WILLIAM S. HART

Desde os primórdios do Cinema, imersos na história e na lenda, os filmes de faroeste, por sua simplicidade e fotogenia e pelas emoções primárias e ingênuas que despertam, exercem imenso fascínio sobre o público.

Um vaqueiro galopando solitário pelos vales e pradarias; os ataques dos índios aos fortes e aos ranchos; o estouro da boiada e as perseguições eletrizantes; as brigas no tradicional saloon e os duelos entre xerife e pistoleiros nas ruas enlameadas e poeirentas; o extermínio brutal dos búfalos e a épica construção da ferrovia; a cavalaria chegando nos últimos instantes para salvar a caravana; os assaltos a bancos, trens e diligências; os massacres e os linchamentos; o bem e o mal em nítido confronto são visões excitantes por si mesmas, independentemente do enredo ou da cinestética.

Terra do Inferno

Além disso, houve sempre os mocinhos, cavaleiros andantes das planícies, que encarnavam nas telas a poesia da ação e ganharam, dos grandes cineastas, a sua alma e maior autenticidade.

Numa série de artigos vamos recordar os astros-cowboys “típicos”, reconhecidos facilmente pelos veteranos fãs do western, o gênero cinematográfico por excelência que, com toda a sua mística e encantamento, fez as delícias de muitas gerações.

William Surrey Hart nasceu em Newburgh, Nova York, a 6 de dezembro de 1864 (em algumas fontes, 1870), filho de James Howard Hart e Katherine Diedricht Hart. O pai viajou com a família pelos Estados de Illinois, Iowa, Minnesota, Wisconsin e Dakota, instalando maquinárias para moinhos. Nessas andanças pelo centro-oeste americano, o pequeno Bill conviveu com índios Minneconjou e Sioux e os poucos filhos de fazendeiros que viviam nos minúsculos povoados à beira dos rios. Ele aprendeu a cavalgar, nadar, tratar dos animais domésticos, lavrar a terra e a debulhar o milho.

Após certo tempo, voltaram todos para Newburgh, onde o jovem Hart frequentou a escola pública de West Farms, logo a abandonando para exercer sucessivamente os empregos de mensageiro de hotel e funcionário dos Correios.

Aos 23 anos, começou a estudar arte dramática, estreando nos palcos com a trupe de Daniel E. Dandmann. Nos anos seguintes integrou outras companhias, contracenando inclusive com Julia Arthur numa peça de Shakespeare.

Seus maiores êxitos na ribalta foram no papel de um “muscular e insolente” Messala em Ben-Hur, e depois como o vilão Cash Hawkins na versão teatral de The Squaw Man, “a primeira apresentação de um verdadeiro cowboy americano na Broadway”.

Numa turnê com a peça Trail of the Lonesome Pine, Hart assistiu a um filme de faroeste e descobriu que o Cinema era a sua vocação.

A chance chegou ao reencontrar Thomas Ince, antigo colega de teatro e companheiro de quarto, agora ocupando o cargo de supervisor da New York Motion Picture Company, sediada na Califórnia.

Ince colocou-o primeiramente como vilão em dois faroestes, His Hour of Manhood e Jim Cameron’s Wife, ambos de 1914 (Dir: Thomas Chatterton). No mesmo ano, deu-lhe o papel principal em The Bargain, dirigido por Reginald Barker, seguindo-se imediatamente On the Night Stag, igualmente sob direção de Barker.

As pré-estréias de The Bargain foram tão favoráveis que a New York Motion Picture preferiu vendê-lo à Famous Players, cuja subsidiária recém organizada, a Paramount, tinha grande capacidade de divulgação. Prevendo que Hart se tornaria astro, decidiram também guardar On the Night Stage nas prateleiras até que a Famous Players tornasse o nome do ator conhecido por todo o país.

Sem ainda ter percebido seu poder de atração sobre o público, Hart aceitou o salário de apenas 125 dólares semanais para funcionar como diretor e ator. Mudando-se para Los Angeles com sua idolatrada irmã, Mary Ellen, pôs-se a trabalhar com afinco nos estúdios de Santa Inez Canyon, conhecidos como Inceville.

Foram 18 faroestes de dois rolos e um de quatro rolos, O Lobo Ferido / The Darkening Trail para a New York Motion Picture até que, em setembro de 1915, Ince se uniu com Mack Sennett, Harry Aitken e D.W. Griffith e, juntos, fundaram a Triangle Film Corporation.

Twogunbill

Alto, forte, de olhos claros, rosto comprido e marmóreo, semblante taciturno, William Hart transmitia intensidade moral e dramática e encarnava as virtudes do homem do Oeste americano. Ele fazia questão de autenticidade na recriação dos ambientes. Queria fazer de seus filmes o equivalente cinematográfico das pinturas de Frederic Remington e as ilustrações de Charles Russell. As histórias de seus filmes eram simples, realistas, mas banhadas de sentimentalismo.

Hart desenvolveu e aperfeiçoou o tipo do “bom homem mau”, introduzido nas telas por G.M.Anderson (Broncho Billy), que, nos primeiros instantes da trama, começava mal-intencionado e depois se regenerava, praticando um gesto de bondade ou de nobreza pelo amor da mocinha ou por ter encontrado a fé na religião.

O toque romântico manifestava-se outras vezes na admiração que o herói despertava numa criança, na devotada afeição à irmã (reflexo da vida real) ou à memória dela, ou na amizade pelo seu cavalo malhado (Fritz), espécie de parceiro nas intrigas de seus filmes.

Com Ince na Triangle, Hart fez 17 faroestes de cinco rolos, destacando-se, neste período, Terra do Inferno / Hell’s Hinges / 1916 e Será Minha Escrava / The Aryan / 1916, dois clássicos da cena muda.

Será Minha Escrava

Hart começou então a sentir a popularidade, mas aparentemente não tinha noção dos lucros consideráveis que Ince vinha auferindo às custas de seu sucesso. Ele confiava na astúcia de Ince como realizador de espetáculos e homem de negócios e se sentia preso a ele por laços pessoais, recusando inclusive generosas ofertas de outros produtores, por lealdade ao amigo.

Hart foi com Ince para a Famous Player-Lasky em junho de 1917 e lá, finalmente,veio a receber um salário à altura do seu prestígio – 150 mil dólares por filme – repartindo ainda 35% dos rendimentos de cada filme com Ince que, na realidade, era “supervisor” apenas nominalmente.

William S. hart em açãoWilliam S. Hart e seu cavalo Fritz

Distribuídos pela Paramount-Artcraft, seguiram-se 25 filmes, muitos deles dirigidos por Lambert Hyllier, tendo Ince deixado a empresa após a 16ª produção. Nesta fase, salientam-se Meu Cavalo Malhado / The Narrow Trail / 1917, Afronta Injusta / Branding Broadway / 1918, Quero Morrer Lutando /The Toll Gate / 1920, Mãos Poderosas / The Testing Block / 1920 e Beijos que Torturam / Wild Bill Hickock / 1923.

Encantados com os filmes de Tom Mix, que já vinha subsituindo Hart como o astro do western número um, os chefões do estúdio, Zukor e Lasky, sugeriram uma mudança no critério de seleção das histórias.

Hart não cedeu à pressão e o fracasso comercial de Coragem, Crença e Afeições / Singer Jim McKee / 1924 acentuou o descontentamento mútuo. Hart então passou a funcionar com a United Artists, encerrando, com o épico O Rei do Deserto / Tumbleweeds / 1925 (Dir: King Baggott), o seu percurso cinematográfico.

williams hart , lamber hyllier

Sua última realização prenunciava os westerns “crepusculares” dos anos 60. Há uma cena no filme em que Don Carver, o vaqueiro interpretado por Hart, observa uma grande boiada sendo conduzida para fora das terras, que logo seriam oferecidas a todos os colonizadores. Ele tira seu chapéu e diz solenemente para os outros colegas: “Rapazes, é o fim do Oeste”. No final, vemos o tumbleweed (planta que se quebra e rola empurrada pelo vento), que simbolizava a mobilidade pessoal e a liberdade durante toda a narrativa, espetado em uma cerca de arame farpado.

Apesar da boa acolhida pelos críticos, a United não gostou do filme, tentou reduzir a metragem e se descuidou do lançamento. Hart recorreu à Justiça e ganhou a causa: mas o prejuízo já havia ocorrido.

aahart8william s. hart

Desencorajado, retirou-se das telas e só voltaria como convidado especial em Fazendo Fita / Show People / 1928 de King Vidor, tendo sido também objeto de dois Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots da Columbia.

Fora de cena, Hart treinou Johnny MacBrown e Robert Taylor respectivamente em O Vingador / 1920 e Gentil Tirano / 1940, versões de Billy the Kid, e vendeu a história O’Malley of the Mounted à Fox, para uma refilmagem com George O’Brien.

Escreveu também alguns livros, entre eles a autobiografia My Life East and West e, em 1939, quando O Rei do Deserto foi relançado pela Astor Pictures com música, efeitos sonoros e um prólogo de oito minutos, Hart, vestido de cowboy, surgiu em alguns planos, dirigindo-se aos espectadores de forma comovente, chorando ao se lembrar de seu famoso cavalo Fritz e lamentando o fato de que já estava muito velho para fazer westerns.

