30, quando a era do suíngue atingiu o auge, os negros foram   mais do que nunca empregados como musical entertainers nos filmes de Hollywood,  destacando-se Duke Ellington, Cab Calloway, Louis Armstrong, Lena Horne e Hazel Scott e, no início dos anos 40, surgiram dois filmes musicais só com atores negros: Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943 (com Ethel Waters como a boa esposa Petunia e Lena Horne como a tentadora Georgia Brown, e mais: Eddie Anderson, Louis Armstrong, Rex Ingram, Butterfly McQueen, Duke Ellington, Hal Johnson Choir, Manton Moreland, Willie Best, Ethel Waters, Oscar Polk,  Ruby Dandridge (mãe de Dorothy), Kenneth Spencer) e Tempestade de Ritmo / Stormy Weather / 1943 (com Bill  Robinson, Lena Horne, Fats Waller, Ada Brown, Nicolas Brothers, os dançarinos da trupe de Katherine Dunham, Cab Calloway, Dooley Wilson, o Sam do piano de Casablanca / Casablanca / 1942).

Humphrey Bogart e Doley Wilson em Casablanca

Entretanto, quando os grandes estúdios empregavam um artista negro nos seus musicais, eles apareciam em um “interlúdio”, no momento em que os atores brancos iam a alguma boate ou a alguma festa para se divertirem. Assim, em Rapsódia Azul / Rhapsody in Blue / 1945, Hazel Scott surgia repentinamente em um requintado restaurante europeu cantando “The Man I Love” de George Gershwin em francês e inglês. Ali estava uma cantora negra sofisticada bem à vontade em um ambiente estrangeiro grã-fino, mas nós sentíamos o seu isolamento, completamente alienada de todo o resto do filme.

Porém isolamento e alienação eram as últimas coisas que alguém via nos antigos filmes de raça. Em Caldona / 1945, Beware / 1946 e Reet, Petite and Gone / 1947, o grande músico de jazz e rhythm-and-blues, Louis Jordan, não somente tinha a oportunidade de improvisar no seu saxophone ou no seu clarinete acompanhado pelo grupo The Tympany Five, como também de ser um astro. À medida em que Jordan passava das cenas românticas da intriga para os números musicais e depois voltava para a intriga, os filmes mostravam um retrato de um intérprete negro, que era também uma pessoa que tinha uma vida fora do palco, com conexões culturais  e raízes às quais ele sempre poderia retornar.

Clarence Brooks (ao fundo) em Médico e Amante

Clinton Rosemund em Esquecer, Nunca

Ernie Anderson em Nascida Para o Mal

Leigh Whipper em Consciências Mortas

Canada Lee (à extrema direita) em Um Barco e Nove Destinos

Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo americano sentiu que seu programa para aumentar o emprego de cidadãos negros em setores da indústria antes restritos, seria auxiliado por uma distribuição geral de filmes, nos quais os negros desempenhassem um papel importante. Personagens negros simpáticos haviam aparecido nos filmes americanos nos anos 30 (v. g. o Dr. Oliver Marchand  (Clarence Brooks) que ajudava Ronald Colman a combater a praga nas Antilhas em Médico e Amante / Arrowsmith / 1931; o zelador negro Tump Redwine (Clinton Rosemund) que descobre o corpo de uma jovem branca assassinada e é obrigado a enfrentar um interrogatório brutal na polícia racista da pequena cidade em Esquecer, Nunca / They Won’t Forget / 1937). Nos anos 40, distinguiram-se entre outros, o jovem negro Parry Clay (Ernie Anderson) preso e acusado de atropelamento, que mantém sua dignidade apesar de ser persistentemente atormentado até que a verdadeira culpada – Bette Davis -admite sua culpa em Nascida para o Mal / In This Our Life / 1942; o pregador negro Sparks (Leigh Whipper) que se rebela contra a turba furiosa pedindo em vão misericórdia para os três homens acusados injustamente de um crime e prestes a serem enforcados em Consciências Mortas / The Ox-Bow Incident / 1943; Joe Spencer, o garçom de navio negro, um dos náufragos em Um Barco e Nove  Destinos / Lifeboat / 1944; ele a princípio é chamado de “Carvão” (por Tallulah Bankhead), mas quando se revela que salvou a vida de uma mulher branca e uma criança que estavam se afogando, torna-se  “Joe” e assume uma dimensão heróica. O papel de Joe foi interpretado com muita dignidade e inteligência por Canada Lee, ator da Broadway previamente aclamado por seu trabalho na produção de Orson Welles, “Native Son”. Canada Lee faria depois outras aparições como negro simpático em Corpo e Alma / Body and Soul / 1947, Fronteiras Perdidas / Lost Boundaries / 1949 e principalmente como o Reverendo Stephen Kumalo em Os Deserdados / Cry the Beloved Country / 1952.

James Edwards, Lloyd Bridges e  Franck Lovejoy em Clamor Humano

Ethel Waters e Jeanne Crain em O Que a Carne Herda

Juano Hernandez e  David Brian  em O Mundo Não Perdoa

Em 1949, o cinema negro ficou à beira da morte quando Hollywood lançou uma série de filmes sobre problemas sociais  – Clamor Humano / Home of the Brave, O Que a Carne Herda / Pinky, O Mundo Não Perdoa / Intruder in the Dust -, que davam uma nova visão do negro e do seu papel na vida americana – pois os antigos filmes de raça jamais poderiam competir com os filmes muito mais bem-feitos nos grandes estúdios. Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, a América negra, consciente de que os pracinhas negros lutaram pela liberdade dos brancos apenas para encontrar, no seu retorno à patria, a mesma escravidão econômica, passou a ter uma visão diferente de si própria e ansiou por uma nova espécie de filmes.

Sidney Poitier e Richard Widmark em O Ódio é Cego

John Cassavetes e Sidney Poitier em Um Homem Tem Três Metros de Altura

Sidney Poitier e Tony Curtis em Acorrentados

Nos anos 50, durante a ascensão do movimento dos direitos civis, as platéias negras preferiram ver Sidney Poitier em O Ódio é Cego / No Way Out / 1950, Um Homem Tem Três Metros de Altura / Edge of the City / 1957 e Acorrentados / The Defiant Ones / 1958 que promoviam os então aceitáveis temas de integração racial e assimilação cultural. Apesar de várias concessões, tais filmes também tocavam nos conflitos entre brancos e negros, algo que os filmes de raça do período clássico raramente fizeram e, por isso, desapareceram.

Dorothy Dandridge

Para os atores negros, a década de cinquenta foi muito importante, surgindo outras grandes personalidades negras como Ethel Waters e Dorothy Dandridge. Como disse muito bem Bogle, contemplar a humanidade de Waters ou a beleza de Dandridge ou o código de decência de Poitier, valia o preço do ingresso e os três abriram um pequeno espaço no lugar que Hollywood tradicionalmente mais apreciava: a bilheteria.

EDWARD G. ROBINSON

Emanuel Goldenberg (1893- 1973) nasceu em Bucareste na Romênia, filho de Morris e Sarah Goldenberg. Fugindo da opressão e segregação sofrida em sua terra natal, o casal emigrou com seus seis filhos para os Estados Unidos no início do século vinte. Eles não chegaram todos de uma vez. Primeiro vieram Morris e seus filhos mais velhos e depois, em 1903, é que chegaram Sarah e os outros filhos, entre eles, Manny, como Emanuel era chamado. Manny diria mais tarde: “Minha mãe pode me ter dado à luz na Romênia, mas eu nascí no dia em que pisei no solo americano”.

Edward G. Robinson

A família foi morar no Lower East Side de Nova York. Embora Manny falasse Yiddish, Romênio e Alemão e lesse Hebraico, ele não sabia uma palavra de inglês mas, como tinha facilidade para línguas, aprendeu este idioma rapidamente, livrando-se inclusive do seu sotaque, falando como se tivesse nascido na América. Manny estudou na Towsend Harris High School e depois no City College of New York City, onde descobriu seu dom para a oratória, que lhe proporcionou uma bolsa na Academy of Dramatic Arts. Abandonando seus planos de se tornar um rabino ou um advogado criminal, Manny dedicou-se inteiramente à profissão de ator e, após algumas semanas na Academia, foi aconselhado pelo diretor da escola, Franklin Sargent, a mudar seu nome para algo mais anglo-saxão. Assim surgiu o Edward G. Robinson, que todos os fãs de cinema iriam admirar.

Robinson e Claudette Colbert em O Grilhão Eterno

Sua estréia profissional com o novo nome artístico deu-se em 1912, na peça em um ato “Bells of Conscience” e, depois de mais estudo e algumas frustrações na ribalta, ele recebeu um convite para atuar como coadjuvante em um filme de John S. Robertson, O Chale da Sedução / The Bright Shawl / 1923, estrelado por Richard Barthelmess e Dorothy Gish. Robinson só voltaria para a frente das câmeras em 1929 no filme O Grilhão Eterno / The Hole in the Wall, dirigido por Robert Florey só que, desta vez já como ator principal, no papel de The Fox, o líder de um grupo de ladrões, ao lado de Claudette Colbert. Nesse intervalo de seis anos ele continuou fazendo teatro (destacando-se a peça “The Goat Song”, produzida pelo Theater Guild e estrelada por Alfred Lunt e Lynn Fontanne) e se casou, em 31 de janeiro de 1927, com Gladys Lloyd, divorciada e mãe de uma filha.

Robinson e Schildkraut em A Última Façanha

Quando veio a Depressão, ficou dificil encontrar trabalho no teatro e, acolhendo a sugestão de seu amigo Joseph Schildkraut, Robinson foi com ele para Hollywood, a fim de aparecerem no filme A Última Façanha / Night Ride / 1930, produzido pela Universal e dirigido pelo mesmo John S. Robertson, que havia escalado Robinson para O Chale da Sedução. .Em A Última Façanha, Robinson faz o papel de um gângster, Tony Garotta, que sequestra um repórter (Schildkraut), para escapar da polícia. Ele morre no final e o repórter fica com a mocinha (Barbara Kent).

Vilma Banky e Robinson em Mulher Ideal

Robinson chamou a atenção de Hollywood e Irving Thalberg lhe ofereceu o papel principal masculino ao lado de Vilma Banky em Mulher Ideal / A Lady to Love / 1930, adaptação de uma peça de Sidney Howard, dirigida por Victor Seastrom (Sjostrom). Ele era Tony, o viticultor italiano que corteja uma jovem da cidade por correspondência e lhe envia uma foto de seu capataz em vez da sua, o que traz complicações quando ela aceita sua proposta de casamento. Este mesmo personagem seria  interpretado em 1940 por Charles Laughton ao lado de Carole Lombard em Não Cobiçarás a Mulher Alheia / They Knew What they Wanted.

Mary Nolan e Robinson em Fora da Lei

Em seguida, Robinson fez: na Universal: Fora da Lei / Outside the Law  / 1930 (Dir: Tod Browning) como o gângster Cobra Collins (com Mary Nolan, Owen Moore) e Proibida de Amar / East is West / 1930 (Dir: Monta Bell) como Charlie Yong, chefe de uma quadrilha em Chinatown (com Lupe Velez, Lew Ayres); na First National, The Widow from Chicago / 1930 (Dir: Edward Cline) como Dominic, gângster dono de uma buate (com Alice White, Neil Hamilton) e Alma de Lodo / Little Caesar / 1931 (Dir: Mervyn LeRoy) com Douglas Fairbanks Jr., Glenda Farrell. Este último adaptado do romance de W.R. Burnett, estabeleceu, juntamente com Inimigo Público / The Public Enemy / 1931 e Scarface, A Vergonha de uma Nação / Scarface / 1932, as convenções do gênero no cinema falado e Robinson ficou identificado para sempre com o personagem central Cesare Enrico Bandello, o “Rico”, inspirado em Al Capone.

Robinson em Alma de Lodo

O filme foi um sucesso e a Warner logo colocou Robinson ao lado de James Cagney – que também se notabilizara no mesmo ano como um personagem de gângster em Inimigo Público -, em As Mulheres Enganam Sempre / Smart Money / 1931 (Dir: Alfred E. Green), no qual Robinson fazia o papel de Nick Venizelos, barbeiro imigrante grego de uma cidade do interior que tem muita habilidade no jôgo de poquer e vai tentar a sorte na cidade grande na companhia de seu amigo Jack (James Cagney), conseguindo se impor no submundo do jôgo ilegal; porém seu fraco por louras acaba acarretando a morte de Jack e sua prisão.

Robinson e James Cagney em As Mulheres Enganam Sempre

Robinson e Boris Karloff em Sede de Escândalo

Após As Mulheres Enganam Sempre, a Warner reuniu novamente Robinson e Mervyn LeRoy em Sede de Escândalo / Five Star Final / 1931, drama sobre jornalismo, indicado para o Oscar de Melhor Filme. Robinson é Joseph W. Randall, editor de um jornal sensacionalista que, por ordem do patrão, reabre um caso de homicídio não solucionado e acaba provocando uma tragédia. Sua eficiente atuação deu grande fôrça ao personagem principalmente quando no climax do filme, atormentado, explode de raiva contra todos os diretores e colegas de redação, demitindo-se do emprego.

Robinson e Loretta Young em Vingança de Buda

Robinson, Zita Johann, Richard Arlen em O Tubarão

Nos anos seguintes Robinson fez para a Warner-First National: 1932 – Vingança de Buda / The Hatchet Man (Dir: William Wellman) como o chefe de gangue chinês Wong Low Get (com Loretta Young, Dudley Digges); Dois Segundos / Two Seconds (Dir: Mervyn LeRoy) como John Allen, o condenado que recorda sua vida segundos antes de ser eletrocutado (com Preston Foster, Vivienne Osborne); O Tubarão / Tiger Shark (Dir: Howard Hawks) como o pescador português Mike Mascarenhas que se casa por piedade com uma jovem desencaminhada e ela se apaixona pelo seu melhor amigo (com Zita Johann, Richard Arlen); Sonho Prateado / Silver Dollar (Dir: Alfred E. Green) como Yates Martin,  fazendeiro do Kansas que se torna o barão da prata e ajuda a transformar Denver de campo de mineração em uma cidade pujante (Bebe Daniels, Aline MacMahon). 1933 – Precioso Ridículo / The Little Giant (Dir: Roy Del Ruth) como James Francis “Bugs” Ahearn, contrabandista de bebidas alcoólicas de Chicago que tenta se refinar e ingressar na alta sociedade da Califórnia (com Helen Vinson, Mary Astor); A Mulher Que Eu Amei / I Loved a Woman (Dir: Alfred E. Green) como John Mansfield Haydn, estudante de arte obrigado a assumir o comando da fábrica de empacotamento de carne de seu pai (com Kay Francis, Genevieve Tobin). 1934 – Sorte Negra / Dark Hazard (Dir: Alfred E. Green) como o viciado em jôgo Jim “Buck” Turner (com Genevieve Tobin, Glenda Farrell); O Homem de Duas Caras / The Man With Two Faces (Dir: Archie Mayo) com Damon Welles / Jules Chautard o ator brilhante que tenta proteger sua irmã de um marido sinistro (Mary Astor, Ricardo Cortez) e, usando um disfarce, o elimina.

Helen Vinson e Robinson em Precioso Ridículo

O melhor desses filmes é Precioso Ridículo, comédia romântica pre-code com um enredo espirituoso e irreverente, narrado em ritmo ágil e valorizada por um elenco afinado, no qual se destaca a versatilidade do ator principal.  A certa altura da trama Killer Mannion mostra um quadro de pintura moderna para seu assistente Al Daniels (Russel Hopton) e pergunta: “Você já tinha visto algo como isso?” E ele responde: “Não, desde que me livrei da cocaína”.

Robinson e Robinson em O Homem Que Nunca Pecou

Quando Robinson rejeitou vários projetos do estúdio, acabou sendo suspenso, sob a alegação de que não havia histórias adequadas para ele; mas, necessitando de dinheiro, Jack Warner resolveu emprestá-lo para a Columbia, onde ele fez O Homem Que Nunca Pecou / The Whole Town’s Talking / 1935, dirigido por John Ford (com Jean Arthur). Baseado em uma história de W.R. Burnett, o filme gira em torno de uma troca de identidades entre um gângster, Killer Mannion, e um suave e pacífico escriturário (Arthur Ferguson), e Robinson soube aproveitar todas as vantagens do papel duplo. Entusiasmada pelo sucesso popular de seu contratado, (a Warner emprestou-o novamente, desta vez para Samuel Goldwyn usá-lo como Luis Chamalis, o todo poderoso dono do cassino Bella Donna, ao lado de Miriam Hopkins e Joel McCrea, em Duas Almas se Encontram / Barbary Coast / 1935, intriga contendo melodrama, aventura e romance, passada em San Francisco durante a corrida do ouro, imaginada por Ben Hecht e Charles MacArthur e conduzida por Howard Hawks.

Robinson e Miriam Hopkins em Duas Almas se Encontram

Os filmes que Robinson fez nos anos restantes da década de trinta foram: 1936 – Balas ou Votos / Bullets or Ballots / First National (Dir: William Keighley) como  detetive Johnny Blake que se infiltra em um bando criminoso (com Joan Blondell, Humphrey Bogart). 1937 – O Gigante de Londres / Thunder in the City / Produção britânica distribuída pela Columbia (Dir: Marion Gering) como Daniel “Dan” Armstrong,  americano em viagem de negócios na Inglaterra que se depara com seus parentes distantes,  aristocratas emprobrecidos, e os ajuda a recuperar sua fortuna, apaixonando-se pela prima (com Luli Deste, Nigel Bruce, Ralph Richardson); Talhado para Campeão / Kid Galahad / Warner (Dir: Michael Curtiz) como Nick Donati, promotor de lutas de boxe que faz de um modesto mensageiro um grande campeão no ringue (com Bette Davis, Humphrey Bogart, Wayne Morris, Jane Bryan); O Último Gangster / The Last Gangster / MGM (Dir: Edward Ludwig) como Joe Krozac, condenado que sai da prisão e fica sabendo que sua mulher se casou novamente e o novo marido dela adotou seu filho (com James Stewart, Rose Stradner). 1938 – Um Simples Assassinato / A Slight Case of Murder / Warner (Dir: Lloyd Bacon) como Remy Marco, contrabandista de bebidas que, com o fim da Lei Sêca, se torna um fabricante legítimo de cerveja e se envolve em muitas complicações (com Jane Bryan, Ruth Donnelly, Willard Parker); O Gênio do Crime / The Amazing Dr. Clitterhouse / Warner (Dir: Anatole Litvak) como Dr. Clitterhouse, o cirurgião respeitado, interessado nas sensações mentais e físicas dos criminosos nos momentos que praticam suas atividades (com Claire Trevor, Humphrey Bogart); Eu Sou a Lei! / I Am the Law / Columbia (Dir: Alexander Hall) como Professor Lindsay (com Barbara O Neil, John Beal). 1939 – Confissões de um Espião Nazista / Confessions of a Nazi Spy / Warner (Dir: Anatole Litvak) como  agente do FBI Edward Renard (com Francis Lederer, George Sanders, Paul Lukas); Escravo de um Erro / Blackmail / MGM (Dir: H. C. Potter) como John R. Ingram, um homem condenado injustamente que foge da prisão e inicia uma nova vida como petroleiro, mas vem a ser vítima de uma chantagem (com Ruth Hussey, Gene Lockhart). Seus melhores filmes nesta fase foram os dirigidos por Michael Curtiz, Anatole Litvak e Lloyd Bacon.

