A REFILMAGEM DE MAZURKA

Anos atrás, não me recordo exatamente quando, fui à Cinemateca do MAM, na companhia de meu amigo Gil Araújo – grande pesquisador com quem aprendi muito sôbre História do Cinema – para assistirmos Mazurka / Mazurka / 1935, estrondoso sucesso de Pola Negri, dirigido por Willi Forst.

O filme estava sendo exibido na sua versão original sem legendas e tanto o Gil quanto eu, não entendíamos nada de alemão; porém o desejo de conhecer aquela obra tão famosa era tanto, que nos conformamos em ver apenas as imagens.

Afinal nos demos bem, porque, na verdade, o filme valia exatamente pelo tratamento essencialmente cinematográfico que Forst dava a um dramalhão banal sobre uma mulher que mata seu amante, quando ele passa a assediar sua filha.

Guardo na memória Pola Negri cantando magistralmente “Olhos Negros”, se não me engano em russo. No dia 13 de novembro de 1935, Goebbels anotou no seu “Diário”: “Mazurka por Forst com Pola Negri realizado virtuosamente. E Negri tem um desempenho empolgante”. Três anos mais tarde, Pola deixaria a Alemanha, de volta para os Estados Unidos, quando as autoridades nazistas classificaram-na como parcialmente judia.

Nunca pensei que, anos depois em Portugal, na casa de outro amigo, Sergio Leemann, na época programador dos canais de filmes a cabo da Lusomundo, eu iria ver a refilmagem, quase que plano-por-plano, de Mazurca, intitulada Confession / 1937, com Kay Francis dirigida coincidentemente por outro alemão, Joe May, então radicado nos Estados Unidos.

Tal como na produção germânica, a história foi valorizada pela excelência da direção. Kay é uma cantora de ópera, pupila de um grande maestro (Basil Rathbone), seu admirador; porém ela se casa com outro e tem uma filha. Quando o marido vai para a guerra, ela se embriaga numa festa e se entrega ao maestro. O marido fica sabendo de tudo, deixa-a e se casa novamente, obtendo a guarda da filha. Kay, para ganhar a vida, vai ser cantora em um cabaré.

Kay Francis e Basil Rathbone em Confession

Basta descrever uma sequência do filme para mostrar a intuição de cinema de Joe May: Kay está cantando no cabaré; então desce do palco e vai passando pelas mesas, afastando serpentinas e brincando com os freqüentadores do local. De repente ela avista numa das mesas, o ex-amante beijando sua filha. Kay desmaia. Nervoso, o maestro resolve sair rapidamente com a garota. Quando estão subindo a escada em direção à porta de saída, a câmera se volta para baixo, onde vemos Kay com um revólver na mão. Ela atira e atinge Rathbone pelas costas. O corpo dele rola pela escada, indo cair ao lado de algumas serpentinas e da arma assassina.

Muitos acham que este é o melhor filme de Kay Francis e ela está  realmente muito bem.

Mas sofreu nas mãos de Joe May. Como nos contam Lynn Kear e John Rossman, autores de Kay Francis, a Passionate Life and Career (McFarland, 2006), certo dia o diretor e a atriz discutiram a respeito de uma frase do diálogo. Kay achava que deveria dizer:”Eu não quero”. May insistia em “Eu não posso”. Quando Kay tentou lhe explicar que entre as duas frases havia uma pequena diferença, o diretor insultou-a, dizendo: “é a diferença que existe entre você e uma boa atriz”.

Nunca entendí porque, apesar de ser uma produção classe A da Warner, Confession não foi exibido no Brasil.

O HOMEM DAS MIL FACES

Lon Chaney ficou conhecido como “O Homem das Mil Faces” por sua incrível habilidade de se transformar nas mais estranhas criaturas, usando a maquilagem e a capacidade que ele tinha de contorcer seu corpo.

Às vezes ficava difícil reconhecê-lo em alguns disfarces como O Corcunda de Notre Dame ou O Fantasma da Ópera, dois de seus papéis mais famosos no tempo em que trabalhava para a Universal. “Não pise naquela aranha. Ela pode ser o Lon Chaney” era uma piada muito popular nos anos 20.

