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EDWIGE FEUILLÈRE

Seu lema era: superar-se a si mesma. Perfeccionista, ela considerava cada papel como um trampolim que a impulsionaria cada vez mais alto. Foi assim que ela se tornou uma grande atriz do cinema e do teatro.

Edwige Feuillère

Edwige Louise Caroline Cunati (1907-1998) nasceu em Vesoul, capital do Alto Sona, departamento da França localizado na região Borgonha-Franco-Condado. Aluna do Conservatório de Arte Dramática de Dijon, obteve um primeiro prêmio de comédia e de tragédia em julho de 1928.  Estreou na Comédie Française em 3 de julho de 1931 na peça Le Mariage de Figaro de Beaumarchais no papel de Suzanne, penetrando no mundo encantado do espetáculo pela grande porta.

No dia 24 de dezembro de 1929 casou-se com Pierre Feuillère, do qual manteve o nome ao longo de sua carreira após seu divórcio em 4 de março de 1936. Necessitando ganhar a vida, ela entrou sorrateiramente no Théâtre du Palais Royal, templo do vaudeville, no elenco de uma peça de Yves Mirande: L’ Attaché. Depois, aqui e ali, escondeu-se sob o pseudônimo de Cora Lynn e o conservou quando o cinema a incorporou entre os figurantes de Mam’zelle Nitouche / 1931, opereta de Hervé, levada à tela por Marc Allégret; em La Fine Combine /1931, curta-metragem no qual apareceu também Fernandel; e Le Cordon Bleu / 1931, comédia de Karl Anton baseada em peça de teatro de Tristan Bernard.

Edwige e Louis Jouvet em Topaze

Sob direção de Louis Gasnier, já como Edwige Feuillère, interpretou em Topaze / 1932 a inebriante Suzy Courtois, ao lado de Louis Jouvet (Topaze), nesta adaptação da peça de Marcel Pagnol. Foi seu primeiro trabalho importante que pude assistir da sua longa carreira. No mesmo ano, ela atuou em três filmes de Karl Anton (as comédias Monsieur Albert, Onde Está Minha Mulher / Une Petite Femme dans le Train, Maquillage) e o drama La Perle de René Guissart. Em 1933, foi uma espiã alemã em Matricule 33 de Karl Anton e depois uma rainha marota em Les Aventures du Roi Pausole, ilustração cinematográfica do romance de Pierre Loüys, dirigida por Alexis Granowsky. No ano de 1934, aparece em Ces Messieurs de la Santé de Pierre Colombier, cujo astro era Raimu e estrela um filme de baixo orçamento, La Voix du Metal, rejeitado pelo próprio diretor, Youly Marca-Rosa.

Sua carreira se alarga quando se apresenta em quatro versões franco-alemãs: Toi que J’adore (Dir: Albert Valentin) – Ich k’enn Dich und liebe Dich / 1933 (Dir: Geza von Bolvary); Le Miroir aux Alouettes (Dir: Roger Le Bon) – Lockvogel / 1934 (Dir: Hans Steinhoff; Stradivarius (Dir: Albert Valentin) – Stradivari / 1935 (Dir: Geza von Bolvary)) e Barcarrolle (DIr: Roger Le Bon) – Barcarole / 1935 (Dir: Gerhard Lamprecht). Na Itália ela estava na versão francesa La Route Heureuse / 1935 de Georges Lacombe e na versão italiana do mesmo assunto Amore / 1935 de Carlo Bragaglia.

Cena de Lucrécia Borgia

Ainda em 1935, Julien Duvivier lhe atribui o papel decorativo de Claudia Procula, a mulher de Pôncio Pilatos em O Mártir do Gólgota / Golgotha, aparição rápida trocando réplicas com Jean Gabin (Pilatos). Mais interessante foi sua composição de Lucrécia Borgia no filme Lucrèce Borgia, dirigido por Abel Gance, que assistí em 1952 no antigo Cinema Ipanema na Pça. General Osório do Rio de Janeiro. O filme me marcou mais por causa de um detalhe: presenciei, aos 14 anos de idade (não sei como me deixaram entrar, pois o filme era proibido para menores de dezoito anos) o famoso nú frontal de Edwige, que causou escândalo na época.

Em 1935 ela participou também de La Route Heureuse com Claude Dauphin no outro papel principal (Dir: Georges Lacombe) e em 1936 estava ao lado de Louis Jouvet em Mister Flow (Dir: Robert Siodmak). Em 1937, seus filmes foram: Marthe Richard au Service de La France (Dir: Raymond Bernard), reconstituição fantasiosa da vida da espiã francesa Marthe Betenfeld (E. Feuillère) durante a Primeira Guerra Mundial, focalizando suas relações cm o chefe da contraespionagem alemã (Erich von Stroheim); La Dame de Malaca contracenando com Pierre Richard-Willm (Dir: Marc Allégret) e Feu! dividindo o estrelato com Victor Francen (Dir: Jacques de Baroncelli).

Edwige e Von Stroheim em Marthe Richard

Edwige em J’étais une Aventurière

Gostei muito de Marthe Richard au Service de la France mas, na minha opinião, foi em 1938 que emergiu o melhor filme de Edwige, incontestável sucesso de Raymond Bernard: J’étais une Aventurière, comédia romântica que não fica nada a dever às comédias sofisticadas americanas, construída em torno de uma condessa russa, Véra Vronsky, que usa sua beleza e seu charme para seduzir os homens ricos e depois caloteá-los com a ajuda de dois cúmplices, mas também para acalmá-los, depois que eles percebem que foram enganados. Porém Vera se apaixona por uma de suas vítimas e … (obviamente não vou contar o que se segue) O filme tem um ritmo fluente, leveza, boas surpresas e alguns toques lubitschteanos, constituindo-se num espetáculo delicioso. Em 1939, Edwige fez Sem Amanhã / Sans Lendemain, dirigido por Max Ophuls e, no ano seguinte, submeteu-se de novo às suas ordens em De Mayerling a Serajevo / De Mayerling à Serajévo.

Gérard Philipe e Edwige em O Idiota

Nos anos quarenta, cinquenta e sessenta, após um breve retorno ao teatro na peça La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas Fils, formando com Pierre Richard-Willm a dupla Marguerite Gauthier e Armand Duval, Edwige esteve em: Mam’zelle Bonaparte / 1941 (Dir: Maurice Tourneur); La Duchesse de Langeais / 1941 (Dir: Jacques de Baroncelli); L’Honorable Catherine / 1942 (Dir: Marcel l´Herbier); Lucrèce / 1943 (Dir: Leo Joannon); La Part de l’ombre / 1945 (Dir: Jean Delannoy); Tant que je vivrai / 1945 (Dir: Jacques de Baroncelli); O Idiota / L’ Idiot / 1945 (Dir: Georges Lampin); Águia de Duas Cabeças / L’ Aigle à deux têtes / 1947 (Dir: Jean Cocteau); O Inimigo das Mulheres / Woman Hater / 1948 (Dir: Terence Young); Conflitos de uma Vida / Julie de Carneilhan / 1949 (Dir: Jacques Manuel); Lembranças do Pecado / Souvenirs Perdus / 1950, filme em esquetes (Dir: Christian-Jaque); Olivia / Olivia / 1950 (Dir: Jacqueline Audry); Le Cap de l’éspérance / 1951 (Dir: Raymond Bernard); Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque);  Amor de Outono / Le Blé em Herbe / 1954 (Dir: Christian-Jaque); Frutos do Verão / Les Fruits de l’été (Dir: Raymond Bernard); Segredos de uma Aventureira / Le Septième Commandement / 1957 (Dir: Raymond Bernard); Uma Tal Condessa / Quand la Femme s’en Mêle / 1957 (Dir: Yves Allégret); Amar é minha Profissão / Em Cas de Malheur / 1958 (Dir: Claude Autant Lara); A Mentira do Amor / La Vie a Deux / 1958 (Dir: Clément Duhor); Amores Célebres / Amours Célébres / 1961 (Dir. Michel Boisrond) no segmento Les Comédiennes; Le crime ne paie pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); Aimez-vous les femmes? / 1964 (Dir: Jean Léon); La bonne occase / 1965 (Dir: Michel Drach); Desculpe, Façamos o Amor / Facciamo Amore? /1968 (Dir: Vittorio Caprioli).

Edwige e Jean Marais em Águia de Duas Cabeças

Em toda esta longa fase da carreira de Edwige Feullière o filme que mais me encantou foi O Idiota. Ela brilhou nas cenas de grande impacto, como aquela em que joga os cem rublos na lareira diante dos convidados atônitos, após relembrar incidentes de sua vida infeliz.

Nos anos setenta ainda estava nas telas:  Verão de Fogo / OSS 117 Prend des Vacances / 1970 (Dir: Pierre Kalfon); Le Clair de Terre / 1970 (Dir:  Guy Giles); A Marca da Orquídea / Flesh of the Orchid / 1975 (Dir: Patrick Chéreau). E durante todos estes anos não deixou de trabalhar na televisão e no teatro

Em 8 de novembro de 1998, ao saber da morte de Jean Marais, seu parceiro em Águia de Duas Cabeças, Edwige sofreu um ataque cardíaco. Ela faleceu em 13 de novembro, dia do funeral dele.

Saint-Exupery

A obra de Saint-Exupéry, breve e radiante, é toda inteiramente extraída de uma experiência vivida. Longe, porém, de permanecer episódica ou simplesmente documentária, ela é enriquecida por uma meditação constante, que lhe dá unidade e valor. E seus dons de poeta irrompem no seu livro mais famoso, o conto filosófico O Pequeno Príncipe / Le Petit Prince, que encantou a imaginação de milhões de leitores – crianças e adultos.

