Arquivo do Autor: AC

ELEMENTOS DE LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CLÁSSICA II

Vamos falar agora do Ritmo Cinematográfico, para o qual influem a Montagem e a Pontuação. Montagem (Editing) é a organização dos planos filmados de acordo com uma ordem e um tempo estabelecidos pelo diretor. Pontuação (ou Transição) são as diversas modalidades pelas quais os planos são ligados entre si. É um processo de articulação da narrativa. Com a montagem e a pontuação é que o diretor vai criar o ritmo do filme.

Cada plano tem o seu momento certo de saturação. Se o diretor bobear, o filme pode perder o fôlego, estrebuchar e morrer. Um corte deve ser feito no pico, no auge da Curva de Contentamento (Content Curve). O que vem a ser isso?  É a quantidade de tempo necessária para que o espectador médio possa assimilar a informação contida em um plano, ou seja, o significado, o conteúdo de um plano. É o que chamamos de Momento de Saturação. O corte feito antes deste momento de saturação frustraria a assimilação do significado do plano pelo espectador; o corte feito após este momento de saturação produziria o tédio. Michelangelo Antonioni, por exemplo, em muitos de seus filmes corta após o pico da curva de contentamento. Quando A Aventura. / L’ Avventura / 1960   foi exibido em Cannes, os críticos presentes na platéia começaram a gritar “Corta! Corta!”, porque pensavam que ele não soubera montar o filme. Só que não era nada disso. O ritmo estava de acordo com o tema e a proposta do diretor de desdramatizar a narrativa. Ele desrespeitou a curva de contentamento exatamente para dar a impressão de exaustão, de abatimento, de infelicidade que tomava conta dos personagens.

Existem dois tipos de montagem: Montagem Narrativa ou Dramática e Montagem Intelectual ou Dialética.

Na Montagem Narrativa ou Dramática, que é a forma mais simples, sistematizada por David Wark Griffith, ajuntam-se os planos para narrar uma história ou lhe dar dramaticidade.

Como subdivisões da montagem narrativa ou dramática nós temos:

Montagem Cronológica, quando se organiza um filme em uma ordem lógica e cronológica.

Montagem Acronológica, quando passado, presente e futuro se misturam geralmente por meio de Flash Backs ou Flash Forwards, isto é, retrospectos ou reminiscências do que já aconteceu ou visões do que vai acontecer. Exemplos de filmes que adotam este tipo de montagem: Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles; Hiroshima meu Amor / Hiroshima mon Amour / 1959 de Alain Resnais. Existem filmes nos quais existem vários flashbacks (v. g. Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1994 de Michael Curtiz) e uns com até onze retrospectos como no filme noir Os Assassinos / The Killers / 1946 de Robert Siodmak. No filme A Morte do Caixeiro Viajante / Death of a Saleman / 1951 de Laslo Benedek, há um emprego curioso do flashback: a ação do passado e do presente ocorrem simultaneamente. Há, por exemplo, uma cena na qual vemos o presente na frente do quadro (a esposa sentada na mesa da copa) e, ao fundo, o pretérito (o marido abraçando a amante que tivera no passado).

Montagem Paralela (Cross Cutting), quando se mostra em alternância duas ou mais ações ocorrendo ao mesmo tempo em lugares diferentes. O exemplo mais comum é o da caravana de pioneiros sendo atacada pelos índios e o regimento de cavalaria que avança para socorrê-los. Exemplo mais complexo encontramos em A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957 de David Lean: nós vemos alternadamente o trem que se aproxima da ponte, o coronel inglês descobrindo o fio do detonador de dinamite e os sabotadores na expectativa. São três ações paralelas, obtendo-se um grande suspense. Às vezes, porém, o paralelismo começa desde o início do filme e vai até o desenlace. Diz- se então que é uma Montagem por Sincronismo. É o que ocorre, por exemplo, no filme Retratos da Vida / Les Uns et les Autres / 1981 de Claude Lelouch ou em Os Deuses Vencidos / The Young Lions / 1958 de Edward Dmytryk.

Montagem por Estribilho ou Refrão, quando se faz uma repetição da imagem que contém uma idéia que se quer sublinhar. Em literatura refrão é a repetição de versos; no cinema, repetição de imagens. Exemplo: Em Intolerância / Intolerance /1916 de David Wark Griffith vemos a repetição da imagem do berço entre as quatro histórias para sublinhar a esperança que sempre renasce, apesar de ter havido tanta intolerância através dos tempos. Outro exemplo encontramos no filme Le Journal d´un Curé de Campagne / 1951 de Robert Bresson, no qual há o retôrno frequente da imagem do diário e da caneta na mão do padre, para sublinhar a idéia de que os acontecimentos narrados são os que estão no pensamento do padre quando está escrevendo o seu diário.

Montagem Intelectual ou Dialética, que é a forma mais complexa, e que foi inventada por Serguei Eisenstein, quando se ajunta os planos com a intenção de sugerir uma imagem ou conceito abstrato pelo choque entre estes planos, pela colisão entre os planos. Eisenstein comparava a montagem intelectual ou dialética, que ele chamava também de Montagem de Atração, com as explosões de um motor de combustão interna que impele um automóvel ou um trator. E, dizia ele, a montagem convencional comanda as emoções, mas a montagem intelectual comanda o pensamento. Um exemplo desta montagem intelectual está no filme A Greve / Stachka / 1925, no qual se vê em uma sequência imagens de operários sendo dizimados pelos soldados do tsar e, intercaladas entre elas, imagens de bois abatidos em um matadouro. A idéia sugerida pelo choque dos planos é a de de que os operários são abatidos como s fossem gado.

Como subdivisões da montagem intelectual ou dialética nós temos:

Montagem por Analogia, quando se relaciona planos de forma ou conteúdo semelhantes. Em Tempos Modernos / Modern Times / 1936, Charles Chaplin compara os operários de uma fábrica a um rebanho de ovelhas. No filme O Ídolo Caído / Fallen Idol / 1948 de Carol Reed, o diretor mostra uma mulher furiosa e depois uma leoa. Em Fúria / Fury / 1936 de Fritz Lang, vemos mulheres mexericando e depois galinhas cacarejando.

Montagem por Contraste, quando se relaciona planos de forma ou conteúdo diferentes. Exemplo: o diretor mostra a fachada de uma bela mansão e depois um mendigo.

Mas, com relação à montagem intelectual, temos que verificar o seguinte: se, de um lado os diretores conseguiam sugerir uma idéia ou um conceito com o choque de imagens, por outro, a verdade dramática era falseada. Porque, por exemplo, no filme A Greve já citado, a ação se passava nas fábricas e nas ruas e não no matadouro, cujas imagens foram inseridas arbitrariamente em um acontecimento e em um espaço da ação com os quais nada tinha a ver. Entretanto, naquele tempo, a novidade da montagem intelectual surpreendia, e o espectador esquecia a razão dramática captando apenas a razão dialética. Hoje, a gente percebe o artificialismo daquela justaposição de planos, como também a sua frequente obscuridade: nem sempre dava para entender qual era a idéia ou o conceito que o diretor estava querendo sugerir. Isto, aliás, veio a ser reconhecido pelo próprio Eisenstein.

Ligada de certa forma à montagem, nós temos o que se chama de Continuidade Direcional (Directional Continuity) ou seja, a montagem de planos de uma forma suave, de modo que a ação em uma sequência pareça ser contínua. A montagem continuativa estabelece relações espaciais e temporais entre os planos, de tal modo que o espectador possa “ler” o filme sem nenhum esforço consciente, precisamente porque a montagem é “invisível”. Para isso respeitam-se algumas regras tais como: a) a do Match on Action (ao cortar no meio da ação, tomar todo cuidado  para que o momento da ação correspondente ao fim do primeiro plano seja o instante inicial do segundo, para que ela pareça ininterrupta – assim, se um personagem começa a sentar em um plano médio, um montador cortará para um plano mais próximo enquanto a ação continua); b) a dos 30º (evitar toda mudança de ângulo de menos de 30º, pois isto resulta  em um “salto”, que causa um certo desconforto no espectador); c) a dos 180º (a câmera não pode ultrapassar a linha imaginária de 180º ou eixo da ação – se a câmera  cruzar o eixo da ação após uma tomada e filmar o próximo plano do outro lado da linha de 180º, a posição original dos personagens será invertida nesta segunda tomada, dando a impressão de que eles mudaram de posição, quando se corta de um plano para outro); d) a dos planos de referência (sempre que uma nova sequência apresente um novo local, deve-se dar uma visão geral da cena, antes de cortar para os planos mais próximos – que dirigem o olhar do espectador para os momentos mais significativos da ação -, seguindo-se novos planos gerais para restabelecer as relações espaciais).

Outro princípio, é o da preservação do sentido de direção, cumprido por procedimentos chamados de Eyeline Match  (quando dois planos mostram duas pessoas diferentes que supostamente estão olhando uma para a outra, a pessoa A deve olhar para a direita e a pessoa B para a esquerda ou vice-versa, porque, se ambos olharem para a mesma direção em dois planos sucessivos, o espectador terá a impressão de que elas não estão olhando uma para a outra e sentirá que perdeu sua orientação no espaço cênico) e Matching Screen Direction (alguém que sai do quadro pela esquerda deve retornar pela direita; se isto não ocorrer, vai parecer que houve uma mudança na direção para a qual a pessoa está se movimentando).

Vejamos agora a Pontuação. Nós temos os seguintes recursos de pontuação, que podem ser de passagens rápidas ou lentas.

Passagens Rápidas:

Corte ou Corte Seco (Cut), que é a passagem instantânea de um plano para outro. É a transição mais elementar, simples mudança de ponto de vista.

Desfoque ou Mudança de Foco (Focus Shift). Por exemplo: em vez do corte, o diretor mostra um personagem dentro do foco e este depois sai de foco e entra em foco um outro personagem que está mais afastado da câmera. Enfim, o diretor guia o olho do espectador de um plano para outro.

Cortina (Wipe), quando linhas se movem na tela varrendo a imagem antiga e instalando a nova.  Podem ser em sentido horizontal, vertical, em leque, em íris etc. As cortinas eram muito usadas no cinema mudo, no início do cinema falado e nos jornais cinematográficos. No cinema moderno é mais raro o seu uso.

Fiadura ou Chicote (Zip Pan), quando a câmera abandona uma imagem e vai colher a seguinte em uma panorâmica rapidíssima. Por exemplo, em Cidadão Kane, na cena do almoço de Kane com a esposa, onde uma série de cenas curtas unidas por chicotes, nos mostra a deterioração do casamento deles.

Corte Interrompido ou Salto de Montagem (Jump Cut), quando interrompe a ação de uma sequência. Acossado / À Bout de Souffle / 1960 de Jean-Luc Goddard contém cortes interrompidos que desafiam intencionalmente a continuidade.

 Cutaway Shot é a interrupção de uma ação filmada continuamente para inserir uma visão de outra coisa. Exemplo: um homem andando em um beco e corta para um gato ou uma pessoa que olha pela janela.

Passagens lentas:

Clareando (Fade-In) e Escurecimento (Fade-Out), quando a tela vai se clareando ou escurecendo.

Fusão ou Dissolvência (Lap Dissolve), quando uma imagem vai desaparecendo e outra surgindo, superpondo-se as duas momentaneamente na tela. Exemplo: em Um Lugar ao Sol / A Place in the Sun / 1951 de George Stevens; em Passagem para a Índia / A Passage to India / 1984 de David Lean. A fusão é o recurso de pontuação mais elegante de todos.

Então, como já dissemos, é com a montagem e pontuação, e com o senso de Minutagem, isto é, a noção do tempo em que cada imagem deve permanecer na tela, do exato momento de saturação de cada plano, que o diretor vai criar o ritmo cinematográfico. Este é uma espécie de sangue que circula no filme e o anima. O ritmo é um elemento vital para o filme.

 Convém lembrar que não devemos confundir Montagem com Montage ou Sequência de Montagem que é uma série de cenas rápidas condensando acontecimentos. Don Siegel, quando era chefe do departamento de montagem da Warner Bros., produziu várias sequências de montagem inclusive a cenas em Casablanca / Casablanca / 1942 de Michael Curtiz nas quais Rick (Humphrey Bogart) e Ilsa (Ingrid Bergman) se apaixonaram no passado em Paris.

Vejamos agora os Efeitos da Montagem que são as figuras de linguagem ou de estilo que podem ser produzidas pela montagem.

Elipse. Na teoria literária, é a omissão de palavras em uma frase, que facilmente se subentende. Por exemplo na frase não posso cair. Subentende-se facilmente que foi omitida a palavra eu (eu não posso sair). É a chamada elipse do sujeito. Há também a elipse do verbo (no mar tanta tormenta, ou seja, no mar há tanta tormenta) e a elipse de conjunção (peço-lhe me deixe ir, ou seja, peço-lhe que me deixe ir).

Já no cinema, a elipse é a omissão, a supressão das imagens, geralmente com três finalidades:

1) abreviar a narrativa, mostrando apenas os momentos mais expressivos. O diretor mostra apenas uma parte da ação como símbolo significativo de todo um acontecimento. Por exemplo, ele mostra apenas uma aliança que passa para o dedo da noiva, suprimindo a cerimônia nupcial. É a chamada Elipse Simbólica.

2) abreviar os tempos inúteis da ação. Exemplo: um personagem sai do escritório e vai para a sua residência. O diretor mostra apenas um plano dele fechando a porta do escritório e em seguida outro plano dele abrindo a porta da casa, sem mostrar o percurso. É a chamada Elipse Cronológica, da qual nós temos um exemplo sensacional no filme de Stanley Kubrick, 2001, Uma Odisséia no Espaço quando o macaco joga o osso para o alto e ele vai girando e se transforma em uma espaçonave. É a maior elipse cronológica do cinema, pois com ela foram suprimidos vários séculos, passando-se da pré-história ao século 21.

3) ocultar um instante decisivo da ação para manter o interesse ou o suspense.  Por exemplo, no final do filme No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939 de John Ford há um duelo entre o mocinho (John Wayne) e o bandido (Tom Tyler). Em vez de mostrar a briga, a câmera vai para o saloon, onde os fregueses aguardam ansiosos o desfecho do acerto de contas. Ouvem-se tiros e logo depois abre-se a porta do saloon e aparece o bandido, que dá uns passos e cai morto. Depois entra o mocinho, são e salvo. Esta é a chamada Elipse Artística. Um outro exemplo nós encontramos no filme O Boulevard do Crime / Les Enfants du Paradis / 1945 de Marcel Carné. Quando Lacenaire (Marcel Herrand) vai dar uma punhalada, não vemos a morte do conde de Montray (Louis Salou), mas a fisionomia de uma testemunha do crime, cuja expressão é muito mais sugestiva do que o próprio gesto do criminoso.

Metáfora. É o que na teoria literária se chama tropo (do grego tropos, desvio de sentido). Quando eu digo, o pé da mesa, os dentes do pente, a primavera da vida, a luz da inteligência, estou fazendo uma metáfora. No cinema, é o emprego de uma imagem no sentido figurado. O exemplo mais corriqueiro é o do casal se abraçando em uma cama e a câmera que vai deslizando discretamente para as chamas crepitantes de uma lareira, para mostrar o fogo da paixão. O Símbolo é uma variação da Metáfora. No filme Rashomon / Rashômon / 1950, Akira Kurosawa usa água como símbolo da purificação. Alegoria é algo maior do que o símbolo. É uma metáfora que se repete e se univerdsaliza. Às vezes todo o filme é uma alegoria como, por exemplo, O Processo / Le Procès / 1962 de Orson Welles, que é uma alegoria da Justica. A Lista de Schindler / Schindler´s List / 1993 pode ser visto como uma alegoria da bondade.

Rima. Na teoria da literatura a rima é a semelhança de sons em determinados lugares dos versos. A rima no cinema é a semelhança visual ou auditiva de imagens subsequentes. No filme Rio 40 Graus / 1955 de Nelson Pereira dos Santos, as pernas dos transeuntes que param ao redor do corpo de um menino atropelado fundem-se com as pernas dos jogadores de futebol no Maracanã.  Esta é uma rima visual. No mesmo filme há uma rima auditiva: o ruído dos freios do automóvel transforma-se na gritaria dos torcedores no estádio. No filme Os 39 Degraus / The 39 Steps / 1935 de Alfred Hitchcock, o diretor passa do plano da boca de uma mulher gritando ao descobrir o corpo da vítima para o plano de um trem entrando velozmente em um túnel.

Estiramento ou Expansão do Tempo. É um procedimento oposto ao da elipse. É quando o diretor estica o tempo necessário ao conhecimento das circunstâncias de determinado acontecimento. Por exemplo, no filme O Encouraçado Potemkin / Bronenosets Potemkin / 1925 de Serguei Eisenstein, na famosa sequência das escadarias de Odessa e na sua citação no filme Os Intocáveis / The Untouchables / 1987 de Brian de Palma. O que de fato levaria frações de segundo para o espectador entender, aparece na tela como duração bem superior. A narrativa é minuciosa e repetitiva. Outro exemplo nós temos no filme O Homem Que Sabia demais / The Man Who Knew Too Much / 1956 de Alfred Hitchcock na cena do Royal Albert Hall, quando o criminoso se prepara para cometer o assassinato. O diretor estica o tempo necessário ao conhecimento da circunstância do disparo da arma, a fim de aumentar o suspense.

Para terminar nossa exposição dos elementos de cinestética, vejamos os vários tipos de tempo no cinema:

Tempo do Filme, que é o da projeção do filme e por isso é chamado de Tempo Real.

Tempo da Ação do Filme, chamado de Tempo Dramático, que pode ser: Tempo Condensado ou Diegético, quando, por exemplo, vemos em duas horas o que se deu em dez, vinte ou trinta anos ou Tempo Fiel quando, por exemplo, o tempo de projeção é igual ao tempo da ação do filme como aconteceu em Matar Ou Morrer / High Noon / 1952 de Fred Zinnemann, Punhos de Campeão / The Set- Up / 1949 de Robert Wise ou Festim Diabólico / Rope / 1948 de Alfred Hitchcock.

Tempo Psicológico, que é o tempo percebido pelo espectador. A impressão subjetiva, emocional da duração que o espectador experimenta ao assistir o filme, conforme esteja ou não interessado ou participando da história. Se estamos entretidos, o tempo “passa depressa”, se estamos entediados, o tempo “custa a passar”. Assim como há o tempo psicológico, há o Ritmo Psicológico do Espectador. Por exemplo, a maioria dos espectadores de hoje não gosta de ver filmes mudos ou antigos, pois o seu ritmo psicológico é mais veloz; por outro lado, uma pessoa idosa tem muitas vezes dificuldade de acompanhar os filmes de hoje.

Tempo Abolido, que é quando um personagem age ao mesmo tempo no presente e no passado. No filme A Morte do Caixeiro Viajante / Death of a Saleman / 1951 de Laslo Benedek, o personagem Willy Loman (Fredrich March) está jogando cartas com um vizinho e se lembra do irmão. De repente o irmão aparece e os dois conversam como se estivessem no passado, sem que o vizinho perceba alguma coisa.

Condensação do Tempo. Exemplo: uma pessoa pode ser mostrada em plano americano começando a pintar o portão de um jardim. Em seguida vemos um primeiríssimo plano do rosto desta pessoa enquanto trabalha. Depois, voltamos ao plano americano.  Finalmente, somos levados ao plano geral e vemos que a pintura está completa. Um trabalho que duraria vinte minutos foi comprimido em trinta segundos.

Finalmente há o que se chama de Variações na Cadência das Imagens, que são:

Ação Suspensa (Freezing), cujo exemplo mais famoso é a cena do baile no filme Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942 de Marcel Carné, quando fica parado, tanto a música como as pessoas, e só os emissários do Diabo se movem. Depois, tudo se descongela. Usa-se também o termo Freeze Frame quando a imagem projetada na tela parece congelada, parada, travada. Ex: no final de Os Incompreendidos / Les Quatre Cents Coups /1959 de Françis Truffaut ou no final de Thelma e Louise / Thelma and Louise / 1991 de Ridley Scott).

Ação Acelerada (Fast Motion), que é geralmente usada para efeitos cômicos em cenas de correria ou então em filmes científicos, para mostrar, por exemplo, o crescimento de uma planta em poucos segundos, e aí a ação é Superacelerada (Extreme Fast Motion ou Time Lapse Photography.

Ação Lenta (Slow Motion), cujo exemplo mais célebre é do filme Zero de Conduta / Zéro de Conduite / 1933 de Jean Vigo, na sequência do dormitório com os meninos de camisola e o ar cheio de penas durante uma luta de travesseiros ou então as cenas de violência no filme de Sam Peckinpah, Meu Ódio Será Tua Herança / The Wild Bunch / 1969. Na sequência final da explosão em Zabriskie Point / Zabriskie Point / 1970   de Michelangelo Antonioni nós temos um exemplo de Ação Superlenta (Extreme Low Motion).

Ação Inversa (Reverse Action). Exemplo: o mergulhador que sai da água e volta ao trampolim. No filme Outubro / Oktyabr / 1927 de Serguei Eisestein há uma cena na qual a estátua do tsar, que fôra quebrada, se recompõe para significar simbolicamente o perigo da volta ao antigo regime.