Robinson e Michael Curtiz

Bette Davis e Robinson em Talhado para Campeão

Talhado para Campeão é um drama, narrado com a eficiência de sempre por Curtiz, passado no ambiente do boxe, mostrando a ascenção para o título de campeão dos pesos pesados de um honesto campesino (Ward Guisenberry / Kid Galahad) e seu envolvimento com alguns personagens do meio. Louise “Fluff” Phillips (Bette Davis), namorada do empresário de Ward Nick Donati (Edward G. Robinson), apaixona-se pelo jovem atleta, mas ele está enamorado de Marie (Jane Bryan), irmã de Nick. A obsessão superprotetora de Nick pela irmã faz com que ele se volte contra seu pupilo, quase ocasionando uma derrota do campeão; depois, redimindo-se, Nick é vítima de uma confrontação homicida com Turkey Morgan (Humphrey Bogart), seu rival no submundo do pugilismo.

Robinson em Um Simples Assassinato

Um Simples Assassinato, é uma farsa macabra e satírica, baseada na peça de Damon Runyon e Howard Lindsay. Quando o ex-contrabandista de bebidas resolve se tornar um cidadão “respeitável”, ele tem que enfrentar uma série de problemas. Os principais são: a presença de quatro cadáveres que seus rivais haviam posto no quarto dos fundos de sua casa, a mulher (Ruth Donnelly) que quer passar por grã-fina e o embaraçoso noivado de sua filha (Jane Bryan) com um policial (Willard Parker). Auxiliado pelos saborosos diálogos do script, por Robinson e um elenco de coadjuvantes hilariante, Bacon mantém esta tumultuosa comédia engraçada o tempo todo.

Claire Trevor, Robinson e Humphrey Bogart em O Gênio do Crime

O Gênio do Crime é uma hábil mistura de drama criminal com humor negro, suspense e um final Pirandelliano, tratada com percuciência cinematográfica por Litvak, na qual um médico, Dr. Clitterhouse (Edward G. Robinson), para comprovar suas teorias científicas acaba se envolvendo com uma quadrilha de ladrões de jóias , chefiada por uma mulher, Jo Keller (Claire Trevor) e inicia uma carreira no crime com consequências surpreendentes.

Robinson e Paul Lukas em Confissões de um Espião Nazista

Confissões de um Espião Nazista é um filme de propaganda anti-nazista em formato de semi-documentário, sob astuta supervisão de Litvak, revelando as atividades dos alemães Dr. Karl Kassell (Paul Lukas) e Franz Schlager (George Sanders) e de um germano-americano Kurt Schneider (Francis Lederer), desertor do exército americano, que oferecem seus serviços ao Terceiro Reich. Através de Schneider, os agentes do FBI, comandados por Ed Renard (Edward G. Robinson) conseguem prender todo o bando de quinta-colunistas.

Robinson, Ruth Gordon, Otto Kruger em A VIda do Dr. Ehrlich

Na década de 40 Robinson ampliou seu prestígio artístico, participando de várias obras-primas de grandes diretores, além de dar a sua contribuição para o esforço de guerra. Seus filmes neste período foram: 1940 – A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich’s Magic Bullet  / Warner (Dir: William Dieterle) como Dr. Paul Ehrlich, bacteriólogo alemão que criou um dos primeiros medicamentos para doenças infeciosas, comercializada sob a marca Salvarsan (com Ruth Gordon, Otto Kruger); Irmão Orquídea / Brother Orchid  / Warner (Dir: Lloyd Bacon) como  Little Joe Sarto,  gângster que se refugia em um monastério e fica gostando da vida simples entre os monges  (com Ann Sothern, Humphrey Bogart); Uma Mensagem de Reuter/ A Dispatch from Reuters / Warner (Dir: William Dieterle) como  Baron Julius Reuter, fundador da famosa agência de notícias (com Edna Best, Eddie Albert, Albert Basserman). 1941 – O Lobo do Mar / The Sea Wolf / Warner (Dir: Michael Curtiz) como “Wolf” Larsen, o capitão brutal da escuna “Ghost”, que recolhe no mar um intelectual e dois fugitivos da justiça  (com Alexander Knox, John Garfield, Ida Lupino);

George Raft, Marlene Dietrich e Robinson em Aquela Mulher

Aquela Mulher! / Manpower / Warner (Dir: Raoul Walsh) como Hank “Gimpy” McHenry, um dos dois eletricistas que disputam a mesma mulher  (ela é Marlene Dietrich e o outro, George Raft); A Suprema Cartada / Unholy Partners / MGM (Dir: Mervyn LeRoy) como Bruce Corey, repórter que volta da guerra e funda um jornal financiado por um gângster (com Laraine Day, Edward Arnold, Marsha Hunt). 1942 – Vale a Pena Roubar? / Larceny, Inc. / Warner (Dir: Lloyd Bacon) como J. Chalmers “Pressure” Maxwell, ex-presidiário que abre uma loja de malas ao lado de um banco, para cavar um túnel e chegar ao cofre; a loja prospera  e ele descobre que a vida honesta até que não é má (com Jane Wyman, Broderick Crawford, Jack Carson); Seis Destinos / Tales of Manhattan / 20thCentury-Fox (Dir: Julien Duvivier) como Avery “Larry” Browne, mendigo alcoólatra convidado para uma reunião de ex-alunos (com George Sanders, James Gleason). 1943 – Destroyer / Destroyer / Columbia (Dir: William A. Seiter) como Steve Boleslavski, soldador de estaleiro naval de meia idade que se alista para servir no navio que ele ajudou a construir e se distingue em ação (com Glenn Ford, Marguerite Chapman); Mistérios da Vida / Flesh and Fantasy / Universal (Dir: Julien Duvivier) como Marshall Tyler, advogado que, segundo um quiromante previu, vai matar alguém (com Thomas Mitchell, Anna Lee, C. Aubrey Smith).

Robinson, Lynn Bari e Victor McLaglen em  Tampico

Glenn Ford, Marguerite Chapman e Robinson em Destroyer

Allene Roberts e Robinson em A Casa Vermelha

Burt Lancaster e Robinson em Resgate de uma Consciência

Robison em Sangue do Meu Sangue

1944 – Tampico / Tampico / 20thCentury-Fox (Dir: Lothar Mendes) como Bart Manson, capitão de um navio petroleiro que se casa com a sobrevivente de um navio afundado pelos alemães, suspeita de ser uma espiã (com Lynn Bari, Victor McLaglen). Mister Winkle Vai para a Guerra / Mr. Winkle Goes to War /Columbia) como Mr. Winkle, bancário de meia idade que se alista para lutar na Segunda Guerra Mundial; (com Ruth Warrick, Ted Donaldson, Hugh Beaumont); Pacto de Sangue / Double Indemnity/ Paramount (Dir: Billy Wilder) como Barton Keye, o astuto investigador da companhia de seguros (com Barbara Stanwyck, Fred MacMurray); Um Retrato de Mulher / The Woman in the Window / RKO (Dir: Fritz Lang) como Richard Wenley, professor de criminologia que se envolve em um crime estimulado por uma mulher fatal (com Joan Bennett, Raymond Massey, Dan Duryea). 1945 – O Roseiral da Vida / Our Vines Have Tender Grapes / MGM (Dir: Roy Rowland) como o fazendeiro noruegês imigrante Martinius Jacobson, patriarca que cuida de sua família no Wisconsin durante a Segunda Guerra Mundial (com Margaret O’Brien, James Craig); Almas Perversas / Scarlet Street / Universal (Dir: Fritz Lang) como Christopher Cross, homem casado com uma mulher rabugenta e pintor nas horas vagas que, explorado por uma bela mulher que conheceu na rua, defendendo-a de um rufião, dá um desfalque na firma onde trabalha (Joan Bennett, Dan Duryea). Jornada Heróica / Journey Together / Filme britânico (Dir: John Boulting) como Dean McWilliams, o instrutor de vôo civil (com Richard Attenborough, Bessie Love; O Estranho / The Stranger / RKO (Dir: Orson Welles) como Mr. Wilson, investigador da Comissão de Crimes de Guerra que persegue um nazista foragido em Connecticut, EUA (com Loretta Young, Orson Welles). 1947 – A Casa Vermelha / The Red House / United Artists. (Dir: Delmer Daves) como Peter Morgan, velho aleijado que faz de tudo para impedir que sua filha adotiva descubra um terrível segredo (com Lon McCallister, Allene Roberts, Judith Anderson). 1948 – Resgate de uma Consciência / All My Sons  / Universal (Dir: Irving Reis) como  Joe Keller, empresário que vendeu peças para construção de aviões danificadas, causando várias mortes durante a Segunda Guerra Mundial (com Burt Lancaster, Mady Christians); Paixões em Fúria / Key Largo / Warner (Dir: John Huston) como Johnny Rocco, gângster sádico que, durante uma tempestade, mantém um grupo de pessoas aprisionadas em um hotel na Florida,  de onde pretende fugir para Cuba (com Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Lionel Barrymore, Thomas Gomez, Claire Trevor; A Noite Tem Mil Olhos / Night Has a Thousand Eyes / Paramount (Dir: John Farrow) como o vidente John Triton que prevê a sua própria morte  (com Gail Russell, John Lund, Virginia Bruce, John Lund). 1949 – Sangue do meu Sangue / House of Strangers / 20thCentury-Fox (Dir: Joseph L. Mankiewicz) como o banqueiro usurário Gino Monetti (com Susan Hayward, Richard Conte, Luther Adler); Mademoiselle Fifi / It’s a Great Feeling / Warner (Dir: David Butler) como ele mesmo em um cameo (com Doris Day, Jack Carson, Dennis Morgan).

Seus melhores filmes nesta fase foram os dirigidos por Michael Curtiz, Fritz Lang, Orson Welles e John Huston.

John Garfield, Ida Lupino e Robinson em O Lobo do Mar

O Lobo do Mar é uma adaptação com alterações do romance de Jack London, combinando aventura e melodrama psicológico com uma reflexão sobre o perigo do fascismo no mundo de 1940. O filme foi beneficiado por um excelente elenco (além de Robinson, Garfield, Lupino e Knox, dispôs de dois excelente coadjuvantes, Barry Fitzgerald e Gene Lockhart), fotografia esplêndida de Sol Polito recriando a atmosfera nebulosa e fantasmagórica e uma partitura de Erich Wolfgang Korngold que ajuda a manter o clima de tensão constante. Robinson dá vida à complexa personalidade de Wolf Larsen, o capitão tirânico e cruel do navio misterioso.

Fred MacMurray e Robinson em Pacto de Sangue

Pacto de Sangue é um influente modelo de filme noir com todos os ingredientes típicos: o sujeito de caráter fraco   (Fred MacMurray) arrastado para o crime por uma mulher ambiciosa e calculista (Barbara Stanwyck); a narração na primeira pessoa; a iluminação contrastada, o investigador persistente e perspicaz . Baseado no romance de James M. Cain, o roteiro manteve o clima e os detalhes da intriga e absorveu os toques pessoais de seus autores, Billy Wilder e Raymond Chandler. Bastante inspirado, o fotógrafo John F. Seitz elaborou formidáveis contrastes de preto e branco. Outra colaboração importante foi a do compositor Miklos Rozsa, cuja música essencialmente trágica se adaptou ao cinema noir, contribuindo para reforçar os efeitos dramáticos do filme. O desempenho de Edward G. Robinson deu uma dimensão imprevista ao personagem do investigador de sinistros.

Joan Bennett e Robinson em Um Retrato de Mulher

Robison de Joan Bennett em Almas Perversas

Em Retrato de Mulher, Fritz Lang acompanha a aventura infernal do pacato professor que passa a agir como um criminoso, mantendo o espectador na mesma angústia e tensão do protagonista e em Almas Perversas o mesmo diretor retoma o tema da criminalidade latente em um cidadão aparentemente respeitável e pacífico, obetno um resultado artístico idêntico. Em ambos os filmes constata-se a presença dos requisitos necessários para a configuração de um filme noir, inclusive o uso da fotografia expressionista, com toda a força, pelo experiente Milton Krasner. E Robinson compõe os dois tipos semelhantes com o seu inegável domínio da arte de representar.

Robinson, Loretta Young e Orson Welles em O Estranho

O Estranho é um thriller de mistério e suspense com motivos políticos, valorizado pela imaginação sempre fértil do cineasta sob o ponto de vista cinematográfico como, por exemplo, o final no campanário, quando o nazista é transpassado pela espada de uma das figuras do relógio. Outro atributo positivo  da realização é a fotografia expressionista de Russell Metty, que reforça o clima de horror crescente do filme. Robinson tem um papel pequeno em comparação com Welles e L. Young, mas sua presença se impõe em todas as cenas nas quais aparece.

Humphrey Bogart, Robinson, Lionel Barrymore e Lauren Bacall em Paixões em Fúria

Paixões em Fúria é uma adaptação modernizada da peça de Maxwell Anderson, com maior força dramática e um clima de angústia que permanece em um ambiente úmido e sufocante durante todo o transcorrer da narrativa, graças à direção competente de Huston que se serviu muito bem dos magníficos enquadramentos proporcionados por Karl Freund, da música de Max Steiner e principalmente dos atores. Robinson encontrou em Johnny Rocco um papel à altura de seu imenso talento, mas foi Claire Trevor que arrebatou um Oscar pela sua cena antológica na qual é obrigada pelo gângster a cantar, para poder obter um drinque.

Robinson e Paulette Goddard em O Segredo de uma Amante

Após passar por momentos difíceis, incomodado pela HUAC (House Un-American Activities Committee), Robinson teve dificuldade de arranjar trabalho. Ele fez um filme na Inglaterrra, e depois interveio em filmes de orçamento barato ou funcionou apenas como coadjuvante: 1950 – Minha Filha / My Daughter Joy / Columbia (Dir: Gregory Ratoff) como George Constantin, um magnata às voltas com problemas familiares  (com Nora Swinburne, Peggy Cummins, Richard Greene). 1952 – Bastidores e PecadoresActors and Sin / United Artists (Dir: Ben Hecht-Lee Garmes) como Maurice Tillayou, ator decadente da Broadway cuja filha tem mais talento do que ele  (com Marsha Hunt, Dan O’ Herlihy). 1953 – O Segredo de um Amante / Vice Squad / United Artists (Arnold Laven) como Capitão Barnie Barnaby, o chefe dos detetives que investiga a morte de policiais (com Paulette Goddard, K.T. Stevens); Big Leaguer / MGM (Dir: Robert Aldrich) como o treinador de basebol Hans Lobert (com Vera Ellen, Jeff Richards); O Crime da Semana / The Glass Web / Universal (Dir: Jack Arnold) como Henry Hayes, diretor de pesquisas de um programa de TV que desmascara o assassino de uma atriz chantagista  (com John Forsythe, Marcia Henderson).

Peter Graves, Jean Parker e Robinson em Terça-Feira Trágica

Glenn Ford, Brian Keith, Barbara Stanwyck e Robinson em Um Pecado Em Cada Alma

Jayne Mansfield, Robinson e Nina Foch em Trágica Fatalidade

Your Brynner e Robinson em Os Dez Mandamentos

1954 – Terça-Feira TrágicaBlack Tuesday / United Artists (Dir: Hugo Fregonese) como Vincent Canelli, assassino  condenado à morte que foge da prisão na noite de sua execução, levando cinco reféns, inclusive um padre (com Peter Graves, Jean Parker). 1955 – Um Pecado em Cada Alma / The Violent Men / Columbia (Dir: Rudolph Mate) como Lew Wilkison, fazendeiro aleijado, cuja mulher mantém uma ligação adúltera com o cunhado, que pretende se tornar dono de todo o vale, mas encontra resistência por parte de um jovem veterano da Guerra Civil (com Glenn Ford, Barbara Stanwyck, Brian Keith). Ratos Humanos / Tight Spot / Columbia (Dir: Phil Karlson) como Lloyd Hallett, promotor público que tenta convencer uma modelo condenada à prisão, a testemunhar contra um gângster  (com Ginger Rogers, Brian Keith); Cada Bala Uma Vida / A Bullet for Joe / United Artists) como Inspetor Raoul Leduc, que investiga as atividades de agentes comunistas no Canadá (com George Raft, Audrey Totter); Trágica Fatalidade / Illegal / Warner Bros (Dir: Lewis Allen) como Victor Scott,  promotor público  que se torna um advogado criminal, para defender  sua antiga assistente de um crime de homicídio (com Nina Foch, Hugh Marlowe, Jayne Mansfield). 1956 – Horas Sombrias / Hell on Frisco Bay / Warner Bros (Dir: Frank Tuttle) como Victor Amato, o gângster que domina o sindicato do crime no porto de San Francisco (com Alan Ladd, Joanne Dru); Pesadelo / Nightmare / United Artists (Dir: Maxwell Shane) como Rene Bressard, o policial que desvenda um caso estranho ocorrido com seu cunhado (com Kevin McCarthy, Connie Russell); Os Dez Mandamentos / The Ten Commandments / Paramount (Dir: Cecil B. DeMille) como Dathan, supervisor dos escravos (com Charlton Heston, Yul Brynner). 1959 – Os Viúvos Também Sonham / A Hole in the Head / United Artists (Dir: Frank Capra) como Mario Manetta, negociante bem sucedido que ajuda financeiramente seu irmão, dono de um hotel decante em Miami, impondo algumas condições (com Frank Sinatra, Eleanor Parker).