Antoine de Saint-Exupéry

Saint-Exupéry (1900-1944) descendeu de uma família aristocrática empobrecida. Em 1921 foi recrutado para a Força Aérea Francesa e se qualificou como piloto militar após ter sido reprovado no vestibular para a Escola Naval. Em 1926 ingressou no Grupo Latécoère, fundador da Companhia Aéreopostale, e ajudou a implantar rotas de correio aéreo no Noroeste da África, Atlântico Sul e América do Sul. Em 1929 publicou seu primeiro livro, “Courrier Sud”. Nos anos trinta trabalhou como piloto de provas, adido de publicidade para a Air France, e repórter para o Parisian Soir. Em 1931 publicou “Vol de Nuil”. Em 1939, apesar de deficiências permanentes resultantes de acidentes aéreos graves, tornou-se piloto de reconhecimento militar e publicou “Terre des Hommes”. Após a queda da França em 1940, foi para os Estados Unidos, onde ficou até 1943, quando voltou a voar com seu esquadrão no teatro do Mediterrâneo. Neste mesmo ano publicou “Le Petit Prince”. Em 1944 decolou de um campo de aviação na Corsica para conduzir uma missão de reconhecimento e nunca retornou. Em 2004 foram recolhidos destroços do avião que pilotava, a poucos quilômetros da costa de Marselha. Seu corpo nunca foi encontrado. A obra ou a vida de Antoine de Saint-Exupéry têm sido retratadas na tela, com maior ou menor expressão, desde os anos 30.

A adaptação de obra mais conhecida é a de “Vol de Nuit”, realizada por Oliver Garrett para o filme Asas da Noite / Night Flight / 1933, dirigido por Clarence Brown, com um elenco de astros: John Barrymore, Lionel Barrymore, Clark Gable, Robert Montgomery, Helen Hayes, Myrna Loy. John Barrymore encarna Rivière, personagem que Saint-Exupéry criou, inspirando-se na figura real de Didier Daurat, chefe de aeroporto e depois diretor da linha aérea Latécoere, a quem o romance é dedicado. Rivière, severo e inflexível, mantém o vôo noturno funcionando, custe o que custar, expedindo ordens muitas vezes desumanas para os aviadores Fabien (Clark Gable) e Pellerin (Robert Montgomery), criaturas que tipificam a “filosofia do heroísmo” do autor. Na época do lançamento, às vistas dos picos e das gargantas da cordilheira dos Ande, das cidades adormecidas e dos aviões foram consideradas muito bem fotografadas pelos especialistas em cenas aéreas, Elmer Dyer e Charles Marshall, colaboradores do cinegrafista Oliver Marsh, e a narrativa, conduzida com limpidez por Brown, embora sem inspiração.

Cena de Dominadores do Espaço

Cena de Courrier Sud

Em 1936, o próprio Saint-Exupéry forneceu ao diretor Raymond Bernard o roteiro para Dominadores do Espaço / Anne-Marie com Annabella, Pierre Richard-Willm e Jean Murat. No enredo, uma jovem engenheira de aviação civil vive no meio de cinco aviadores que a amam; mas ela ama um sexto. Ao tentar bater um recorde, Anne-Marie é salva por ele. No mesmo ano Jan Lustig e Robert Bresson transpuseram para o cinema “Courrier Sud”. O filme, com o mesmo título, dirigido por Pierre Billon e estrelado por Pierre Richard-Willm e Jany Holt, segue o destino de Jacques Bernis (P.R. Willm), piloto de carreira que, comovido pelo infortúnio da prima (Jany Holt), propõe-se ampará-la; mas, à procura de um colega em dificuldades no deserto, vem a ser morto por rebeldes; Mermoz de Louis Cuny, com Robert-Hugues-Lambert (Mermoz) e Héléna Manson (Mme. Mermoz), realizado em 1942, é uma biografia, exaltando o célebre pioneiro do correio aéreo na América do Sul, companheiro e amigo de Saint-Exupéry, citado em “Terre des Hommes”. 

Em 1954, na Alemanha Ocidental, foi exibida a série de televisão Kinderbücher für Erwachsene, narrada por Erich Ponto e com Vera Bentel como o Pequeno Príncipe; em 1958 foi feito um documentário de 19 minutos, Antoine de Saint-Exupéry, dirigido por Jean-Jacques Languepin, narrado pelo ator Michel Auclair; em 1959 a história de “Vol de Nuit” serviu para um teleteatro francês dirigido por Pierre Badel, num estilo próximo da arte literária de Saint-Exupéry, com Daniel Ivernel como Rivière. Em 1966 um filme soviético-lituano Mazisis princas, dirigido por Arunas Zebriunas, baseou-se no livro Le Petit Prince” de Saint Exupéry e um telefilme da Alemanha Oriental, Der Kleine Prinz, dirigido por Konrad Wolf fez o mesmo.

Richad Kiley e Steve Warner em  O Pequeno Príncipe / 1974

Em 1974 “Le Petit Prince” foi transformado num musical, O Pequeno Príncipe / The Little Prince, por Stanley Donen, diretor a vontade neste campo. Um piloto (Richard Kiley), cujo sonho de se tornar pinto foi destruído por adultos insensíveis, é forçado a aterrissar no deserto do Saara, onde encontra o Pequeno Príncipe (Steven Warner), oriundo de um asteróide e que resolvera viajar para outros planetas em busca de saber. Depois de entrar em contato com um negociante, um historiador e um general, chegou finalmente à terra e aí aprendeu com uma raposa (Gene Wilder), uma cobra (Bob Fosse), e agora com seu novo amigo, o que realmente importa na vida. Donen tentou inserir invenção e graça própria neste conto de fadas filosófico, mas embora o filme tenha momentos agradáveis, o resultado geral deixa a desejar. No mesmo, a União Soviética lançou o telefilme Malenkiy prints, dirigido por Natalya Barinova e Yekkaterina Yelanskaya com Olga Bgan como o Pequeno Príncipe.

Em 1978 foi a vez da televisão japonesa criar a animação Hoshi no Ojisama Puchhi Puransu com Taiki Matsuno como o Pequeno Príncipe. Em 1979 com narração de Cliff Robertson e Michele Mariana emprestando a voz para o Pequeno Príncipe, foi apresentado The Little Prince, curta de animação (25 minutos) dirigido por Will Vinton. No mesmo ano, a televisão inglesa mostrou The Spirit of Adventure: Night Flight, telefilme de 30 min dirigido por Desmond Davis e com Trevor Howard no papel de Rivière e Bo Svenson como Fabien.

Cena de Spirit of Adventure: Night Flight

Em 1980 a televisão francesa reuniu os personagens verídicos de Didier Daurat (Bernard Fresson), Jean Mermoz (Jean-Pierre Bouvier), Henri Guillaumet (Benoist Brione) e Saint-Exupéry (Benoit Allemane) num seriado, Courrier du Ciel, com adaptação e diálogos de Edouard Bobrowski e direção de Gilles Grangier. O “feuilleton” descreve as façanhas daqueles pilotos – a travessia do Atlântico por Mermoz num hidroavião, a tempestade de neve que obriga Guillaumet a pousar em plena montanha – relatadas, com o pudor da amizade, pelo escritor de “Terre des Hommes. Em 1984 veio Le Petit Prince, dirigido por Jean-Louis Guillermou, com Guy Garvis (Saint-Exupéry) e Alexandre Warner (Pequeno Príncipe).

Der Kleine Prinz

The Little Prince 2015

Em 1990 o telefilme de animação alemão, Der Kleine Prinz, foi produzido na Alemanha Ocidental-Austria, dirigido por Theo Kerp, com Sabine Bohlmann emprestando a voz para o Pequeno Príncipe; em 1994 o drama biográfico Saint-Exupéry: La Dernière Mission, dirigido por Robert Enrico com Bernard Giraudeau como Sain-Exupéry foi exibido na televisão francesa; em 1996 a BBC Two da Inglaterra levou ao ar Saint-Ex, episódio da série Bookmark, dirigido por Anand Tucker com Brunoi Ganz personificando o escritor; em 1999 a televisão grega mostrou uma série, O mikros prigipas, com Thivi Megalou como o Pequeno Príncipe. Em 2004, encontramos um curta de animação (9 min) da Croácia, em cores, dirigido por Josip Vujcic, com Sven Jakir como o Pequeno Príncipe; em 2010, Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière criaram para a televisão francesa a série de animação Le Petit Prince com Gabriel Bismuth-Bienaimé fazendo a voz do Pequeno Príncipe: em 2015, Mark Osborne dirigiu um longa-metragem de animação, O Pequeno Príncipe / The Little Prince com a voz de Riley Osborne (Pequeno Príncipe); em 2016 foi a vez da Bélgica apresentar um filme curto (15 min) de animação, Raconte-moi … Le Petit Prince, dirigido por Jad Makki com Igor van Dessel como o Pequeno Príncipe; em 2017 a televisão francesa ofereceu o documentário de 54 minutos, Antoine de Saint-Exupéry, Le Dernier Romantique, dirigido por Marie Brunet-Debaines com Antoine Duléry como Saint-Exupéry; em 2018 Dessine-moi Saint-Exupéry, documentário da televisão francesa dirigido por Andrès Jarach; Invisible Essence: The Little Prince, documentário da televisão norte-americana dirigido por Charles Officer, incluindo trechos de quatro dramatizações do livro; Het wonder van Le Petit Prince, documentário norueguês dirigido po Marjoleine Boonstra sobre os tradutores do livro de Saint-Exupéry.