William S. Hart faleceu em Los Angeles a 23 de junho de 1946 aos 81 anos. Ele havia doado sua propriedade ao Los Angeles County, para servir como centro de recreação, justificando assim o ato generoso: “Enquanto estava fazendo filmes, os fãs me deram os seus níqueis e centavos. Quando partir para sempre, quero que fiquem com o meu lar”.

Poster

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa realizada anos atrás com a colaboração de Gil de Azevedo Araújo): 1914: O CONVERTIDO / The Conversion pf Frosty Blake; SR. NINGUÉM / In the Sage Brush Country. 1915: BANDIDO REGENERADO / The Scourge of the Desert; CORAÇÃO DE BANDIDO / Mr. “Silent” Haskings; O FUGITIVO / The Taking of Luke McVane; UM FALSO AMIGO / The Man from Nowhere; O LOBO FERIDO / The Darkening Trail; O GARIMPEIRO / A Knight of the Trails; SUPREMA REVOLTA / The Disciple; PRÉLIO DE GIGANTES / Between Men. 1916: TERRA DO INFERNO / Hell’s Hinges

; SERÁS MINHAS ESCRAVA / The Aryan; VINDITA DE AMOR / The Primal Lure; O DEUS CATIVO / The Captive God; AURORA NOVA / The Dawn Maker; ALGEMAS DO PASSADO / The Return of Draw Egan; CORAÇÃO DE GUERREIRO / The Patriot; SATANÁS NA TERRA / The Devil’s Double; APÓSTOLO MODERNO / Truthful Tulliver; TERRA DE SANGUE / The Gun Fighter; RUMO NOVO / The Square Deal Man. 1917: O HOMEM DO DESERTO / The Desert Man; AMOR DE LOBO / Wolf Lowry; TRUNFO É PAU ou BRAÇO FORTE / The Cold Deck; MEU CAVALO MALHADO / The Narrow Trail; BRAÇO DE FERRO / The Silent Man. 1918: LOBOS DE ESTRADA ou MANIFESTAÇÃO DE FÔRÇA / Wolves of the Rail; VITÓRIA E DERROTA / Blue Blazes Rawden; EU ACIMA DE TUDO / Selfish Yates; A VITÓRIA DO SENHOR / Staking his Life; O INIMIGO AMADO / Shark Monroe; O HOMEM TIGRE / The Tiger Man;

A LEI DA COMPENSAÇÃO / Riddle Gawne; AFRONTA INJUSTA / Branding Broadway. 1919: O HOMEM DO POVO / Breed of Men; MINHA ADORAÇÃO / The Poppy Girl’s Husband; FADOS ADVERSOS / The Money Corral; JUSTO PRESTÍGIO / Square Deal Sanderson; MISSÃO DE VINGANÇA / Wagon Tracks; UM AMIGO PRECIOSO ou JOÃO DAS SAIAS / John Petticoats; AMIZADE INDISSOLÚVEL / Sand. 1920: QUERO MORRER LUTANDO / The Toll Gate; BATISMO DE FOGO / The Cradle of Courage; MÃOS PODEROSAS / The Testing Block; MARTÍRIO / O’ Malley of the Mounted. 1921: O APITO / The Whistle; O CORAJOSO / White Oak; MEU CAVALO FIEL / Travelin’on; O HOMEM DAS TRÊS PALAVRAS / Three Word Brand. 1923: BEIJOS QUE TORTURAM / Wild Bill Hickock. 1924: CORAGEM, CRENÇA E AFEIÇÕES / Singer Jim McKee. 1925: O REI DO DESERTO / Tumbleweeds.

OS SERIADOS DE ANTIGAMENTE

Para quem teve a sorte de ser criança nas décadas de 30, 40 e 50, acontecia uma coisa mágica nas sessões dos sábados e domingos dos cinemas de bairros: os seriados.

Era um mundo fantástico de cidades perdidas e tesouros escondidos, passagens secretas e armadilhas traiçoeiras, perseguições eletrizantes e perigos fatais, vilões misteriosos e heróis mascarados – puro escapismo, sim, mas irresistível.

A trama continuava em outros capítulos (chapters), geralmente 12 ou 15, terminando cada um por um lance de suspense (cliffhanger), para forçar o espectador a assistir aos subseqüentes. No final de cada capítulo, o mocinho ou a mocinha ficavam à mercê de uma situação mortífera da qual a rigor não poderiam escapar, mas, no início do capítulo seguinte, exibido somente “na próxima semana”, conseguiam sair milagrosamente ilesos.

 

A fórmula continha ainda os seguintes atrativos: um mínimo de diálogos, muita ação e estreito relacionamento com as histórias em quadrinhos. Era um esquema infalível que funcionou desde a época silenciosa do Cinema, porém a idade de ouro dos serials deu-se na fase sonora, quando foram produzidos 231 filmes deste tipo, sendo 69 pela Universal, 66 pela Republic, 57 pela Columbia, 24 pela Mascot e 15 por outras companhias.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial, o gosto do público foi mudando, advieram dificuldades econômicas e a concorrência da televisão e, em 1949, a Universal parou de produzí-los, deixando o mercado para a Republic e a Columbia (que a esta altura já havia incorporado a Mascot), persistindo ambas em funcionamento até 1956.

O ator mais lembrado pelos fãs nostálgicos dos serials foi Buster Crabbe (1908-1983), que chegou a ser chamado de “O Rei dos Seriados”.

 

Nascido em Oakland, Califórnia, Clarence Linden Crabbe foi criado no Havaí e mais tarde voltou para os EUA, ingressando na Universidade, para seguir o curso de Direito. Lá transformou-se no campeão olímpico de 1932 (Crabbe bateu o recorde de 400 metros, nado livre, vencendo o francês Jean Taris, favorito da prova, por 1/10 de segundo) e começou a trabalhar em espetáculos em piscinas denominados acquacades.

Ainda nesse tempo, arrumou emprego no cinema como figurante e dublê (foi ele quem substituiu Joel McCrea nas cenas arriscadas de Zaroff, o Caçador de Vidas / The Most Dangerous Game / 1932) e se apresentou depois à MGM, a fim de ser testado para o papel de Tarzan; mas o estúdio preferiu Johnny Weissmuller.

A Paramount acabou contratando Crabbe para encarnar Kaspas, o Homem-Leão / King of the Jungle / 1935 e, no mesmo ano, ele aceitou fazer para a Principal Pictures o seu primeiro seriado, Tarzan, o Destemido / Tarzan, the Fearless. Crabbe fez alguns filmes de segunda categoria até 1936, quando se tornou o ator principal de Flash Gordon / Flash Gordon.

O seriado com o célebre personagem dos quadrinhos teve duas continuações, Flash Gordon no Planeta Marte / Flash Gordon’s Trip to Mars / 1938 e Flash Gordon Conquistando o Mundo / Flash Gordon Conquers the Universe / 1940, ambas com Crabbe, que viveu ainda outras figuras dos comics como Red Barry / Red Barry / 1938 e Buck Rogers / Buck Rogers / 1939.

 

Nos anos seguintes, o simpático ator encabeçou os elencos de faroestes de orçamento reduzido entre eles duas séries da PRC, Billy the Kid (13 filmes) e Billy Carson (22 filmes) e dos seriados O Terror dos Mares / The Sea Hound / 1947, Piratas do Alto-Mar / Pirates of the High Seas / 1950 e Os Mistérios da África / King of the Congo / 1952.

Talvez tenha sido Flash Gordon o mais famoso seriado de todos os tempos. Impressionados com o sucesso da história em quadrinhos de Alex Raymond, cuja publicação no jornal começara em 1934, os chefões da Universal resolveram filmá-la em 13 episódios, pondo à disposição do produtor Henry McRae um orçamento de um milhão de dólares, soma espantosa, levando-se em conta a época e a espécie de filme que ia ser feito.

 

Para reconstituir economicamente a estranha paisagem do Planeta Mongo, tal como ilustrada pelo excelente desenhista, o estúdio apelou para o seu próprio Departamento de Adereços, utilizando em Flash Gordon muitos cenários e objetos de filmes anteriores como Frankenstein / Frankenstein / 1931, A Múmia / The Mummy / 1932 e O Poder Invisível / The Invisible Ray / 1936 e retirando do arquivo sequências de filmes mudos como O Sol da Meia-Noite / The Midnight Sun / 1927.

Na seleção da música também houve poupança, tendo sido aproveitados partes de trilhas sonoras de filmes de horror produzidas anteriormente como O Homem Invisível / Invisible Man / 1933, O Lobishomem de Londres / Werewolf of London / 1935, A Noiva de Frankenstein / Bride of Frankenstein / 1935, etc. às quais adicionaram música de Tchaikovski. para o balé “Romeu e Julieta”.