Robinson, Rod Steiger, Joan Collins e Eli Wallach em Sete Ladrões

Claire Trevor e Robinson em A Cidade dos Desiludidos

Diane Baker, E. G. Robinson e Elke Sommer em Os criminosos Não Merecem Prêmio

Richard Widmark e Robinson em Crepúsculo de uma Raça

Steve McQueen e Robinson em A Mesa do Diabo

David Garfield e Robinson em O Ouro de MacKenna

Charlton Heston e Robinson em No Mundo de 2020

Nos anos finais de sua carreira, Robinson continuou na mesma situação, atuando em produções modestas ou em segundo plano: 1960 – Sete Ladrões / Seven Thieves / 20thCentury-Fox (Dir: Henry Hathaway) como Theo Wilkins, o gângster que planeja roubar o casino de Monte Carlo  (com Rod Steiger, Joan Collins, Eli Wallach); Pepe / Pepe / Columbia (Dir: George Sidney) como ele mesmo (com Cantinflas). 1962 – Minha Doce Gueixa / My Geisha / Paramount (Dir: Jack Cardiff) como o produtor de cinema Sam Lewis (com Shirley MacLaine, Yves Montand, Robert Cummings); A Cidade dos Desiludidos / Two Weeks in Another Town / MGM (Dir: Vincente Minnelli) como o diretor de cinema Maurice Kruger  (com Kirk Douglas, Cyd Charisse, Claire Trevor). 1963 – Criminosos Não Merecem Prêmio / The Prize / MGM (Dir: Mark Robson) como Dr. Max Stratman o físico germano-americano laureado com o prêmio Nobel e seu sósia (com Paul Newman, Elke Sommer, Diane Baker). 1964 – Um Amor de Vizinho / Good Neighbour Sam / Columbia (Dir: David Swift) como o empresário Simon Nurdlinger (com Jack Lemmon, Romy Schneider); Robin Hood de Chicago / Robin and the Seven Hoods / Warner Bros. (Dir: Gordon Douglas) como o gângster Big Jim Stevens  (com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr, Bing Crosby); Quatro Confissões / The Outrage / MGM (Dir: Martin Ritt) como  Con Man, uma das quatro testemunhas da morte de um bandido (com Paul Newman, Laurence Harvey, Claire Bloom); Crepúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / Warner Bros. (Dir: John Ford) como o Secretário do Interior Carl Schurz (com Richard Widmark, Carroll Baker, James Stewart, Arthur Kennedy). 1965 – Sózinho Contra a África / A Boy Ten Feet Tall / Paramount (Dir: Alexander MacKendrick) como o contrabandista de diamantes Cocky Wainwright, que dá lições de vida a um menino (com Steve McQueen, Ann Margret, Karl Malden; A Mesa do Diabo / The Cincinatti Kid (Dir: Norman Jewison) como o jogador de pôquer Lancey Howard (com Steve McQueen, Ann-Margret). 1968 – A Mulher de Pequim / La Blonde de Pékin / Paramount (Dir: Nicholas Gessner) como Douglas, o chefe da C.I.A. (com Mireille Darc, Claudio Brook); Cinco Milhões de Erros / The Biggest Bundle of Them All / MGM (Dir: Ken Annakin) como Professor Samuels (com Robert Wagner, Raquel Welch, Vittorio de Sica; A Qualquer Preço / Ad Ogni Costo / Paramount (Dir: Giuliano Montaldo) como professor aposentado James Anders que planeja um roubo no Brasil (com Janet Leigh, Robert Hoffman. Adolfo Celi, Klaus Kinski); Uno Sacco Tutto Matto / Robert Riz) como chefe de uma quadrilha de ladrões de banco (com Terry Thomas); Operação São Pedro / Operation St. Peter / Paramount (Dir: Lucio Fulci) como o criminoso americano Joe Ventura (com Lando Buzanca); Como Roubar Milhões sem Fazer ForçaNever a Dull Moment / Buena Vista (Dir: Jerry Paris) como o gângster Leo Joseph Smooth (com Dick Van Dyke, Dorothy Provine). 1969 – O Ouro de MacKenna / MacKenna’s Gold / Columbia (Dir: J. Lee Thompson) como o Velho Adams (com Gregory Peck, Omar Shariff, Telly Savalas). 1970 – Canção do Sol da Meia-Noite / Song of Norway / Cinerama (Dir: Andrew L. Stone) como o vendedor de pianos Krogstad  (com Toralv Maurstad, Robert Morley). 1973 – No Mundo de 2020 / Soylent Green / MGM (Dir: Richard Fleischer) como o detetive Sol Roth (com Charlton Heston, Chuck Connors, Joseph Cotten).

Durante esse tempo, Robinson divorciou-se de Gladys, que exigiu metade do valor de sua famosa coleção de obras de arte e ele teve que vender para o grego Stavros Niarchos 58 dos 72 quadros de grandes pintores, para atender tal exigência; casou-se com Jane Robinson; atuou no teatro, no rádio e na televisão (onde esteve reespectivamente desde 1911, 1933 e 1953; escreveu (com Leonard Spigelglass) sua autobiografia, “All My Yesterdays”; foi contemplado com o Screen Actors Guild Life Achievement Award e com um Oscar Honorário da Academia que não pôde receber pessoalmente, porque faleceu dois meses antes da cerimônia, vítimado pelo cancer, aos 79 anos de idade.

IVAN MOSJOUKINE

Todo estudante de cinema o conhece, por ter emprestado seu rosto para a experiência, que o cineasta e teórico do filme Lev Kuleshov fez, justapondo por meio da montagem a mesma imagem do ator a diversos objetos: um prato de sopa, uma mulher no seu leito de moribunda e uma criança sorrindo. O rosto de Mosjoukine mantido propositadamente em uma atitude inexpressiva, pareceu exprimir: fome, pena e ternura. Este foi um dois experimentos que demonstrou o chamado efeito Kuleshov; porém, ironicamente, na arte de representar, Mosjoukine destacou-se como um dos intérpretes mais eloquentes da tela.

Ivan Mosjoukine

Ele foi também diretor e roteirista mas, acima de tudo, um dos grandes astros da época do cinema mudo. Suas características principais eram o olhar penetrante, uma imensa presença na tela e sua incrível versatilidade, encontrando sempre a expressão apropriada para transmitir as emoções de seus personagens.

Ivan Ilyich Mozzhukhin (1889-1939) nasceu em Kondol (hoje Penza Oblast) na Rússia Czarista, filho de Rachel Ivanovna Mozzhukhina e Ilya Ivanovich Mozzhukhin,  administrador da propriedade dos Obolensky, posição herdada de seu pai, um servo cujos filhos ganharam a liberdade como gratidão pelo serviço que ele prestou a esta nobre família.

Enquanto seus outros três irmãos cursaram o seminário, Ivan foi enviado para um ginásio em Penza e depois estudou direito na Universidade de Moscou. Em 1910, ele deixou a vida acadêmica e ingressou em uma trupe de atores itinerantes de Kiev com a qual viajou durante um ano, adquirindo experiência e uma reputação por sua presença dinâmica no palco. Retornando a Moscou, Mosjoukine iniciou sua carreira cinematográfica com o produtor Alexandre Khanjokov como Trukhachevski em Kreytserova sonata / 1911 e, entre 1911-1919 atuou em mais 55 filmes (dos quais somente A Dama do Punhal / Zhenshchina  s Kinzhalom e Padre Sergio / Otets Esergiyforam exibidos no Brasil), tornando-se uma figura predominante no cinema russo, principalmente por sua atuação neste útimo filme e em Pikovaya dama / 1916  (trad. literal: A Dama de Espadas). Em 1919, juntou-se a um grupo de refugiados, que emigrou para a França após a Revolução Russa.

Mosjoukine em Padre Sergo

As maiores companhias francesas, Pathé e Gaumont, instaladas solidamente no solo russo nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, prepararam o terreno para uma colaboração longa e fraternal, cuja importância seria explorada na década de crise do pós-guerra. Um dos primeiros artífices da ligação profissional franco-russa foi Josef Ermolieff, que em 1907 iniciou sua carreira como assistente técnico na sucursal da Pathé em Moscou e em 1912 foi promovido a chefe de vendas desta empresa. Na véspera da guerra, ele fundou sua própria companhia e estúdio e reuniu em torno de si um núcleo de artistas e técnicos, que se tornaria a colônia fílmica russa de Paris. Entre eles estavam Yakov Protazanov, Alexandre Volkoff e Viatcheslav Tourjansky, o mestre da animação Ladislas Starevitch, os cinegrafistas Nicolas Toporkoff, Fedote Bourgassoff e Nicolas Roudakoff, o decorador Alexander Lochakoff e os atores Natalya Lisenko, Nathalie Kovanko, Nicolas Rimsky e especialmente Ivan Mosjoukine.

Josef Ermolieff

Após a Revolução de Outubro, o avanço do exército bolchevista obrigou Ermolieff e sua companhia a partir para Yalta na Criméia, onde ele inaugurou um novo estúdio, no qual foram rodadas 16 produções durante os anos de 1918-1919, inclusive alguns filmes de propaganda anti-bolchevista. Usando seu antigo relacionamento com a Pathé, Ermolieff fez várias viagens a Paris, a fim de preparar a evacuação de toda a sua companhia para a França. Em fevereiro de 1920, ele e sua trupe embarcaram para o exílio e se instalaram no antigo estúdio da Pathé no subúrbio parisiense de Montreuil-sous-Bois, onde a Ermolieff-Cinéma começou a fazer filmes. Seu co-fundador desta companhia foi Alexandre Kamenka, outro exilado russo e quando, em 1922, Ermolieff transferiu-se para a Alemanha, Kamenka, juntamente com seus colegas Noé Bloch e Maurice Hache, assumiu a companhia e a rebatizou como Societé des Films Albatros. Ele formou também uma distribuidora denominada Les Films Armo, para controlar a distribuição de seus próprios filmes. Em 1920, Protazanov terminou a primeira produção dos emigrados, L’Angoissante Aventure (que ele havia iniciado em Yalta), história dramatizada da jornada dificultosa e perigosa de atores, diretores e outros artistas de cinema, quando partem da Criméia para o caos da Turquia Otomana na ocasião da queda do Sultanato depois da Primeira Guerra Mundial. O grupo era liderado pelo diretor Protazanov e além de Mosjoukine, incluia a sua parceira frequente Natalya Lisenko, com a qual ele se casou e depois se divorciou em 1927. Em 1928, ele contraiu matrimônio com a atriz Agnes Petersen. Sua terceira esposa foi a atriz Tania Fedor, por um breve período de tempo.

Mosjoukine consolidou seu estrelato durante os anos vinte, período no qual fez mais 19 filmes, inclusive os de maior destaque de sua carreira, funcionando quase sempre como roteirista e dirigindo dois deles: 1921 – O Menino do Carnaval / L’enfant du carnaval (Dir: Ivan Mosjoukine) com Natalya Lisenko, conhecida na França como Nathalie Lissenko; O Justiceiro / Justice d’abord (Dir: Yakov Protazanov com Nathalie Lissenko, Nicolas Koline. 1922 – Tempestade / Tempêtes (Dir: Robert Boudrioz) com Nathalie Lissenko, Charles Vanel. 1923 –Morphine  / Chlan parlamenta  / produção franco-soviética (Dir: Yakov Protazanov) com Nathalie Lissenko; A Casa do Mistério / La Maison du Mystère (Dir: Alexandre Volkoff) seriado de 10 episódios com Charles Vanel, Hélène Darly, Nicolas Koline; Chamas Ardentes  / Le Brasier Ardent. (Dir: Ivan Mosjoukine) com Nathalie Lissenko, Nicolas Koline; 1924 – Kean ou Desordem e Gênio / Kean (Dir: Alexandre Volkoff) com Nathaie Lissenko; Sombras Passageiras / Les Ombres qui Passent (Dr: Alexandre Volkoff) com Nathalie Lissenko; O Príncipe Encoberto ou O Leão de Mongol / Le Lion des Mogols (Dir:  Jean Epstein) com Nathalie Lissenko, François Viguier; 1926 – O Morto que Ri / Feu Mathias Pascal (Dir: Marcel L’Herbier) com Marcelle Pradot, Lois Moran; Miguel Strogoff, o Correio do Czar / Miguel Strogoff (Dir: Viktor Tourjanski) com Nathalie Kovanco; 1927 – Casanova ou Casanova, o Príncipe dos Amantes / Casanova (Dir: Alexandre Volkoff) com Suzanne Bianchetti, Diana Karenne, Jenny Jugo, Rina de Liguoro; Capitulando ao Amor / Surrender (Dir: Edward Sloman) com Mary Philbin, Nigel De Brulier. 1928 – Sua Excelência o Presidente ou O Presidente / Der Präsident (Dir: Gennaro Righelli) com Suzy Vernon, Nikolai Malikoff; Rouge et Noir ou O Correio Secreto / Der geheime Kurier (Dir:  Gennaro Righelli) com Lil Dagover, Agnes Petersen; O Ajudante do Czar / Der Adjutant des Zaren (Dir: Vladimir Strizhevsky) com Carmen Boni.  1929 – Manolesco / Manolescu (Dir: Viktor Tourjanski) com Brigitte Helm, Heinrich George, Dita Parlo.  Graças à magnífica caixa da Flicker Alley, “French Masterworks – Russian Émigrés in Paris 1923 -1928”, pude ver três dos melhores filmes de Mosjoukine produzidos pela Albatros, O Braseiro Ardente, Kean e O Morto Que Ri.

Ivan Mosjoukine, Nathalie Lissenko em Chamas Ardentes

Mosjoukine e Koline em Chamas Ardentes

No seu filme Chamas Ardentes Mosjoukine mistura, com muita inventividade a audácia, o surrealismo, o fantástico, a comédia, o romance e o melodrama. O filme tem início com uma mulher (Nathalie Lissenko) tendo um pesadêlo no qual ela não consegue escapar de um homem, que lhe aparece sob diversas formas. Ao despertar, ela descobre que o homem, que a perseguia no seu sonho, é o inspetor Z, (Ivan Mosjoukine) personagem principal do romance que se encontra na sua mesa de cabeceira. Por coincidência, o marido (Nicolas Koline), um velho ricaço desconfiado da fidelidade de sua esposa, contrata um detetive para seguí-la, que não é outro senão o detective Z. A partir daí o fantástico  desaparece e a narrativa passa a satirizar outros gêneros (v. g. o seriado policial e o melodrama burguês). Visualmente, o filme é impressionante. Mosjoukine integrou as últimas novidades do cinema de vanguarda com seus cenários fantasmagóricos e a montagem rápida. Em uma sequência deslumbrante, ele se senta ao piano em dá início  a uma competição de dansa cujo ritmo se acelera até atingir um frenesí inacreditável. Percebe-se no decorrer do entrecho uma homenagem à cidade de Paris a cujo charme, uma mulher casada com um homem que ela não ama, não consegue resistir. Mosjoukine como ator está em plena forma: somente na cena de pesadelo inicial ele interpreta um herege sendo queimado na fogueira, um cavalheiro elegante, um bispo e um mendigo. No restante do filme, tranforma-se em um brilhante detetive, um palhaço bobo, um professor de dança cruel, um amante tímido e um filhinho da mamãe. Depois de assistir O Braseiro Ardente em 1923, Jean Renoir desistiu do seu trabalho, que era a cerâmica, para se dedicar ao cinema.

Ivan Mosjoukine em Kean

Ivan Mosjoukine em Kean

Kean, o filme mais caro e de prestígio feito pela Albatros, dirigido por Alexandre Volkoff, gira em torno do ator inglês do século dezenove, cuja vida foi marcada pela desordem e pelo gênio como indicado pelo título. Na Inglaterra, por volta de 1830, Edmund Kean (Ivan Mosjoukine) é o intérprete shakespereano mais aclamado pelo público londrino. A mulher do embaixador da Dinamarca, condessa de Koefeld (Nahalie Lissenko) assim como a jovem Anna Damby (Mary Odette), rica herdeira prometida a um velhote, estão apaixonadas por ele. Kean passa suas noites na taverna – vestido de marinheiro, bebendo e dançando na companhia de seu amigo Salomon (Nicolas Koline), que exerce a função de “ponto” no teatro – e os dias, perseguido pelos seus credores. Versão modificada da peça de Alexandre Dumas, eliminando o final feliz, que mostra Kean partir para a América com Anna Damby, o novo roteiro o faz terminar seus dias na miséria e morrer em uma noite de tempestade, corroído pela tuberculose.

Ficamos conhecendo de início Kean em uma representação de Romeu e Julieta por uma série de vinhetas pontuadas de intertítulos reproduzindo os versos originais de Shakespeare. Estas sequências de teatro filmado são seguidas por uma série de situações trágicas ou cômicas filmadas com primor cinematográfico, cujo melhor exemplo é a sequência excitante na taverna Trou de Charbon cuja montagem cada vez mais rápida, transmite perfeitamente a loucura e a vertigem sentida por Kean, ao se embriagar dançando a jiga (dança popular muito animada). Outro momento marcante é aquele em que Kean, destruído por sua paixão louca pela condessa, devorado pelo ciúme, perde a razão interpretando Hamlet no palco, e é rejeitado pelo público, que o bombardeia com projetéis diversos. Como se trata de um filme mudo, não ouvimos sua voz: ele fala apenas com o seu olhar magnético. Depois, ele nos oferece uma das cenas de morte mais longas (quase o tempo todo em close-up) do cinema, mas também uma das mais belas. Agonizante, ele pede ao seu fiel Salomon para ler um trecho de Shakespeare enquanto um cão uiva sob a tempestade. A parte cômica fica a cargo do formidável Nicolas Koline, que nos diverte em várias cenas, como aquelas em que se disfarça de tigre para assustar os credores de seu amigo ou quando se veste de mulher para escapar dos mesmos  credores.

Mosjoukine em O Morto Que Ri

Mosjoukine e Marcele Prado em O Morto Que Ri

O Morto Que Rí, inspirado no romance de Luigi Pirandello, dirigido por Marcel L’Herbier e co-produzido com a sua Cinégraphic, alterna comédia e tragédia, realidade e fantasia, para contar a história do jovem bibliotecário, Mathias Pascal (Ivan Mosjoukine), um sonhador excêntrico, enfronhado na redação de uma História da Liberdade que, após a ruína financeira de sua família, vive na pequena cidade de Miragno na companhia da mãe (Marthe Mellot) e da tia (Pauline Carton). Ele se casa quase por acaso com Romilde (Marcelle Pradot), pois tinha por missão pedir a mão da moça para seu amigo Jérôme Pomino (Michel Simon). Fazendo isto, abdica de toda liberdade e passa a sofrer com a falta de afeição da esposa e a fúria da sogra rabugenta (Mireille Barsac). Quando sua mãe e sua filha recém-nascida morrem no mesmo dia, ele resolve fugir e vai parar aleatoriamente em Monte Carlo, onde ganha uma fortuna no cassino.  Quando volta para casa, fica sabendo que foi dado como morto e decide aproveitar a chance e iniciar uma nova vida em Roma. Lá, sob o nome de Adrien, ele se apaixona por Adrienne Paleari (Lois Moran), filha do seu senhorio e noiva de um arqueologista, Terence Papiano (Jean Hervé). O pai de Adrienne promove sessões de espiritismo e, em uma dessas sessões, Papiano e seu irmão Scipion (Pierre Batcheff) roubam o dinheiro de Adrien. Sem poder recorrer à polícia, pois já morreu, Adrien / Mathias se resigna, volta para Miragno, e verifica que Romilde havia se casado com Pomino e que eles têm um filho. Mathias então decide deixá-los em paz e partir de novo em busca de Roma e de Adrienne.