À medida em que sua carreira foi evoluindo, ele se sentiu cada vez mais atraído para interpretar dois tipos básicos de discriminados socialmente: o criminoso e o aleijado. Parece que ele se identificava profundamente com esses personagens e assim foi se perpetuando o conceito de que Chaney era um mero ator de filmes de horror ou um criador de monstros. Mas Chaney era mais do que isso.

Quando a gente vê os filmes que ele fez de “cara limpa” na fase de seu contrato com a MGM, é que percebemos que grande ator ele era. Nesta fase de seu percurso artístico eu acho que ele fez os seus dois melhores filmes, que são os meus preferidos: Os Fuzileiros / Tell it to the Marines / 1927 (Dir: George Hill) e O Monstro do Circo / The Unknown / 1927 (Dir: Tod Browning).

Os Fuzileiros

No primeiro Chaney faz o papel do Sargento O’Hara, um militar durão que tenta fazer com que seus recrutas sejam bons fuzileiros navais. Entre seus comandados está um rapaz muito prosa (William Haines), que resiste aos treinamentos e entra em conflito com O’Hara, ainda mais quando surge uma bela enfermeira (Eleanor Boardman), objeto da afeição dos dois. É um filme bem divertido com muita ação e um soberbo desempenho de Chaney. Aquí ele é O’Hara e não Lon Chaney.

O segundo tem uma trama de amor louco mais estranha do que qualquer outro filme que eu tenha visto. Nele Chaney é Alonzo, um criminoso procurado pela policia, que pode ser facilmente reconhecido, porque tem dois polegares numa das mãos. Ele se esconde num circo e usa uma camisa de força bem apertada, para que possa fingir que é um atirador de facas sem braço. Alonzo ama secretamente Nanon (Joan Crawford), a filha do dono do circo, mas a moça tem uma fobia: não suporta ser abraçada por um homem. Alonzo acredita que ela nunca poderá amá-lo enquanto ele tiver os braços e então chantageia um médico para amputá-los. Quando volta a ver Nanon, fica sabendo que ela superou a fobia e se apaixonou pelo Homem Forte do circo, Malabar (Norman Kerry).

Joan Crawford e Lon Chaney em O Monstro do Circo

Muito da efetividade do filme depende da caracterização de Chaney. Na cena em que Alonzo reencontra Nanon depois de ter amputado seus braços e ela lhe dá um beijo na face, Chaney interpreta o seu excitamento como amor, especialmente quando Nanon diz que está contente por ele ter voltado, para que ela possa se casar. Quando Nanon vai chamar Malabar, Chaney fica perplexo. Ao ver Malabar saudando-o, Chaney cerra os dentes e força um sorriso, quando ao perceber que Nanon está planejando se casar com Malabar e não com ele. Neste ponto Chaney começa a construir a sua intensidade emocional. Enquanto o Homem Forte envolve Nanon em seus braços, o rosto tenso de Chaney se contorce num sorriso louco. Quando Nanon lhe diz que não tem mais medo de abraços masculinos, os lábios de Alonzo começam a tremer na medida em que ele compreende que mutilou seu corpo por nada. Seu riso maníaco vai crescendo até chegar a um clímax impressionante. Ele parece que está chorando e rindo ao mesmo tempo.

Aí não temos mais dúvidas de que Lon Chaney era um ator único na História do Cinema. Jamais aparecerá outro igual a ele.

FRANÇOISE E MARTINE

Durante anos tentei encontrar cópias de Tormentos do Desejo / L’Épave / 1949 (Dir:Willy Rozier) e Os Amores de Carolina / Caroline Chérie / 1950 (Dir: Richard Pottier), respectivamente estrelados por Françoise Arnoul e Martine Carol, dois símbolos sexuais famosos nos anos 50, porque eu tinha a frustração de ter sido barrado na porta do cinema na época dos seus lançamentos, por ser menor de idade.