Finalmente, em 2024, está sendo finalizado Saint-Exupéry, co-produção França-EUA-Bélgica, dirigida pelo cineasta argentino Pablo Agüero com Louis Garrel como Antoine de Saint-Exupéry e Vincent Cassell como Henri Guillaumet.

 

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO

Desde a infância sou fascinado pela Segunda Guerra Mundial e pelo Cinema, porém só recentemente tive a idéia de reunir em um opúsculo estas duas paixões, consultando autores renomados e revendo centenas de filmes de guerra em DVD, que fazem parte da minha coleção particular, formada não só por DVDs comprados, mas também por gravações feitas diretamente de emissoras de televisão estrangeiras. Para os títulos em português dos filmes de curta-metragem e desenhos animados recorrí ao meu arquivo pessoal pois, ao contrário dos longas-metragens, eles não eram divulgados nos jornais da época. Os filmes citados neste trabalho são apenas aqueles produzidos na Era do Cinema Clássico de Hollywood. Para facilitar a leitura, dividí o texto por tópicos, oferecendo para cada tópico abordado um filme ou filmes correspondentes. Iniciando com a participação dos afro-americanos na guerra e finalizando com a permanência dos militares norte-americanos na Grã-Bretanha, mostro aspectos sociológicos pouco conhecidos da Segunda Guerra Mundial e ofereço uma visão surpreendente do conflito mundial.

Este pequeno livro, com o título deste post, acaba de ser lançado pela Amazon em e-book e em papel, mas faço questão de anunciá-lo diretamente aos meus leitores, porque tenho certeza de que são pessoas muito qualificadas para apreciar suas virtudes ou apontar seus defeitos.

 

YVES ALLEGRET

Ele realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos da sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d’Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; e A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Yves Allegret

Depois dessa trilogia, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande intensidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e alcoolismo.

Yves Allègret (1905-1987) nasceu em Asnières-ur-Seine, Hauts -de-Seine, França. Formou-se em Direito, mas resolveu seguir os passos de seu irmão mais velho Marc Ele começou no cinema trabalhando como assistente de Marc, Jean Renoir, Augusto Genina, Paul Fejos, etc. Realizou vários filmes de publicidade e dois curtas-metragens, L’ardèche / 1937 e Jeunes Filles de France / 1939, que representaram o pavilhão francês na Exposição Universal de 1940 em Nova York. Depois, Yves fundou com Pierre Brasseur e Madeleine Robinson uma produtora, Les Comédiens Associés, e preparou a filmagem de um roteiro escrito por Brasseur e ele próprio; porém a guerra interrompeu seus planos. Yves reencontrou Brasseur na zona livre e com ele fez Les Deux Timides / 1942.

Durante a guerra, a má sorte parece ter caído sobre o novo diretor. Quando Les Deux Timides terminou, seu principal intérprete, Claude Dauphin, juntou-se às Forças Francesas Livres; foi o bastante para que os alemães proibissem a exibição do filme. Yves filmou, então, um outro roteiro também escrito por ele e Brasseur, Tobie est un Ange, mas o negativo foi destruído em um incêndio.  Na verdade, foi somente com a Libertação, após ter substituído Jean Choux na direção de A Tentadora / La Boîte aux Rêves / 1943, que o cineasta começou sua verdadeira carreira com Les Démons de L’Aube / 1945, filme homenageando a ação dos comandos franceses durante o conflito mundial. Entre 1944 e 1949 Yves foi casado com Simone Signoret, atriz de dois de seus melhores filmes.

Dalio, Blier e Signoret em Escravas do Amor

ESCRAVAS DO AMOR

Em Anvers, Dédée (Simone Signoret) é prostituta em um bar de propriedade de um ex-gângster simpático, M. René (Bernard Blier). Ela vive sob a proteção de um rufião, Marco (Marcel Dalio), que trabalha como porteiro do bar e que M. René despreza.  Dédée conhece Francesco (Marcel Pagliero), um italiano, capitão de um cargueiro especializado em contrabando de armas. Um grande amor nasce entre eles. Francesco vai levá-la com ele. Porém, Marco não quer perder o seu ganha-pão e mata Francesco. Dédée e M. René executam Marco, ela retoma seu lugar no bar ao lado do patrão, e a vida continua. A trama é de uma simplicidade incrível: uma prostituta encontra um homem que quer mudar seu destino, promessa de felicidade logo destruída por um duplo drama. Esse fio de enredo enseja um estudo de costumes, em que reencontramos a mitologia dos seres marginais e o amor condenado, que se cristalizara antes da guerra em torno de Jean Gabin. Mas aqui, os elementos estilísticos do realismo poético parecem mais agressivos, criando-se um universo bastante sórdido. Marinheiros, meretrizes, crápulas são tipos sociais não poetizados. O que mais chama atenção no filme – além da excelente atuação de Simone Signoret – é a atmosfera do porto, admiravelmente criada em estúdio.

Gérard Philipe e Madeleine Robinson em Une Si Jolie Petite Plage

UNE SI JOLIE PETITE PLAGE

Pierre Monet (Gérard Philipe) chega em uma noite chuvosa a uma praia no norte da França. Ele se dirige ao hotel de Mme.Mayeu (Jane Marken), sobrinha do antigo proprietário paralítico, que parece reconhecer o rapaz, mas não pode falar. Mme.Mayeu maltrata um órfão de 15 anos da Assistência Pública, que uma ricaça usa para seus caprichos sexuais. Pierre esteve outrora na mesma situação. Foragido da Assistência Pública, maltratado pelo velho hoteleiro, ele fugiu com uma cantora mais velha do que ele. Pierre assassinou a amante e, procurado pela polícia, voltou ao lugar de sua adolescência. Marthe (Madeleine Robinson), uma criada do hotel, tenta ajudá-lo, mas ele se suicida. Drama profundamente triste, típico do realismo negro, que sucedeu no pós-guerra ao realismo poético.  A história, que tem suas raízes no passado, é contada em um estilo indireto, sem nenhum retrospecto. A verdade é revelada pouco a pouco, através do comportamento de Pierre e da cantora assassinada, evocada por um velho disco, que os clientes do hotel costumam escutar. A ação transcorre em uma atmosfera pesada de chuva e nevoeiro interessantes, criada por uma excepcional fotografia em preto e branco. Gérard Philipe vive um de seus melhores papéis no cinema, compondo com muita sobriedade o perfil do jovem criminoso atormentado que retorna àquela “pequena praia tão bonita” para encontrar o seu destino.

Jane Marken, Simone Signoret e Bernard Blier em A Cínica

A CÍNICA

Dora (Simone Signoret) acaba de sofrer um acidente de automóvel e está gravemente ferida e inconsciente em uma clínica.  À sua cabeceira encontram-se seu marido, Robert (Bernard Blier) e sua mãe (Jane Marken), uma mulher gorda e vulgar. Robert, dono de uma escola de equitação em Neuilly, sacrificou tudo pela felicidade de Dora. A mãe revela a Robert que a filha não se casou com ele por amor, mas pelo seu dinheiro. Enquanto ela fala, Robert revê certos momentos de sua vida com Dora. Esta enganou-o várias vezes e, quando ia se encontrar com seu último amante é que se acidentou. Robert vai embora, abandonando definitivamente Dora, que ficará paralítica. A ação se desenrola em poucas horas. Nesse meio tempo, ocorre uma exposição de baixeza humana através de dois retrospectos: o do marido, espantosamente ingênuo e apaixonado, e o da sogra, que lhe conta tudo, repetindo-se as mesmas cenas das lembranças de Robert, mas com uma interpretação completamente diversa. Allégret e Sigurd parece que nos incitam a desprezar os personagens. A própria vítima nos repugna pela cegueira de sua paixão. Todo o ambiente está impregnado da completa dissolução do senso moral, que mais desagradável ainda se torna pela sordidez da mãe, capaz de explorar a própria filha. Como escreveu Marie-Elizabeth Rouchy, esse pequeno mundo gira como os cavalos no picadeiro, e os risos de Simone Signoret e Jane Marken são os sons de um pesadelo.

Gérard Philipe e Michèle Morgan em Les Orgueilleux

LES ORGUEILLEUX

Georges (Gérard Philipe), médico francês que se tornou alcoólatra, vive em uma pequena cidade mexicana como um mendigo. Um dia chega um carro trazendo um casal. Tom, o marido (André Toffel), está gravemente enfermo. Sua mulher, Nellie (Michèle Morgan) está sozinha e sem recursos. Uma epidemia de meningite cérebro-espinhal se propaga pela cidade. Tom morre diante de Nellie e Georges, que acabara de conhecê-los. Nellie se sente atraída por Georges e prcura compreender seus problemas. Georges aconselha Nellie a deixar a cidade, mas Nellie fica a seu lado e ele, daí em diante, ajuda o médico local a combater a epidemia. Yves Allégret deu densidade dramática a esta história de amor e redenção, criando uma atmosfera sufocante e ruidosa em torno das personagens. Porém o equilíbrio do filme dependia da atuação dos dois intérpretes centrais. Cada qual tem um momento solo excepcional. O de Michèle Morgan acontece no quarto de hotel enquanto Nellie, tentnado se livrar do calor, se despe com certo erotismo. O de Gérard Philipe ocorre quando Georges dança na taberna, servindo de espetáculo, abjetamente, em troca de uma garrafa de aguardente.

 

HARRY HOUDINI

Ele construiu uma carreira em torno de fugas sensacionais encenadas. Depois de trabalhar por vários anos nas margens do entretenimento, começou a praticar façanhas muito divulgadas para se libertar de numerosos grilhões, incluindo algemas, camisas de força, e caixas acorrentadas. Erik Weisz – mais tarde Ehrich Weiss – (1874-1926) nasceu em Budapeste e emigrou com sua família para Appleton, Wisconsin, EUA, onde seu pai se tornou rabino em uma pequena congregação judaica.