A obra de Pirandello fornece a estrutura básica para a narrativa e adaptação de L’Herbier segue o texto original, apenas se desviando dele no final, que mostra Mathias Pascal retornando à sua vida antiga, mas não para Romilde e sim para seu trabalho na biblioteca, onde escreve suas memórias, que constituem o livro. O filme foi particularmente bem sucedido na sua mistura equilibrada de estilos e isso dependeu em grande parte dos cenários, tanto os naturais quanto os construídos, estes últimos pelo nosso Alberto Cavalcanti e Lazare Meerson: a casa apertada de Mathias e Romilde; a biblioteca baseada em uma igreja abandonada, cheia de poeira e ratos roendo as páginas de pilhas de livros espalhados em desordem por todo canto; o festival ao ar livre diante das muralhas e torres medievais de San Gimignano;  o cassino ultramoderno de  Monte Carlo e as ruas e interiores de Roma.

Uma das cenas mais belas  (e também mais tristes) envolve a reação de Mathias às mortes simultâneas de sua mãe e de sua filha. Seu estado mental desordenado é expresso  por uma série de panorâmicas e travelings – ligados por dissolvências -, através das ruas da cidade. Quando ele volta para casa, sua alucinação o faz imaginar que a criança está viva.  Ele carrega o corpo dela, arrastando um longo véu do berço e sai para a rua. Uma série de tomadas descrevem sua jornada noturna fantástica, carregando a filhinha morta para a casa de sua mãe. Ali chegando, ele passa por um grupo de mulheres de luto e coloca o corpinho inanimado nos braços do cadáver de sua avó.

Cena em silhueta de A Casa do Mistério

Mosjoukine e  Hélène Darly em A Casa do Mistério

Charles Vanel e Mosjoukine emA Casa do Mistério

A Flicker Alley nos proporcionou também, em outro dvd, o seriado A Casa do Mistério, cujos dez episódios passaram no Brasil com estes títulos: 1. O Amigo Desleal. 2. O Segredo da Lagoa. 3. Ódio e Ambição. 4. A Sentença Implacável. 5. A Ponte Viva. 6. A Voz do Sangue. 7. Caprichos da Sorte. 8. Luta sem Tréguas. 9. A Angústia do Criminoso. 10. O Amor Triunfa. A trama pode ser assim resumida: Julien Villandrit (Ivan Mosjoukine) é um empresário da indústria textil e feliz no amor, mas atormentado por dificuldades financeiras. Sua esposa Régine de Bettiny (Hélène Darly) é, sem seu conhecimento, objeto de um grande segredo: o velho banqueiro Marjory (Bartkévitch) vem a ser seu pai, devido a uma ligação secreta no passado. Porém suas lliberalidades para o jovem casal e seu amor pela filha despertam suspeitas a Henri Corradin: o melhor amigo de Julien, que foi sempre apaixonado por Régine, muito ciumento e intrigante como o Iago de Shakespeare. Após ter revelado suas desconfianças de que Marjory é amante de Régine a Julien, Corradin assiste a uma luta entre os dois homens e quando Julien recobra a compostura e vai embora, seu amigo mata friamente o banqueiro. Julien é acusado do crime e condenado a vinte anos de trabalhos forçados. Porém Corradin não contou com duas coisas: Julien está decidido a fugir da prisão e o lenhador local, Rudeberg (Nicolas Koline) é um fotógrafo amador, captou o momento do crime e vai querer ganhar algum dinheiro com isso. Esta história folhetinesca de Jules Mary contendo peripécias emprestadas de O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas (um homem injustamente acusado de um crime, condenado e enviado para uma colônia penal, da qual escapa e depois retorna disfarçado, para levar o verdadeiro culpado à Justiça) está recheada de reviravoltas e momentos emocionantes (v. g. o encontro de Julien disfarçado de mendigo com a filhinha; Julien como palhaço no circo encarando a mulher, a filha já crescida, o namorado desta, filho de Rudeberg, e o vil Cardin na platéia), narrados com vivacidade, tornando-se por vêzes espetacular (v. g. a fuga angustiante da prisão em um trem com a “ponte humana” sobre o desfiladeiro). Sob o aspecto visual, chama atenção o casamento de Julian e Regine em forma de silhueta, uma cena verdadeiramente linda. O score de piano de Neil Brand sustenta as imagens e Mosjoukine e Charles Vanel, compõem seus tipos de mocinho e vilão com arrebatamento dramático.

Pude ver ainda Mosjoukine em Miguel Strogoff, Casanova, O Príncipe Encoberto, Capitulando ao Amor (seu único filme americano), O Ajudante do Czar e O Diabo Branco.

Cenas de Miguel Strogoff

Natalie Kovanco e Mosjoukine em Miguel Strogoff

Baseado no romance famoso de Jules Verne sobre o intrépido mensageiro do czar que cumpre perigosa missão na Sibéria, Miguel Strogoff, produção franco-germânica, é um bom filme de aventura, rodado na Letônia e Noruega, com cenários suntuosos (v. g. o baile no Palácio de Alexandre II logo no início), centenas de figurantes (v. g. na batalha dos soldados russos com os tártaros), um delírio fantasmagórico  (na qual Strogoff se vê com um prisioneiro das bruxas) e muitas peripécias em ambientes variados, sempre observadas por dois jornalistas, um inglês Harry Blount (Henri Debain) e um francês, Alcide Jolivet (Gabrel de Gravonne). O espetáculo beneficia-se sobretudo da interpretação de seu ator principal. Mudando regularmente de aparência, charmoso, heróico, patético, Miguel Strogoff passa por todos estas condições e Ivan Mosjoukine está sempre perfeito. A cena mais empolgante do filme acontece no festim do Emir Féofar-Khan (Boris de Fast) quando Strogoff, amarrado em um poste, fica cego, atingido nos olhos pela espada do carrasco esquentada no fogo, diante do traidor Ivan Ogareff (Acho Chakatouny, de sua mãe (Jeanne Brindeau) e de sua amada Nadia Fedor (Natalie Kovanko), a jovem que ele socorreu e que o acompanha em vários incidentes de perigo durante o relato.  Graças à intensa publicidade, a estréia no Cinema Odeon do Rio de Janeiro, com a projeção acompanhada pela orquestra conduzida pelo maestro Wolf Gordasser, iniciou uma carreira triunfal para o filme em nosso país.

Cena de Casanova

Rina de Liguoro e Mosjoukine

Tal como Miguel Strogoff, Casanova é uma produção franco-germânica e um bom filme de aventura com cenários luxuosos (v. g. o baile no Palácio de Pedro III), muitos extras (v. g. o Carnaval de Veneza), e vários incidentes (entremeados com lances cômicos a cargo de um negrinho criado de Casanova) passados em lugares diferentes (Veneza, a côrte de Catarina I).  A grande imperatriz (Suzanne Bianchetti) se interessa por ele e entre as conquistas do lendário sedutor: a dançarina Corticelli (Rina de Liguoro), Bianca (Diana Karennne), Carlotta (Jenny Jugo) e, ao escapar da prisão com a ajuda de amigos, antes de embarcar em um navio, ele quase não resiste de levar uma linda cigana consigo. Mais uma vez os talentos de Mosjoukine como ator impressionam, tanto em momentos dramáticos, quanto em cenas de ação ou burlescas. O personagem de Casanova foi bem adequado para ele, permitindo-lhe explorar seu pendor por múltiplas personalidades através de disfarces (v. g. como um costureiro francês).  Percebe-se no decorrer da intriga uma cena erótica em silhueta quando, em um jantar, Corticelli e uma dúzia de outras mulheres executam uma dança totalmente despidas. No final da apresentação, Casanova sai da sala com Corticellli nua nos braços. A Companhia Brasil Cinematográfica distribuiu gorros iguais aos que Mosjoukine usou no filme e eles foram uma das notas predominantes no Carnaval. Os jornais anunciaram: “Por toda parte, nos automóveis que fazem o corso, nos foliões que brincam nas ruas se vêm desses gorros em que se lê “Eu sou Casanova – o príncipe dos amantes”.

Mosjoukine e Alexiane

Mosjoukine em O Príncipe Encoberto

Mosjoukine e Nathaie Lissenko

História rocambolesca misturando melodrama romântico, conto de fadas das Mil e Uma Noites e um pouco de comédia satírica, O Príncipe Encoberto tem início em uma cidade do Tibete, o Grande Khan (François Viguier), um usurpador do trono muito cruel, ordena que a jovem Zemgali (Alexiane), amada pelo Príncipe Roundghito-Sing (Ivan Mosjoukine), seja conduzida ao seu palácio. O príncipe liberta-a, mas ela é recapturada, e ele tem que deixar o país. No navio que o conduz para a França, ele se apaixona pela estrela de cinema Anna (Nathalie Lissenko), que o convence a se tornar ator e atuar a seu lado. O banqueiro Morel (Camille Barodu), produtor do filme, fica com ciúme e se aproveita da ingenuidade do príncpe, fazendo-o passar um cheque sem fundos. Para acalmar Morel, Anna lhe diz que não ama o príncipe, o qual fica arrazado ao ouvir esta conversa. Depois de vários acontecimentos, entre eles a morte de Morel, Anna revela que é a irmã do príncipe, que fugira quando o usurpador assassinou o pai deles. No final, Roundghito-Sing recebe a notícia que se tornou o novo soberano de seu país após a morte do usurpador. Ele volta para o Tibete na companhia de Anna e se casa com Zamgali.

 

Mosjoukine e Nathalie Lissenko em O Príncipe Encoberto

O filme começa com um Prólogo, constituido por uma sucessão de cenas antecipando eventos futuros e de primeiros planos do rosto do príncipe captados em três momentos da história. Após esta abertura original, segue-se uma narrativa em ritmo lento, de feitura acadêmica, explorando o exotismo dos cenários da cidade sagrada tibetana e das indumentárias da massa de figurantes orientais. Porém quando a ação se transfere para a Cidade-Luz, Epstein nos oferece alguns toques de vanguarda que, embora discretos, vêm romper com a monotonia que estava se instaurando  (v. g. um plano de detalhe mostrando os elos de uma corrente para simbolizar a a submissão de Anna à Morel; a caracterização deste último por um cabo de bengala que representa um cão uivando; o uso da sobreimpressão para enfatizar o sentimento de isolamento do herói na metrópolis vibrante ou para mostrar sua embriaguês em uma boate parisiense; emprego da montagem rápida na corrida desenfreada de taxi pela madrugada).

Na primavera de 1926, Mosjoukine assinou um contrato com a Universal e partiu para Hollywood, onde fez Capitulando ao Amor / Surrender, sob a direção de Edward Sloman, baseado nas peça de Alexander Brody “Lea Lyon”. Na trama, Lea Lyon (Mary Philbin), filha do Rabino Mendel (Nigel De Brulier), conselheiro espiritual de uma aldeia da Galícia perto da fronteira com a Rússia, está molhando os pés em um riacho, quando encontra Constantine (Ivan Mosjoukine), um príncipe russo em trajes de camponês. Eis que chega o rabino e se opõe a este relacionamento, insultando o príncipe. Mais tarde a guerra é declarada e os russos, sob o comando de Constantine, ocupam a cidade. O príncipe se convida para a casa do rabino, exigindo Lea, mas fica sabendo de que ela está prometida para Joshua (Otto Matieson), um jovem da sua comunidade. Ele ameaça Joshua que implora a Lea que se submeta ao príncipe, mas ela se recusa. Furioso, Constantine ameaça incendiar a aldeia e seus habitantes e ela cede às súplicas da população, Impressionado como o caráter de Lea, o príncipe percebe que a ama, poupa a cidade e a moça. Quando o exército austríaco chega, Lea esconde Constantine e é apedrejada pela multidão indignada; o rabino morre, mas o príncipe escapa. Depois da guerra, ele retorna para os braços de Lea.

Mary Philbin e Mosjoukine em Capitulando ao Amor

Mosjoukine, Mary Philbin, Carl Laemmle e Nigel De Brulier em primeiro plano durante a filmagem de Capitulando ao Amor

Mary Philbin, Mosjoukine e Nigel De Brulier em Capitulando ao Amor

Trata-se de um melodrama romântico com fundo histórico, muito bem narrado e com duas cenas que merecem destaque. A primeira ocorre logo no início: Constantine é visto caçando esquilos em um bosque. De repente, seu cão esquece o esquilo, toma outra direção e lhe traz um sapato feminino. Intrigado, o príncipe descobre Lea molhando os pés em um riacho. A outra cena é aquele na qual estão presentes Constantine, o rabino, Lea e Joshua. Constantine pergunta para Lea: “Você ama este homem?”. O rabino é quem responde: “Eles estão prometidos há muitos anos. Amá-lo é dever dela”.  Constantine replica: “É este o seu ensinamento – que o amor é um dever? O seu amor por ela é um dever? Pobre velho! O Dever é ensinado – o Amor nasce espontaneamente do nada”. Gosto também de outros momentos (v. g. a invasão dos cossacos, os cidadãos trancados à força em suas casas na iminência de morrerem queimados e, particularmente, os belos close-ups de Mary Philbin, aquela que encarou o Fantasma da Ópera de Lon Chaney. Infelizmente, o filme não proporcionou o êxito comercial esperado pelo estúdio e Mosjoukine voltou para a Europa.

Fritz Alberti e Mosjoukine em O Ajudante do Czar

Carmen Boni e Mosjoukine em O Ajudante do Czar

Carmen Boni, Daniel Dolki e Mosjoukine em  O Ajudante do Czar

Em O Ajudante do Czar, após um noivado desfeito, o Príncipe Boris Kurbsky (Ivan Mosjoukine), ajudante do czar, viajando em um trem com destino a São Petersburgo, enamora-se de uma jovem encantadora, Helena di Armore (Carmen Boni), cujo passaporte foi roubado e a ajuda a passar pela fronteira, como se ela fosse sua esposa. Os dois acabam se casando de verdade e quando Boris descobre que Helena é uma revolucionária que prepara um atentado contra o czar, ele se sente fortemente dividido entre seu dever e seus sentimentos.  Esta história romântica passada em ambiente histórico é contada em um compasso lento, mas não cansativo, graças à capacidade interpretativa dos atores, tanto os dois principais, como os excelentes coadjuvantes:  Daniel Dolski (o criado do príncipe), os generais Koloboff (George Seroff) e Trunoff (Fritz Alberti) e a figura autoritária do Barão Korff (Eugen Burg), que começa a suspeitar do relacionamente entre Boris e Helena. O diretor Strizhesvky não produz nenhuma cena digna de antologia, porém conduz o relato com pulso firme, mantendo a tensão sobre o que vai acontecer até o final.

Nos anos trinta Mosjoukine fez mais 7 filmes: 1930 – O Diabo Branco / Der weisse Teufel  (Dir: Alexandre Volkoff) com Lil Dagover, Betty Amann. 1932 – Das Geheimnis des Fremden legionärs (Dir: Vladimir Strizhesvky) com Trude von Molo, Peter Voss (versão francesa: Le Sergent X com Suzy Vernon, Jean Angelo). 1933 – La Mille et Deuxième Nuit (Dir: Alexandre Volkoff) com Tania Fédor; 1934 – Casanova, o Príncipe do Amor / Casanova (Dir: René Barberis) com Jeanne Boitel, Madeleine Oseray; L’Enfant du Carnaval (Dir: Alexander Volkoff) com Tania Fédor. 1936 – Agonia do Submarino / Nitchevo (Dir: Jacques de Baroncelli) com Harry Baur, Marcelle Chantall, George Rigaud.

O Diabo Branco é uma adaptação livre da novela  “Hadji Murat “ de Leon Tolstoi, realizada como filme mudo, tendo sido depois acrescentada uma trilha sonora. Neste drama histórico  (que tem Anatole Litvak como assistente de direção e Curt Courant entre os fotógrafos) a população das montanhas do Cáucaso defende ferozmente sua independência contra as tropas do czar Nicolau I (Fritz Alberti). Os aldeões depositam toda sua esperança na pessoa de Hadji Murat (Ivan Mosjoukine), apelidado “o Diabo Branco”. A dançarina Saira (Betty Amann), sobrinha de Schamil (Acho Chakatouny), chefe da população local, demonstra interesse pelo belo caucasiano, para desgosto de seu tio. Este insulta Hadji mas, antes que dois homens venham prendê-lo, a aldeia é invadida pelos soldados russos. Muitos homens e mulheres são levados pelos invasores inclusive Saira. Hadji e seus cavaleiros surpreendem o inimigo e fazem prisioneiros. Quando Hadji retorna à aldeia aponta Schamil como traidor, porque ele mandou matar os prisioneiros sem sua permissão. Eles lutam e Hadji, isolado, foge acompanhado por alguns companheiros. Quando Hadji fica sabendo que Schamil aprisionou seu filho, Jussuf (Kenneth Rive), o Diabo Branco fica furioso e pede uma audiência com o czar, que está disposto a lhe conceder seu perdão, desde que ele lute contra os caucasianos. Hadji descobre a vida ostentatória na corte de São Petersburgo e, no curso de um balé da escola de dansa imperial, avista Saira no palco como uma das bailarinas. Esta está sendo assediada por Nicolau I, mas é salva por Hadji, graças à informação da amante do imperador, a bela Nelidowa (Lil Dagover). Hadji e Saira se casam e ele comanda seu povo contra os russos, porém é ferido gravemente. Seus companheiros colocam-no no seu cavalo branco e o levam para a aldeia, onde reencontra Jussuff livre (pelas súplicas de Saira ao tio) e lhe apresents sua nova mamãe, Saira. Hadji e Schamil se reconciliam e o Diabo Branco morre.

Cena de O Diabo Branco

Embora um tanto inverossímel, a história é interessante e foi contada com destreza por Volkoff, servindo-se do fascínio majestoso de Mosjoukine como o herói folclórico, bem secundado por Betty Amann, Lil Dagover e principalmente Fritz Alberti como o czar despótico e sensual. Cenas mais pictóricas e  movimentadas surgem em intervalos regulares como a dança de Saira na aldeia logo no início e depois no balé da escola; a cerimônia da Páscoa; os confrontos entre as tropas do czar e dos revoltosos.

O advento do som soou como uma sentença de morte para a carreira de Mosjoukine como astro do cinema silencioso por causa de seu sotaque carregado. Depois de alguns filmes insignificantes (no último dos quais atuou apenas como coadjuvante) ele terminou seus dias na solidão e na miséria e morreu de tuberculose em 1939 aos 50 anos de idade.

