Anos atrás, não me recordo exatamente quando, fui à Cinemateca do MAM, na companhia de meu amigo Gil Araújo – grande pesquisador com quem aprendi muito sôbre História do Cinema – para assistirmos Mazurka / Mazurka / 1935, estrondoso sucesso de Pola Negri, dirigido por Willi Forst.
O filme estava sendo exibido na sua versão original sem legendas e tanto o Gil quanto eu, não entendíamos nada de alemão; porém o desejo de conhecer aquela obra tão famosa era tanto, que nos conformamos em ver apenas as imagens.
Afinal nos demos bem, porque, na verdade, o filme valia exatamente pelo tratamento essencialmente cinematográfico que Forst dava a um dramalhão banal sobre uma mulher que mata seu amante, quando ele passa a assediar sua filha.
Guardo na memória Pola Negri cantando magistralmente “Olhos Negros”, se não me engano em russo. No dia 13 de novembro de 1935, Goebbels anotou no seu “Diário”: “Mazurka por Forst com Pola Negri realizado virtuosamente. E Negri tem um desempenho empolgante”. Três anos mais tarde, Pola deixaria a Alemanha, de volta para os Estados Unidos, quando as autoridades nazistas classificaram-na como parcialmente judia.
Nunca pensei que, anos depois em Portugal, na casa de outro amigo, Sergio Leemann, na época programador dos canais de filmes a cabo da Lusomundo, eu iria ver a refilmagem, quase que plano-por-plano, de Mazurca, intitulada Confession / 1937, com Kay Francis dirigida coincidentemente por outro alemão, Joe May, então radicado nos Estados Unidos.
Tal como na produção germânica, a história foi valorizada pela excelência da direção. Kay é uma cantora de ópera, pupila de um grande maestro (Basil Rathbone), seu admirador; porém ela se casa com outro e tem uma filha. Quando o marido vai para a guerra, ela se embriaga numa festa e se entrega ao maestro. O marido fica sabendo de tudo, deixa-a e se casa novamente, obtendo a guarda da filha. Kay, para ganhar a vida, vai ser cantora em um cabaré.
Basta descrever uma sequência do filme para mostrar a intuição de cinema de Joe May: Kay está cantando no cabaré; então desce do palco e vai passando pelas mesas, afastando serpentinas e brincando com os freqüentadores do local. De repente ela avista numa das mesas, o ex-amante beijando sua filha. Kay desmaia. Nervoso, o maestro resolve sair rapidamente com a garota. Quando estão subindo a escada em direção à porta de saída, a câmera se volta para baixo, onde vemos Kay com um revólver na mão. Ela atira e atinge Rathbone pelas costas. O corpo dele rola pela escada, indo cair ao lado de algumas serpentinas e da arma assassina.
Muitos acham que este é o melhor filme de Kay Francis e ela está realmente muito bem.
Mas sofreu nas mãos de Joe May. Como nos contam Lynn Kear e John Rossman, autores de Kay Francis, a Passionate Life and Career (McFarland, 2006), certo dia o diretor e a atriz discutiram a respeito de uma frase do diálogo. Kay achava que deveria dizer:”Eu não quero”. May insistia em “Eu não posso”. Quando Kay tentou lhe explicar que entre as duas frases havia uma pequena diferença, o diretor insultou-a, dizendo: “é a diferença que existe entre você e uma boa atriz”.
Nunca entendí porque, apesar de ser uma produção classe A da Warner, Confession não foi exibido no Brasil.