Harry Houdini

Os tempos eram difíceis e, em um determinado momento, a família dependia de uma sociedade de ajuda local para passar o inverno. Perseguidos pelos credores, os Weiszes mudaram-se para Nova York, Erik e seu pai trabalharam numa fábrica de gravatas. Pouco tempo depois da morte de seu pai em 1892, Erik entrou para o mundo do entretenimento. Depois de alguns anos atuando em dime museums (museus com preço de entrada barato frequentados pela classe operária que apresentavam aberrações humanas ou de animais, frequentemente falsificadas), teatros de variedade, circos, e shows burlescos, ele estava pronto para abandonar o show business. Entretanto, logo se estabeleceu como um ilusionista incrivelmente popular com o nome de Harry Houdini, demonstrando seu talento como escape artist (escapista). “Algemas não o seguram, anunciava o Kansas City Time depois que ele provou que conseguia se livrar das restrições que policiais profissionais colocaram sobre ele. Em 1906, Houdini se libertou das tumbas à prova de fuga em uma prisão de Boston.

Pendurado no ar em prédios do centro da cidade, Houdini também eletrizou multidões de espectadores em numerosas cidades soltando-se de camisas de força. Preso com algemas, pulou de pontes em águas profundas e emergiu com as mãos livres. Em outro ato ele conseguiu se livrar da “Chinese Water Torture Cell” (Tortura Chinesa com Água), no qual era suspenso pelas pernas de cabeça para baixo dentro de um aquário de vidro cheio de água, preso e imobilizado. Em um determinado momento deixou que um fabricante de correntes para pneus de automóveis algemasse seus pulsos e tornozelos, puzesse seis correntes ao redor de seu corpo e o acorrentasse a uma roda e pneu de um automóvel. Ainda assim ele escapou.

As revistas Palcos e Telas, Selecta e Para Todos, predecessoras de Cinearte e A Scena Muda, contêm muitas reportagens sobre Houdini, mostrando o prestígio que tinha perante o público brasileiro. Nas duas primeiras colhí a informação de que ele teria estado no Brasil (ambas as revistas não dizem a data precisa), contratado pelo empresário Paschoal Segreto para se apresentar no antigo Pavilhão Internacional, situado na Av. Central (depois denominada Av. Rio Branco), uma sala de cinematógrafo que apresentava também artistas internacionais.

No cinema Houdini apareceu cinco filmes: O Homem De Aço / The Master Mystery / 1918 (Dir: Burton L. King, E. Douglas Bingham), O Salto da Morte / The Grim Game / 1919 (Dir: Irwin Willat); A Ilha do Terror / Terror Island / 1920 (Dir: James Cruze), O Imortal / The Man from Beyond / 1922 (Dir: Burton L. King) e Haldane of the Secret Service / 1922 (Dir: Harry Houdini).

Cena de O Homem de Aço

Houdini em O Salto da Morte

Cena de Haldane of the Secret Service

O primeiro foi um seriado de 15 episódios da Octagon Films Incorporated, no qual ele interpreta o papel de Quentin Locke, agente do serviço secreto que enfrenta um magnata dos negócios cuja empresa pretendia suprimir toda a concorrência para prosperar. Ele logo se vê lutando contra um monstro de metal, chamado Q, the Automaton (habitado por um humano – o ator Floyd Buckley), que tem o poder de resistir a balas e outras armas ofensivas. Durante todo o desenrolar do seriado os “Emissários do Autômato” tentam matar Quentin sem sucesso e finalmente o herói consegue penetrar no interior do monstro com uma bala explosiva especial inventada por ele. O seriado desapontou as platéias, o filme rendeu pouco ou quase nada, e o mesmo aconteceu com os seus filmes de longa-metragem.

Tony Curtis como Houdini

Uma versão romantizada de sua vida foi contada no filme Houdini, o Homem Miraculoso / Houdini / 1953 estrelado por Tony Curtis.

Envolvendo a figura de Houdini ainda foram feitos, numa lista não exaustiva: Houdini: The Untold Story / 1971, short de 4 minutos dirigido por Tim Burton; The Great Houdini / 1976 telefime com Paul Michael Glazer; No Tempo do Ragtime / Ragtime / 1981 com Jeffrey De Munn em breve aparição; Young Harry Houdini / 1987, episódio da telessérie The Magic World of Disney com Wil Wheaton; A Nigth at the Magic Castle / 1988 com Arte Johnson; O Encanto das Fadas / Fairy Tale: A True Story / 1997 com Harvey Keitel em breve aparição; Houdini / 1998, telefilme com Jonathon Schaech; Cremaster 2 / 1999 western gótico com Norman Mailer como Houdini; Atos Que Desafiam a Morte / Death Defying Acts / 2007, produção conjunta entre Austrália e Inglaterra com Guy Pearce; episódio Houdini Whodunit da telessérie Murdoch Mysteries / 2008 com Joe Dinicol como jovem Houdini; Houdini / Houdini / 2014 minissérie do History Channel com Adrian Brody; Houdini: O Pequeno Mágico / Houdini – Le Film / 2014, filme de animação francês com Ulises Otero (voz de Houdini);Houdini and Doyle / 2016, minissérie de TV com Michael Weston; episódio da série de TV Timeless / 2016 com Michael Drayer como Houdini.

Houdini com Adrian Brody

Nos seus últimos anos de vida, o famoso ilusionista e mestre na arte de escapar, dedicou-se a desmascarar videntes e médiuns. Seus conhecimentos em ilusionismo permitiram que revelasse fraudes que convenciam até cientistas e acadêmicos de sua época. Seu método de combater o Espiritismo era o de aparecer disfarçado, por exemplo, com bigodes e barbas postiças, e atuava rápido quando percebia o truque por trás deum fenômeno supostamente sobrenatural. E ele então se apresentava: “Eu sou Houdini! E você é uma fraude!” Em meio a esta verdadeira cruzada contra o charlatanismo espírita, passou a promover seu livro, “A Magician Among the Spirits” (Um Mágico entre os Espíritos), publicado em 1923. Houdini desmascarou, entre outros, a famosa médium de Boston, Mina Crandon, conhecida como Margery, muito apreciada por Sir Arthur Conan Doyle, o autor de Sherlock Holmes, ardente defensor e divulgador do espiritismo.

Após apresentar um número de incrível resistência abdominal para uma platéia de estudantes em Montreal, no Canadá, um dos estudantes invadiu os bastidores e lhe perguntou se era verdade que ele suportava pancadas de todo tipo no estômago. Ao responder afirmativamente, o ilusionista foi golpeado três vezes no estômago, antes que pudesse se preparar para tal. Os socos violentos romperam-le o apêndice e quase uma semana depois ele morreu, num hospital de Detroit.

MARCO POLO NO CINEMA E NA TV

Marco Polo (1254-1314) partiu de Veneza em 1271 na companhia do pai e de um tio, voltando em 1295, após uma aventurosa viagem que descreveu em obra famosa. O que não impediu que fosse preso depois pelos genoveses durante as guerras veneziano-genovesas. Durante os dois anos que permaneceu no cárcere, ditou a Rustichello da Pisa – autor de romances de cavalaria – os principais capítulos de seu livro. Filho e sobrinho de ricos negociantes venezianos, um dos maiores viajantes da história, será verdade tudo o que conta de sua fascinante e fabulosa viagem?

Recentemente lí Ignorância – Uma história global (ed. Vestígio, 2023), livro esplêndido de Peter Burke, professor emérito de História Cultural na Universidade de Cambridge, no qual ele aponta o relato das Viagens, de Marco Polo como exemplo famoso de diário de viagem de confiabilidade bastante duvidosa. Diz ele: “A parte mais famosa do livro de Marco Polo é o relato da China na época do Kublai Khan, No entanto se Marco viveu na China durante dezessete anos, como diz o texto, algumas das omissões de sua descrição são extremamente surpreendentes. Essas omissões incluem o chá, os pauzinhos usados para comer, o sistema de escrita, a impressão, a prática dos ‘pés de lotus’ e a própria Grande Muralha”.

Entre outras desconfianças, Burke lembra também que o livro de Marco foi escrito por um ghost-writer que era contador dede histórias profissional, Rustichello da Pisa, que Marco conheceu quando ambos estavam na prisão, em Gênova. Rustichello também escrevia ficção, mais exatamente romances de cavalaria, e o relato de Marco sobre sua chegada à corte do Kublai Khan já até foi comparado por um estudioso italiano aos romances de Rustichello, especialmente seu relato sobre a recepção do cavaleiro Tristão na corte do rei Arthur. Um estudo recente, informa Burke, concluiu que, embora uma expedição anterior de seus tios seja “confiável”, o próprio Marco “provavelmente nunca viajou muito além dos portos comerciais da família no Mar Negro e em Constantinopla.  Sua ignorância sobre o centro e o sul da China em partícular também foi notada.

As Aventuras de Marco Polo

Aventuras de Marco Polo / Adventures of Marco Polo / 1938 com direção de Archie Mayo (substituindo John Cromwel) é o mais famoso dos filmes sobre o viajante veneziano pela presença do grande astro de Hollywood, Gary Cooper. O roteiro, escrito por Robert E. Sherwood, optou pela irreverência, pela paródia mesmo, está cheio de infidelidades históricas que, no entanto, foram emolduradas com suntuosidades (foto de Rudolph Maté, direção de arte de Richard Day). No elenco, além de Cooper, sempre bem em qualquer papel, a pseudo dinamarquesa Sigrid Curie (Sigrid era uma americana do Brooklyn que o produtor Samuel Goldwyn fazia passar por escandinava), o esplêndido vilão, Basil Rathbone, Alan Hale, Binnie Barnes, George Barbier, Ernest Truex e, numa ponta como uma criada … Lana Turner. John Ford dirigiu as cenas de tempestade e da travessia do Himalaia. O filme foi um fracasso de bilheteria e muito criticado por várias razões, entre elas a escolha de Cooper para o papel principal.