Curiosamente, estas composições, feitas para transmitir terror, melodrama ou romance, funcionaram muito bem como pano de fundo para lutas de espada e perseguições de foguetes tanto que nas continuações prosseguiram usando musical scorings de filmes antigos da companhia.

Conseguiu-se mais economia ao filmar-se a maioria das cenas de Flash Gordon em interiores ou nos terrenos da Universal com exceção de algumas locações distantes no Bronson Canyon, área cheia de paredões rochosos e cavernas, ideal para reconstituir o pré-histórico panorama de Mongo.

Flash Gordon

Os roteiristas Frederik Stephani (que acumulou a função de diretor), George Plymptin, Basil Dickey e Ella O’Neill inspiraram-se nos textos de Alex Raymond, procurando seguí-los o mais fielmente possível e os vestuários foram confeccionados meticulosamente pela Hollywood Western Costume Company.

Nas cenas de briga atuou o stuntman Eddie Parker e, no elenco, Buster Crabbe / Flash Gordon; Jean Rogers / Dale Evans; Frank Shannon / Dr. Zarkov; Charles Middleton / Ming; Priscilla Lawson / Princesa Aura); Richard Alexander / Príncipe Barin, John “Tiny” Lipson / Vultan; Duke York Jr./ Kala; James Pierce / Príncipe Thun, o Homem-Leão; Glenn Strange / Homem-Dinossauro e Ray “Crash” Corrigan oculto sob a fantasia de um oragotango peludo, sem dizer palavra.

No decorrer dos anos houve outras versões de Flash Gordon no cinema, no rádio e na TV. Infelizmente, em todas elas, faltou a presença de Buster Crabbe, um dos poucos atores que parecia mesmo um herói do gibi.

Outra cena de Flash Gordon

ANITA PAGE

Na minha vida de fã de cinema não tenho feito outra coisa senão procurar filmes dos anos 20 a 50, que ainda não conheço, pois me interesso sobretudo pelo cinema clássico dos Estados Unidos, França e Inglaterra. Tendo nascido em 1938 e depois com a ajuda do dvd, de muitos amigos e colecionadores daquí e do estrangeiro, conseguí ver boa parte da produção americana, francesa e inglesa daquela época. Porém a todo momento surge mais uma obra que não tinha assistido.

Anita Page

Meses atrás recebí cinco desses filmes: Enquanto a Cidade Dorme / While the City Sleeps / 1928 (Dir: Jack Conway), Asas Gloriosas / Flying Fleet / 1929 (Dir: George Hill), Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930 (Dir: Edgar Selwyn), Injustiça / Night Court / 1932 (Dir: W.S.Van Dyke) e Almas de Arranha-Céus / Skyscraper Souls / 1932 (Dir: Edgar Selwyn). Na mesma ocasião, chegou Broadway Melody / Broadway Melody / 1929 (Dir: Harry Beaumont) em ótima cópia apresentada pela Warner.

Por coincidência, todos esses filmes, dos quais gostei muito, eram com Anita Page, a estrelinha loura de olhos azuis que brilhou em Hollywood nos primeiros anos do Cinema Falado.

Nessa época Anita estava recebendo dez mil cartas de fãs por semana, perdendo apenas para Greta Garbo em popularidade epistolar – um admirador particularmente obsessivo era Benito Mussolini, que lhe mandara diversas propostas de casamento. O compositor Nacio Herb Brown, marido de Anita por alguns meses em 1934, dedicou-lhe a canção “You Were Meant For Me”, que foi cantada para ela por Conrad Nagel em Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929 / 1929.

De descendência espanhola, Anita Evelyn Pomares (1910-2008) nasceu em Flushing, Nova York, filha de um engenheiro eletricista. A estrela do cinema silencioso Betty Bronson era vizinha da família e Anita fez sua estréia como figurante em um filme de Bronson, Os Mil Beijos da Cinderella / A Kiss for Cinderella / 1926.

Posteriormente, Anita estudou dança com Martha Graham e trabalhou como modelo, antes de ingressar numa companhia de cinema independente de propriedade de Harry T. Thaw, o magnata que havia sido réu numa famosa ação criminal, vinte anos atrás, quando ele matou o amante de sua esposa, a corista Evelyn Nesbitt. Anita viajou com Thaw e sua companhia para Hollywood, mas o filme que fizeram nunca foi lançado.

Anita Page e William Haines em O Turuna da Marinha

Anita Page e Ramon Novarro em Asas Gloriosas

Anita voltou para Nova York e, com a ajuda de Bronson, conseguiu que suas fotografias fossem vistas pelos principais agentes de Hollywood. A MGM deu-lhe um contrato e o nome de Anita Page. Seu primeiro sucesso foi ao lado de William Haines (Dom Piratão / Telling the World / 1928) com quem estaria de novo em O Turuna da Marinha / Navy Blues / 1929. Pelo comentário do resenhista da revista Cinearte a respeito de Dom Piratão percebemos que Anita já começou abafando: “William Haines teve a mais encantadora heroína do mundo – Anita Page, que estreou neste filme”.

No seu próximo compromisso, Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928, um dos três filmes nos quais contracenou com Joan Crawford, Anita chamou a atenção como a garota que rouba o namorado de Joan. Este desempenho fez com que o estúdio a colocasse ao lado de dois de seus maiores astros, Lon Chaney em Enquanto a Cidade Dorme e Ramon Novarro em Asas Gloriosas. Enquanto a Cidade Dorme trouxe Lon Chaney de “cara limpa” como um detetive irlandês veterano da polícia que protege uma jovem (Anita Page) envolvida com gângsteres; Asas Gloriosas, gira em torno de dois amigos, pilotos da Aviação Naval (Ramon Novarro, Ralph Graves), que se apaixonam pela mesma garota (Anita Page), ocorrendo a rivalidade entre ambos. No primeiro filme, Anita causou o seu primeiro grande impacto na tela, situando-se no mesmo plano que Chaney em termos de interpretação. No segundo, apenas mostrou sua beleza e graciosidade, pois o verdadeiro trunfo do espetáculo eram as impressionantes seqüências de fotografia aérea.

Lon Chaney e Anita Page em Enquanto a Cidade Dorme

Dorothy Sebastian, Joan Crawford e Anita Page em Garotas Modernas

Seu papel em Broadway Melody como Queenie, cujo número de vaudeville com a irmã (Bessie Love) é ameaçado quando ambas se apaixonam pelo mesmo homem, é o mais lembrado pelo público. Este filme, o primeiro falado exibido no Brasil, foi uma surpresa agradável, pois eu esperava um daqueles musicais chatérrimos do início do som.

Bessie Love e Anita Page em Broadway Melody

Anita esteve com Joan Crawford novamente em Donzelas de Hoje / Our Modern Maidens / 1929 e Noivas Ingênuas / Our Blushing Brides / 1930; com Buster Keaton em O Jeca de Hollywood / Free and Easy / 1930 e Ruas de Nova York / Sidewalks of New York / 1931; com John Gilbert em O Destino de um Cavalheiro / Gentleman’s Fate / 1931; com Robert Montgomery em Tentação do Luxo / The Easiest Way / 1931, etc. Em seguida a MGM começou a emprestá-la para companhias de porte menor como a Universal e a Columbia e outras ainda mais modestas como Invincible ou Chesterfield, retendo-a apenas para filmes que eles chamavam de programmers (produções de orçamento médio que podiam substituir tanto um filme A como um filme B na programação dos cinemas).

Anita participou de três ótimos programmers, que estão entre esses que eu recebi: Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930, Injustiça / Night Court / 1932 e Almas de Arranha-Céus / 1932.

Warren William e Maureen O' Sullivan em Almas de Arranha-Céus

Enfermeiras de Guerra e Almas de Arranha-Céus revelaram um diretor até então desconhecido por mim, Edgar Selwyn. O primeiro filme ilustra os horrores da Primeira Guerra Mundial, celebrando as enfermeiras militares. Anita tem um desempenho louvável como a enfermeira inocente que se entrega a um aviador e depois sofre uma amarga desilusão. O segundo é um pre code (filme realizado antes da criação do Código de Auto-Censura de Hollywood) com múltiplas tramas bastante ousadas, que se entrecruzam harmoniosamente num gigantesco arranha-céu. Alí, Dave Dwight, empresário astuto e sem escrupúlos (interpretado admiravelmente por Warren William) manipula a cotação das ações e trai suas amantes na ambição de controlar o edifício de cem andares. Anita é Jennie LeGrande, uma garota que dorme com qualquer homem por dinheiro, um papel pequeno, pois a atriz principal é Maureen O’ Sullivan.

Fiquei tão entusiasmado com Edgar Selwyn, que recorrí logo aos meus fornecedores e eles me mandaram: O Pecado de Madelon Claudet / The Sin of Madelon Claudet / 1931, Lição ao Mundo / Men Must Fight / 1933, Voltando ao Passado / Turn Back the Clock / 1933, Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933 e O Mistério de Mr. X / The Mystery of Mr. X / 1934, todos aprovados com louvor por este insaciável amante de cinema que lhes fala. Com esses filmes preenchí uma lacuna na minha educação cinematográfica.