Durante a maior parte do século XX, o cinema foi um meio analógico mas, a partir dos anos 1980, foi se tornando cada vez mais digital. O filme Tron – Uma Odisséia Eletrônica / Tron / 1982 de Steven Lisberger mostrou que os computadores podiam criar imagens rudimentares, porém continuava difícil reproduzir formas mais detalhadas, Assim, por algum tempo, os realizadores se restringiram ao uso de miniaturas, matte-shots, e outros efeitos óticos com o apoio da câmera. Entretanto, à medida que a memória e a velocidade dos computadores aumentaram, mais efeitos puderam ser manipulados digitalmente. No final dos anos 1990, os cineastas estavam usando rotineiramente software para pôr em ordem os planos ou gerar imagens, como, por exemplo, quando um grupo pequeno de pessoas foi multiplicado em uma multidão no estádio de futebol de Forrest Gump / Forrest Gump / 1994 de Robert Zemeckis. Graças à técnica que ficou conhecida como Computer-Generated Imagery – CGI, qualquer imagem concebível podia ser transformada em realidade.

ELEMENTOS DE LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CLÁSSICA

O Cinema, como toda arte, exige uma iniciação. É preciso conhecer a linguagem do cinema para que se possa entender bem o que o diretor do filme quís dizer, ou seja, as idéias ou os sentimentos que ele quís exprimir.

Podemos começar pela unidade fílmica, que é o Plano. O que é um plano? É a imagem vista na tela e o tempo que ela permanece diante dos nossos olhos. Se a imagem permanece muito tempo diante dos nossos olhos, temos um Plano Longo (Long Take). Se passa rapidamente diante do nosso olhar, temos um Plano Curto (Short Take). Esta distinção é importante porque, normalmente, uma sucessão de planos longos cria um ritmo lento e uma sucessão de planos curtos cria um ritmo rápido.

Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1970 e no final dos anos 1980 maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e

6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado por David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), um método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games e internet. Filmes como X-Men – o filme / X-Men / 2000 de Bryan Singer tinham em média 2 a 3 segundos por plano.

Planos Ambientais:

Plano Geral (Extreme Long Shot). Quando a câmera mostra um amplo cenário sem nenhuma figura humana ou com figuras humanas vistas bem de longe, sem que se possa distinguir seus traços ou expressões faciais. Este plano serve para situar o local da ação, tendo, portanto, primordialmente, uma função descritiva. Porém às vezes pode ter uma função dramática como é o caso do final de um clássico do cinema, Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim.

Plano de Conjunto (Long Shot). Quando a câmera mostra um cenário mais restrito, no qual já aparecem figuras humanas mais de perto. Por exemplo, um grupo de pessoas em uma praça. Este plano serve para situar os personagens no cenário.

Plano de Expressão Corporal:

Plano Médio (Full Shot). Quando a câmera mostra um personagem de corpo inteiro. Este plano serve para o ator mostrar todos os recursos de seu corpo. Por exemplo, nos filmes musicais, a câmera apanha o dançarino dos pés à cabeça.

Plano de Diálogo:

Plano Americano (Medium Shot). Quando a câmera mostra o personagem do joelho ou da cintura para cima. Este plano serve muito para as cenas de conversação e apresenta variações: o Two Shot ou Tomada de Dois, quando aparecem duas figuras, Three Shot ou Tomada de Três, quando aparecem três figuras e assim por diante.

Planos de Intimidade:

Primeiro Plano (Close-Up). Quando a câmera mostra um personagem dos ombros para cima.

Primeiríssimo Plano (Big Close-Up, Extreme Close-Up). Quando a câmera mostra um detalhe do corpo humano, o rosto, a boca, os olhos etc. Quando o primeiríssimo plano se refere a um objeto, chama-se Plano de Detalhe ou Insert. Por exemplo, um revólver, uma faca, uma chave etc. Nos filmes de suspense estes planos assumem particular importância. Ex: o plano da chave nas mãos de Ingrid Bergman em Interlúdio / Notorius / 1946 de Alfred Hitchcock.

Estes planos mais próximos têm uma função dramática ou psicológica e em geral são reservados para os momentos de alta intensidade emocional, para mostrar as reações íntimas dos personagens. Exemplo: no filme O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc / 1928 de Carl Dreyer mostrando a tortura moral de Joana D’ Arc espezinhada pelos seus julgadores. O Plano de Detalhe pode ter também uma função simbólica. Por exemplo, uma panela com leite fervendo que transborda.

É precisamente esta escala de planos, a variação quase infinita de pontos de vista do espectador, que difere o Cinema do Teatro e que dá ao Cinema um poder extraordinário de análise e de impacto.

Temos ainda:

Plano Referencial (Establishing Shot ou Master Shot), que é um plano que o diretor faz para dar uma visão geral da cena, antes de começar a cortar para os planos mais próximos, a fim de que o espectador tenha a noção de onde estão os personagens ou os objetos no ambiente. E, na medida em que a narrativa se desenvolve, pode ser necessário repetir esse plano para que o espectador não perca aquela noção. É o que se chama de Reestablishing Shot.

Plano de Reação (Reaction Shot). Quando vemos um acontecimento e depois o efeito que produziu ou, alternativamente, quando vemos o efeito produzido em alguém e depois o acontecimento. Por exemplo: vemos uma cobra toda enroscada, pronta para dar o bote e depois uma jovem assustada ou então vemos a jovem assustada e depois a cobra.

Plano de Transição (Bridging Shot). Que é um plano usado para cobrir um salto no tempo ou no espaço. Por exemplo: as folhas que caem de um calendário ou a rodas de uma locomotiva em movimento.

Fazendo uma orquestração de Planos, Cenas (que são um conjunto de planos) e Sequências (que são um conjunto de cenas), é que o diretor vai organizar a construção dramática e o ritmo do filme, dando-lhe uma palpitação e uma expressão.

Vamos ver então o esquema mais amplo dos elementos estéticos que o cineasta usa para construir sua obra:

Elementos Estéticos Visuais: Plano – Angulação – Enquadramento – Movimentos de Câmera – Cenário – Iluminação – Ator – Cor. Elementos Estéticos Auditivos: Som – Música – Diálogo.

Já vimos o Plano, vejamos agora a Angulação. Existem, basicamente, oito tipos de angulação:

Câmera Normal (Eye Level Angle). Quando a câmera é colocada na altura dos personagens, seguindo a linha horizontal dos seus olhos. Ex: nos filmes de Ozu.

Câmera Alta (High Angle ou Plongé ou Plano Imergente). Quando a câmera é colocada acima do que está sendo filmado e a imagem é vista de cima para baixo. Com esta angulação costuma-se sugerir abatimento psíquico ou físico, inferioridade, humilhação, abandono, desprêzo, derrota etc. Ex: em Na Estrada da Vida / La Strada / 1954 de Federico Fellini, Zampano (Anthony Quinn) na praia chorando com saudade de Gelsomina (Giulietta Masina), um bruto adquirindo condição humana.

Câmera Baixa (Low Angle ou Contre-Plongé ou Plano Emergente).  Quando a câmera é colocada abaixo do que está sendo filmado e a imagem é vista de baixo para cima. Com esta angulação costuma-se sugerir superioridade, triunfo, exaltação, orgulho, autoridade, domínio, majestade etc. Ex: os generais do tzar nos filmes soviéticos dos anos vinte. Robert Wise no seu filme Punhos de Campeão / The Set-Up / 1948, usa a câmera baixa para ressaltar o contraste entre vencedor e o vencido.

Câmera Oblíqua, Inclinada ou Diagonal (Oblique Angle). Quando vemos tudo em plano inclinado. Ex: Julien Duvivier no filme Um Carnê de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 usou esta angulação para mostrar que o personagem do médico epilético (Pierre Blanchar) era um desequilibrado. Em Vidas Amargas / East of Eden / 1955 Elia Kazan usou a câmera inclinada para indicar o relacionamento conturbado entre o jovem interpretado por James Dean e seu pai (Raymond Massey). Este tipo de angulação também é muito usado em sequências frenéticas de perseguição, porque as linhas inclinadas sugerem agitação, inquietação, desequilíbrio.

Câmera Diretamente do Alto (Bird´s Eye View). Quando a câmera fotografa uma cena diretamente do alto. Ex: no filme Psicose / Psycho/ 1960 de Alfred Hitchcock na cena da segunda morte, quando o detetive acaba de subir a escada casa de Norman Bates (Anthony Perkins) e é assassinado por ele vestido de mulher.

Câmera Subjetiva (Point of View Shot). Quando vemos tudo pelos olhos do personagem. No filme Vidas Sêcas / 1963 de Nelson Pereira dos Santos, há o emprego da câmera subjetiva na morte da cadela Baleia. O seu delirio mortal é visto em câmera subjetiva. Exemplo de um filme todo em câmera subjetiva: A Dama no Lago / Lady in the Lake / 1947 de Robert Montgomery.

Câmera Circular (Circular Camera). Quando a câmera faz movimentos circulares para sugerir vertigem, tontura ou mesmo paixões desenfreadas como no filme Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958   de Alfred Hitchcock na cena em que “Scottie” (James Stewart) e Judy (Kim Novak) se beijam apaixonadamente, depois que Judy é retransformada em Madeleine.

Câmera Invertida ou Campo e Contra-Campo (Reverse Angle, Shot-Countershot). Esta é uma angulação usada geralmente em cenas de dialogação. Ex: um casal conversando. No campo vemos o homem de frente e a mulher de costas para a câmera; no contracampo, que vem logo a seguir por meio de um corte, a mulher será vista de frente e o homem de costas para a câmera.

A angulação pode ser usada para obter um efeito cômico. Ex: em O Imigrante / The Immigrant / 1917, Charles Chaplin mostra um navio muito balouçante no qual todos os passageiros sentem-se enjoados. Vemos então Carlitos debruçado sobre a amurada, balançando as pernas e pensamos que ele está vomitando. Mas ele se vira de repente e mostra um peixe que pescou com a bengala. O diretor conseguiu este efeito cômico colocando a câmera atrás das costas de Carlitos.

É muito importante lembrar que, quaisquer que sejam as angulações, o diretor deve tomar cuidado para não cair no artificialismo, no esteticismo. Não usar as angulações apenas pelo seu aspecto formal e sim funcionalmente. Muito embora saibamos que não existem regras fixas para a criação artística. O artista pode usar sua imaginação à vontade, sua imaginação criadora. Estamos apenas estudando as regras para um filme bem-comportado, regras que, muitas vezes, podem ser brilhantemente transgredidas. A linguagem do cinema está sempre evoluindo e esta evolução se faz precisamente com a quebra das regras estabelecidas.

Prosseguindo no estudo dos elementos estéticos visuais, vejamos agora o Enquadramento, que inclui a Composição de cada plano, isto é, como o diretor distribui a imagem dentro do quadro, dando-lhe uma arquitetura, um equilíbrio e um significado. A Composição é chamada de Ritmo Interior em contraposição à Montagem, que é o Ritmo Exterior. Aí o Cinema se aproxima da pintura. As artes plásticas fornecem muitos modelos aos cineastas no que diz respeito ao jogo de proporções e movimento de linhas.

Sabemos, por uma série de experiências psicológicas que linhas verticais causam a sensação de força e estabilidade; linhas horizontais causam uma sensação de calma e repouso; linhas oblíquas ou em espiral causam uma sensação de atividade, agitação, instabilidade, inquietação, nervosismo; linhas circulares sugerem convergência ou ordem. Assim como o cruzamento de linhas verticais com linhas horizontais sugere prisão ou isolamento.

Os cineastas usam essas linhas, e as lentes, para fazer a composição. Ex: a lente grande angular aumenta o tamanho do cenário e dá maior profundidade de campo enquanto a teleobjetiva faz o contrário, diminui o tamanho do cenário e dá menor profundidade de campo. A grande angular separa a frente do fundo do quadro: a teleobjetiva os aproxima – a imagem aparece achatada na tela. Além da variação de perspectiva há uma variação de velocidade. Em uma tomada de grande angular, o personagem parece andar mais rápido; com a teleobjetiva, parece andar mais lentamente.

Um dos exemplos mais marcantes do enquadramento está no filme Pérfida / The Little Foxes / 1941 de William Wyler. Há uma cena famosa na qual o marido (Herbert Marshall) discute com a mulher (Bette Davis) e tem um ataque cardíaco. Ele pede o remédio e ela não se move. Fica sentada na frente do quadro, vendo-se ao fundo o marido subindo a escada, cambaleando, para pegar o remédio até cair. Este enquadramento transmite com intensidade a indiferença absoluta da esposa, que nem sequer vira a cabeça para trás, para ver o que está acontecendo com o marido. Nesta cena foi usada a técnica da Profundidade de Campo (Deep Focus, Pan Focus) aperfeiçoada pelo grande fotógrafo Gregg Toland. Esta técnica permite que o diretor mostre ao mesmo tempo o que ocorre na frente e no fundo do quadro com igual nitidez e sem necessidade de se fazer mudanças de planos. A profundidade de campo permite a feitura de planos mais longos com períodos maiores de ação contínua, que são chamados de Planos-Sequência (Sequence Shots). É o que o crítico francês André Bazin chamou de “democratização da mise-en-scène” e que dava também maior realismo. Um exemplo marcante de plano sequência é a abertura de A Marca da Maldade / Touch of Evil / 1958 de Orson Welles.

Em suma, em vez da decupagem clássica, analítica, baseada na fragmentação de diversos planos, temos a decupagem sintética que deixa o espectador com liberdade para escolher o foco de sua atenção. Ele não fica mais tão prisioneiro da montagem como na decupagem clássica. Foi realmente uma revolução importante para o cinema moderno.

Com relação ao enquadramento temos ainda o Estreitamento do Quadro também denominado Recorte ou Máscara, usado quando se quer chamar atenção para determinado fato. Ex: no filme Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith, para realçar a queda de um soldado das altas muralhas da cidade, o diretor deixou os cantos da tela no escuro e mostrou ele caindo no centro iluminado. Às vezes é um personagem que se vê no fundo de um quarto através da porta semiaberta, sendo o resto do quadro tomado pelas paredes. Ou então se mostra a ação através de um binóculo ou de um buraco de fechadura.

Os Movimentos de Câmera são:

Travelling (Dolly, Track Shot, Carrinho), que é quando a câmera se desloca, havendo travelling para a frente, para trás, lateral, circular e vertical quando a câmera se aproxima, se afasta, corre paralelamente aos objetos ou personagens filmados, circula em torno deles e sobe e desce com um elevador. Usa-se também a Lente Zoom ou Varifocal, que produz quase o mesmo efeito do travelling e por isso é chamada de Travelling Ótico. Eu disse, quase, porque há uma diferençazinha: o travelling nos aproxima ou afasta das coisas enquanto a lente zoom traz as coisas até nós ou as afasta de nós. A lente zoom chama muito atenção sobre si mesma. É muito artificial e por isso é preciso ser usada com cautela. Ex: no filme Umberto D / Umberto D / 1952 de Vittorio de Sica temos o emprego correto do zoom em uma cena em que o velho, só e desesperado, olha para fora de sua janela. O diretor faz um zoom para a frente e a calçada parece se projetar sobre nós, causando uma impressão vívida do súbito, impulsivo pensamento de suicídio. Em Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958 Hitchcock faz uma combinação de um zoom para trás com um travelling para a frente, para causar a impressão subjetiva da vertigem do personagem.

Panorâmica, que é quando a câmera gira sobre seu próprio eixo horizontal (Pan) ou verticalmente (Tilt). Pode ser lenta ou rápida (Zip Pan, Chicote), descritiva ou dramática. Exemplo de panorâmica dramática e rápida ocorre no filme de John Ford No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939, quando vemos a diligência correndo pela planície e, subitamente, a câmera passa velozmente para o alto de um monte, focalizando um grupo de índios se preparando para o ataque. Quando se realizam várias panorâmicas sucessivas isto se chama Fiadura. Ex: a partida de tênis em Pacto Sinistro / Strangers on a Train / 1951 de Alfred Hitchock ou final de Os Pecados de Todos Nós /   Reflections in a Golden Eye / 1967 de John Huston.

Pano-Travelling, que é a combinação da panorâmica com o travelling realizada com o auxílio de uma grua, isto é, a câmera em um guindaste que pode rodopiar em todas as direções (Crane Shot).

No período do final dos anos 1960 a meados dos anos 1970, que ficou conhecido como A Nova Hollywood, os realizadores utilizaram o Steadicam, um braço hidráulico preso a um colete vestido pelo cinegrafista tornando ainda mais manejável a câmera na mão e as gruas Louma e Wesscam dirigidas por controle remoto, ambas usando monitores de vídeo como visores. Nessa época, foram também utilizadas as câmeras reflex, que permitiam ao operador ver e enfocar seus planos diretamente através da lente, sem precisar de um visor e se desenvolveu cada vez mais a Video Assist Technology, ou seja, o vídeo usado primeiramente para monitorar a qualidade da produção e depois como uma espécie de “story board eletrônica”.

Roll. Quando objetos e os atores vão virando de cabeça para baixo.

Vejamos agora, de modo sucinto, os outros elementos estéticos visuais: o Cenário, a Iluminação, o Ator e a Cor.

Cenário, que os franceses chamam de Décor, para distinguir de Scenario (que em francês quer dizer Roteiro), tanto o Cenário Natural como o Cenário Artificial, isto é, o cenário construído em estúdio ou ao ar livre, ajuda a criar o ambiente, o clima, a atmosfera, dar dramaticidade a uma cena ou caracterizar um personagem. O cenário varia de acordo com o assunto tratado ou a tendência estilística do diretor, podendo ser, por exemplo, Realista ou Expressionista. Em uma outra classificação o cenário pode ser: Despojado, quando se reduz ao máximo, sendo quase abstrato (ex: nos filmes de Robert Bresson e Carl Dreyer) e Ostensivo, quando assume maior relevância (ex: nos filmes de época, históricos ou de ficção cientifica).

Além disso, um simples fenômeno da natureza ou um objeto de decoração podem se tornar altamente dramáticos. É muito comum as cenas mais dramáticas ocorrerem durante uma tempestade (ex: a batalha na chuva em Os Sete SamuraisShichinin no Samurai / 1954 de Akira Kurosawa. A lua cheia nos filmes de lobishomem é outro exemplo. E, quanto aos objetos, temos exemplos nos filmes de Hitchcock: a tesoura em Disque M Para MatarDial M for Murder/ 1954, o isqueiro em Pacto Sinistro / Strangers on a Train /1951, os pratos da orquestra em O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew To Much / 1956 etc. Por outro lado, um objeto pode se tornar até um personagem (v. g. o fusca no filme Se o Meu Fusca Falasse / The Love Bug / 1968 é de fato um personagem e tem até nome, “Herbie”). E há filmes visivelmente inspirados no cenário como é o caso de O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920 de Robert Wiene ou então os filmes de Antonioni como A Aventura / L’Avventura / 1960, A Noite / La Notte / 1961, O Eclipse / L´Eclisse / 1962, nos quais se percebe uma forte relação entre os caracteres dos personagens e a paisagem. Para dar um exemplo bem nítido do cenário caracterizando um personagem, temos o filme Herança da Carne / Home from the Hill / 1960 de Vincente Minelli, no qual o personagem principal é um fazendeiro, dono de vasta propriedade rural e caçador. O cenário reflete isto, definindo o personagem. Na sua casa ele tem uma sala, que é uma espécie de santuário, decorada com poltronas de couro, tapetes de pele de lobo, troféus de caça pendurados na parede, coleção de rifles, sem falar nos cães que, em um estalar de dedos, chegam perto do dono.

Resta mencionar o Matte Painting que é a combinação de um cenário pintado com cenas reais. Um elemento da cena filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada. Ex: Em Cidadão Kane, na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane, apenas um detalhe do cenário foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados.

Mas atenção: não devemos confundir o Matte Painting com a Retroprojeção (Back ou Rear Projection) também chamada Transparência que é o processo de filmagem que permite, por exemplo, filmar cenas de exteriores dentro dos estúdios. Emprega-se para isso um telão transparente em que se projeta um findo ou uma paisagem filmada anteriormente. Diante deste telão os personagens atuam. e a câmera roda, como se tudo se desenrolasse ao ar livre.

É bom lembrar que, nos filmes coloridos, as cores claras dão a sensação de amplitude e as cores escuras condensam, apertam o cenário. Há toda uma psicologia das cores e o cenógrafo tem que ser também um psicólogo, para poder fazer o que recomendou o grande diretor de arte inglês Edward Carrick: “The design should always be the background to an emotion”, ou seja, o cenário deve sempre servir de pano de fundo para uma emoção.