Em Marco Polo / Marco Polo ou L’Avventura di un italiano in Cina / 1962, produção ítalo-francesa dirigida por Piero Pierotti e Hugo Fregonese em Cinemascope e Technicolor, o ator americano Rory Calhoun, como Marco Polo, faz uma viagem à China, salva a filha do Khan (Yôko Tani) dos mongóis e ajuda a restabelecer a ordem no país. Em suma: completa desfiguração do herói e ingenuidade das imagens. Numa China muito fantasista, os roteiristas fizeram acontecer uma das muitas aventuras movimentadas atribuídas a Marco Polo apresentado como uma espécie de superhomem ao qual não resistem  nem as mulheres nem  um punhado de inimigos.

Um novo projeto, com requintes de superprodução, sobre as aventuras do corajoso andarilho começou a ser filmado por Christian-Jaque com o título de L’Echiquier de Dieu, tendo Alain Delon no papel principal e Dorothy Dandridge, Michel Simon e Bernard Blier no elenco. Por causa de problemas financeiros, a produção foi interrompida, arquivando-se inclusive uma curiosa e terrível partida de xadrez, com as pedras de tamanho natural, entre Marco Polo e o sultão. Se Marco ganhasse, desposaria a filha de seu adversar: derrotado, perderia a vida. Posteriormente, deu-se andamento ao filme que veio a ser lançado como Marco Polo, o Magnífico / La Fabuleuse Aventure de Marco Polo / 1965, sob a direção de Denis de la Patellière e com Horst Buchholz no protagonista.  O filme tem bons coadjuvantes (Orson Welles, Anthony Quinn, Omar Shariff, Akim Tamiroff, Elza Martinelli, Bruno Cremer, Massimo Girotti), mas o relato afasta-se muito da realidade, mostrando peripécias impossíveis do jovem mercador em missão diplomática de paz junto ao imperador chinês.

O Jovem Marco Polo / Marco / 1973 de Seymour Robbie e Tsugunobu Kotani, tem Desi Arnaz Jr. como Marco Polo, Zero Mostel na pele do Kublai Khan, e é uma aventura musical, combinando ação ao vivo e animação, em coprodução americano-nipônica, filmada em locação no Oriente: mas sem nenhum valor artístico.

A melhor versão, As Aventuras de Marco Polo / Marco Polo / 1983, surge como minissérie feita pela RAI – a televisão estatal italiana – em co-produção com a emissora americana NBC e a TV Dentsu, japonesa, além da colaboração da China. São oito capítulos de uma hora e meia, com minuciosa reconstrução histórica baseada no diário de viagens de Marco Polo. Cenários naturais, máscaras, ritos, armas e vestuário de época são captados admiravelmente pelas lentes de Pasqualino De Santis (Oscar por Romeu e Julieta / Romeo and Juliet / 1968; Morte em Veneza / Morte a Venezia / 1971). Ken Marshall é Marco e Burt Lancaster o papa Gregório X. Bela trilha sonora de Ennio Morricone. O tema central é a embaixada da paz que Marco Polo realizou no século XIII entre a Europa e o Oriente. O diretor, Giuliano Montaldo, fez questão de esclarecer: “É preciso não confundir esse grande viajante com um Cristovão Colombo ou um Stanley que abriram caminhos para os conquistadores. Marco Polo foi em busca do homem”.

No telefilme americano Marco Polo / 2007, dirigido por Kevin Connor, preso em Gênova, Marco (Ian Somerhalder) relata seus dias de juventude na China para um companheiro de cárcere que está morrendo. Ele relembra suas aventuras fantásticas na companhia de seu criado Pedro (B D Young), sua ascenção ao governo na corte de Kublai Khan (Brian Dennehy), seu amor por uma jovem sequestrada (Desiree Siahaan) e sua fuga de volta para a Itália como um homem rico.

Além dos filmes já citados, encontrei: 1956 – The Adventures of Marco Polo, aventura musical dirigida por Max Liebman com dois astros dos musicais da Broadway, Alfred Drake (Marco Polo) e Doretta Morrow (Jovem Mendiga).1972 – Travels of Marco Polo, telefilme de animação australiano dirigido por Leif Gram com Alistar Duncan (voz para Marco Polo); Marco Polo Jr. versus the Red Dragon, filme de animação australiano dirigido por Eric Porter com Bobby Rydell (voz para Marco Polo). 1982 – The Travels of Marco and Friends, episódio da série de TV Voyagers! dirigido por Paul Lynch com Paul Regina (Marco Polo) e Keye Luke (Kublai Khan).1998 – As Incríveis Aventuras de Marco Polo / The Incredible Adventures of Marco Polo, co-produção Ucrania-EUA dirigida por George Erschbamer com Don Diamont (Marco Polo) e Jack Palance e Oliver Reed no elenco. 2001 – Marco Polo, animação historicamente anacrônica em co-produção EUA-Eslováquia- China, dirigido por Ron Merk com Nicholas Gonzalez (voz para Marco Polo). 2008 – In the Footsteps of Marco Polo telefilme, em chave de documentário, dirigido por Denis Bellineau, narrando a jornada extraordinária de duas pessoas comuns, Denis e Francis, que se propuzeram a seguir a rota histórica de Marco Polo. 2013 – The Travels of the Young Marco Polo, também conhecida como Die Abenteuer des jungen Marco Polo, série de TV de animação em co-produção Luxemburgo-Irlanda-Canadá-Alemanha com Elia Francelino (voz para Marco Polo); U potrazi za Markom Polom, minissérie em chave de documentário produzida pela TV da Croácia com Franjo Kuhn (voz para Marco Polo). 2014 – Marco Polo, série de TV americana, dirigida por John Fusco, com Lorenzo Richelmy (Marco Polo) e Benedict Young (Kublai Khan). 2018 – The Adventures of the Young Marco PoloJourney to Madagascar, telefilme de animação em co-produção Alemanha-India-Itália,dirigido por Eckart Finberg e Tony Loeser

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CHARLES BRABIN

Charles J. Brabin (1883-1957) nascido em Liverpool, Inglaterra chegou aos Estados Unidos ainda muito jovem e aquiriu experiência como ator no teatro. Em 1908 ingressou na Edison Company como ator de cinema e três anos depois começou a dirigir filmes para a Edison e várias outras companhias. Seu primeiro filme (no qual dividiu a direção com Walter Edwin, J. Searle Daley e outros), foi What Happened to Mary / 1912, estrelado por Mary Fuller, que embora não fosse o protótipo do seriado (por apresentar em cada episódio um filme independente e completo), tem sido considerado o precursor deste tipo de filme. Em 1914 dirigiu outro seriado, The Man Who Disappeared e, no ano seguinte, o drama Casa Assombrada / The House of the Lost Court e The Raven, cinebiografia de Edgar Allan Poe com o ator Henry B. Walthall como o famoso escritor.

                        Charles Brabin

Seguiram-se na sua filmografia: 1916 – mais um seriado, O Reino Secreto / Secret Kingdom, codirigido com Theodore Marston; A Divorciada / That Sort; The Price of Fame. 1917 – Babette; The Sixteenth Wife; O Filho Adotivo / The Adopted Son; Sangue Americano / Red, White and Blue; Persuasive Peggy. 1918 – No Crepúsculo da Felicidade / Breakers Ahead; Social Quicksands; Um Par de Cupidos / A Pair of His Bonded Wife; Buchanan’s Wife; Aprende a Tua Custa / The Poor Rich Man. 1919 – Thou Shalt Not; Sonho Revelador / Kathleen Mavourneen; A Mulher Serpente / La Belle Russe, estes dois últimos tendo como atriz principal a famosa vampe da tela Theda Bara, que se tornou esposa de Brabin em 1921.

O trabalho de Brabin era tido em alta conta nos anos vinte, quando fez: 1921 – Pesadelos de Nova York ou Olhos Que Falam / While New York Sleeps; Vaidade / Blind Wives. 1921 – Vindita de Cego / Footfalls.1922 – Pavão da Broadway / The Broadway Peacock; Luzes de Nova York / The Lights of New York. 1923 – Irremediável / Driven; Seis Dias Inesquecíveis / Six Days. 1924 – Amor, Destino e Honra / So Big.1925 – Stella Maris / Stella Maris. 1926 – Loucuras da Mocidade / Mismates; A Pequena do Bairro / Twinkletoes. 1927 – O Embuste / Framed; Asas do Destino / Hard-Boiled Haggerty; O Vale dos Gigantes / The Valley of the Giants. 1928 – Ouro do Alasca / Burning Daylight; Almas Danadas / The Whip. 1929 – A Ponte de São Luis Rey / The Bridge of San Luis Rey.

Sua produção independente Irremediável, foi aclamada como obra-prima por vários críticos contemporâneos. Na trama deste melodrama rural, Essie Hardin (Elinor Fair), garota da montanha, se muda com os Tolliver, uma família de contrabandistas vizinha, quando seu pai, John Hardin (Leslie Stowe), também contrabandista, é morto supostamente por agentes federais. Ela se apaixona por Tom (Emmett Mack), o irmão mais moço da família Tolliver; porém o outro irmão, o violento e brutal Lem (George Bancroft), o verdadeiro assassino de John Hardin, decide que também a quer para si. Tom é muito espancado por Lem e este, logo após a briga, anuncia sua intenção de se casar com Essie. Mrs.Tolliver (Emily Fitzroy) tenta impedir Lem revelando aos agentes federais o paradeiro dos Tolliver. Mrs. Tolliver então recebe a recompensa e manda Tom e Elsie embora com ela.