Naquele tempo não se via cenas de nudez nos filmes americanos e nós adolescentes, com a curiosidade natural desta fase da vida, ficávamos atentos para os filmes franceses, nos quais às vezes aparecia uma atriz com seio de fora. Esses dois filmes, segundo os seus “trailers” (curiosamente os menores de 18 anos não eram impedidos de ver os “trailers”, que passavam na semana anterior antes da projeção de um filme de censura livre) prometiam cenas bem quentes.

Francoise Arnoul

Há uns dois anos, um amigo me mandou os dois filmes, gravados da televisão francesa. Para surpresa minha, em Os Amores de Carolina não tinha uma cena sequer de nudismo de Martine Carol e em Tormentos do Desejo, François Arnoul aparecia despida da cintura para cima, porém não era ela, mas uma dublê, porque a atriz na ocasião ainda não tinha a maioridade pela lei francesa.

Tormentos do Desejo, cuja trama mostrava os amores tumultuados de um escafandrista com uma jovem prostituta, não tem nenhum mérito artístico. Os Amores de Carolina, adaptação de um romance histórico campeão de vendas é um bom filme, não só pela presença sensual de Martine Carol, mas também por causa das aventuras rocambolescas essencialmente galantes vividas pela sua personagem.

Martine Carol e Alfred Adam em Os Amores de Carolina

Finalmente, em 1952, ambas as atrizes apareceram como a gente esperava, Françoise agora com mais de 21 anos, mostrava um seio para Fernandel em O Fruto Proibido / Le Fruit Défendu (Dir: Henri Verneuil) e Martine deixava o público ver o seu de perfil dentro de uma banheira em forma de concha em Caprichos de uma Mulher / Un Caprice de Caroline Chérie (Dir: Jean Devaivre ).

O Fruto Proibido

Caprichos de Mulher

Felizmente no decorrer de suas carreiras tanto Françoise quanto Martine tiveram a chance de trabalhar com grandes diretores, que lhes deram papéis nos quais não tinham que tirar a roupa e extraíram delas atuações bastante competentes. Como exemplo, Martine estava muito bem em Esta Noite é Minha / Belles de Nuit / 1952 de René Clair e em Lola Montez / Lola Montez / 1954 de Max Ophuls e Françoise em French Can Can / French Can Can / 1954 de Jean Renoir e em Vidas sem Destino / Des Gens sans Importance / 1955 de Henri Verneuil.

Martine faleceu em 1967 de um ataque cardíaco aos 45 anos de idade. Françoise está viva com 79 anos e – como verifiquei em uma entrevista que ela concedeu para um canal a cabo faz pouco tempo – muito bem conservada, com aquele seu sorriso maravilhoso, a expressão no olhar que ainda é um convite ao pecado e o corpinho admiravelmente esbelto.

ADEUS A JEAN SIMMONS

Não vou fazer o obituário de Jean Simmons, porque todos os jornais do mundo, com competência variada, já o fizeram. O melhor para mim foi o de David Thomson no The Guardian.  Você pode encontrá-lo na Internet.

Prefiro recordar alguns filmes dela que me agradaram. Logo no início de sua carreira, Jean teve a sorte de trabalhar com três grandes diretores em filmes magníficos: foi Estella, a menina criada por Miss Havisham para usar seus encantos como um meio de torturar os homens em Grandes EsperançasGreat Expectations / 1946 de David Lean; Kanchi, a nativa exótica e sensual em Narciso NegroBlack Narcisus / 1947 de Michael Powell / Emeric Pressburger; a trágica Ofélia em Hamlet Hamlet / 1948 de Laurence Olivier.

Martita Hunt e Jean Simmons em Grandes Esperanças


Hamlet

Sem dúvida um grande começo respectivamente aos 17, 18 e 19 anos de idade. Aos 20 anos, quando obteve expressivo sucesso comercial em Lago Azul / The Blue Lagoon / 1949 dirigido pela dupla Frank Launder e Sidney Gilliat, ela estava nas capas das revistas Time e Life. Seu desempenho em Hamlet lhe valeu uma indicação para o Oscar. Mas, apesar deste inicio brilhante na tela, Jean raramente encontrou papéis a altura do seu talento.

