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FRANK CAPRA

Além de ter sido um dos iniciadores de um ciclo de filmes rotulado de “screwball ou madcap comedy” (comédia maluca), ele foi o inventor e o mestre de uma outra forma de comédia em sintonia com os anos da Depressão Econômica norte-americana, as esperanças da classe popular e o espírito otimista do New Deal do presidente Roosevelt, na qual o homem do povo sempre saia ganhando.

Frank Capra

Francesco Rosario Capra (1897- 1991) nasceu na pequena cidade de Bisacquino, Sícilia na Itália, filho de camponeses analfabetos. Quando tinha seis anos de idade, emigrou com os pais, um irmão e duas irmãs para a Califórnia, chamados pelo irmão mais velho Ben, que tinha fugido para a América, alguns anos antes. Foram para a América a bordo da terceira classe do navio Germania, lotado de imigrantes. O pai de Capra trabalhou como lavrador e ele costumava vender jornais para reforçar o orçamento doméstico. Contra a vontade de seus progenitores, não começou a trabalhar assim que terminou o ensino médio. Como tinha aptidão especial para a matemática, matriculou-se na Caltech (Califórnia Institute of Technology), então denominado Throop Polytechnic Institute. Convocado durante a Primeira Guerra Mundial, lecionou matemática para os homens da artilharia em Fort Point, San Francisco até que pegou a gripe espanhola e foi dispensado do serviço militar. Em junho de 1918 formou-se em Engenharia Química mas, não conseguindo emprego fixo, perambulou durante três anos pelo oeste dos Estados Unidos, fazendo biscates, jogando pôquer, tocando guitarra, para se sustentar.

Ao ler em um jornal uma reportagem sobre a inauguração de um estúdio de cinema em San Francisco, Capra foi ao local indicado e, fazendo crer falsamente que viera de Hollywood, conseguiu impressionar o fundador do novo estúdio, Walter Montague.  Este lhe ofereceu 75 dólares para dirigir um filmezinho de 12 minutos baseado em um poema de Rudyard Kipling. Auxiliado por um amigo, Roy Wiggins, cinegrafista de cinejornais, o jovem engenheiro químico conseguiu realizar com 700 dólares e em dois dias The Ballad of Fultah Fisher´s Boarding House, que estreou na Broadway em 2 de abril de 1922 e recebeu os maiores elogios dos resenhistas.

Animado, Capra resolveu aprender o ofício de diretor de cinema, começando pela montagem. Após passar um ano como aprendiz no laboratório de Walter Ball, trabalhando com filmes amadores, obteve por intermédio dele emprego como aderecista na equipe do diretor de comédias curtas Bob Eddy. Dessas comédias participava uma jovem, Helen Howell, com quem se casou. Capra passou depois a montador e foi posteriormente promovido a gag writer (escritor de piadas ou situações cômicas) e seu braço direito no set de filmagem. Um pouco mais tarde, Eddy levou Capra para Hollywood, apresentou-o a seu amigo Bob Mc Gowan, diretor das comédias Our Gang, e assim o jovem aprendiz se dedicou a bolar gags para a famosa série produzida por Hal Roach.

Depois de seis meses no estúdio de Roach, novamente por intermédio de McGowan, Capra foi admitido no Mack Sennett Studio em Edendale, onde colaborou como gag writer nas comédias de Harry Langdon. Quando Langdon foi para a First National, convidou o diretor de suas comédias Harry Edwards para acompanhá-lo e este aceitou, desde que Capra fosse com ele como seu codiretor. Capra por sua vez exigiu que seu colega Arthur Ripley fosse com eles. Assim, em novembro de 1925 eles estavam reunidos com Langdon para a filmagem de seu primeiro longa-metragem, O Andarilho / Tramp, Tramp, Tramp. O filme teve boa acolhida do público e Langdon, achando-se um grande astro, começou a interferir no trabalho de Edwards que, inconformado com esta intromissão, desentendeu-se com ele e indicou Capra para substituí-lo. Capra dirigiu os melhores filmes de Langdon, O Homem Forte / The Strong Man / 1926 e Pinto Calçudo / Long Pants / 1927, porém, tal como Edwards, não aguentou a pretensão e a ingratidão de um ator que eles ajudaram a se firmar no mundo do cinema e acabou sendo demitido. Langdon dirigiu seus próximos três filmes com Arthur Ripley como seu homem de confiança e sua carreira começou a declinar.

Enquanto estava desempregado, Capra conheceu os irmãos Small, Eddie e Morris, donos de uma agência de talentos e estes lhe propuseram a direção de um filme, For the Love of Mike, para o produtor Robert Kane, que seria o futuro gerente do estúdio da Paramount em Joinville, onde foram feitas versões de filmes americanos em várias línguas. Kane havia prometido entregar dez filmes para a First National. Ele entregou nove e esperava financiar este décimo com os lucros auferidos com os nove anteriores; porém os rendimentos não foram suficientes para cobrir todas as despesas do seu último projeto, a filmagem foi convulsionada e o filme resultou em um tremendo fracasso. Entretanto, quando exibido no Brasil com o título de O Filho da Fortuna, o comentarista da revista Cinearte qualificou-o como “um agradável passatempo”. Nessa ocasião Capra divorciou-se de Helen.

Após passar dois anos desempregado, Capra aceitou o convite de Mack Sennett e voltou como gag writer para o estúdio de Edendale. Cerca de doze semanas depois, Morris Small lhe comunicou que Harry Cohn da Columbia, estava à procura dele para dirigir um filme. Cohn o escolhera, por acaso, em uma lista de diretores desempregados. A Columbia era então um dos estúdios da chamada Poverty Row, área entre Sunset e Gower Street onde se situavam as companhias produtoras mais pobres, de modo que os primeiros filmes de Capra nesta companhia (O Meu Segredo / That Certain Thing; Defende Teu Amor / So This is Love?; Esta Vida é uma Comédia / The Matinee Idol; Os Predestinados / The Way of the Strong; O Que a Lei Não Castiga / Say it with Sables), todos produzidos em 1928, foram quickies (feitos em seis semanas por uns poucos mil dólares) porém, graças ao esmero da direção, tornaram-se espetáculos agradáveis.

Ralph Graves, Dorothy Revier e Jack Holt em Submarino

No mesmo ano, a Columbia investiu em um filme classe A, Submarino / Submarine, aventura envolvendo o resgate de uma tripulação presa no fundo do mar. Insatisfeito com o trabalho de Irving Willat, Cohn designou Capra para terminar a filmagem. Ele concordou, desde que pudesse começar tudo de novo e aproveitou muito bem esta oportunidade de substituir um diretor respeitado no meio cinematográfico e dar um passo gigantesco de diretor de quickies para diretor de filmes classe A. Ainda sem som, Submarino, aventura sobre o resgate de uma tripulação no fundo do mar com Jack Holt, Ralph Graves, Dorothy Revier, obteve um grande sucesso e fez as ações da Columbia dobrarem de valor.

Ainda em 1928, Capra dirigiu mais um filme mudo, Mocidade Audaciosa / The Power of the Press, comédia-dramática com Douglas Fairbanks Jr. e Jobyna Ralston e, em 1929, um filme meio-falado, As Duas Gerações / The Younger Generation, melodrama com Jean Hersholt, Lina Basquette, Ricardo Cortez e dois todo-falados, Na Trama das Paixões / The Donovan Affair, policial e comédia com Jack Holt, Dorothy Revier e Asas do Coração / Flight, aventura com Jack Holt, Ralph Graves.

E assim ele foi desenvolvendo seu ofício, fazendo parceria com roteiristas habilidosos (Jo Swerling, Robert Riskin) e técnicos (notadamente o diretor de fotografia Joseph Walker), descobrindo Barbara Stanwyck, realizando sempre filmes interessantes, entre eles seus primeiros trabalhos de maior relevância artística, que estão marcados em granito: 1930 – A Flor dos Meu Sonhos / Ladies of Leisure, drama  e romance com Barbara Stanwyck, Ralph Graves; Com Sol ou Chuva (na TV) / Rain or Shine drama, comédia e romance com Joe Cook, Louise Fazenda; 1931 – Dirigível / Dirigible, aventura com Jack Holt, Ralph Graves, Fay Wray ; A Mulher Miraculosa / Miracle Woman com Barbara Stewart, David Manners; Loura e Sedutora / Platinum Blonde com Jean Harlow, Loretta Yong, Robert Williams. 1932 – A Mulher Proibida / Forbidden, drama e romance com Barbara Stanwyck, Adolphe Menjou, Ralph Bellamy; Loucura Americana / American Madness com Walter Huston, Pat O´Brien, Kay Johnson; O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen, drama, romance e guerra com Barbara Stanwyck, Nils Ashter, Walter Connolly. 1933 – Dama por um Dia / Lady for a Day com Warren William, May Robson, Jean Parker.

Barbara Stanwyck e David Manners em Mulher Miraculosa

A Mulher Miraculosa. Drama satírico, baseado na peça de John Meeham e Robert Riskin, sobre uma evangelista (Barbara Stanwyck) que usa seu poder sobre os fiéis com fins venais, mas depois, redimida pelo amor de um herói de guerra cego (David Manners), se arrepende diante da multidão. Capra foi bem servido pela foto de Joseph Walker e pelo desempenho de Barbara Stanwyck, tanto nas cenas de histeria coletiva no templo como nas mais íntimas com o aviador cego que fora salvo do suicídio pelas pregações da protagonista.

Cena de Loucura Americana

Loucura Americana. Primeiro filme de Capra com roteiro de Robert Riskin, prenunciando a linha do populismo e do herói idealista. Dinâmica performance de Walter Huston como o banqueiro generoso que empresta dinheiro aos clientes atingidos pela Depressão sem lhes pedir garantias, acreditando no caráter deles. Quando seu banco é ameaçado de falência, por causa dos rumores de um desfalque, são os pequenos tomadores de empréstimos que a impedem, aumentando por gratidão os seus depósitos. O espetáculo tinha uma ação rápida e cenas de multidão habilmente encenadas. Nesta época Capra casou-se com Lucille Florence Warner com quem viveria até 1984, quando ela faleceu.

Dama por um Dia. Conto de fadas moderno de Damon Runyon no qual Capra colocou alegria e sentimento. Gângster de bom coração e supersticioso (Warren William) ajuda uma velha e pobre vendedora de maçã, Apple Annie (May Robson) a se passar por uma dama da sociedade, quando ela recebe a visita da filha (Jean Parker), criada em um convento pensando que a mãe era rica. Graças à empatia de Capra com o seu tema e o seu contrôle atrás da câmera, o filme foi indicado para o Oscar assim como o diretor, o roteirista Robert Riskin e a atriz May Robson.

A partir de 1934 começaram a surgir os filmes, que definiram o estilo e a prioridade temática do realizador, o homem comum como seu herói predileto e a relevância de assuntos com fundo social, destacando-se os que se seguem adiante assinalados em traços mais espessos: 1934 – Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night. 1936 – A Vitória Será Tua / Broadway Bill com Warner Baxter, Myrna Loy, Walter Connolly; O Galante Mr. Deeds / Mr. Deeds Goes to Town. 1937 – Horizonte Perdido / Lost Horizon. 1938 – Do Mundo Nada Se Leva / You Can´t Take with You1939 – A Mulher Faz o Homem / Mr. Smith Goes to Washington.

Clark Gable e Claudette |Colbert em Aconteceu Naquela Noite

Aconteceu Naquela Noite. Escrita por Robert Riskin a partir de um conto de Samuel Hopkins, publicado na revista Cosmopolitan, esta excelente screwball comedy de ritmo rápido, engraçada e inventiva conquistou os Oscar de Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado, surpreendendo a todos os membros da produção. Gable foi emprestado por Louis B. Mayer à Columbia como punição disciplinar e fez o filme contrariado. Colbert, cedida pela Paramount, também por castigo, só. aceitou participar, depois que lhe dobraram o salário. Quis porém o destino que os dois astros se “encontrassem” perfeitamente nos respectivos papéis do repórter impetuoso e da herdeira fugitiva, realizando grandes desempenhos. O espantoso sucesso do filme ajudou a transformar a Columbia em um grande estúdio e desencadeou numerosas imitações por toda a década de trinta e até mesmo na de quarenta.

Gary Cooper e Jean Arthur em O Galante Mr. Deeds

O Galante Mr. Deeds. Capra recusou-se a fazer a primeira de suas famosas fantasias populistas com outro ator que não fosse Gary Cooper e, vivendo o aparentemente simplório tocador de tuba de Mandrake Falls, que herda uma grande fortuna e resolve distribuí-la entre os deserdados da vida. Triunfando sobre as forças da corrupção e do cinismo, ele personifica o homem do povo, com o qual o público se identificou. Cooper foi emprestado pela Paramount e Jean Arthur, que interpretava a jornalista Babe Bennett, era da Columbia mesmo. Foi o primeiro filme em que o produtor Harry Cohn permitiu que seu diretor colocasse seu nome antes do título (mais tarde Capra publicaria sua biografia com o nome “The Name Above de Title”). Por Mr. Deeds, Capra foi indicado para o Oscar e recebeu sua segunda estatueta da Academia.

Cena de Horizonte Perdido

Horizonte Perdido. Adaptação, por Robert Riskin, do romance de James Hilton, o filme levou dois anos para se fazer, custou dois milhões de dólares, metade do orçamento anual da Columbia, e foi indicado para o Oscar. Depois de pensar em H. B. Walthall e Charles Laughton para o papel do Grande Lama, líder da utópica comunidade do Tibete com 200 anos de idade, o diretor escolheu Sam Jaffe, então com 38 anos de idade. Harry Cohn achou a maquilagem dele grotesca e experimentaram então novas cenas com Walter Connolly; porém depois, Capra e Cohn optaram por Jaffe. Os cenários modernistas de Stephen Goosson (premiado pela Academia) foram um dos maiores até então construídos em Hollywood e Ronald Colman encaixou-se perfeitamente no personagem do diplomata Robert Conway que, com outros quatro sobreviventes de um desastre aéreo, fica conhecendo a cidade oculta de Shangri-La. A montagem (Gene Milford, Gene Havlick) também foi premiada.

Lionel Barrymore, James Stewart, Jean Arthur e Edward Arnold em Do Mundo Nada se Leva

Do Mundo Nada se Leva. Comédia na linha clássica do diretor, com roteiro de Robert Riskin a partir de uma peça de George S. Kaufman e Moss Hart, mostra uma família excêntrica, cuja neta do patriarca, vovô Vanderhof (Lionel Barrymore), se apaixona pelo filho de um milionário, Mr. Kirby (Edward Arnold), acontecendo deliciosas confusões e a “recuperação” do ricaço para os prazeres simples da vida. James Stewart e Jean Arthur são Alice e Tony, os dois namorados e um  grupo de coadjuvantes formidáveis compõem a família amalucada:  Spring Byington é a filha do velho Vanderhof, que se tornou escritora porque uma máquina de escrever foi entregue na sua casa por engano; Samuel S. Hinds é o marido dela, que fabrica fogos de artifício no porão; Ann Miller, filha dos dois, faz uma dançarina de balé medíocre; Mischa Auer é seu professor russo e Dub Taylor, seu marido, que toca xilofone e imprime dinheiro;  Donald Meek, amigo do velho Vanderhof, vive inventando coisas.  O filme obteve o Oscar e Capra ganhou a estatueta pela terceira vez e Spring Byington concorreu ao cobiçado prêmio da Academia.

James Stewart e Jean Arthur A Mulher Faz o Homem

A Mulher Faz o Homem. Fantasia política, ao mesmo tempo corrosiva e comovente, baseada em história de Lewis R. Foster. Capra pretendia usar Gary Cooper no papel do senador idealista na cruzada contra a corrupção, mas ele tinha outro compromisso. James Stewart substituiu-o, e expressou admiravelmente as virtudes do bom moço americano, Jefferson Smith, jovem ingênuo líder dos escoteiros de uma cidade do interior, atingindo excepcional eloquência nas cenas finais, quando em um discurso de obstrução a um projeto desonesto, fala por horas a fio. Jean Arthur interpreta o papel da secretária que foi designada para trabalhar com Smith em Washington. Com a assistência do diretor de fotografia Joseph Walker e do engenheiro de som Ed Bernds, Capra enfrentou alguns problemas técnicos e chegou a inventar um novo método de se filmar close-ups. A produção ensejou nove indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (James Stewart), Ator Coadjuvante (Claude Rains como o senador corrupto e Harry Carey como o presidente do Senado), Roteiro (Sidney Buchman), Montagem (Gene Havlick, Al Clark), Música Adaptada (Dimitri Tiomkin), Direção de Arte (Lionel Banks) e História Original (Lewis R. Foster), vencendo nesta categoria.

A Mulher Faz o Homem encerrou o contrato de Capra com Cohn e a Columbia. Dave O. Selznick ofereceu-lhe espaço de escritório no seu estúdio Selznick-International e, em agosto de 1939, nasceu a Frank Capra Productions. No primeiro filme da nova companhia, Adorável Vagabundo / Meet John Doe / 1941, distribuído pela Warner Bros., Capra explora mais uma vez o tema do homem comum honesto e bondoso vencendo os poderosos. Furiosa por ter demitida, a jornalista Ann Mitchell (Barbara Stanwyck) inventa uma carta supostamente assinada por John Doe, um leitor desgostoso com o estado atual do mundo e anunciando seu suicídio no dia do Natal. A carta faz muito sucesso, a jornalista é readmitida, e convence um vagabundo, “Long John” Willoughby (Gary Cooper) a representar o papel do personagem imaginário. Este torna-se rapidamente uma figura popular a tal ponto que o diretor do jornal de tendência fascista quer manipulá-lo para obter uma candidatura à presidência da República. Quando John percebe isto, ele se revolta e se torna um herói típico de Capra.

Cena de Este Mundo é um Hospício

Durante a Segunda Guerra Mundial Capra alistou-se no Exército e, convocado pelo General Marshall, realizou a série Por Que Combatemos / Why We Fight (1942-1945) sob o patrocínio do Army Pictorial Service. A série compreendia sete filmes: Prelúdio de Guerra / Prelude to War (premiado com oOscar de Melhor Documentário); Os Nazistas Atacam / The Nazis Strike, Divide e Vencerás / Divide and Conquer; A Batalha da Inglaterra / Battle of Britain; Battle of China; Battle of Russia; War Comes to America. A unidade organizada por Capra lançou também um cine-jornal para as tropas, o Army-Navy Screen magazine e outros filmes inclusive: Know Your Ally: Britain; The Negro Soldier; a produção britânico-americana A Conquista da Tunisia / Tunisian Victory; Know Your Enemy: Japan; Here is Germany (mais detalhes sobre este assunto no meu artigo de 12de junho de 2015). Pouco antes de assumir sua nova função, Capra terminou Este Mundo é um Hospício / Arsenic and Lace (lançado em 1944), comédia macabra muito divertida baseada na peça de Joseph Kesselring, que contava com Cary Grant e Priscilla Lane e um elenco de coadjuvantes formidável: Raymond Massey, Peter Lorre, Edward Everett Horton, James Gleason, Jack Carson e  naturalmente Josephine Hull e Jean Adair, as duas doces idosas que envenenavam velhos solitários por piedade.

Cena de A Felicidade Não se Compra com Donna Reed e James Stewart

Após a guerra, Capra fundou com Samuel Briskin a Liberty Films Inc., da qual faziam parte como sócios William Wyler e George Stevens, e fez seu filme mais célebre, A Felicidade Não se Compra / It´s a Wonderful Life / 1946 (Dist: RKO), conto moral sobre a importância do altruismo e da amizade com uma dimensão fantástica. George Bailey (James Stewart), desistiu de seus sonhos para ajudar os outros. Colocado em uma situação de falência em virtude de seu tio Billy (Thomas Mitchell) por distração ter perdido o dinheiro de sua firma de empréstimos imobiliários a pessoas humildes sem necessidade de garantias e ameaçado de ser processado por Mr. Potter (Lionel Barrymore), um milionário ganancioso, George pensa em se suicidar na véspera de Natal. Neste momento, aparece Clarence (Henry Travers), seu anjo da guarda, para lhe mostrar como seria ruim para todos a vida em Bedford Falls, se ele não tivesse nascido. No desenlace, George se reune com sua família na noite de Natal e verifica que os habitantes da comunidade fizeram uma vaquinha para ajudá-lo a pagar suas dívidas. Esta última obra importante de Capra foi consagrada com cinco indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Ator (James Stewart), Montagem (William Hornbeck),Som.

Os filmes restantes de Capra (1948 – Sua Esposa e o Mundo / State of the Union, comédia-dramática com Spencer Tracy, Katherine Hepburn, Van Johnson. 1950 – Nada Além de um Desejo / Riding High, comédia com Bing Crosby, Collen Gray, Charles Bickford – refilmagem de Broadway Bill. 1951 – Orfãos da Tempestade / Here Comes the Groom, comédia romântica musical com Bing Crosby, Jane Wyman, Alexis Smith. 1959 – Os Viúvos Também Sonham / A Hole in the Head, comédia dramática com Frank Sinatra, Edward G. Robinson, Eleanor Parker. 1961 – Dama por um Dia / Pocketuful of Miracles, comédia dramática com Glenn Ford, Bette Davis, Hope Lange – refilmagem de Lady for a Day) ainda tinham o seu toque, mas não o brilho de suas melhores obras.

A NOUVELLE VAGUE

Em um célebre artigo intitulado “Uma certa tendência do cinema francês”, publicado pela revista Cahiers du Cinema (n°31, janeiro 1954), François Truffaut atacou a “tradição de qualidade”, um cinema de estúdio e de roteiristas dando primazia ao sistema de astros, que a crítica celebrava e os festivais premiavam.

Ele reclamava da divisão do trabalho entre o roteirista e o diretor, que se efetuava com vantagem para o primeiro, considerado na época o único “autor” do filme. Nessa configuração, o realizador não passava de um ilustrador, um artesão executando um plano que ele não determinara plenamente – e não um portador de um projeto pessoal.

O crítico de 22 anos denunciava igualmente o “inferno da adaptação” das grandes obras romanescas. O papel essencialmente literário do roteirista consistia em redigir uma continuidade dialogada que encontrasse soluções de encenação, mas que somente cuidasse da embalagem que iria acolher a matéria-prima do filme, o diálogo. Enfim, o realizador era um simples técnico que garantia a qualidade da imagem.

Truffaut acusou impiedosamente os diretores mais respeitados do cinema francês – como René Clair, Marcel Carné, Julien Duvivier, Henri-Georges Clouzot, René Clement, Yves Allegret, Christian-Jaque, Henri Decoin, Claude Autant-Lara, Jean Delannoy, etc. – poupando apenas alguns eleitos – Jean Renoir, Jacques Becker, Jacques Tati, Robert Bresson, Max Ophuls, Jean Cocteau, Abel Gance, Sacha Guitry -, considerados “autores”, e investiu também contra renomados roteiristas, como Henri Jeanson, Jacques Sigurd e, sobretudo, Jean Aurenche e Pierre Bost.

Ao mesmo tempo em que desprezava a “qualidade francesa” por causa de seu academismo, Truffaut reclamava em outro texto a abertura de um espaço para a nova geração, proclamando que “era preciso filmar outra coisa, com um outro espírito e outros métodos”, e exortando o abandono dos estúdios pois, naquela época a rigidez sindical e profissional – era preciso vinte anos de trabalho obscuro em um estúdio para se tornar diretor – desencorajava os jovens de ascender aos postos-chaves de decisão e de criação.

Em 1952 era ainda impensável se tornar um diretor sem ter passado por um aprendizado técnico e um estágio. Um jovem sem formação não tinha nenhuma chance de encontrar um produtor. E havia ainda a exigência de ser titular de uma carteira de identidade profissional de técnico da indústria cinematográfica (CIP) expedida pelo Centre National de la Cinématographie (CNC), documento exigido para trabalhar na produção de um filme. Seis anos mais tarde, os membros da Nouvelle Vague perceberam que, ao invés de se integrar ao sistema de produção corrente, era preciso mostrar seu valor independentemente do sistema e se integrar nele depois.