Entretanto, não é somente com o cenário que o cineasta cria a atmosfera, dá dramaticidade a uma cena ou caracteriza um personagem. Ele pode fazer isto também com a Iluminação, com o jogo de luzes e sombras. É muito comum no cinema o uso do simbolismo da luz e da sombra, do contraste entre a claridade e a escuridão, do branco e do preto. No filme Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954 de Elia Kazan, por exemplo, o rosto branco e os cabelos louros de um claro luminoso da mocinha interpretada por Eva Marie Saint, fazem um contraste com as figuras pretas ou cinzentas dos estivadores e dos criminosos do sindicato. O efeito íntimo de uma paisagem ou de um interior depende completamente da luz. A luz, por exemplo, torna um quarto agradável, hospitaleiro ou frio, limpo ou sujo, conforme as proporções de claridade.

Há dois tipos de iluminação muito usados no cinema: a Chave Alta e a Chave Baixa. Chave Alta (High Key Lighting) é a técnica da iluminação difusa com poucos contrastes de luz e sombra, geralmente usada nos filmes de tom alegre, otimista, como as comédias e os musicais. Chave Alta (Low Key Lighting) é a técnica de iluminação contrastada com muito contraste de luz e sombra, geralmente usada nos filmes noir e nos filmes de horror. O caráter de um rosto pode ser transformado pela iluminação vinda de baixo, que dá um aspecto sinistro ou perverso ao ator. E quando o ator se situa entre a fonte de luz e a câmera (a câmera encarando a fonte de luz), na técnica chamada de Back Lighting (Contraluz), dá-se o efeito da silhueta ou então se forma uma auréola em torno do personagem.

As sombras, por sua vez, podem assumir valor simbólico. Quantas vezes não vimos na tela uma sombra negra simbolizando o Mal? A iluminação também pode embelezar uma estrela, geralmente por meio de filtros. Há, por exemplo, um filtro suavizador que confere à imagem um efeito flou ou de nebulosidade. As grandes estrelas de Hollywood sempre tinham seus fotógrafos prediletos (v. g. Bette Davis / Ernest Haller).

Existem ainda a Fill Light (Luz de Preenchimento ou Lateral), luz que se localiza ao lado do ator ou atriz que está sendo filmado, com a finalidade de suavizar sombras causadas no rosto dele ou dela pela luz principal (Key Light ou Luz Frontal) e de preencher os vazios que causam essas sombras, evitando um contraste excessivo; o Spot, Spotlight ou Follow Shot (Jato), luz de efeito que projeta um facho brilhante sobre uma pessoa, grupo de pessoas ou objeto por intermédio de um pequeno refletor; e os Shaft of Light, que são fachos de luzes que podem ser vistos penetrando janelas como a luz que invade a sala de projeção em Cidadão Kane.

Já com relação ao Ator, o diretor espera dele criações, mas não a criação cinematográfica. A criação cinematográfica é do diretor. O ator deve, antes de tudo, ser fotogênico, isto é, representar-se bem pela fotografia, ter boa dicção e o dom de se projetar, de ter uma presença que estala na tela, que concentra todas as atenções. Se souber representar, tanto melhor. Porém é simples objeto nas mãos do diretor, elemento de grande valor muitas vezes, mas completamente dependente do diretor.

Ficou célebre a experiência de montagem feita pelo teórico russo Leon Kulechov. Ele colocou a imagem do ator Ivan Mosjoukine sucessivamente ao lado de um prato de sopa, de uma moribunda e de uma criança sorrindo. O rosto do ator impassível parecia exprimir em cada caso, fome, pena ou ternura. Outra coisa: o ator não constrói seu papel como o ator de teatro, pois as cenas não são filmadas na ordem de desenrolar da ação do filme. Além disso, de cada cena fazem-se várias tomadas, mas apenas uma é escolhida – a critério do diretor, não pelo ator.

No final do século dezenove, o grande dramaturgo Bernard Shaw, escreveu um ensaio famoso, comparando as duas atrizes mais em evidência na época, Sarah Bernhardt e Eleonora Duse. A comparação de Shaw é muito útil para a discussão dos tipos de interpretação no cinema. Sarah Bernhardt impunha a sua grande personalidade em cada papel Era sempre ela mesma. Já a Duse, era diferente em cada papel que interpretava. Era totalmente a personagem. Está aí a diferença entre a grande estrela e a grande atriz. De acordo com as expressões usadas no teatro nós podemos dizer que a Duse era uma atriz de composição e a Sarah Bernhardt uma atriz de natureza.

A posição dos atores de cinema é bem diferente da posição dos artistas no teatro. Um ator de teatro aparece no palco e sente a primeira emoção ao ver a casa cheia ou vazia. Quando começa o espetáculo, estabelece-se uma certa ligação entre a platéia e ele, ator. À medida que a peça se vai desenrolando, o ator vai criando em si um outro personagem; há um crescendo que contribui para a sua própria emoção. No cinema, é diferente: não existe estímulo da platéia, as cenas são repetidas muitas vezes e assistidas somente pelo diretor e pelos técnicos. A continuidade da emoção é quebrada pela filmagem fora da ordem cronológica.

Para encerrar a matéria sobre os elementos estéticos visuais vamos falar sobre a Cor. E lembramos que a cor pode ser usada como decoração ou como função, isto é, empregada em função do contéudo, ajudando a sublinhar a idéia, o sentimento ou qualquer emoção expressa. Nos seus estudo teóricos Eisenstein falava de um “significado da cor” e Van Gogh, ao comentar o seu quadro “Café de Nuit” disse: “Procurei exprimir com o vermelho e o verde terríveis paixões humanas”. Enfim, há toda uma psicologia das cores que as denominações cores quentes, cores frias deixam a entender. As Cores Quentes (vermelho, amarelo, laranja) sugerem agressividade, energia, estímulo; as Cores Frias (azul, verde, cinza) sugerem tranquilidade, serenidade, calma. Podemos citar vários filmes nos quais há o emprego funcional da cor. Por exemplo, Marnie: Confissões de uma Ladra / Marnie / 1964 de Alfred Hitchcock. A heroína neste filme é tremendamente afetada pela cor vermelha. O vermelho do vestido ou do pôr do sol provocam-lhe uma crise nervosa. Em outro filme de Hitchcock, Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945, filmado em preto e branco, há um efeito interessante com a cor na cena do suicídio do assassino, quando ele dá o tiro, e a tela é tomada por mancha vermelha. Nos filmes musicais a cor assume uma importância especial e ela também pode servir para diferenciar o presente do passado. Existem vários filmes nos quais as cenas do presente são coloridas e as do passado em preto e branco. Exemplos: Voltar a Morrer / Dead Again / 1991 de Kenneth Branagh, A Lista de Schindler / Schindler´s List / 1993 de Steven Spielberg  No filme Laranja Mecânica / A Clockwork Orange / 1971, Stanley Kubrick fez o seguinte: na primeira parte, que lida com as agressões sexuais e sociais do protagonista, ele usou cores quentes (vermelhos e laranjas); na segunda parte, quando o herói é domesticado, ele usou cores frias especialmente azuis e cinzas).

Vamos falar agora dos elementos estéticos auditivos: o Som, a Música e os Diálogos. O Som pode ser utilizado de uma maneira realista ou de uma maneira expressionista. No filme Miracolo a Milano / Milagre em Milão / 1951 de Vittorio de Sica, as palavras ditas por dois capitalistas discutindo sobre a posse de um terreno se transformam pouco a pouco em latidos. Em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo sonoro delirante, exprime o esgotamento da personagem, incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido. Já o som real pode ser sincrônico quando o som que ouvímos corresponde à imagem que vemos ou assincrônico, quando o som que ouvímos não corresponde à imagem que vemos. Por exemplo no filme M – O Vampiro de Düsseldorf / M – Eine Stadt Such einen Mörder / 1931 de Fritz Lang, o comissário de polícia lê um relatório sobre um roubo e nós vamos vendo as imagens do roubo que fora praticado. As palavras do comissário são assincrônicas com as imagens do roubo. Há também o silêncio. Em certos filmes de suspense como Rififi / Du rififi chez les hommes / 1955 de Jules Dassin, por exemplo, na sequência do assalto ao banco, a gente chega a “ouvir” o silêncio. E às vezes o som pode substituir as imagens com vantagem. Por exemplo, no filme Amor sem Fim / Peter Ibbetson / 1935 de Henry Hathaway, nós vemos o herói moribundo na prisão, pronunciando as suas últimas palavras A tela escurece e ouvimos o baque do corpo que cai. Com isso termina o filme e sabemos que o herói morreu. A imagem não poderia ser mais eloquente do que o baque surdo na escuridão.

A Música pode ser utilizada de várias maneiras no cinema. Geralmente é empregada apenas para acompanhar a ação ou como ambiente de fundo. É a chamada Música Incidental. E às vezes vai até o exagero, seguindo a imagem segundo por segundo. Se um personagem desce uma escada na ponta dos pés, cada passo é acompanhado por uma nota musical. Ou então, por exemplo, em uma briga, cada sôco é assinalado por um golpe de tambor. Nos anos 40 a gente ouvia muito esse tipo de música no cinema. Que era também usada nos desenhos animados. Este acompanhamento musical contínuo era sem dúvida irreal e sempre foi criticado.

A música também pode ser usada:

Na apresentação dos letreiros, para marcar a época e o espírito do filme. É o chamado Main Title.  Por exemplo, no filme As Aventuras de Tom Jones / Tom Jones / 1963 de Tony Richardson, a música legre tocada em um cravo, que se ouve na apresentação, caracteriza o século dezoito e o tom jocoso do relato.

Para caracterizar um personagem ou estado d’alma. É o chamado Leit Motiv ou Motivo Condutor, espécie de “marca sonora” do personagem. No filme de Carol Reed, O Terceiro Homem / The Third Man /1949, o som da cítara marca a presença do personagem vivido por Orson Welles. No filme de Fritz Lang, M – O Vampiro de Düsseldorf, a presença do tarado, personificado por Peter Lorre, é sugerida pelo assobio de um tema musical de Grieg. O tema de Lara recorda a personagem de Julie Christie em Doutor Jivago / Doctor Zhivago / 1965 de David Lean.

Em contraponto às imagens. Exemplo, no filme Millions Like Us / 1943 de Frank Launder e Sidney Gilliat, ficamos sabendo que o marido da heroína foi morto em combate. Depois, quando a vemos novamente, ela está no meio de uma festa barulhenta em uma cantina de operários da fábrica de munições. Enquanto a câmera se fixa na moça, que está em silêncio, completamente desligada de todo o barulho, pensando no marido morto, ouvimos o canto turbulento dos operários e este contraste realça o efeito da cena.

Como interlúdios musicais, que é quando se interrompe a narrativa com um número musical. Por exemplo, em Butch Cassidy / Butch Cassidy and The Sundance Kid / 1969 de George Roy Hill, a cena de. Paul Newman andando de bicicleta ao som da música “Raindrops Keep Fallin´on My Head”.

Um dos diretores mais criativos no uso da música no cinema foi Stanley Kubrick. Basta citar o uso da valsa Danúbio Azul em 2001, Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 e de “Singin in the Rain” em Laranja Mecânica, na cena do estupro. Nesta cena, a impropriedade do trecho musical serve para amenizar o realismo e a violência.

E para encerrar quanto à música, nós temos que deixar claro o significado de três termos usados com relação à música no cinema: Score é o fundo musical; Sound Track é a trilha sonora (incluindo música, efeitos sonoros e diálogos) e Source Music é a música que os atores escutam no filme tal como, por exemplo, a que vem de um aparelho de rádio.

Finalmente nós temos os Diálogos, abrangendo em um sentido amplo:

Monólogo Interior, quando o ator fala consigo mesmo e uma voz fora de cena traduz o pensamento de seu personagem. Pode servir para substituir o aparte do teatro como em Mentiras da Vida / Strange Interlude / 1932 de Robert Z. Leonard.

Solilóquio, quando o ator fala consigo mesmo. Exemplo: a cena do Ser ou Não Ser em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier.

Narração, que vem geralmente em voice over. Há uma distinção entre Voice Off e Voice Over. A voz off é usada para um personagem que fala sem ser visto, mas está presente no espaço da cena. A voz over é usada para uma narração (de um documentário, por exemplo) ou em um flashback. A narração pode assumir a forma de comentário v. g. nos filmes de Sacha Guitry.

Diálogos Justapostos (Overlapping) quando várias pessoas falam ao mesmo tempo, um personagem interrompendo o outro a todo instante. Ex: em Cidadão Kane.

Locução e Imagem Defasada, quando o diálogo continua enquanto os personagens que conversam entre si estão em lugares a cada momento diferente. Exemplo: em Acossado / A bout de souffle / 1960 de Jean Luc Goddard.

Com relação ao diálogo surge a questão do teatro filmado, da validade de filmes como os de Marcel Pagnol, para quem o cinema era “o teatro em conserva”; das experiências shakespereanas de Laurence Olivier; dos filmes de Woody Allen nos quais se fala muito, mas não deixam de ser cinema.

 

FRANK BORZAGE NO CINEMA MUDO

Amante do melodrama romântico, que abordou sempre com delicadeza, chegando às vezes ao sublime, ele foi no cinema um dos grandes pintores do amor que a tudo transcende. Com toda razão Henri Agel (Les Grands Cinéastes que je propose, ed. Cerf, Paris, 1967) reconheceu nele “umas das almas mais maravilhosamente líricas da cena silenciosa”.

Frank Borzage e seu Oscar

Frank Borzage (1894 – 1962), era filho de Luigi Borzaga, de origem ítalo-austríaca e Maria Ruegg, de origem suíça alemã. Luigi emigrou para os EUA no início dos anos 1880 e depois trouxe sua noiva Maria. Eles se casaram em Hazleton, Pennsylvania e posteriormente se mudaram para Salt Lake City, Utah, onde Frank nasceu. A escolaridade de Frank foi breve: aos 12 anos de idade teve que abandonar os estudos para ajudar o pai, que era pedreiro. Na adolescência, descobriu uma paixão pelo teatro e decidiu ser ator.

Por intermédio de seu progenitor, encontrou emprego nas minas de prata de Silver King em Park City e, com o dinheiro que economizou, matriculou-se em uma escola de arte dramática em Salt Lake City. A escola propôs a seus alunos uma excursão por pequenas cidades do Utah, mas após algumas representações o gerente da companhia desistiu do empreendimento, não antes sem “tomar emprestado” os últimos vinténs de seu novo aluno. A companhia teatral seguinte também o deixou na mão e, desta vez, para voltar para casa, Frank teve que trabalhar como ajudante de um cozinheiro chinês em um acampamento de ferroviários, depois se juntou a uma equipe de operários da via férrea nas Montanhas Rochosas, e acabou em Denver no Colorado, doente e enfraquecido, onde um velho negro misericordiosamente o tratou na sua cabana. Ele sobreviveu graças à “sopa dos pobres” e dormia nos parques públicos ou em canos de esgoto vazios. Finalmente, ao responder a um anúncio de jornal, ele conseguiu ser aceito pelo produtor de teatro Gilmore Brown, que estava precisando de um jovem bem apessoado e com certa experiência de palco. Frank excursionou com a Gilmore Brown Stock Company por várias cidades e, quando a companhia fechou as portas, ele se dirigiu para a Los Angeles a fim de tentar a sorte na indústria cinematográfica.

Em 1912, aos 18 anos de idade, Borzage estava prestando serviço como fact totum para Thomas Ince ou para o jovem ator-diretor Wallace Reid. Em 1913 Ince promoveu-o a galã e seu talento como ator seria solicitado por outros diretores até 1917. Enquanto isso, ele dirigiu seu primeiro filme, o curta-metragem The Pitch O´Chance / 1915, seguindo-se outros curtas até sua estréia no longa-metragem com Land O´Lizards (western com Frank Borzage, Harvey Clark, Laura Sears), em 1916.

Na década de vinte, Borzage esteve atrás das câmeras em mais 40 filmes (produzidos por várias companhias, notadamente Triangle, Cosmopolitan, Norma Talmadge Prod., MGM e principalmente Fox), destacados em negrito os mais importantes: 1916 – Immediate Lee, western com F. Borzage, Anna Little, Chick Morrisson. 1917 – Amor Difícil / Flying Colors, drama com William Desmond, Golda Madden, Jack Livingston; A Benção do Céu / Until They Get Me, drama com Pauline Starke, Jack Curtis, Joe King. 1918 – A Salteadora / The Gun Woman, western com Texas Guinan, Ed Brady, Francis McDonald; The Curse of Iku, drama com F. Borzage, Tsuru Aoki, Meta Anderson; Missão de um Anjo / The Shoes That Danced, drama com Pauline Starke, Wallace McDonald, Richard Rosson; Progresso de Inocente / Innocent´s Progress, drama com Pauline Starke, Lillian West, Alice Knowland; Dedicação / Society for Sale, drama com William Desmond, Gloria Swanson, Herbert Prior; An Honest Man, comédia dramática com William Desmond, Mary Warren, Ann Kroman; Sejam Felizes! / Who is to Blame?  drama com Jack Abbe, Jack Livingston, Maude Wayne; Alma de Flor / The Ghost Flower, drama com Alma Rubens, Charles West, Francis McDonald. 1919 – Toton, drama com Olive Thomas, Norman Kerry, Francis McDonald; Whom the Gods Would Destroy, drama com Jack Mulhal, Pauline Starke, Kathryn Adams; Prudence on Broadway, comédia com Olive Thomas, Francis McDonald, Harvey Clark; Duque, o Cavaleiro Errante / The Duke of Chimney Butte, western com Fred Stone, Viola Vale, Josie Sedgwick; Os Dois Laços / Billy Jim, western cômico com Fred Stone, Millicent Fisher, George Hernandez. 1920 – Adoração de Mãe / Humoresque. 1921 – Quereis Enriquecer Depressa? / Get-Rich-Quick Wallingford, comédia com Sam Hardy, Norman Kerry, Doris Kenyon; Lágrimas e Sorrisos / Back Pay, drama com Seena Owen, Matt Moore, J. Barney Sherry; Sacrifício de Pai / The Good Provider, drama com Vera Gordon, Dore Davidson, Miriam Battista. 1922 – As Três Vinganças/ The Valley of Silent Men, drama romântico com Alma Rubens, Lew Cody, Joseph King; Viver é Lutar / The Pride of Palomar, drama com Forrest Stanley, Marjorie Daw, Tote du Crow. 1923 – Um Novo Mandamento / The Nth Commandment, drama com Colleen Moore, James Morrison, Eddie Phillips; O Filho do Lodo / Children of Dust, drama romântico e de guerra com Bert Woodruff, Johnnie Walker, Pauline Garon; A Idade dos Desejos / The Age of Desire, drama com Joseph Swickard, William Collier Jr., Frederick Truesdell; Canção de Amor / The Song of Love, drama com Norma Talmadge, Joseph Schildkraut, Arthur Edmund Carewe (iniciado por Borzage, substituído sucessivamente por Chester Franklin e Frances Marion. 1924 -Segredos / Secrets, drama com Norma Talmnadge, Eugene O`Brien, Patterson Dial; A Grande Dama / The Lady, melodrama com Norma Talmadge, Wallace MacDonalds, Brandon Hurst. 1925 – Tribulação / Daddy´s Gone a Hunting, drama com Alice Joyce, Percy Marmont, Virginia Marshall; A Mulher do Outro / The Circle, comédia dramática com Eleanor Boardman, Malcolm McGregor, Alec B. Francis; O Preguiçoso / Lazybones; Esposas em Greve / Wages for Wives, comédia com Jacqueline Logan, Creighotn Hale, Earle Foxe; O Primeiro Ano / The First Year, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, John Patrick. 1926 – Sem Lar e Sem Rumo / The Dixie Merchant, drama com J. Farrell MacDonald, Madge Bellamy, Jack Mulhall; Casar é Bom / Early to Wed, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, Albert Gran; Dolorosa Renúncia / Marriage License? drama com Alma Rubens, Walter McGrail, Richard Walling.  1927 – 7° Céu / Seventh Heaven. 1928 – Anjo das Ruas / Street Angel; O Rio da Vida / The River, drama romântico com Charles Farrell, Mary Duncan, Ivan Linow. 1929 – Estrela Ditosa / Lucky Star; Eles Tinham Que Ver Paris / They Had To See Paris!  comédia com Will Rogers, Irene Rich, Owen Davis Jr.

Amor de Mâe

Adoração de Mãe (Prod: Cosmopolitan), é um melodrama de profunda humanidade. Jogando com saltos no tempo, a narrativa segue o percurso de Leon Kantor (Gaston Glass), menino do ghetto judeu novaiorquino que se torna um violinista virtuoso graças ao empenho e ajuda de sua mãe (Vera Gordon), sua mudança com a família para um bairro mais chique, seu alistamento militar, seu retôrno da guerra incapacitado para exercer sua profissão. Na última parte, surge o tema do amor salvador – na figura de Gina (Alma Rubens) – que marcaria a carreira do cineasta. Por seu excelente trabalho, Borzage obteve a primeira distinção artística do cinema nos EUA, a Photoplay Gold Medal Award para o melhor filme do ano. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e propulsionou a carreira do diretor

Buck Jones em O Preguiçoso

O Preguiçoso (Prod: Fox) é uma comédia dramática pungente focalizando um jovem do meio rural, Steve Tuttle (Buck Jones) – apelidado de Preguiçoso (porque é “tão dormente quanto o melaço no inverno”), que assume a responsabilidade de criar uma menina órfã, causando um escândalo na sua pequena cidade. Muitos anos depois, ao retornar da Primeira Guerra Mundial, ele descobre que ama a menina, que agora é uma moça (Madge Bellamy), e pretende se casar com ela; mas a jovem está apaixonada por outro (Leslie Fenton). Borzage traça um retrato primoroso de um amor não correspondido, combinando um senso de humor refinado com um sentimento de melancolia, e dá relevo à natureza e às paisagens fotografadas com esmero por Glenn MacWilliams e George Schneiderman. O astro famoso dos seriados e westerns B tem uma interpretação surpreendente como o rapaz cuja indolência é mostrada em uma imagem antológica: vestido com se fosse um espantalho, nós o vemos relaxando ao sol por tanto tempo que uma teia de aranha se forma em seus sapatos.