SAMUEL FULLER

Sua obra como cineasta, acumulando quase sempre as funções de argumentista-roteirista-diretor, expressando com muita franqueza uma visão particular do mundo, foi marcada por uma ousadia e originalidade  constantes, que o ajudaram a superar a precariedade dos valores de produção da maioria de seus filmes. Ele trabalhou também como produtor, atuou como ator e escreveu argumentos ou roteiros para outros diretores, publicou doze livros, entre os quais sua autobiografia, Samuel Fuller – A Third Face (A. A. Knopf, 2002), livro que nos ajuda muito a conhecer  sua personalidade.

Samuel Fuller

Samuel Michael Fuller (1912-1997) nasceu em Worcester, Massachusetts, filho de Rebecca Baum, natural da Polonia e Benjamin Rabinovich, natural da Rússia. Antes dele nascer, seus pais já haviam mudado seu sobrenome para o mais sonoramente-americanizado Fuller. Quando Samuel tinha 11 anos de idade, seu pai faleceu e Rebecca decidiu partir para Nova York, onde havia mais oportunidade de uma vida melhor para ela e seus sete filhos.

O primeiro emprego de Samuel foi como mensageiro em um hotel modesto nos fins de semana. Depois começou a vender por conta própria jornais nas ruas de Manhattan até ser aceito, aos treze anos de idade, como contínuo na redação do New York Evening Journal, um dos mais importantes da cadeia de William Randolph Hearst. Neste mesmo jornal trabalhou dois anos como contínuo sob as ordens diretas do lendário editor-chefe Arthur Brisbane, que foi uma figura paterna essencial para ele. Em 1928, após um período prestando serviço nos arquivos do jornal, Samuel realizou seu sonho de se tornar aos dezessete anos de idade um repórter, cujo ofício aprendeu com Rhea Gore, mãe de John Huston.

Samuel Fuller repórter

Fuller não conseguiu se formar em uma faculdade, mas se tornou um auto didata, lendo os clássicos. Na época da Depressão, resolveu conhecer melhor seu país, viajando para outros estados e subsistindo com a venda, não somente de seus artigos como repórter free lancer, mas também dos seu cartuns satirizando os assuntos políticos e sociais do momento. Porém o que ele realmente queria era escrever um livro e assim surgiu “Burn, Baby, Burn”, que o produtor da Broadway, Boris Petroff transformou no filme Feira de Sensações / Hats Off / 1936 com John Payne e Mae Clarke. Apesar do filme não ter quase nada a ver com a história concebida por Fuller, ele recebeu pela primeira vez crédito como argumentista e começou a receber ofertas para escrever  histórias para o cinema.

Fuller e sua câmera

Seguiram-se argumentos e/ou roteiros para: 1937 – Aconteceu em Hollywood / It Happened to Hollywood (Dir: Harry Lachman). 1938 – Bandos de Nova York / The Gangs of New York (Dir: James Cruz), Aventura no Sahara / Adventure in Sahara  (Dir: D. Ross Lederman), 1941 – Correspondente Especial / Confirm or Deny (Dir: Archie Mayo), Juventude de Hoje / Bowery Boy (Dir: William Morgan). O Poder da Imprensa / Power of the Press (Dir: Lew Landers), Bandidos do Cais / Gangs of the Waterfront (Dir: George Blair), estes dois últimos somente lançados respectivamente em 1943 e 1945.

Fuller estava ganhando bem em Hollywood com a venda de seus argumentos e roteiros um após o outro, mas quando os Estados Unidos entraram na guerra, ele se alistou no Exército aos vinte e nove anos de idade, porque “seria uma bela oportunidade de cobrir a maior história de crime do século”. Ele poderia ter servido no staff do jornal das Forças Armadas ou como correspondente de guerra, mas preferiu continuar como soldado e acabou sendo designado para a First United States Infantry Division, conhecida como “the Big Red One”. Como integrante de um pelotão, participou de operações no Norte da Africa, Sicília, Normandia, Bélgica, Alemanha e Checoslováquia, onde libertaram o campo de concentração de Falkenau –  experiência que influenciaria o conteúdo e o estilo de sua obra.

Após a guerra, Fuller casou-se com uma aspirante a atriz, Martha Downers, e escreveu alguns scripts, oferecendo-os para vários estúdios, mas somente em 1949 um chegou a ser filmado pela Columbia – sob direção de Douglas Sirk e estrelado por Cornel Wide – com o título de Apaixonados / Schockproof.

Reed Hadley e John Ireland em Matei Jesse James

Foi também em 1949, que Fuller teve a oportunidade – oferecida pelo produtor independente Robert F. Lippert, – de dirigir seu primeiro filme, Matei Jesse James / I Shot Jesse James, melodrama com uma relação casual com o western, abordando o fato histórico da morte de Jesse James (Reed Hadley) sob o ângulo de seu assassino Robert Ford (John Ireland) e introduzindo uma história fictícia de rivalidade entre ele o xerife John Kelley (Preston Foster) pelo amor de Cinthia Waters (Barbara Britton), cantora de uma companhia de teatro itinerante. No final, Kelley confronta Bob em um duelo, no qual o traidor perece, sussurando nos braços de Cinthia: “Lamento pelo que eu fiz a Jesse. Eu o amava”. Bob matou seu melhor amigo para obter a anistia e a recompensa e se tornar suficientemente respeitável para se casar, porém seu crime traiçoeiro o desqualificou para o matrimônio, porque se tornou o “covarde sujo” da balada, que ouviu no bar em um momento marcante do filme. A violência não ocorre em cenas de ação, mas dentro da mente de um assassino atormentado pela culpa e pelo remorso.

Vincent Price e Ellen Drew em O Barão Aventureiro

Após haver abordado a lenda de Jesse James de um ponto de vista singular, no segundo filme que fez para Lippert, O Barão Aventureiro/ The Baron of Arizona / 1950, Fuller trouxe para a tela outro personagem que realmente existiu no Oeste americano: James Addison Reeves (Vincent Price), aventureiro audacioso e arrogante que, através da falsificação de documentos, tentou se apropriar do território do Arizona. Tal como em Matei Jesse James, o diretor usou um argumento escrito por ele mesmo – inventando desta vez o personagem do perito Griff (Reed Hadley) e os episódios espanhóis – e dispôs de um orçamento barato e um tempo exíguo para a filmagem. Em ambos os filmes a encenação é correta, mas bastante discreta, não se vislumbrando as cenas extravagantes de suas realizações posteriores. No caso de O Barão Aventureiro, Fuller contou com a colaboração preciosa do fotógrafo James Wong Howe, que se ofereceu para trabalhar com ele e deu ao filme a aparência sombria e gótica, que o diretor queria.

James Edwards, William Chun e Gene Evans em Capacete de Aço

Inspirado pela Guerra da Coréia então em curso, Fuller resolveu escrever uma história tendo como pano de fundo este conflito, utilizando sua experiência em primeira mão sobre a Segunda Guerra Mundial. Assim surgiu Capacete de Aço / The Steel Helmet / 1951, terceira produção da Lippert Pictures, realizada também com poucos recursos e premência de tempo.  Fuller imaginou um pelotão de soldados americanos de diferentes raças e antecedentes, comandados pelo sargento Zack (Gene Evans), veterano da Segunda Guerra Mundial. Ele foi o único sobrevivente quando seus companheiros foram dizimados pelo inimigo; alvejado na cabeça, seu capacete de aço salvou-lhe a vida. A primeira imagem que aparece na tela, em primeiro plano (um dos célebres prólogos fullerianos pois Fuller, sendo antes de tudo um repórter, gostava de começar seus filmes com um lide), é este capacete com um buraco de bala, que se torna um símbolo essencial de sobrevivência durante todo o filme. Zack é descoberto por um jovem sul coreano orfão, Bouboule (William Chun), que o segue contra a sua vontade. No caminho os dois encontram outro soldado solitário, um enfermeiro negro (James Edwards) cuja unidade também foi eliminada e depois uma patrulha em um estado deplorável. Todos se refugiam em um templo budista e resistem a um cêrco dos seus adversários, antes que um destacamento  americano venha libertá-los. Em uma das cenas mais fortes do filme, os homens de Zack capturam um oficial coreano do norte. No momento em que se trava um combate feroz, Bouboule é morto e Zack, em um acesso de raiva, abate seu prisioneiro. Na guerra vista por Fuller, o sofrimento humano se exprime a cada instante na vida dos soldados e o cineasta, com perspicácia cinematográfica, alterna abruptamente os planos muito próximos com os planos mais afastados para mostrá-lo.

Cena de Baionetas Caladas

Darryl F. Zanuck gostou de Capacete de Aço e encomendou a Fuller um novo filme sobre a Guerra da Coréia para a Twenty Century-Fox. Ele escreveu o argumento de Baionetas Caladas / Fixed Bayonets / 1951, inspirado em uma novela de John Brophy, que narra a história de um pelotão da infantaria americana cuja missão é cobrir o recuo de sua divisão no inverno glacial da Coréia. O momento é dramático porque os poucos homens têm de iludir forte exército vermelho, dando-lhe a impressão de que são muitos. Paralelamente, corre o problema psicológico do cabo Denno (Richard Basehart) que, apesar de já ter demonstrado bravura nos combates,  teme a possibilidade de vir a assumir o comando, porque se julga incapaz de dar ordens. À medida em que seus superiores vão sucumbindo e se aproxima a hora de assumir a liderança, os comunistas vão descobrindo o truque. Fuller expõe essa intriga com clareza e energia dramática, forjando boas cenas de suspense (v. g. a caminhada sobre as minas enterradas na neve) e confere autenticidade aos personagens com suas preocupações, seus desejos e seus tormentos.

Gene Evans e Mary Welch em A Mulher de Preto

Fuller tentou em vão convencer Zanuck a produzir um filme sobre Park Row, a famosa rua na baixa Manhattan entre Bowery e Brooklyn Bridge, onde o jornalismo norte-americano nasceu e que ele conhecera muito bem na sua juventude. Como a concepção de Zanuck sobre como deveria ser o filme era bem diferente da sua, resolveu realizar seu projeto tão acalentado por contra própria. O enredo que ele escreveu, embora fictício, apoia-se em fatos autênticos da evolução da imprensa moderna – a manchete da primeira página, o aperfeiçoamento do linotipo etc. – e, sobretudo, no conhecimento que o cineasta tinha do exercício da profissão de jornalista. Em 1886, Phineas Mitchell  (Gene Evans) é despedido do The Star, inconformado com a cobertura que levou um acusado à pena de morte injustamente, segundo ele. Phineas funda um novo diário, The Globe, e começa a cobrir o caso Steve Brodie, um homem que saltou da ponte do Brooklyn e sobreviveu. A reportagem chama a atenção de Charity Hackett (Mary Welch), poderosa proprietária do The Star, que despedira Phineas. Novas campanhas de sucesso do The Globe, aumentam enormemente suas tiragens e acirram a concorrência com Charity, provocando uma reação violenta contra Phineas, que sofre até “empastelamento”. Porém acontece que Charity e Phineas estão mutuamente  apaixonados. Deste enredo resultou A Mulher de Preto / Park Row / 1952, belo tributo nostálgico ao jornalismo norte-americano narrado por uma câmera constatemente agitada e interpretado por atores pouco conhecidos, mas cujos tipos estão calculados com exatidão assim por exemplo, Ottman Mergenthaler (Bela Kovacs), o alemão inventor do linotipo; Josiah Davenport (Herbert Heyes), o velho repórter que escreve seu próprio obituário; e Mr. Spiro (Stuart Randall), o tipógrafo que não sabe ler.

Richard Widmark em Anjo do Mal

Thelma Ritter em Anjo do Mal

Jean Peters e Richard Widmark em Anjo do Mal

Fuller voltou a trabalhar para Zanuck / Twenty Century-Fox Fuller, escrevendo e e dirigindo Anjo do Mal / Pick Up on South Street / 1953, excelente drama de espionagem que tem início no metrô, onde Skip McCoy (Richard Widmark) rouba uma carteira da bolsa de Candy (Jean Peters), a amante de Joey (Richard Kiley), agente comunista. Dentro da carteira está um microfilme que a moça carregava, inadvertidamente. Quando Joey verifica o roubo, ele pede a Candy que encontre McCoy e recupere o microfilme. Tanto Candy quanto os agentes do FBI que a estavam vigiando, localizam McCoy por intermédio de Moe (Thelma Ritter), uma velha vendedora de gravatas e informante amiga dele. Porém McCoy, percebendo o valor do microfilme, prefere negociar diretamente com Joey. A sequência de abertura, sem diálogos, do roubo da carteira no interior do trem cheio de gente em uma série de close-ups rápidos; a da morte serena de Moe escutando um disco arranhado de uma velha canção sentimental e pedindo ao assassino para acabar com sua fadiga (grande momento de interpretação de Thelma Ritter); o espancamento de Candy, empurrada contra os móveis, em um plano sequência admirável; e o acerto de contas no final, McCoy esmurrando Joey sem parar por toda estação do metrô, demonstram a virtuosidade técnica de um diretor sempre audacioso, contando desta vez com a contribuição valiosa do fotógrafo Joe MacDonald. O filme ganhou o Leão de Bronze no Festival de Veneza de 1953.

No começo dos anos 50, antes de realizar A Dama de Preto e Anjo do Mal, Fuller escreveu o argumento de Arrancada Final / The Tanks Are Coming / 1951 (Dir: D. Ross Lederman / Lewis Seiler) e adaptou o romance “Rear Guard” de James Warner Bellah para Sob o Comando da Morte / The Command (Dir: David Butler). Um terceiro filme, Escândalo / Scandal Sheet (Dir: Phil Karlson), foi baseado em uma história original de Fuller intitulada “The Dark Page”.

 

Depois de Anjo do Mal, Zanuck pediu a Fuller, como um favor pessoal, que filmasse a história de Hell and High Water, escrita por Jesse Lasky Jr. e Bernie Lay. Bernie era um piloto do exército amigo de Fuller do tempo da guerra e Zanuck sempre o apoiou, inclusive negando-se a cortar as cenas de Anjo do Mal, que desagradaram ao poderoso J.  Edgar Hoover. Por isso Fuller concordou, desde que pudesse reescrever o script, para adequá-lo ao seu estilo. Zanuck aprovou sua versão, assim como Lasky e Lay. Zanuck apenas pediu que ele filmasse no novo processo do Cinemascope. No relato de Tormento sob os Mares, título brasieliro de Hell and High Water, um antigo comandante de submarino, Adam Jones (Richard Widmark), é contratado por 50 mil dólares, para conduzir o eminente cientista Prof. Montel (Victor Francen) e sua assistente Denise (Bella Darvi) a uma ilha vizinha do Japão, onde os comunistas chinêses teriam uma base atômica secreta. A bordo de um submarino japonês um tanto degradado, Adam parte em sua missão tendo como tripulação um grupo de ex-marinheiros mercenários de várias nacionalidades. No mar, eles são atacados por um submarino misterioso, que Adam, após hábeis manobras e um combate violento, consegue destruir. Desembarcando na ilha, Adam e seus homens são obrigados a se retirar, mas ficam sabendo, por um prisioneiro capturado, que um avião transportando uma bomba atômica, deve decolar de uma ilha vizinha. Adam resolve ir lá, para avisar seus companheiros, quando o avião vai decolar, a fim de que as armas do submarino possam abatê-lo; porém Montel penetra na ilha em seu lugar e graças à sua coragem heróica, o avião é destruido. Mas ele morre e, neste momento, ficamos sabendo que Denise é sua filha. A espinha dorsal do filme é o conflito entre o idealismo do cientista e o senso prático do comandante, bem demonstrado pelo diretor, que procurou também manejar com eficiência o Cinemascope em um ambiente claustrofóbico. Fiel ao seu estilo, Fuller construiu algumas cenas violentas (v. g. o dedo do cientista fica preso na escotilha do submarino e tem que ser cortado com uma faca pelo comandante; o prisioneiro chinês comunista mata a pancadas com uma chave de fendas um tripulante da mesma nacionalidade, que estava se fazendo passar como outro prisioneiro, para obter informações;) enquanto o departamento de feitos especiais, sob as ordens de Ray Kellog, fazia jús a uma indicação para o Oscar.

Cameron Mitchell e Robert Ryan em Casa de Bambú

Fuller foi sempre fascinado pelo Japão e quando Zanuck lhe propôs filmar na “Terra do Sol Nascente”, ele aceitou imediatamente. Aproveitando a estrutura de um filme da Fox de 1948, Rua Sem Nome / Street With No Name (Dir: William Keighley) – do policial que se infiltra em um bando de criminosos – Fuller escreveu seu próprio script, intitulando-o Casa de Bambú / House of Bamboo, incorporando no relato a idéia de ex-pracinhas planejando crimes, como se fossem operações militares.  O tema principal do filme é a traição, porém ele introduziu ainda aspectos da vida japonesa contemporânea, um romance interracial uma cena homoerótica entre dois gângsteres, algo vedado em 1950. Nesta aventura policial o chefe da quadrilha é Sandy Dawson (Robert Ryan) e o policial infiltrado é eddie Spanier (Robert Stack). Auxiliado por uma jovem viúva japonesa, Marika (Shirley Yamaguchi), Spanier ganha a confiança de Dawson, mas também a animosidade de seu lugar-tenente Griff (Cameron Mitchell). Após um assalto frustrado, Dawson mata grife, achando que ele é um traidor, mas ao mesmo tempo descobre a verdadeira identidade de Spanier e os dois se confrontam em um final emocionante. A Narrativa é tensa e violenta, ficando na nossa memória duas cenas marcantes: a primeira é a morte de Griff quando está tomando banho em uma barrica. Dawson  na verdade ama Griff, mas o mata assim mesmo. Ele desfere seis tiros na barrica, fazendo furos pelos quais a água jorra. Dawson segura a cabeça amolecida de Griff nas suas mãos e fala com ele enquanto acaricia gentilmente seu cabelo. A outra cena é a perseguição final em um parque de diversões no terraço de um edifício, onde Dawson é abatido a tiros e cai em cima de um mecanismo giratório.

Em 1956, com a concordância de Zanuck, que lhe pediu para escrever um roteiro para  “Tigrero” de Sacha Siemel, Fuller viajou para Mato Grosso, a fim de conhecer o ambiente onde se desenrolaria a ação do filme. Infelizmente o projeto – que incluiria John Wayne, Ava Gardner e Tyrone Power no elenco – não foi avante, porque a  seguradora achou que seria um risco muito grande levar artistas dessa magnitude a uma região selvagem.