Blue_Lagoon

A atriz britânica chegou em Hollywood nos anos cinqüenta, porque J. Arthur Rank vendeu seu contrato para Howard Hugues, “como se eu fosse um pedaço de carne”, diria ela em uma entrevista. Por ter resistido aos avanços amorosos de Hugues, este impediu-a de aceitar o convite de William Wyler para  atuar em A Princesa e o Plebeu /Roman Holiday / 1953,  o filme que daria a Audrey Hepburn o prêmio da Academia e faria dela uma estrela.

Robert Mitchum e Jean Simmons em Alma em Pânico

Em um dos compromissos que ela foi obrigada a cumprir para Hughes, Alma em PânicoAngel Face / 1952, filme noir dirigido por Otto Preminger, Jean teve – a meu ver – a sua melhor interpretação como Diane, a jovem com uma obsessiva fixação pelo pai e o ódio patológico da madrasta.

Depois que ficou livre do contrato com Hughes, Jean contracenou com seu marido Stewart Granger, Charles Laughton e Deborah Kerr em A Rainha VirgemYoung Bess / 1953 (Dir: George Sidney). Foi seu primeiro filme nos Estados Unidos com Granger – o bonitão ingles que se tornou o sucessor de Errol Flynn nos filmes de aventuras. Esta produção da MGM se constituiu em um belo espetáculo histórico, no qual ela, como Bess, estava mais linda do que nunca.

Stewart Granger e Jean Simmons em A Rainha Virgem

Ainda na MGM Jean interpretou outro de seus melhores papéis, Ruth Gordon Jones, uma garota entusiasmada pela arte teatral, em Papai não QuerThe Actress / 1953 (Dir: George Cukor) ao lado de Spencer Tracy. Em uma cena Ruth beija seu namorado e diz a ele para não se esquecer de que “este foi o primeiro beijo que você recebeu de uma atriz”.

Depois, eu gostei de vê-la como Varínia, a escrava companheira de Spartacus (Kirk Douglas), sob a direção de Stanley Kubrick em SpartacusSpartacus / 1960 e como a pregadora evangélica Irmã Sarah Falconer subjugada pelos encantos de um demoníaco Burt Lancaster em Entre Deus e o PecadoElmer Gantry / 1960, dirigido pelo seu segundo marido, Richard Brooks. Em 1969, novamente guiada por Brooks, Jean Simmons recebeu mais uma indicação para o Oscar pela sua participação em Tempo para Amar, Tempo para Esquecer / The Happy Ending.

Jean Simmons teve seus méritos como atriz, porém o que ficou mais na minha memória foi o seu lindo rosto quando era uma mocinha, sua voz de menina, sua meiguice.

PARAMOUNT EM PARIS

Ao irromper o cinema sonoro, as principais companhias de Hollywood ficaram com receio de perder o vasto mercado de língua não-inglesa. Daí a idéia de se fazerem produções americanas em vários idiomas. Todos os grandes estúdios fizeram versões estrangeiras de seus filmes (Warner, RKO, MGM, Fox, Universal, Columbia), porém a companhia que mais se empenhou nas produções desse tipo foi a Paramount.

As primeiras versões foram feitas em Hollywood e nos estúdios Astoria em Nova York, explorando o potencial do cantor-ator francês Maurice Chevalier para a produção bilíngüe.

Maurice Chevalier e Frances Dee em O Café do Felisberto

Ele impressionou os parisienses em La Chanson de Paris /1929 – tal como havia feito na versão original, Innocents of Paris – e nos subseqüentes La Parade D’Amour (Alvorada do AmorThe Love Parade / 1929, Le Petite Café (O Café do FelisbertoPlayboy of Paris / 1930, La Grande Mare (Um Romance de VenezaThe Big Pond / 1930).