Charles Farrell e Janet Gaynor em Sétimo Céu

Janet Gaynor e Charles Farrell em Sétimo Céu

7º Céu é um drama romântico desenrolado na França durante a Primeira Guerra Mundial. Diane (Janet Gaynor), jovem parisiense, é salva das brutalidades de uma irmã mais velha alcoólatra e violenta (Gladys Brockwell) por Chico Robas (Charles Farrell), operário dos esgotos de Paris, cuja modesta ambição na vida é ser promovido a limpador de ruas. Após dizer para as autoridades que ela é sua esposa, Chico a leva para o sétimo andar no topo de um prédio em ruínas onde mora – o sétimo céu do título. Logo se apaixonam e pretendem se casar, mas a guerra irrompe e Chico é convocado. Os amantes prometem que se encontrarão em pensamento todos os dias às onze horas da manhã, não importa o que aconteça. Chico volta da frente de batalha cego, e é precisamente quando está cego, que ele vê claro. Ele, que se achava abandonado por Deus, não está sozinho. Diane está lá e estará sempre lá. Esta história de amor sentimental com uma dimensão mística foi narrada com muita ternura por Borzage e lhe proporcionou o Oscar de Melhor Diretor. O filme foi indicado; Janet Gaynor ganhou a estatueta da Academia por seu trabalho nele, em outro filme de Borzage, Anjo das Ruas, e Aurora / Sunrise de F.W. Murnau; Benjamin Glazer também foi vencedor pelo Melhor Roteiro Adaptado.

 

Janet Gaynor e Charles Farrell em Anjo das Ruas

Anjo das Ruas é um drama romântico com o tema Borzagiano recorrente do amor contra a adversidade, influenciado pela estética do expressionismo alemão, particularmente de Murnau. Angela (Janet Gaynor), filha dos bairros pobres de Nápoles, precisa de vinte liras para cuidar de sua mãe doente. Desesperada, ela tenta se vender na rua e acaba por furtar o dinheiro. Presa e condenada a um ano de prisão, consegue fugir. Perseguida pela polícia, encontra refúgio em uma trupe de um circo, do qual ela se torna uma das vedetes. Em uma turnê, encontra Gino (Charles Farrell), jovem pintor sem um tostão. Apaixonado por Angela, ele se junta à trupe. A jovem, que a príncípio rejeita seu amor, acaba caindo em seus braços, porém leva uma queda e, ferida no tornozelo, não pode mais fazer seu número de equilibrista. Gino a leva então para Nápoles, onde ela ainda está sendo procurada.  Ele consegue uma encomenda para fazer um mural que lhe trará muito dinheiro e os dois resolvem se casar, porém na véspera do casamento, a polícia a encontra. Antes de ser levada presa, ela pede aos guardas uma hora de atraso, pois é preciso que Gino não saiba de seu passado. Angela dissimula de Gino sua partida iminente. Passado algum tempo eles se reencontrarão fortuitamente em um cais brumoso. Aterrorizada pelo rosto de Gino congestionado de ódio, Angela foge, seguida por um travelling lateral longo, e vai se refugiar em uma capela. Ela cai na frente de um altar. Gino tenta estrangulá-la. Ele derruba uma Bíblia, percebe onde se encontra e olha para o tabernáculo. À luz das velas, Gino descobre o seu quadro da pura Angela, retocado por um falsário, como se ela fosse uma Madona. Após alguns momentos dramáticos, eles se reconciliam sob o som de “O Sole Mio”.

Charles Farrell e Mary Duncan em O Rio da Vida

Mary Duncan, Alfred Sabato e Charles Farrell em O Rio da Vida

O Rio da Vida é um drama romântico combinando maravilhosamente erotismo e inocência. No cartão de título vem uma epígrafe que universalisa o tema: “Existe um rio chamado Vida. Sua nascente é uma fonte escondida. Seu objetivo é o mar. Sobre ele navegam as balsas dos destinos humanos”. Allen John Pender (Charles Farrell), jovem inexperiente, está descendo pelo rio em sua balsa quando conhece e se apaixona por Rosalee (Mary Duncan), mundana experiente e bonita, amante de um homem chamado Marsdon (Alfred Sabato) que está preso por assassinato. Ela é atraída pela timidez do rapaz e seu caráter ingênuo, embora tivesse sido obrigada a jurar fidelidade eterna a seu parceiro brutal e ciumento, Rosalee tem como único companheiro um corvo, símbolo de sua dependência do ausente. Quando Allen lhe pede em casamento, Rosalee vê o corvo e o repele. Desesperado, Allen diz que vai libertá-la de Marsden e, lembrando-se de um desafio que ela lhe fizera, grita alucinado: “Vou mostrar que sou um homem melhor do que Marsden. Vou cortar todas as árvores da floresta para te aquecer”. O esforço e o frio lhe fazem perder a consciência. Sam (Ivan LInow), um surdo-mudo hercúleo que tinha contas a acertar com Marsden, descobre o corpo inanimado de Allan e o leva de volta à cabana. Ele e Rosalee tentam reanimá-lo, o que ela finalmente consegue, abraçando-o com o calor de seu corpo. A esta altura chega Marsden, que fugira da prisão, luta com Allen, e o derruba com um pedaço de madeira. Enquanto Rosalee foge pelo bosque, Marsden se defronta com Sam, seu inimigo mortal. Aterrorizada pelo fantasma de seu perseguidor Rosalee sobe na passarela e pula no rio onde o redemoinho a engole. Allen John mergulha no centro do redemoinho e abraça Rosalee sob as águas. Alguns segundos depois, os amantes reaparecem na superfície. Após estrangular Marsden, o justiceiro surdo-mudo lava as mãos no rio “que, como o amor, purifica tudo”. Na Primavera, Allen John e Rosalee partirão juntos na balsa em direção ao mar. Embora hoje só exista somente parte de uma cópia da obra original, ainda podemos nos encantar pela beleza e pelo lirismo desta história audaciosa, sobre o jogo de sedução entre uma mulher ferida pela vida e cansada de amor e um jovem puro que ainda não descobriu a sensualidade e descobre este sentimento. A fotografia de Ernest Palmer e os cenários de Harry Oliver contribuem em grande parte para o triunfo artístico da produção.

Cena de Estrela Ditosa (Charles Farrell, Janet Gaynor)

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Janet Gaynor e Charles Farrell em Estrela Ditosa

Estrela Ditosa é um drama romântico, espécie de resumo e culminância do universo muito pessoal de Borzage, onde prevalecem a imaginação poética, o encantamento imagístico e a espiritualidade. Timothy Osborn (Charles Farrell) e Martin Wrenn (Guinn Williams) trabalham como instaladores de telefone para uma companhia em uma área rural. Ambos flertam com Mary Tucker (Janet Gaynor), filha de uma produtora de leite viúva (Hedwig Reicher), que bate nela e a explora. Quando os EUA entram na Primeira Guerra Mundial, ambos se alistam no exército, servindo na mesma unidade, na qual Wrenn é sargento. Ordenado a entregar comida na frente de batalha, Wrenn usa o caminhão de entrega em proveito próprio (“para ver as moças” na retaguarda) e manda Osborne fazer a entrega por meio de uma carroça puxada por cavalos. Nesta operação, Timothy é ferido por fogo de artilharia. Timothy e Wrenn voltam para casa e Timothy agora usa uma cadeira de rodas. Mary fica apegada a Timothy e o visita todos os dias. Wrenn, que foi expulso do exército (mas ainda veste sua farda, para desagrado dos aldeões), usa adulação e falsas promessas de ascenção social para conquistar a mãe de Mary, pressionando-a para que ela faça a filha se casar com ele. Entrementes, Timothy, depois de muito esforço, recupera o controle de suas pernas, consegue chegar até a casa de Mary, começa a lutar contra Wrenn e eis que surgem os aldeões e colocam Wrenn em um trem que parte, expulsando-o da cidade. Mary olha incrédula para Timothy da cabeça aos pés, cai de joelhos e abraça suas pernas. Eles ficam de pé se abraçando diante dos trilhos da via férrea que se perde no horizonte. No auge de sua arte no tempo do cinema silencioso, Borzage cria uma atmosfera de conto de fadas inundada por enquadramentos belíssimos e cenas íntimas entre os dois jovens amantes (magnificamente interpretados por Charles Farrell e Janet Gaynor) diante das quais ninguém poderá deixar de se emocionar. Como não sentir algo dentro de nossos corações ao vermos Timothy lavando o cabelo de Mary com gema de ovo ou obrigando-a a lavar as mãos ou ainda repreendendo-a por ter furtado dinheiro da sua progenitora para comprar um vestido?

Os últimos quatro filmes marcados com traços mais grossos formam um quarteto de obras-primas do diretor na fase silenciosa do cinema, reputadas pela graciosidade e poesia de sua encenação.

CONCEITO DE FILME NOIR

Existem listas de filmes noir tão abrangentes, algumas chegando até ao absurdo. Michael F. Kennedy, no seu livro “Film Noir Guide” (McFarland, 2011), enumera nada menos do que 745 filmes noir possíveis, entre eles, Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940, O Homem que Vendeu sua Alma / The Devil and Daniel Webster / 1941, Casablanca/ Casablanca / 1942, Os Filhos de Hitler / Hitler´s Children / 1942, O Retrato de Dorian Gray / The Picture of Dorian Gray / 1945, Amar foi Minha Ruína / Leave her to Heaven / 1945. Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux / 1947, Crepúsculo dos Deuses; Sunset Boulevard / 1951, O Homem do Oeste / Man of the West / 1958.

Na coletânea editada por Alain Silver e James Ursini, “Film Noir Directors” (Limelight, 2012), variados articulistas nomeiam os filmes noir de cada diretor emergindo entre eles: Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948; Atlântida, o Continente Perdido/ Siren of Atlantis / 1949, O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still / 1951, Jardim do Pecado / 1958, Intriga Internacional / North by Northwest / 1959.

Raymond Durgnat no seu artigo, Paint it Black: The Family Tree of the Film Noir, publicado em “Film Noir Reader” (Limelight, 1996), aponta como films noirs King Kong / King Kong / 1933, Matar ou Morrer / High Noon / 1952 e 2001, Uma Odisséia no |Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968.

Com a devida vênia, nenhum desses filmes pode ser classificado como noir, simplesmente porque não são dramas criminais. Por exemplo: Crepúsculo dos Deuses e Amar foi Minha Ruína, que vêm sendo designados como noir por vários autores, embora contenham crimes nas suas tramas, são dramas psicológicos respectivamente sobre os distúrbios mentais de uma atriz decadente do cinema mudo e uma mulher possuída por um ciúme doentio do marido.

Nino Frank

Nino Frank, o primeiro crítico a usar o termo, disse cristalinamente no seu artigo pioneiro publicado na revista Écran Français em agosto de 1946: Un Nouveau Genre “Policier”: L´Aventure Criminelle. Ele não empregava a palavra noir no título, mas dizia em um trecho: “Ainsi, ces films ‘noirs’ n´ont pas rien de commun avec les bandes policères du type habituel (Estes filmes ‘noirs’ não têm mais nada em comum com as fitas policiais do tipo habitual). Com base nesta afirmação, deduzí que um filme, para ser considerado noir, tem que ser antes de tudo um drama criminal e como o drama criminal se subdivide em vários tipos (filmes de gângster, filme de assalto, filme de prisão, filme de amantes fugitivos ou fora-da-lei etc.) o filme noir seria cada um destes tipos acrescidos dos ingredientes noir e, tal como eles, um subgênero do drama criminal.

Acompanho também Foster Hirsch (“FIlm Noir: The Dark Side of the Screen (DaCapo, 1981) na sua percepção de que o filme noir tem todas as espécies de convenções fílmicas que normalmente associamos aos gêneros cinematográficos (convenções de estrutura, caracterização, tema e estilo visual) e o uso repetido destas convenções o qualifica como um gênero tão intensamente codificado quanto o western.

Existem autores que consideram o filme noir como um estilo, mas nunca me deparei com uma argumentação sólida sobre tal conceito. O que caracteriza o filme noir não é somente o estilo visual, a iluminação ou a fotografia, mas também o clima de pessimismo, o tom deprimente, a atmosfera de corrupção, morte, angústia, loucura, fatalismo etc.  bem como elementos típicos no que concerne ao tema, personagens e estrutura narrativa.

Pode existir ingredientes noir em filmes de outros gêneros. Entretanto este fato não os transforma em um filme noir como categoria autônoma. Sangue na Lua / Blood on the Moon / 1948 é um western com alguma característica noir na sua forma e conteúdo, mas ele será sempre um western. Capacete de Aço / The Steel Helmet / 1951 é um filme de guerra com estilo visual expressionista e certas convenções temáticas noir, mas será sempre um filme de guerra.

Na minha concepção o filme noir é um desvio ou evolução dentro do vasto campo do gênero drama criminal, que teve seu apogeu durante os anos 40 até meados dos anos 50, e foi uma resposta às condições sociais, históricas e culturais reinantes na América durante a Segunda Guerra Mundial e no imediato pós-guerra. Nele se combinariam, basicamente, as formas de ficção criminal americana produzida por escritores como Dashiel Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain, Cornell Woolrich e seus descendentes ou semelhantes literários, com um estilo visual inspirado nos filmes expressionistas alemães dos anos 30. Em O Outro Lado da Noite: Filme Noir (Rocco, 2001) exponho com mais amplitude o tema proposto por este livro e proponho uma filmografia comentada.

Para escrevê-lo, estudei por cinco anos o assunto com muito cuidado, procurando ler todos os livros ou artigos já existentes sobre o mesmo e adquirir (inclusive de colecionadores de países distantes como Islândia) o máximo de dvds de filmes que poderiam ser noir. Recorrí também à New York Public Library (New York), Bibliothéque André Malraux (Paris), Biblioteca do IBEU (Rio de Janeiro), Museu Lasar Segall (São Paulo) porém, mesmo assim, cometí algumas falhas. Indiquei como noir filmes que não eram dramas criminais (v. g. Angústia / The Locket / 1947, Alma em Suplício / Mildred Pearce / 1945, Gilda / Gilda / 1946, O Beco das Almas Perdidas / Nightmare Alley / 1947, Acossado / Cornered/ 1945, Anjo do Mal / Pickup on South Street / 1953, Nuvens de Tempestade / The Woman on Pier 13, No Silêncio da Noite / In a Lonely Place / 19050, O Tempo não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946, Ao Cair da Noite / Moonrise / 1949 mas sim, respectivamente, um melodrama (os quatro primeiros), um drama de guerra (o quinto), um drama político, de espionagem ou de propaganda anticomunista (o sexto e o sétimo), um drama psicológico (o oitavo e o nono) e um drama social (o décimo). A presença de elementos noir em todos estes filmes me confundiu; porém devo dizer que a maioria dos autores continuam considerando-os como filmes noir.

Deixei também de incluir como noir alguns dramas criminais que não tinha visto (v. g. Johnny Angel / Johnny Angel / 1945, The Lady Confesses / 1945, Mulher Dillinger / Decoy / 1949, Prisioneiro do Medo / The Pretender / 1947, Maré Alta / High Tide / 1947, Traição / Race Street / 12948, Desafiando o Perigo ; Red Light / 1950, Na Noite do Crime / Woman on the Run / !950, The Man who Cheated Himself / !950, Cidade Tenebrosa / Crime Wave / 1954, Fúria Assassina / The Naked Alibi / 1954, Pecado e Redenção / Rogue Cop / 1954. Para corrigir as falhas, escreví uma série de artigos neste meu blog (Film Noir I, II, III e IV), publicados sucessivamente em 21 e 27 de março de 2004 e 7,14, e 26 de abril do mesmo ano, como uma espécie de revisão do livro. Agora, alarmado com as listas de filmes noir, a meu ver estafúrdidas, que continuam aparecendo, retomo o assunto, para confirmar meu conceito de filme noir.

Para ser franco, ainda tenho dúvidas sobre se determinados filmes são noir ou não, porque nem sempre é fácil distinguir o gênero de um filme. Sombras do Mal / Night and the City / 1950 tem todos os ingredientes de um filme noir, porém a ação transcorre fora do ambiente ubano americano. E seria drama criminal? ou drama psicológico? Borde e Chjaumeton “Panorama du Film Noir Américan” (Flammarion, 1955) escolheram a foto de Richard Widmark como o seu personagem em Sombras do Mal para a capa do seu livro. Entretanto, no Índice Cronológico das Séries (pois eles consideravam o fenômento noir como uma série (sugerindo não se sabe bem se um ciclo ou um gênero), os dois autores não colocaram o filme de Jules Dassin entre os Films Noirs, mas sim entre os de Psychologie Criminelle ao lado de Amar foi Minha Ruína, como se fosse um drama psicológico, onde ocorre um crime.

Spencer Selby (“Dark City -The Film Noir” (McFarland, 1984) tinha razão ao sugerir que “O filme noir é talvez a mais escorregadia de todas as categorias fílmicas”. Brutalidade / Brute Force / 1947 e Cidade Nua / The Naked City / 1948 possuem alguns aspectos noir mas hoje, pensando melhor, não os colocaria no meu livro.

A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

Quase todo mundo vê filmes. Vistos em cinemas, na televisão, em aparelhos de dvd ou blu-ray, no avião, no computador e agora até no celular, eles fazem parte da vida contemporânea. Para a maioria dos espectadores, a crítica de filmes é apenas uma expressão de satisfação ou dessatisfação com um filme ora em cartaz. Gostei ou não gostei, diz o espectador médio após a visão de uma obra cinematográfica. Porém existe um outro público com uma idéia diferente sobre filmes e sua apreciação crítica. Este outro grupo de espectadores leva mais a sério a experiência de ver filmes, achando-a tão importante e significativa quanto a arquitetura, pintura, escultura, música, dança, teatro ou literatura, as chamadas belas-artes.

Quanto ao público podemos distinguir dois tipos: 1. O público inadvertido que vai ao cinema para se distrair, ver seus atores prediletos, passar o tempo ou se evadir do cotidiano. 2. o público esclarecido que procura na 7ª Arte algo mais.

Na elaboração de uma cultura cinematográfica o papel da crítica é primordial. A crítica jornalística, que deve ser mais propriamente chamada de resenha, fornece informação para o público cinematográfico de massa. A função principal do resenhista é dar ao leitor inadvertido a informação de que um determinado filme foi lançado e está disponível para ser visto, indicar qual o assunto abordado pelo filme e quem está envolvido diante a atrás das câmeras na sua produção e avaliar o filme, a fim de que os espectadores que simpatizam como o gôsto dos resenhistas, tenham uma idéia se devem ou não gastar seu tempo e dinheiro para assistí-lo. As resenhas são escritas para um prazo quase imediato e não permitem que o resenhista veja o filme mais de uma vez. Além disso, o espaço é limitado. O resenhista, restringido por um prazo e pelo espaço, geralmente pouco pode fazer mais do que uma sinopse do enredo do filme, comentar brevemente sobre a produção e fazer algumas considerações gerais sobre o valor do filme. No Brasil, encontramos a crítica jornalística também em revistas mensais como, por exemplo, A Scena Muda (1921- 1955) e Cinearte (1926-1942).

É importante lembrar que alguns resenhistas conseguem transcender sua função básica, merecendo o título de crítico. Para citar apenas dois nomes, James Agee nos Estados Unidos e Moniz Vianna no Brasil foram exemplos marcantes deste tipo de resenhista. Mas convém esclarecer que, no tempo em que eles escreviam, o espaço para crítica jornalística era maior do que hodiernamente, ela era diária e o seu exercício exigia dedicação integral.

James Agee

James Agee foi considerado por muitas pessoas – tanto dentro e fora de Hollywood -como o crítico de cinema mais brilhante e perceptivo de sua época. Do final de 1941 a meados de 1948 ele era resenhista do Time e do outono de 1942 a 1948 escreveu também uma coluna de cinema para The Nation. Além do mais foi responsável pelo famoso artigo sobre a comédia muda, matéria de capa da revista Life em 3 de setembro de 1949. Suas resenhas e comentários foram reunidos no livro Agee on Film (Beacon Press, 1958). Foi também escritor (ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção por seu romance Death in the Family) e roteirista do filme Uma Aventura na África / The African Queen / 1951, dirigido por John Huston.