Cenas de Renegando Meu Sangue

Embora sob contrato com a Fox, Fuller tinha liberdade para realizar seus próprios filmes e ofereceu a William Dozier, o novo chefão da RKO, o script de Renegando o meu Sangue / Run of the Arrow / 1957, que pode ser resumido assim: o último tiro da Guerra de Secessão em 1865 é dado pelo soldado O’Meara (Rod Steiger) contra o tenente nortista Driscoll (Ralph Meeker), que fica apenas ferido. Mas O’Meara não quer aceitar a derrota e, com a ajuda do guia índio Walking Coyotte  (Jay C. Flippen), decide se juntar aos índios Sioux, para continuar a luta contra os ianques. Após ter sido submetido à corrida da flecha, ele se casa com uma jovem índia, Yellow Mocassin (Sarita Montiel dublada por Angie Dickinson). O chefe Red Cloud (Frank de Kova) conclui a paz com os Americanos e aceita a construção de um forte ianque em seu território em um lugar designado por ele. Um índio dissidente, Crazy Wolf (H. M. Wynant) mata o capitão Clark (Brian Keith), chefe do destacamento e o tenente Driscoll, que assume o comando, decide construir o forte em outro lugar, sem o consentimento dos Sioux. Representando os indios, O’Meara protesta, mas é preso como traidor por Driscoll. Condenado a ser enforcado, ele é salvo pela chegada dos Sioux, que exterminam os americanos. Para evitar que Driscoll seja supliciado, O’Meara atira nele e desta vez o mata. Ele agora compreeende que seu lugar é entre os de sua raça. Os temas do choque e separação de raças e do nacionalismo versus individualismo são tratados com liberdade de espírito (v. g. no relato há sulistas anti-racistas, nortistas racistas e índios pró-americanos) e vigor de expressão. O filme é marcado pelo estilo seco do diretor. Fuller explora muito bem a paisagem do Utah, apresentando-a em planos gerais bastante espaçosos e por meio de movimentos de câmera deslizantes de grua. Essas imagens claras, simples e precisas contrastam com o distúrbio emocional e a confusão do herói. A cena mais tocante é aquela em que O’Meara e sua mãe estão conversando em uma ponte. O’Meara está profundamente abalado por ter perdido a guerra. O rosto de Rod Steiger está fervendo de frustração. A gente percebe nos olhos dele o dano terrível que os ianques causaram à sua família e ao Sul. “Onde está o seu orgulho, mãe?”, ele murmura. A cena mais impressionante e assustadora é quando O’ Meara abrevia os sofrimentos do homem que ele apenas feriu em Appomatox  e que, nas mãos do Sioux,  está sendo esfolado vivo.  Renegando o meu Sangue foi reprisado no Brasil  em 1975 com o título de O Chefe Bufalo Azul.

Angie Dickinson e Lee Van Cleef em No Umbral da China

O projeto seguinte de Fuller na Fox intitulou-se No Umbral da China / China Gate / 1957, passado na Indochina em 1954, antes de se tornar Vetnã. Governada pelos franceses como uma de suas colônias, o país está sitiado pelos revolucionários apoiados pelos comunistas, liderados por Ho Chi Minh. Angie Dickinson interpreta  o papel  de Lea, apelidada de “Lucky Legs”, uma mestiça que recorreu ao contrabando de bebidas, para sustentar seu filho de cinco anos de idade. Como ela  conhece bem seu caminho através da selva, Lea aceita a tarefa de conduzir um pelotão de legionários franceses dinamitadores por detrás das linhas inimigas, a fim de destruir o principal depósito de munição dos comunistas. Entretanto, os franceses devem primeiro  lhe prometer que eles vão providenciar a evacuação de seu filho para a América. O pelotão é comandado por Brock (Gene Barry), um americano veterano da Guerra da Coréia, que se casara com Lea, mas a abandonara, quando o filho deles nasceu com traços chineses. Lea é tentada pelo ambicioso Major Cham (Lee Van Cleef),  que oferece para ela e seu filho uma nova vida em Moscou. A missão de sabotagem no depósito é um sucesso, porém Lea morre. No final, Brock leva seu filho para fora da zona de guerra, rumo à América. No curso da caminhada pela selva, ocorrem várias ocasiões onde Brock e Lea tentam se reencontrar. Os corpos se atraem, mas logo se repelem. A missão se revela uma iniciação sentimental para Brock, que se  torna enfim pai. Fuller mantém o interesse pela  intriga  o tempo todo e, em alguns momentos (auxiliado pelo fotógrafo Joseph Biroc) consegue transmitir o clima da Indochina bombardeada com as suas ruas quase vazias. A cena mais excitante é a da fuga no avião, quando o piloto, gravemente ferido  é  segurado à força  pelos companheiros, que mantêm os seus olhos abertos e jogam uísque no seu rosto, para manter o cérebro funcionando o tempo necessário para uma aterrissagem forçada.

Cenas de Dragões da Violência

Em Dragões da Violência / Forty Guns / 1957, escrito, dirigido e produzido por Fuller para a Fox, Griff Bonnell (Barry Sullivan) e seus irmãos Wes (Gene Barry) e Chico (Robert Dix), chegam em Cochise County, domínio da toda-poderosa Jessica Drummond (Barbara Stanwyck). Griff é um ex-pistoleiro regenerado agora a serviço da lei e veio prender Howard Swain (Chuck Roberson), assaltante da mala do correio, que vem a ser um dos quarenta homens armados que trabalham para Jessica. Antes disso, Griff é obrigado a intervir, quando Brockie (Leif Erickson), irmão de Jessica, alveja o velho xerife  (Hank Warden) e faz uma arruaça na cidade acompanhado por seus amigos bêbados. Griff prende Brock, porém Jessica, com sua influência, consegue libertá-lo. Wes se apaixona por Louvenie Spanger (Eve Brent), filha do armeiro da cidade e decide se casar com ela enquanto Griff e Jessica são atraídos um pelo outro durante uma forte tempestade. No dia do seu casamento, Wes é morto por Brockie e este é preso por assassinato. Wes tenta fugir, usando sua irmã como escudo, achando que Griff não vai atirar, mas ele faz exatamente isto. Chico fica na cidade para ser o novo xerife e Griff parte, certo de que Jessica o odeia por ter matado seu irmão; porém ela corre atrás dele e os dois rumam para a Califórnia. Diretor sempre criativo, Fuller insere neste western incomum – com magnífica fotografia de Joseph Biroc em CinemaScope – , algumas cenas antológicas (v. g. a aparição tonitruante dos 40 cavaleiros tendo à frente Jessica logo no início; Louvenie vista através da mira do revólver de Wes e em seguida o corte para os dois se beijando; a morte de Wes no dia do seu casamento quando vemos, por uma tomada de cima, o fotógrafo e os noivos saindo da igreja e depois, mais de perto, Wes sendo alvejado por um tiro no instante em que seu irmão Griff vai beijar a nova cunhada; Griff atirando certeiramente na perna de Jessica para apenas ferí-la e, depois que ela cai no solo, em Brock, que morre, dizendo: “Mr. Bonnell, estou morto!” Griff passa por cima do corpo de Jessica e diz para um espectador da cena: “Chame um médico. Ela vai viver”. No desfecho original de Fuller Griff matava ambos, porém esta conclusão foi barrada pelo estúdio.

em Proibido!

Cenas de Proibido!

Proibido / Verbotten! / 1959 foi mais um filme escrito, produzido (na verdade uma co-produção da sua Globe Enterprise com a RKO), distribuído pela Columbia e dirigido por Fuller. Perto do final da Segunda Guerra Mundial na Europa, o soldado americano Sargento David Brent (James Best), ferido enquanto caçava um franco atirador, cai inconsciente diante de uma jovem alemã, Helga Schiller (Susan Cummings), que cuida de seus ferimentos e o esconde dos agentes da SS., para provar que não é uma nazista. David se apaixona por Helga, mas como é proibido aos soldados americanos se confraternizarem com as mulheres alemãs, ele deixa o Exército e vai trabalhar como civil no Escritório de Alimentação do Governo Militar. Para evitar que sua mãe doente (Anna Hope) e a seu irmão Franz (Harold Daye), rapazinho mutilado por um bombardeio aéreo aliado, morram de fome, Helga se casa com David, para usufruir dos mantimentos, que ele lhe traz; mas acaba se apaixonando por seu marido. Enquanto isso, Franz cai sob a influência de Bruno Eckart (Tom Pittman), jovem ex-combatente nazista conhecido de Helga, muito raivoso porque toda a sua família morreu sob as bombas americanas. Sob a bandeira de resistência ao ocupante, ele organiza e lidera um grupo denominado “Werwolves”, que provoca demonstrações anti-americanas e ataca os depósitos de víveres e de medicamentos,  destinados de fato a alimentar o mercado negro. Bruno consegue se empregar durante o dia no QG do Exército Americano, onde planeja seus ataques e tenta persuadir David de que Helga, ao se casar com ele, simplesmente se prostituiu por interesse. Tal insinuação perturba David, quando justamente se alegrava de saber que ia ser pai. Helga leva Franz para assistir aos julgamentos de Nuremberg, os olhos do adolescente se abrem para os reais motivos dos Werwolves e ele ajuda as autoridades americanas, a por um fim nas atividades da quadrilha dos delinquentes fascistas. Helga e David se reconciliam. Verdadeiro relato histórico habilmente romanceado, o filme evoca com vigor os dias dramáticos que se seguiram à capitulação do hitlerismo assim como as tentativas desesperadas ou cínicas de reconstituição de movimentos de resistência do tipo “Werwolves”. Uma história de amor evolui em contraponto a esta página pouco conhecida da Segunda Guerra Mundial. Fuller, sempre criativo, usa cenas de atualidades e a música classica para transmitir as emoções caóticas da época. A abertura do filme mostra quatro soldados (David e seus companheiros) tentando matar os francos atiradores sob o som de uma sinfonia de Beethoven. Mais tarde, quando David propõe casamento a Helga ouve-se de novo a música do grande compositor germânico. A entrada em cena de Bruno é acompanhada para uma ouverture Wagneriana. O próprio Fuller narra em voz over o montage das cenas de guerra  e dos campos de concentração.

Victoria Shaw e James Shigeta em O Quimono Escarlate

Cena de O Quimono Escarlate

Durante os anos cinquenta, Fuller recebeu convites para grandes produções adaptadas de livros best sellers e estreladas por atores de prestígio, mas recusou uma por uma, a fim de manter sua independência. Seu filme seguinte, O Quimono Escarlate / The Crimson Kimono / 1959, foi uma co-produção da Globe Entreprise com a Columbia. No enredo, em resumo, uma dupla de detetives, Charlie Bancroft (Glenn Corbett) e Joe Kojaku (James Shigeta), ambos veteranos da Guerra da Coréia, procuram o assassino de Sugar Torch (Gloria Pall), dançarina de strip-tease no bairro japonês de Los Angeles – mas um triângulo amoroso ameaça sua amizade. Apesar de ser um drama criminal de mistério, o filme se concentra quase essencialmente sobre o romance interracial – entre Joe, o policial nisei e a artista Christine Down (Victoria Shaw), que havia pintado o retrato da vítima – e a amizade tensa entre os dois homens, pois Charlie também está apaixonado por Chris. Ela admite que ama Joe, mas este, confuso acerca de seu amor por uma mulher branca, está inseguro acerca das reações de seus amigos e interpreta mal as palavras e ações de Charlie e Chris. No final, os policiais descobrem que foi Roma (Jacqueline Greene), uma mulher, que matara Sugar Torch, porque pensou erroneamente que seu amante tinha um relacionamento amoroso com ela. Esta revelação faz Joe compreender que ele tembém se enganou sobre o comportamento de Charlie e Chris e imediatamente se reconcilia com Charlie e beija Chris. O espetáculo contém algumas cenas do gôsto do cineasta como, por exemplo o prólogo, no qual se vê um número de strip-tease seguido pelo assassinato brutal da dançarina nas ruas de Los Angeles; o confronto entre os dois amigos na exibição de arte marcial kendo, espécie de esgrima com espadas de bambú, na qual eles se atacam violentamente; a luta com o japonês colossal; a perseguição final no meio de um desfile japonês na Little Tokyo. Verifica-se mais uma vez a curiosidade de Fuller pela cultura japonesa e um detalhe inusitado: a mulher que intervém na vida dos dois amigos é uma criatura doce e sensível, muito distante de uma femme fatale típica.

Em 1959, Fuller perdeu sua mãe, divorciou-se de Martha e estava à beira de um acêrto milionário com a Warner Brothers para escrever, dirigir e produzir The Big Red One, o projeto mais desejado de toda a sua vida. Jack Warner aprovou seus planos e escolheu John Wayne para ser o sargento que conduz a tropa durante as campanhas da First Division na Segunda Guerra Mundial. Porém Fuller rejeitou a escolha de Wayne, porque ele transformaria a sua história sobre uma luta tenebrosa pela sobrevivência em um filme de aventura patriótico e o projeto não foi adiante.

Cliff Robertson em A Lei dos Marginais

Cena de A Lei dos Marginais

Seu primeiro filme nos anos 60, A Lei dos Marginais / Underworld USA / 1961, produzido pela Columbia, é uma história de vingança. Aos 14 anos, um ladrãozinho de rua, Tolly Devlin (David Kent), vê seu pai, ladrão como ele, ser espancando até à morte em um beco escuro. Embora só tivesse identificado um dos agressores, um gângster chamado Vic Farrar (Peter Brocco), o rapaz se recusa a cooperar com o representante da promotoria pública John Driscoll (Larry Gates), pois rapretende se vingar por conta própria. Vinte anos depois, Tolly (Cliff Robertson) encontra Farrar moribundo na enfermaria de uma prisão e consegue obter dele o nome dos outros três assassinos de seu pai, Smith (Allan Gruener), Gunther (Gerald Milton) e Gela (Paul Dubov), que fazem parte de um sindicato do crime. Tully então realiza metodicamente e com requinte sua vingança implacável aos três bandidos que, sob uma fachada de honorabilidade, se enriqueceram pela extorsão, pela prostituição e pelo tráfico de droga. Colaborando com a polícia, ele ajuda Driscoll a desmascarar o chefe da mafia novaiorquina, o temível Connors (Robert Emrardt), que ele tem o prazer de executar com suas prórias mãos; porém depois é abatido por um guarda costas e vai morrer nos braços de Cuddles (Dolores Dorn), uma garota meio confusa, testemunha de um crime, que ele usara para chegar aos criminosos responsáveis pela morte de seu progenitor. Reflexão lúcida sobre as engrenagens de uma poderosa organização criminosa, vista segundo uma ótica intimista (Tully não tem intenção de livrar seu país da corrupção e do crime; ele age sózinho e somente por seus interesses) e exposta com inteligência cinematográfica, A Lei dos Marginais contém momentos de brutalidade apenas insinuada como aquele em que Gus (Richard Rush), o capanga de óculos escuros, persegue de carro uma menina de bicicleta: com um ritmo cada vez mais ofegante, Fuller alterna os planos da rodas da bicicleta com as rodas do carro em disparada, terminando por um grito da mãe assustada, que assiste à tudo da janela de um prédio, sem poder fazer nada e finalmente o plano da menina morta no asfalto. Porém quando Tully afoga friamente o chefão do crime obeso na piscina luxuosa de sua mansão, a crueldade é explícita.

Fuller escreveu o roteiro e dirigiu seu próximo filme, Mortos que CaminhamMerril’s Marauders /  1962, para a Warner Brothers. O contexto desta vez é a Segunda Guerra Mundial. Um regimento de infantaria, comandado pelo General Frank Merrill (Jeff Chandler) – militar experiente, respeitado pelos seus homens, mas muito exigente -, é encarregado de se infiltrar no território birmanês, a fim de atacar a Fortaleza de Myitkyina, objetivo importante na luta contra os japonêses. Trata-se de um filme de guerra bem realista, no qual sobressai o estudo psicológico dos sofrimentos dos soldados. Ele narra o avanço custoso em perdas humanas do regimento de voluntários composto por três mil soldados através dos pântanos e da selva espessa birmanêsa. À medida em que os homens de Merrill caminham, enfrentando o inimigo e as doenças, acentua-se a sensação de cansaço da tropa, levada à exaustão pelo rigor do general, inflexível no cumprimento de sua missão. A certa altura o médico (Andrew Duggan) diz para Merrill: “Esses homens estão no final da linha e você também… Eles estão física e psicologicamente esgotados”. Merrill responde: “Quando estiver no final da linha tudo o que você tem que fazer é por um pé na frente do outro e dar o próximo passo. Só isso”. Tendo a opção por ordens superiores de atacar ou não a fortaleza, Merrill ordena o ataque. Seus homens que estão deitados no chão extenuados, enfermos e estressados, ao ouvir a ordem do tenente Stockton (Ty Hardin), levantam-se e avançam. Merrill sofre um ataque cardíaco, o médico o acode e reflete em voz alta: “Como eles conseguem. Como podem conseguir?”. Eles realmente conseguem tomar Myitkyina, mas dos três mil combatentes, só permaneceram cem em ação. No decorrer do espetáculo surgem alguns achados insólitos ou pungentes do diretor: o tecido de nylon do paraquedas servindo de mortalha sobre o cadáver do soldado que, desobedecendo às instruções de Merrill, se aproximara das caixas de mantimentos jogados do ar; o combate no meio de imensos blocos de concreto formando um labirinto, dentro do qual americanos e japonêses se enfrentam e caem uns sobre os outros; o momento de tristeza quando o sargento Kolowicz (Claude Akins) recebe uma tijela de arroz de uma velha e chora, comovido pela ternura da anciã e pelo olhar do menino que o observa enquanto ele está comendo.