A emergência da Nouvelle Vague foi também a consequência lógica de outros fenômenos tais como o desenvolvimento de uma verdadeira escola de curta-metragem sob o impulso das ajudas públicas (v. g. a instituição de um subsídio pela qualidade para curtas-metragens) e a instauração, pelo trabalho dos cineclubes e das revistas de cinema, de um clima intelectual favorável ao reconhecimento do estatuto artístico da criação cinematográfica em pé de igualdade com a literatura e as outras artes.

Após a guerra, já vinha ocorrendo uma pequena revolução cultural: a cinefilia. O movimento assumiu sua forma nos cineclubes que se multiplicaram a partir de 1946: nas cidades, nos estabelecimentos escolares, nas empresas, reagrupados em uma meia dezena de federações reconhecidas e sustentadas pelo CNC (Centre National de la Cinématographie). No cineclube, via-se o filme de outra maneira, legitimando-o como um fato cultural.

O semanário L´Écran Français saiu da clandestinidade em julho de 1945. A renomada Revue du Cinéma, que havia tido uma existência efêmera editada pela Gallimard entre 1928 e 1931, reapareceu de 1946 a 1949. Em 1950, surgiu a Radio-Cinéma-Télévision futura Télérama. Em 1951, a Cahiers du Cinéma; em 1952, a Positif, em torno das quais borbulhavam as publicações mais modestas ou as revistas das federações de cineclubes, Image et Son e Cinéma. A Filmologia, nova disciplina universitária, entrou na Sorbonne com Gilbert Cohen-Séat. Ele publicou a Revue Internationale de Filmologie, que durou uma dezena de anos.

A sala da cinemateca francesa (fundada por Henri Langlois) atraía os parisienses e excitava a imaginação dos provincianos. Nasceu um público que justificava a multiplicação das salas chamadas “d´art et d´essai”, um cartel de cinemas de arte. Enfim, uma grande fração do público adquiriu certos conhecimentos e estava pronta para, nos fins dos anos 1950, acolher, pelo menos com curiosidade, toda tentativa de renovação.

François Truffaut

Claude Chabrol

Alain Resnais

A expressão “nouvelle vague” foi criada por Françoise Giraud na revista L´Express do dia 3 de outubro de 1957 para qualificar os jovens dos anos 50 no seu conjunto. Ela não fazia nenhuma referência ao cinema e foi somente em 1959 que Pierre Billard retomou o termo para designar os cineastas oriundos da Cahiers du Cinéma, formados sob conduta espiritual de André Bazin, morto em 11 de novembro de 1958 sem assistir,  não à eclosão de uma escola ou movimento, mas sim o surgimento de uma geração espontânea de vários diretores com idéias novas e adeptos da “política do autor”, que estavam realizando seus primeiros longas-metragens (Claude Chabrol, Pierre Kast, Jacques Rivette, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Éric Rohmer, Jacques Doniol-Valcroze), apelidados de “jeunes turcs” em referência ao movimento, chamado Revolução dos Turcos (3 de julho de 1908,) que marcou a dissolução do Império Otomano.

Jean-Luc Godard

Houve duas tendências bem diferentes deste fenômeno de renovação no cinema francês: uma, concentrada no grupo da Nouvelle Vague, de tendência direitista; outra, identificada com o grupo Rive Gauche, apoiado pela revista Positif, que funcionava como contraponto da Cahiers du Cinéma e era de tendência esquerdista, envolvendo uma geração um pouco mais velha (Alain Resnais, Agnes Varda, George Franju, Chris Marker, Henri Colpi). A rapaziada da Nouvelle Vague, apelidados de “jovens turcos”, privilegiava a encenação, o ato cinematográfico, em detrimento do conteúdo, da mensagem, e era criticada pela turma da Positif pela ausência de engajamento político.

Em um número especial sobre a Nouvelle Vague, Cahiers du Cinéma (nº 138 – dez. 1962) publicou uma lista de 162 cineastas que realizaram seu primeiro longa-metragem depois de 1 de janeiro de 1959, incluindo nomes como Jacques Demy, Louis Malle, Jean Pierre Melville, Edouard Molinaro, Jean Rouch, e outros que às vezes são citados como cinemanovistas ou como Alexandre Astruc e Roger Vadim apontados como seus precursores.

Cena de Le Beau Serge

Cena de Os Primos

O impacto inicial da Nouvelle Vague veio de quatro filmes lançados em 1959 e 1960: Nas Garras do Vício / Le Beau Serge e Os Primos / Les Cousins de Claude Chabrol, Os Incompreendidos / Les 400 Coups de François Truffaut e Acossado / A Bout de Souffle de Jean Luc Godard. O filme prototípico do grupo Rive Gauche foi Hiroshima, meu amor / Hiroshima, mon amour, dirigido por Alain Resnais. Chabrol investiu uma pequena herança (proveniente de sua esposa) na produção de seu primeiro longa-metragem e criou sua própria produtora Ajym Films. Truffaut recebeu ajuda financeira de seu sogro Ignace Morgenstern, dono da importante distribuidora Cocinor, e fundou a Les Films du Carrosse. O filme de Godard foi produzido pela Les Films Impéria de Georges de Beauregard e o de Resnais pela Argos Films de Anatole Dauman. Beauregard e Dauman foram, juntamente com Pierre Braunberger, os principais produtores da Nouvelle Vague

 

Cena de Os Incompreendidos

Cena de Acossado

Cena de Hiroshima, mon Amour

Já introduzidos nos meios profissionais, os novos cineastas souberam utilizar extraordinariamente sua rede de relações, a começar pelo mundo da imprensa. Saudados como deuses pelo conjunto desta, eles encontraram no semanário L´Express a tribuna permanente necessária. No exterior a Nouvelle Vague, novo instrumento de propaganda para a cultura gaullista (provando que a França era um país jovem, fazendo filmes jovens), conheceu um verdadeiro triunfo e influenciou o cinema de vários países, inclusive o Cinema Novo brasileiro.

As convenções estilísticas mais importantes dos filmes da Nouvelle Vague foram o uso da montagem elíptica e dos cortes interrompidos. Quando os jovens da Nouvelle Vague se tornaram diretores, conheciam tudo sobre cinema como uma forma de arte e pouco sobre os aspectos práticos da produção. Autodidatas, eles cometeram erros que seus orçamentos baratos e cronogramas de filmagem exíguos não permitiam que fossem corrigidos. Como não podiam fazer retaques, confiavam na montagem elíptica para esconder defeitos técnicos na tela. Os cortes interrompidos, por exemplo, eram um meio de restaurar tomadas malfeitas, extirpando cenas com erros de algum ator ou cinegrafista. Outra função da montagem elíptica e do corte interrompido foi a de eliminar as transições suaves que permitiam ao público esquecer de que estava vendo um filme, pois o cinema da Nouvelle Vague é de certo modo, um cinema auto-reflexivo ou meta-cinema.

Grupo de cineastas da Nouvelle Vague

Segundo os cineastas da Nouvelle Vague a montagem invisível do cinema comercial dos anos trinta, quarenta, cinquenta e boa parte dos anos sessenta foi projetada para desviar a atenção dos espectadores do fato de que ele ou ela estava assistindo um artefato criado conscientemente. E, curiosamente, eles não viam nenhuma contradição em rejeitar o cinema tradicional de qualidade francesa e ao mesmo tempo admirar descaradamente a Hollywood comercial clássica, alegando que certos diretores-autores como v. g. Otto Preminger, Nicholas Ray ou Douglas Sirk existiam no cinema americano.

A qualidade mais obviamente revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague foi o seu aspecto informal, desleixado. Os diretores novavaguistas admiravam os neorealistas (especialmente Rosselini) e, em oposição à filmagem em estúdio, preferiram filmar nas ruas. Semelhantemente, a iluminação de estúdio brilhante foi substituída pelo que Raoul Coutard chamou de “luz do dia”. Tinham também preferência pela câmera na mão e pelo plano longo. De outro lado, encorajaram os atores a improvisar suas falas, mesmo que isto contribuísse para desacelerar o enredo. Faziam também alusões a outros realizadores e filmes e in-jokes com colegas de profissão aparecendo em pequenos papéis (v. g. o diretor Jean-Pierre Melville como um romancista Parvulesco em Acossado).

Durante três anos os filmes da Nouvelle Vague tiveram bons lucros pela novidade e porque satisfizeram as necessidades financeiras dos produtores. Rodados em locação, usando equipamento portátil, atores pouco conhecidos, e equipes pequenas, eles puderam ser feitos rapidamente e por menos da metade de um custo normal. Entretanto, o cinema tradicional, o cinema comercial de rotina, de gênero e de astros, perdurava. O grande público continuava prestigiando mais o “cinema de papa” com artistas populares como Fernandel, Jean Gabin e Jean Marais e, a partir de 1962, o entusiasmo pela Nouvelle Vague regrediu, tanto por parte dos produtores como por parte dos espectadores. As rendas de bilheteria dos filmes cinemanovistas começaram a despencar e os distribuidores cada vez mais hesitavam a lançar os filmes deles.

Por ironia, Truffaut, Chabrol e outros depois seguiriam o caminho de um novo academismo, tornando-se o Carné ou Delannoy de uma nova “qualidade francesa”, e Aurenche e Bost, os roteiristas preferidos de um ex-crítico bem mais novo do que eles, Bertrand Tavernier. Para Tavernier, Aurenche e Bost – depois da morte de Bost, Aurenche sozinho – escreveram ou adaptaram L´Horloger de Saint Paul, Que La Fête Commence, Le Juge et L´Assassin, A Lei de Quem Tem o Poder / Coup de Torchon. Somente Godard, o mais radical de todos os diretores da Nouvelle Vague, continuou com seu cinema anárquico e arrogante, amado por uns e detestado por outros.

 

 

 

 

 

O WESTERN À ITALIANA

A Europa sempre esteve ligada no mito do Oeste, seja por seus autores de romances populares (v. g. Gustave Aimard, Mayne Reid, Karl May), cuja ação se desenrolava no Oeste americano, seja pela realização de filmes sobre este assunto (v. g. a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman (1912-1914); a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou, com Pierre Brice e Lex Barker (1963-1965); os westerns italianos (1964-1978) etc.

A prosperidade dos westerns italianos deu-se sobretudo graças ao talento de Sergio Leone, porém seus sucessores submeteram o gênero a uma verdadeira degradação: visão ultracaricatural do Oeste e de seus personagens, exposição gratuita da violência e do erotismo etc.

O western italiano, depreciativamente referido como “western spaghetti”, surgiu como fenômeno mundial com o lançamento do filme Por um punhado de dólares / Per um pugno di Dollari / 1964. O gênero emergiu das cinzas do “peplum” (palavra latina para túnica – expressão usada para designar com conotação pejorativa, os filmes italianos de aventuras pseudo mitológicas com heróis sobrehumanos e musculosos (v. g.  Hércules, Maciste, Ursus), no qual muitos dos seus praticantes – diretores como Sergio Corbucci, Riccardo Freda e outros, inclusive o próprio Leone – foram treinados. As equipes técnicas também eram quase sempre as mesmas, muitas tendo formado segundas unidades para grandes espetáculos americanos filmados em Roma ou na Espanha nos anos 50. A maioria das locações era na Espanha (Almeria) e depois na Itália, Iugoslávia e Israel, com uma breve incursão no Monument Valley para o filme Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968.

Clint Eastwood e Sergio Leone

Cinco variações básicas podiam ser notadas: 1. O estilo maneirista, inaugurado na trilogia de Leone (Por um punhado de dólares, Por  alguns dólares a mais / Per qualche dollaro in più / 1965 e Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966); 2.o picaresco, como exemplificado pelo ciclo “Ringo”, estrelado por Giuliano Gemma e dirigido por Duccio Tesssari (v. g. Uma pistola para Ringo, / Uma pistola per Ringo, Ringo não discute … mata / Il retorno di Ringo, ambos de 1965); 3. O western “político “, com sua leitura ideológica do Oeste e de um México Terceiro-Mundista subdesenvolvido (v. g. Gringo / Quién sabe? / 1967, de Damiano Damiani, Réquiem para matar / Requiescant / 1968, de Carlo Lizzani, Os Violentos vão para o inferno / Il mercenário / 1968, de Sergio Corbucci; 4. o modo macabro-fúnebre das séries Sartana e Django; 5. os westerns mais leves (v. g. Sete pistolas para os McGregors / Sette pistole per i MacGregor / 1966, Sugar Colt / Sugar Colt / 1966, de Franco Giraldi) que levou ao ciclo de comédias da dupla Terence Hill (Mario Girotti) / Bud Spencer (Carlo Pedersoli), iniciado com Chamam-me Trinity / Lo chiamavano Trinità / 1970, de E. B. Clutcher (Enzo Barboni). E ia me esquecendo da série Sabata com Lee Van Cleef.

O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. De fato, o “western spaghetti” reteve de seu modelo apenas os aspectos exteriores e os atributos mais superficiais. Seu sucesso internacional deveu-se à sua capacidade de funcionar como espetáculo puro, abstrato, violento, acessível às platéias sem considerações de nacionalidade ou cultura. Outras características eram o emprego exagerado do zoom e dos primeiros planos, dos tempos mortos, música obsessiva, a pobreza de recursos atores americanos, para citar apenas alguns de suas peculiaridades.

Os críticos afirmavam que havia uma “determinada” relação entre as histórias de oeste e as paisagens nas quais essas histórias se passavam, protestaram veementemente contra as locações espanholas usadas nos westerns spaghetti: os filmes feitos em ou ao redor de Hollywood pelo menos captavam “a expresssão do Velho Oeste”.

Para Gaston Haustrate (CInéma 71, 1971) os westerns italianos revelaram os piores excessos do “temperamento Mediterrâneo”. Como os diretores da Cinecittà eram claramente incapazes de apreciar a “alma” do “autêntico western”, eles decidiram “deformar” certos aspectos formais do gênero.

Ao examinar a sua iconografia (Cinema e transfiguração, 1978), Eduardo Geada observou: “se no western norte-americano a violência era quase sempre justificada por um recurso constante a referentes históricos precisos, no western europeu a violência não se insere em qualquer contexto histórico necessário, antes procura automatizar-se e instituir-se em espetáculo sem outra finalidade que não seja a sua própria fascinação junto a um público sem grande preparação cultural”.

Ainda segundo Geada: “Desenraizado de qualquer exigência histórica precisa, o western spaghetti viu-se condenado a utilizar apenas a estrutura mitológica do western clássico e a perpetuá-la pelo único meio ao seu dispor: a retórica. É por isso que os personagens dos “westerns spaghetti” se podem permitir todas as liberdades possíveis e imaginárias, circular num tempo e num espaço indefinidos, porque eles não são já os legítimos representantes de um nacionalismo descomunal, mas, muito simplesmente, os herdeiros tardios de um paraíso cinematográfico tão lucrativo quanto narcisista”.

Outros comentaristas menos rigorosos apontam pelo menos dois westerns interessantes de Sergio Leone: Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966 e  Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968, aplaudindo nos seus filmes o realismo sórdido, a supressão dos “heróis”, o humor macabro próximo do surrealismo e, principalmente, o seu estilo barroco flamejante.

 

No livro Anthony Steffen – A saga do brasileiro que se tornou astro do bangue-bangue à italiana (Matrix, 2007) Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira apreciaram a técnica de Leone: “os procedimentos técnicos utilizados por Leone tornaram-se regra. Closes exagerados de mãos e olhos alternam-se com panorâmicas abrangentes das paisagens. Os zooms e cortes rápidos criam um clima de tensão. Enquadramentos tradicionais misturam-se a ângulos distorcidos e inusitados. O tempo que antecede os duelos é dilatado ao máximo. A montagem segue o ritmo da música, ingrediente fundamental”.

Ennio Morricone

Os autores citados também se pronunciaram sobre a trilha sonora: “Ao criar a trilha de Por um punhado de dólares, o maestro Ennio Morricone estabeleceu os cânones musicais do gênero. Compositores como Bruno Nicolai, Carlo Rustichelli, Gianni Ferrio, Angelo Francesco Lavagnino, Piero Piccioni e Francesco De Masi rapidamente adequaram seus talentos ao novo estilo. As partituras são fúnebres, tétricas e atonais, em sintonia com o que acontece na tela. A guitarra elétrica surge com frequência, na companhia de ruídos animais (uivos, relinchos, cacarejos) ou mecânicos (revólveres engatilhados, sinos). Destaca-se ainda o uso melódico dos assobios e da voz humana.

A violência gráfica e o bizarro senso de humor dão o tom da narrativa. Nela, os clichês do Velho Oeste hollywoodiano, puritano e liberal, caem por terra. Os cenários enlameados, o suor que escorre dos rostos e a aparência suja dos caubóis, revelam a influência do neo-realismo italiano. A serviço de uma narrativa épica, o realismo aparece de maneira grotesca, quase expressionista”

Durante a década de sessenta o êxito do western italiano não deixou indiferentes os produtores americanos, e vários diretores voltaram-se para as adaptações mais ou menos diretas dos métodos romanos (v. g. Arnold Laven: A noite dos pistoleiros / Rough Night at Jericho / 1967; Tom Gries: Cem Rifles / 100 Rifles / 19669; Henry Hathaway: Pôquer de Sangue / Five Card Stud / 1968; Ted Post: A Marca da Forca / Hang´em High / 1968; Gordon Douglas: Barquero / Barquero / 1970).

Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um subgênero ou um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira européia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

FILMOGRAFIA DE SERGIO LEONE

1961 – O Colosso de Rhodes / Il colosso di Rodi. 1964 – Por um punhado de dólares / Per um pugno di dollari. 1965 – Por uns dólares a mais / Per qualche dollari in piú. 1966 – Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cattivo. 1968 – Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West.  1971 – Quando explode a vingança / Giù la testa. 1984 – Era uma vez na América / Once Upon a Time in America.

Outros realizadores do western à italiana: Mario Amendola, Giorgio Arlorio, Tinto Brass, Mario Caiano, Enzo G. Castellari, Duilio Coletti, Sergio Corbucci, Damiano Damiani, Franco Giraldi, Carlo Lizanni, Michele Lupo, Franco Solinas, Sergio Sollima, Tonino Valerii, Florestano Vancini.

Astros mais assíduos do western à italiana:

Clint Eastwood, Gian Maria Volonté, Giuliano Gemma, Tomas Milian, Bud Spencer, Terence Hill, Benito Stefanelli, Peter Martell, Tony Anthony, Richard Harrison, Anthony Steffen, Franco Nero, Gianni Garko, George Hilton, Robert Woods, Henry Fonda, Jason Robards, Lee Van Cleef, James Coburn, Rod Steiger, Charles Bronson, Eli Wallach, Jack Palance, Henry Silva, Telly Savalas, Jack Elam, Woody Strode, Robert Woods, Walt Barnes.

O PEPLUM ITALIANO

A partir do imediato pós-guerra e até meados dos anos sessenta, floresceu na Itália um gênero popular de muito sucesso, o peplum, que respondia às necessidades de evasão de um público traumatizado por cinco anos de miséria e que aspirava ao entretenimento.

Inscrito em uma antiguidade de fantasia ou em uma antiguidade greco-romana revisitada muito livremente, o peplum teve seus heróis musculosos – Ursus, Maciste, Hércules, Sansão etc. e seus especialistas: Riccardo Freda, Pietro Francisci, Sergio Corbucci, Vittorio Cottafavi, Duccio Tessari (este mais como roteirista). Sergio Leone estreou na direção com um deles, O Colosso de Rodes / Il Colosso di Rodi / 1960.

Peplum é a versão latinizada da palavra grega Péplos, que designa uma túnica sem mangas presa ao ombro por um broche ou uma fivela, usada por homens na antiguidade clássica. O vocábulo batizou o gênero cinematográfico que também foi chamado de filmes de saiote, épicos de toga (toga epics) ou fitas de espada e sandálias (sword-and-sandals flicks). Foram cerca de 180 filmes, formando um ciclo homogêneo que, apesar da qualidade discutível da maioria das obras, foi um dos mais apreciados, principalmente pelo público italiano, por mais de uma década.

Ao contrário do lugar-comum que circula frequentemente, os filmes desse ciclo não são derivados degenerativos das superproduções americanas. Sua história começa nos primeiros tempos do cinema mudo com os filmes históricos colossais de Mario Caserini (v. g. Os Últimos Dias de Pompéia / Gli ultimi giorni di Pompei / 1913), Enrico Guazzoni (v. g. Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1913) Giovanni Pastrone (v. g. Cabiria / Cabiria / 1914) etc.  Em Quo Vadis?  Guazonni colocou em cena pela primeira vez Ursus (Bruno Castellano), personagem que foi o ancestral cinematográfico dos heróis musculosos do peplum italiano. Um ano depois, em Cabiria, Pastrone apresentou um novo superhomem, o gigante Maciste (Bartolomeo Pagano), que obteve enorme popularidade e série própria.

Cabiria

Apesar de alguma desaceleração no início dos anos vinte, os estúdios italianos continuaram a produzir numerosos filmes sobre a antiguidade. Diante da concorrência americana cada vez mais forte (v. g. Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith; Nero / 1922 de J. Gordon Edwards), os produtores recorreram às refilmagens (v. g. Messalina / Messalina / 1923 de Enrico Guazzoni, Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1924 de Gabrielino D’ Annunzio e Georg Jacoby, Os Últimos Dias de Pompéia / Gli ultimi giorni di Pompei / 1925 de Carmine Gallone).

Apesar da utilização de uma antiguidade romana na propaganda, esta não foi considerado pelos dirigentes fascistas como um instrumento assaz poderoso para a mobilização nacional. De modo que, no cinema do regime, sobressaíram as comédias românticas de Mario Camerini (v. g.  Gli uomini, che mascalzoni! / 1932, Daro un milione / 1935, Os Apuros do Senhor Max / Il signor Max / 1937), os melodramas de Mario Soldati (v. g. Piccolo mondo antico / 1941, Malombra / 1942), os filmes de aventuras de Alessandro Blasetti (v. g. Ettore Fieramosca / Ettore Fieramosca / 1938; Romântico Aventureiro / Un’ avventura di Salvator Rosa/ 1939; A Coroa de Ferro / La corona di ferro / 1941). Eles foram os três realizadores mais significativos do período 1930-1940 do cinema italiano.

Entre 1929 e 1939 somente foi produzido um filme sobre a antiguidade: Scipião, o Africano / Scipione l’africano / 1937, superprodução destinada a celebrar a inauguração dos estúdios Cineccità, que era um reflexo um perfeito da política exterior do Duce. Depois da guerra, a indústria cinematográfica italiana, afetada pelo conflito mundial, se aproximou da realidade cotidiana e dos problemas sociais, surgindo o neorealismo. Porém, pouco a pouco os gêneros tradicionais foram reaparecendo: a comédia (v. g.  filmes de Totó), o melodrama (v. g. Não Desejar / Desiderio / 1946) de Marcello Pagliero, Roberto Rosselini), os filmes de aventura (v. g.  Águia Negra / Aquila nera / 1946 de Riccardo Freda), bem como os filmes sobre a antiguidade (v. g. Fabiola / Fabiola / 1949 de Alessandro Blasetti; Pompéia, Cidade Maldita / Gli ultimi giorni di Pompei / 1950 de Marcel L´Herbier, Paolo Moffa).

Estes dois filmes reabituaram o público ávido dos grandes espetáculos e prepararam o terreno para o advento do peplum, mas este ciclo de filmes sobre uma antiguidade greco-romana de fantasia ou revisitada muito livremente também ficou devendo muito à grande indústria cinematográfica de Hollywood. Com o aumento progressivo dos custos de produção dos filmes de grande espetáculo e a ameaça cada vez maior da televisão, os estúdios americanos decidiram rodar seus filmes épicos no exterior onde os impostos e o custo dos cenários, técnicos e figurantes eram mais baratos.

Cinecittà

De todos os estúdios europeus, o mais atraente era Cinecittà, fundada por Mussolini em 1936. Assim, a partir de 1950, a MGM se voltou para Roma, onde Mervyn LeRoy filmou uma nova adaptação cinematográfica do célebre romance Quo Vadis? de Henry Sienkiewicz com Robert Taylor, Deborah Kerr e Peter Ustinov. Os técnicos construíram cenários gigantescos e confeccionaram figurinos e acessórios diversos, produzindo um grande espetáculo, que ajudou a propulsionar mais do que nunca a produção de filmes italianos sobre a antiguidade (v. g. Spartaco / Spartaco /1952 e Teodora, Imperatriz de BIzâncio / Teodora, imperatrice di Bisanzio / 1953 de Riccardo Freda; A Rainha de Sabá / La regina di Saba / 1952 e A Invasão dos Bárbaros / Attila (no relançamento, Átila, Rei dos Hunos) / 1953, de Petro Francisci; Ulysses / Ulysse / 1954 de Mario Camerini).