Agee postulou quatro condições para ser crítico: 1. Defender o Cinema da esnobação dos intelectuais. 2. Julgar o Cinema por seus próprios e difíceis padrões. 3. Ter considerável experiência desde a infância, de assistir aos filmes e pensar e falar sobre eles. 4. Aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme, tanto técnica quanto substantivamente.

Antonio Moniz Vianna

Antonio Moniz Vianna era médico, mas suas principais atividades sempre foram o jornalismo e o cinema. Ele foi o primeiro resenhista brasileiro a abordar todos os aspectos técnicos de uma realização e não hesitou, com independência e coragem, em contraditar os lugares-comuns da crítica (v. g. detestava a Nouvelle Vague e esnobava o chamado “cinema de autor”). Com seu estilo incisivo e polêmico formou várias gerações de cinéfilos. Exerceu seu ofício de cronista cinematográfico no Correio da Manhã (1946-1973); organizou grandes retrospectivas dos cinemas americano, francês, italiano, inglês e russo (1958-1962), dirigiu dois Festivais Internacionais de Cinema no Rio de Janeiro (1965-1967), contribuições substanciais para o aprendizado de Cinema em nosso país. As críticas de Moniz Viana foram reunidas no livro Um Filme Por Dia: Crítica de Choque (Companhia das Letras, 2004), selecionadas por Ruy Castro, que também assina a introdução

Um outro tipo de crítica, mais detalhada e analítica, que não tem nenhum vínculo particular com o jornalismo, tende a aparecer em revistas especializadas (v. g. as americanas Film Quarterly, fundada em 1945 e publicada pela University of California Press e Film Comment, fundada em 1962 e publicada pelo Film at Lincoln Center; as britânicas Sight and Sound, fundada em 1932 e distribuída pelo British Film Institute, Monthly Film Bulletin, fundada em 1934 e depois fundida com a Sight and Sound e Movie, fundada em 1962 por Ian Cameron; as italianas Bianco e Nero, fundada em 1937 por Luigi Chiarini e Cinema Nuovo, fundada em 1952 por Guido Aristarco; a espanhola Objetivo, fundada em 1953 por Luis Garcia Berlanga e Juan Antonio Bardem; as francêsas La Revue du Cinéma, fundada em 1928 por Jean George Auriol, Cahiers du Cinéma, fundada em  1951  por Jacques Doniol Valcroze, André Bazin e Lo Duca, Positif, fundada em 1952 por Bernard Chardère  e Téléciné, publicação de inspiração católica criada em 1947 tendo como redator-chefe Gilbert Salachas; as brasileiras Revista de Cinema, fruto das atividades do Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte, fundada em 1954 por Cyro Siqueira, Jacques  do Prado Brandão,  Guy de Almeida e José Roberto Duque de Novais; Filme Cultura, fundada em 1966 e publicada pela Embrafilme) ou livros publicados pela imprensa universitária.

Podemos apontar duas formas de abordagem processadas por este tipo de crítica cinematográfica: a abordagem do autor e a abordagem de gênero.

A abordagem do autor é a identificação da pessoa mais responsável pela criação do filme, usualmente o diretor, descrevendo e avaliando seu trabalho em termos de singularidade ou consistência de conteúdo, estilo ou excelência de artesanato.  A abordagem de gênero estuda grupos de filmes populares que usam enredos, personagens e cenários semelhantes como, por exemplo, filmes de horror, westerns, filmes de ficção científica.

A teoria do autor foi formulada nos anos 50 por críticos francêses da Cahiers du Cinéma e promovida nos EUA por Andrew Sarris no seu livro The American Cinema (1968). Inicialmente estes críticos discutiam a possibilidade somente de diretores serem considerados como autores; eles eram as pessoas cujo papel articulado no processo de produção parecia envolver o controle mais absoluto sobre todo o filme. Em suma, celebravam o diretor do filme como um autor – um artista cuja personalidade ou visão criativa pessoal podia ser lida, temática e estilisticamente através de sua obra. A finalidade da ‘Política de Autores” era distinguir entre diretores como artistas (auteurs) e diretores como meros técnicos (metteurs-en-scène). Assim, para os críticos autoristas, por exemplo, Alfred Hitchock era auteur e Michael Curtiz, metteur-en-scène. Posteriormente, eles destacaram a força criativa e “autoral” de roteiristas, fotógrafos, atores e montadores. Ocasionalmente, até produtores foram vistos como moldando artística e criativamente o estilo dos filmes: o produtor Irving Thalberg da MGM é um exemplo clássico.

A teoria do autor foi criticada por ignorar frequentemente realizadores cujos filmes individuais não faziam parte de uma obra. Ela omitia também realizadores cujos excelentes filmes individuais pareciam não ter nenhuma conexão estilística entre si.  Por outro lado, o crítico autorista às vezes supervalorizava um determinado realizador por causa de seu estilo consistente e identificável, mesmo quando ele era esteticamente banal ou tematicamente desinteressante.

Tal como o sistema de estúdio e o de astros, o sistema de gêneros ajudou a regularizar a produção de filmes e a minimizar os riscos econômicos inerentes à indústria. Os responsáveis pelos estúdios perceberam que, fazendo vários filmes do mesmo gênero por ano, dentro de determinadas fórmulas, poderiam economizar tempo e dinheiro, pois utilizariam os mesmos cenários e figurinos e geralmente as mesmas equipes, criando-se uma rotina que daria maior rapidez às filmagens. Por outro lado, os espectadores sabiam o que esperar de um filme de determinado gênero, porque já estavam familiarizados com o ambiente e o assunto tratado, de modo que o sucesso de cada novo filme era sempre ensejado pela popularidade dos filmes anteriores. O. público que apreciou o primeiro filme voltaria para ver os similares subseqüentes, os quais, portanto, seria de certo modo vendidos antecipadamente.

O filme de gênero é uma forma de expressão coletiva, um espelho voltado para a sociedade, que incorpora e reflete os problemas em comum e valores dessa sociedade. A crítica de gênero, por exemplo, considera que os musicais dos anos 30 podem ser explicados como uma fantasia escapista da Depressão; que o filme noir nos anos 40 expresssa primeiramente as mudanças sociais e sexuais ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial e, depois, a desilusão reinante após o conflito etc. O critíco pode examinar os gêneros e sua relação com a cultura na qual eles foram feitos (v. g.   relação entre um western e o verdadeiro Oeste). Um determinado filme pode sugerir que a chegada da civilização no Oeste trouxe consigo toda corrupção e ganância associada com a vida na cidade – banqueiros, xerifes desonestos – tirando a pureza e inocência associada à vida vivida mais próxima da natureza.

Os ensaios seminais de Robert Warshow sobre o filme de gangster (The Gangster as Tragic Hero) e o western (Movie Chronicle: The Westerner) reunidos no livro The Immediate Experience (Doubleday, 1962) trouxeram uma nova compreensão de filmes há muito ignorados por críticos de cinema mais sofisticados, que não percebiam o seu impacto e as razões de sua popularidade duradoura. Warshow analizou tanto o gênero western como o de gângster como reflexos da sociedade americana e como uma expressão artística sem igual.

Outras formas de abordagem podem ser feitas tais como o estudo das implicações sociais ou psicológicas de um determinado filme ou ciclo de filmes. Por exemplo: ver violência em um filme induz um a pessoa a se tornar violenta? De acordo com a idade, a sensibilidade e demais predisposições cada espectador sofrerá, em diferentes medidas, o impacto daquilo que vê na tela. Naturalmente a receptividade da criança, do adolescente e do imaturo é muito mais aguda.

A percepção de que os filmes produzem efeitos sobre o espectador, sendo capaz de influenciar as massas, fez com que fôsse usado para fins de propaganda política. Embora cineastas como Leni Riefenstahl, Eisenstein e Pudovkin tivessem feito filmes artisticamente importantes, seus filmes eram, antes de tudo, carregados de significado político.

A primeira tentativa de compreender a sociedade descobrindo seus desejos inconscientes reproduzidos na tela foi feita por Sigfried Kracauer no seu estudo From Caligari to Hitler (1957) no qual ele mostra como as forças em ação nos filmes germânicos dos anos 20 e 30 refletem a psique alemã e podem explicar a ascensão de Hitler ao poder. Martha Wolfestein e Nathan Leite em Movies: A Psychological Study (1950) examinaram o filme como representação das fantasias da platéia. Parker Tyler, nos seus livros The Hollywood Hallucination (1944) e Myth and Magic of the Movies, (1967), utilizando a teoria de Freud do subconsciente, analisou o filme como uma corporificação do mito. Hortense Powdermaker em Hollywood, The Dream Factory (1950), abordou o filme do ponto de vista de uma antropologista social.

Os cientistas sociais frequentemente analizam o filme como uma instituição que reflete a estrutura da sociedade na qual foi feito. Eles também tentam descobrir como esta instituição influencia a sociedade em geral, que então, por sua vez, influencia a produção de filmes. Além do livro de Hortense Powdermaker, Film: The Democractic Art (1976) de Garth Jowett mostra o alcance possível deste método.

Existe ainda a abordagem histórica. No seu livro Film History, Theory and Practice (1995, Robert C. Allen e Douglas Gomery identificaram quatro abordagens da história do cinema, que eles denominaram de estética, tecnológica, econômica e social. Kristin Thompson e David Bordwell, no seu Film Art: An Introduction (2003), acrescentam uma quinta categoria – biográfica – àquelas usadas por Allen e Gomery. De fato, não existe uma história do cinema, mas várias histórias possíveis, cada qual adotando uma perspectiva diferente.

A história biográfica é provavelmente a mais popular para o leitor comum. Biografias de astros do cinema, diretores, produtores e chefes de estúdio proliferam, a maioria exaltando-os ou revelando os escândalos nos quais porventura estiveram envolvidos. Mesmo nas biografias mais acadêmicas, há uma tendência para reduzir a história do cinema a histórias de “grandes homens” (v.g. inventores como Thomas Alva Edison e realizadores como D.W. Griffith) aos quais são atribuídos importantes desenvolvimentos tecnológicos ou artísticos no meio, ressaltando a qualidade de “gênio”, que eles supostamente possuem.

A história estética é, simplesmente, a história do filme como uma forma de arte. Os historiadores escolhem os “melhores filmes”, que eles consideram obras de arte, separando-os do resto. Allen e Gomery chamam isto de “a tradição da obra-prima”, que resultou na criação de um cânone de filmes “clássicos” sempre privilegiados nas histórias de cinema, e se tornou evidente na moda das listas dos “maiores” filmes de todos os tempos, propostas em determinadas ocasiões por revistas especializadas na matéria.

A história tecnológica diz respeito à invenção e ao aperfeiçoamento de processos mecânicos necessários para a projeção de imagens em movimento. A maioria das histórias tecnológicas focaliza os momentos-chave no desenvolvimento da tecnologia do cinema (v. g. a introdução do som, cor, tela larga etc.).

A história econômica tem a ver com a organização da indústria cinematográfica como uma prática comercial. Como observaram Allen e Gomery, “deve ser salientado que nenhum filme jamais foi criado fora de um contexto econômico “. Isto é uma verdade tanto para o filme de arte ou de vanguarda como para os recentes blockbusters de Hollywood.  Embora existam muitos exemplos de realizadores para os quais o motivo do lucro não é necessariamente a primeira preocupação, as companhias produtoras e a indústria de cinema como um todo funcionam de acordo com o imperativo comercial de que os filmes são feitos para se ganhar dinheiro.

A história social focaliza o lugar do cinema no âmbito mais vasto da sociedade e da cultura. Ela envolve questões tais como: quem faz os filmes e como eles são feitos (modos de produção); que espécie de filmes são feitos; quem vê os filmes e como eles são avaliados (estudo do público e da crítica); que constrangimentos são impostos ao conteúdo dos filmes (censura); e quais as relações entre a indústria cinematográfica e outras instituições (agências governamentais, grupos de pressão, e assim por diante). Investiga também até que ponto os filmes podem ser vistos como reflexos dos valores, crenças e preocupações das sociedades nas quais são produzidos. E inclui ainda o uso do filme como um instrumento de propaganda e controle social.

Nas últimas décadas, o número de revistas de cinema e os jornais existentes em nosso país foi diminuindo, o espaço reservado às resenhas ou críticas de cinema ficando cada vez menor, e hoje elas só encontram um lugar razoável na internet sob a forma de centenas de blogues, sites ou teses de mestrado. O problema é que a web ensejou a democratização de opiniões, mas também permitiu a manifestação de pessoas sem qualificação suficiente para expor a matéria sobre a qual se expressam ou para produzir um texto claro, preciso e sucinto, sem pedantismo.

 

FRANK CAPRA

Além de ter sido um dos iniciadores de um ciclo de filmes rotulado de “screwball ou madcap comedy” (comédia maluca), ele foi o inventor e o mestre de uma outra forma de comédia em sintonia com os anos da Depressão Econômica norte-americana, as esperanças da classe popular e o espírito otimista do New Deal do presidente Roosevelt, na qual o homem do povo sempre saia ganhando.

Frank Capra

Francesco Rosario Capra (1897- 1991) nasceu na pequena cidade de Bisacquino, Sícilia na Itália, filho de camponeses analfabetos. Quando tinha seis anos de idade, emigrou com os pais, um irmão e duas irmãs para a Califórnia, chamados pelo irmão mais velho Ben, que tinha fugido para a América, alguns anos antes. Foram para a América a bordo da terceira classe do navio Germania, lotado de imigrantes. O pai de Capra trabalhou como lavrador e ele costumava vender jornais para reforçar o orçamento doméstico. Contra a vontade de seus progenitores, não começou a trabalhar assim que terminou o ensino médio. Como tinha aptidão especial para a matemática, matriculou-se na Caltech (Califórnia Institute of Technology), então denominado Throop Polytechnic Institute. Convocado durante a Primeira Guerra Mundial, lecionou matemática para os homens da artilharia em Fort Point, San Francisco até que pegou a gripe espanhola e foi dispensado do serviço militar. Em junho de 1918 formou-se em Engenharia Química mas, não conseguindo emprego fixo, perambulou durante três anos pelo oeste dos Estados Unidos, fazendo biscates, jogando pôquer, tocando guitarra, para se sustentar.

Ao ler em um jornal uma reportagem sobre a inauguração de um estúdio de cinema em San Francisco, Capra foi ao local indicado e, fazendo crer falsamente que viera de Hollywood, conseguiu impressionar o fundador do novo estúdio, Walter Montague.  Este lhe ofereceu 75 dólares para dirigir um filmezinho de 12 minutos baseado em um poema de Rudyard Kipling. Auxiliado por um amigo, Roy Wiggins, cinegrafista de cinejornais, o jovem engenheiro químico conseguiu realizar com 700 dólares e em dois dias The Ballad of Fultah Fisher´s Boarding House, que estreou na Broadway em 2 de abril de 1922 e recebeu os maiores elogios dos resenhistas.

Animado, Capra resolveu aprender o ofício de diretor de cinema, começando pela montagem. Após passar um ano como aprendiz no laboratório de Walter Ball, trabalhando com filmes amadores, obteve por intermédio dele emprego como aderecista na equipe do diretor de comédias curtas Bob Eddy. Dessas comédias participava uma jovem, Helen Howell, com quem se casou. Capra passou depois a montador e foi posteriormente promovido a gag writer (escritor de piadas ou situações cômicas) e seu braço direito no set de filmagem. Um pouco mais tarde, Eddy levou Capra para Hollywood, apresentou-o a seu amigo Bob Mc Gowan, diretor das comédias Our Gang, e assim o jovem aprendiz se dedicou a bolar gags para a famosa série produzida por Hal Roach.

Depois de seis meses no estúdio de Roach, novamente por intermédio de McGowan, Capra foi admitido no Mack Sennett Studio em Edendale, onde colaborou como gag writer nas comédias de Harry Langdon. Quando Langdon foi para a First National, convidou o diretor de suas comédias Harry Edwards para acompanhá-lo e este aceitou, desde que Capra fosse com ele como seu codiretor. Capra por sua vez exigiu que seu colega Arthur Ripley fosse com eles. Assim, em novembro de 1925 eles estavam reunidos com Langdon para a filmagem de seu primeiro longa-metragem, O Andarilho / Tramp, Tramp, Tramp. O filme teve boa acolhida do público e Langdon, achando-se um grande astro, começou a interferir no trabalho de Edwards que, inconformado com esta intromissão, desentendeu-se com ele e indicou Capra para substituí-lo. Capra dirigiu os melhores filmes de Langdon, O Homem Forte / The Strong Man / 1926 e Pinto Calçudo / Long Pants / 1927, porém, tal como Edwards, não aguentou a pretensão e a ingratidão de um ator que eles ajudaram a se firmar no mundo do cinema e acabou sendo demitido. Langdon dirigiu seus próximos três filmes com Arthur Ripley como seu homem de confiança e sua carreira começou a declinar.

Enquanto estava desempregado, Capra conheceu os irmãos Small, Eddie e Morris, donos de uma agência de talentos e estes lhe propuseram a direção de um filme, For the Love of Mike, para o produtor Robert Kane, que seria o futuro gerente do estúdio da Paramount em Joinville, onde foram feitas versões de filmes americanos em várias línguas. Kane havia prometido entregar dez filmes para a First National. Ele entregou nove e esperava financiar este décimo com os lucros auferidos com os nove anteriores; porém os rendimentos não foram suficientes para cobrir todas as despesas do seu último projeto, a filmagem foi convulsionada e o filme resultou em um tremendo fracasso. Entretanto, quando exibido no Brasil com o título de O Filho da Fortuna, o comentarista da revista Cinearte qualificou-o como “um agradável passatempo”. Nessa ocasião Capra divorciou-se de Helen.

Após passar dois anos desempregado, Capra aceitou o convite de Mack Sennett e voltou como gag writer para o estúdio de Edendale. Cerca de doze semanas depois, Morris Small lhe comunicou que Harry Cohn da Columbia, estava à procura dele para dirigir um filme. Cohn o escolhera, por acaso, em uma lista de diretores desempregados. A Columbia era então um dos estúdios da chamada Poverty Row, área entre Sunset e Gower Street onde se situavam as companhias produtoras mais pobres, de modo que os primeiros filmes de Capra nesta companhia (O Meu Segredo / That Certain Thing; Defende Teu Amor / So This is Love?; Esta Vida é uma Comédia / The Matinee Idol; Os Predestinados / The Way of the Strong; O Que a Lei Não Castiga / Say it with Sables), todos produzidos em 1928, foram quickies (feitos em seis semanas por uns poucos mil dólares) porém, graças ao esmero da direção, tornaram-se espetáculos agradáveis.

Ralph Graves, Dorothy Revier e Jack Holt em Submarino

No mesmo ano, a Columbia investiu em um filme classe A, Submarino / Submarine, aventura envolvendo o resgate de uma tripulação presa no fundo do mar. Insatisfeito com o trabalho de Irving Willat, Cohn designou Capra para terminar a filmagem. Ele concordou, desde que pudesse começar tudo de novo e aproveitou muito bem esta oportunidade de substituir um diretor respeitado no meio cinematográfico e dar um passo gigantesco de diretor de quickies para diretor de filmes classe A. Ainda sem som, Submarino, aventura sobre o resgate de uma tripulação no fundo do mar com Jack Holt, Ralph Graves, Dorothy Revier, obteve um grande sucesso e fez as ações da Columbia dobrarem de valor.

Ainda em 1928, Capra dirigiu mais um filme mudo, Mocidade Audaciosa / The Power of the Press, comédia-dramática com Douglas Fairbanks Jr. e Jobyna Ralston e, em 1929, um filme meio-falado, As Duas Gerações / The Younger Generation, melodrama com Jean Hersholt, Lina Basquette, Ricardo Cortez e dois todo-falados, Na Trama das Paixões / The Donovan Affair, policial e comédia com Jack Holt, Dorothy Revier e Asas do Coração / Flight, aventura com Jack Holt, Ralph Graves.

E assim ele foi desenvolvendo seu ofício, fazendo parceria com roteiristas habilidosos (Jo Swerling, Robert Riskin) e técnicos (notadamente o diretor de fotografia Joseph Walker), descobrindo Barbara Stanwyck, realizando sempre filmes interessantes, entre eles seus primeiros trabalhos de maior relevância artística, que estão marcados em granito: 1930 – A Flor dos Meu Sonhos / Ladies of Leisure, drama  e romance com Barbara Stanwyck, Ralph Graves; Com Sol ou Chuva (na TV) / Rain or Shine drama, comédia e romance com Joe Cook, Louise Fazenda; 1931 – Dirigível / Dirigible, aventura com Jack Holt, Ralph Graves, Fay Wray ; A Mulher Miraculosa / Miracle Woman com Barbara Stewart, David Manners; Loura e Sedutora / Platinum Blonde com Jean Harlow, Loretta Yong, Robert Williams. 1932 – A Mulher Proibida / Forbidden, drama e romance com Barbara Stanwyck, Adolphe Menjou, Ralph Bellamy; Loucura Americana / American Madness com Walter Huston, Pat O´Brien, Kay Johnson; O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen, drama, romance e guerra com Barbara Stanwyck, Nils Ashter, Walter Connolly. 1933 – Dama por um Dia / Lady for a Day com Warren William, May Robson, Jean Parker.