Cenas de Paixões que Alucinam

Após ter escrito e dirigido um episódio da série O Homem de Virginia / The Virginian / 1962 para a televisão (Obs. em 1979, foi exibido no Brasil uma união de dois episódios de O Homem de Virginia sob o título de Os Piores Homens do Oeste / The Meanest Men of the West, saindo nos créditos o nome de Fuller e Charles S. Dubin  como diretores) a pedido de seu colega Charles Marquis Warren, Fuller escreveu e dirigiu Paixões que Alucinam / Shock Corridor para a Allied Artists – F&F Productions (Sam Firks-Leon Fromkess). Nele, um jornalista ambicioso, Johnny Barrett (Peter Breck), interna-se em um hospital psiquiátrico, para elucidar a morte misteriosa de um paciente, escrever um livro sobre o assunto e ganhar o Prêmio Pulitzer. Para realizar seu projeto, aprende como deve fazer para se fazer passar por maníaco sexual e é ajudado por sua namorada, Cathy (Constance Towers), dançarina de strip tease que, apesar de contrariada, finge ser sua irmã e o acusa na polícia de comportamento incestuoso. O plano dá certo e, uma vez internado, Johnny torna-se amigo de três testemunhas do crime e tenta fazê-las falar nos seus breves momentos de lucidez. Já quase completamente esquizofrênico, ele consegue que um dos enfermeiros confesse o crime; porém não o deixam sair do asilo, porque sua mente  se deteriorou progressivamente (ao receber a visita de Cathy ele a repele com desgôsto, quando ela vai abraçá-lo, acreditando que ela é mesmo sua irmã e depois começa a ter alucinações, vendo  “a Rua” – um corredor onde ficam os internos –  inundada pela chuva durante uma tempestade, na verdade inexistente) e ele se tornou incapaz de viver no mundo real. O filme é uma alegoria sociológica. Através do personagem principal e dos alienados que ele encontra, Fuller mostra as diferentes males sofridos pela sociedade americana dos anos 50-60 (v. g. um negro (James Edwards), na sua alucinação, se julga um membro da Ku Klux Klan e prega a supremacia racial; um jovem sulista (James Best) acusado de comunista pelo Macarthismo, ao voltar da Guerra da Coréia, enlouqueceu e acha que é um general da Guerra de Secessão; um cientista atômico (Gene Evans), angustiado pela paranóia da Guerra Fria, voltou à infância; as ninfomaníacas enraivecidas simbolizam o puritanismo, que prescreve às mulheres seu comportamento sexual) e, quanto a Johnny, seu arrivismo desmesurado é uma visão da América como uma sociedade que dá muita ênfase ao sucesso. A encenação de Fuller é delirante, misturando preto e branco e cor, fotografia ultra contrastada (de Stanley Cortez) close-ups impressionantes, montagem agitada, uso do som sempre surpreendente e contando ,com um atuação convincente do elenco, que ajuda a dar credibilidade à história, apesar dela conter algumas improbabilidades.

Cenas de O Beijo Amargo

Constance Towers e Anthony Eisley em O Beijo Amargo

Embora insatisfeito com Firks e Fromkess, que não lhe pagaram o que haviam prometido, Fuller escreveu e dirigiu mais um filme para eles, O Beijo Amargo / The Naked Kiss / 1964. Este foi o enredo em síntese: após uma desavença com seu cafetão, a prostituta Kelly (Constance Towers) deixa a cidade grande e chega de ônibus em Grantville, New England, onde conhece o capitão de polícia local Griff (Anthony Eisler). Este, depois de ser seu cliente por uma noite, a encaminha para um prostíbulo situado logo depois da fronteira do Estado. Porém Kelly decide levar uma vida respeitável, tornando-se enfermeira em um hospital para crianças deficientes. Kelly se apaixona por J. L. Grant, rico e bem apessoado filantropo, veterano da guerra da Coréia e melhor amigo de Griff. Depois de um namoro de sonho, os dois decidem se casar, mesmo quando ela revela seu passado para ele. Kelly convence Griff de que ama realmente Grant e ele aceita ser padrinho de casamento deles. Pouco antes da cerimônia nupcial, Kelly chega na mansão de Grant e o surpreende molestando uma menina. Quando Grant tenta persuadí-la a se casar com ele, argumentando que, sendo ela também uma depravada, compreenderá sua anormalidade, Kelly o mata, golpeando-o na cabeça com o receptor do aparelho telefônico. Ao ser presa, seu passado é divulgado pela imprensa e a populacão se volta contra ela, por ter matado um benfeitor local. Para se livrar de uma condenação, Kelly tem que identificar a menina, para esclarecer a verdade. Quando finalmente isso acontece, ela se torna uma heroína, por ter atacado um molestador de crianças. Entretanto, Kelly olha friamente para a multidão, que contempla em silêncio sua libertação da cadeia, e vai pegar um ônibus, para sair de Grantville. Antes de aparecerem os créditos na tela, a câmera  – nas mãos de Stanley Cortez – se mantém no rosto de Kelly furiosa, batendo com sua bôlsa no seu cafetão bêbado, para recuperar o dinheiro,, que ele lhe deve. No curso da altercação, a peruca de Kelly cai, revelando seu crânio raspado como punição do seu proxeneta, que ela agora está agredindo. Este foi o prólogo mais célebre do diretor e mostra bem o temperamento de sua heroína, mulher indignada que tenta escapar de uma vida de exploração no lenocínio para encontrar uma corrupção mais insidiosa em uma sociedade respeitável. Grant é um pedófilo, que esconde seu caráter perverso com uma aparência de charme e generosidade. Quando ele beija Kelly, ela o afasta, e olha para ele estranhamente. Há algo de desconfortável no beijo de Grant, sem que Kelly possa dizer ainda o que é. Mais tarde, ela percebe que é o “beijo frio” de um pervertido sexual.

Jean Paul Belmondo e Samuel Fuller em O Demônio dasOnze Horas

Depois de O Beijo Amargo, Fuller, recebeu proposta de um jovem chamado David Stone, para filmar uma adaptação de Lysistrata de Aristófanes em Paris. David lhe assegurou que seu sócio, Mark Goodman, já tinha obtido de seu pai milionário a promessa de financiar o filme e, com um adiantamento monetário que lhe deram,  partiu para a Cidade da Luz, já com a idéia de modernizá-la, transformando-a em uma história – com o título de Flowers of Evil, inspirado em Baudelaire –  sobre uma sociedade secreta internacional de lindas mulheres que usa sexo, ciência e violência para manter a paz no mundo. Nesse período de sua carreira, foi que ele conheceu o pessoal da Nouvelle Vague (que fez dele um diretor cult) e apareceu em uma ponta em o Demônio das Onze Horas / Pierrot Le Fou de Jean Luc Godard no qual, ao ser apresentado a Jean Paul Belmondo como um diretor de cinema americano, Belmondo pergunta: “O que é Cinema?”. “Cinema é como um campo de batalha. Amor. Ódio. Ação. Violência. Morte. Em suma, emoção”. Na sua autobiografia Fuller diz que  “teria ficado rico se tivesse recebido um centavo de cada revista de cinema e programa de festival que publicou esta maldita frase”. Ainda nessa sua passagem por Paris, Fuller conheceu sua futura esposa, um jovem atriz alemã, Christa Lang, com que viveria até o fim de sua vida. Já o projeto de Flowers of Evil não saiu do papel, porque o velho Goodman não quís ver seu filho envolvido com o negócio de cinema.

Ao retornar da França, escreveu e dirigiu dois episódios da série de TV, Cavalo de Ferro / The Iron Horse / 1966 e depis só voltou a filmar nos anos 70, quando fez Shark / 1970 e Em Ritmo de Assassinato / Dead Pigeon on Beethoven Street / 1972.

Após passar algum tempo longe das câmeras, Fuller deixou-se convencer por Skip Steloff e Mark Cooper (Heritage Entertainment) e o sócio deles, o mexicano Jose Luis “Pepe” Calderon (Cinematográfica Calderon S.A), a aderir ao projeto de uma produção baseada no romance de Victor Cunning, “Bones Are Coral”. Quando assumiu a direção, ele refez um roteiro prexistente, que dava ao filme o título de Twist of the Knife, mudando-o para Caine. Na intriga, Burt Reynolds era Caine, traficante de armas com dificuldades financeiras em um pequeno porto no Mar Vermelho. Ele conhece Anna (Silvia Pinal), mulher atraente que lhe propõe mergulhar nas águas infestadas de tubarões para uma pesquisa científica; mas Caine descobre que Anna e seu parceiro (Barry Sullivan) são na verdade caçadores de tesouros. A filmagem teve lugar em Manzanillo, México (como se fosse o Sudão). Durante a produção um dos stuntmen do filme, Jose Marco, foi atacado por um tubarão, que rompeu a rede de proteção. O ataque foi captado pela câmera e uma foto publicada na revista Life. ajudou a publicidade do filme, cujo título foi depois mudado para Shark! e Man-Eater. Fuller supervisionou a montagem, mas ela foi reeditada pelos produtores sem sua concordância. Quando ele viu a versão exibida nos cinemas, achou-a horrível e exigiu que o corte original fosse restaurado. A resposta não foi positiva e ele então pediu ao Sindicato que retirasse seu nome dos créditos.

Em Ritmo de Assassinato é um episódio escrito e dirigido por Fuller  (inspirado no caso John Profumo – Christine Keeler, um escândalo político britânico ocorrido em 1961) para a longa série policial da televisão germânica chamada Tartot, exibido também nos cinemas. Na trama, um detetive particular busca uma foto comprometedora de um senador americano, aspirante à Presidência dos Estados Unidos, que está na posse de uma quadrilha internacional de chantagistas e também a loura que serve de isca para os chantageados. O detetive é assassinado na Beethovenstrasse em Colônia na Alemanha, onde seu sócio Sandy (Glenn Corbett) chega, para descobrir o culpado. Ele se infiltra na quadrilha de chantagistas através da tal loura, chamada Christa (Christa Lang), e eles começam a trabalhar em equipe para os extorcionistas. Sandy e Christa se apaixonam e ela promete ajudá-lo a obter o negativo da foto comprometedora do senador mas, na sua tentativa, parece que ela foi morta por Mensur (Anton Diffring), o chefe da organização criminosa.  Sandy e Mensur travam um duelo com espadas antigas e lanças, e Mensur é morto. Christa reaparece com uma arma. Ela não só está viva, mas quer todos os negativos, para que possa controlar ela mesma a quadrilha. Christa fere Sandy e quando está prestes a eliminá-lo, ela é atingida por ele com um tiro certeiro. Fuller tomou certas liberdades, substituindo o protagonista alemão habitual da série por um personagem americano e conduzindo a maior parte da história em um tom satírico e muitas vêzes simplesmente cômico.  Ainda nos anos 70, Fuller forneceu scripts para Fúria no Sangue / The Deadly Trackers / 1973 (Dir: Barry Shear) e Os Homens Violentos do Klan / The Klansman / 1974 (Dir: Terence Young).

Nos anos 80, Fuller escreveu o roteiro de Resgate Infernal / Let’s Get Harry / 1986 (Dir: Stewart Rosenberg sob o pseudônimo de Alan Smithee) e fez seus últimos quatro filmes: Agonia e Glória / The Big Red One  / 1980, O Cachorro Branco (na TV) / White Dog / 1982, Ladrões do Amanhecer / Les Voleurs de la Nuit / 1984, Street of No Return / 1989.

Lee Marvin e Samuel Fuller na filmagem de Agonia e Glória

Em Agonia e Glória o diretor finalmente concretiza o grande projeto de sua vida, recriando com autenticidade episódios da Segunda Guerra Mundial, que ele mesmo viveu, como soldado integrante da famosa Big Red One. Durante todo o percurso do sargento Possum (Lee Marvin), veterano da Primeira Guerra e seus homens sobre várias frentes de batalha não se nota nenhuma exaltação ao heroismo ou ao patriotismo: vemos simplesmente um grupo de soldados fatigados pelos combates e habituados a ver os mortos em toda parte, tentando subsistir no curso de diferentes confrontos com o inimigo, deixando de lado seus sentimentos e sensibilidade. “A única glória da guerra é sobreviver”, diz a frase final do filme. O roteiro de Fuller enfatiza as ações de quatro soldados – Griff / Mark Hammil , Zab / Robert Carradine (personagem no qual o diretor se encarnou, já com seu charuto na boca, e que serve como narrador), Vinci / Bobby Di Sico e  Johnson / Kelly Ward –  comandados por Possum, surgindo imagens fortes, estranhas ou emocionantes (v. g. a morte do soldado alemão que se rendia sob o enorme crucifixo de madeira e o cavalo assustado pelo bombardeio; soldados a cavalo atacando um tanque em um anfiteatro romano; as mulheres italianas cortando com foices os cadáveres dos soldados alemães; o soldado atingido na virilha e perdendo um de seus testículos e o ventre aberto de outro; o braço de um soldado com o relógio de pulso boiando no mar; o suspense no episódio da bazuca e quando os soldados alemães se fingem de mortos perto do crucifixo; a menina italiana trazendo o capacete de Possum coberto de flores; o parto de uma mulher dentro de um tanque  de guerra;  o menino que troca uma inofrmação importante por um caixão para enterrar sua mãe;todas as as cenas no asilo de loucos; o menino da juventude hitlerista muito jovem para ser fusilado, recebendo umas palmadas, por ter abatido um soldado americano; a descoberta estarrecedora dos prisioneiros no campo de concentração; o soldado americano atirando sem parar no soldado alemão que se escondera no fôrno crematório), admiravelmente filmadas pelo diretor.

 A primeira montagem de Fuller tinha seis horas de duração, mas ele depois entregou-a aos executivos do seu estúdio original, Lorimar, com quatro horas e meia. Ainda assim, eles acharam o filme muito longo e inviável comercialmente e, sob protesto do diretor, assumiram o processo de reedição, reduzindo-o para uma hora e cinquenta e três minutos. Felizmente, em 2005, depois da morte de Fuller, o filme foi restaurado pelo crítico de cinema Richard Schikel e por Brian Jamieson, executivo da Warner Bros. – que adquiriu os direitos do filme -, passando a ter duas horas e quarenta e dois minutos, o suficiente para demonstrar o  alto valor da realização.

Fuller e seu cão branco

O Cachorro Branco foi baseado em uma história verdadeira. Quando estava residindo em Hollywood com seu marido, o escritor Romain Gary, a atriz Jean Seberg trouxe para casa um grande cão branco que ela encontrou na rua, e que parecia manso. Entretanto, quando o animal viu o seu jardineiro negro, ele o atacou cruelmente, ferindo-o. O casal manteve o cão preso no seu quintal, mas um dia ele fugiu, e atacou outro homem negro, somente ele e ninguém mais. Depois que isto aconteceu uma terceira vez, eles perceberam que alguém o havia treinado para atacar e ferir somente pessoas de cor. Gary escreveu um artigo em uma revista sobre esses acontecimentos e depois um livro de ficção. No filme, cujo roteiro foi escrito por Fuller e Curtis Hanson, Julie Sawyer (Kristy McNichol), jovem atriz que mora em Hollywood Hills, atropela acidentalmente um cão pastor alemão branco, leva-o a um veterinário, e depois o traz para sua casa, esperando localizar o dono posteriormente. O cão se recupera e a salva de um estuprador, que penetrara no seu apartamento. Em outras ocasiões ele ataca, sem motivo algum, um chofer de caminhão e uma colega sua, negra, durante uma filmagem. Julie descobre aos poucos que o animal foi treinado para atacar pessoas negras e resolve levá-lo para a Arca de Noé, um centro de adestramento de animais, na esperança de que possa ser reeducado. Um dos sócios do centro, Carruthers (Burl Ives), lhe explica que se trata de um “cão branco”, isto é, especialmente treinado para atacar os negros e que ela deveria matá-lo. Porém seu parceiro, Keys (Paul Winfield), um antropologista negro, concorda em tentar reverter o treinamento do cão, como um desafio científico. Mas o racismo pode ser recondicionado? Como diz Keys para Julie em certo momento da narrativa: “Quem o tornou doente, o tornou doente para sempre”  – e o final pessimista confirma isto. A direção simples e direta de Fuller, tirando bom partido dos close-ups e da câmera subjetiva (Bruce Surtees) e de uma música triste e assustadora (Ennio Morricone), contém momentos cinematográficos memoráveis: o ataque do cão ao chofer de caminhão, a cena angustiante da criança negra no fundo do quadro sendo espreitada pelo cão em primeiro plano; a perseguição do homem negro em uma igreja terminando com a vítima toda ensanguentada sob o vitral de São Francisco de Assis, santo patrono dos animais, como testemunha inerte do ato; e o encontro entre a jovem atriz e o legítimo proprietário do cão, que não tem a aparência de um vilão estereotipado: ele é um avô aparentemente inofensivo, ainda mais porque acompanhado de suas duas netinhas (uma das quais interpretada por Samantha, filha do cineasta), mas  se trata na verdade de um perigoso racista, que transformou o animal em um instrumento do ódio dos Supremacistas Brancos contra os Negros. Quando a NAACP (National Association for the Advancement of Colored People) protestou contra o filme, alegando que ele incitava a violência racista, o estúdio – após umas pré-estréias e uma semana de exibição em um cinema de Detroit – a Paramount engavetou o filme. Mais tarde, ele foi exibido na Europa e nos EUA (apenas em cinemas de arte) e aqui no Brasil (apenas na televisão). Em 2008 saiu o dvd da Criterion. Fuller ficou arrazado com a falta de determinacão e coragem dos executivos do estúdio – pois O Cachorro Branco era, isto sim, um drama instigante, expondo a estupidez e irracionalidade do racismo na sociedade americana -, e foi para Paris, onde havia recebido a proposta de realizar Ladrões do Amanhecer.

Este antepenúltimo filme de Fuller, conta as aventuras de dois jovens: François (Bobby Di Cicco), um rapaz desempregado que sonha em ser um grande violinista e Isabelle (Véronique Jannot), uma moça que está igualmente à procura de um emprego. Eles recorrem à uma agência de empregos do serviço público (ANPE), mas são humilhados pelos funcionários, e decidem se vingar. Sua desforra é bem sucedida, quando eles assaltam com êxito dois funcionários, Mussolini (Rachel Salik) e Desterne (Jacques Maury), porém se dão mal, quando um terceiro funcionário, Tartuffe (Claude Chabrol), morre acidentalmente durante o assalto. François e Isabelle tentam escapar, fugindo para as montanhas, perseguidos pela polícia. Cada vez mais enrascados, eles terão um destino fatal. Não conheço o filme, mas segundo o próprio Fuller conta na sua autobiografia, ele foi vaiado no Festival de Berlim de 1982.

Street of no Return, projeto financiado pelos francêses, rodado em 1897 durante sete semanas em Sintra, Lisboa com um elenco multinacional, é uma adaptação de um romance de David Goodis, escritor de romances policiais que foram a fonte de Prisioneiro do Passado / Dark Passage / 1947 de Delmer Daves e Atirem no Pianista / Tirez sur le Pianiste / 1960 de François Truffaut entre outros filmes no gênero. Eis a história: Michael (Keith Carradine), cantor de rock, conhece uma jovem sensual, Celia (Valentina Vargas), que ele havia esquecido que aparecera em um video para uma de sua canções. O relacionamento amoroso entre os dois é truncado pelo amante de Célia, Eddie (Marc de Jonge), um traficante de droga. Os capangas de Eddie ferem a garganta de Michael, pondo um fim na sua carreira. Ele se torna um vagabundo e alcoolatra, obcecado pela idéia de recuperar sua amante e se vingar dos bandidos. O filme só foi lançado três anos deppois em Paris e desapareceu virtualmente sem deixar traço nos Estados Unidos. Foi um desastre em termos de bilheteria.

Nos anos 90, Fuller dirigiu o telefilme The Madonna and the Dragons / 1990; escreveu de parceria com sua esposa, Christa Lang, o roteiro de The Day of Reckoning / 1990 e Girls in Prison / 1994 (ambos produzidos para a TV); trabalhou como ator; apareceu em documentários; publicou um livro; e até desfilou para o costureiro  Yohji Yamamoto. Um enfarte em 1994 limitou suas capacidades físicas e, com aprovação do seu médico, ele voltou para a Califórnia em 1995, onde faleceu dois anos depois.