Outro filme de Brabin muito elogiado foi A Ponte de São Luis Rey. Baseado no romance de Thorton Wilder com ação no Peru do século XVII, conta como cinco vítimas do desabamento de uma ponte tinham ido parar lá, naquele momento. Nos créditos constam os nomes de Lili Damita, Raquel Torres, Duncan Renaldo, Ernest Torrence, Emily Fitzroy, Henry B. Walthall, Don Alvarado e de Cedric Gibbons, que conquistou o Oscar de Melhor Direção de Arte pelo seu trabalho.

Como resultado desta e de várias outras produções de prestígio, Brabin foi convidado para dirigir o projeto mais ambicioso da era, Ben-Hur. Entretanto, após muitos dias de filmagem foi afastado pela nova direção da recém-formada MGM e a tarefa foi entregue a Fred Niblo. Segundo consta, Brabin não deixou que a toda poderosa roteirista e alta executiva da MGM, June Mathis, interferisse no seu trabalho e, depois de vários problemas ocorridos com a produção, tudo o que filmou foi considerado inútil. Brabin processou o estúdio, pedindo meio milhão de dólares por danos.

Terra Virgem

Em 1930 ele foi recontratado pela MGM e dirigiu vários filmes para o estúdio: 1930 – O Veleiro de Shanghai / The Ship from Shanghai; Sevilha de Meus Amores / Call of the Flesh.1931 – Terra Virgem / The Great Meadow; Lealdade / Sporting Blood. 1932 – A Fera da Cidade / Beast of the City; New Morals for Old; O Homem Poderoso / The Washington Masquerade; A Máscara de Fu Manchu / The Mask of Fu Manchu; Rasputin e a Imperatriz / Rasputin and the Empress (Brabin iniciou a filmagem e foi removido por ineficiência pelo chefe de produção Irving Thalberg, tendo sido substituído por Richard Boleslawski); 1933 – O Segredo de Madame Blanche / The Secret of Madame Blanche; Beijos por Dinheiro / Stage Mother; O Juízo Final / Day of Reckoning. 1934 – Promessa de Mãe / A Wicked Woman.

A Máscara de Fu Manchu

Nenhum destes filmes foi arrebatador, mas também nenhum deles pode ser considerado ruim, sobressaindo: Terra Virgem, western com bela fotografia da natureza campestre sobre pioneiros da Virginia atravessando as montanhas em direção ao Kentucky; A Máscara de Fu Manchu, aventura de horror divertida valorizada pela presença de Boris Karloff como o chinês sinistro imaginado por Sax Rohmer e de Myrna Loy como sua filha deliciosamente malvada; e principalmente A Fera da Cidade, drama criminal escrito por W. R. Burnett, no qual um capitão da polícia ( Walter Huston), modelo de retidão cívica, enfrenta o crime organizado usando métodos brutais e violentos.

A Fera da Cidade

O final é singularmente cruel. A corrupção atinge até o irmão mais jovem (Wallace Ford) do capitão, um detetive infiltrado na gangue através da ligação com a companheira do chefe do bando (Jean Harlow, esplêndida). O capitão lhe oferece uma chance de se redimir: o chefe da gangue deve ser provocado para alvejar o irmão, a fim de que uma força policial (verdadeiros vigilantes) tenha justificativa para invadir a fortaleza clandestina. Em um tiroteio climático, a quadrilha é exterminada pelos policiais, e os irmãos morrem de mãos dadas.

Em 1935 Brabin se aposentou do cinema e se mudou para Manhattan, onde passou o resto da vida com a esposa, até sua morte.

 

 

 

 

 

 

PRIMEIROS ARTISTAS EMIGRADOS EM HOLLYWOOD

Um filme americano dos anos vinte e trinta geralmente tinha um diretor de arte ou um compositor de Viena ou Berlim. Um de seus roteiristas provavelmente seria um húngaro e seu cameraman um alemão. Alguns britânicos estariam no elenco juntamente com atores poloneses, tchecoslovacos ou suecos; e havia diretores austríacos como Erich von Stroheim e Josef von Sternberg, alemães como Ernst Lubitsch e F. W. Murnau, entre outros de outras nacionalidades como, por exemplo, o húngaro Michael Curtiz.

Nas suas expedições anuais durante os anos vinte os magnatas de Hollywood trouxeram os melhores artistas europeus, uma prática facilitada por acordos como o “Par-UFA-Met”, sob o qual a Paramount e a Metro-Goldwyn-Mayer ganharam o controle do maior estúdio germânico, Universum Film AG. (UFA) e seu brilhante staff. Em troca de um empréstimo de 4 milhões de dólares a UFA celebrou um acordo de distribuição, com a MGM e a Paramount sobre direitos de distribuição pelo qual o grande estúdio alemão se comprometeu a comprar 20 filmes de cada parceiro americano anualmente e reservar 75% (percentagem depois reduzida para 50%) do tempo de exibição para eles na sua cadeia de cinemas. A Paramount e a MGM cada qual compraria dez filmes da UFA por ano, para serem distribuídos nos cinemas americanos – com a condição onerosa de que eles “atendessem aos gostos dos espectadores americanos”. Os escritórios da Universal e da Warner Bros distribuíam contratos promiscuamente, muitas vezes apenas para manter talentos promissores longe de seus concorrentes.

Erich von Stroheim

Erich von Strohein contou uma história muito elaborada de sua fuga de Viena difícil de engolir. “Erich von Stroheim -Tenente Erich Oswald Carl von Stroheim von Nordenwald da Academia Militar Imperial Mariahilfe como se apresentava -disse para seus amigos que seu tio, tendo saldado uma dívida de alguns milhares de coroas, que ele contraíra, ele, von Nordenwald, fora obrigado a deixar o serviço de sua Majestade Imperial Franz Joseph, condição imposta pelo seu tio. O mesmo tio, o obrigou a emigrar para a América em 1909”. Após sua morte a verdade sobre os primeiros dias de Stroheim foi sendo revelada aos poucos. Nos anos sessenta o jornalista belga Denis Marion descobriu que a família de Stroheim era judia e que seu pai tinha uma chapelaria em Viena. Em 1896, o professor de História austríaco Gernot Heiss publicou o primeiro relato preciso sobre a carreira militar de Stroheim: educado numa escola de comércio para assumir o negócio da família, ele se alistou como voluntário em um regimento de treinamento às suas próprias custas, chegou ao posto de cabo, mas sua carreira militar austríaca se encerrou quando foi considerado incapaz de portar armas. Finamente, o historiador holandês Arthur Lenning revelou que Stroheim foi classificado como incapaz para o serviço militar. Stroheim realizou algumas obras-primas do cinema americano mudo como Ouro e Maldição / Greed / 1924, Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928, Minha Rainha / Queen Kelly / 1929.

Ouro e Maldição

Marcha Nupcial

Minha Rainha

A maioria dos exilados húngaros tinham motivos menos passivos para fugir de   casa. Em 1920 quando o regente Miklós Horthy assumiu o poder e impôs um regime repressivo, Mihály Kertész foi para a Austria e ingressou na Sasha-Film, a maior companhia produtora austríaca no período silencioso e início do sonoro. Nesta companhia ele fez entre outros o superespetáculo Die Sklavenkönigin / 1924. Lançado nos EUA como Moon of Israel e no Brasil como Lua de Israel, o filme chamou a atenção de Harry Warner. Ele e seu irmão Jack contrataram o diretor, mudaram seu nome para Michael Curtiz, e aí teve início uma belíssima carreira, que culminou com o clássico Casablanca / Casablanca / 1942.

Michael Curtiz

Lua de Israel

Josef von Sternberg

Paixão e Sangue

A Última Ordem

Josef von Sternberg nasceu com o prenome de Jonas, sem o aristocrático “von” em Viena, numa família judia. O “von” foi acrescentado em 1924 pelo ator-diretor Elliott Dexter para os créditos de Por Direito Divino / By Divine Right, filme dirigido por Roy William Neill, no qual Sternberg trabalhava como co-roteirista e assistente de direção. Aos sete anos de idade, o menino austríaco chegou aos Estados Unidos, para onde o pai emigrara em busca de fortuna. Decorrido algum tempo, a família retornou à terra natal; mas, em 1908, estava de novo na América. Em 1914 Sternberg empregou-se na World Film Corporation, nos estúdios de Fort Lee, New Jersey, onde começou exercendo a função de remendão de filmes, depois passou a montador, roteirista e assistente de direção. E chegou a ser consultor do patrão, William A. Brady. Iniciou assim uma trajetória artística brilhante, realizando obras imortais da cena muda como Paixão e Sangue / Underworld / 1927 e A Última Ordem / The Last Command / 1928.

Ernst Lubitsch

Mary Pickford em Rosita

Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, o berlinense  nascido numa família judaica Ernst Lubitsch,  já conhecido internacionalmente por seus dramas de época em grandes produções, partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchel Leisen) como Margarida, mas sua mãe a proibiu de atuar no filme no qual uma jovem mata seu bebê. Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan), tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época inspirado na peça francesa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atrai a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn), porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado. Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela. O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.Entretanto, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, foi saudado como obra-prima. Em uma sessão no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente. O percurso cinematográfico de Lubitsch em Hollywood seria formidável, principalmente com suas comédias sofisticadas onde se distinguia o seu famoso “toque”.