Steve Reeves em As Façanhas de Hércules

Estas produções prepararam o terreno para o advento do peplum, cuja moda teve início com As Façanhas de Hércules / Le fatiche di Ercole / 1958 de Pietro Francisci, no qual o ex-Mister Universo norte-americano 1950, Steve Reeves, interpretava o semideus grego Héracles com o nome romano de Hércules. Filmadas em Dyaliscope e Eastmancolor as façanhas do filho de Zeus são uma coletânea de episódios mitológicos heterogêneos (o leão de Neméia, o touro de Creta e as Amazonas) misturados com aventuras extraídas de outras lendas como a expedição de Jasão e de seus Argonautas que partiram em busca do Velo de Ouro. Entretanto, o termo peplum só passou a ser usado após maio de 1962, quando foi usado por Jacques Siclier no seu artigo “L´Age du Peplum” publicado na revista Cahiers du Cinéma.

A fórmula funcionou maravilhosamente. Por um custo de 100 milhões de liras, o filme arrecadou quase 900 milhões de liras nas salas de exibição italianas, alcançando o mesmo sucesso no exterior. A realização de Francisci trouxe um novo frescor para o filme sobe a antiguidade, constituindo-se como um modelo, o peplum propriamente dito, que seria seguido nos anos seguintes.  Francisci e sua equipe (da qual fazia parte o então fotógrafo Mario Bava) repetiram a fórmula, novamente com Steve Reeves, em Hércules e a Rainha da Lídia / Ercole e la regina di Lidia / 1959.

A partir de 1960 houve uma mudança no gênero: Grécia e Roma tornaram-se reinos onde tudo era possível. Os roteiristas se permitiram liberdades cada vez mais ultrajantes com a verdade cultural. Os Filhos do Trovão / Arivano i titani / 1961 de Duccio Tessari é um exemplo desta tendência.

Nesta fase do ciclo, na qual predominam o ridículo e absurdo, um tema se tornou preponderante: as aventuras dos buoni giganti, heróís legendários e musculosos como Hércules, cuja popularidade fôra testada nos dois filmes de Pietro Francisci e continuou intacta em outros filmes, entre eles Hércules na Conquista da Atlântida / Ercole a la conquista di Atlantide / 1961 de Vittorio Cottafavi, espetáculo de tom cômico muito movimentado e com certa qualidade pictórica. Além de Hércules, os autores do peplum ressuscitaram os velhos personagens do cinema mudo, Maciste, Ursus e o bíblico Sansão (que fôra interpretado na cena silenciosa por Luciano Albertini, o rival mais temível de Bartolomeu Pagano) e introduziram outro gigante bíblico, Goliath (Golias).

A esta altura, os produtores perceberam que podiam fazer os filmes gastando menos dinheiro. Os orçamentos foram encolhendo e a qualidade das produções caiu fortemente. Por uma questão de economia, surgiu a prática de usar nos pepluns cenas de outros filmes semelhantes, no início apenas as cenas de grande figuração como cenas de batalha ou em arenas; mas aos poucos tal prática se generalizou e se ampliou. Procurando renovar o ciclo condenado a uma exaustão provável, os roteiristas inventaram histórias com tramas cada vez mais inconsistentes e incoerentes e, a fim de aplicar suas receitas em projetos que já haviam dado lucro, começaram a plagiar as intrigas dos filmes de sucesso da época (v. g.  Os Sete Gladiadores / I sette gladiatori / 1962 de Pedro Lazaga era refilmagem na moda peplum de Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 1960 de John Sturges; Maciste nas Minas do Rei Salomão / Maciste nelle miniere di re Salomone / 1964 de Piero Regnoli lembrava o filme americano de 1950 com Stewart Granger e Deborah Kerr.

Os plágios não se restringiram à simples cópia de sucessos comerciais cinematográficos. Os produtores passaram também a reutilizar estruturas pertencentes a outros gêneros: aventura, fantástico, ficção científica, western, filmes de catástrofe, de capa e espada ou com um sabor oriental. No campo do horror, por exemplo, sob a influência dos filmes de Mario Bava e das produções britânicas da Hammer, surgiu verbi gratia, Maciste contra o Vampiro / Maciste contro il vampiro / 1961 de Giacomo Gentilomo e Sergio Corbucci. Nos domínios da ficção científica, apareceu O Gigante de Metrópolis / l gigante di Metropolis / 1961 de Umberto Scarpelli e Mario Tota, no qual o herói enfrenta os robôs de uma sociedade futurista que tem o domínio da energia nuclear. a energia nuclear.

Como se não bastasse, vieram os cruzamentos, ou seja, confrontações improváveis entre os heróis (v. g. Ulisses contra Hércules / Ulisse contre Ercole / 1961 de Mario Caiano; Maciste contro Ercole nella valle dei guai / 1962 de Mario Mattoli) e teve até um o incrível Zorro contro Maciste / 1963 de Umberto Lenzi. Nos EUA o filme passou como Samson and the Slave Queen, Maciste virou Sansão e, como foi a versão americana que foi exibida aqui, o título do filme no Brasil foi Sansão e a Rainha Escrava. Outro encontro estapafúrdio ocorreu em um filme de Giorgio Capitani intitulado Hércules, Sansão, Maciste e Ursus, os invencíveis / Ercole, Sansone, Maciste e Ursus, gli invincibili / 1964, para o qual toda a turma do fisioculturismo foi convocada.

Filmes como estes acabaram por descredibilizar um gênero já bem desvalorizado por um punhado de produções medíocres e não ofereceram mais a rentabilidade dos filmes realizados no início do ciclo, que se extinguiu com uma coprodução italo- germânica-yugoslava, Massacre na Floresta Negra / Il massacro della foresta nera – Hermann der Cherusker – Die Schlacht im Teutoburger Wald / 1966, dirigida por Ferdinand Baldi e Rudolf Nussgruber.

Em Cinecittà, os operários do estúdio começaram a demolir as colunas dos templos e as escadarias dos palácios para construir cidades do Oeste e vários diretores do peplum se adaptaram ao western spaghetti, nova vaga do cinema popular italiano inaugurada por Sergio Leone em 1964.

FILMOGRAFIA

Como a filmografia do peplum é muito extensa, registro apenas os filmes no gênero dos cinco diretores mencionados no início deste post.

SERGIO CORBUCCI

1961 – Rômulo e Remo / Romolo e Remo. 1962 – O Filho de Spartacus / Il figlio di Spartacus.

VITTORIO COTTAFAVI

1958 – A Revolta dos Gladiadores / La rivolta dei gladiatori. 1959 – As Legiões de Cesar / Le legioni di Cleopatra. 1960 – Messalina, Vênus Imperial / Messalina, Venere imperatrice; Golias e o Dragão / La vendeta de Ercole. 1961 – As Virgens de Roma / Le vergini di Roma. Hércules na Conquista da Atlântida / Ercole ala conquista di Atlanta.

PIETRO FRANCISCI

1952 – A Rainha de Sabá / La regine i Saba. 1954 – A Invasão dos Bárbaros (no relançamento Atila, Rei dos Hunos / Attila. 1958 – As Façanhas de Hèrcules / Le fetiche de Ercole. 1959 – Hércules e a Rainha da Lídia / Ercole e la regina di Lidia. 1960 – O Cerco de Siracusa / L´assedio di Siracusa; Safo, a Vênus de Lesbos / Saffo, Venere di Lesbo. 1963 – Hércules, Sansão e Ulisses / Ercole, sfida Sansone.

RICCARDO FREDA

1953 – Spartaco / Spartaco. 1954 – Teodora, Imperatriz de Bizâncio / Teodora, imperatrice di Bisancio. 1960 – Os Argonautas / I giganti dela Tessaglia; Maciste no Imério Chinês / Maciste a la corte del Gran Khan. 1962 – Maciste no Inferno / Maciste all’ inferno.

DUCIO TESSARI

1961 – Os Filhos do Trovão / I titani / Arrivano i titani.

Outros realizadores do peplum: Ferdinando Baldi, Marcello Baldi, Mario Bava, Tanio Boccia, Carlo Ludovico Bragaglia, Alfonso Brescia, Guido Brignone, Mario Caiano, Carlo Campogalliani, Fernando Cerchio, Alberto de Martino, Giorgio Ferroni, Carmine Gallone, Giacomo Gentilomo, Sergio Grieco, Sergio Leone, Umberto Lenzi, Antonio Leonviola, Michele Lupo, Guido Malatesta, Antonio Margheriti, Domenico Paolella, Gianfranco Parolini, Viktor Tourjansky, Giuseppe Vari, Primo Zweglio.

Astros mais assíduos no peplum: Georges Marchal, Ettore Manni, Steve Reeves, Gordon Scott, Mark Forest, Richard Harrison, Peter Lupus, Gordon Mitchell, Reg Park, Brad Harris, Alan Steel (Sergio Conti), Kirk Morris (Adriano Bellini), Ed Fury, Dan Vadis, Roger Browne, Richard Lloyd.

CINEMA CLÁSSICO BRITÂNICO: OUTRA TRADIÇÃO DE QUALIDADE

Além de promover um ataque preconceituoso contra a “tradição de qualidade” da cinematografia francesa no período de 1939 a 1959, que nos ofereceu filmes magníficos de diretores como Julien Duvivier e Marcel Carné, para citar apenas dois eminentes cineastas daquela época, François Truffaut rejeitou o mérito do Cinema Britânico, dizendo que ele era uma “contradição em termos”, ou seja, que existia uma certa incompatibilidade entre os termos “cinema” e “Grã-Bretanha”.

Em 2001, escreví Uma Tradição de Qualidade – O Cinema Clássico francês (1930-1959), publicado pelas Ed. Rocco e Contratempo, reexaminando a obra dos diretores francêses deste período, que proporcionaram excelentes espetáculos populares e realizações duradouras para a cultura cinematográfica.

Neste artigo, seleciono dez diretores britânicos que deram uma contribuição notável para o cinema mundial – outra “tradição de qualidade” cujo trabalho parece ter sido desconhecido pelo então jovem militante da Nouvelle Vague.

A meu ver, Truffaut tinha todo o direito de promover uma revolução na prática de cinema, produzindo fora dos estúdios um novo tipo de filme; porém, como crítico de cinema, não poderia ter ignorado os grandes filmes produzidos ou co-produzidos pelo cinema britânico e lançados até 1962, data em que o moço da Cahiers du Cinéma proferiu sua frase demolidora.

Nunca te Amei

ANTHONY ASQUITH (1902 – 1968)

1928 – Shooting Stars, co-dir A.V. Bramble; Underground. 1929 – The Runaway Princess, co-dir. Fritz Wendhausen; A Cottage on Dartmoor. 1931 – Tell England co-dir. Geoffrey Barkas. 1932 – Dance Pretty Lady. 1933 – The Lucky Number. 1935 – Noites de Moscou / Moscow Nights. 1938 – Pigmalião / Pygmalion, co-dir. Leslie Howard. 1940 – Caçadora de Corações / French Without Tears. 1941 – Uma Voz nas Trevas / Freedom Radio; Quiet Wedding; Cottage to Let. 1942 – Um Grito de Rebelião / Uncensored, 1943 – We Dive at Dawn; O Coração Não Tem Fronteiras / The Demi-Paradise. 1944 – Amor nas Sombras / Fanny by Gaslight. 1945 – Além das Nuvens / The Way to the Stars. 1947 – While the Sun Shines. 1948 – Um Caso de Honra. / The Winslow Boy. 1950 – A Mulher Falada / The Woman in Question. 1951 – Nunca te Amei / The Browning Version. 1952 – A Importância de Ser Honesto / The Importance of Being Earnest. 1953 – Projeto M-7 / The Net; The Final Test. 1954 – Amantes Secretos / The Young Lovers; Carrington V.C. 1958 – Ordem de Matar / Orders to Kill; O Dilema do Médico / The Doctor´s Dilema. 1959 – A Noite é Minha Inimiga / Libel. 1960 – Com Milhões e Sem Carinho / The Millionairess. 1961 – Gente Muito Importante / The V.I.P.S.; Uma Noite com o Balé Real / An Evening with the Royal Ballet, co-dir. Anthony Havelock-Allan (documentário). 1964 – O Rolls-Royce Amarelo / The Yellow Rolls-Royce.

CHARLES CRICHTON (1910 – 1999)

1944 – For Those in Peril. 1945 – Painted Boats; Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódio). 1947 – Hue and Cry. 1948 – Heróis Anônimos / Against the Wind; Another Shore. 1949 – Train of Events (episódio). 1950 – Dance Hall. 1951 – O Mistério da Torre / The Lavender Hill Mob. 1952 – Devoção de Assassino / Hunted. 1953 – The Titfield Thunderbolt (na TV: O Expresso de Titfield). 1954 – A Loteria do Amor / The Love Lottery; Corações em Angústia / The Divided Heart. 1957 – Entre a Terra e o Céu / The Man in the Sky. 1958 – Law and Disorder; Torrentes de Medo / Floods of Fear. 1960 – The Battle of Sexes; O Garoto Que Roubou Um Milhão / The Boy Who Stole a Million. 1964 – A Verdade Oculta/ The Third Secret. 1965 – He Who Rides a Tiger. 1988 – Um Peixe Chamado Wanda / A Fish Called Wanda.

A Lâmpada Azul

BASIL DEARDEN (1911 – 1971)

1942 – Detetive à Força / The Black Sheep of Whitehall), co-dir. Will Hay; Professor Astuto / The Goose Steps Out, co-dir. Will Hay. 1943 – The Bells Go Down; My Learned Friend, co-dir. Will Hay. 1944 – The Halfway House; They Came to a City. 1945 – Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódios). 1946 – Corações Aflitos / The Captive Heart. 1947 – Frieda / Frieda. 1948 – Sarabanda / Saraband for Dead Lovers. 1949 – Train of Events (episódios). 1950 – A Lâmpada Azul / The Blue Lamp; Do Amor ao Ódio / Cage of Gold. 1951 – Beco do Crime / Pool of London. 1952 – Confio em Ti / I Believe in You, co-dir. Michel Relph; O Ódio Era Mais Forte / The Gentle Gunman. 1954 – The Rainbow Jacket. 1955 – Out of the Clouds; A Morte de um Herói / The Ship That Died of Shame. 1956 – Who Done It? 1957 – The Smallest Show on Earth. 1958 – Seduzidos pela Maldade / Violet Playground. 1959 – Safira, A Mulher Sem Alma / Sapphire. 1960 – Os Sete Cavalheiros do Diabo / The League of Gentleman; Um Homem na Lua / Man in the Moon. 1961 – O Sócio Secreto / The Secret Partner; Meu Passado Me Condena / Victim. 1962 – All Night Long; Escravo de uma Obsessão / Life for Ruth. 1963 – The Mind Readers; A Place to Go. 1964 – A Mulher de Palha / Woman of Straw. 1965 – Oriente Contra Ocidente / Masquerade. 1966 – Khartoum / Khartoum. 1968 – No Mundo dos Escroques / Only When I Larf. 1969 – Sindicato do Crime / The Assassination Bureau. 1970 – The Man Who Haunted Himself (na TV, O Homem Que Não Era). 1974 – Missão: Monte Carlo / Mission: Monte Carlo, co-dir. Roy Baker (TV, compilação da série The Persuaders).

A Dama de Espadas

THOROLD DICKINSON (1903 – 1984)

1932 – The High Command. 1939 – The Arsenal Stadium Mystery. 1940 – Gaslight. 1941 – O Primeiro Ministro / The Prime Minister. 1942 – Alguém Falou … / The Next of Kin. 1946 – Atavismo / Men of Two Worlds. 1949 – A Dama de Espadas / The Queen of Spades. 1952 Secret People. 1955 – Colina 24 Não Responde … / Hill 24 Doesn´t Answer.

As Oito Vítimas

ROBERT HAMER (1911 – 1963)

1945 – Na Solidão da Noite / Dead of Night (episódio). Pink String and Sealing Wax. 1947 – It Always Rains on Sunday. 1949 – As Oito Vítimas / Kind Hearts and Coronets; Confissão de uma Espiã / The Spider and the Fly. 1952 – His Excellency. 1953 – The Long Memory. 1954 – Aventuras do Padre Brown / Father Brown. 1955 – Nossa Querida Paris / To Paris with Love. 1959 – O Estranho Caso do Conde / The Scapegoat. 1960 – School for Scoundrels.

Marcada pelo Destino

FRANK LAUNDER (1906 -1997)

1943 – Millions Like Us, co-dir. Sidney Gilliat. 1944 – Duas Mil Mulheres / Two Thousand Women. 1946 – Marcada pelo Destino / I See a Dark Stranger. 1947 – Capitão Boycott / Captain Boycott. 1949 – Lago Azul / The Blue Lagoon. 1950 – The Happiest Days of Your Life. 1951 – Lady Godiva Rides Again. 1952- Folly to Be Wise. 1954 – The Belles of St. Trinian´s. 1955 – Geordie. 1957 – Blue Murder at St. Trinian´s. 1959 – The Bridal Path. 1960 – The Pure Hell of St. Trinian´s. 1965 – Joey Boy. 1966 – The Great St. Trinian´s Robbery., co-dir. Sidney Gilliat. 1980 – The Wildcats of St. Trinian´s.

SIDNEY GILLIAT (1908 – 1994) 1950

1943 – Millions Like Us, co-dir. Frank Launder. 1945 – Waterloo Road; Ironia do Destino / The Rake´s Progress. 1947 – Verde Passional / Green for Danger. 1948 – London Belongs to Me. 1950 – Segredo de Estado / State Secret.1953 – Sublime Inspiração / The Story of Gilbert and Sullivan. 1955 – O Passado de Meu Marido / The Constant Husband. 1957 – A Fortuna é Mulher / Fortune is a Woman. 1959 – Left, Right and Centre. 1962 – O Preço do Pecado / Only Two Can Play. 1966 – The Great St. Trinian´s Train Robbery, co-dir. Frank Launder. 1972 – Noite Interminável / Endless Night.

Oliver Twist

DAVID LEAN (1908 -1991)

1942 – Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve, co-dir. Noel Coward. 1944 – This Happy Breed. 1945 – Uma Mulher do Outro Mundo / Blithe Spirit; Desencanto / Brief Encounter. 1946 – Grandes Esperanças / Great Expectations.  1948 – Oliver Twist / Oliver Twist. 1949 – A História de uma Mulher / The Passionate Friends. 1950 – O Grito da Carne ou As Cartas de Madeleine / Madeleine. 1952 – Sem Barreira no Céu / The Sound Barrier. 1954 – Papai é do Contra / Hobson´s Choice. 1955 – Quando o Coração Floresce / Summer Madness. 1957 – A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai. 1962 –Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia. 1965 – Doutor Jivago / Doctor Zhivago. 1970 – A Filha de Ryan / Ryan´s Daughter. 1984 – Passagem para a Índia/ A Passage to India.

O Quinteto da Morte

ALEXANDER MACKENDRICK (1912 -1993)

1949 – Alegria a Granel / Whisky Galore. 1951 – O Homem do Terno Branco / The Man in the White Suit. 1952 – Martírio do Silêncio / Mandy.  1954 – Um Ianque na escócia / The Maggie. 1955 – Quinteto da Morte / The Ladykillers. 1957 – A Embriaguês do Sucesso / Sweet Smell of Success. 1963 – Sózinho Contra a África / Sammy Going South. 1965 – Vendaval na Jamaica / A High Wind in Jamaica. 1967 – Não Faça Onda / Don´t Make Waves.

Hamlet

LAURENCE OLIVIER (1907 – 1989)

1944 – Henrique V / Henry V. 1948 – Hamlet / Hamlet. 1955 – Ricardo III / Richard III.  1957 – O Príncipe Encantado / The Prince and the Showgirl. 1970 – Three Sisters (na TV, Três Irmãs).

MICHAEL POWELL (1905 – 1990)

1937 – The Edge of the World. 1939 – O Leão Tem Asas / The Lion Has Wings, co-dir. Brian Desmond Hart e Adrian Brunel); O Espia Submarino ou O Espia Submarino U-29 (no relançamento) / The Spy in Black. 1940 – Nas Sombras da Noite / Contraband; O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad, co-dir. Ludwig Berger e Tim Whelan. 1941 – Invasão de Bárbaros / 49thParallel. 1942 – E Um Avião Não Regressou / One of Our Aircraft Is Missing, co-dir. Emeric Pressburger 1943 – The Life and Death of Colonel Blimp. 1944 – A Canterbury Tale. 1945. I Know Where I´m Going. 1946 – Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death, co-dir. Emeric Pressburger. 1947 – Narciso Negro / Black Narcissus, co-dir. Emeric Pressburger / 1948 – Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes, co-dir. Emeric Pressburger; The Small Black Room. 1950 – Coração Indômito / Gone to Earth, co-dir. Emeric Pressburger; Aventuras do Pimpinela Escarlate / The Elusive Pimpernel , co-dir. Emeric Pressburger. 1951 – Os Contos de Hoffman / The Tales of Hoffman, co-dir. Emeric Pressburger. 1955 – Oh … Rosalinda!! 1956 – A Batalha do Rio de Prata / The Battle of the River Plate, co-dir. Emeric Pressburger. 1957 – Perigo nas Sombras / Ill Met by Moonlight, co-dir. Emeric Pressburger. 1959 – Luna de Miel / Honeymoon. 1960 – A Tortura do Medo / Peeping Tom. 1961 – Os Soldados da Rainha / The Queen´s Guard. 1964 – Bluebeard´s Castle. 1966 -They´re a Weird Mob. 1969 – A Idade da Reflexão / Age of Consent.1972 -The Boy Who Turned Yellow.

Condenado

CAROL REED (1906 – 1976)

1935 – It Happened in Paris, co-dir.Robert Wyler; Midshipman Easy. 1936 – Laburnum Grove, Talk of the Devil. 1937 – Who´s Your Lady Friend? 1938 – Bank Holiday; Penny Paradise; Climbing High. 1939 – Garotas Apimentadas / A Girl Must Live. 1940 – Sob a Luz das Estrelas / The Stars Look Down; Ré Inocente / Girl in the News; Gestapo / Night Train to Munich. 1941 – Kipps. 1942 – O Jovem Mr. Pitt / The Young Mr. Pitt. 1943 – Têmpera de Aço / The Way Ahead. 1945 – A Verdadeira Glória / The True Glory, co-dir. Garson Kanin (documentário). 1947 – Condenado / Odd Man Out. 1948 – O Ídolo Caído / Fallen Idol. 1949 – O Terceiro Homem / The Third Man. 1951 – O Pária das IIhas / Outcast of the Islands. 1953 – O Outro Homem / The Man Between. 1955 – A Rua da Esperança / A Kid for Two Farthings. 1956 -Trapézio / Trapeze. 1958 – A Chave / The Key. 1959 – O Nosso Homem em Havana. / Our Man in Havana. 1963 – À Sombra de uma Fraude / The Running Man. 1965 – Agonia e Êxtase / The Agony and the Ectasy. 1968 – Oliver! / Oliver! 1970 – Fúria Audaciosa / Flap. 1972 – De Olho da Esposa / Follow Me.

LITERATURA BRASILEIRA NO CINEMA NACIONAL

As obras literárias têm fornecido uma enorme quantidade de material para a elaboração de filmes. Entretanto, muito se tem debatido sobre a possibilidade de se adaptar um texto literário para um meio eminentemente visual como o cinema. Em geral adaptações literárias para o cinema são recebidas desfavoravelmente pelo público que já tenha lido as obras adaptadas sob a alegação de que as versões cinematográficas de livros são traições aos seus originais literários, repletas de omissões ou simplificações de trechos ou personagens. A pessoa que leu um livro deseja uma adaptação fiel, quer ver o livro reproduzido integralmente na tela, esquecendo que uma adaptação cinematográfica implica em mudanças, pois se trata de dois meios de expressão artística diferentes. Apesar da eliminação drástica de várias personagens da peça Hamlet de Shakespeare como Fortimbrás, Reinaldo e a dupla Rosencrantz e Guilderstern, e da alteração de vários trechos até em sua colocação em cena, como foi o caso do monólogo “To be or not to be”, recitado após o encontro de Ofélia quando devia precedê-lo, Laurence Olivier fez uma adaptação soberba da obra-prima de Shakespeare. Ao contrário, uma adaptação cinematográfica fidelíssima de uma obra literária pode resultar em um filme tedioso ou medíocre.