Barbara Stanwyck e David Manners em Mulher Miraculosa

A Mulher Miraculosa. Drama satírico, baseado na peça de John Meeham e Robert Riskin, sobre uma evangelista (Barbara Stanwyck) que usa seu poder sobre os fiéis com fins venais, mas depois, redimida pelo amor de um herói de guerra cego (David Manners), se arrepende diante da multidão. Capra foi bem servido pela foto de Joseph Walker e pelo desempenho de Barbara Stanwyck, tanto nas cenas de histeria coletiva no templo como nas mais íntimas com o aviador cego que fora salvo do suicídio pelas pregações da protagonista.

Cena de Loucura Americana

Loucura Americana. Primeiro filme de Capra com roteiro de Robert Riskin, prenunciando a linha do populismo e do herói idealista. Dinâmica performance de Walter Huston como o banqueiro generoso que empresta dinheiro aos clientes atingidos pela Depressão sem lhes pedir garantias, acreditando no caráter deles. Quando seu banco é ameaçado de falência, por causa dos rumores de um desfalque, são os pequenos tomadores de empréstimos que a impedem, aumentando por gratidão os seus depósitos. O espetáculo tinha uma ação rápida e cenas de multidão habilmente encenadas. Nesta época Capra casou-se com Lucille Florence Warner com quem viveria até 1984, quando ela faleceu.

Dama por um Dia. Conto de fadas moderno de Damon Runyon no qual Capra colocou alegria e sentimento. Gângster de bom coração e supersticioso (Warren William) ajuda uma velha e pobre vendedora de maçã, Apple Annie (May Robson) a se passar por uma dama da sociedade, quando ela recebe a visita da filha (Jean Parker), criada em um convento pensando que a mãe era rica. Graças à empatia de Capra com o seu tema e o seu contrôle atrás da câmera, o filme foi indicado para o Oscar assim como o diretor, o roteirista Robert Riskin e a atriz May Robson.

A partir de 1934 começaram a surgir os filmes, que definiram o estilo e a prioridade temática do realizador, o homem comum como seu herói predileto e a relevância de assuntos com fundo social, destacando-se os que se seguem adiante assinalados em traços mais espessos: 1934 – Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night. 1936 – A Vitória Será Tua / Broadway Bill com Warner Baxter, Myrna Loy, Walter Connolly; O Galante Mr. Deeds / Mr. Deeds Goes to Town. 1937 – Horizonte Perdido / Lost Horizon. 1938 – Do Mundo Nada Se Leva / You Can´t Take with You1939 – A Mulher Faz o Homem / Mr. Smith Goes to Washington.

Clark Gable e Claudette |Colbert em Aconteceu Naquela Noite

Aconteceu Naquela Noite. Escrita por Robert Riskin a partir de um conto de Samuel Hopkins, publicado na revista Cosmopolitan, esta excelente screwball comedy de ritmo rápido, engraçada e inventiva conquistou os Oscar de Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado, surpreendendo a todos os membros da produção. Gable foi emprestado por Louis B. Mayer à Columbia como punição disciplinar e fez o filme contrariado. Colbert, cedida pela Paramount, também por castigo, só. aceitou participar, depois que lhe dobraram o salário. Quis porém o destino que os dois astros se “encontrassem” perfeitamente nos respectivos papéis do repórter impetuoso e da herdeira fugitiva, realizando grandes desempenhos. O espantoso sucesso do filme ajudou a transformar a Columbia em um grande estúdio e desencadeou numerosas imitações por toda a década de trinta e até mesmo na de quarenta.

Gary Cooper e Jean Arthur em O Galante Mr. Deeds

O Galante Mr. Deeds. Capra recusou-se a fazer a primeira de suas famosas fantasias populistas com outro ator que não fosse Gary Cooper e, vivendo o aparentemente simplório tocador de tuba de Mandrake Falls, que herda uma grande fortuna e resolve distribuí-la entre os deserdados da vida. Triunfando sobre as forças da corrupção e do cinismo, ele personifica o homem do povo, com o qual o público se identificou. Cooper foi emprestado pela Paramount e Jean Arthur, que interpretava a jornalista Babe Bennett, era da Columbia mesmo. Foi o primeiro filme em que o produtor Harry Cohn permitiu que seu diretor colocasse seu nome antes do título (mais tarde Capra publicaria sua biografia com o nome “The Name Above de Title”). Por Mr. Deeds, Capra foi indicado para o Oscar e recebeu sua segunda estatueta da Academia.

Cena de Horizonte Perdido

Horizonte Perdido. Adaptação, por Robert Riskin, do romance de James Hilton, o filme levou dois anos para se fazer, custou dois milhões de dólares, metade do orçamento anual da Columbia, e foi indicado para o Oscar. Depois de pensar em H. B. Walthall e Charles Laughton para o papel do Grande Lama, líder da utópica comunidade do Tibete com 200 anos de idade, o diretor escolheu Sam Jaffe, então com 38 anos de idade. Harry Cohn achou a maquilagem dele grotesca e experimentaram então novas cenas com Walter Connolly; porém depois, Capra e Cohn optaram por Jaffe. Os cenários modernistas de Stephen Goosson (premiado pela Academia) foram um dos maiores até então construídos em Hollywood e Ronald Colman encaixou-se perfeitamente no personagem do diplomata Robert Conway que, com outros quatro sobreviventes de um desastre aéreo, fica conhecendo a cidade oculta de Shangri-La. A montagem (Gene Milford, Gene Havlick) também foi premiada.

Lionel Barrymore, James Stewart, Jean Arthur e Edward Arnold em Do Mundo Nada se Leva

Do Mundo Nada se Leva. Comédia na linha clássica do diretor, com roteiro de Robert Riskin a partir de uma peça de George S. Kaufman e Moss Hart, mostra uma família excêntrica, cuja neta do patriarca, vovô Vanderhof (Lionel Barrymore), se apaixona pelo filho de um milionário, Mr. Kirby (Edward Arnold), acontecendo deliciosas confusões e a “recuperação” do ricaço para os prazeres simples da vida. James Stewart e Jean Arthur são Alice e Tony, os dois namorados e um  grupo de coadjuvantes formidáveis compõem a família amalucada:  Spring Byington é a filha do velho Vanderhof, que se tornou escritora porque uma máquina de escrever foi entregue na sua casa por engano; Samuel S. Hinds é o marido dela, que fabrica fogos de artifício no porão; Ann Miller, filha dos dois, faz uma dançarina de balé medíocre; Mischa Auer é seu professor russo e Dub Taylor, seu marido, que toca xilofone e imprime dinheiro;  Donald Meek, amigo do velho Vanderhof, vive inventando coisas.  O filme obteve o Oscar e Capra ganhou a estatueta pela terceira vez e Spring Byington concorreu ao cobiçado prêmio da Academia.

James Stewart e Jean Arthur A Mulher Faz o Homem

A Mulher Faz o Homem. Fantasia política, ao mesmo tempo corrosiva e comovente, baseada em história de Lewis R. Foster. Capra pretendia usar Gary Cooper no papel do senador idealista na cruzada contra a corrupção, mas ele tinha outro compromisso. James Stewart substituiu-o, e expressou admiravelmente as virtudes do bom moço americano, Jefferson Smith, jovem ingênuo líder dos escoteiros de uma cidade do interior, atingindo excepcional eloquência nas cenas finais, quando em um discurso de obstrução a um projeto desonesto, fala por horas a fio. Jean Arthur interpreta o papel da secretária que foi designada para trabalhar com Smith em Washington. Com a assistência do diretor de fotografia Joseph Walker e do engenheiro de som Ed Bernds, Capra enfrentou alguns problemas técnicos e chegou a inventar um novo método de se filmar close-ups. A produção ensejou nove indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (James Stewart), Ator Coadjuvante (Claude Rains como o senador corrupto e Harry Carey como o presidente do Senado), Roteiro (Sidney Buchman), Montagem (Gene Havlick, Al Clark), Música Adaptada (Dimitri Tiomkin), Direção de Arte (Lionel Banks) e História Original (Lewis R. Foster), vencendo nesta categoria.

A Mulher Faz o Homem encerrou o contrato de Capra com Cohn e a Columbia. Dave O. Selznick ofereceu-lhe espaço de escritório no seu estúdio Selznick-International e, em agosto de 1939, nasceu a Frank Capra Productions. No primeiro filme da nova companhia, Adorável Vagabundo / Meet John Doe / 1941, distribuído pela Warner Bros., Capra explora mais uma vez o tema do homem comum honesto e bondoso vencendo os poderosos. Furiosa por ter demitida, a jornalista Ann Mitchell (Barbara Stanwyck) inventa uma carta supostamente assinada por John Doe, um leitor desgostoso com o estado atual do mundo e anunciando seu suicídio no dia do Natal. A carta faz muito sucesso, a jornalista é readmitida, e convence um vagabundo, “Long John” Willoughby (Gary Cooper) a representar o papel do personagem imaginário. Este torna-se rapidamente uma figura popular a tal ponto que o diretor do jornal de tendência fascista quer manipulá-lo para obter uma candidatura à presidência da República. Quando John percebe isto, ele se revolta e se torna um herói típico de Capra.

Cena de Este Mundo é um Hospício

Durante a Segunda Guerra Mundial Capra alistou-se no Exército e, convocado pelo General Marshall, realizou a série Por Que Combatemos / Why We Fight (1942-1945) sob o patrocínio do Army Pictorial Service. A série compreendia sete filmes: Prelúdio de Guerra / Prelude to War (premiado com oOscar de Melhor Documentário); Os Nazistas Atacam / The Nazis Strike, Divide e Vencerás / Divide and Conquer; A Batalha da Inglaterra / Battle of Britain; Battle of China; Battle of Russia; War Comes to America. A unidade organizada por Capra lançou também um cine-jornal para as tropas, o Army-Navy Screen magazine e outros filmes inclusive: Know Your Ally: Britain; The Negro Soldier; a produção britânico-americana A Conquista da Tunisia / Tunisian Victory; Know Your Enemy: Japan; Here is Germany (mais detalhes sobre este assunto no meu artigo de 12de junho de 2015). Pouco antes de assumir sua nova função, Capra terminou Este Mundo é um Hospício / Arsenic and Lace (lançado em 1944), comédia macabra muito divertida baseada na peça de Joseph Kesselring, que contava com Cary Grant e Priscilla Lane e um elenco de coadjuvantes formidável: Raymond Massey, Peter Lorre, Edward Everett Horton, James Gleason, Jack Carson e  naturalmente Josephine Hull e Jean Adair, as duas doces idosas que envenenavam velhos solitários por piedade.

Cena de A Felicidade Não se Compra com Donna Reed e James Stewart

Após a guerra, Capra fundou com Samuel Briskin a Liberty Films Inc., da qual faziam parte como sócios William Wyler e George Stevens, e fez seu filme mais célebre, A Felicidade Não se Compra / It´s a Wonderful Life / 1946 (Dist: RKO), conto moral sobre a importância do altruismo e da amizade com uma dimensão fantástica. George Bailey (James Stewart), desistiu de seus sonhos para ajudar os outros. Colocado em uma situação de falência em virtude de seu tio Billy (Thomas Mitchell) por distração ter perdido o dinheiro de sua firma de empréstimos imobiliários a pessoas humildes sem necessidade de garantias e ameaçado de ser processado por Mr. Potter (Lionel Barrymore), um milionário ganancioso, George pensa em se suicidar na véspera de Natal. Neste momento, aparece Clarence (Henry Travers), seu anjo da guarda, para lhe mostrar como seria ruim para todos a vida em Bedford Falls, se ele não tivesse nascido. No desenlace, George se reune com sua família na noite de Natal e verifica que os habitantes da comunidade fizeram uma vaquinha para ajudá-lo a pagar suas dívidas. Esta última obra importante de Capra foi consagrada com cinco indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Ator (James Stewart), Montagem (William Hornbeck),Som.

Os filmes restantes de Capra (1948 – Sua Esposa e o Mundo / State of the Union, comédia-dramática com Spencer Tracy, Katherine Hepburn, Van Johnson. 1950 – Nada Além de um Desejo / Riding High, comédia com Bing Crosby, Collen Gray, Charles Bickford – refilmagem de Broadway Bill. 1951 – Orfãos da Tempestade / Here Comes the Groom, comédia romântica musical com Bing Crosby, Jane Wyman, Alexis Smith. 1959 – Os Viúvos Também Sonham / A Hole in the Head, comédia dramática com Frank Sinatra, Edward G. Robinson, Eleanor Parker. 1961 – Dama por um Dia / Pocketuful of Miracles, comédia dramática com Glenn Ford, Bette Davis, Hope Lange – refilmagem de Lady for a Day) ainda tinham o seu toque, mas não o brilho de suas melhores obras.

A NOUVELLE VAGUE

Em um célebre artigo intitulado “Uma certa tendência do cinema francês”, publicado pela revista Cahiers du Cinema (n°31, janeiro 1954), François Truffaut atacou a “tradição de qualidade”, um cinema de estúdio e de roteiristas dando primazia ao sistema de astros, que a crítica celebrava e os festivais premiavam.

Ele reclamava da divisão do trabalho entre o roteirista e o diretor, que se efetuava com vantagem para o primeiro, considerado na época o único “autor” do filme. Nessa configuração, o realizador não passava de um ilustrador, um artesão executando um plano que ele não determinara plenamente – e não um portador de um projeto pessoal.

O crítico de 22 anos denunciava igualmente o “inferno da adaptação” das grandes obras romanescas. O papel essencialmente literário do roteirista consistia em redigir uma continuidade dialogada que encontrasse soluções de encenação, mas que somente cuidasse da embalagem que iria acolher a matéria-prima do filme, o diálogo. Enfim, o realizador era um simples técnico que garantia a qualidade da imagem.

Truffaut acusou impiedosamente os diretores mais respeitados do cinema francês – como René Clair, Marcel Carné, Julien Duvivier, Henri-Georges Clouzot, René Clement, Yves Allegret, Christian-Jaque, Henri Decoin, Claude Autant-Lara, Jean Delannoy, etc. – poupando apenas alguns eleitos – Jean Renoir, Jacques Becker, Jacques Tati, Robert Bresson, Max Ophuls, Jean Cocteau, Abel Gance, Sacha Guitry -, considerados “autores”, e investiu também contra renomados roteiristas, como Henri Jeanson, Jacques Sigurd e, sobretudo, Jean Aurenche e Pierre Bost.

Ao mesmo tempo em que desprezava a “qualidade francesa” por causa de seu academismo, Truffaut reclamava em outro texto a abertura de um espaço para a nova geração, proclamando que “era preciso filmar outra coisa, com um outro espírito e outros métodos”, e exortando o abandono dos estúdios pois, naquela época a rigidez sindical e profissional – era preciso vinte anos de trabalho obscuro em um estúdio para se tornar diretor – desencorajava os jovens de ascender aos postos-chaves de decisão e de criação.

Em 1952 era ainda impensável se tornar um diretor sem ter passado por um aprendizado técnico e um estágio. Um jovem sem formação não tinha nenhuma chance de encontrar um produtor. E havia ainda a exigência de ser titular de uma carteira de identidade profissional de técnico da indústria cinematográfica (CIP) expedida pelo Centre National de la Cinématographie (CNC), documento exigido para trabalhar na produção de um filme. Seis anos mais tarde, os membros da Nouvelle Vague perceberam que, ao invés de se integrar ao sistema de produção corrente, era preciso mostrar seu valor independentemente do sistema e se integrar nele depois.

A emergência da Nouvelle Vague foi também a consequência lógica de outros fenômenos tais como o desenvolvimento de uma verdadeira escola de curta-metragem sob o impulso das ajudas públicas (v. g. a instituição de um subsídio pela qualidade para curtas-metragens) e a instauração, pelo trabalho dos cineclubes e das revistas de cinema, de um clima intelectual favorável ao reconhecimento do estatuto artístico da criação cinematográfica em pé de igualdade com a literatura e as outras artes.

Após a guerra, já vinha ocorrendo uma pequena revolução cultural: a cinefilia. O movimento assumiu sua forma nos cineclubes que se multiplicaram a partir de 1946: nas cidades, nos estabelecimentos escolares, nas empresas, reagrupados em uma meia dezena de federações reconhecidas e sustentadas pelo CNC (Centre National de la Cinématographie). No cineclube, via-se o filme de outra maneira, legitimando-o como um fato cultural.

O semanário L´Écran Français saiu da clandestinidade em julho de 1945. A renomada Revue du Cinéma, que havia tido uma existência efêmera editada pela Gallimard entre 1928 e 1931, reapareceu de 1946 a 1949. Em 1950, surgiu a Radio-Cinéma-Télévision futura Télérama. Em 1951, a Cahiers du Cinéma; em 1952, a Positif, em torno das quais borbulhavam as publicações mais modestas ou as revistas das federações de cineclubes, Image et Son e Cinéma. A Filmologia, nova disciplina universitária, entrou na Sorbonne com Gilbert Cohen-Séat. Ele publicou a Revue Internationale de Filmologie, que durou uma dezena de anos.

A sala da cinemateca francesa (fundada por Henri Langlois) atraía os parisienses e excitava a imaginação dos provincianos. Nasceu um público que justificava a multiplicação das salas chamadas “d´art et d´essai”, um cartel de cinemas de arte. Enfim, uma grande fração do público adquiriu certos conhecimentos e estava pronta para, nos fins dos anos 1950, acolher, pelo menos com curiosidade, toda tentativa de renovação.

François Truffaut

Claude Chabrol

Alain Resnais

A expressão “nouvelle vague” foi criada por Françoise Giraud na revista L´Express do dia 3 de outubro de 1957 para qualificar os jovens dos anos 50 no seu conjunto. Ela não fazia nenhuma referência ao cinema e foi somente em 1959 que Pierre Billard retomou o termo para designar os cineastas oriundos da Cahiers du Cinéma, formados sob conduta espiritual de André Bazin, morto em 11 de novembro de 1958 sem assistir,  não à eclosão de uma escola ou movimento, mas sim o surgimento de uma geração espontânea de vários diretores com idéias novas e adeptos da “política do autor”, que estavam realizando seus primeiros longas-metragens (Claude Chabrol, Pierre Kast, Jacques Rivette, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Éric Rohmer, Jacques Doniol-Valcroze), apelidados de “jeunes turcs” em referência ao movimento, chamado Revolução dos Turcos (3 de julho de 1908,) que marcou a dissolução do Império Otomano.

Jean-Luc Godard

Houve duas tendências bem diferentes deste fenômeno de renovação no cinema francês: uma, concentrada no grupo da Nouvelle Vague, de tendência direitista; outra, identificada com o grupo Rive Gauche, apoiado pela revista Positif, que funcionava como contraponto da Cahiers du Cinéma e era de tendência esquerdista, envolvendo uma geração um pouco mais velha (Alain Resnais, Agnes Varda, George Franju, Chris Marker, Henri Colpi). A rapaziada da Nouvelle Vague, apelidados de “jovens turcos”, privilegiava a encenação, o ato cinematográfico, em detrimento do conteúdo, da mensagem, e era criticada pela turma da Positif pela ausência de engajamento político.

Em um número especial sobre a Nouvelle Vague, Cahiers du Cinéma (nº 138 – dez. 1962) publicou uma lista de 162 cineastas que realizaram seu primeiro longa-metragem depois de 1 de janeiro de 1959, incluindo nomes como Jacques Demy, Louis Malle, Jean Pierre Melville, Edouard Molinaro, Jean Rouch, e outros que às vezes são citados como cinemanovistas ou como Alexandre Astruc e Roger Vadim apontados como seus precursores.

Cena de Le Beau Serge

Cena de Os Primos

O impacto inicial da Nouvelle Vague veio de quatro filmes lançados em 1959 e 1960: Nas Garras do Vício / Le Beau Serge e Os Primos / Les Cousins de Claude Chabrol, Os Incompreendidos / Les 400 Coups de François Truffaut e Acossado / A Bout de Souffle de Jean Luc Godard. O filme prototípico do grupo Rive Gauche foi Hiroshima, meu amor / Hiroshima, mon amour, dirigido por Alain Resnais. Chabrol investiu uma pequena herança (proveniente de sua esposa) na produção de seu primeiro longa-metragem e criou sua própria produtora Ajym Films. Truffaut recebeu ajuda financeira de seu sogro Ignace Morgenstern, dono da importante distribuidora Cocinor, e fundou a Les Films du Carrosse. O filme de Godard foi produzido pela Les Films Impéria de Georges de Beauregard e o de Resnais pela Argos Films de Anatole Dauman. Beauregard e Dauman foram, juntamente com Pierre Braunberger, os principais produtores da Nouvelle Vague

 

Cena de Os Incompreendidos

Cena de Acossado

Cena de Hiroshima, mon Amour

Já introduzidos nos meios profissionais, os novos cineastas souberam utilizar extraordinariamente sua rede de relações, a começar pelo mundo da imprensa. Saudados como deuses pelo conjunto desta, eles encontraram no semanário L´Express a tribuna permanente necessária. No exterior a Nouvelle Vague, novo instrumento de propaganda para a cultura gaullista (provando que a França era um país jovem, fazendo filmes jovens), conheceu um verdadeiro triunfo e influenciou o cinema de vários países, inclusive o Cinema Novo brasileiro.