F. W. Murnau

Quando Murnau chegou na América em julho de 1926 para trabalhar na Fox Corporation (depois de recusar convites feitos pelas firmas concorrentes Famous Players e Metro-Goldwyn), ele era conhecido quase que exclusivamente como diretor de A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924, o único dos seus dezessete filmes feitos até então, que havia sido distribuído nos Estados Unidos (Fausto / Faust, Eine deutsche Volkssage, que acabara de ser completado estreou em Nova York em dezembro de 1926; Tartufo / Herr Tartüff  realizado entre os dois filmes citados, foi lançado em julho de 1927; Nosferatu, eine Symphonie des Gravens, lançado no Brasil com o título de O Lobishomem, somente chegou ao público em junho de 1929. A Última Gargalhada, e depois Fausto, conferiram uma grande reputação artística ao diretor germânico e ao ator Emil Jannings, que também seria acolhido por Hollywood.

 A Última Gargalhada

Em um encontro com Winfield R. Sheehan, gerente geral da Fox, ocorrido em Berlim, ficou ajustado que o primeiro filme de Murnau na companhia seria baseado em uma novela curta de Hermann Sudermann, “Die Feise nach Tilsit” (Viagem a Tilsit. Murnau obteve o controle criativo completo da produção bem como permissão para trazer Carl Mayer como roteirista e Rochus Gliese como diretor de arte e Herman Bing (que no futuro seria o engraçadíssimo Zizipoff de A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934 de Ernst Lubitsch) como assistente de direção.

Aurora

Carl Mayer preferiu voltar para o seu país, enviando depois um roteiro em alemão, traduzido por Hermann Bing para o inglês com o título de The Song of Two Humans, que acabou se convertendo no subtítulo do filme, porque Murnau preferiu dar à sua obra o título de Sunrise (denominado no Brasil Aurora), e fazer alterações na história original. Tornou-se um grande clássico do cinema mudo, admirado mundialmente.

Murnau viajou de férias para a Europa em 25 de março de 1927 e, no seu retorno, celebrou um contrato de cinco anos com a Fox, pois o estúdio havia cumprido sua promessa de não interferir no seu trabalho e ele acreditava que isso seria para sempre. Todavia, tal não ocorreu, e quase dois anos mais tarde dariam fim a este contrato.

DICK TRACY NO RÁDIO, NO CINEMA E NA TV

Criado pelo cartunista Chester Gould em 1931, ele foi o herói da primeira tira de quadrinhos policial realista. Violenta, brutal, muitas vezes cruel, ela desempenhou um papel importante na História dos Quadrinhos Americana, quebrando muitos tabus. Sua influência tem sido perceptível em outras tiras de detetive, que se inspiraram intensamente em sua trama e em suas técnicas, e nela podemos encontrar convenções visuais do filme noir.

Chester Gould e seu personagem

Os primeiros adversários de Tracy era vilões convencionais da ficção pulp e cinematográfica: gângsteres, assassinos, sequestradores, assaltantes de bancos, falsificadores, advogados de quadrilhas, etc. Gradualmente estes foram substituídos por uma galeria de criminosos grotescos, com seus rostos estampando uma deformidade bizarra ou maneirismos apropriados para seus nomes como, por exemplo, Pruneface (chamado Cara de Ameixa no Brasil), que tinha o rosto enrugado tal qual a fruta. A maioria destes incríveis e estranhos vilões, retratados pelo traço duro caricatural de Gould, encontraria sempre um fim tão horrível quanto suas ações. Outra particularidade da tira de Dick Tracy era o uso pelo detetive de alta tecnologia para a época como o famoso rádio-comunicador de pulso. Além de tiras diárias em dezenas de jornais, Dick Tracy foi publicado no Brasil pela Saber, em forma de livros, pela nova versão do Gibi e pelo Suplemento Juvenil

O seriado Dick Tracy foi transmitido inicialmente pela estação de rádio NBC New England em 1934, passando depois sucessivamente para as emissoras CBS, Mutual, NBC e ABC. Bob Burlen foi o primeiro Dick Tracy do rádio na transmissão de 1934, sendo que o personagem foi ouvido depois pelas vozes de Barry Thomson, Ned Wever e Matt Crowley.

Ralph Byrd como Dick Tracy

No cinema surgiram inicialmente quatro seriados da Republic: Dick Tracy, o Detetive / Dick Tracy / 1937 (Dir: Ray Taylor, Alan James), A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1938 (Dir: William Witney, John English), Novas Aventuras de Dick Tracy / Dick Tracy’s G-Men / 1939 (Dir: W. Witney, J. English), Dick Tracy contra o Crime / Dick Tracy vs. Crime, Inc. / 1941 (Dir: W. Witney, J. English), todos protagonizados por Ralph Byrd, escolha muito feliz para encarnar o herói. No terceiro seriado encontrava-se uma atriz chamada Phylis Isley que depois mudaria seu nome artístico para… Jennifer Jones.

Depois foram realizados quatros filmes B pela RKO: Dick Tracy, o Audacioso / Dick Tracy / 1945 (Dir: William Berke), O Punhal Sangrento / Dick Tracy vs. Cueball / 1946 (Dir: Gordon Douglas), Dick Tracy em Luta / Dick Tracy’s Dilema/ 1947 (Dir: John Rawlings), Dick Tracy contra o Monstro / Dick Tracy Meets Gruesome (Dir: John Rawlings), os dois primeiros com Morgan Conway como Dick Tracy e os dois seguintes com Ralph Byrd retomando o papel do detetive. No último convém notar a presença marcante de Boris Karloff assumindo as feições do vilão Gruesome.

Na televisão foram ao ar pela ABC: Dick Tracy /1950-51 série de seis episódios com Ralph Byrd, que iria falecer em agosto de 1952, aos 43 anos de idade, vitimado por um ataque cardíaco; The Dick Tracy Show / 1961, série de animação produzida pela UPA na qual Everett Sloane emprestava a voz para o detetive que, desempenhava mais ou menos um papel incidental no espetáculo, deixando para seus auxiliares, especialmente criados para a série, a tarefa de enfrentar os criminosos, entre eles Hamlock Holmes, um buldogue inglês que falava como Cary Grant; The Famous Adventures of Mr.Magoo / 1964-65, outra série de animação desta vez com adaptações de histórias clássicas para crianças, aparecendo numa delas, Mr.Magoo’s  Dick Tracy and the Mob, a figura de Tracy mais uma vez com a voz de Everett Sloane; Archi’es TV Funnies / 1971-1973, série na qual  o personagem dos quadrinhos Archie e sua turma apresentam desenhos animados adaptados de comics populares como Dick Tracy.

Warren Beatty e Madonna em Dick Tracy 1990

Em 1990 os estúdios Disney lançaram Dick Tracy / Dick Tracy, versão milionária e supercolorida (fotografada por Vittorio Storaro) dos quadrinhos de Gould, dirigida e estrelada por Warren Beatty. Apesar do alto investimento, da farta campanha publicitária e da participação no elenco de Madonna, Al Pacino, Dustin Hoffman e James Caan e o veterano R.G. Armstrong como o vilão Cara de Ameixa (depois de cogitado Ronald Reagan), o filme não agradou aos críticos. Mas a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas concedeu-lhe quatro indicações (Melhor Ator Coadjuvante / Al Pacino; Fotografia, Figurinos, Som e três Oscar (Direção de Arte, Maquiagem, Canção Original).

Dick Tracy e Flattop

Frank Sinatra, Jerry Colona e Bob Hope no Command Performance

Encerro este artigo com uma curiosidade: em 15 de fevereiro de 1945 o Command Performance, programa de rádio transmitido durante a guerra pela Armed Forces Radio Network (AFRS), apresentou uma comédia musical em tom de paródia, Dick Tracy in B-Flat, com Bing Crosby como Tracy, Bob Hope como o vilão Flattop, aquele com a cabeça grande e achatada no topo (chamado de Pastinha no Brasil por causa do seu penteado) e Dinah Shore como Tess Trueheart, a namorada do detetive. Participaram do show outros artistas como Jerry Colona, Judy Garland, Jimmy Durante, Andrew Sisters, Frank Morgan, etc.

DON QUIXOTE NO CINEMA E NA TV

Com sua figura grotesca e patética – que luta contra moinhos de vento e depõe sua espada aos pés de Dulcinéia, uma criada vulgar de estalagem de beira de estrada – dom Quixote de la Mancha ofereceu a Cervantes um pretexto para ridicularizar os romances de cavalaria, gênero literário cujas implausibilidades e estilo pomposo o escritor deplorou.

Insólito e anacrônico defensor da paz, do amor e da justiça, montado em seu esquelético cavalo Rocinante, causando inúmeros atropelos, dom Quixote permanece até hoje uma criação ímpar, interessando estudiosos, artistas e cineastas. Construído em dois níveis – a realidade e o mundo imaginário – é o retrato simbólico da Espanha do século XVII, da vida cotidiana do povo, proposto por Cervantes numa admirável variedade de tipos e episódios tragicômicos.

Para alguns analistas, dom Quixote e Sancho Pança personificam as duas faces conflitantes da personalidade humana arrastada, ora pela ilusão, ora pela crua realidade. Anti-herói ridículo, metido numa velha armadura de lata, ele oferece um pouco de sonho e de loucura que Sancho tenta contrabalançar com seu rude bom senso.

O gênio de Cervantes levou muitos a colocarem-no ao lado de Dante e Shakespeare. Influenciou, aliás, inúmeros autores mais modernos que neles se inspiraram, sem jamais o igualarem.