Feitas estas considerações, vou relacionar por ordem alfabética, sem pretensão de completitude, filmes nacionais de longa-metragem (realizados entre 1920 e 2020) baseados em romances, novelas, contos ou livros de memórias de destacados autores brasileiros antigos e modernos, excetuando-se biografias, ensaios, poemas, peças teatrais, literatura infantil e infanto juvenil, reportagens, crônicas, documentos históricos.

Muitas obras literárias brasileiras foram transpostas para a tela, porém o número delas é pequeno em relação a esses cem anos de atividade cinematográfica em nosso país. predominando os filmes de maior apelo popular, mais suscetíveis de garantir os lucros e capitais investidos. É pena, pois quantos clássicos de nossa literatura existem que ainda que não foram filmados! Os escritores mais requisitados para adaptações cinematográficas foram Machado de Assis, Jorge Amado e José de Alencar.

ACHADOS E PERDIDOS / 2006 (Dir: José Joffily) bas. romance Luiz Alfredo Garcia Roza.

AMOR ASSOMBRADO / 2012 (Dir: Wagner de Assis) bas. romance contos do livro Pente de Vênus de Heloisa Seixas.

ANA TERRA / 1972 (Dir: Durval Garcia) bas. romance O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo.

ANJO DO LODO / 1951 (Dir: Luiz de Barros) bas. romance Lucíola de José de Alencar.

ANJO MAU, UM / 1972 (Dir: Roberto Santos) bas. romance de Adonias Filho.

ANTES O VERÃO / 1968 (Dir: Gerson Tavares) bas. romance de Carlos Heitor Cony.

ANTONIO CONSELHEIRO E A GUERRA DOS PELADOS / 1977 (Dir: Carlos Augusto Oliveira) bas. Os Sertões de Euclides da Cunha.

ANUSKA, MANEQUIM E MULHER / 1968 (Dir: Francisco Ramalho Jr.) bas. conto Ascenção ao Mundo de Anuska de Ignácio de Loyola Brandão.

AQUELES DOIS / 1985 (Dir: Sérgio Amon) bas. no conto de Caio Fernando Abreu.

ARARA VERMELHA / 1957 (Dir: Tom Payne) bas. romance de José Mauro de Vasconcelos.

Anselmo Duarte e Odete Lara em Arara Vermelha

ASFALTO SELVAGEM / 1964 (Dir: J. B. Tanko) bas. romance de Nelson Rodrigues.

AZYLLO MUITO LOUCO / 1971 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. no conto O Alienista de Machado de Assis.

BARCO, O. / 2020 (Dir: Petrus Cariry) bas. conto de Carlos Emílio Corrêa Lima.

BATISMO DE SANGUE / 2006 (Dir: Helvécio Ratton) bas. livro de Frei Betto.

BEBEL, A GAROTA-PROPAGANDA / 1968 (Dir: Maurice Capovilla) bas. romance Bebel Que a Cidade Comeu de Ignácio de Loyola Brandão.

BELLA DONNA / 1998 (Dir: Fábio Barreto) bas. romance Riacho Doce de José Lins do Rego.

BELLINI E A ESFINGE. / 2001 (Dir: Roberto Santucci Filho) bas. romance de Tony Bellotto.

BELLINI E O DEMÔNIO /2008 (Dir: Marcello Galvão) bas. romance de Tony Bellotto.

BENJAMIM / 2004 (Dir: Monique Gardenberg) bas. romance de Chico Buarque de Holanda.

BOSSA NOVA / 2000 (Dir: Bruno Barreto) bas. conto Senhorita Simpson de Sergio Sant’ Anna.

BRÁS CUBAS / 1985 (Dir: Julio Bressane) bas. romance Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

BUDAPESTE / 2009 (Dir: Walter Carvalho) bas. romance de Chico Buarque de Hollanda.

BUFO & SPALLANZANI / 2000 (Dir: Flávio Tambellini) bas. romance de Rubem Fonseca.

O CABELEIRA / 1963 (Dir: Milton Amaral) bas. romance de Franklin Távora.

CAMINHO DOS SONHOS / 1998 (Dir: Lucas Amberg) bas. romance de Moacyr Scliar.

CANTA MARIA / 2006 (Dir: Francisco Ramalho Jr.) bas. romance Os Desvalidos de Francisco J. C. Dantas.

CÃO SEM DONO / 2007 (Dir: Beto Brant, Renato Ciasca) bas. romance Até o Dia Em Que O Cão Morreu de Daniel Galera.

 

CAPITÃES DA AREIA / 1969 (Dir: Hal Bartlett) bas. romance de Jorge Amado.

CAPITÃES DE AREIA. / 2011 (Dir: Cecilia Amado) bas. romance de Jorge Amado.

CAPITU / 1968 (Dir: Paulo César Saraceni) bas. romance Don Casmurro de Machado de Assis.

CARA DE FOGO / 1958 (Dir: Galileu Garcia) bas. conto. A Caratonha de Afonso Schmidt.

CARANDIRU / 2003 (Dir: Hector Babenco) bas. livro de memórias Estação Carandiru de Drauzio Varella.

CARNE, A / 1925 (Dir: Felipe Ricci) bas. romance de Júlio Ribeiro.

CARNE, A / 1952 (Dir: Guido Lazzarini) bas. romance de Júlio Ribeiro.

CARNE, A / 1975 (Dir: J. Marreco) bas. romance de Júlio Ribeiro.

CARTOMANTE, A / 1974 (Dir: Marcos Faria) bas. conto de Machado de Assis.

CARTOMANTE, A / 2004 (Dir: Wagner de Assis) bas. conto de Machado de Assis.

CASA ASSASSINADA, A / 1971 (Dir: Paulo César Saraceni) bas. romance Crônica da Casa Assassinada de Lúcio Cardoso.

CASAMENTO, O / 1975 (Dir: Arnaldo Jabor) bas. romance de Nelson Rodrigues.

CASCALHO / 1951 (Dir: Léo Marten) bas. romance de Herberto Sales.

CAUSA SECRETA, A / 1995 (Dir: Sérgio Bianchi) bas. conto de Machado de Assis.

CEM GAROTAS E UM CAPOTE / 1946 (Dir: Milton Rodrigues) bas. conto O Homem e o Capote de Anibal Machado.

CERTO CAPITÃO RODRIGO, UM / 1971 (Dir: Anselmo Duarte) bas. romance O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo.

CHÃO BRUTO / 1959 (Dir: Dionísio Azevedo) bas. romance de Hernani Donato.

CHÃO BRUTO / 1977 (Dir: Dionísio Azevedo) bas. romance de Hernani Donato.

CHEIRO DO RALO, O / 2007 (Dir: Heitor Dhalia) bas. romance de Lourenço Mutarelli.

CHUVA CRIOULA / 1977 (Dir: Maurício Nabuco) bas. romance de José Mauro de Vasconcelos.

COMO ESQUECER / 2010 (Dir: Malu de Martino) bas. romance Anotações Quase Inglesas de Myriam Campello.

COMO MATAR UMA SOGRA / 1978 (Dir: Luiz de Miranda Corrêa) bas. romance O Livro de uma Sogra de Aluísio Azevedo.

COMPRADOR DE FAZENDAS, O / 1951 (Dir: Alberto Pieralisi) bas. conto de Monteiro Lobato.

Procópio Ferreira e Helio Souto na frente à direita em O Comprador de Fazendas

COMPRADOR DE FAZENDAS, O / 1974 (Dir: Alberto Pieralisi) bas. conto de Monteiro Lobato.

CONCERTO CAMPESTRE / 2004 (Dir: Henrique de Freitas Lima) bas. romance de Luiz Antonio de Assis Brasil.

CONDENADOS, OS / 1973 (Dir: Zelito Viana) bas. na trilogia Alma / A Estrela de Absinto / A Escada de Oswald de Andrade.

CONFISSÕES DE UMA VIÚVA MOÇA / 1975 (Dir: Adnor Pitanga) bas. conto de Machado de Assis.

CONFISSÕES DO FREI ABÓBORA, AS / 1971 (Dir: Braz Chediak) bas. romance de José Mauro de Vasconcelos.

COPO DE CÓLERA, UM / 1999 (Dir: Aluízio Abranches) bas. novela de Raduan Nassar.

CORONEL E O LOBISHOMEM, O / 1979 (Dir: Alcino Diniz) bas. romance de José Cândido de Carvalho.

CORONEL E O LOBISHOMEM, O / 2005 (Dir: Mauricio Farias) bas. romance de José Cândido de Carvalho.

CORPO, O / 1991 (Dir: José Antonio Garcia) bas. conto A Via Crucis do Corpo de Clarice Lispector.

CORTIÇO, O / 1945 (Dir: Luiz de Barros) bas. romance de Aluísio Azevedo.

CORTIÇO, O / 1978 (Dir: Francisco Ramalho) bas. romance de Aluísio Azevedo.

CRIME DELICADO / 2005 (Dir: Beto Brant) bas. romance Um Crime Delicado de Sergio Sant’ Anna.

CRIME DE AMOR / 1965 (Dir: Rex Endleigh) bas. conto Fera da Penha de Edgar da Rocha Miranda.

CRISTO DE LAMA / 1968 (Dir: Wilson Silva) bas. romance de João Felício dos Santos.

DESCONHECIDO, O (Dir: Ruy Santos) bas. novela de Lúcio Cardoso.

DESMUNDO /2003 (Dir: Alain Fresnot) bas. romance de Ana Miranda.

DEUS É BRASILEIRO / 2002 (Dir: Carlos Diegues) bas. conto O Santo Que Acredita em Deus de João Ubaldo Ribeiro.

DIAMANTE BRUTO / 1977 (Dir: Orlando Senna) bas. romance Bugrinha de Afrânio Peixoto.

DIÁRIO DE UM MUNDO NOVO / 2005 (Dir: Paulo Nascimento) bas. romance de Luiz Antonio de Assis Brasil.

DIVÃ / 2009 (Dir: José Alvarenga Jr.) bas.  romance de Martha Medeiros.

DOM / 2003 (Dir: Moacyr Goes) bas. romance Don Casmurro de Machado de Assis.

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS / 1976 (Dir: Bruno Barreto) bas. romance de Jorge Amado.

Mauro Mendonça, Sonia Braga e José Wilker em Dona Flor e seus Dois Maridos

DONO DO MAR, O / 2006 (Dir: Odorico Mendes) bas. romance de José Sarney.

DORA DORALINA / 1982 (Dir: Perry Salles) bas. romance de Rachel de Queiroz.

DORAMUNDO / 1978 (Dir: João Batista de Andrade) bas. romance de Geraldo Ferraz.

DUELO, O / 2012 (DIR: MARCOS JORGE) bas. romance Os Velhos Marinheiros ou O Capitão de Longo Curso de Jorge Amado.

EL JUSTICERO / 1967 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. romance As Vidas de El Justicero de João Bethencourt.

ENCARNAÇÃO / 1978 (Dir: J. Marreco) bas. romance de José de Alencar.

ENGRAÇADINHA / 1981 (Dir: Haroldo Marinho Barbosa) bas. romance Asfalto Selvagem: Engraçadinha, seus amores e seus pecados de Nelson Rodrigues.

ENGRAÇADINHA, DEPOIS DOS 30 / 1966 (Dir: J. B. Tanko) bas. romance de Nelson Rodrigues.

ENIGMA PARA DEMÔNIOS / 1974 (Dir: Carlos Hugo Christensen) bas. conto Flor, Telefone, Moça de Carlos Drummond de Andrade.

ENTERRO DA CAFETINA, O (Dir: Alberto Pieralisi) bas. romance de Marcos Rey.

ERVA DO RALO, A (Dir: Julio Bressane) inspirado em dois contos de Machado de Assis: Um Esqueleto e A Causa Secreta.

ESCRAVA ISAURA, A / 1929 (Dir: Antonio Marques Filho) bas. romance de Bernardo Guimarães.

ESCRAVA ISAURA, A / 1949 (Dir: Eurides Ramos) bas. romance de Bernardo Guimarães.

Fada Santoro em A Escrava Isaura

ESSE RIO QUE EU AMO. / 1962 (Dir: Carlos Hugo Christensen) bas. contos: Balbino, o Homem do Mar e O Milhar Seco de Orígenes Lessa; A Morte do Porta Estandarte de Aníbal Machado; Noite de Almirante de Machado de Assis.

ESTORVO / 1998 (Dir: Ruy Guerra) bas. romance de Chico Buarque de Hollanda.

ESTRELA SOBE, A /1974 (Dir: Bruno Barreto) bas. romance de Marques Rebelo.

EU RECEBERIA AS PÍORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS / 2011 (DIr: Beto Brant) bas. romance de Marçal Aquino.

FACA DE DOIS GUMES / 1989 (Dir: Murilo Salles) bas. novelas de Fernando Sabino. FAROLEIROS, OS / 1920 (Dir: Miguel Milano, Antonio Leite) bas. conto de Monteiro Lobato constante da coletânea Urupês.

FILHO ETERNO (Dir: Paulo Machline) bas. romance de Cristovão Tezza.

FLORADAS NA SERRA / 1954 (Dir: Luciano Salce) bas. romance de Dinah Silveira de Queiroz.

FOGO MORTO / 1976 (Dir: Marcos Faria) bas. romance de José Lins do Rego.

FOME DE AMOR / 1968 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. romance História Para Se Ouvir de Noite de Guilherme de Figueiredo.

FORTE, O / 1974 (Dir: Olney São Paulo) bas. romance de Adonias Filho.

GABRIELA / 1983 (Dir: Bruno Barreto) bas. romance Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado.

GANGA ZUMBA / 1964 (Dir: Carlos Diegues) bas. romance de João Felício dos Santos.

GARIMPEIRO, O / 1920 (Dir: Vittorio Capellaro) bas. romance de Bernardo Guimarães.

GAÚCHO, O / 1934 (Dir: Miguel Milano) bas. romance de José de Alencar.

GERENTE, O (Dir: Paul César Saraceni) bas. conto de Carlos Drummond de Andrade.

GIGI / 1925 (Dir: José Medina) bas. conto de Novelas Doidas de Viriato Correia.

GORILA, O / 2012 (Dir: José Eduardo Belmonte) bas. conto de Sergio Sant´Anna.

GRANDE ARTE, A /1991 (Dir: Walter Salles Júnior) bas. romance de Rubem Fonseca.

GRANDE MENTECAPTO, 0 / 1989 (Dir: Oswaldo Caldeira) bas. romance de Fernando Sabino.

GRANDE SERTÃO / 1965 (Dir: Geraldo e Renato Santos Pereira) bas. romance de Guimarães Rosa.

GUARANI, O / 1926 (Dir: Vittorio Capellaro) bas. romance de José de Alencar.

GUARANI, O / 1950 (Dir: Riccardo Freda) bas. romance de José de Alencar.

GUARANI, O / 1979 (Dir: Fauzi Mansur) bas. romance de José de Alencar.

GUARANI, O / 1996 (Dir: Norma Benguell) bas. romance de José de Alencar.

GUERRA DOS PELADOS / 1971 (Dir: Sylvio Back) bas. romance Geração do Deserto de Guido Wilmar Sassi.

GUERRA CONJUGAL/ 1974 (Dir: Joaquim Pedro de Andrade) bas. contes de Dalton Trevisan.

HOJE / 2011 (Dir: Teté Amaral) bas. novela Prova Contrária de Fernando Bonassi.

HOMEM CÉLEBRE, UM / 1974 (Dir: Miguel Faria Júnior) bas. conto de Machado de Assis.

HOMEM DO ANO, 0 / 2003 (Dir: José Henrique Fonseca) bas. romance O Matador de Patricia Melo.

HOMEM E SUA JAULA, UM / 1969 (Dir: Fernando Cony Campos) bas. romance Matéria de Memória de Carlos Heitor Cony.

HOMEM NU, O. / 1968 (Dir: Roberto Santos) bas. conto de Fernando Sabino.

HOMEM NU, O / 1979 (Dir: Hugo Carvana) bas. conto de Fernando Sabino.

HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO, O / 2007 (Dir: Moacyr Góes) bas. romance As Pelejas de Ojuara de Nei Leandro de Castro.

HORA DA ESTRELA, A / 1986 (Dir: Suzana Amaral) bas. romance de Clarice Lispector.

Marcélia Cartaxo e José Dumont em A Hora da Estrela

HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA, A / 1965 (Dir: Robert Santos) bas. conto de Guimarães Rosa.

HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA / 2011 (DIr: Vinicius Coimbra) bas. conto de Guimarães Rosa.

HORAS VULGARES, AS / 2011 (Dir: Rodrigo de Oliveria) bas. romance Reino dos Medas de Reinaldo Santos Neves.

ÍNDIA, A FILHA DO SOL / 1982 (Dir: Fábio Barreto) bas. conto Ontem, Como Hoje, Como Amanhã, Como Depois de Bernardo Élis.

INOCÊNCIA. / 1949 (Dir: Luiz de Barros e Fernando de Barros) bas. romance do Visconde de Taunay.

INOCÊNCIA / 1983 (Dir: Walter Lima Júnior) bas. romance do Visconde de Taunay.

Fernanda Torres em Inocência

INSÔNIA / 1982 (Dir: Emmanuel Cavalcanti (segmento Dois Dedos), Luís Paulino dos Santos (Segmento A Prisão de J. Carmo Gomes), Nelson Pereira dos Santos (Segmento Um Ladrão), bas. contos de Graciliano Ramos.

IRACEMA / 1931 (Dir: Jorge S. Konchin) bas. romance de José de Alencar.

IRACEMA, A VIRGEM DOS LÁBIOS DE MEL / 1979 (Dir: Carlos Coimbra), bas. romance de José de Alencar.

JECA TATU / 1959 (Dir: Milton Amaral) bas. conto Jeca Tatuzinho de Monteiro Lobato.

Mazzaropi em Jeca Tatu

JOGO DA VIDA / 1977 (Dir: Maurice Capovilla) bas. conto Malagueta, Perus e Bacanaço de João Antônio.

JORGE, UM BRASILEIRO / 1989 (Dir: Paulo Thiago) bas. romance Oswaldo França Júnior.

JOVENS POLACAS / 2012 (Dir: Alex Levy-Heller) bas. romance de Esther Largman.

JUBIABÁ / 1987 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. romance de Jorge Amado.

KATUCHA / 1950 (Dir: Paulo Machado) bas. romance de Benjamin Costallat.

Josè Lewgoy e Ilka Soares em Katucha

LAVOURA ARCAICA / 2001 (Dir: Luiz Fernando Carvalho) bas. romance de Raduan Nassar.

LENDA DO UBIRAJARA, A / 1975 (Dir: André Luiz de Oliveira) bas. romance Ubirajara de José de Alencar.

LIÇÃO DE AMOR / 1975 (Dir: Eduardo Escorel) bas. romance Amar, Verbo Intransitivo de Mário de Andrade.

Lilian Lemmertz e Marcos Taquechel em LIção de Amor

 

LOBISHOMEM NA AMAZÔNIA, UM / 2005 (Dir: Ivan Cardoso) bas. romance A Amazônia Misteriosa de Gastão Cruls.

LÚCIA MCCARTNEY, UMA GAROTA DE PROGRAMA / 1971 (Dir: David Neves) bas.  contos Lúcia McCartney e O Caso de FA de Rubem Fonseca.

LUCÍOLA, O ANJO PECADOR / 1975 (Dir: Alfredo Sternheim) bas. romance Lucíola de José de Alencar.

LUZIA-HOMEM / 1988 (Dir: Fábio Barreto) bas. romance de Domingos Olímpio.

MACUNAÍMA / 1969 (Dir: Joaquim Pedro de Andrade) bas. romance de Mário

 de Andrade.

MADEMOISELLE CINÉMA / 1925 (Dir: Léo Marten) bas. romance de Benjamin Costallat.

MADONA DE CEDRO / 1968 (Dir: Carlos Coimbra) bas. romance de Antonio Callado.

MÁGICO E O DELEGADO, O   1983 (Dir: Fernando Coni Campos) bas. romance Depois do Último Trem de Josué Guimarães.

MALU DE BICICLETA / 2011 (Dir: Flávio Tambelini) bas.romance de Marcelo Rubens Paiva.

MANHÃ TRANSFIGURADA (Dir: Sérgio de Assis Brasil) bas. romance de Luís Antonio de Assis Brasil.

MÃOS VAZIAS / 1972 (Dir: Luiz Carlos Lacerda) bas. romance de Lúcio Cardoso.

A MARCHA / 1972 (Dir: Oswaldo Sampaio) bas. romance de Afonso Schmidt.

MARIA BONITA / 1937 (Dir: Julien Mandel) bas. romance de Afrânio Peixoto.

MATADORES, OS / 1997 (Dir: Beto Brant) bas. conto Matadores de Marçal Aquino.

MEMÓRIA DE HELENA / 1969 (Dir: David Neves) bas. livro Minha Vida de Menina de Helena Morley.

MEMÓRIAS DE UM GIGOLÔ / 1970 (Dir: Alberto Pieralisi) bas. romance de Marcos Rey.

MEMÓRIAS DO CÁRCERE / 1984 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. livro de memórias de Graciliano Ramos.

Carlos Vereza em Memórias do Cárcere

MEMÓRIAS PÓSTUMAS / 2001 (Dir: André Klotzel) bas. romance Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

MENINAS, AS / 1995 (Dir: Emiliano Ribeiro) bas. romance de Lygia Fagundes Teles.

MENINO DE ENGENHO / 1965 (Dir: Walter Lima Júnior) bas. romance de José Lins do Rego.

MENINO E O VENTO, O / 1967 (Dir: Carlos Hugo Christensen) bas. conto O Iniciado do Vento de Anibal Machado.

MEU DESTINO É PECAR / 1952 (Dir: Manoel Peluffo) bas. romance de Suzana Flag (pseudônimo de Nelson Rodrigues).

MEU PÉ DE LARANJA LIMA / 1970 (Dir: Aurélio Teixeira) bas. romance de José Mauro de Vasconcelos.

MEU PÉ DE LARANJA LIMA / 2012 (Dir: Marcos Bernstein, José de Abreu) bas. romance de José Mauro de Vasconcellos.

MIRAMAR / 1997 (Dir: Julio Bressane) bas. romance Memórias Sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade.

MORENINHA. A / 1970 (Dir: Glauco Mirko Laurelli) bas. romance Joaquim Manoel de Macedo.

MUTUM / 2007 (Dir: Sandra Kogut) bas. novela Campo Geral de Guimarães Rosa.

NENÊ BANDALHO / 1970 (Dir: Emílio Fontana) bas. conto de Plínio Marcos.

NOITES DO SERTÃO / 1984 (Dir: Carlos Alberto Prates Correia) bas. conto Buriti de Guimarães Rosa.

NUNCA FOMOS TÃO FELIZES / 1984 (Dir: Murilo Salles) bas. conto Alguma Coisa Urgentemente de João Gilberto Noll.

ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA / 2007 (Dir: Guilherme de Almeida Prado) bas. romance de Caio Fernando Abreu.

ONDE A TERRA ACABA / 1933 (Dir: Octávio Gabus Mendes) bas. romance Senhora de José de Alencar.

ÓRFÃOS DO ELDORADO / 2012 (Dir: Guilherme Cezar Coelho) bas. romance de Milton Hatoum.

OSSO, AMOR E PAPAGAIOS / 1957 (Dir: Carlos Alberto de Souza Barros e César Memolo Júnior) bas. conto A Nova Califórnia de Lima Barreto.

OSTRA E O VENTO, A / 1997 (Dir: Walter Lima Júnior) bas. romance de Moacir C. Lopes.

Leandra Leal em A Ostra e o Vento

OUTRAS ESTÓRIAS / 1999 ((Dir: Pedro Bial) bas. contos do livro Primeiras Estórias de Guimarães Rosa.