As convenções estilísticas mais importantes dos filmes da Nouvelle Vague foram o uso da montagem elíptica e dos cortes interrompidos. Quando os jovens da Nouvelle Vague se tornaram diretores, conheciam tudo sobre cinema como uma forma de arte e pouco sobre os aspectos práticos da produção. Autodidatas, eles cometeram erros que seus orçamentos baratos e cronogramas de filmagem exíguos não permitiam que fossem corrigidos. Como não podiam fazer retaques, confiavam na montagem elíptica para esconder defeitos técnicos na tela. Os cortes interrompidos, por exemplo, eram um meio de restaurar tomadas malfeitas, extirpando cenas com erros de algum ator ou cinegrafista. Outra função da montagem elíptica e do corte interrompido foi a de eliminar as transições suaves que permitiam ao público esquecer de que estava vendo um filme, pois o cinema da Nouvelle Vague é de certo modo, um cinema auto-reflexivo ou meta-cinema.

Grupo de cineastas da Nouvelle Vague

Segundo os cineastas da Nouvelle Vague a montagem invisível do cinema comercial dos anos trinta, quarenta, cinquenta e boa parte dos anos sessenta foi projetada para desviar a atenção dos espectadores do fato de que ele ou ela estava assistindo um artefato criado conscientemente. E, curiosamente, eles não viam nenhuma contradição em rejeitar o cinema tradicional de qualidade francesa e ao mesmo tempo admirar descaradamente a Hollywood comercial clássica, alegando que certos diretores-autores como v. g. Otto Preminger, Nicholas Ray ou Douglas Sirk existiam no cinema americano.

A qualidade mais obviamente revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague foi o seu aspecto informal, desleixado. Os diretores novavaguistas admiravam os neorealistas (especialmente Rosselini) e, em oposição à filmagem em estúdio, preferiram filmar nas ruas. Semelhantemente, a iluminação de estúdio brilhante foi substituída pelo que Raoul Coutard chamou de “luz do dia”. Tinham também preferência pela câmera na mão e pelo plano longo. De outro lado, encorajaram os atores a improvisar suas falas, mesmo que isto contribuísse para desacelerar o enredo. Faziam também alusões a outros realizadores e filmes e in-jokes com colegas de profissão aparecendo em pequenos papéis (v. g. o diretor Jean-Pierre Melville como um romancista Parvulesco em Acossado).

Durante três anos os filmes da Nouvelle Vague tiveram bons lucros pela novidade e porque satisfizeram as necessidades financeiras dos produtores. Rodados em locação, usando equipamento portátil, atores pouco conhecidos, e equipes pequenas, eles puderam ser feitos rapidamente e por menos da metade de um custo normal. Entretanto, o cinema tradicional, o cinema comercial de rotina, de gênero e de astros, perdurava. O grande público continuava prestigiando mais o “cinema de papa” com artistas populares como Fernandel, Jean Gabin e Jean Marais e, a partir de 1962, o entusiasmo pela Nouvelle Vague regrediu, tanto por parte dos produtores como por parte dos espectadores. As rendas de bilheteria dos filmes cinemanovistas começaram a despencar e os distribuidores cada vez mais hesitavam a lançar os filmes deles.

Por ironia, Truffaut, Chabrol e outros depois seguiriam o caminho de um novo academismo, tornando-se o Carné ou Delannoy de uma nova “qualidade francesa”, e Aurenche e Bost, os roteiristas preferidos de um ex-crítico bem mais novo do que eles, Bertrand Tavernier. Para Tavernier, Aurenche e Bost – depois da morte de Bost, Aurenche sozinho – escreveram ou adaptaram L´Horloger de Saint Paul, Que La Fête Commence, Le Juge et L´Assassin, A Lei de Quem Tem o Poder / Coup de Torchon. Somente Godard, o mais radical de todos os diretores da Nouvelle Vague, continuou com seu cinema anárquico e arrogante, amado por uns e detestado por outros.

 

 

 

 

 

O WESTERN À ITALIANA

A Europa sempre esteve ligada no mito do Oeste, seja por seus autores de romances populares (v. g. Gustave Aimard, Mayne Reid, Karl May), cuja ação se desenrolava no Oeste americano, seja pela realização de filmes sobre este assunto (v. g. a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman (1912-1914); a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou, com Pierre Brice e Lex Barker (1963-1965); os westerns italianos (1964-1978) etc.

A prosperidade dos westerns italianos deu-se sobretudo graças ao talento de Sergio Leone, porém seus sucessores submeteram o gênero a uma verdadeira degradação: visão ultracaricatural do Oeste e de seus personagens, exposição gratuita da violência e do erotismo etc.

O western italiano, depreciativamente referido como “western spaghetti”, surgiu como fenômeno mundial com o lançamento do filme Por um punhado de dólares / Per um pugno di Dollari / 1964. O gênero emergiu das cinzas do “peplum” (palavra latina para túnica – expressão usada para designar com conotação pejorativa, os filmes italianos de aventuras pseudo mitológicas com heróis sobrehumanos e musculosos (v. g.  Hércules, Maciste, Ursus), no qual muitos dos seus praticantes – diretores como Sergio Corbucci, Riccardo Freda e outros, inclusive o próprio Leone – foram treinados. As equipes técnicas também eram quase sempre as mesmas, muitas tendo formado segundas unidades para grandes espetáculos americanos filmados em Roma ou na Espanha nos anos 50. A maioria das locações era na Espanha (Almeria) e depois na Itália, Iugoslávia e Israel, com uma breve incursão no Monument Valley para o filme Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968.

Clint Eastwood e Sergio Leone

Cinco variações básicas podiam ser notadas: 1. O estilo maneirista, inaugurado na trilogia de Leone (Por um punhado de dólares, Por  alguns dólares a mais / Per qualche dollaro in più / 1965 e Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966); 2.o picaresco, como exemplificado pelo ciclo “Ringo”, estrelado por Giuliano Gemma e dirigido por Duccio Tesssari (v. g. Uma pistola para Ringo, / Uma pistola per Ringo, Ringo não discute … mata / Il retorno di Ringo, ambos de 1965); 3. O western “político “, com sua leitura ideológica do Oeste e de um México Terceiro-Mundista subdesenvolvido (v. g. Gringo / Quién sabe? / 1967, de Damiano Damiani, Réquiem para matar / Requiescant / 1968, de Carlo Lizzani, Os Violentos vão para o inferno / Il mercenário / 1968, de Sergio Corbucci; 4. o modo macabro-fúnebre das séries Sartana e Django; 5. os westerns mais leves (v. g. Sete pistolas para os McGregors / Sette pistole per i MacGregor / 1966, Sugar Colt / Sugar Colt / 1966, de Franco Giraldi) que levou ao ciclo de comédias da dupla Terence Hill (Mario Girotti) / Bud Spencer (Carlo Pedersoli), iniciado com Chamam-me Trinity / Lo chiamavano Trinità / 1970, de E. B. Clutcher (Enzo Barboni). E ia me esquecendo da série Sabata com Lee Van Cleef.

O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. De fato, o “western spaghetti” reteve de seu modelo apenas os aspectos exteriores e os atributos mais superficiais. Seu sucesso internacional deveu-se à sua capacidade de funcionar como espetáculo puro, abstrato, violento, acessível às platéias sem considerações de nacionalidade ou cultura. Outras características eram o emprego exagerado do zoom e dos primeiros planos, dos tempos mortos, música obsessiva, a pobreza de recursos atores americanos, para citar apenas alguns de suas peculiaridades.

Os críticos afirmavam que havia uma “determinada” relação entre as histórias de oeste e as paisagens nas quais essas histórias se passavam, protestaram veementemente contra as locações espanholas usadas nos westerns spaghetti: os filmes feitos em ou ao redor de Hollywood pelo menos captavam “a expresssão do Velho Oeste”.

Para Gaston Haustrate (CInéma 71, 1971) os westerns italianos revelaram os piores excessos do “temperamento Mediterrâneo”. Como os diretores da Cinecittà eram claramente incapazes de apreciar a “alma” do “autêntico western”, eles decidiram “deformar” certos aspectos formais do gênero.

Ao examinar a sua iconografia (Cinema e transfiguração, 1978), Eduardo Geada observou: “se no western norte-americano a violência era quase sempre justificada por um recurso constante a referentes históricos precisos, no western europeu a violência não se insere em qualquer contexto histórico necessário, antes procura automatizar-se e instituir-se em espetáculo sem outra finalidade que não seja a sua própria fascinação junto a um público sem grande preparação cultural”.

Ainda segundo Geada: “Desenraizado de qualquer exigência histórica precisa, o western spaghetti viu-se condenado a utilizar apenas a estrutura mitológica do western clássico e a perpetuá-la pelo único meio ao seu dispor: a retórica. É por isso que os personagens dos “westerns spaghetti” se podem permitir todas as liberdades possíveis e imaginárias, circular num tempo e num espaço indefinidos, porque eles não são já os legítimos representantes de um nacionalismo descomunal, mas, muito simplesmente, os herdeiros tardios de um paraíso cinematográfico tão lucrativo quanto narcisista”.

Outros comentaristas menos rigorosos apontam pelo menos dois westerns interessantes de Sergio Leone: Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966 e  Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968, aplaudindo nos seus filmes o realismo sórdido, a supressão dos “heróis”, o humor macabro próximo do surrealismo e, principalmente, o seu estilo barroco flamejante.

 

No livro Anthony Steffen – A saga do brasileiro que se tornou astro do bangue-bangue à italiana (Matrix, 2007) Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira apreciaram a técnica de Leone: “os procedimentos técnicos utilizados por Leone tornaram-se regra. Closes exagerados de mãos e olhos alternam-se com panorâmicas abrangentes das paisagens. Os zooms e cortes rápidos criam um clima de tensão. Enquadramentos tradicionais misturam-se a ângulos distorcidos e inusitados. O tempo que antecede os duelos é dilatado ao máximo. A montagem segue o ritmo da música, ingrediente fundamental”.

Ennio Morricone

Os autores citados também se pronunciaram sobre a trilha sonora: “Ao criar a trilha de Por um punhado de dólares, o maestro Ennio Morricone estabeleceu os cânones musicais do gênero. Compositores como Bruno Nicolai, Carlo Rustichelli, Gianni Ferrio, Angelo Francesco Lavagnino, Piero Piccioni e Francesco De Masi rapidamente adequaram seus talentos ao novo estilo. As partituras são fúnebres, tétricas e atonais, em sintonia com o que acontece na tela. A guitarra elétrica surge com frequência, na companhia de ruídos animais (uivos, relinchos, cacarejos) ou mecânicos (revólveres engatilhados, sinos). Destaca-se ainda o uso melódico dos assobios e da voz humana.

A violência gráfica e o bizarro senso de humor dão o tom da narrativa. Nela, os clichês do Velho Oeste hollywoodiano, puritano e liberal, caem por terra. Os cenários enlameados, o suor que escorre dos rostos e a aparência suja dos caubóis, revelam a influência do neo-realismo italiano. A serviço de uma narrativa épica, o realismo aparece de maneira grotesca, quase expressionista”

Durante a década de sessenta o êxito do western italiano não deixou indiferentes os produtores americanos, e vários diretores voltaram-se para as adaptações mais ou menos diretas dos métodos romanos (v. g. Arnold Laven: A noite dos pistoleiros / Rough Night at Jericho / 1967; Tom Gries: Cem Rifles / 100 Rifles / 19669; Henry Hathaway: Pôquer de Sangue / Five Card Stud / 1968; Ted Post: A Marca da Forca / Hang´em High / 1968; Gordon Douglas: Barquero / Barquero / 1970).

Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um subgênero ou um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira européia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

FILMOGRAFIA DE SERGIO LEONE

1961 – O Colosso de Rhodes / Il colosso di Rodi. 1964 – Por um punhado de dólares / Per um pugno di dollari. 1965 – Por uns dólares a mais / Per qualche dollari in piú. 1966 – Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cattivo. 1968 – Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West.  1971 – Quando explode a vingança / Giù la testa. 1984 – Era uma vez na América / Once Upon a Time in America.

Outros realizadores do western à italiana: Mario Amendola, Giorgio Arlorio, Tinto Brass, Mario Caiano, Enzo G. Castellari, Duilio Coletti, Sergio Corbucci, Damiano Damiani, Franco Giraldi, Carlo Lizanni, Michele Lupo, Franco Solinas, Sergio Sollima, Tonino Valerii, Florestano Vancini.

Astros mais assíduos do western à italiana:

Clint Eastwood, Gian Maria Volonté, Giuliano Gemma, Tomas Milian, Bud Spencer, Terence Hill, Benito Stefanelli, Peter Martell, Tony Anthony, Richard Harrison, Anthony Steffen, Franco Nero, Gianni Garko, George Hilton, Robert Woods, Henry Fonda, Jason Robards, Lee Van Cleef, James Coburn, Rod Steiger, Charles Bronson, Eli Wallach, Jack Palance, Henry Silva, Telly Savalas, Jack Elam, Woody Strode, Robert Woods, Walt Barnes.

O PEPLUM ITALIANO

A partir do imediato pós-guerra e até meados dos anos sessenta, floresceu na Itália um gênero popular de muito sucesso, o peplum, que respondia às necessidades de evasão de um público traumatizado por cinco anos de miséria e que aspirava ao entretenimento.

Inscrito em uma antiguidade de fantasia ou em uma antiguidade greco-romana revisitada muito livremente, o peplum teve seus heróis musculosos – Ursus, Maciste, Hércules, Sansão etc. e seus especialistas: Riccardo Freda, Pietro Francisci, Sergio Corbucci, Vittorio Cottafavi, Duccio Tessari (este mais como roteirista). Sergio Leone estreou na direção com um deles, O Colosso de Rodes / Il Colosso di Rodi / 1960.

Peplum é a versão latinizada da palavra grega Péplos, que designa uma túnica sem mangas presa ao ombro por um broche ou uma fivela, usada por homens na antiguidade clássica. O vocábulo batizou o gênero cinematográfico que também foi chamado de filmes de saiote, épicos de toga (toga epics) ou fitas de espada e sandálias (sword-and-sandals flicks). Foram cerca de 180 filmes, formando um ciclo homogêneo que, apesar da qualidade discutível da maioria das obras, foi um dos mais apreciados, principalmente pelo público italiano, por mais de uma década.

Ao contrário do lugar-comum que circula frequentemente, os filmes desse ciclo não são derivados degenerativos das superproduções americanas. Sua história começa nos primeiros tempos do cinema mudo com os filmes históricos colossais de Mario Caserini (v. g. Os Últimos Dias de Pompéia / Gli ultimi giorni di Pompei / 1913), Enrico Guazzoni (v. g. Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1913) Giovanni Pastrone (v. g. Cabiria / Cabiria / 1914) etc.  Em Quo Vadis?  Guazonni colocou em cena pela primeira vez Ursus (Bruno Castellano), personagem que foi o ancestral cinematográfico dos heróis musculosos do peplum italiano. Um ano depois, em Cabiria, Pastrone apresentou um novo superhomem, o gigante Maciste (Bartolomeo Pagano), que obteve enorme popularidade e série própria.

Cabiria

Apesar de alguma desaceleração no início dos anos vinte, os estúdios italianos continuaram a produzir numerosos filmes sobre a antiguidade. Diante da concorrência americana cada vez mais forte (v. g. Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith; Nero / 1922 de J. Gordon Edwards), os produtores recorreram às refilmagens (v. g. Messalina / Messalina / 1923 de Enrico Guazzoni, Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1924 de Gabrielino D’ Annunzio e Georg Jacoby, Os Últimos Dias de Pompéia / Gli ultimi giorni di Pompei / 1925 de Carmine Gallone).

Apesar da utilização de uma antiguidade romana na propaganda, esta não foi considerado pelos dirigentes fascistas como um instrumento assaz poderoso para a mobilização nacional. De modo que, no cinema do regime, sobressaíram as comédias românticas de Mario Camerini (v. g.  Gli uomini, che mascalzoni! / 1932, Daro un milione / 1935, Os Apuros do Senhor Max / Il signor Max / 1937), os melodramas de Mario Soldati (v. g. Piccolo mondo antico / 1941, Malombra / 1942), os filmes de aventuras de Alessandro Blasetti (v. g. Ettore Fieramosca / Ettore Fieramosca / 1938; Romântico Aventureiro / Un’ avventura di Salvator Rosa/ 1939; A Coroa de Ferro / La corona di ferro / 1941). Eles foram os três realizadores mais significativos do período 1930-1940 do cinema italiano.

Entre 1929 e 1939 somente foi produzido um filme sobre a antiguidade: Scipião, o Africano / Scipione l’africano / 1937, superprodução destinada a celebrar a inauguração dos estúdios Cineccità, que era um reflexo um perfeito da política exterior do Duce. Depois da guerra, a indústria cinematográfica italiana, afetada pelo conflito mundial, se aproximou da realidade cotidiana e dos problemas sociais, surgindo o neorealismo. Porém, pouco a pouco os gêneros tradicionais foram reaparecendo: a comédia (v. g.  filmes de Totó), o melodrama (v. g. Não Desejar / Desiderio / 1946) de Marcello Pagliero, Roberto Rosselini), os filmes de aventura (v. g.  Águia Negra / Aquila nera / 1946 de Riccardo Freda), bem como os filmes sobre a antiguidade (v. g. Fabiola / Fabiola / 1949 de Alessandro Blasetti; Pompéia, Cidade Maldita / Gli ultimi giorni di Pompei / 1950 de Marcel L´Herbier, Paolo Moffa).

Estes dois filmes reabituaram o público ávido dos grandes espetáculos e prepararam o terreno para o advento do peplum, mas este ciclo de filmes sobre uma antiguidade greco-romana de fantasia ou revisitada muito livremente também ficou devendo muito à grande indústria cinematográfica de Hollywood. Com o aumento progressivo dos custos de produção dos filmes de grande espetáculo e a ameaça cada vez maior da televisão, os estúdios americanos decidiram rodar seus filmes épicos no exterior onde os impostos e o custo dos cenários, técnicos e figurantes eram mais baratos.

Cinecittà

De todos os estúdios europeus, o mais atraente era Cinecittà, fundada por Mussolini em 1936. Assim, a partir de 1950, a MGM se voltou para Roma, onde Mervyn LeRoy filmou uma nova adaptação cinematográfica do célebre romance Quo Vadis? de Henry Sienkiewicz com Robert Taylor, Deborah Kerr e Peter Ustinov. Os técnicos construíram cenários gigantescos e confeccionaram figurinos e acessórios diversos, produzindo um grande espetáculo, que ajudou a propulsionar mais do que nunca a produção de filmes italianos sobre a antiguidade (v. g. Spartaco / Spartaco /1952 e Teodora, Imperatriz de BIzâncio / Teodora, imperatrice di Bisanzio / 1953 de Riccardo Freda; A Rainha de Sabá / La regina di Saba / 1952 e A Invasão dos Bárbaros / Attila (no relançamento, Átila, Rei dos Hunos) / 1953, de Petro Francisci; Ulysses / Ulysse / 1954 de Mario Camerini).

Steve Reeves em As Façanhas de Hércules

Estas produções prepararam o terreno para o advento do peplum, cuja moda teve início com As Façanhas de Hércules / Le fatiche di Ercole / 1958 de Pietro Francisci, no qual o ex-Mister Universo norte-americano 1950, Steve Reeves, interpretava o semideus grego Héracles com o nome romano de Hércules. Filmadas em Dyaliscope e Eastmancolor as façanhas do filho de Zeus são uma coletânea de episódios mitológicos heterogêneos (o leão de Neméia, o touro de Creta e as Amazonas) misturados com aventuras extraídas de outras lendas como a expedição de Jasão e de seus Argonautas que partiram em busca do Velo de Ouro. Entretanto, o termo peplum só passou a ser usado após maio de 1962, quando foi usado por Jacques Siclier no seu artigo “L´Age du Peplum” publicado na revista Cahiers du Cinéma.

A fórmula funcionou maravilhosamente. Por um custo de 100 milhões de liras, o filme arrecadou quase 900 milhões de liras nas salas de exibição italianas, alcançando o mesmo sucesso no exterior. A realização de Francisci trouxe um novo frescor para o filme sobe a antiguidade, constituindo-se como um modelo, o peplum propriamente dito, que seria seguido nos anos seguintes.  Francisci e sua equipe (da qual fazia parte o então fotógrafo Mario Bava) repetiram a fórmula, novamente com Steve Reeves, em Hércules e a Rainha da Lídia / Ercole e la regina di Lidia / 1959.

A partir de 1960 houve uma mudança no gênero: Grécia e Roma tornaram-se reinos onde tudo era possível. Os roteiristas se permitiram liberdades cada vez mais ultrajantes com a verdade cultural. Os Filhos do Trovão / Arivano i titani / 1961 de Duccio Tessari é um exemplo desta tendência.