                                                                              SAMUEL FULLER COMO ATOR:

O Demônio das Onze Horas / Pierrot le Fou / 1965, como ele próprio (Dir: Jean-Luc Godard); Brigitte e Brigitte / Brigitte et Brigitte / 1966, como ele próprio (Dir: Luc Moullet); O Último Filme / The Last Movie / 1971, como Sam (Dir: Dennis Hopper); The Young Nurses /1973 como Doc Haskell (Dir: Clint Kimbrough); O Amigo Americano / The American Friend / 1977, como Derr Amerikaner (Dir: Wim Wenders); 1941 / 1941 / 1979 como Interceptor Commander (Dir: Steven Spielberg); O Cachorro Branco (TV) / White Dog / 1982 como Charlie Felton (Dir: Samuel Fuller); O Estado das Coisas / The State of Things / 1982 como Joe (Dir: Wim Wenders); Ladrões do Amanhecer / Les Voleurs de la Nuit / 1983, como Zoltan (Dir: Samuel Fuller); Hammett, Mistério em Chinatown / Hammett / 1983, como  O Velho no salão de bilhar (Dir: Wim Wenders); Trapalhões do Futuro / Slapstick of Another Kind / 1984 como Coronel Sharp (Dir: Steven Paul); Os Vampiros de Salem – O Retorno / A Return to Salem’s Lot / 1987 como Dr. Van Meer (Dir: Larry Cohen); Helsinki Napoli All Night Long / 1987 como Boss (Dir: Mika Kaurismäki); Falkenau, Vision of the Impossible, como ele próprio e narrador (Dir: Emil Weiss); Sons / 1989 como Pai (Dir: Alexandre Rockwell); David Lansky (L’Enfant Americain) / 1990 como Capodagli (Dir: Hervé Palud (TV); Golem, l’esprit de l’exil / 1992 como Elimelech (Dir: Amos Gitai); A Vida da Boêmia / La Vie de Bohème / 1992 como Gassot (Dir: Aki Kaurismäki); Tigrero: O Filme Que Nunca foi Feito / Tigrero: A Film That Was Never Made / 1994, como ele próprio (Mike Kaurismäki); An American in Normandy – D-Day Revisisted by Samuel Fuller / 1994 como ele próprio (Dir: Jean-Louis Comolli); The Typewriter, the Rifle and the  Movie Camera / 1996, como ele próprio (Dir: Adam Simon); Alguém para Amar / Somebody to Love / 1996, como Sam Silverman (Dir:Alexandre Rockwell); O Fim da Violência / The End of Violence / 1997, como Louis Bering (Dir: Wim Wenders).

RICHARD BARTHELMESS

Ele foi um dos astros mais populares e bem pagos do cinema silencioso, intérprete de alguns clássicos do cinema mudo e sonoro e um dos fundadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Richard Semler Barthelmess (1895-1963) nasceu em Nova York, filho de Alfred Barthelmess e de Caroline Harris. Seu pai morreu quando tinha um ano de idade e o menino foi criado pela mãe, que era atriz de teatro. Encorajado pela sua progenitora,  Richard apareceu no palco como figurante desde criança e cresceu no ambiente teatral. Foi educado na Hudson River Military Academy em Nyack, Nova York e no Trinity College em Hartford, Connecticut, onde participou de produções da escola. Após a formatura, ingressou em uma companhia de repertório local e ali começou a aprender a arte de representar. Em 1916, foi aconselhado pela atriz Alla Nazimova, amiga (e aluna de inglês) de sua mãe, a se tornar um ator profissional e iniciou sua carreira cinematográfica como figurante no seriado O Romance de Gloria / Gloria’s Romance, estrelado por Billie Burke.

No seu próximo filme, Noivas de Guerra / War Bride / 1916, indicado por Nazimova, Barthelmess ganhou o papel de Arno, o filho da personagem interpretada por ela. O diretor Herbert Brenon ficou muito bem impressionado como o trabalho dele e, quando decidiu produzir seus próprios filmes, levou o rapaz para a sua nova companhia. Antes de seu primeiro (e único) filme na firma de Brenon, Lucrécia Borgia / The Eternal Sin / 1917, estrelado por Florence Reed, Barthelmess fez (em papéis com maior ou menor destaque) Branca de Neve / Snow White / 1916, com Marguerite Clark, Just a Song at Twilight  / 1916, com Evelyn Greeley, Código Moral / The Moral Code / 1917 com Anna Q. Nilsson e depois, Valentina / The Valentine Girl com Marguerite Clark, Alma de Madalena / The Soul of a Magdalen / 1917 com Olga Petrov, Alma Encantadora / The Streets of Illusion / 1917 com Gladys Hulette, A Dama das CaméliasCamille / 1917 com Theda Bara, Impressões Diárias / Bab’s Diary / 1917 e Convivência Romântica / Babb’s Burglar / 1917 com Marguerite Clark, Casados por Momentos / Nearly Married / 1917 com Madge Kennedy, Honra ao Mérito / For Valour / 1917 com  Winifred Allen,  Os Sete Cisnes / The Seven Swans / 1917 com Marguerite Clark, Fulgor de Aurora / Sunshine Nan / 1918 com Ann Pennington, O Glorificador ou Homem Rico, Homem Pobre / Rich Man, Poor Man / 1918 com Marguerite Clark, Guerra às Bebidas / Hit the Trail Holliday / 1918 com Marguerite Clayton (e George M. Cohan); Wild Primrose / 1918 com Gladys Leslie, Altivez de Leonor / The Hope Chest / 1918 e O Subterrâneo  Misterioso / Boots / 1918 com Dorothy Gish.

Pouco depois de assistir a esses dois últimos filmes, em cujos créditos constava oficialmente como produtor, David Wark Griffith viu em Barthelmess o herói americano ideal para seus próximos filmes e o contratou para trabalhar sob sua direção. No início de 1919, Griffith filmou A Moça Que Ficou Em Casa / The Girl Who Stayed at Home drama de guerra no qual Barthelmess e Robert Harron eram dois irmãos que serviam no mesmo regimento.  Por curiosidade, encontramos no elenco em um papel importante (Conde de Brissac) o nome de Syn de Conde, ou melhor, o paraense Sinésio Mariano de Aguiar, primeiro brasileiro a chegar a Hollywood. A mocinha do filme era Carol Dempster. Vejam o poster com uma lente e encontrarão  o nome do nosso patrício.

Richard Barthelmess e Carol Dempster em A Flor do Amor

Ainda em 1919, Barthelmess fez, sob as ordens de outros diretores, Therezinha / Three Men and a Girl com Marguerite Clark, O Golpe Decisivo / Peppy Polly e Dona da Situação / I’ll Get Him com Dorothy Gish e retomou sua colaboração com Griffith em Lírio Partido / Broken Blossoms com Lillian Gish e Quando o Ouro Desaparece / Scarlet Days com Carol Dempster. A parceria com Griffith continuaria em 1920 em A Dança da Vida / The Idol Dancer com Clarine Seymour, A Flor do Amor / The Love Flower com Carol Dempster e Horizonte Sombrio / Way Down East com Lillian Gish. Graças aos filmes de Griffith, principalmente Lírio Partido e Horizonte Sombrio, Richard Barthelmess tornou-se um grande astro.

Richard Barthelmess e Lillian Gish em Lírio Partido

Em Lírio Partido, Barthelmess é Cheng Huan, jovem chinês que decide partir para Londres, a fim de propagar a mensagem budista de não-violência No bairro de Limehouse, onde ele mora e comercia com antiguidades, vive igualmente uma mocinha, Lucy (Lillian Gish), que é martirizada pelo pai pugilista e alcóolatra.  Fugindo da fúria paterna, ela é recolhida por Cheng Huan, mas o pai encontra sua filha (o lírio partido), espanca-a até a morte, e é abatido pelo Cheng, que se apunhala ao lado do cadáver de Lucy.

Richard Barthelmess e Lillian Gish em Horizonte Sombrio

Em Horizonte Sombrio, Barthelmess é David Bartlett, o rapaz que se apaixona por Anna Moore (Lillian Gish), jovem camponesa  engravidada e abandonada por um vil sedutor. Após a morte do bebê e de sua mãe, ela vai trabalhar na fazenda da família Bartlett. Ao saber do passado de Anna, o pai de David expulsa-a de casa, deixando-a ao relento sob forte tempestade de neve. Anna desmaia sobre um dos blocos de neve boiando no rio, mas David a resgata corajosamente. Revelada a verdadeira história de Anna, os Bartlett aceitam o casamento de seu filho com ela. Na cena da perseguição sobre o rio gelado, Barthelmess e Gish não usaram stuntmen ou dublês, arriscando suas vidas neste que foi um dos climax mais excitantes do cinema. Quando trabalhava em Lírio Partido, Barthelmess conheceu Mary Hay, jovem atriz do Ziegfeld Follies, e se apaixonou por ela. Ele ficou muito contente quando Griffith convocou Mary para substituir Clarine Seymour, que faleceu durante a filmagem de Horizonte Sombrio, tendo em vista a semelhança física entre as duas atrizes. Este filme terminava com uma cena em que o personagem de Barthelmess e o de Mary se casavam, não um com outro, mas com outros personagens da trama. Eles interpretaram esta cena para Griffith exatamente um dia antes de se casarem na vida real.

Richard Barthelmess em David, o Caçula

Barthelmess deixou Griffith em termos amigáveis para fundar sua própria companhia, Inspiration Pictures, com a ajuda do financista Averell Harriman. Seu primeiro filme na Inspirational, David, o Caçula / Tol’able David / 1921 com Gladys Hulette (Dir: Henry King; Rot: Edmund Goulding, H. King) foi outro grande sucesso e ele teve um desempenho brilhante como David Kinemon, o rapaz simples do interior da Virginia com chapéu de palha e descalço, que impedia o roubo do correio, enfrentando (como um David contra Golias) os três bandidos que mataram seu cachorro, aleijaram seu irmão e indiretamente causaram a morte de seu pai. Antes de David, o Caçula, Barthelmess havia feito Experiência / Experience / 1921 para Famous Players-Lasky-Paramount, um drama de moralidade alegórico cujos personagens simbólicos chamavam-se Youth (Barthelmess), Love (Marjorie Daw), Pleasure (Lilyan Tashman), Temptation (Nita Naldi), Crime (Louis Wolheim) etc.

Nos  anos seguintes a Inspirational produziu estes filmes de Barthelmess: O Sétimo Dia / The Seventh Day / 1922 com Louise Huff, À Sombra do Evangelho / The Bondboy / 1922 com Mary Alden, Fúria / Fury / 1923 com Dorothy Gish, O Chale da Sedução / The Bright Shawl / 1923 com Dorothy Gish, A Lâmina do Combate / The Fighting Blade / 1923 e A Idade dos Amores / Twenty-One / 1923 com Dorothy Mckaill, A Cabana Encantada /The Enchanting Cottage / 1924 com May McAvoy, O Cadete / Classmates / 1924 com Madge Evans, Vivendo a VidaNew Toys / 1925 com Mary Hay, Alma Errante / Soul-Fire / 1925 com Bessie Love, Encantos à Beira-Mar / Shore Leave / 1925 com Dorothy Mckaill, Flor de Amargura /  The Beautiful City / 1925 com Dorothy Gish, O Príncipe Incógnito / Just Suppose / 1926, Leviandades de um Tenente / Ranson’s Folly / 1926 com Dorothy McKaill, Intruso Cavalheiro / The Amateur Gentleman / 1926 com  Dorothy Dunbar, O Proscrito / The White Black Sheep / 1926 com Patsy Ruth Miller. Nenhum desses filmes repetiram o êxito de David, o Caçula e não tinham o mesmo mérito artístico dos filmes de Griffith, porém eram produções bem cuidadas que nunca desapontaram seus fãs.

Em janeiro de 1927, Barthelmess e Mary Hay se divorciaram e ele perdeu a disputa pela guarda total de sua filha de quatro anos de idade – ela seria compartilhada entre os dois ex-cônjuges a cada seis mêses do ano. Nessa ocasião, a First National ofereceu-lhe  um contrato para ganhar mais dinheiro do que ele jamais ganhara com  a sua própria companhia e, como a sua principal motivação para ser um ator sempre fôra o dinheiro e não a ambição de obter glória ou fama, ele aceitou.

Seu filme inicial na First National, Com Luvas e Baionetas / The Patent Leather King / 1927, com Molly O’Day, resultou em um dos seus maiores sucessos pessoais, interpretando muito bem neste drama de guerra Curley Boyle, pugilista muito convencido que gostava de se vestir de couro envernizado da cabeça aos pés, relutantemente convocado pelo exército na Primeira Guerra Mundial. Curley era um demônio no ringue com os punhos, mas se mostra um covarde, receoso de vestir a farda após sua convocação; porém mais tarde, no calor da batalha, ele se redime. A última cena dele, levantando-se da cadeiras de rodas, vencendo a paralisia da mão e fazendo continência para a bandeira americana, é de fato emocionante.

Em 1928, depois de Trunfo às Avessas / The Drop Kick / 1927 com Barbara Kent, Alberta Vaughn e Dorothy Revier (e John Wayne aos 20 anos como um jogador de futebol americano), Barthelmess  teve outro desempenho notável no drama criminal  Segredo de Morte / The Noose com Lina Basquette, Alice Joyce, Thelma Todd, como Nickie Elkins, o jovem  contrabandista que mata seu pai biológico, um gângster que começou a chantagiar sua mãe, ao saber que ela se casou com o governador do Estado. Preso e condenado a morte, seu futuro vai depender da intervenção da mãe junto ao governador. Se ela  revelar seu passado, poderá arruinar a carreira do marido; se ela se calar, o filho será enforcado.

Richard Barthelmess e Thelma Todd em Segredo de Morte

Por sua atuação em Entre Luvas e Baionetas e Segredo de Morte, Barthelmess foi indicado para o Oscar de Melhor Ator de 1927-1928, único concorrente de Emil Jannings, que levou a estatueta por sua performance em Tentação da Carne / The Way of All Flesh.

Em 1928 a era do cinema silencioso estava chegando ao fim, mas Barthelmess ainda fez três filmes mudos, Vencendo o Destino / The Little Shepperd of Kingdom Come, também conhecido como Kentucky Courage, com Molly O’Day; A Roda da Fortuna / Wheel of Chance com Lina Basquette; Quando o Amor Renasce / Out of the Ruins com Marian Nixon. Seu primeiro filme falado foi Mares Escarlates / Scarlet Seas / 1928 com Betty Compson, seguindo-se em 1929: Regeneração / Weary River com Betty Compson. O Parasita / Drag com Lila Lee. Febre de Juventude / Young Nowheres com Marion Nixon e A Parada das Maravilhas / The Show of Shows, no qual funcionou como um dos mestres de cerimônia.

Richard Barthelmess e Marian Nixon em Febre de Juventude

Barbara Bedford e Richard Barthelmess em O Chicote

Bette Davis e Richard Barthelmess em Escravos da Terra

Richard Barthelmess e Marlene Dietrich em A Indomável

No período sonoro durante os anos 30 e início dos 40, quando encerrou sua carreira cinematográfica, Barthelmess fez 18 filmes: O Chicote / The Lash / 1930, O Filho dos Deuses / Son of the Gods / 1930, A Patrulha da Madrugada / The Dawn Patrol / 1930, Vendido / The Finger Points / 1931, O Último Vôo / The Last Flight / 1931, Glória Amarga / Alias the Doctor / 1932, Escravos da Terra / Cabin in the Cotton / 1932, Atração dos Ares / Central Airport / 1833, Fome por Glória / Heroes for Sale / 1933, Massacre / Massacre / 1934, Herói Moderno / A Modern Hero /  1934, Álibi da Meia-Noite / Midnight Alibi /  1934, 4 Horas Para Matar / Four Hours to Kill / 1935, Spy of Napoleon / 1936 (produção inglêsa), Paraíso Infernal / Only Angels Have Wings / 1939; O Homem Que Falou Demais / The Man Who Talked Too Much / 1940,   A Indomável / The Spoilers / 1942, O Prefeito da Rua 44 / The Mayor  of 44 Street / 1942, os três últimos como coadjuvante. Os melhores filmes estão assinalados em negrito e foram dirigidos respectivamente por Howard Hawks, William Dieterle, William Wellman, G. W. Pabst, Mitchell Leisen, Howard Hawks.

Richard Barthelmess e Douglas Fairbanks Jr. em A Patrulha da Madrugada

David Manners, Helen Chandler, Richard Barthelmess, Johnny MacBrown e Elliott Nugent em O Último Vôo

Richard Barthelmess e Loretta Young em Fome por Glória

Em A Patrulha da Madrugada ele é Dick Courtney o piloto que critica o comandante do esquadrão por enviar seus homens em missões perigosas, mas quando ele  assume seu lugar, sofre a mesma angústia de seu antecessor. Em O Último Vôo ele é Cary Lockwood, um dos quatro aviadores traumatizados pela Primeira Guerra Mundial, que resolvem se divertir em Paris após o armistício, a fim de curar suas feridas tanto físicas quanto psicológicas. Em Fome por Glória ele é Thomas Holmes, veterano da Primeira Guerra Mundial que tenta sobreviver de uma calamidade após outra – do vício da morfina, adquirido ao ser tratado de seu ferimento no campo de batalha e do desemprego durante a Depressão. Em Herói Moderno ele é Paul Rader artista de circo ambicioso, que se torna um magnata da indústria automobilistica e um fabricante de armas, mas sofre tragédias na sua vida pessoal e profissional. Em 4 Horas Para Matar ele é Tony Mako, assassino condenado à morte, que escapa do detetive ao qual está algemado, enquanto os dois aguardam em um teatro o trem para o local da execução, esperando matar o sujeito que o denunciou. Em Paraíso Infernal ele é Bat Mac Pherson, o novo piloto de uma companhia aérea sediada em uma cidadezinha sulamericana, rejeitado pelos colegas, porque souberam que uma vez ele saltou do avião, deixando seu mecânico morrer em um acidente aéreo.

Richard Barthelmess e Jean Muir em Herói Moderno

Richard Barthelmess em 4 Horas para Matar

Cary Grant, Rita Hayworth e Richard Barthelmess em Paraíso Infernal

Em 1942, Barthelmess apresentou-se à Reserva Naval, para servir na Segunda Guerra Mundial. Após o fim do conflito, ele se retirou para sua casa em Long Island e passou a viver de seus inúmeros rendimentos até seu falecimento em 1963 em decorrência de um câncer na garganta. Seu casamento com Jessica Stewart Sergeant, ocorrido em 1928, perdurou até sua morte .