PAIXÃO DE GAÚCHO / 1958 (Dir: Walter George Durst) bas. romance O Gaúcho de José de Alencar.

PAIXÃO DE SERTANEJO / 1979 (Dir: Pio Zamuner) bas. romance O Sertanejo de José de Alencar.

PAIXÃO SEGUNDO G.H., A / 2020 (Dir: Luiz Fernando Carvalho) bas. romance de Clarice Lispector.

PASTORES DA NOITE / 1977 (Dir: Marcel Camus) bas. romance de Jorge Amado.

PINGUINHO DE GENTE, UM  Dir: Gilda de Abreu) bas. romance de Gilda de Abreu.

PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO / 1980 (Dir: Hector Babenco) bas. romance A Infância dos Mortos de José Louzeiro.

POLICARPO QUARESMA, HERÓI DO BRASIL / 1998 (Dir: Paulo Thiago) bas. romance O Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto.

PODECRER! / 2007 (Dir: Arthur Fontes) bas. romance de Marcelo O. Dantas.

PREDILETO, O (Dir: Roberto Palmari) bas. romance Totônio Pacheco de João Alphonsus.

PRESENÇA DE ANITA / 1951 (Dir: Ruggero Jacobbi) bas. romance de Mário Donato.

PROVA DE CORAGEM / 2012 (Dir:Robert Gervitz) bas. romance de Daniel Galera.

PUREZA / 1940 (Dir: Chianca de Garcia) bas. romance de José Lins do Rego.

QUANDO EU ERA VIVO / 2012 (Dir:  Marco Dutra, Gabriela Amaral Almeida) bas. romance A Arte de Produzir Efeito Sem Causa de Lourenço Mutareli.

QUANTO VALE ou É POR QUILO? / 2005 (Dir: Sergio Bianchi) bas. conto Pai Contra Mães de Machado de Assis.

QUASE MEMÓRIA / 2016 (Dir: Ruy Guerra) bas. no quase-romance de Carlos Heitor Cony.

QUATRILHO, O / 1995 (Dir: Fábio Barreto) bas. romance de José Clemente Pozzenato.

Ao centro Patrícia Pilar, Gloria Pires e dos lados Alexandre Paternost e Bruno Campos em O Quatrilho

QUE ESTRANHA FORMA DE AMAR (Dir: Geraldo Vietri) bas. romance Iaiá Garcia de Machado de Assis.

QUE É ISSO COMPANHEIRO? / 1997 (Dir:  Bruno Barreto) bas. romance de Fernando Gabeira.

QUEM MATOU PACÍFICO? / 1996 (Dir: Renato Santos Pereira) bas. romance de Maria Alice Barroso.

QUERÔ / 2007 (DIr: Carlos Cortez) bas. romance Uma Reportagem Maldita – Querô de Plínio Marcos.

QUILOMBO / 1984 (Dir: Carlos Diegues) bas. livro Palmares a Guerra dos Escravos de Décio Freitas e no romance Ganga Zumba de João Felício dos Santos.

QUINCAS BORBA / 1987 (Dir: Roberto Santos) bas. romance de Machado de Assis.

QUINCAS BERRO D´ÁGUA / 2010 (Dir: Sergio Machado) bas.  romance A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água de Jorge Amado.

QUINZE, O / 2004 (Dir: Jurandir de Oliveira) bas. romance de Rachel de Queiroz.

RAMO PARA LUIZA, UM / 1964 (Dir: J. B. Tanko) bas. romance de José Condé.

REI-RI-TE-A-TÁ /1977 (Dir: Fernando Cony Campos) bas. romance de Jorge Medauar.

RELATÓRIO DE UM HOMEM CASADO / 1974 (Dir: Flávio Tambellini) bas. conto O Relatório de Carlos de Rubem Fonseca.

REPÚBLICA DOS ASSASSINOS / 1979 (Dir: Miguel Faria Júnior) bas. romance República dos Assassinos de Aguinaldo Silva.

ROMANCE DE UM MORDEDOR / 1944 (Dir: José Carlos Burle) bas. romance Vovó Morungaba de Galeão Coutinho.

RUA DESCALÇA / 1971 (Dir: J. B. Tanko) bas. romance de José Mauro de Vasconcelos.

SAGARANA, O DUELO / 1973 (Dir: Paulo Thiago) bas. conto Duelo do livro Sagarana de Guimarães Rosa.

SÃO BERNARDO / 1972 (Dir: Leon Hirszman) bas. romance de Graciliano Ramos.

Othon Bastos e Isabel Ribeiro em São Bernardo

SARGENTO GETÚLIO / 1983 (Dir: Hermano Penna) bas. romance João Ubaldo Ribeiro.

SEARA VERMELHA / 1964 (Dir: Alberto D´Aversa) bas. romance de Jorge Amado.

SELVA TRÁGICA / 1964 (Dir: Roberto Farias) bas. romance de Hernani Donato

SEMINARISTA, O / 1976 (Dir: Geraldo Santos Pereira) bas. romance de Bernardo Guimarães.

SENHORA / 1976 (Dir: Geraldo Vietri) bas. romance de José de Alencar.

SETE DIAS DE AGONIA / 1982 (Dir: Denoy de Oliveira) bas. conto Encalhe dos 300 de Domingos Pellegrini Júnior.

SIMÃO, O CAOLHO / 1952 (Dir: Alberto Cavalcanti) bas.  novela Memórias de Simão, o Caolho de Galeão Coutinho.

SINHÁ MOÇA / 1953 (Dir: Tom Payne) bas. romance de Maria Dezzone Pacheco.

SOBRADO, O / 1956 (Dir: Walter George Durst, Cassiano Gabus Mendes) bas. romance O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo.

SOLEDADE / 1976 (DIr: Roberto Mauro) bas. romance A Bagaceira de José Américo de Almeida.

SOMBRA DA OUTRA, A / 1949 (Dir: Watson Macedo) bas. romance Elza e Helena de Gastão Cruls (obs. e na novela de rádio A Outra de Amaral Gurgel).

SONHOS E DESEJOS / 2006 (Dir: Marcelo Santiago) bas. romance Balé da Utopia de Álvaro Caldas.

TATI, A GAROTA / 1973 (Dir: Bruno Barreto) bas.  conto de Aníbal Machado.

TEMPO E O VENTO, O / 2012 (Dir: Jayme Monjardim) bas. trilogia de romances de Érico Veríssimo

TENDA DOS MILAGRES / 1977 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. romance de Jorge Amado.

TERCEIRA MARGEM DO RIO / 1994 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. contos A Terceira Margem do Rio, A Menina de Lá, Os Irmãos Dagobé, Fatalidade e Sequência do livro Primeiras Estórias de Guimarães Rosa.

TERRA VIOLENTA / 1948 (Dir: Edmond Bernoudy) bas. romance Terras do Sem Fim de Jorge Amado.

TERROR E ÊXTASE / 1980 (Dir: Antônio Calmon) bas. romance de José Carlos Oliveira.

TIETA DO AGRESTE / 1996 (Dir: Carlos Diegues) bas. romance de Jorge Amado.

TODAS AS MULHERES DO MUNDO / 1967 (Dir: Domingos de Oliveira) bas. contos A Falseta e Memórias de um Don Juan de Eduardo Prado.

Paulo José e Leila Diniz em Todas as Mulheres do Mundo

TRONCO, O / 1999 (Dir: João Batista de Andrade) bas. romance de Bernardo Ellis.

URUBUS E PAPAGAIOS / 1987 (Dir: José Joffily) bas. romance Dona Anja de Josué Guimarães.

UNICÓRNIO / 2012 (Dir: Eduardo Nunes) bas. contos O Unicórnio e Matamoros de Hilda Hilst.

VALE DO CANAÃ, O / 1970 (Dir: Jece Valadão) bas. romance Canaã de Graça Aranha.

VERDES ANOS / 1984 (Dir: Carlos Gerbase, Giba Assis Brasil) bas. conto Os Verdes Anos de Luiz Fernando Emediato.

VIAGEM AO FIM DO MUNDO / 1968 (Dir: Fernando Cony Campos) bas. em capítulos do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

VIAGEM AOS SEIOS DE DUÍLIA / 1964 (Dir: Carlos Hugo Christensen) bas. conto de Aníbal Machado.

VIDA DE MENINA / 2004 (Dir: Helena Solberg) bas. livro de memórias Minha Vida de Menina de Helena Morley.

VIDA EM SEGREDO, UMA / 2001 (Dir: Suzana Aamaral) bas. romance Uma História em Segredo de Autran Dourado.

VIDA INVISÍVEL, A / 2019 (Dir: Karim Ainouz) bas. romance A Vida Invisível de Eurídice Gusmão de Martha Botelho.

VIDAS NUAS / 1967 (Dir: Ody Fraga) bas. conto Erótica de Ody Fraga.

VIDAS SECAS / 1963 (Dir: Nelson Pereira dos Santos) bas. romance de Graciliano Ramos.

Cena de Vidas Sêcas

XANGÔ DE BAKER STREET, O. / 2001 (Dir: Miguel Faria Júnior) bas. romance de Jô Soares.

Zezé Mota e Walmor Chagas em Xica da Silva

XICA DA SILVA / 1976 (Dir: Carlos Diegues) bas. romance Memórias do Distrito de Diamantina de Joaquim Felício dos Santos.

 

PRIMÓRDIOS DA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA FRANCÊSA

Após o sucesso inicial do Cinematógrafo, apresentado ao público em 28 de dezembro de 1895 no Salon Indien do Grand Café em Paris e explorado pela Societé Lumière, surgiram outras companhias produtoras na França.

Primeiramente, a Star Film, fundada por George Mélìès, o “criador do espetáculo cinematográfico”. Méliès tinha outros objetivos e ambições para o Cinematógrafo, diferentes daqueles dos irmãos Lumière, e, embora ele inicialmente tivesse apenas reproduzido os seus registros da realidade, logo passou a desenvolver um amplo espectro de filmes de truques (v. g. O Homem da Cabeça de Borracha / L´Homme à la Tête em Caoutchouc / 1901), narrativas de fantasia  (v. g. Viagem Fantástica à Lua / Le Voyage dans la Lune, 1902) e atualidades reconstituídas ( v. g. A Coroação de Eduardo VII / Le Sacre d´Édouard VII, 1902), estabelecendo, nesse processo, muito do que hoje consideramos como linguagem cinematográfica, especialmente em termos de montagem e efeitos especiais.

Esse novo estilo de cinema trouxe-lhe um considerável sucesso comercial e, na primavera de 1897, George Méliès tomou a decisão de construir o primeiro estúdio de cinema da França, em Montreuil. Os negócios correram tão bem que, em 1903, ele mandou seu irmão Gaston abrir um escritório de distribuição da Star Film em Nova York.

Le Voyage dans la Lune

A firma dos Lumière e a de Méliès encerraram suas atividades respectivamente nos anos 1905 e 1912, cabendo a outros dois pioneiros, Charles Pathé e Léon Gaumont, transformar o cinema em uma indústria.

Pathé pediu ao inventor Henri Joly que fizesse um aparelho parecido com o dos Lumière e, em 1902, com a ajuda financeira de Claude Grivolas, dono da fábrica Continsouza, do financista Jean Neyret e do Banque Crédit Lyonnais, ergueu um estúdio em Vincennes e depois outros em Montreuil, Joinville e Bice. Em Vincennes, um laboratório especial criou o processo de colorização de filmes por estêncil chamado Pathécolor, que seria rebatizado de Pathéchrome. Além da produção de filmes, a Pathé-Frères fabricava filme virgem e vendia equipamento cinematográfico (câmeras, projetores, etc.) providenciado pela sua aliada Continsouza em Belleville, Paris.

Charles Pathé e Léon Gaumont

Gaumont, por sua vez, usou a câmera-projetor denominada Chronographe, construída pelo engenheiro-chefe de sua firma, L. R. Decaux, e montou seu estúdio perto do parque Buttes- Chaumont na Rue de la Villette, Paris., que depois se expandiu e passou a ser chamado de Cité Elgé (L. G., iniciais de Léon Gaumont). De 1905 a 1907, a companhia familiar transformou-se em uma sociedade anônima, coordenada em parte por Pierre Azaria e pelo Banque Suisse et Française (depois Crédit Commercial de France). Além de produzir filmes e fabricar equipamento cinematográfico, a Gaumont fez experiências com a cor e, em 1913, abriu um estúdio em Nice.

Estúdio de Buttes Chaumont

Cité Algé em 1915

Ambas as companhias expandiram suas atividades para os ramos de distribuição e exibição e desenvolveram em seus estúdios novas técnicas de racionalização da produção e delegação de atribuições, que fizeram com que os métodos de trabalho de Méliès parecessem artesanais. Os dois empresários confiaram a responsabilidade da realização de filmes a gerentes de produção (Ferdinand Zecca na Pathé; Alice Guy e depois Louis Feuillade na Gaumont), que, por sua vez, começaram a treinar equipes de pessoal com funções cada vez mais precisas, como diretores, roteiristas, cameramen, etc. Esse modo de organização serviria de modelo para os americanos, pois foi somente alguns anos mais tarde que uma evolução similar se produziria nos Estados Unidos.

Ferdinand Zecca

Alice Guy

Louis Feuillade

Em 1907, Pathé anunciou o fim da venda dos filmes por metro aos exibidores e montou um sistema de aluguel através de uma rede eficiente de agências espalhadas por todo o mundo. Em 1910, começou a produção de filmes nos Estados Unidos, primeiro em várias locações e depois em um estúdio em Jersey City, New Jersey, perto do distrito de Bound Brook, administrado pelo assistente de Ferdinand Zecca, Louis J. Gasnier.

Seguindo os passos da Pathé, a Gaumont montou um estúdio em Flushing, Nova York, dirigido por Alice Guy e por seu marido Herbert Blaché, que, no ano anterior, haviam comercializado os filmes e equipamentos da companhia (especialmente o seu sistema Chronophone, que sincronizava som e imagem).

Em associação com Edmond Benoit-Lévy – editor do Phono-Ciné-Gazette, primeiro trade journal dedicado a promover a nova indústria -, Pathé começou a construir circuitos de cinemas por toda a França, sendo a primeira sala o Omnia-Pathé em Paris, inaugurado em dezembro de 1906, tendo sido posteriormente edificado o luxuoso Pathé-Palace. Assim, ele definiu uma estrutura que colocava o distribuidor entre o produtor e o exibidor, ou seja, inventou a trindade que preside até hoje o mercado do cinema.

Gaumont aguardou o verão de 1908 para abrir seu cinema na capital francesa, o Cinema-Palace, depois acompanhado por outros em outras cidades. Em 1909, formou a sua distribuidora, Comptoir Cine-Location, e começou a alugar seus filmes de acordo com os princípios primeiramente estabelecidos por Pathé. Em 1911, o Gaumont-Palace, com 3.400 lugares, proclamava-se orgulhosamente como “o maior cinema do mudo”.

Outra contribuição importante das companhias Pathé e Gaumont para o cinema francês foi a introdução do jornal cinematográfico. Por curiosidade, o Pathé-Journal estreou em um cinema especializado nesse tipo de filmes. Dois anos depois, Gaumont lançou o Gaumont-Actualités. Nos anos 1930 seriam comuns as “salles d’actualités”, destinadas à difusão de jornais cinematográficos e documentários: Cinéac, Paris-Midi-Ciné, Ciné-Paris Soir, etc.

Embora a Pathé e a Gaumont procurassem controlar cada estágio da produção, distribuição e exibição, elas não monopolizaram a indústria cinematográfica, destruindo pequenas concorrentes. Outras companhias puderam encontrar um nicho em uma ou duas áreas de operação dentro do mercado.

Louis Mercanton

Em 1908, a Eclipse, presidida por Louis Mercanton, começou a produzir filmes, inicialmente em um pequeno estúdio alugado em Courbevoie. Depois passou a distribuir os filmes de uma pequena afiliada francesa, Societé Radios, e começou a renovar o estúdio da Radios em Boulogne-sur-Seine. Em dois anos a companhia se firmou como a quarta maior produtora francesa de filmes.

Além da Eclipse, surgiram algumas firmas menores. A produtora de Théophile Pathé, irmão de Charles, que tinha o seu próprio nome; a Societé Lux – organizada pelo antigo sócio de Pathé, o inventor Henri Joly -, com seu estúdio em Gentilly; a minúscula Le Lion, que produzia apenas um ou dois filmes por semana; a editora católica La Bonne Presse, que alugava e selecionava programas de filmes para escolas e igrejas, incorporando o cinema ao ensino religioso, etc.

A mais bem-sucedida das novas produtoras foi certamente a Éclair, fundada por Ambroise-François Parnaland e Charles Jourjon. Eles ergueram um estúdio em Épinay-sur-Seine e em pouco tempo fizeram com que sua companhia passasse à frente da Eclipse e se tornasse a terceira produtora francesa mais importante. A Éclair foi a única companhia francesa, além da Pathé e da Gaumont, que tinha recursos financeiros e agências de distribuição no exterior e produziu seus próprios filmes no lucrativo mercado americano – a filial da Éclair na América, registrada como American Standard Films, abriu um estúdio em Fort Lee, New Jersey, e outro em Tucson, Arizona. Tinha também o seu jornal cinematográfico, intitulado Éclair Journal

Épinay-sur-Seine. Charles Jourjon. Éclair

Para agradar a audiência burguesa e tornar seu produto mais atraente para o mercado internacional, dando-lhe um cunho cultural, as quatro grandes companhias resolveram fazer adaptações de obras literárias, utilizando atores de prestígio nos palcos. A Pathé ajudou financeiramente companhias satélites como a Film d´Art (fundada por Paul Lafitte e depois propriedade de Marcel Vandal e Charles Delac) e a SCAGL – Societé Cinématographique des Auteurs et Gens des Lettres (Pierre Decourcelles). Essa estratégia foi tão bem-sucedida que companhias satélites semelhantes foram criadas em outros países (v.g. American Kinema, Britannia Film, Film d’Arte Italiana, Pathé Rousse, Germania Film, La Belge Cinéma, De Hollandsche Film, Iberico Films, ertc.). A Éclair (sob a marca ACAD –-Association des Compositeurs et des Auteurs Dramatiques), a Gaumont (Grand Film Artistiques), a Eclipse (Série d’ Art) e a própria Pathé (Séries d’Art Pathé-Frères) investiram-se dos mesmos propósitos.

No campo da distribuição, Pathé e Gaumont deixaram espaço para alguns empreendedores, entre eles, Maurice Astaix e François Lallement, ex-empregados de Méliès que, aliando-se a Paul Kastor, coproprietário de diversos cinemas de Paris, fundaram a AGC (Agence Générale Cinématographique) e Louis Aubert (Societé des Établissements L. Aubert), que adquiriu os direitos exclusivos de distribuição dos filmes dinamarqueses e italianos (Nordisk, Cinès, Itala, Pasquali e Ambrosia). A única distribuidora estrangeira importante era a companhia americana Vitagraph.

Louis Aubert

Por volta de 1910, 60 a 70% dos filmes vendidos no mundo saíam dos estúdios parisienses, cabendo à Pathé a parte do leão. Ela vendia para os estados Unidos duas vezes mais filmes que todas as firmas americanas reunidas. Nessa época, o cinema francês era o primeiro do mundo, mas sua posição começou a ser ameaçada. Na América, com o fim do Truste de Edison (do qual faziam parte a Star-Film e a Pathé), as firmas francesas sofreram a concorrência dos produtores independentes locais, que logo se tornariam as novas forças da indústria de cinema americana. Em 1911, aquela percentagem caiu para 10%. Por outro lado, as indústrias cinematográficas da Dinamarca, Suécia e Itália começaram a florescer.

Ao irromper o primeiro conflito mundial, por causa da mobilização da mão de obra e da requisição dos estúdios pelas autoridades militares, a produção cinematográfica francesa interrompeu-se durante seis meses, dificultando as exportações e ensejando que os filmes importados americanos invadissem o mercado francês.

Devido à demanda por filmes e à falta de títulos franceses, os filmes americanos, que já haviam começado a penetrar no mercado francês antes da guerra, agora estavam inundando os cinemas. Assim que a guerra terminou, as companhias americanas uma após outra abriram seus escritórios em Paris: primeiro vieram a Paramount e a Fox-Film, depois a United Artists e First National, e finalmente a Universal. Entrementes, Goldwyn e Metro assinaram contratos de exclusividade, respectivamente com Gamont e Aubert.

O produto americano, com suas qualidades e inovações técnicas e uma narrativa fluente e direta com ênfase na ação, cada vez mais encantava as platéias internacionais. Como observou Pierre Leprohon (Cinquante Ans de Cinéma Français, 1954), o público francês, atraído pelo cinema pela necessidade de evasão naquele momento, descobria nos filmes americanos um “movimento”, um entusiasmo, que o seduzia e iria gerar uma verdadeira admiração por essa nova forma de espetáculo.

Por volta de 1918-1919, aproximadamente três quartos de todos os filmes exibidos na França eram americanos. Pelo resto da década e durante os anos 1920, o cinema francês travaria uma valorosa batalha para não se tornar, como disse corretamente o produtor -diretor Henri Diamant-Berger, “uma colônia do filme americano”.

Achando que seria difícil para os franceses restabelecer um sistema de produção comparável ao dos americanos, Pathé – depois de ter se mantido algum tempo com os lucros dos seriados de Pearl White, produzidos pela sua afiliada americana, que fôra reorganizada como Pathé-Exchange – resolveu que o principal objetivo da Pathé-Cinéma (a nova denominação da companhia) passaria a ser a fabricação e comercialização de filme positivo e negativo e a exploração de uma câmera e projetores para exibições familiares (Pathé-Baby, 9.5mm) ou em salas pequenas no ambiente rural (Pathé-Rural, 17,5mm). De uma nova organização surgiu uma companhia separada, a Pathé-Consortium, cuja missão principal seria assumir o contrôle sobre a distribuição e exibição; porém, contrariamente ao desejo de Pathé, ela imediatamente se envolveu no financiamento de superproduções.

A Pathé-Consortium foi inicialmente controlada por Pathé, pelo Banque Bauer et Marchal de Lyon e pelas famílias Gounouilhou-Bourrageas de Marselha e Bordeaux. Em um lancede surpresa, logo após o início das atividades da companhia, a facção Gounouilhou-Bourrageas tomou o poder. Indignado com a orientação dos novos dirigentes, Pathé pediu demissão da diretoria da companhia que ele próprio havia criado.

Reconhecendo a superioridade da técnica cinematográfica americana e o gôsto do público pelos filmes americanos, Gaumont passou cada vez mais a distribuir os filmes daquele país e fechou a maioria de seus escritórios no exterior. Os rendosos seriados de Louis Feuillade continuariam a ser feitos, porém os outros produtos da companhia eram os filmes importados. Quando Louis Feuillade morreu, a Cité-Elgé foi transformada em um estúdio de aluguel. Em seis meses a Gaumont se tornou Gaumont-Metro Goldwyn,  e passou a ser controlada pela empresa americana.

A Éclair, com problemas financeiros, transformou-se na Societé Industrielle Cinématographique. Embora continuasse a produzir o Éclair Journal e a distribuir alguns filmes através de sua distribuidora Union-Éclair, a nova companhia ofereceu os estúdios em Épinay-sur-Seine para locação (pois um segundo estúdio, que fôra construído naquela cidade pelo produtor alemão Joseph Menchen, havia sido asbsorvido pela Éclair) e se concentrou na fabricação de equipamento de câmera e revelação de filmes.

Quanto à Eclipse, esta também desistiu da produção e se dedicou a distribuir os filmes de vários artistas de renome, como René Cresté (o astro de Judex) e Suzanne Grandais (a atriz francesa mais popular na sua época).

René Cresté 

Suzanne Grandais

Quando os franceses compreenderam o poder e a influência do cinema americano na França no final da Primeira Guerra Mundial, uma das primeiras coisas que fizeram foi tentar imitá-lo ou se associar a ele; mas, infelizmente, as imitações e os empreendimentos conjuntos franco-americanos fracassaram.