Foi na França, a partir de 1902, que se realizaram as primeiras adaptações da obra-prima de Miguel de Cervantes, entre elas as de Ferdinand Zecca / Lucien Nonguet, George Mélìes, Emile Cohl, Paul Gavaut e Camille de Morlhon, esta última já em 1913, com Claude Garry como dom Quixote, Vallez como Sancho Pança e Léontine Massart como Dulcinéia.

Na Espanha, data de 1908, o primeiro Don Quijote de la Mancha, dirigido pelo pioneiro Narciso Cuyás. Na Itália, em 1915, Amleto Palermi fez Il Sogno di Don Chischiotte que, segundo Robert Paolella, era “uma produção patriótica contra os impérios da Europa Central”. No mesmo ano, D.W.Griffith, na recém-formada Triangle, supervisionou Don Quixote, de Edward Dillon, estrelado por um ator de renome no teatro, DeWolf Hooper (dom Quixote), Max Davidson (Sancho Pança) e Fay Tincher (Dulcinéia). As derradeiras versões silenciosas foram as do inglês Maurice Elvey / 1923 com Jerrold Robertshaw (dom Quixote), George Robey (Sancho Pança) e Minna Leslie (Dulcinéia) e a do dinamarquês Lau Laritzen / 1926 com a dupla Carl Schenstrom e Harald Madsen, que ele costumava dirigir em comédias curtas da firma Palladium.

Don Quixote com Chaliapin

No período sonoro, em 1933, G. W.  Pabst rodou na França um filme com roteiro de Paul Morand e Alexandre Arnoux, colocando o célebre tenor Fiodor Chaliapin como dom Quixote. O grande cineasta não captou o universo do “Cavaleiro da triste figura”. Como observou Ángel Zúñiga, “a tela nos mostra um dom Quixote desprovido de fantasia e, no conjunto, o filme não tem unidade nem equilíbrio”. Muitos acharam-no enfadonho, mas elogiando a belíssima fotografia do húngaro Nikolas Farkas, que depois se tornaria diretor (A Batalha / La Bataille / 1934; Varietés / Varietés / 1935; Port Arthur / Port Arthur / 1936).

Nos Estados Unidos, em 1934, Ub Iwerks, o prodigioso colaborador de Walt Disney, fez, por conta própria, e dentro da série Comicolor Cartoons, um desenho animado sobre o personagem de Cervantes; no gênero, somente em 1962, voltaria ele a ser visto numa animação iugoslava de Vlado Kristi.

Rafael Rivelles como Don Quixote

Em 1947, novamente na terra do romancista criador de Dom Quixote, Rafael Rivelles personificou o andarilho visionário no filme de Rafael Gil que Fernando Méndez-Leite disse possuir “um realismo e dignidade artística impressionantes”. No mesmo ano, surgiu nas telas Dulcinea de Luis Arroyo com Ana Mariscal como Dulcinéia.

Na década seguinte, em 1952, foi transmitida a série de TV da CBS Don Quixote com direção de Sidney Lumet tendo Boris Karloff como dom Quixote e Grace Kelly como Dulcinéia. As gravuras de Gustave Doré (ilustrador de vários clássicos da literatura entre eles o Don Quixote de Cervantes), foram por sua vez objeto de um curta-metragem de Raymond Voinquel com oito minutos de duração, realizado em 1954 e narrado por Jean Marchat. Orson Welles, em 1955, iniciou um projeto com Mischa Auer (depois substituído por Francisco Reiguera) e Akim Tamiroff (Sancho), infelizmente inacabado. O filme foi eventualmente montado por Jesus Franco e lançado como Dom Quixote em 1992.

Don Quichotte de Orson Welles

Em 1956, Israel produziu Dan Quihote V’ Sa’adia Pansa, dirigido por Nathan Axelrod e exibido nos EUA como Don Quixote and Sa’ad olz Pancha. Em 1957, em Dom Quixote / Don Kikhot, Grigori Kozintzev conseguiu apreender a essência da obra de Cervantes, valendo-se das ilustrações de Gustave Doré para as caracterizações e usando o notável ator Nikolai Cherkassov (Cavaleiros de Ferro / Aleksander Nevski / 1938, Ivan, o Terrivel / Ivan Grozny /1945) como dom Quixote. Mas o filme trazia a marca do academicismo que dominou a obra do velho teórico futurista (fundador da FEKS, Fábrica do Ator Excêntrico), expressionista (Nova Babilônia / Novyy Vavilon / 1923) e mestre do realismo socialista (Trilogia de Máximo / 1935-39) nos últimos anos de sua vida.

Nos anos sessenta, na televisão italiana, Carlo Rim fez, em 1964, Dulcinea del Toboso com o ator Joseph Meinrad como dom Quixote.  Na televisão francesa, Éric Rohmer dirigiu Don Quichotte, documentário de 22 minutos de duração.

O Homem de La Mancha com Peter O’Toole

Nos anos setenta, foram apresentados nas telas dos cinemas em 1972, O Homem de la Mancha / Man of La Mancha, versão musical de Arthur Hiller com Peter O’Toole como Don Quixote, Sophia Loren como Dulcinéia e James Coco como Sancho Pança; em 1973, o mexicano Roberto Gavaldón filmou na Espanha a sátira Dom Quixote é uma Parada / Don Quijote Cabalga de Nuevo com Fernando Fernán Gómez (dom Quixote), o popular cômico Cantinflas (Sancho Pança) e Maria Fernanda D’Ocon (Dulcinéia). Ainda no mesmo ano, na Austrália, sob direção de Rudolf Nureiev e Robert Helpmann, foi filmada uma adaptação do balé de Marius Petipa, contando com o corpo de baile do Balé Australiano e a foto em eastmancolor do inventivo cinegrafista Geoffrey Unsworth (Oscar por Cabaret / Cabaret / 1972) e, na televisão britânica, Alvin Rakoff convocou Rex Harrison para interpretar o engenho fidalgo em dois episódios da série BBC Play of the Month. Em 1979, na televisão espanhola, Cruz Delgado e José Romagosa criaram uma série de animação de 40 episódios, utilizando na dublagem as vozes de Fernando Fernán Gómez (dom Quixote) e Antonio Ferrandis (Sancho Pança).

Don Quixote é uma parada com Cantinflas

Nos anos oitenta, a televisão japonesa pôs no ar a minissérie de animação Zukoke Knight: Donderamancha / 1980 com as vozes de Mamy Koyama (Dulcinéia) Kenji Utsumi (dom Quixote) e Setsuo Wakui (Sancho Pança); a televisão russa exibiu Tskhovreba Don Kikhotisa da Sancho Panchosi / 1988 com Kakhi Kavsadze (dom Quixote) e Mamuka Kikaleishivili (Sancho Pança) sob a direção de Rezo Chkheidze; o ex-pintor Robert Lapoujade concebeu um longa-metragem de marionetes, Les Mémoires de Don Quichotte / 1980, com música de Claude Nougaro e Romain Didier, que ficou inacabado.

Nos anos noventa, em 1991-1992, a televisão espanhola mostrou a minissérie El Quijote de Miguel de Cervantes, abrangendo apenas a primeira metade do famoso romance de Cervantes com Fernado Rey (dom Quixote) e Alfredo Landa (Sancho Pança), dirigidos por Manuel Gutiérrez Aragón. O roteiro foi escrito por Camilo José Cela, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura.

Donkey Xote

O Homem que Matou Don Quixote

Em 2000, surgiu Don Quixote / Don Quixote, telefilme americano dirigido por Peter Yates com John Lithgow (dom Quixote), Bob Hoskins (Sancho Pança) e Vanessa Williams (Dulcinéia). Em 2006, Honra de Cavalaria / Honor de Caballeria, filme espanhol com uma visão minimalista da história de dom Quixote, dirigido por Albert Serra, com Lluís Carbó (dom Quixote) e Lluís Serrat Masanellas (Sancho Pança). Em 2007, Donkey Xote, animação espanhola de Jose Pozzo, na qual quem conta a história é o cavalo de Sancho Pança, Rucio, que insiste que o cavaleiro não era tão louco e fora do comum como muitos pensam. Em 2018, chegou às telas finalmente  O Homem que Matou Dom Quixote / The Man Who Killed Don Quixote que Terry Gilliam vinha preparando há muito tempo, com José Luis Ferrer (dom Quixote), Ismael Fritschi (Sancho Pança) e Adam Driver como Toby Grummett, diretor de cinema desiludido que é puxado para um mundo de fantasia quando um sapateiro espanhol acredita ser Sacho Pança.

Já o próprio Cervantes aparece no cinema, vivido por Horst Buchholz em O Jovem Rebelde / Cervantes / 1967, biografia romantizada dirigida por Vincent Sherman, conhecido cineasta da Warner. A trama envolve negociações diplomáticas com o sultão Jassan Bey (José Ferrer), problemas com o amor da cortesã Giulia (Gina Lollobrigida).

Lee J. Cobb como Cervantes

Lee J. Cobb havia encarnado Cervantes e dom Quixote num teleteatro da série Dupont Show of the Month, produzido em 1959 e escrito por Dale Wasserman, no qual foi baseado o musical da Broadway. O texto de Wasserman também inspirou o já citado filme O Homem de la Mancha / Man of  la Mancha / 1972, com Peter O´Toole. Sem ter a profundidade e o lirismo do original literário, tão complexo no plano humano, dramático e poético, o espetáculo transmite as idéias básicas da peça. Entre elas, a crítica a muitos conceitos estabelecidos pela sociedade que despreza quase sempre os idealistas, alimentados por “sonhos impossíveis”, sonhos de paz e liberdade.