Injustiça, outro pre code, mostra um juiz corrupto (Walter Huston) que manda prender por prostituição a mulher (Anita Page) de um chofer de taxi (Phillips Holmes), porque ela acidentalmente tivera acesso ao extrato bancário do magistrado. O juiz depois manda seqüestrar o chofer, até que acontece um final surpreendente, muito bem armado pelo competente W.S. Van Dyke.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Quando seu contrato expirou em 1933, Anita anunciou seu afastamento das câmeras aos 23 anos de idade. Numa entrevista concedida anos depois ao autor Scott Feinberg, Anita admitiu que a verdadeira causa de sua “aposentadoria” foi o assédio que sofreu por parte de Irving Thalberg. Indignado pela recusa de Anita em ceder aos seus avanços, Thalberg, apoiado por Louis B. Mayer, convenceu os chefes dos outros estúdios a fechar suas portas para a atriz.

Em 1937 Anita casou-se com um oficial da Marinha, Herschel House e só voltaria às telas em 1996, aparecendo em filmes de horror de baixa qualidade. Ela estaria em dificuldades financeiras aos 86 anos de idade ou teve saudade dos seus dias de glória?

OS WESTERNS DE ANTHONY MANN

Conservando personagens e situações clássicas do western e dando-lhes um enfoque “adulto”, Anthony Mann manteve a integridade do gênero e, ao mesmo tempo, revitalizou-o. Foi no western que, unindo temas, estrutura e estilo, produziu suas obras mais pessoais.

Os cinco filmes que fez com James Stewart (Winchester 73 / Winchester 73 / 1950, E o Sangue Semeou a Terra / Bend of the River / 1952, O Preço de um Homem / The Naked Spur / 1953, Região do Ódio / The Far Country / 1954, Um Certo Capitão Lockhart / The Man from Laramie / 1955), criaram um novo tipo de herói que é um personagem próximo do mito e da tragédia grega e está, igualmente, no centro de outros grandes westerns de Mann (O Caminho do Diabo / Devil’s Doorway / 1950, Almas em Fúria / The Furies / 1950, O Tirano da Fronteira / The Last Frontier / 1956, O Homem dos Olhos Frios / The Tin Star / 1957 e O Homem do Oeste / Man of the West / 1958. É um sujeito comum, vulnerável, obcecado pelo passado e pelo desejo de vingança ou de redenção, cujo código moral não está de acordo com a sociedade. Apresenta geralmente muita similaridade com o vilão que vem a ser um reflexo dele mesmo. Tem a consciência de que vive num mundo violento e precisa preparar-se para enfrentá-lo. Não se deixa dominar pelos outros. Age com forte determinação e coragem, vencendo tremendos obstáculos – longas distâncias a serem percorridas, ambientes hostís, isolamento, os mais dilacerantes sentimentos físicos – , para conseguir atingir seus objetivos.

Outras características dos westerns de Mann são a simplicidade e a sensibilidade visual, aprendidas com um mestre inigualável. “O diretor que mais tenho estudado – meu diretor favorito – é John Ford. Em um só plano ele apresenta, mais rápido do que qualquer outro, o ambiente, o conteúdo, o personagem; Ford tem a maior concepção visual das coisas e eu acredito nisso. O choque de um só pequeno plano que possa fazer-nos entrever toda uma vida, todo um mundo, é muito mais importante do que o mais brilhante dos diálogos”.

Dentro deste conceito, a paisagem desempenha um papel crucial na obra de Mann, sendo sempre captada pelo cineasta, com alma de arquiteto ou geômetra, em magníficas composições plásticas. Ele sabe dar aos suntuosos panoramas um tratamento funcional, mantendo constante relação dramática entre exteriores e personagens. Como disse um crítico francês, a natureza em Mann é o contraponto das aventuras humanas.

Tal como em Flechas de Fogo / Broken Arrow / 1950, realizado por Delmer Daves no mesmo ano, porém lançado antes, O Caminho do Diabo foi corajosamente favorável à causa indígena, numa época em que era difícil assumir esta atitude no Cinema americano. Lance Poole (Robert Taylor), pele-vermelha da tribo soshone, condecorado por bravura durante a Guerra Civil, retorna à terra natal no Wyoming, onde enfrenta o ódio e a discriminação. Instigados por um oportunista (Louis Calhern), criadores de ovelhas pretendem desalojá-lo do seu rancho de criação de gado, travando-se uma luta feroz, ao fim da qual o índio, mortalmente ferido, se entrega às forças da cavalaria, convocadas para impor a ordem. Além da denúncia à injustiça social e ao preconceito, evidente inclusive no relacionamento do protagonista com uma advogada (Paula Raymond), há o conflito de identidade refletido nos trajes híbridos que ele usa. Todos esses aspectos foram expostos sem subterfúgios.

Apesar da intriga ser de fundo realista e transcorrer na maior parte em exteriores, Anthony Mann optou pelo estilo visual noir com composições – o funeral do velho chefe numa gruta iluminada pelos clarões das tochas, os enquadramentos na cena da provocação contra os índios no saloon – cuidadosamente preparadas numa fotografia contrastada.

A interpretação sóbria e eficicente de Robert Taylor, acentuando o caráter humano do personagem, a vivacidade das cenas de batalha – os índios atacando do alto das montanhas, arremessando bastões de dinamite nos toldos das carroças e pulando selvagemente dos cavalos para as costas dos adversários enquanto o rebanho é atropelado pelas explosões – são outros traços distintivos da obra de estréia do cineasta, no gênero com o qual sentiu, desde logo, a maior afinidade.

Almas em Fúria é um western freudiano sobre as relações entre a heroína, Vance Jeffords (Bárbara Stanwyck) e seu pai, T.C. Jeffords (Walter Huston), latifundiário do Novo México. Ao ser expulsa de casa, após ter desfigurado com uma tesoura o rosto da madrasta (Judith Anderson), que viera usurpar o lugar de Vance na imensa propriedade – simbolicamente denominada “As Fúrias” -, ela procura refúgio junto a um amigo de infância mexicano (Gilbert Roland); porém o pai cerca o reduto onde ele vive com a mãe e os irmãos e manda enforcar o rapaz. A filha jura então tomar a fazenda do velho, o que consegue, com a ajuda de um antigo pretendente, Rip Darrow (Wendell Corey), também interessado na vingança, por outros motivos. Reconhecendo a derrota, o pai faz as pazes com a filha, mas vem a ser morto pela mãe (Blanche Yurka), cuja morte havia ordenado.

A complexidade do roteiro, desenvolvido de modo fragmentário e indisciplinado, faz o filme parecer mais longo do que realmente é, porém Mann mantém a atmosfera dramática durante todo o desenrolar da narrativa. A tensão é realçada nos momentos de agressão à madrasta e do tiroteio no cerco à família dos mexicanos no alto do morro, fotografada com contrastes de claro-escuro e efeitos de silhueta. Mann teve um grande apoio do elenco, todo ele irrepreensível, destacando-se Walter Huston e Bárbara Stanwyck pela maior intensidade dos respectivos papéis, sendo particularmente notáveis as cenas íntimas entre ambos, quando se manifesta o complexo de Electra que domina a heroína.

Walter Huston e Barbara Stanwyck em Almas em Fúria

Winchester 73 começa no dia 4 de julho de 1873, em Dodge City. Lin MacAdam (James Stewart) encontra finalmente Dutch Henry (Stephen McNally), que vinha perseguindo há algum tempo. Porém, como o xerife local, o famoso Wyatt Earp (Will Geer) confisca todas as armas, o acerto de contas fica para uma outra oportunidade. Lin e Dutch participam de um concurso de tiro, cujo prêmio é uma Winchester 73, o fuzil mais aperfeiçoado da época, muito cobiçado no Oeste. Lin ganha a disputa, mas Dutch rouba-lhe a carabina e foge da cidade. Lin e o amigo High Spade (Millard Mitchell) vão atrás de Dutch, enquanto a Winchester passa sucessivamente de suas mãos para as de um traficante, Joe Lamont (John McIntire), um chefe indígena, Young Bull (Rock Hudson), um covarde, Steve Miller (Charles Drake) e um assaltante de bancos, Waco Johnny (Dan Duryea), voltando depois à posse de Dutch. Lin alcança Dutch e os dois se defrontam num duelo, revelando-se então que eram irmãos e Dutch havia matado o pai. A trama episódica e circular reúne, com virulência e autenticidade, todos os tipos tradicionais do gênero, ligando o destino dos numerosos participantes do drama e ensejando uma meditação sobre a violência – as pessoas que se apoderam da carabina de alto poder de destruição morrem, porque só a desejavam para matar. A violência é acentuada ainda pelo caráter trágico da relação familiar entre vilão e herói. Aquí, como em vários outros westerns de Mann, encontra-se um indivíduo amargurado e raivoso, movido pelo ódio.

Além do admirável plano-sequência inicial, destacam-se as cenas do torneio de tiro, do roubo da arma por Dutch e seus capangas, da morte de Joe Lamont escondido pelo gesto de Young Bull que se coloca diante da lua, do ataque dos índios, da primeira aparição de Waco Johnny e do tiroteio final na montanha rochosa, todas as imagens compostas com uma admirável perspicácia visual.