Henri Diamant -Berger

Devido a esse fracasso e à redução das atividades da Pathé, Gaumont, Éclair e Eclipse, o encargo da produção cinematográfica francesa recaiu sobre um grupo diverso de pequenas companhias de produção ou produtores independentes. Os mais importantes foram Henri Diamant-Berger e Louis Nalpas, que tiveram êxito com algumas superproduções no estilo americano. Diamant-Berger obteve um estrondoso sucesso com Os Três Mosqueteiros / Les Trois Mousquetaires (1921-1922) e transformou um hangar abandonado em Billancourt em um estúdio, que depois seria vendido a Abel Gance. Com a ajuda financeira de Pathé e Serge Sanberg, um importante gerente dos cinemas de Louis Aubert, Nalpas fundou sua companhia, Films Louis Nalpas, e ele e Sandberg adquiriram uma extensa área chamada La Victorine, situada em Nice, onde construíram um estúdio imenso com a intenção de criar ali uma versão de Hollywood. Em 1910, Sandberg formou a companhia Ciné Studio e assumir o controle de La Victorine.

La Victorine

Quase desapercebido na época, um pequeno grupo de exilados russos liderados por Joseph Ermolieff ocupou o estúdio abandonado por Pathé em Montreuil. Reorganizada como Films Ermolieff, sua companhia produtora – uma das três maiores da Rússia antes da revolução de 1917 – realizou uma série de filmes que lhe deram muito prestígio.

Josef Ermolieff

No mesmo momento, Louis Aubert, que a essa altura já possuía um circuito de cinemas tendo à frente o espaçoso Nouveautés-Aubert-Palace e se destacava também como produtor, passou a usar a estratégia de atrair vários produtores independentes para a sua órbita de influência, oferecendo-lhes um financiamento parcial e a garantia de distribuição.

Em 1922, a Paramount abriu uma nova filial em Paris e nomeou Adolphe Osso como diretor, com ordens de implementar uma política de produção de filmes na França. Osso iniciou suas atividades produzindo um dos filmes mais populares de 1922-1923, Os Oprimidos / Les Opprimés, de Henry Roussel.

Ainda em 1922, Jean Sapène, diretor do jornal Le Matin, fundou a Societé des Cinéromans. No final de 1923, com o apoio do Banque Bauer et Marchal e da Pathé-Cinéma, Sapène desalojou a família Gounoulhou-Bourrageas do poder, trouxe de volta Charles Pathé e assumiu o controle da Pathé-Consortium.

Alexandre Kamenka

Depois da Aubert Film e da Cinéromans, as companhias produtoras mais importantes da França foram duas desenvolvidas pela colônia de emigrados russos em Paris.  Em 1922, Joseph Ermolieff vendeu a Films Ermolieff para seus sócios, Alexandre Kamenka e Noë Bloch. Kamenka reorganizou a companhia como Fims Albatros e, pela consistência de seu trabalho, pode ser considerado talvez o maior produtor dos anos 1920, destacando-se por seus filmes com o ator russo Ivan Mosjoukine. A segunda companhia, Societé des Films Historiques (SHF), foi financiada por outro emigrado russo, oriundo da indústria do aço, chamado Jacques Grinieff, e se dedicou a um objetivo grandioso: “representar visualmente toda a história da França”.

Ivan Mosjoukine

Outro sinal da regeneração da indústria de cinema francesa nesse período foi a contínua proliferação de produtoras independentes, a maioria delas movimentada por um determinado diretor. Entre eles podemos mencionar: Films Abel Gance, Films de Baroncelli (Jacques de Baroncelli), Films Léon Poirier, Grands Fils Indépendants (Jacques Feyder), Celor Films (Julien Duvivier), Cinégraphic (Marcel L´Herbier), Lutèce Films (Henry Roussel), sem falar na produtora que o popular dramaturgo Tristan Bernard formou para que seu filho, Raymond Bernard, pudesse dirigir algumas comédias sentimentais e psicológicas.

Uma terceira figura, o romeno Natan Tanenzapf (que depois de naturalizado francês obteve permissão para usar o nome de Bernard Natan), tinha um laboratório chamado Rapid-Film e expandiu seu negócio para a produção de filmes, comprando os estúdios Éclair em Epinay-sur-Seine e construindo mais dois na rua Francoeur em Montmartre.

Bernard Natan

Diante da dominação dos americanos, os membros da indústria cinematográfica perceberam que, permitindo a livre e regular circulação de seus filmes através das fronteiras, através de acordos recíprocos de distribuição, eles construiriam um mercado mais amplo e teriam chance de competir com a América. Assim surgiu um movimento de curta duração chamado Film Europe, que começou em 1924 com a assinatura de um acordo de distribuição mútua entre a UFA e a Établissements Aubert.

Pouco depois, Noë Bloch, antigo sócio de Kamenka, tornou-se o mandachuva da Ciné-France, uma afiliada da Westi Corporation de Berlim, e formou uma aliança da Westi com a Pathé-Consotrium, constituindo-se um ambicioso consórcio europeu, Pathé-Westi, que iniciou projetos épicos tais como Napoleão / Napoléon / 1927, de Abel Gance.Quando a Westi repentinamente faliu em 1925 e a Ciné-France entrou em colapso, Jacques Grinieff interveio para financiar a conclusão de Napoleão, um lance que rapidamente levou-o a fundar a Société Générale des Filmns (SGF) com Henry de Cazotte. A SGF produziu filmes como o famoso O Martírio de Joana D´Arc / La Passion de Jeanne d´Arc / 1928, de Carl Dreyer.

Napoléon de Abel Gance

Em 1926, foi criada a ACE (Alliance Cinématographique Européene), com o principal objetivo de distribuir os filmes da UFA e outros filmes alemães na França. No ano seguinte, a importação de filmes alemães triplicou, sem nenhum aumento correspondente de filmes franceses exportados. De fato, foram importados mais filmes alemães (91) do que os que foram produzidos por toda a indústria cinematográfica francesa (74).

Ainda em 1927, apoiado por Édouard Corniglion-Molinier, do grupo financeiro KCM (Kohan-Corniglion-Molinier), Robert Hurel, ex-produtor da Paramount na França, constituiu um consórcio, Franco-Film, formado por pequenas firmas – Films Léonce Perret, Jacques Haik e Paris-International.Em 1928, o Franco-Film e o diretor Rex Ingram compraram o estúdio La Victorine. Em 1930, Édouard Corniglion-Molinier, presidente do Franco-Film, moveu um processo contra Ingram por abuso de confiança e calote e, em 1932, Ingram deixou definitivamente La Victorine.

Pierre Braunberger

Nessa época, as companhias produtoras independentes mais importantes foram as de Jean Epstein e Pierre Braunberger. O primeiro fundou a Films Epstein e reunir em torno de si um grupo de jovens entusiastas de cinema como assistentes, um dos quais era Luis Buñuel. O segundo (ex-diretor do departamento de publicidade da Paramount em Paris) fundou a Néo-Film, financiando grandes projetos comerciais de Jean Renoir e Alberto Cavalcanti, além de documentários e curtas experimentais. O que Braumberger fez para apoiar vários realizadores da vanguarda desse período serviu de modelo para o seu futuro auxílio aos jovens diretores da Nouvelle Vague.

De certo modo, a dispersão da produção de filmes era o retrocesso do sistema consolidado que havia marcado a indústria de cinema francesa antes da Primeira Guerra Mundial. Ela parecia arcaica comparada com a estrutura corporativa capitalista da indústria americana, na qual cinco grandes companhias (Paramount, Metro-Goldwyn-Mayer, Fox, Warner Bros. e RKO) e suas três satélites (Columbia, Universal e United Artists) eram responsáveis por três quartos de toda a produção de filmes, essencialmente controlando o mercado. Com o aparecimento dos filmes falados, a indústria de cinema francesa se fragmentou ainda mais e continuou assim até a Segunda Guerra Mundial e a queda da França.

 

UM ASPECTO DO FILME B: OS FILMES ÉTNICOS

Um dos vários aspectos do filme B dizia respeito aos filmes étnicos, que se dirigiam à raça, religião ou nacionalidade específicas que eles retratavam. O maior componente desta espécie, o cinema negro (black cinema) também denominado “cinema de raça” (race cinema), havia começado durante os anos 10 como uma resposta à ultrajante estereotipagem dos negros americanos no cinema corrente da época. Logo no início do século XX, um grupo de realizadores negros independentes – Emmett J. Scott, os irmãos George e Noble Johnson e o legendário Oscar Micheaux – formaram-companhias produtoras para fazer filmes que realçassem os feitos e as ambições da América negra.

Posteriormente, uma quantidade de outras produtoras (algumas de propriedade de negros, outras controladas por brancos) surgiram em locais tão diversos como Jacksonville, St. Louis, Filadélfia, Chicago e Nova York, quase sempre utilizando os estúdios abandonados da Costa Leste ou casas particulares. Seus filmes passavam em qualquer lugar onde pudessem atingir uma platéia negra: cinemas segregados no Sul, salas situadas nos guetos das grandes cidades do Norte e, ocasionalmente, em igrejas, escolas ou reuniões sociais de negros.

Alguns desses filmes trouxeram novos esterótipos: por exemplo: homens negros de ação praticando atos de heroísmo e de honra como ocorria com o caubói vivido por Bill Pickett em filmes como The Bull Dogger / 1922 / Dir: Richard N. Norman); porém outros eram manifestos sobre a natureza da vida dos negros na América ou sobre a dinâmica racial  –  divisões e tensões dentro da própria comunidade (v. g. The Scar of Shame / 1929 / Dir: Frank Perugini), melodrama lento e melancólico que contava a história de um casamento malogrado entre um jovem pianista negro e uma mulher negra de classe baixa).

De todos os primeiros realizadores negros o mais importante (e um dos poucos que trabalharam tanto no cinema silencioso como no sonoro) foi o infatigável produtor / diretor Oscar Micheaux. Seus filmes refletiam as aspirações da burguesia negra e raramente abordavam a miséria racial: ele criou um mundo ideal onde os negros eram tão afluentes e educados quanto os brancos, e por isto foi muito criticado.

Oscar Micheaux

Micheaux escolhia seus elencos com base no tipo. Este produtor moldava seus astros conforme as personalidades brancas de Hollywood e os promovia como versões negras. O bonitão e elegante Lorenzo Tucker foi primeiramente apresentado como o “Valentino negro” e posteriormente, quando veio o cinema falado, ele era o “William Powell de cor”; a sensual e insolente Bee Freeman, uma figura de vamp, era a “Mae West marrom”; “Slick” Chester, um ator que interpretava papéis de gângster, tornou-se o “Cagney de cor”, a graciosa Ethel Moses foi anunciada como a “Harlow negra”.

Lorenzo Tucker

Ethel Moses

A principal representante do cinema negro dos anos 30 em diante foi a firma Million Dolar (fundada em 1936 pelo chefe de orquestra e mestre-de-cerimônias Ralph Cooper juntamente com os brancos Harry e Leo Popkin), que tirou a realização de filmes de raça da marginalidade, aumentando sua reputação e capacidade de atrair o público.

Tal como a firma de Cooper, muitas outras companhias (e certamente as mais prolíficas) não eram brancas nem negras, mas integradas, e procuravam imitar o modelo hollywoodiano, realizando black westerns, filmes de gângster e de mistério, comédias românticas, musicais, aventura, horror etc.

Herbert Jeffreys (no centro)

Os black westerns (v. g. Harlem Rides the Range / 1939 (Dir: Richard C. Kahn) com o cantor-caubói negro Herbert Jeffreys) transcorriam em um Oeste totalmente negro; não havia brancos nele, nem mesmo como vilões! Não obstante, os intervalos cômicos usavam invariavelmente a espécie de tipos e situações (o cômico companheiro do mocinho assustado por fantasmas, o cozinheiro ladrão de galinhas, os trabalhadores braçais preguiçosos), que os negros compreensivelmente rejeitavam nos filmes corriqueiros de Hollywood.

Quando os grandes estúdios empregavam um artista negro nos seus musicais, estes apareciam em um “interlúdio”, quando os atores brancos iam a alguma boate ou a alguma festa para se divertirem. Assim, em Rapsódia Azul / Rhapsody in Blue / 1945, Hazel Scott surgia repentinamente em um requintado restaurante europeu cantando The Man I Love de George Gershwin em francês e inglês. Ali estava uma cantora negra sofisticada bem à vontade em um ambiente estrangeiro grã-fino, mas nós sentíamos o seu isolamento, completamente alienada de todo o resto do filme.

Porém isolamento e alienação eram as últimas coisas que alguém via nos antigos filmes de raça. Em Beware / 1946 (Dir: Bud Pollard) e Reet, Petite and Gone / 1947 (Dir: William Forest Crouch) , o grande músico de jazz e rhythm-and-blues, Louis Jordan, não somente  tinha a oportunidade de improvisar no seu saxofone ou no seu clarinete acompanhado pelo grupo The Tympany Five, como também de ser um astro.

 

Cena de Reet-Petite and Gone

Em 1949, o cinema negro ficou à beira da morte quando Hollywood lançou uma série de filmes sobre problemas sociais Clamor Humano / Home of the Brave (Dir:  Mark Robson), O Que a Carne Herda / Pinky (Dir: Elia Kazan), Fronteiras Perdidas / Lost Boundaries (Dir:  Alfred L. Werker) e  O Mundo Não Perdoa / Intruder in the Dust  (Dir: Clarence Brown),    que davam uma nova visão do negro e do seu papel na vida americana – pois os antigos filmes de raça jamais poderiam competir com os filmes muito mais bem-feitos nos grandes estúdios.

Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, a América negra, consciente de que os soldados negros lutaram pela liberdade dos brancos apenas para encontrar, no seu retorno à pátria, a mesma escravidão econômica, passou a ter uma visão diferente de si própria e ansiou por uma nova espécie de filmes.

Nos anos 50, durante a ascensão do movimento dos direitos civis as platéias negras preferiram ver Sidney Poitier em O Ódio é Cego / No Way Out / 1950 (DIr:  Joseph L. Mankiewicz), Um Homem tem Três Metros de Altura / Edge of the City / 1957 (Dir: Martin Ritt) e Acorrentados / The Defiant Ones / 1958 (Dir: Stanley Kramer), que promoviam os então aceitáveis temas de integração racial e assimilação cultural.

Apesar de várias concessões, tais filmes também tocavam nos conflitos entre brancos e negros, algo que os filmes de raça do período clássico raramente fizeram e, por isso, desapareceram.

Ivan Abramson

Joseph Selden

A realização de filmes ídiches antecedeu a era do som. Nos anos 20, dois realizadores independentes, Sidney M. Goldin, o “pai dos filmes ídiches” e Ivan Abramson, produziram vários filmes com intertítulos em ídiche. Mais tarde, Abramson se uniu a Joseph Seiden, que iria subsequentemente desempenhar um papel importante no desevolvimento do cinema ídiche, para produzir uma série de jornais cinematográficos.

Em 1927, Seiden decidiu experimentar o cinema falado. A Mãe de Israel / My Jewish Mama / Mein Yiddish Mamen / 1930, tal como a maioria dos filmes produzidos e dirigidos por Seiden, era exageradamente sentimental. O traço distintivo do melodrama ídiche sempre foi a sentimentalidade; porém o cinema ídiche costumava temperá-la com comédia e trechos musicais.

Filmes como este eram oriundos de peças que se tornaram muito populares entre o público pouco educado de Nova York na virada do século, apresentadas no vernáculo ídiche misturado com expressões idiomáticas americanas. Entretanto, outros filmes baseavam-se em obras-primas literárias, escritas em uma forma mais pura de ídiche.

Passados em ambiente contemporâneo e confinados exclusivamente em um lar, os filmes de Seiden concentravam-se mais nos conflitos de família, problemas econômicos e relações entre pais e filhos. O dinheiro era a causa determinante da maioria das ações, levando à separação de famílias, crianças adotadas e casamentos sem amor. As narrativas eram basicamente lições de moral levemente disfarçadas e refletiam a realidade da vida judaica na América e na Europa.

As tramas continham muitas coincidências: amantes que se encontravam novamente anos depois, pais que recuperavam seu filho havia muito tempo perdido, personagens dados como mortos que reapareciam após várias décadas etc. Nestas histórias, enraizadas no folclore, tais acontecimentos eram suscitados pela intervenção de Deus ou de outro entre sobrenatural. Outros temas menores encontrados nos filmes ídiche referiam-se a um profundo respeito pelo saber e à noção de que, apesar de tudo, os filhos são sempre abençoados.

Dois realizadores importantes lideraram a produção de filmes ídiches: Joseph Green e Edgar G. Ulmer.

Edgar G. Ulmer

Desejando atrair um público mais amplo do que o alcançado por Seiden e comprometido com maiores valores de produção, Green constituiu uma companhia produtora internacional, abrindo um escritório em Nova York e outro em Varsóvia. Seu procedimento normal era o seguinte: ele levava um pequeno grupo de atores americanos-ídiche para a Polônia para estrelar os seus filmes   enquanto os coadjuvantes e a equipe técnica eram recrutados nas fontes locais. Trabalhando em estúdios poloneses de primeira classe, Green conseguia realizar produções bem cuidadas por 40 – 50 mil dólares.

Ulmer obteve um grande sucesso com a produção de Green Fieds / Greene Felder / 1937, que custou 8 mil dólares. Banhado pela luz do sol, o filme era um canto folclórico alegre sobre o despertar de um jovem professor talmúdico para as belezas da existência e da natureza. O cinema ídiche – ou qualquer outro – raramente retratou os judeus de uma maneira tão livre e saudável, alegres na sua disponibilidade para a vida. O público gostou tanto do filme que se recusou as sair do cinema, desejando assistir a uma segunda sessão. O gerente teve de suspender a projeção e chamar a polícia.

Com exceção de Seiden, Green, Ulmer e Henry Lynn (que dirigiu vários filmes para a sua própria companhia produtora), o cinema ídiche era povoado por empresários que lançavam um único filme e nunca mais se ouvia falar deles.

Cena de The Dybbuk

Foi assim que nasceu The Dybuk / 1938 (Dir: Michael Waszynski), talvez o maior filme ídiche, inspirado em um drama clássico de S. Anski sobre judeus na Polônia do século XIX. Embora pudesse ser vista como uma história de amor na tradição de Romeu e Julieta, a obra de Anski  levanta  questões mais profundas concernentes à Cabala (o livro do misticismo), ao conflito entre as forças espirituais e físicas, e ao significado fundamental da morte. A peça havia recebido várias interpretações, umas pendendo para o expressionismo outras, para o naturalismo. Sob a direção de Waszynski, o filme se tornou uma síntese de ambas as tradições.

O cinema ídiche continuou vivo através dos anos 30, atingindo o seu auge no final da década. Alguns filmes foram produzidos nos anos 40, mas, ao começar a Segunda Guerra Mundial, o movimento tornou-se moribundo, tal como acontecera com o teatro ídiche na década anterior.

O declínio foi o resultado de vários fatores. As primeiras gerações de americanos que falavam ídiche estavam mortas e não foram substituídas por novos imigrantes. A segunda geração de judeus americanos havia se assimilado; muitos nem entendiam mais o ídiche. Alguns jovens judeus tinham vergonha da linguagem baixa e das convenções sentimentais do gênero, que eles associavam às pessoas sem educação. Almejavam um entretenimento mais sofisticado.

 

DIRETORES TALENTOSOS DEVOTADOS AO FILME B AMERICANO

Hollywood sempre fez filmes de orçamento baixo, mas a designação “B” se originou nos anos 30 com o incremento do programa duplo. Este consistia em um filme principal classe A e um filme mais barato classe B, ou em dois filmes de orçamento médio, ou mesmo em dois filmes B, acompanhados por um cine-jornal, um curta-metragem (que podia ser um desenho animado ou nos gêneros comédia, musical, esportivo, turístico, curiosidades etc.) e um ou dois trailers.

Os filmes A eram realizados com orçamentos de aproximadamente 400 mil dólares ou daí para cima (prestige pictures ou specials) e astros que atraíam um vasto público. Duravam 90 minutos ou mais e seus organogramas de filmagem permitiam a realização de ensaios e retaques. Os filmes B custavam entre 50 e 200 mil dólares e empregavam artistas com poder de atração moderado, questionável ou desconhecido. O tempo de projeção variava normalmente entre 55 e 70 minutos e a filmagem comumente não ultrapassava três semanas.

As grandes companhias adotavam uma política de preços diferençados: percentagens sobre a renda da bilheteria para os filmes A e aluguéis fixos para os filmes B. Ao contrário do ocorria com os filmes A, sempre imprevisíveis, os produtores podiam predizer com muita exatidão o montante das receitas que os filmes B podiam gerar e assim planejar os custos de produção de acordo com as receitas. Se a produção A de uma temporada não obtivesse o sucesso esperado, um estúdio podia contar com os lucros de seus filmes B para não ficar no vermelho. Os filmes B eram lançados nos cinemas de segundo lançamento situados nos bairros. No meu livro A Outra Face de Hollywood: Filme B (Ed. Rocco, 2003) abordo com mais extensão o assunto, mas para este artigo bastam estas informações.

Durante muitos anos os filmes B foram desprezados pelos críticos por terem sido necessariamente baseados em fórmulas e feitos apressadamente com orçamentos pobres, porém esta é uma noção muito simplificada. Com sua produção prolífica, foram eles que lubrificaram os mecanismos da produção, distribuição e exibição, permitindo que estes três ramos da indústria funcionassem regularmente e, de uma maneira geral, serviram como campo de treinamento e experimentação para os novos talentos, surgindo entre eles algumas obras de grande valor artístico.

Para se reconhecer o estilo de um filme B, é necessário compreendê-lo nos seus próprios termos, e não em termos do filme A. Os diretores do filme B dispunham de pouco tempo para a inspiração e a invenção. Raramente podiam preparar a filmagem, trocar idéias com o cenógrafo, fotógrafo ou atores, e revisar o roteiro. Eles usavam cenários mínimos ou singelos e muitas tomadas de arquivo. Os objetos de decoração mais luxuosos eram os que havia sobrado de produções A anteriores. Ocasionalmente, alguns diretores mais criativos compensavam parcialmente a pobreza de recursos e a pressa através da artisticidade da iluminação em chave baixa. Os filmes B condensavam um número enorme de acontecimentos em cinco ou sete rolos, excedendo a quantidade de ocorrências encontradas em um filme A de nove rolos ou mais. Esta narrativa compacta e o rito mais rápido dava-lhes uma qualidade “frenética” que o filme A, mesmo quando orientado para a ação, não possuía.

O fato de que muitas unidades B tivessem desfrutado de uma larga margem de autonomia, mostra que os estúdios, depois de certo tempo, passaram a encarar o filme B de um modo diferente. Os estilos criativos de alguns diretores e fotógrafos começaram a ser vistos como um meio de adicionar qualidade à produção B sem aumento de custos.

Todavia, a possibilidade de um diretor emergir da produção de um grande estúdio para um filme A era muito menos provável do que o inverso, um declínio para a Poverty Row, termo geralmente usado para designar uma área geográfica determinada de Hollywood (Gower Street), onde estavam situados os estúdios mais pobres.

Alguns, no entanto, logo conseguiram ascender às produções A, consagrando-se como bons diretores (v. g. Anthony Mann, Fred Zinnemann. Jacques Tourneur, Mark Robson, Richard Fleischer). Outros bem-dotados (v. g. Joseph H. Lewis, Phil Karlson), tiveram as carreiras quase inteiramente dominadas pelos filmes B por falta de oportunidade ou ambição, porém souberam transformar as limitações orçamentárias em virtude.

Joseph H. Lewis (1907-2000) distinguiu-se sobretudo pela inteligência e originalidade na maneira de colocar a câmera e movimentá-la. Entre suas obras mais expressivas estão: Trágico Álibi / My Name is Julia Ross / 1945; Satã Passeia á Noite / So Dark the Night / 1946; Mortalmente Perigosa / Gun Crazy / 1950; Império do Crime / The Big Combo / 1955.

 

George Macready e Nina Foch em Trágico Alibi

Nina Foch em Trágico Alibi

 

TRÁGICO ÁLIBI.