Face a esse sucesso, Adolph Zukor resolveu abrir uma subsidiária de sua companhia em Paris, a Société Ciné-Studio-Continental, cuja direção foi entregue a Robert T. Kane. Kane alugou e reformou um estúdio na rue des Réservois em Saint-Maurice no limite com Joinville-le-Pont, transformando-o em uma gigantesca fábrica de imagens, apelidada de Babel-sur-Marne, pois alguns filmes chegaram a ter versões em até 14 idiomas, envolvendo atores, atrizes, diretores e técnicos de diversas nacionalidades.

Paramount on Parade / 1930, por exemplo, teve nada menos do que 11 versões (francesa, espanhola, tcheca, holandesa, polonesa, italiana, romena, japonesa, húngara, sueca e dinamarquesa). No Brasil, passaram a original e a espanhola (Galas de la Paramount), ambas com o título em português de Paramount em Grande Gala.

Her Wedding Night /1930 de Frank Tuttle, farsa sobre um compositor popular que se casa “por procuração”, estrelado por Clara Bow, teve versões francesa (Marions-nous), espanhola (Su noche de Bodas), alemã (Ich heirate meinem Mann) e portuguesa (A Minha Noite de Núpcias, tendo na frente do elenco Beatriz Costa e “o príncipe do teatro brasileiro”, Leopoldo Froes).

Carlos Gardel e Mona Maris em O Amor Obriga

Entretanto, a Paramount não fez apenas versões múltiplas de filmes americanos, mas também muitos filmes originais, principalmente franceses e espanhóis. Nos filmes franceses trabalharam inúmeros atores e atrizes, que depois se tornariam grandes cartazes da tela: Arletty, Fernandel, Edwige Feuillière (com o nome de Cora Lynn), Pierre Fresnay, Jean Gabin, Raimu, Fernand Gravey, Louis Jouvet, Viviane Romance, Simone Simon, etc. Nos filmes espanhóis, a Paramount tinha como trunfo o carismático cantor de tangos Carlos Gardel, que empolgou o público em Luzes de Buenos AiresLas Luces de Buenos Aires / 1931.

Após este êxito, o estúdio americano colocou Gardel ao lado da dançarina Império Argentina em duas comédias românticas Espera-me CoraçãoEspéra-me / 1932 e Melodia de Arrabal /Melodia de Arrabal / 1933. Quando a Paramount deixou Paris, mandou Gardel para seus estúdios Astoria, para fazer uma nova série de filmes espanhóis (O Amor ObrigaCuesta Abajo / 1934, O Tango na BroadwayEl Tango en Broadway / 1934, No dia que me QueirasEl Dia que me Quieres / 1935 e Tango BarTango Bar / 1935.

Os executivos da empresa cinematográfica pensaram então em fazer filmes de língua inglesa com Gardel, tal como Maurice Chevalier havia feito. Se o seu inglês fosse aceitável, o popular cantor-ator teria um papel em RumbaRumba / 1935, ao lado de George Raft e Carole Lombard. Mas a trajetória artística de Gardel foi interrompida tragicamente. Ele veio a falecer, juntamente com dez músicos, num acidente de avião.

HOMENAGEM A KEVIN BROWNLOW

Basta o primeiro livro de Kevin Brownlow, The Parade’s Gone By … (1968), contendo muitas entrevistas com atores, diretores e técnicos do cinema mudo e o documentário em 13 capítulos,Hollywood: A Celebration of the American Silent Film (1979), realizado de parceria com David Gill e produzido pela Thames Television, para consagrá-lo como o maior historiador da era silenciosa da 7ª arte.

Brownlow foi também responsável pela magnífica restauração do clássico Napoléon (1927) de Abel Gance e salvou outros filmes para a Photoplay Productions, a companhia que fundou com o objetivo de fazer importantes restaurações: O Águia / The EagleO Fantasma da Ópera / The Phantom of the OperaO Ladrão de Bagdad / The Thief of BagdadEm Busca do Ouro / The Gold Rush, para citar apenas algumas.