Anthony Mann e James Stewart na filmagem

James Stewart na cena do concurso de tiro em Winchester 73

No decorrer de E o Sangue Semeou a Terra, Glynn McLintock (James Stewart), guia de uma caravana de pioneiros, salva Emerson Cole (Arthur Kennedy) de ser enforcado como ladrão de cavalos, estabelecendo-se entre os dois uma estima recíproca. Glynn já havia passado por situação semelhante e, apesar de suas suspeitas, espera que Cole, como ele próprio, se regenere. Após um ataque de índios, o comboio alcança a primeira etapa, Portland, onde os colonos compram víveres que deverão ser entregues mais tarde.Um grupo de mineradores oferece cem mil dólares pelos mantimentos, mas Glynn respeita o direto dos colonos que, sem alimentação, não poderão suportar os rigores do inverno. Entretanto, Cole cede à tentação do dinheiro, desarma Glynn, deixando-o desamparado nas montanhas, e leva o carregamento. Enfrentando as maiores dificuldades, Glynn consegue seguir Cole a distância e, no momento propício, ataca-o, sucedendo uma feroz luta corpo a corpo às margens de um rio caudaloso.

Arthur Kennedy e James Stewart em E o Sangue Semeou a Terra
O roteiro entrelaça a aventura interior da busca de Glynn por uma nova identidade como um homem de bem – expondo o confronto entre sua honestidade resoluta e o cinismo realista de Cole – com o esforço épico dos pioneiros para chegarem até o local, onde se implantará a colônia agrícola, explicitando-se o tema do dever para com a coletividade. Mann acentua primeiro a afinidade dos caracteres de Glynn e Cole e depois os coloca em choque; Glynn quer rejeitar o passado compartilhado com Cole e vislumbra-se a “estrutura da ressonância” entre herói e vilão, fundamental na filmografia do diretor.

A ação transcorre quase que exclusivamente nos deslumbrantes cenários perto do rio Columbia e do monte Hood, no Oregon, fotografados com lirismo virgiliano. O ritmo da narrativa acompanha o deslocamento da longa fila das carroças e do rebanho através do amplo panorama , sendo porém continuamente avivado por cenas empolgantes, entre elas, a saída dos três companheiros do saloon (o terceiro, um jogador, interpretado por Rock Hudson) com as armas em punho e a expedição noturna de Glynn e Cole, com as facas nos dentes para atacar os índios, ambas admiravelmente dirigidas.

O Preço de um Homem inicia-se quando, disfarçado de xerife, Howard Kemp (James Stewart) caça o fora-da-lei Ben Vandergroat (Robert Ryan), visando a recompensa de cinco mil dólares, estipulada para a captura do bandido. Com o dinheiro, pretende reaver o rancho, do qual fora destituído por ocasião da Guerra Civil. Entretanto, é obrigado a aceitar a ajuda de Jesse Tate (Millard Mitchell), um velho garimpeiro e de Roy Anderson (Ralph Meeker), ex-militar de moralidade duvidosa, também interessado no prêmio. Os três conseguem prender Ben, que se refugiara no alto de um penhasco, na companhia de uma jovem órfã, Lina (Janet Leigh), filha de um ex-companheiro de assaltos. Durante a viagem até a cidade, semeada de incidentes, o malfeitor incita uma guerra de nervos entre seus guardiães, servindo-se de Lina para distrair a atenção de Kemp. Após uma tentativa frustrada de fuga, Bem convence Tate a soltá-lo, com a promessa de indicar-lhe o local de uma mina de ouro, mas, assim que se vê livre, mata-o sem piedade. Em seguida, Bem arma uma cilada para Kemp e Roy; porém, graças a Lina, que compreendera enfim o verdadeiro caráter do amigo, o plano fracassa. Abatido por Kemp, o corpo de Ben cai nas correntezas de um rio e, pensando na recompensa, Roy tenta resgatar o cadáver, sendo tragado pelas águas turbulentas. Kemp resgata o corpo, mas, diante das súplicas de Lina, o abandona. Com o apoio e o amor da jovem, constituirá uma nova vida, sem recorrer àquele dinheiro, causa de tantos crimes.

Robert Ryan, James Stewart, Janet Leigh, Millard Mitchell e Ralph Meeker  em O Preço de um Homem

O filme possui a simplicidade e o rigor de uma obra clássica, com a ação única passada num tempo e lugar determinados. Apenas cinco personagens, cujas relações e sentimentos são analisados diante dos exteriores do Colorado, magistralmente fotografados. É uma tragédia clássica em plena natureza e, ao mesmo tempo, um penetrante estudo da ambição humana, na qual estão presentes: a tendência usual do diretor de integrar o meio com os conflitos dos personagens e o tema, também recorrente, dos “irmãos inimigos” – Ben é oriundo da mesma cidade de Kemp, embora este se esforce por afastar qualquer familiaridade entre ambos – tratado pela primeira vez em Winchester 73.

No desfecho eletrizante, Kemp e Roy lutam à beira de uma correnteza, com o barulho dos golpes abafado pelo da água, cuja presença metafórica o enquadramento em câmera alta lembra constantemente. Só esta imagem bastaria para definir o estilo e pensamento de Mann, que procura sempre situar o transbordamento das paixões no esplendor sereno de um cenário natural.

Região do Ódio tem como personagens centrais o vaqueiro Jeff Webster (James Stewart) e o amigo Ben Tatum (Walter Brennan). Eles chegam com seu gado a Skagway, no Alasca, onde têm uma rixa com o “juiz” Gannon (John McIntire), que os manda prender e lhes confisca o rebanho. Pela intervenção de uma dona de saloon, Ronda Castle (Ruth Roman), os dois são libertados e, sem dinheiro, aceitam servir como guia no comboio de Ronda até Dawson, onde ela pretende abrir um novo estabelecimento. No meio do percurso, Jeff e Ben voltam a Skagway, recuperam o gado e, já em Dawson, resolvem explorar uma concessão aurífera para, com o lucro, adquirirem uma fazenda no Utah. Porém Gannon e seus asseclas vão atrapalhar os planos dos dois amigos.

Transferindo a ação do oeste americano para o Alasca, Mann expõe a dinâmica interação dos conceitos de individualismo e responsabilidade social. Obediente apenas à própria moral, Jeff a princípio não quer se envolver com os problemas dos outros e só saca do revólver ao ser pessoalmente atingido; porém, no final, compreende o valor da amizade sincera e elimina Gannon – num lance de grande astúcia – em favor da comunidade.

Fotografado com técnica apurada, no território nevado do Yukon, o filme explora mais uma vez, de maneira dialética, os personagens e a natureza grandiosa, fazendo-nos lembrar de um trecho da análise percuciente de André Bazin a respeito do senso do espaço natural por parte do diretor: “Na maioria dos westerns, e mesmo nos melhores, como os de Ford, por exemplo, a paisagem é um quadro expressionista, onde vêm se inscrever as trajetórias humanas. Em Anthony Mann é um meio.O próprio ar não se separa da terra e da água. Como Cézannne, que queria pintar o espaço aéreo, Anthony Mann faz com que a gente o sinta, não como um espaço geométrico, um vazio de horizonte a horizonte, mas como uma qualidade concreta do espaço. Quando a câmera faz um panorama, ela respira.”

Filmagem de Região do Ódio
Um Certo Capitão Lockhart apresenta um novo herói taciturno com ânsia implacável de vingança. O Capitão Will Lockhart (James Stewart) sai de Forte Laramie e chega a Coronado, em busca do responsável pela venda de armas aos apaches que massacraram seu irmão. Ali, entra em conflito com Alec Waggonman (Donald Crisp), poderoso proprietário de terras que, prestes a ficar completamente cego, pensa em dividir o imenso domínio territorial entre o filho legítimo, Dave (Alex Nicol), rapaz arrogante e impulsivo, e o filho de criação, Vic Hansbro (Arthur Kennedy) capataz da fazenda, encarregado de conter as desordens do “irmão”. Com a ajuda de Kate Canaday (Aline MacMahon), vizinha e rival de Alec, e após sofrer muita violência, Lockhart descobre o homem que procurava, ensejando os momentos culminantes no alto de uma colina.

Cathy O' Donnell e James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

A figura trágica do velho, de inspiração shakespereana, pois a analogia com o Rei Lear é evidente – Alec, cego, pensando em repartir o império, não percebe que é o filho adotivo quem mais o ama e pratica atos insensatos, provocando sua própria queda – dá enorme dramaticidade ao filme, que apresenta, sob o plano formal, uma inteligente utilização do CinemaScope.

Mann contradiz todas as hipóteses pessimistas levantadas por ocasião do advento deste formato, tais como a impossibilidade dos primeiros planos, a dificuldade dos movimentos de câmera e a morte da montagem. A seqüência brutal nas salinas, por exemplo, mostra os planos bem próximos do rosto de Lockhart, capturado no laço e arrastado por sobre as cinzas da fogueira, intercalado naturalmente com outras tomadas mais gerais. Todos os enquadramentos são sabiamente construídos, como, na cena do enterro, o desenho de um imenso triângulo, cujo vértice é constituído pela cabeça do assassino e, depois do funeral, a silhueta negra do ancião desesperado, que dá tiros a esmo.