Julia Ross (Nina Foch), americana desempregada em Londres, aceita a posição de secretária particular de Mrs. Williamson Hughes (Dame May Whitty), viúva rica que vive na companhia de seu filho, Ralph (George Macready). No seu primeiro dia no novo emprego Julia é drogada por Ralph e desperta em uma mansão cercada por um muro alto e um portão trancado. Seus pertences desapareceram e Mrs. Hughes e Ralph insistem que ela sofreu um colapso nervoso e não é Julia Ross, mas a esposa de Ralph, Marion, que Ralph assassinou. Eles pretendem matar Julia como se fosse Marion e fingir que ela se suicidou. Julia descobre o plano deles de forjar um álibi para Ralph e todas as suas tentativas de escapar são frustradas. Eventualmente, porém, o plano se desfaz. Julia é resgatada, a velha senhora presa e Ralph morre ao tentar fugir da polícia por um penhasco à beira-mar. Lewis conduz com aptidão técnica (dispondo da colaboração preciosa do fotógrafo Burnett Guffey) e inventividade este thriller psicológico gótico do tipo mulher em apuros, criando um clima genuíno de suspense e de mistério durante todo o desenrolar da narrativa. Nina Foch está perfeita como a vítima presa em uma situação aparentemente sem esperança e Macready marca bem sua presença como o criminoso desequilibrado com um pendor para canivetes.

 

Steven Geray em Satã Passeia à Noite

Steven Geray ( na extrema direita) em Satã Passeia à Noite

SATÃ PASSEIA À NOITE

O famoso detetive parisiense Henri Cassin (Steven Geray) tira suas primeiras férias em onze anos de trabalho. Em uma pequena pousada em St. Margot ele conhece e se apaixona por uma moça do campo, Nanette Michard (Micheline Cheirel). Embora Nanette esteja comprometida com Leon Achard (Paul Marion), sua mãe (Ann Codee) a convence a ficar noiva do próspero Cassin, apesar da relutância do pai (Eugene Borden). Na noite do noivado ela desaparece e aparece morta, estrangulada. Cassin desconfia que o assassino foi Leon, porém este também é encontrado morto. Ao lado do corpo de Leon, Cassin acha uma pegada da qual faz um molde de gesso. Porém a pegada não combina com o sapato de nenhuma pessoa da aldeia. Logo depois a mãe de Nanette recebe um aviso de que será a próxima vítima e é descoberta estrangulada. Cassin volta para Paris e verifica que a pegada é dele. Após fazer uma confissão à polícia, ele é examinado por um psiquiatra que o avalia como um esquizofrênico, que se torna criminoso em momentos de amnesia. Cassin foge e vai para St. Margot, onde tenta estrangular o pai de Nanette, mas é abatido pelos tiros do comissário de polícia que o seguira até ali. Drama criminal freudiano exposto concisa e conscienciosamente por meio de enquadramentos sofisticados, ângulos inclinados, imagens refletidas em janelas e espelhos, câmera alta, objetos em primeiro plano e sombras providenciadas pela iluminação de Burnett Guffey, criando-se um clima sinistro em contraste com a paisagem arejada e bucólica das cenas iniciais no campo. O sempre eficiente coadjuvante Steven Geray não desapontou no seu único papel principal em Hollywood, muito pelo contrário.

 

Cena de Mortalmente Perigosa

John Dall e Peggy Cummings em Mortalmente Perigosa

 

MORTALMENTE PERIGOSA

Bart Tare (John Dall)  é fascinado por armas de fogo desde menino. Em um parque de diversões itinerante, Bart é imediatamente atraído por Annie Laurie Starr (Peggy Cummings), uma bela artista que faz um número de tiro ao alvo. Ele a vence em um concurso de tiro, sendo contratado para formar uma dupla no espetáculo. Os dois se casam e, quando ficam desempregados, cometem uma série de roubos à mão armada. Procurados pela polícia, eles vão se esconder na cidade natal de Bart. Seus amigos de infância tentam convencê-los a se entregar, porém os dois fogem e se embrenham no pântano, onde são metralhados pelos policiais. O filme inclui-se na variante do drama criminal denominadas filmes de amantes fugitivos ou fora-da-lei e possui muitas características noir: mulher fatal agressiva, herói alienado e obcecado, paixão, violência, fatalismo. Os protagonistas de Lewis são unidos por estranha afinidade: a fascinação por armas de fogo e forte atração física. Como diz o dono do parque de diversões: “os dois se olham como um casal de animais selvagens”. Sob a influência de Annie Laurie, Bart envolve-se em uma vida de crimes e, apesar de seus conflitos de consciência, não condena ou abandona a companheira: “Não! Vamos ficar juntos! Como as armas e as munições ficam juntas”. O filme está cheio de cenas admiráveis – o roubo do revólver da vitrine da loja durante a chuva; o concurso de tiros no parque de diversões com seu simbolismo erótico; o assalto ao banco visto em um único plano-sequência filmado com a câmera colocada no assento traseiro do carro, fazendo-nos participar da ação; o roubo da fábrica de empacotamento de carnes com a fuga frenética através das carcaças de bois dependurados no teto enquanto o alarme não para de tocar; a separação dos amantes, cada qual dirigindo seu carro em direções opostas, para um imediato reencontro extático no meio da estrada; o desenlace trágico, nitidamente expressionista, no meio do nevoeiro -, todas expostas com impressionante economia visual e expressividade.

Richard Conte e Jean Wallace em Império do Crime

Richard Conte e Cornel Wilde em Império do Crime

IMPÉRIO DO CRIME

O tenente Leonard Diamond (Cornel Wilde) investiga obsessivamente as atividades criminosas de um gângster chamado Mr. Brown (Richard Conte). Susan Lowell (Jean Wallace), a amante de Brown, tenta o suicídio, porém é salva a tempo e levada para o hospital. Diamond ouve um murmúrio dela sobre Alicia (Helen Walker), a primeira mulher de Brown e testemunha importante. Os dois capangas do gângster, Fante (Lee Vav Cleef) e Mingo (Earl Holliman), arrombam a porta do apartamento de Diamond e atiram, mas só conseguem matar Rita (Helene Stanton), uma dançarina que às vezes passava a noite com o detetive. Susan lê a notícia da morte de Rita, decide cooperar e Brown é preso. A primeira cisa que chama atenção neste filme de gângster é a mistura de sexo e violência, também notada em Mortalmente Perigosa. Primeiramente, a perversidade sexual no relacionamento entre Susan e Brown, bem representada por aquela cena em que ele acaricia os ombros dela e vai descendo pelo seu corpo até sair do quadro enquanto vemos a expressão de prazer no rosto da mulher. Depois, a união aparentemente homossexual entre Fante e Mingo e mesmo o “namoro” entre Diamond e Rita, também marcado por forte atração, puramente sensual. Os exemplos de violência são ainda mais numerosos: a tortura de Diamond com o som altíssimo do rádio no seu ouvido; a bomba que Brown deixa estourar nas mãos de seus dois capangas; e a eliminação de McClure (Brian Donlevy), um dos pontos altos da direção. Nesta cena memorável, McClure, o segundo no comando da organização, atrai Brown até o hangar do aeroporto secreto, pensando que os dois capangas estão trabalhando para ele e vão matar Brown. Acontece que os pistoleiros apontam suas armas para McClure, em vez de Brown. Procurando refúgio junto à parede, McClure pede misericórdia. Brown arranca seu aparelho de surdez e diz: “Vou lhe fazer um favor. Você não vai ter que ouvir os tiros”. A morte de McClure é então descrita do ponto de vista da vítima e nós vemos apenas os clarões das rajadas silenciosas das metralhadoras. A fotografia noire de John Alton é extraordinária, fortalecendo o tom dark: sombras pesadas, figuras em silhueta contra o nevoeiro. mãos e rostos dificilmente visíveis na escuridão, raios de luz espetando os personagens – como aquele farol que Susan aponta na direção de Brown, para facilitar seu aprisionamento.

 

 

Phil Karlson (nascido Philip N. Karlstein; 1908 – 1985) especializou-se nas cenas de ação brutais e no uso eficiente do close-up para causar impacto nos momentos apropriados. A exposição de suas narrativas é sempre em um estilo seco e objetivo. Entre seus melhores filmes destacam-se: Os Quatro Desconhecidos / Kansas City Confidential / 1952; Escândalo / Scandal Sheet / 1952 e A Morte Ronda o Cais / 99 River Street / 1953.

 

John Payne e Preston Foster em Os Quatro Desconhecidos

John Payne e Lee Van Cleef em Os Quatro Desconhecidos

OS QUATRO DESCONHECIDOS

Desgostoso com os escassos proventos de sua aposentadoria e por ter sido compelido a requerê-la, Timothy Foster (Preston Foster), um policial de Kansas City, faz chantagem com três delinquentes – Harris (Jack Elam), Kane (Neville Brand) e Tony (Lee Van Cleef) -, obrigando-os a executar seus planos para o assalto a um carro-forte. Foster mantém o anonimato e os homens usam máscaras para que um não conheça a identidade do outro. Os ladrões utilizam uma van na fuga. Os policiais prendem o motorista de um carro idêntico chamado Joe Rolfe (John Payne), interrogam-no brutalmente sobre o roubo, e depois o soltam, ao verificarem o engano. Rolfe obtém uma pista e chega à presença de Foster, desmascarando-o. Foster e Rolfe são homens amargurados. Foster define claramente os motivos pelos quais se tornou um criminoso: aposentou-se com proventos irrisórios, após passar vinte anos combatendo o crime, “vendo os bandidos subindo na vida”. Agora, quer uma compensação e vingança, inconformado com seu afastamento compulsório. Rolfe, por sua vez, foi formado pela guerra. Acusado injustamente do assalto, interrogado sob as luzes fortes da delegacia, ouve o comentário do Promotor Público sobre sua pessoa para um dos guardas: “Ele ganhou uma Medalha de Bronze e uma de Púrpura”.  E responde rapidamente: “Tente comprar uma xícara de café com elas”, falando por todos os veteranos que voltaram para casa e não conseguiram uma condição social satisfatória. Tal como os heróis noir, Rolfe é vítima do destino. Ao ser confrontado por ele, Harris lhe diz: “Não tínhamos nada contra você. Nem o conhecíamos. Apenas aconteceu assim”. Karlson teve em mãos uma história original e soube conduzí-la com o vigor exigido, explorando muito bem os primeiros planos como aquelas cenas em que Foster contrata seus cúmplices e nas de violência de uma maneira geral.

John Derek, Donna Reed e Broderick Crawford (de costas) em Escândalo

Broderick Crawford em Escândalo

ESCÂNDALO

Após uma discussão com Charlotte (Rosemary DeCamp), a esposa que abandonou anos atrás, Mark Chapman (Broderick Crawford), editor de um jornal de escândalos, agride-a, ela cai de mau jeito e morre. Steve McCleary (John Derek), jovem repórter discípulo de Chapman, e sua colega, Julie Allison (Donna Reed), cobrem o caso e, graças a um velho jornalista alcoólatra, Charlie Barnes, que vem a ser assassinado por Chapman, acabam encontrando as provas de sua culpabilidade. O filme contém dias ironias: um editor de publicação sensacionalista deixa seu principal repórter procurar um assassino, que vem a ser ele próprio; Chapman ensinou tão bem seu método de jornalismo investigativo (embora marrom) para McCleary, que o dedicado discípulo acabou se tornando instrumento de sua punição. O veterano homem de imprensa pode apenas observar com apreensão como a engrenagem que ele criou é manipulada pelo dinâmico pupilo e voltada contra si mesmo. A montagem concisa evidencia uma direção eficaz do princípio ao fim. Karlson soube também tirar bom partido dos detalhes e do jogo fisionômico dos intérpretes principalmente na cena da morte de Barnes, esta última agraciada por um belo contraste de luz e sombra.

Jack Lambert eJohn Payne em A Morte Ronda o Cais

Evelyn Keyes e John Payne em A Morte Ronda o Cais

 

A MORTE RONDA O CAIS

O ex-pugilista Ernie Driscoll (John Payne) dirige um táxi para sobreviver. Sua esposa, Pauline (Peggie Castle), é amante de Victor Rawlings (Brad Dexter) que acabara de roubar umas jóias. Rawlings vai com Pauline à loja de um receptador, Christopher (Jay Adler), para vender as jóias. Rawlings mata Pauine e esconde o corpo no táxi de Ernie. Com o auxílio de uma amiga, Linda (Evelyn Keyes), Ernie localiza o assassino e, mesmo ferido, consegue dominá-lo. A polícia chega a tempo de impedir que Ernie mate Rawlings de pancada. O que dá a qualidade noir ao espetáculo, além do tema do herói acusado injustamente, são as obsessões e as frustrações dos seus personagens, a confusão entre aparência e realidade, a amargura, o desespêro. Ernie queria ser um campeão, e o fato de não ter sido o deixa angustiado. Pauline trabalha em uma loja de flores e tem um problema semelhante. Na sua mente, casou-se com um pugilista, em vez de se dedicar à vida artística. “Poderia ter sido uma estrela”, lamenta. Linda e Rawlings também sonham com o sucesso. Linda julga-se uma grande atriz. Rawlings deseja partir para a França. Todos fracassam. Ernie diz a Pauline: “Uma chance para chegar no topo. É a coisa mais importante do mundo”. Esta é uma fantasia que o filme destrói. Linda e Ernie só adquirem direito a uma nova vida, quando reconhecem que suas fantasias são impossíveis de serem realizadas, quando aceitam seus limites. Karlson desenvolve a narrativa com agilidade artesanal, pontuando-a com momentos de ação tumultuosa e brutalidade.

PRIMÓRDIOS DO CINEMA BRITÂNICO

A primeira exibição pública de cinema na Grã-Bretanha foi organizada, no dia 20 de fevereiro de 1896, por Félicien Trewey,  prestidigitador e amigo dos irmãos Lumière, no Marlborough Hall da Regent Street Polytechnic em Londres. A resposta do público foi favorável e, em março, Trewey levou o Cinématographe para o  Empire Theatre of Varieties, situado na Leiscester Square, como parte do programa do music hall, para uma série de sessões, que perduraram por dezoito meses.

Antes da primeira exibição de filmes na Inglaterra e na França (o Cinematógrafo – cuja invenção foi inspirada no Cinetoscópio de Edison – havia sido lançado em Paris em 28 de dezembro de 1895), cientistas, inventores e fotógrafos vinham fazendo experiências para resolver o problema da projeção de imagens. É o que Charles Musser chamou de the history of screen practice. Brinquedos óticos, tais como o Zootrope e o Phénakistiscope representaram os primeiros experimentos e a lanterna mágica, que havia sido inventada no século dezessete, tornou-se muito popular na era Vitoriana. Durante este período avanços significativos ocorreram nos Estados Unidos e na França.

Em 1979, Eadweard  Muybridge, um inglês que vivia na América, tirou 24 fotografias, usando 24 câmeras, de um cavalo trotando. Quando “projetadas” por meio do seu Zoopraxiscope, foi criada a ilusão de um cavalo em movimento. Mais ou menos na mesma época, na França, Étienne-Jules Marey se interessou pela possibilidade de fotografar pássaros voando e construiu uma câmera – na realidade um “fuzil fotográfico” – que captou o vôo de uma gaivota. Outros esforços foram feitos por Louis Le Prince, William Friese-Griene, Ottomar Anschütz, e, finalmente, Thomas Alva Edison.

Tendo dado os últimos retoques no seu fonógrafo, Edison, com a colaboração do seu jovem assistente escocês, William Kennedy Laurie Dickson, construiu o Kinetoscope, máquina na qual um filme de 50 pés (=15,24 m) de comprimento e 35 mm de largura, com duração de mais ou menos 20 segundos, podia ser visto por uma pessoa de cada vez, olhando pela abertura de uma caixa de 1.40 m de altura. Edison encarava o seu Cinetoscópio como uma novidade  e, apesar de sua popularidade nos Estados Unidos e Europa, ele deixou de patentear a máquina na Inglaterra.

Robert William Paul e o Theatrograph

Este descuido permitiu que o engenheiro elétrico inglês Robert William Paul (1869-1943), produzisse os seus  Cinetoscópios e, naturalmente, não tendo os filmes de Edison à sua disposição, passasse a produzí-los por conta própria, empregando o fotógrafo (americano de nascimento mas filho de ingleses) Birt Acres como assistente. Juntos, eles construíram uma câmera e rodaram seu primeiro filme em fevereiro de 1895, mostrando o amigo de ambos, Henry Short, no exterior da casa de Acres em Barnet. Foi o primeiro filme rodado (para ser mostrado através do Cinetoscópio) na Grã Bretanha, porém nunca exibido comercialmente. Outros filmes se seguiram, incluindo The Oxford and Cambridge Boat Race, Rough Sea at Dover, The Arrest of a Pickpocket, The Carpenter’s Shop, Boxing Kangaroo e The Derby, antes dos dois homens se separarem acrimoniosamente em junho de 1895.

Rough Sea at Dover

The Soldier´s Courtship

Depois disso, Paul começou a projetar filmes em uma tela, exibindo seus primeiros resultados em 21 de fevereiro de 1896 no Finsbury Technical College,  mesmo dia em que os irmãos Lumière lançaram o Cinematógrafo ao público londrino na Regent Street Polytechnic. A primeira exibição de filmes feita por Paul apresentava defeitos técnicos, mas eles foram resolvidos quando o seu projetor Theatrograph estreou no Egyptian Hall em Piccadilly. Dois dias depois, ele mostrou o projetor no Olympia (utilizando filmes de Edison e os que fizera com Birt Acres) e, em abril, começou a produzir filmes novamente, para suprir este mercado florescente. Os primeiros filmes de Paul foram atualidades, porém ele produziu também aquele que foi considerado o primeiro filme britânico de ficção, The Soldier’s Courtship / 1896.

Birt Acres

Birt Acres (1854-1918), construiu uma câmera, viajou para a Alemanha em junho de 1895, sob o patrocínio da fábrica de chocolate alemã Stollwerck, e lá filmou várias cenas, inclusive a abertura do Kiel Canal. No seu retorno, dirigiu sua atenção para a projeção de filmes, apresentando a primeira exibição pública de um filme na Grã Bretanha no Lyonsdown Photographic Club em 10 de janeiro de 1896. Seguiu-se uma programação na Royal Photographic Society em 14 de janeiro, indicando sua preferência por uma abordagem científica. Acres era temperamentalmente inadequado para a exploração comercial de filmes mas, apesar disso, começou a exibir filmes comerciais em 21 de março com o seu projetor Kineoptikon em Piccadilly Mansions, Londres. Ele teve êxito financeiro modesto com o seu projetor, nada que chegasse perto das vendas obtidas pelo astuto Paul com os seus projetores Theatrograph e Animatograph (construído posteriormente ao Theatrograph).

O music hall foi a primeira sede do cinema, onde filmes curtos tornaram-se parte do programa nas várias salas através do país; porém elas não foram os únicos locais de projeção de filmes. Exibidores itinerantes percorreram cidades e vilas, permanecendo às vezes em determinado local durante alguns mêses, criando o hábito de “ir ao cinema”. Entretanto, de maior importância foram as feiras e parques de diversões, onde se disponibilizavam lugares sentados para até 800 espectadores.

Em 1904, o Lt Colonel A. C. (Alfred Claude) Bromhead inaugurou o Daily Bioscope em Bishopsgate, Londres, uma ex-loja ou “penny gaff” (lugar de divertimento barato ou duvidoso) com lugares para 100 pessoas, onde ele exibia cine-jornais. Dois anos depois, o americano George Hale abriu um “cinema” em Oxford Street. Tratava-se também de uma ex-loja e a conversão tomou a forma de um vagão de locomotiva. Os espectadores sentavam-se dentro do vagão e assistiam a filmes de viagem, fotografados com a câmera montada na frente de um trem. Logo, este “Hale’s Tours” foi inaugurado em outras cidades através da Inglaterra. O seu poder de atração durou pouco, mas a idéia de Hale instigou outros empreendedores a converter lojas, garagens e ringues de patinação em cinemas.

Entre 1908 e a Primeira Guerra Mundial ocorreu uma transformação: a construção de prédios destinados especialmente para a exibição de filmes. Esses primeiros cinemas ou “fixed shows” procuraram criar uma atmosfera de elegância e bom gosto e nomes como Bijou e Gem foram usados para a indicar a “classe’ procurada pelos seus donos. Alguns deles eram relativamente pequenos, com 300 lugares ou menos, porém outros tinham capacidade para mil lugares ou mais e um acompanhamento musical na forma de um trio ou pianista.

No período pré-guerra, havia muitas cadeias de cinemas, entre as quais estavam a Electric Theatres (1908), Biograph Theatres (1908) e Provincial Cinematograph Theatres – PCT (1909). A Electric Theatres possuía doze cinemas e a Biograph Theatres tinha cinco e planejava construir mais sete. Todavia, a Electric e a Biograph não foram adiante enquanto que a Provincial, formada por Ralph T. Jupp, prosperou e desempenharia papel importante no desenvolvimento da Gaumont-British Corporation nos anos vinte. A PCT tinha como objetivo abrir cinemas em todas as cidades com uma população acima de 250 mil habitantes. Em 1911, a companhia possuía 8 cinemas e em 1914 este número subiu para 18. Em 1913, Jupp fundou  uma companhia de produção, a London Film Company (com estúdios em Twickenham) e, alguns meses antes da guerra, uma subsidiária, Associated Provincial Pictures Theatres. Este grupo alargado de empresas foi o primeiro exemplo de sucesso da integração vertical na indústria cinematográfica britânica.

Ao irromper a guerra em 1914, havia 109 circuitos na Grã Bretanha, que correspondia a 20% de um total estimado de 3 mil, 4 mil e até 7 mil salas. A maioria dos circuitos era pequena – apenas três possuíam mais de 20 cinemas e os circuitos menores costumavam ser locais. Na medida em que o número de cinemas aumentou, seus proprietários sentiram a necessidade de uma organização representativa e consequentemente foi formada, em 1912, a Cinematograph Exhibitors’ Association.

O crescimento do número de cinemas após 1908 levou à intervenção governamental por razão de segurança pública. O Cinematograph Films Act de janeiro de 1910 estabeleceu regras concernentes à prevenção de incêndios, ventilação adequada e assim por diante, mas também abriu caminho para a censura e o fechamento dos cinemas aos domingos. Em 1910, o London County Council entrou com uma ação para forçar o fechamento dos cinemas aos domingos, porém ela não prosperou. Eventualmente, chegou-se a um acordo no ano seguinte, quando ficou acertado com os exibidores que o lucro da exibição  naqueles dias seria dado à caridade. Os exibidores aceitaram o compromisso mas nem sempre o cumpriram.

A questão da censura foi solucionada no âmbito da indústria. A British Board of Film Censors foi formada pela Kinematograph Manufacturers Association (que existia desde 1909) e seus examinadores eram independentes do mercado. A Board of Film Censors começou a funcionar em janeiro de 1913 com o apoio do Home Office e dos exibidores. Estes ficaram particularmente entusiasmados, porque viram na criação daquele organismo a libertação do poder arbitrário das autoridades locais.

Com a emergência das primeiras cadeias de cinemas, a distribuição de filmes tornou-se um grande negócio. Inicialmente os exibidores compravam filmes diretamente dos produtores (que publicavam catálogos dos seus filmes), mas a prática de aluguel dos filmes se desenvolveu rapidamente, destacando-se as distribuidoras Walturdaw (cujos fundadores foram John Dewhurst Walker, Edward George Turner e G. H. Dawson, daí o nome Walturdow) e a Jury’s Imperial Pictures (fundada por William Jury).

A demanda do público por filmes de longa metragem foi estimulada, pelo menos parcialmente, pelas produções americanas e francêsas. Em 1910, a França forneceu 36% dos filmes lançados no Reino Unido e os Estados Unidos, 28%. A Grã Bretanha vinha em quarto lugar com 15% depois da Itália com 17%. Juntamente com a Itália e a França, particularmente a Pathé Frères, a Grã Bretanha foi uma exportadora de filmes importante durante os primeiros dez anos do desenvolvimento da indústria. Porém a mudança para filmes de longa-metragem envolvia altos custos de produção e suporte financeiro, que não estava prontamente disponível.  O Reino Unido não era um mercado suficiente amplo para justificar esta espécie de investimento e, mesmo antes da eclosão da guerra, as vendas internacionais estavam diminuindo enquanto que a indústria americana se expandia.