Depois da série Hollywood, Brownlow e Gill fizeram: Unknown Chaplin: The Master at Work (1983), Buster Keaton: A Hard Act to Follow (1987), Harold Lloyd: The Third Genius (l989),D.W. Griffith: Father of Film (1993) e Cinema Europe: The Other Hollywood (1996) entre outros.

Kevin Brownlow

Desde a morte de Gill em 1997, Bronlow continuou a produzir documentários entre os quais Lon Chaney, a Thousand Faces (2000), Cecil B. DeMille – American Epic (2004), Garbo (2005), produzido pelo Turner Classic Movies para marcar o centenário de nascimento da atriz e I Am King Kong!: The Exploits of Merian C. Cooper (2005).

A bibliografia de Brownlow inclui outros livros admiráveis como The War, the West and the Wilderness (1979), Hollywood, the Pioneers (1979), Behind the Mask of InnocenceSex, Violence, Crime – Films of Social Conscience in the Silent Era (1992), David Lean (1996), a melhor biografia do renomado cineasta inglês, Mary Pickford Rediscovered (1999) com fotos raras da legendária atriz de Hollywood.

Brownlow realizou, com seu amigo Andrew Mollo, dois filmes: It Happened Here (1966) e Winstanley (1975). Ví apenas o primeiro, uma ficção histórica muito interessante contando o que aconteceria se os alemães tivessem conseguido desembarcar na Inglaterra em 1940. Os alemães lutam contra os resistentes, e a população civil, presa entre dois fogos, sofre sacrifícios sangrentos. A personagem central, uma enfermeira, obrigada a se engajar no serviço de saúde pró-nazi, descobre pouco a pouco o horror nos dois lados.

Cada tomada do filme foi recriada. Não foi usada nenhuma imagem de arquivo. A maioria dos atores não eram profissionais. Uma cena de doutrinamento, interpretada por autênticos nazistas, causou escândalo e foi cortada pelo distribuidor. Brownlow tinha apenas 18 anos quando começou a fazer It Happened Here e Mollo, 16. Após oito anos de muitas contrariedades e perseverança, o filme foi completado em 1964 com a ajuda de Tony Richardson, porém só foi lançado em 1966.

AS DUAS VERSÕES DE VÍTOR OU VITÓRIA

Finalmente pude ver as duas versões anteriores de Vítor ou Vitória / Victor / Victoria, a divertida comédia musical realizada por Blake Edwards em 1982 com Julie Andrews e Robert Preston nos papéis que dão nome ao título do filme.

Uma versão é alemã, Viktor und Viktoria / 1933 (Dir: Reinhold Schunzel) com Renate Müller e Hermann Thimig e outra inglesa, Mulher antes de Tudo / First a Girl / 1935 (Dir: Victor Saville) com Jessie Mathews e Sonnie Hale. Curiosamente Viktor und Viktoria só foi exibido no Sul do Brasil. No resto do país passou a versão francesa, George e Georgette / Georges et Georgette com Meg Lemonnier e Julien Carette substituindo Renate Müller e Hermann Thimig.

Renate Muller

As duas versões são parecidas. Muitas cenas como, por exemplo, a dos gansos no camarim ou aquela em que Vitória vai beber no bar do hotel, são quase idênticas. Em ambas, ao contrário do filme de Blake Edwards, não há alusão ao mundo gay (Víctor, o amiguinho transformista de Victória, é hetero e dá em cima das moças). Tanto uma como a outra apresentam coreografias inspiradas nas criações de Busby Berkeley e canções típicas dos anos trinta.

O filme alemão foi um grande sucesso de bilheteria, mas eu prefiro a produção britânica, mais animada e com melhores números musicais. Logo no início o desfile de modas alternando com a rumba dançada por Jessie e suas colegas funcionárias do atelier de alta costura de Madame Seraphina; o sapateado de Jessie e Sonnie no “Casino des Folies”, a dança de Jessie rodopiando cheia de plumas até ser erguida para o alto de uma imensa gaiola; o número mais influenciado por Berkeley com as coristas vestidas de saiotes e chapéus listrados são os momentos mais eufóricos do espetáculo.