Nesta fase do ciclo, na qual predominam o ridículo e absurdo, um tema se tornou preponderante: as aventuras dos buoni giganti, heróís legendários e musculosos como Hércules, cuja popularidade fôra testada nos dois filmes de Pietro Francisci e continuou intacta em outros filmes, entre eles Hércules na Conquista da Atlântida / Ercole a la conquista di Atlantide / 1961 de Vittorio Cottafavi, espetáculo de tom cômico muito movimentado e com certa qualidade pictórica. Além de Hércules, os autores do peplum ressuscitaram os velhos personagens do cinema mudo, Maciste, Ursus e o bíblico Sansão (que fôra interpretado na cena silenciosa por Luciano Albertini, o rival mais temível de Bartolomeu Pagano) e introduziram outro gigante bíblico, Goliath (Golias).

A esta altura, os produtores perceberam que podiam fazer os filmes gastando menos dinheiro. Os orçamentos foram encolhendo e a qualidade das produções caiu fortemente. Por uma questão de economia, surgiu a prática de usar nos pepluns cenas de outros filmes semelhantes, no início apenas as cenas de grande figuração como cenas de batalha ou em arenas; mas aos poucos tal prática se generalizou e se ampliou. Procurando renovar o ciclo condenado a uma exaustão provável, os roteiristas inventaram histórias com tramas cada vez mais inconsistentes e incoerentes e, a fim de aplicar suas receitas em projetos que já haviam dado lucro, começaram a plagiar as intrigas dos filmes de sucesso da época (v. g.  Os Sete Gladiadores / I sette gladiatori / 1962 de Pedro Lazaga era refilmagem na moda peplum de Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 1960 de John Sturges; Maciste nas Minas do Rei Salomão / Maciste nelle miniere di re Salomone / 1964 de Piero Regnoli lembrava o filme americano de 1950 com Stewart Granger e Deborah Kerr.

Os plágios não se restringiram à simples cópia de sucessos comerciais cinematográficos. Os produtores passaram também a reutilizar estruturas pertencentes a outros gêneros: aventura, fantástico, ficção científica, western, filmes de catástrofe, de capa e espada ou com um sabor oriental. No campo do horror, por exemplo, sob a influência dos filmes de Mario Bava e das produções britânicas da Hammer, surgiu verbi gratia, Maciste contra o Vampiro / Maciste contro il vampiro / 1961 de Giacomo Gentilomo e Sergio Corbucci. Nos domínios da ficção científica, apareceu O Gigante de Metrópolis / l gigante di Metropolis / 1961 de Umberto Scarpelli e Mario Tota, no qual o herói enfrenta os robôs de uma sociedade futurista que tem o domínio da energia nuclear. a energia nuclear.

Como se não bastasse, vieram os cruzamentos, ou seja, confrontações improváveis entre os heróis (v. g. Ulisses contra Hércules / Ulisse contre Ercole / 1961 de Mario Caiano; Maciste contro Ercole nella valle dei guai / 1962 de Mario Mattoli) e teve até um o incrível Zorro contro Maciste / 1963 de Umberto Lenzi. Nos EUA o filme passou como Samson and the Slave Queen, Maciste virou Sansão e, como foi a versão americana que foi exibida aqui, o título do filme no Brasil foi Sansão e a Rainha Escrava. Outro encontro estapafúrdio ocorreu em um filme de Giorgio Capitani intitulado Hércules, Sansão, Maciste e Ursus, os invencíveis / Ercole, Sansone, Maciste e Ursus, gli invincibili / 1964, para o qual toda a turma do fisioculturismo foi convocada.

Filmes como estes acabaram por descredibilizar um gênero já bem desvalorizado por um punhado de produções medíocres e não ofereceram mais a rentabilidade dos filmes realizados no início do ciclo, que se extinguiu com uma coprodução italo- germânica-yugoslava, Massacre na Floresta Negra / Il massacro della foresta nera – Hermann der Cherusker – Die Schlacht im Teutoburger Wald / 1966, dirigida por Ferdinand Baldi e Rudolf Nussgruber.

Em Cinecittà, os operários do estúdio começaram a demolir as colunas dos templos e as escadarias dos palácios para construir cidades do Oeste e vários diretores do peplum se adaptaram ao western spaghetti, nova vaga do cinema popular italiano inaugurada por Sergio Leone em 1964.

FILMOGRAFIA

Como a filmografia do peplum é muito extensa, registro apenas os filmes no gênero dos cinco diretores mencionados no início deste post.

SERGIO CORBUCCI

1961 – Rômulo e Remo / Romolo e Remo. 1962 – O Filho de Spartacus / Il figlio di Spartacus.

VITTORIO COTTAFAVI

1958 – A Revolta dos Gladiadores / La rivolta dei gladiatori. 1959 – As Legiões de Cesar / Le legioni di Cleopatra. 1960 – Messalina, Vênus Imperial / Messalina, Venere imperatrice; Golias e o Dragão / La vendeta de Ercole. 1961 – As Virgens de Roma / Le vergini di Roma. Hércules na Conquista da Atlântida / Ercole ala conquista di Atlanta.

PIETRO FRANCISCI

1952 – A Rainha de Sabá / La regine i Saba. 1954 – A Invasão dos Bárbaros (no relançamento Atila, Rei dos Hunos / Attila. 1958 – As Façanhas de Hèrcules / Le fetiche de Ercole. 1959 – Hércules e a Rainha da Lídia / Ercole e la regina di Lidia. 1960 – O Cerco de Siracusa / L´assedio di Siracusa; Safo, a Vênus de Lesbos / Saffo, Venere di Lesbo. 1963 – Hércules, Sansão e Ulisses / Ercole, sfida Sansone.

RICCARDO FREDA

1953 – Spartaco / Spartaco. 1954 – Teodora, Imperatriz de Bizâncio / Teodora, imperatrice di Bisancio. 1960 – Os Argonautas / I giganti dela Tessaglia; Maciste no Imério Chinês / Maciste a la corte del Gran Khan. 1962 – Maciste no Inferno / Maciste all’ inferno.

DUCIO TESSARI

1961 – Os Filhos do Trovão / I titani / Arrivano i titani.

Outros realizadores do peplum: Ferdinando Baldi, Marcello Baldi, Mario Bava, Tanio Boccia, Carlo Ludovico Bragaglia, Alfonso Brescia, Guido Brignone, Mario Caiano, Carlo Campogalliani, Fernando Cerchio, Alberto de Martino, Giorgio Ferroni, Carmine Gallone, Giacomo Gentilomo, Sergio Grieco, Sergio Leone, Umberto Lenzi, Antonio Leonviola, Michele Lupo, Guido Malatesta, Antonio Margheriti, Domenico Paolella, Gianfranco Parolini, Viktor Tourjansky, Giuseppe Vari, Primo Zweglio.

Astros mais assíduos no peplum: Georges Marchal, Ettore Manni, Steve Reeves, Gordon Scott, Mark Forest, Richard Harrison, Peter Lupus, Gordon Mitchell, Reg Park, Brad Harris, Alan Steel (Sergio Conti), Kirk Morris (Adriano Bellini), Ed Fury, Dan Vadis, Roger Browne, Richard Lloyd.

CINEMA CLÁSSICO BRITÂNICO: OUTRA TRADIÇÃO DE QUALIDADE

Além de promover um ataque preconceituoso contra a “tradição de qualidade” da cinematografia francesa no período de 1939 a 1959, que nos ofereceu filmes magníficos de diretores como Julien Duvivier e Marcel Carné, para citar apenas dois eminentes cineastas daquela época, François Truffaut rejeitou o mérito do Cinema Britânico, dizendo que ele era uma “contradição em termos”, ou seja, que existia uma certa incompatibilidade entre os termos “cinema” e “Grã-Bretanha”.

Em 2001, escreví Uma Tradição de Qualidade – O Cinema Clássico francês (1930-1959), publicado pelas Ed. Rocco e Contratempo, reexaminando a obra dos diretores francêses deste período, que proporcionaram excelentes espetáculos populares e realizações duradouras para a cultura cinematográfica.

Neste artigo, seleciono dez diretores britânicos que deram uma contribuição notável para o cinema mundial – outra “tradição de qualidade” cujo trabalho parece ter sido desconhecido pelo então jovem militante da Nouvelle Vague.

A meu ver, Truffaut tinha todo o direito de promover uma revolução na prática de cinema, produzindo fora dos estúdios um novo tipo de filme; porém, como crítico de cinema, não poderia ter ignorado os grandes filmes produzidos ou co-produzidos pelo cinema britânico e lançados até 1962, data em que o moço da Cahiers du Cinéma proferiu sua frase demolidora.

Nunca te Amei

ANTHONY ASQUITH (1902 – 1968)

1928 – Shooting Stars, co-dir A.V. Bramble; Underground. 1929 – The Runaway Princess, co-dir. Fritz Wendhausen; A Cottage on Dartmoor. 1931 – Tell England co-dir. Geoffrey Barkas. 1932 – Dance Pretty Lady. 1933 – The Lucky Number. 1935 – Noites de Moscou / Moscow Nights. 1938 – Pigmalião / Pygmalion, co-dir. Leslie Howard. 1940 – Caçadora de Corações / French Without Tears. 1941 – Uma Voz nas Trevas / Freedom Radio; Quiet Wedding; Cottage to Let. 1942 – Um Grito de Rebelião / Uncensored, 1943 – We Dive at Dawn; O Coração Não Tem Fronteiras / The Demi-Paradise. 1944 – Amor nas Sombras / Fanny by Gaslight. 1945 – Além das Nuvens / The Way to the Stars. 1947 – While the Sun Shines. 1948 – Um Caso de Honra. / The Winslow Boy. 1950 – A Mulher Falada / The Woman in Question. 1951 – Nunca te Amei / The Browning Version. 1952 – A Importância de Ser Honesto / The Importance of Being Earnest. 1953 – Projeto M-7 / The Net; The Final Test. 1954 – Amantes Secretos / The Young Lovers; Carrington V.C. 1958 – Ordem de Matar / Orders to Kill; O Dilema do Médico / The Doctor´s Dilema. 1959 – A Noite é Minha Inimiga / Libel. 1960 – Com Milhões e Sem Carinho / The Millionairess. 1961 – Gente Muito Importante / The V.I.P.S.; Uma Noite com o Balé Real / An Evening with the Royal Ballet, co-dir. Anthony Havelock-Allan (documentário). 1964 – O Rolls-Royce Amarelo / The Yellow Rolls-Royce.

CHARLES CRICHTON (1910 – 1999)

1944 – For Those in Peril. 1945 – Painted Boats; Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódio). 1947 – Hue and Cry. 1948 – Heróis Anônimos / Against the Wind; Another Shore. 1949 – Train of Events (episódio). 1950 – Dance Hall. 1951 – O Mistério da Torre / The Lavender Hill Mob. 1952 – Devoção de Assassino / Hunted. 1953 – The Titfield Thunderbolt (na TV: O Expresso de Titfield). 1954 – A Loteria do Amor / The Love Lottery; Corações em Angústia / The Divided Heart. 1957 – Entre a Terra e o Céu / The Man in the Sky. 1958 – Law and Disorder; Torrentes de Medo / Floods of Fear. 1960 – The Battle of Sexes; O Garoto Que Roubou Um Milhão / The Boy Who Stole a Million. 1964 – A Verdade Oculta/ The Third Secret. 1965 – He Who Rides a Tiger. 1988 – Um Peixe Chamado Wanda / A Fish Called Wanda.

A Lâmpada Azul

BASIL DEARDEN (1911 – 1971)

1942 – Detetive à Força / The Black Sheep of Whitehall), co-dir. Will Hay; Professor Astuto / The Goose Steps Out, co-dir. Will Hay. 1943 – The Bells Go Down; My Learned Friend, co-dir. Will Hay. 1944 – The Halfway House; They Came to a City. 1945 – Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódios). 1946 – Corações Aflitos / The Captive Heart. 1947 – Frieda / Frieda. 1948 – Sarabanda / Saraband for Dead Lovers. 1949 – Train of Events (episódios). 1950 – A Lâmpada Azul / The Blue Lamp; Do Amor ao Ódio / Cage of Gold. 1951 – Beco do Crime / Pool of London. 1952 – Confio em Ti / I Believe in You, co-dir. Michel Relph; O Ódio Era Mais Forte / The Gentle Gunman. 1954 – The Rainbow Jacket. 1955 – Out of the Clouds; A Morte de um Herói / The Ship That Died of Shame. 1956 – Who Done It? 1957 – The Smallest Show on Earth. 1958 – Seduzidos pela Maldade / Violet Playground. 1959 – Safira, A Mulher Sem Alma / Sapphire. 1960 – Os Sete Cavalheiros do Diabo / The League of Gentleman; Um Homem na Lua / Man in the Moon. 1961 – O Sócio Secreto / The Secret Partner; Meu Passado Me Condena / Victim. 1962 – All Night Long; Escravo de uma Obsessão / Life for Ruth. 1963 – The Mind Readers; A Place to Go. 1964 – A Mulher de Palha / Woman of Straw. 1965 – Oriente Contra Ocidente / Masquerade. 1966 – Khartoum / Khartoum. 1968 – No Mundo dos Escroques / Only When I Larf. 1969 – Sindicato do Crime / The Assassination Bureau. 1970 – The Man Who Haunted Himself (na TV, O Homem Que Não Era). 1974 – Missão: Monte Carlo / Mission: Monte Carlo, co-dir. Roy Baker (TV, compilação da série The Persuaders).

A Dama de Espadas

THOROLD DICKINSON (1903 – 1984)

1932 – The High Command. 1939 – The Arsenal Stadium Mystery. 1940 – Gaslight. 1941 – O Primeiro Ministro / The Prime Minister. 1942 – Alguém Falou … / The Next of Kin. 1946 – Atavismo / Men of Two Worlds. 1949 – A Dama de Espadas / The Queen of Spades. 1952 Secret People. 1955 – Colina 24 Não Responde … / Hill 24 Doesn´t Answer.

As Oito Vítimas

ROBERT HAMER (1911 – 1963)

1945 – Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódio). Pink String and Sealing Wax. 1947 – It Always Rains on Sunday. 1949 – As Oito Vítimas / Kind Hearts and Coronets; Confissão de uma Espiã / The Spider and the Fly. 1952 – His Excellency. 1953 – The Long Memory. 1954 – Aventuras do Padre Brown / Father Brown. 1955 – Nossa Querida Paris / To Paris with Love. 1959 – O Estranho Caso do Conde / The Scapegoat. 1960 – School for Scoundrels.

Marcada pelo Destino

FRANK LAUNDER (1906 -1997)

1943 – Millions Like Us, co-dir. Sidney Gilliat. 1944 – Duas Mil Mulheres / Two Thousand Women. 1946 – Marcada pelo Destino / I See a Dark Stranger. 1947 – Capitão Boycott / Captain Boycott. 1949 – Lago Azul / The Blue Lagoon. 1950 – The Happiest Days of Your Life. 1951 – Lady Godiva Rides Again. 1952- Folly to Be Wise. 1954 – The Belles of St. Trinian´s. 1955 – Geordie. 1957 – Blue Murder at St. Trinian´s. 1959 – The Bridal Path. 1960 – The Pure Hell of St. Trinian´s. 1965 – Joey Boy. 1966 – The Great St. Trinian´s Robbery., co-dir. Sidney Gilliat. 1980 – The Wildcats of St. Trinian´s.

SIDNEY GILLIAT (1908 – 1994) 1950

1943 – Millions Like Us, co-dir. Frank Launder. 1945 – Waterloo Road; Ironia do Destino / The Rake´s Progress. 1947 – Verde Passional / Green for Danger. 1948 – London Belongs to Me. 1950 – Segredo de Estado / State Secret.1953 – Sublime Inspiração / The Story of Gilbert and Sullivan. 1955 – O Passado de Meu Marido / The Constant Husband. 1957 – A Fortuna é Mulher / Fortune is a Woman. 1959 – Left, Right and Centre. 1962 – O Preço do Pecado / Only Two Can Play. 1966 – The Great St. Trinian´s Train Robbery, co-dir. Frank Launder. 1972 – Noite Interminável / Endless Night.

Oliver Twist

DAVID LEAN (1908 -1991)

1942 – Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve, co-dir. Noel Coward. 1944 – This Happy Breed. 1945 – Uma Mulher do Outro Mundo / Blithe Spirit; Desencanto / Brief Encounter. 1946 – Grandes Esperanças / Great Expectations.  1948 – Oliver Twist / Oliver Twist. 1949 – A História de uma Mulher / The Passionate Friends. 1950 – O Grito da Carne ou As Cartas de Madeleine / Madeleine. 1952 – Sem Barreira no Céu / The Sound Barrier. 1954 – Papai é do Contra / Hobson´s Choice. 1955 – Quando o Coração Floresce / Summer Madness. 1957 – A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai. 1962 –Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia. 1965 – Doutor Jivago / Doctor Zhivago. 1970 – A Filha de Ryan / Ryan´s Daughter. 1984 – Passagem para a Índia/ A Passage to India.

O Quinteto da Morte

ALEXANDER MACKENDRICK (1912 -1993)

1949 – Alegria a Granel / Whisky Galore. 1951 – O Homem do Terno Branco / The Man in the White Suit. 1952 – Martírio do Silêncio / Mandy.  1954 – Um Ianque na escócia / The Maggie. 1955 – Quinteto da Morte / The Ladykillers. 1957 – A Embriaguês do Sucesso / Sweet Smell of Success. 1963 – Sózinho Contra a África / Sammy Going South. 1965 – Vendaval na Jamaica / A High Wind in Jamaica. 1967 – Não Faça Onda / Don´t Make Waves.

Hamlet

LAURENCE OLIVIER (1907 – 1989)

1944 – Henrique V / Henry V. 1948 – Hamlet / Hamlet. 1955 – Ricardo III / Richard III.  1957 – O Príncipe Encantado / The Prince and the Showgirl. 1970 – Three Sisters (na TV, Três Irmãs).

MICHAEL POWELL (1905 – 1990)

1937 – The Edge of the World. 1939 – O Leão Tem Asas / The Lion Has Wings, co-dir. Brian Desmond Hart e Adrian Brunel); O Espia Submarino ou O Espia Submarino U-29 (no relançamento) / The Spy in Black. 1940 – Nas Sombras da Noite / Contraband; O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad, co-dir. Ludwig Berger e Tim Whelan. 1941 – Invasão de Bárbaros / 49thParallel. 1942 – E Um Avião Não Regressou / One of Our Aircraft Is Missing, co-dir. Emeric Pressburger 1943 – The Life and Death of Colonel Blimp. 1944 – A Canterbury Tale. 1945. I Know Where I´m Going. 1946 – Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death, co-dir. Emeric Pressburger. 1947 – Narciso Negro / Black Narcissus, co-dir. Emeric Pressburger / 1948 – Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes, co-dir. Emeric Pressburger; The Small Black Room. 1950 – Coração Indômito / Gone to Earth, co-dir. Emeric Pressburger; Aventuras do Pimpinela Escarlate / The Elusive Pimpernel , co-dir. Emeric Pressburger. 1951 – Os Contos de Hoffman / The Tales of Hoffman, co-dir. Emeric Pressburger. 1955 – Oh … Rosalinda!! 1956 – A Batalha do Rio de Prata / The Battle of the River Plate, co-dir. Emeric Pressburger. 1957 – Perigo nas Sombras / Ill Met by Moonlight, co-dir. Emeric Pressburger. 1959 – Luna de Miel / Honeymoon. 1960 – A Tortura do Medo / Peeping Tom. 1961 – Os Soldados da Rainha / The Queen´s Guard. 1964 – Bluebeard´s Castle. 1966 -They´re a Weird Mob. 1969 – A Idade da Reflexão / Age of Consent.1972 -The Boy Who Turned Yellow.

Condenado

CAROL REED (1906 – 1976)

1935 – It Happened in Paris, co-dir.Robert Wyler; Midshipman Easy. 1936 – Laburnum Grove, Talk of the Devil. 1937 – Who´s Your Lady Friend? 1938 – Bank Holiday; Penny Paradise; Climbing High. 1939 – Garotas Apimentadas / A Girl Must Live. 1940 – Sob a Luz das Estrelas / The Stars Look Down; Ré Inocente / Girl in the News; Gestapo / Night Train to Munich. 1941 – Kipps. 1942 – O Jovem Mr. Pitt / The Young Mr. Pitt. 1943 – Têmpera de Aço / The Way Ahead. 1945 – A Verdadeira Glória / The True Glory, co-dir. Garson Kanin (documentário). 1947 – Condenado / Odd Man Out. 1948 – O Ídolo Caído / Fallen Idol. 1949 – O Terceiro Homem / The Third Man. 1951 – O Pária das IIhas / Outcast of the Islands. 1953 – O Outro Homem / The Man Between. 1955 – A Rua da Esperança / A Kid for Two Farthings. 1956 -Trapézio / Trapeze. 1958 – A Chave / The Key. 1959 – O Nosso Homem em Havana. / Our Man in Havana. 1963 – À Sombra de uma Fraude / The Running Man. 1965 – Agonia e Êxtase / The Agony and the Ectasy. 1968 – Oliver! / Oliver! 1970 – Fúria Audaciosa / Flap. 1972 – De Olho da Esposa / Follow Me.