Nos dez anos que se seguiram à apresentação do Cinematógrafo em Londres, milhares de filmes foram feitos na Grã Bretanha, a maioria com duração de um a dois minutos e abordando os mais variados temas: atualidades, viagens, comédia, drama etc. Neste período primitivo havia uma dúzia de companhias produtoras em funcionamento, sendo as mais importantes a Animatograph Works de Robert William Paul, a Hepworth Manufacturing Company de Cecil Hepworth e a Warwick Trading Company de Charles Urban.

 

Queen Victoria´s Diamond Jubilee

A maioria da produção de R. W. Paul consistia  de filmes de atualidades curtos mas, no segundo ano de sua carreira de realizador, em 1896, ele começou a experimentar formas mais longas, enviando seu associado Henry Short com uma câmera mais leve e portátil para o Sul da Europa. Short trouxe-lhe 14 sequências curtas de atualidades que ele exibiu num só programa sob o titulo de A Tour of Spain and Portugal. No ano seguinte, Short realizou algo semelhante com dez sequências sobre o Egito, porém a produção mais ambiciosa que surgiu do estúdio de Paul em 1897 foi o registro fílmico do Queen Victoria’s Diamond Jubilee. Em 1900, Paul envolveu-se com um projeto mais arrojado, realizando Army Life,  33 filmes que, coletivamente, procuravam dar uma visão global da vida no Exército Britânico e, no ano seguinte, ele  produziu as primeiras tomadas sobre a Guerra dos Boers. Whaling Afloat and Ashore, de 1908, era uma criação ainda mais sofisticada, que tentava ilustrar todos os detalhes da pesca da baleia. Embora ainda faltassem vinte anos para a criação do Movimento Documentarista Britânico, este filme, e muitos outros cujas cópias não existem mais, demonstram que R.W. Paul foi um dos seus precursores mais importantes.

Entre 1899 e 1906 e especialmente em 1901, a Animatograph Works realizou uma certa quantidade de “trick films”. Eram filmes bem curtos, usualmente cômicos, que faziam uso de efeitos especiais, alguns dos quais espantosamente sofisticados, dadas as limitações da tecnologia da época. Eles podem ser comparados ao trabalho mais conhecido de George Méliès. A maioria desses filmes foram colaborações entre Paul e W. R. Booth, um mágico e ilusionista que rapidamente percebeu o potencial do novo meio e se tornou um parceiro ideal para Paul.  O filme mais antigo deles parece ter sido Upside Down or The Human Flies / 1899, que punha tanto o cenário como a câmera de cabeça para baixo, para causar a impressão de que os personagens estavam caminhando pelo teto. Embora extremamente simples, esta técnica não era muito diferente dos efeitos especiais de Stanley Kubrick em 2001, Uma Odisséia do Espaço, realizado quase 70 anos depois.

Upside Down ou The Human Flies

The Magic Sword

Mas foi a partir de 1901, que os filmes de truque de Paul se tornaram mais complexos, culminando com The Magic Sword e The  ‘ ? ‘ Motorist, ambos de 1906. No primeiro, um gigante rapta uma moça do alto da muralha de um castelo, feiticeiras alçam vôo nas suas vassouras e transformações instantâneas são levadas a efeitos por explosões. No segundo, com título estranho e trama ainda mais excêntrica, um motorista empenhado em fugir do policial, que o persegue, acaba subindo aos céu e dando voltas em torno dos anéis de Saturno, antes de retornar à Terra.

Cecil Hepworth

Filho de um célebre showman de lanterna mágica, T. C. Hepworth, Cecil Hepworth (1874-1953) permaneceu em atividade no negócio de filmes por mais tempo do que qualquer outro pioneiro, tornando-se uma das figuras mais respeitadas do cinema britânico. Nos primeiros dias do cinema, ele trabalhou na periferia da indústria, como assistente de Birt Acres e depois escrevendo o primeiro livro sobre cinema, Animated Photography, The ABC of Cinematograph, em 1897. Depois de ter sido despedido por Charles Urban da Maguire and Baucus (ver adiante), Hepworth e seu primo Monty Wicks formaram a sua companhia, Hepworth and Co. com o logo comercial, Hepwix;  o estúdio ficava em Walton-0n-Thames. Nos próximos anos, a Hepwix fez uma série de filmes cênicos e de atualidades com Hepworth como cinegrafista / diretor. Seu primeiro sucesso popular veio com o funeral da Rainha Victoria em 1901. Em 1904, a companhia foi rebatizada como Hepworth Manufacturing Company e em 1905 obteve outro grande êxito de público com Rescued by Rover  (co-dirigido por Lewin Fitzhamon), estrelado por um cachorro da raça collie. No ano seguinte ele apresentou um novo astro – um cavalo – em Black Beauty, que fez dupla com Rover em Dumb Sagacity / 1907. Hepworth reconheceu também o talento de futuros as

Rescued by Rover

tros como Alma Taylor, Stewart Rome e Chrissie White e sua simpatia por inovações encontrou expressão no Vivaphone, uma tentativa fracassada de sincronizar o som de discos com a imagem.

Em 1911, depois que o mercado dos Estados Unidos foi fechado para os filmes  britânicos devido à constituição da Motion Picture Patents Company e as vendas no Reino Unido despencaram, Hepworth resolveu adaptar autores célebres para a tela, usando atores famosos, numa tentativa de revitalizar seu produto. Ele ofereceu ao público várias adaptações da obra de Charles Dickens inclusive Oliver Twist (Dir: Thomas Bentley, 1912) e uma versão de Hamlet (Dir: Hay Plumb, 1913), interpretado por Sir Johnston Forbes-Robertson.

Hepworth manteve sempre o mesmo estilo de linguagem fílmica, que cultivou anteriormente a 1910: a câmera estática  focalizando em plano médio os intérpretes com suas gesticulações exageradas. Quando o sistema de narrativa clássica  começou a imperar, os filmes de Hepworth começaram a parecer cada vez mais fora de moda.

A Hepworth Picture Plays, como a companhia passou a se chamar, continuou fazendo filmes modestos, na sua maioria melodramas, embora tivesse alcançado um grande êxito popular com uma comédia, Alf ‘s Button / 1919, inclusive na América. Animado por este sucesso de bilheteria, Hepworth planejou construir um estúdio enorme e comprou uma vasta propriedade no campo com o propósito de usá-la nas filmagens, porém não conseguiu obter o capital necessário para pagar o que  havia comprado. Com muita dificuldade, ele completou a sua refilmagem de Comin’ Thru’ The Rye / 1923, considerado seu melhor filme; mas, infelizmente, o público não prestigiou o espetáculo e ele acabou pedindo falência, tendo que vender sua companhia por um preço muito menor do que ela valia.

A figura mais significativa nos primórdios da indústria cinematográfica britânica foi um americano de descendência alemã, Charles Urban (1867-1942), que nasceu em Cincinnati, mudando-se para Detroit em 1890, onde exerceu a profissão de vendedor de fonógrafos. Em 1897, Urban tornou-se diretor da sucursal inglêsa da firma Continental Commerce de Frank Maguire e Joseph D. Baucus, agentes dos filmes de Edison na Europa, estabelecendo os negócios da firma em Londres na Warwick Court – ocasião em que o jovem Cecil Hepworth trabalhou com ele por algum tempo. Em 1989, Urban reorganizou a Continental, agora chamada Warwick Trading Company, e começou a produzir filmes assim como a comercializar seu projetor Bioscope (desenvolvido para ele quando ainda estava na América pelo engenheiro Walter Isaacs). Graças à sua personalidade forte e entusiástica, Urban fez da Warwick a companhia britânica mais proeminente, especializada, em filmes de atualidades, que contaram com experientes cinegrafistas como John Bennett-Stanford, Joe Rosenthal, Jack Avery, F. Ormiston-Smith e F. B. Stewart. A associação profissional mais notável de Urban foi com G. A. Smith, empregando-o como engenheiro e designando-o para aperfeiçoar o processo de duas cores Kinemacolor (Urban havia comprado os direitos do processo de seus inventores Edward Turner com o apoio do financista F. Marshall Lee).

Em 1903, Urban desligou-se da Warwick (sendo substituido sucessivamente por George William Barker e Cherry Kearton), para fundar a Charles Urban Trading Company (marca registrada Urbanora) reforçando sua reputação como produtor de filmes documentários de qualidade e formando a Natural Colour Kinematograph Company (para explorar o Kinemacolor) e a firma Eclipse francêsa. Ele demonstrou um interesse especial pelo filme científico com séries como The Unseen World, mostrando a microcinematografia  de F. Martin Duncan e os estudos zoológicos de Perry Smith. Em 1907, Urban publicou um manifesto, declarando sua crença na força educativa do filme, intitulado “The Cinematograph in Science, Education and Matters of State” e no ano seguinte, ele mandou imprimir o primeiro catálogo de filmes educativos da Urbanora.

The Battle of the Somme

Urban continuou uma figura de proa  da indústria até a Primeira Guerra Mundial. A serviço da propaganda governamental, ele produziu o documentário Britain Prepared / 1915 e, depois de montar The Battle of the Somme / 1916,  foi enviado para os Estados Unidos, a fim de promover o esforço de guerra britânico nas telas de cinema americanas. Em 1917, Urban co-editou o cine-jornal de propaganda Official War Review e, após a guerra, fundou a Kineto Company of America (cujo produto principal era a revista cinematográfica Urban Movie Chats) e o cine-jornal Kinograms (editado por Terry Ramsaye). No final dos anos vinte, ele voltou para a Grã Bretanha, onde faleceu depois de alguns anos vivendo em relativa obscuridade.

Em 1898, a companhia francêsa Gaumont  abriu um escritório em Londres para  vender filmes importados e equipamento. Entretanto, logo começou a produzir e distribuir, tornando-se um dos mais importantes agentes de venda do mundo. tanto para filmes inglêses como para  estrangeiros. A Gaumont cuidava dos filmes feitos por Cecil Hepworth e os realizadores da chamada “Escola de Brighton”.

Na virada para o século vinte, os balneários de Brighton e Hove desempenharam um papel vital na criação da indústria de cinema, tendo sido até chamada de “Little Hollywood by the Sea”. Na  chamada “Escola de Brighton” estavam os primeiros pioneiros verdadeiros entre os quais se destacaram George Albert Smith (1864-1959) e James Williamson (1855-1933). Eles ajudaram a fazer de Brighton e Hove (cidade vizinha de Brighton, hoje unidas) um dos mais importantes centros de filmagem na Grã Bretanha.

George Albert Smith

George Albert Smith, um hipnotizador e manipulador de lanterna mágica em Brighton, adquiriu sua primeira câmera do engenheiro Alfred Darling e construiu sua “fábrica de filmes” no St. Ann’s Well Garden em Hove. No final do século dezenove Smith iniciou uma produção comercial de filmes muito bem sucedida, tendo como fregueses a Warwick Trading Company e, através deste relacionamento, fez uma parceria com  o seu gerente, Charles Urban. Os filmes de Smith nos anos 1897-1903 era na sua maioria comédias e adaptações de contos de fadas e histórias populares. Sua esposa, Laura Bayley, trabalhou em alguns de seus filmes mais importantes como Let Me Dream Again / 1900 e Mary Jane’s Mishap / 1903. Smith filmou apenas uma tomada em estúdio do vagão de trem em The Kiss in the Tunnel / 1899; mas quando a inseriu no filme de Cecil Hepworth, View From an Engine Front -Train Leaving the Tunnel / 1899, ele criou um filme montado, que demonstrou um novo senso de continuidade e simultaneidade entre três planos. Esta imaginação fílmica era radical na época e Smith usou esta inovação para realizar uma série de filmes em 1900 que, juntamente com The Kiss in the Tunnel, foram os trabalhos mais importantes de seu percurso artístico: Grandma’s Reading Glass, As Seen Through the Telescope, The House That Jack Built e Let Me Dream Again. Estes quatro filmes contêm fragmentos narrativos, que introduziram conceitos de montagem fundamentais para o futuro desenvolvimento da forma cinematográfica tais como close-ups intercalados, planos com ponto de vista subjetivo e objetivo, inversões, dissolvências etc.The

Kiss in the Tunnel

Após 1900, o processo Kinemacolor dominou o resto da carreira de Smith no cinema. Ele foi lançado em Paris e Londres em 1908 e foi transformado por Charles Urban em um novo empreendimento: a Natural Color Kinematograph Company . Ela teve êxito no período 1910 a 1913, produzindo mais de 100 curtas nos seus estúdios em Hove e Nice. Entretanto, uma ação sobre patente contra o Kinemacolor, movida por William Friese-Griene em 1914, levou ao seu colapso e pôs fim à trajetória de Smith na indústria cinematográfica.

 

William Friese-Greene

Robert Donat em The Magic Box

William Friese-Greene foi um inventor que fez experiências com projetores putativos no alvorecer do cinema, mas cujos resultados práticos não corresponderam às reivindicações que ele fez com relação a eles. Após sua morte surgiram uma biografia romanceada de Ray Allister e um filme impreciso, Magic Box, dirigido por John Boulting em 1951 (e magnificamente interpretado por Robert Donat) numa tentativa de despertar o interesse dos historiadores por esta figura curiosa do cinema britânico. Aprendiz de fotógrafo, Friese-Griene abriu seu estúdio em Bath. Ali, por volta de 1880, ele conheceu John Rudge, que estava querendo descobrir como a lanterna mágica, poderia criar uma ilusão de movimento. Friese-Griene adotou estas idéias com entusiasmo e começou a fazer experiências com Rudge e por conta própria.  Em 1885, ele abriu duas lojas de retratos em Londres com seu colega Esme Collins, que depois seria outro pioneiro do cinema na área de Brighton. Friese-Griene fez novas tentativas e patenteou aparelhos insuficientes, sempre alegando que havia inventado o que não inventou. Ele começou a experimentar a fotografia em cores em 1898 e se tornou o maior rival de G. A. Smith, que vivia em Brighton, para onde Friese-Griene havia se mudado em 1905. Foi uma decisão judicial em 1913, proferida numa ação na qual  disputavam o Biocolor de Friese-Greene com o Kinemacolor de Smith, que eventualmente derrubou Smith, embora Friese-Greene tivesse sido incapaz de capitalizar sua vitória. Perturbado por dificuldades financeiras, ele continuou um otimista incorrigível. Mais como um sonhador do que como inventor, tem seu lugar como um dos fundadores do filme britânico.

James Williamson

James Williamson, nascido na Escócia, estudou para ser químico, mas em 1886 mudou-se para Hove com sua família, e  abriu uma farmácia. Na década seguinte, ele se interessou pela fotografia e, em 1897, começou a fazer filmes; seu primeiro catálogo listava 60 títulos, a maioria dos quais continha apenas uma tomada. Seu primeiro filme narrativo montado composto por quatro planos foi Attack on a China Mission – Bluejacks to the Rescue / 1900.  O próximo filme de vários planos significativo de Williamson foi Fire! / 1901, que refletia a compreensão do diretor da narrativa de resgate e sua ambição de encontrar os meios de desenvolver uma estrutura fílmica mais complexa e impressionante. Seus dramas sociais subsequentes e filmes de truques engenhosos, especialmente The Big Swallow / 1901, mantiveram o mesmo espírito e inovação.

Attack on a China Mission

The Big Swallow

Em 1901, o compromisso de Williamson com a narrativa de ficção continuou com duas “picture stories”, como ele as chamava, baseadas nas experiências de soldados que retornavam da África do Sul para os seus lares. Ambos os filmes expressam a inteligência e compaixão que estavam faltando na maioria dos filmes  de guerra daquele tempo. Em Soldier’s Return / 1902, um soldado de volta da Guerra dos Boers, recolhe sua mãe do asilo  e  restabelece o seu lar. A segunda história de Williamson de um soldado que retorna, A Reservist, Before the War, and After The War (1902), proporciona um retrato mais negativo da experiência do pós guerra. Na primeira cena, antes da guerra, vemos uma jovem família em casa num ambiente agradável. Após o intertítulo, “After the War”,  vemos o o mesmo interior. Mas agora ele sofreu uma transformação trágica: está quase sem mobília, uma criança doente é embalada nos braços de sua  mãe e não há fogo na lareira. Esta transição do conforto para a pobreza é mostrada como resultado direto do serviço que o reservista prestou à guerra e seu subsequente desemprego. A organização lúcida e cuidadosa manifestada em A Reservist, Before the War, and After the War é também evidente em The Little Match Seller / 1902, Remorse: A Tragedy in Five Acts / 1903, The Old Chorister / 1904, The Two Little Waifs / 1905 e The 100 Pounds Reward / 1908, provando que o drama cinematográfico, ao contrário do drama da lanterna mágica ou do drama teatral,  podia agora ser concebido como uma entidade distinta e viável.

Em 1902, a Williamson Kinematograph Company inaugurou seu primeiro estúdio construído propositadamente para a produção e processamento de filmes em Hove. Os dramas e comédias de Williamson eram vendidos e exibidos através da Europa e América. Em 1907, seu filho Alan abriu um escritório em Nova York e em 1909 Williamson compareceu na European Convention of film Producers and Publishers em Paris. Porém, neste mesmo ano, mudanças no mercado cinematográfico mundial levaram-no a se afastar da produção de filmes.

Arthur Esme Collins

Outro pioneiro de Brighton foi aquele fotógrafo colega de William Friese-Freene, Arthur Esme Collins (1859 – 1936). Depois de sua parceria com Friese-Griene, Collins começou a fazer seus filmes em Brighton. Ele fez contato com Alfred Darling, um fabricante de equipamento cinematográfico que lhe forneceu câmeras e conselhos técnicos. Em contraste com Friese-Greene, Collings produziu mais de 30 filmes curtos durante o ano de 1896 entre eles Bathers on the Beach of Brighton, Scrambling for Under the Pier, Children Padding, Donkey Riding, Rough Sea: The Hove Sea Wall in a Gale, Train Arriving at Dyke Station, A Lady Undressing in Her Boudoir etc. Após 1897, Collins parece ter perdido o interesse por filmes e, em 1898, abandonou o cinema dedicando-se ao revivescimento da pintura em miniatura.

Alfred Darling

Alfred Darling (1862- 1931) abriu uma loja de produtos de engenharia na sua casa em Brighton e, após um contato com o grupo de cineastas daquela localidade,  começou a se especializar em equipamento cinematográfico, tendo como seus primeiros clientes Esme Collins, G. A. Smith e James Williamson. Ele também os estimulou no seu trabalho pioneiro e lhes prestou valiosa assistência técnica, sempre que necessária. Em 1897, Darling se associou com a firma de J. Wrench e Son e em julho daquele ano registrou, com Alfred Wrench, a patente de uma câmera cinematográfica com obturador variável. No ano seguinte, ele foi empregado por Charles Urban, para fabricar um mecanismo para a Biokan, uma câmera de bitola pequena para uso amadorístico. Posteriormente, ele usou câmeras de 35 mm, que encontraram boa acolhida no mercado não somente na Inglaterra, mas em todo o mundo. Outros equipamentos fabricados por Darling incluíam copiadoras, manivelas, medidoras, tripés e projetores. Entre seus fregueses estavam os nomes mais representativos da indústria.

James Bamforth

Winky Causes a Smallpox Panic

Em dois breves períodos de atividade cinematográfica, 1890 – 1900 e 1913 – 1915, a Bamforth and Company de Holmfirth, West Yorkshire, foi responsável pela produção de uma coleção de filmes modestos mas historicamente significativos. A companhia adquiriu proeminência, por volta de 1896, pela sua produção industrial em massa de slides de lanterna mágica  e, após 1904, por sua expansão no mercado internacional de cartões postais. James Bamforth estava entre o seleto grupo de cineastas de Brighton, mas suas excursões na indústria cinematográfica foram relativamente breves. Primeiramente sua companhia se especializou em sequências de modelos vivos em slides representando temas morais ou religiosos, acompanhados por hinos por canções ou hinos populares. A maneira pela qual essas sequências de lanterna mágica foram feitas e exibidas teve uma profunda influência sobre o primeiro período da realização de filmes por parte da companhia. Neste período podemos citar: Kiss in the Tunnel / 1899, Women’s Rights / 1899, The Tramp and the Baby’s Bottle / 1899, Leap Frog / 1900 etc. No segundo período, destaca-se a comédia bizarra Finding His Counterpart /  1913, no qual um homem visita um frenologista e então tenta descobrir sua companheira ideal apalpando as cabeças de uma sucessão de improváveis amantes. Em 1914, Bamforth and Co. contratou o comediante do music hall “Winky”(Reginald Switz) , que se tornou o astro de seus filmes mais exitosos entre eles Winky’s Weekend, Itching Powder, Winky Causes a Smallpox Panic. Em 1915, outros atores cômicos como Lily Ward, Alf Scottie  e o astro infantil Baby Langley foram contratados; porém, pouco depois, talvez devido ao impacto da guerra, os filmes da Bamforth foram absorvidos pela Holmfirth Producing Company de curta existência, sediada em Londres. A Bamforth and Co. sobreviveu até os anos 90 e hoje é principalmente lembrada por sua produção de cartões postais.

Para finalizar, vejamos a contribuição de mais dois pioneiros: William Haggar e Frank Mottershaw.

William Haggar

Nascido em Dedham, Essex no Pais de Gales, William Haggar (1851-1925) foi músico e carpinteiro de teatro, antes de formar uma trupe (composta por sua esposa Sarah e oito de seus onze filhos), na qual atuou como ator-cantor. Em 1989, ele adquiriu um projetor Wrench  e explorou um cinema itinerante em parques de diversões no Oeste da Inglaterra e Sul do País de Gales. Haggar fez seus próprios filmes por volta de 1902, a maioria dos quais foram distribuídos pela Gaumont, Charles Urban ou Warwick Trading Company.  Haggar inspirou-se nas sua origem rural e sua vivência na pobreza, para realizar muitos filmes sobre caça e pesca furtivas. Um deles, The Salmon Poachers / 1905, vendeu mais cópias do que qualquer outro filme feito pela Gaumont na Grã Bretanha. Seus melodramas eram versões truncadas de peças teatrais (algumas vezes derivadas das performances de sua própria companhia)  tais como Duel Scene from the Two Orphans / 1902, The Sign of the Cross / 1904, The Dumb Man of Manchester / 1908 e a atração principal do seu repertório, The Barn Crime, or Marie Marten / 1908. Os filmes de Haggar incluíam ainda comédias, thrillers criminais (vg. The Life of Charles Peace / 1905, biografia de um assassino enforcado em 1879) e filmes de truques. Seu A Desperate Poaching Affray / 1903  é hoje considerado como um dos dois ou três filmes britânicos que influenciaram o primeiros dramas narrativos nos Estados Unidos, particularmente o desenvolvimento do filme de perseguição. Após a morte de sua esposa, Haggar parou de explorar espetáculos itinerantes e abriu uma cadeia de cinemas no País de Gales com membros de sua família como gerentes.

Frank Mottershaw

A Daring Daylight Burglary

Frank Mottershaw (1850 – 1932) foi um dos primeiros diretores britânicos pioneiros em Sheffield, Yorkshire. Seus filmes, A Daring Daylight Burglary e The Robbery of the Mail Coach, realizados em abril e setembro de 1903, tendo um protagonista inspirado em Jack Sheppard, salteador de estradas do século dezoito, podem ter exercido influência sobre o paradigmático “filme de perseguição” de Edwin S. Porter, O Roubo do Grande Expresso / The Great Train Robbery, de dezembro de 1903. Na trama de A Daring Daylight Burglary, um ladrão joga um policial pelo telhado de um prédio, é perseguido através do país por rios e montanhas, e escapa em um trem; mas os policiais enviam uma mensagem pelo telégrafo e o capturam na próxima estação. Comparado com outros filmes britânicos do período, o ritmo é  invulgarmente rápido e a narrativa surpreendentemente sofisticada – particularmente o uso do tema da vingança (o policial vingando seu companheiro gravemente ferido),  que todo espectador de thrillers de ação imediatamente reconhecerá como um ingrediente básico do gênero. Foi este filme que firmou a reputação internacional da Sheffield Photo Company, fundada por Mottershaw, mas ele fez vários outros entre 1903 e 1908 (vg. The Coronation of King Peter I of Serbia / 1903, Attack on a Japanese Convoy / 1904, The Market Woman‘s Mishap / 1904, A Solider’s Romance / 1905, Lazy Workmen / 1905, Lost in the Snow / 1906, The Romany’s Revenge / 1907, That Nasty Sticky Stuf / 1908 etc).