Jessie Matthews

A dupla Renate Muller – Hermann Thimig dançam e cantam satisfatoriamente, porém não têm a alegria contagiante de Jessie Mathews – Sonnie Hale. Fiquei fascinado por Jessie e Sonnie, principalmente Jessie, que eu já conhecia do filme Sempre Viva / Evergreen. Agora ela me impressionou demais. Graciosa e brincalhona (inesquecível a piscadela de olho em close-up para a platéia) com seu corpinho pequenino e rosto de menina travessa Jessie está simplesmente encantadora.

Renate Müller era uma das atrizes mais formosas do cinema alemão do início da década de trinta e chegou a ser apontada como sucessora de Marlene Dietrich, depois que esta partiu para a América. Quando Renate se recusou a participar de filmes de propaganda dos ideais nazistas e a se afastar do seu amante judeu, foi perseguida pela Gestapo e se suicidou aos 31 anos de idade.

JOHN GILBERT REDESCOBERTO

John Gilbert parece que está esquecido hoje ou, quando se lembram dele, é como um astro do cinema mudo que não se adaptou aos filmes sonoros. É uma pena, porque Gilbert era um ator muito talentoso e seus melhores filmes como A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 (Dir: Erich Von Stroheim), O Grande Desfile / The Big Parade / 1925 (Dir: King Vidor), O Diabo e a Carne / The Flesh and the Devil / 1926 (Dir: Clarence Brown) são verdadeiras obras-primas da 7ª arte.

Embora o declínio artístico do maior galã romântico de sua época após a morte de Rudolph Valentino tivesse sido atribuído publicamente à sua voz estridente e incompatível com a imagem que criara na tela, quem estava por dentro dos bastidores de Hollywood sabia da verdade – Gilbert foi vitima do enorme poder e influência de Louis B. Mayer, que sempre o odiara.

Anos depois de sua morte, o roteirista e produtor contratado da MGM, Carey Wilson, contou a Leatrice Fountain, filha de Gilbert, que Mayer havia lhe dito: “Eu odeio o bastardo porque ele não gosta da mãe dele”. Carey acrescentou para Leatrice: “Nunca vi tanto ódio na minha vida. Era algo assustador”.

Portanto, Mayer já não ia com a cara de Gilbert há muito tempo e aquele murro que levou do ator, quando fez um comentário desagradável sobre Greta Garbo, depois que esta deixou o seu apaixonado Gilbert esperando no altar, foi o apenas o estopim que desencadeou a vingança. Mayer fez de tudo para arruinar a carreira de Gilbert (maiores detalhes no livro de Leatrice Gilbert Fountain, “Dark Star:The Untold Story of the Meteoric Rise and Fall of John Gilbert”, St. Martin Press, 1985) e este acabou morrendo de um ataque cardíaco aos 38 anos de idade.

Bardelys

Estou me lembrando de John Gilbert ainda sob a emoção de ter assistido dois filmes dele absolutamente imperdíveis: O Cavalheiro dos Amores / Bardelys the Magnificent /1926 (Dir. King Vidor), dado como perdido mas recentemente restaurado a partir de uma cópia em 35 mm encontrada na França e Madame e seu Chauffeur / Downstairs / 1932.
O primeiro é um capa-e-espada baseado em um romance de Rafael Sabatini com a dose exata de ação, romance e humor para criar um espetáculo muito agradável. Gilbert assume magnificamente as feições de um inveterado conquistador e exímio espadachim, nada ficando a dever ao Douglas Fairbanks. No meio da trama, surge aquela seqüência antológica do passeio de barco, filmada por Vidor com intuição poética e pictórica.

O segundo é um melodrama mordaz sobre diferenças de classe filmado com a liberdade de um filme pre code, ou seja, anterior a 1934, quando foi adotado o Código de Auto Censura. Desta vez Gilbert compõe de maneira irretocável um personagem contra o seu tipo, um gigolô que usa a chantagem e o charme para conseguir o que quer.