Alex Nicol e James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

Em O Tirano da Fronteira, três caçadores, Jed Cooper (Victor Mature), Gus Gus (James Whitmore) e Mungo (Pat Hogan), roubados pelos índios, não têm outra alternativa senão a de servirem de batedores de uma guarnição do exército. Jed não se adapta á disciplina, nem aceita as intenções do novo comandante, Frank Marston (Robert Preston), militar ambicioso e arrivista que fora destacado para um forte tão distante por ter sacrificado inutilmente seus homens num combate durante a Guerra de Secessão. Com a idéia fixa da necessidade de uma vitória extraordinária, Marston não hesita em repetir o fato leviano, ordenando um ataque louco contra os índios que Jed em vão tenta impedir. Marston é um dos primeiros a morrer, mas Jed consegue salvar o resto da tropa.

Robert Preston, Victor Mature, Guy Madison e James Whitmore em O Tirano da Fronteira

Western rousseauniano, inspirando-se no episódio histórico, desmitificado, do General Custer, ao sublinhar a obstinação do comandante, tem como tema a crítica da civilização feita por um selvagem. Jed percebe logo que todos odeiam Marston, mas, quando resolve matá-lo, surpreende-se com o fato de que sua decisão encontrara a maior reprovação. Este homem primitivo e pitoresco – que oferece trutas à esposa (Anne Bancroft) do Coronel, para lhe provar a afeição – é um personagem original e recebeu de Victor Mature uma interpretação primorosa. Cada plano do filme parece ter sido minuciosamente trabalhado com vistas à tela larga e os movimentos de câmera, principalmente os de grua, atingem uma eficácia ophulsiana e suscitam uma real emoção estética.

No relato de O Homem dos Olhos Frios, Morg Hickmann (Henry Fonda), ex-homem da lei que, ressentido contra a sociedade por causa de um acontecimento no passado, se torna caçador de recompensas, trazendo para o xerife Ben Owens (Anthony Perkins) o corpo de um bandido e cobrando a recompensa. Ben é novato no ofício e, depois que Hickmann o tira de encrencas, os dois ficam amigos. O homem mais velho e experiente passa então a atuar como professor e conselheiro do rapaz, até que este adquire a confiança necessária para exercitar seu trabalho, dominando sozinho Bart Bogardus (Neville Brand), o maior desordeiro da cidade. Ao orientar o Xerife principiante, Hickmann se reeduca e a sua lassidão se transforma em ardor. Ben lhe permite recuperar o gosto de ser aquilo que era.

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Anthony Perkins e Henry Fonda em O Homem dos Olhos Frios

ais na caracterização dos personagens de Hickmann e Ben e na influência mútua entre os dois, Mann não se preocupa tanto com a paisagem, que é bastante rara, seca e árida, quase desolada, assim como a sua direção é a mais despojada possível. O que não impede de nascerem cenas excitantes como o assalto à diligência, o assassinato do médico (John McIntire) – descoberto morto dentro da charrete quando todos se preparavam para homenageá-lo -, a captura dos dois malfeitores (Lee Van Cleef, Peter Baldwyn) e a turba agitada por Borgadus querendo linchá-los, todas cenas forjadas com notável intuição cinematográfica.

O Homem do Oeste, último grande western de Anthony Mann, é uma súmula dos temas prediletos do diretor. Em Crosscut, Link Jones (Gary Cooper), é um aparentemente ingênuo e tímido fazendeiro, que toma o trem para Fort Worth, com a incumbência de contratar uma professora para a comunidade em que vive com a família. Descobrindo sua missão, o vigarista Sam Beasley (Arthur O’ Connell) planeja um golpe, apresentando-lhe uma cantora de saloon, Billie Ellis (Julie London) como professora. Entretanto, o trem é roubado e os três acabam caindo nas mãos dos bandidos, cujo líder, Dock Tobin (Lee J. Cobb), vem a ser tio de Link, que havia sido membro da quadrilha. Fazendo o tio pensar que voltara para prosseguir na via do crime, na qual o velho o introduzira, Link vai aos poucos eliminando cada um dos bandidos. Até o climax, surgem vários incidentes violentos, entre eles a morte de Sam e dois stripteases antológicos: um, da mulher, forçada a tirar a roupa na frente dos bandidos e de Link, imobilizado pela faca que um deles lhe aperta na garganta; outro, masculino, quando Link, para vingar a humilhação de Billie, espanca duramente o degenerado que a obrigara a despir-se e depois começa a arrancar, peça por peça, as vestes do adversário.

Gary Cooper em O Homem do Oeste

Todo o esforço do herói é para manter a condição humana que conquistou ao regenerar-se. Sabe que não pode se deixar corromper pelas forças do mal, encarnado pelo patriarca demente e, para se desprender de suas raízes, Link tem que matar “o pai” e os “primos”, usando os métodos cruéis que aprendera com eles. O próprio Tobin compreende que seu tempo já passou -daí o símbolo da cidade fantasma – e incita Link a executá-lo, estuprando a mulher que pensa pertencer ao sobrinho.
Como Cimarron / Cimarron / 1960 não é rigorosamente um western e sofreu várias mutilações, podemos dizer que, com esta obra-síntese, Anthony Mann encerrou sua trajetória no gênero, no qual se tornou, com a colaboração de excelentes roteiristas, um dos realizadores mais expressivos.

A ÉPOCA DE OURO DO CINEMA MEXICANO

A época de ouro do Cinema Mexicano coincidiu com as administrações de Lázaro Cardenas (1934-1940), Manuel Ávila Camacho (1940-1946) e Miguel Alemán Valdés (1946-1952) e estava relacionada a um crescimento econômico e prosperidade sem precedentes no país.

Pedro Armendáriz e Dolores del Rio em Flor Silvestre

Outro fator que contribuiu para esse período de lucro e produtividade foram os benefícios do alinhamento do México com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial em virtude do afundamento de navios petroleiros mexicanos pelos alemães. Os americanos ajudaram a nação vizinha a incentivar a indústria do cinema, fazendo empréstimos ou investimento direto, fornecendo-lhe filme virgem, equipamentos e assessoramento técnico a um bom preço.

Graças a essa ajuda americana (que foi negada por motivos políticos às indústrias de cinema da Espanha e da Argentina) a indústria de cinema mexicana tornou-se a maior produtora de filmes de língua espanhola, desafiando significativamente a hegemonia de Hollywood no ramo da exibição pela América Latina, pois a maioria dos filmes americanos realizados entre 1940 e 1945 refletiam um interesse por temas de guerra, alheios ao gosto latino e a. escassa produção européia tampouco representava uma concorrência considerável.

Promoção de Flor Silvestre

Paralelamente, no período do “Cine de Oro”, o governo mexicano se interessou mais pelo cinema, na medida em que era preciso proteger um patrimônio cultural e econômico. Assim, em 1942 foi fundado o Banco Cinematográfico, para facilitar o financiamento da produção de filmes.

A consolidação da indústria de cinema mexicana foi também produto de um star system, cujos atores e atrizes até hoje são reconhecidos internacionalmente como, por exemplo, Maria Felix, Mario Moreno “Cantinflas”, Pedro Armendáriz, Dolores Del Rio e Arturo de Córdova.

3 Pedro Armendáriz e Dolores del Rio em Maria Candelaria

Gabriel Figueroa e Dolores Del Rio

Pedro Armendáriz e Dolores Del Rio em Maria Candelaria

No ano passado, conseguí cópias em dvd de alguns filmes dos “anos dourados” – Flor Silvestre / Flor Silvestre / 1944, Maria Candelária / Maria Candelária / 1944, As Abandonadas / Las Abandonadas / 1945, Coração Torturado / Bugambilia / 1945, Enamorada / Enamorada / 1947, Rio Escondido / Rio Escondido / 1948, Maclovia / Maclovia / 1949, A Malquerida / La Malquerida / 1950 -, que não conhecia porque, quando passaram no Brasil, eu era ainda muito jovem e me interessava mais pelas comédias do Cantinflas. Por coincidência, todos esses filmes foram dirigidos por Emilio Fernández e fotografados por Gabriel Figueroa, os expoentes daquele período glorioso da cinematografia mexicana.

Em 1943, Fernández formou pela primeira vez a equipe com o fotógrafo Figueroa, o roteirista Mauricio Magdaleno e os atores Dolores Del Rio e Pedro Armendáriz. Este grupo de trabalho, depois enriquecido pela presença de Maria Felix, seria o responsável pela maioria dos filmes que deram fama mundial ao cinema mexicano.

Pedro Armendáriz e Dolores Del Rio em As Abandonadas

Fernández, apelidado de “El Índio” por suas raízes indígenas, era um bom diretor, porém foi sem dúvida o extraordinário estilo visual de seu diretor de fotografia Figueroa que mais distinguiu os filmes da dupla. Fernández costumava se vangloriar dizendo: “Só existe um México: aquele que eu inventei” – mas foi a sensibilidade altamente dramática de Figueroa pela terra que engendrou esta invenção.

Sôbre o “estilo Figueroa”, um comentarista mexicano sintetizou-o com perfeição: “ele se impregnou do nacionalismo cultural da época, construindo com um marcado senso plástico um México sublime, onde homens com traje de vaqueiro e mulheres com xales, céus dramáticos, claro-escuros espetaculares e paisagens, nos submergem numa realidade idílica e edificam um país que, sem ser legítimo na sua totalidade, nos outorgou uma identidade”.

Pedro Armendárize Dolores Del Rio em Coração Torturado

A criação do estilo cinematográfico mexicano clássico de Fernandez e Figueroa sofreu influência do cinema de Eisenstein, das aulas de iluminação e composição do diretor de fotografia Gregg Toland – de quem Figueroa foi aluno ao conseguir uma bolsa para estudar em Hollywood – e da obra dos pintores David Alfaro Siqueiros, Diego Rivera e José Clemente Orozco. Figueroa mantinha amizade com os três e admitidamente tomou emprestado elementos pictóricos dos muralistas.

Fernández chamava seus filmes de “autos sacramentais de mexicanidade”. Ele desejava mexicanizar os mexicanos, ou seja, mudar aquela imagem tão divulgada pelo cinema americano de um mexicano preguiçoso, bêbado, sanguinário e sem caráter. Então a figura do indígena, heróico e nobre, completamente distante da realidade em que viviam as comunidades indígenas mexicanas daquele tempo, passou a representar um México mais digno, que poderia ser mostrado ao mundo inteiro com altivez e orgulho.

Maria Felix e Emilio Fernández

Maria Felix e Emilio Fernández

A época de ouro do cinema mexicano atingiu o auge quando Maria Candelária ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes em 1946.

Trágica história de proporções épicas, o filme passa-se pouco antes do início da Revolução Mexicana de 1910 e sua ação se localiza espacialmente em Xochimilco, sítio dos famosos jardins flutuantes, considerados uma obra-prima da engenharia hidráulica do tempo do Império Azteca.

Uma maldição pesa sobre Maria Candelária (Dolores Del Rio), cuja mãe tinha a reputação de ser uma prostituta. Ajudada pelo noivo, Lorenzo (Pedro Armendáriz), ela tenta ganhar a vida vendendo as flores cultivadas no seu jardim. Ambos têm que se defender da hostilidade dos aldeões, que não perdoam a Maria a sua origem. O mais furioso é o comerciante Don Damian (Miguel Inclan), que vive cobrando as dívidas da jovem e não hesita em lhe negar a quinina necessária para curá-la da malária. Lorenzo rouba a quinina e é preso. Maria é forçada a pedir a intervenção de um pintor espanhol, que está de passagem pela aldeia e, em troca de seu auxílio, consente em ter seu rosto retratado por ele; porém o povo pensa ter sido também Maria quem serviu de modelo para o corpo nu representado na tela. Ela é perseguida pela população, que a apedreja diante da prisão onde se encontra Lorenzo.

rio escondido

A maior parte do filme se desenrola em exteriores e neles se situam as suas melhores seqüências: a chegada de Maria no barco coberto de flores, a hostilidade muda dos aldeões, o batismo dos animais e o grande clímax quando a população, carregando tochas acesas persegue Maria através do milharal e finalmente ocorre o linchamento.

Gostei de todos os oito filmes de minha retrospectiva particular, mas foi Maria Candelária o que mais me impressionou.

DOLORES DEL RIO

Dolores Del Rio (1905-1983) foi uma estrela de Hollywood durante o período do cinema silencioso e na fase sonora clássica e, posteriormente, uma atriz importante no Cinema Mexicano.

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Maria de los Dolores Asúnsolo y López Negrete nasceu em Durango, México. Seu pai era banqueiro e perdeu tudo por causa da Revolução Mexicana. Em 1921, com apenas 16 anos, Dolores casou-se com o escritor Jaime Martinez Del Rio, dezoito anos mais velho do que ela. Em 1924 foi descoberta pelo diretor de cinema americano Edwin Carewe que, extasiado pela beleza da jovem, prometeu trabalho para o casal em Hollywood; Dolores como atriz e Jaime como roteirista.

Com o sobrenome do marido, Del Rio, Dolores fez sua estréia em As Melindrosas / Joanna / 1925, dirigido por Carewe. O estrelato veio rápido com Dolores no topo dos créditos de vários filmes de prestígio, destacando-se Sangue por Glória / What Price Glory / 1926, A Dança Rubra / The Red Dance / 1928 e Ouro / Trail of the 98’ / 1928, os dois primeiros realizados por Raoul Walsh e o último por Clarence Brown. Sobre estes eu posso falar, porque tive oportunidade de vê-los.

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Baseado numa peça muito popular de Laurence Stallings e Maxwell Anderson, Sangue por Glória combina maravilhosamente comédia e romance com cenas de guerra, concentrando-se mais na rivalidade de dois fuzileiros navais, sargentos Flagg (Victor Mclaglen) e Quirt (Edmund Lowe), pelo amor de uma campesina francesa chamada Charmaine (Dolores Del Rio).

A Dança Rubra, melodrama tendo como pano de fundo a Revolução Russa, traz Dolores de novo como uma campesina, Tasia, que se torna dançarina e se casa com o Grão Duque (Charles Farrell), que ela deveria assassinar. O filme vale sobretudo pelo trabalho das câmeras sob o comando de Raoul Walsh e pelos cenários estilizados e expressionistas do diretor de arte Ben Carré.

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Para mim, Ouro é o melhor dos três. Tem como tema a epopéia da descoberta do ouro no Klondike em 1898, que atraiu para o Alaska um punhado de caçadores de fortuna de todos os cantos da América, entre eles, Berna (Dolores Del Rio) e seu avô (Cesare Gravina) e o jovem Larry (Ralph Forbes), por quem ela se apaixona.

Clarence Bown conduz a aventura com a devida dimensão épica, criando cenas espetaculares relacionadas com os perigos daquela região gelada. Para a seqüência da tempestade de neve e da travessia do rio caudaloso, quando o filme passou nos cinemas, a tela foi alargada em duas vezes o seu tamanho normal, num sistema intitulado “Fantomscreen”, causando um impacto eletrizante.

Dos sete filmes que Dolores fez com Edwin Carewe, Ressureição / Ressurection / 1927 e Ramona / Ramona / 1928, foram muito elogiados (os comentaristas da revista Cinearte, por exemplo, deram- lhes respectivamente, notas 8 e 9), porém só conheço Evangelina / Evangeline / 1929, que saiu em dvd recentemente. A julgar por Evangelina, Carewe sabia tirar partido das paisagens naturais, compondo quadros de notável valor pictórico e explorar o lindo rosto da atriz nos close-ups.

Em 1928, Dolores se divorciou de Jaime; com ciúmes da esposa, ele foi para a Alemanha e se suicidou. Dois anos depois, ela se casou com Cedric Gibbons, o chefe do Departamento de Arte da MGM.

No cinema falado, os filmes de maior prestígio de Dolores no Brasil foram Ave do Paraíso / Bird of Paradise / 1932 e Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933 (no qual sua personagem chamava-se Belinha de Rezende), sucedendo-se outros cada vez menos importantes, nos quais Dolores era quase sempre relegada a papéis exóticos por causa de seu sotaque latino. Entre esses filmes “menores” eu gostaria de chamar a atenção para dois deles, que pude ver há pouco tempo e que são geralmente esquecidos, inclusive por vários autores de filmografia da atriz: Acusada / Accused / 1936 (Dir: Thornton Freeland) e O Diabo à Solta / Devil’s Playground / 1937 (Dir: Erle C. Kenton).

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dolores del rio, richard dix-- devil's playground

Em Accused, produção inglesa, Tony (Douglas Fairbanks Jr.) e Gaby (Dolores Del Rio) formam uma dupla de dançarinos. Eles fazem um número musical que termina com Gaby atirando uma faca nas costas de Tony; mas ele sai ileso, porque usa um colete de aço. A certa altura da trama, Gaby vem a ser acusada da morte de uma colega do teatro que estava dando em cima de Tony, pois uma de suas facas foi encontrada no local do crime. Enquanto transcorre o julgamento, Tony sai à procura do verdadeiro culpado. Dolores e Fairbanks Jr. esbanjam fotogenia e a narrativa tem a costumeira eficiência britânica.

Em O Diabo à Solta, cujo roteiro foi escrito por Liam O’Flaherty, Jerome Chodorov e Dalton Trumbo, Dolores é Carmen, “mariposa” de um cabaré de Manila, que quase destrói a amizade entre dois mergulhadores da Marinha (Richard Dix, Chester Morris). A história não era novidade, pois tratava-se da refilmagem de Submarino / Submarine, realizado em 1928 por Frank Capra; porém a boa atuação de Dolores no papel de uma jovem vulgar e sedutora e o excitante clímax no submarino garantem a diversão.