A história foi escrita pelo próprio John Gilbert (ele queria tanto fazer este filme que a vendeu por um dólar para a MGM). E querem saber de uma coisa? Não há nada de errado com a sua voz.

UM CURIOSO MOMENTO NA HISTÓRIA DO CINEMA

Nos anais da História do Cinema existe um curto porém fascinante fenômeno que merece ser melhor conhecido: os chamados Soundies.

Estes Soundies eram filmes de breve duração, exibidos em uma máquina parecida com as juke boxes (vitrolas de pé, muito comuns em bares e restaurantes na década de 40), de uns dois metros de altura aproximadamente.

A firma Mills de Chicago, uma das maiores fornecedoras de juke boxes nos EUA, teve a idéia de lançar no mercado esta máquina – a Mills Panoram Soundies Machine – que proporcionava aos fregueses não somente ouvir as músicas populares em evidência como também vê-las, sendo executadas por intérpretes de sucesso.

Bastava colocar uma moeda de dez centavos na máquina (basicamente um projetor de 16mm embutido em um móvel, que funcionava com um complexo de espelhos) e durante três minutos, assistir, numa telinha de 40×50 cm, o transcorrer de um número musical.

Panoram

A máquina permitia a visão de oito números musicais diferentes, mas estes eram montados num único rolo de modo que, se o nº 4, por exemplo, já tivesse sido escolhido por determinada pessoa, e se ela, ou outra, quisesse assistir ao n° 8, era necessário assistir também (e pagar mais por isto) aos nºs 5, 6 e 7, antes de ver o oitavo.

Formou-se então uma companhia, a RCM Productions Inc.(pela associação de James Roosevelt, filho do presidente F.D.Roosevelt e do compositor Sam Coslow com a fábrica Mills), para produzir filmes musicais, que alimentariam as máquinas, tendo sido utilizados os antigos estúdios da Eagle Lion, situados no Santa Monica Boulevard de Hollywood.

Alguns dos mais destacados cartazes da música popular aceitaram aparecer nos Soundies, tais como Louis Armstrong, Count Basie, Stan Kenton, Nat King Cole, Fats Walker, Gene Krupa, Glenn Miller Modernaires, etc.; porém, mesmo assim, foi preciso contratar outros artistas menos conhecidos para equilibrar os custos da empresa.

soundies king cole

Entre estes estavam atores e atrizes que mais tarde alcançariam a fama no cinema como Doris Day, Cyd Charisse, Yvonne De Carlo, Ricardo Montalban, Alan Ladd, Dorothy Dandridge, Gloria Grahame, Evelyn Keyes e, até mesmo, um grande cÔmico do cinema mudo: Harry Langdon.

Entre 1940 e 1946 foram produzidos mais de 1.800 Soundies. Entretanto, os donos de cinemas nunca gostaram da concorrência e viviam pressionando os legisladores, para que impuzessem pesados impostos às firmas produtoras. Quando veio o racionamento de matérias primas forçado pela Segunda Guerra Mundial, os funcionários do governo americano cortaram o fornecimento de metais para as máquinas, ocasionando uma redução drástica da sua produção.

Em 1943 toda a equipe da RCM foi contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer para fazer musicais de dois rolos, o primeiro dos quais, Música no Céu / Heavenly Music, ganhou um prêmio da Academia.

No final da década, com a volta dos cinemusicais e o incremento da televisão, os Soundies tornaram-se obsoletos e foram absorvidos aos lotes pelo mercado de filmes para domicílio, inclusive pela conhecida Castle Films, que os oferecia dentro da série “Music Album”.

Homenagem ao cinéfilo mais cinéfilo que conheço

Nunca é tarde para se propagar conhecimento. E, se para isso, for necessário o uso da mais moderna tecnologia, que os nerds nos ajudem 🙂

Este blog é mais do que uma homenagem ao meu pai, cinéfilo apaixonado e incansável, mas um meio que o ajude a perpetuar o conhecimento adquirido em tantos anos e a própria arte maior que é o Cinema.

Divirtam-se.