Em 1940, Dolores conheceu Orson Welles. Welles apaixonou-se pela bela mexicana e ela se divorciou de Gibbons, vivendo com o grande diretor um romance que durou dois anos. Nessa ocasião, Dolores participou de um filme muito interessante, escrito por Welles e dirigido por Norman Foster, Jornada do Pavor / Journey into Fear / 1943. Este, a meu ver, foi o melhor filme de Dolores nesta fase de sua carreira nos Estados Unidos.

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Dolores Del Rio e Orson Welles

Em 1943, Dolores Del Rio voltou para o México, para se tornar a estrela mais popular de seu país, principalmente numa série de filmes dirigidos por Emilio Fernández e magnificamente fotografados por Gabriel Figueroa, só retornando ocasionalmente a Hollywood (Domínio de Bárbaros / The Fugitive / 1947 (Dir: John Ford); Estrela de Fogo / Flaming Star / 1960 (Dir: Don Siegel), Crepúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964 (Dir: John Ford).

Em 1959, Dolores casou-se com Lewis A. Riley, um empresário teatral americano e em 1978, retirou-se do Cinema, para administrar a sua fortuna.

Dolores era amiga de Marlene Dietrich, que a considerava “a mulher mais bonita de Hollywood”. No tempo do cinema mudo diziam que ela era a “versão feminina de Rudolph Valentino”.

Sua beleza, pode-se dizer, perene foi motivo de muita inveja e especulação. De acordo com todas as informações recolhidas, Dolores nunca recorreu à cirurgia plástica, mantendo a aparência principalmente por meio de uma dieta diligente, inventada por ela mesma, muitas horas de sono e exercícios físicos.

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ALBERTO CAVALCANTI – PERSONALIDADE DO CINEMA MUNDIAL

Na sua longa trajetória artística, de 1923 a 1978, o brasileiro Alberto de Almeida Cavalcanti foi uma personalidade do Cinema Mundial.

Alberto Cavalcanti
Relacionou-se com: a vanguarda francesa na década de vinte; a escola documentarista inglesa nos anos trinta; o impulso da produção comercial britânica nos anos quarenta; e a tentativa industrial em São Bernardo do Campo, nos anos cinquenta. Realizou posteriormente filmes em vários países, adaptando-se sempre muito bem ao meio que freqüentava e formou discípulos em toda parte, além de se dedicar ao Teatro e à Televisão.

Cenógrafo, argumentista, produtor, diretor, especialista na montagem sonoro-visual, experimentador incansável e eclético, exercitou o talento nos mais variados gêneros cinematográficos com homogeneidade de estilo e espírito inovador, alternando-se a tendência realista e a índole fantasista.
Cav, como os colegas ingleses costumavam chamá-lo, nasceu a 6 de fevereiro de 1897 na Rua Marciana, atual Álvaro Ramos, em Botafogo no Rio de Janeiro, filho de Manoel de Almeida Cavalcanti, natural de Palmeira dos Índios, Alagoas e de Ana Olinda do Rego Rangel Cavalcanti, pernambucana de Olinda.

Em 1908, Cavalcanti entrou para o Colégio Militar, saindo no quinto ano para a Faculdade de Direito da Escola Politécnica, onde travou conhecimento com o dramaturgo Roberto Gomes, que o influenciaria bastante. Foi nesse momento que nasceu o amor pelo Teatro, logo seguido do entusiasmo pelo Cinema. “Os dramas dinamarqueses de Asta Nielsen e as comédias de Max Linder me impressionavam tanto que jamais os esqueci”, ele lembrou em certa ocasião para um repórter.
Mas eis que um incidente com o professor de Filosofia do Direito, Nerval de Gouveia, terminou numa greve dos alunos com repercussão por toda a cidade. O pai do rapaz achou conveniente mandá-lo para o exterior, até que tudo tivesse sido esquecido.

Em 1914, Cavalcanti chegou à Suíça e se matriculou na escola Técnica de Friburgo, escolhendo o curso preparatório de Arquitetura. Ainda no mesmo ano foi aprovado no exame de admissão para a escola de Belas-Artes de Genebra.

Diplomado, resolveu assistir às aulas de Deglane na escola de Belas-Artes de Paris, ouvindo depois as lições de estética de Victor Basch na Sorbonne. Em seguida, obteve emprego no escritório do urbanista Alfred Agache que, mais tarde, se ocuparia de projetos de modernização do Rio de Janeiro.
Após ter trabalhado dois anos com Agache, transferiu-se para uma firma de decoração, a Compagnie des Arts Français. Passado algum tempo, tentou ser representante dessa e de outras empresas no Brasil, abrindo um escritório da Rua do Ouvidor.

Os negócios, porém, não corresponderam à expectativa. Com o prestígio do tio, Alberto Rangel, conseguiu um posto no Consulado brasileiro em Liverpool. Antes de embarcar, viu o filme Rose France / 1919 de Marcel L’Herbier e achou que ele bem poderia utilizar um jovem cenógrafo. Escreveu para L’Herbier e, com o apoio do Cônsul Dario Freire, pôde finalmente prestar serviço ao cineasta francês. Dario pediu-lhe que tomasse conta de suas filhas, estudantes na Cidade-Luz. Uma delas, Dido, se casaria com Jean Renoir.

Em 1926, Cavalcanti estreou como diretor em Le Train sans Yeux. Os dois filmes subseqüentes, En Rade e Rien que les Heures, considerados uns dos mais importantes do movimento vanguardista, firmaram-lhe a reputação.

Rien que les heures

Sucederam-se mais alguns trabalhos e, com o advento do cinema falado, foi contratado pela Paramount, fazendo em Saint-Maurice / Joinville, versões de filmes de Hollywood. Depois disso realizou comédias de boulevard para outras produtoras e alguns curtas-metragens.
Nos anos trinta seus filmes mais conhecidos no Brasil foram a versão portuguesa do filme americano Sarah e Seu Filho / Sarah and Son / 1930, exibida com o título de A Canção do Berço e O Tio da América / Le Truc du Brésilien / 1932. Na censura brasileira o filme levou primeiramente o título de O Truque do Falso Brasileiro em Paris. A revista Cinearte (nº 370 de 1/7/1933) diz que a empresa distribuidora sofreu um blefe. Vendo a notícia de um filme com o título de Le Truc du Brésilien, dirigido por Alberto Cavalcanti, tratou imediatamente de adquiri-lo; “mas a fita não era muito simpática ao brasileiro e o título foi mudado”. Cavalcanti se ocupou também da versão francesa, Toute sa Vie, porém esta não passou no nosso país.

A Canção do Berço 1930

Le truc du bresilien

Essa fase valeu como aprendizado da técnica do som, precioso subsídio para fecundas pesquisas que levaria a efeito na Inglaterra a partir de 1934, integrando a General Post Office Film Unit (Seção de Cinema do Departamento dos Correios), sob o comando de John Grierson. A G.P.O. operava como uma equipe, todos contribuindo para cada filme e o papel de Cavalcanti foi o de ser o responsável pelas inovações e experiências.

O brasileiro estava entre os diretores que John Grierson classificava de “estetas” em oposição à sua idéia de documentário “não cinemático”, mais direto e funcional. Diferentes temas foram abordados, todos dramatizando a realidade, “para forçar o público a se interessar pelas questões essenciais do país”.

Em 1937, Cavalcanti tornou-se o responsável pela produção da G.P.O. juntamente com J. B. Holmes. Durante a guerra, a Seção de Cinema ficou sob o controle do Ministério da Informação, passando a ser conhecida como Crown Film Unit.

De suas realizações na G.P.O. como diretor, tenho predileção por Pett and Pott, We Live in Two Worlds e principalmente Coal Face, verdadeiro oratório sobre a vida dos trabalhadores nas minas de carvão com efeitos musicais e corais admiráveis. A subida dos mineiros no elevador enquanto ouvem vozes de mulheres que chamam por seus nomes é um dos grandes momentos do Cinema.

Coal Face

Em 1941, Cavalcanti assinou contrato com a Ealing Studios, administrada por Michael Balcon, insinuando-se por diversas vertentes da narrativa de ficção – parábola sobre o absurdo da guerra, comédia musical de época, drama fantástico, adaptação literária – com a mesma facilidade com que cruzava as fronteiras.

Os quatro filmes que ele fez na Ealing (Quarenta e Oito Horas / Went the day Well? / 1942; Champagne Charlie (na TV) / Champagne Charlie /1944; dois episódios de Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945; Nicholas Nickleby (na TV) / The Life and Adventures of Nicholas Nickleby / 1946) e os três imediatamente posteriores realizados para outras companhias (Nas Garras da Fatalidade / They Made me a Fugitive / 1947; O Príncipe Regente / The First Gentleman / 1947 e O Transgressor / For Them That Trespass / 1948) foram os melhores de sua carreira no exterior.

Quarenta e Oito Horas

Champagne Charlie

Michael Redgrave em Na Solidão da Noite

Nicholas Nickleby

Filmagem de Nas Garras da Fatalidade

Trevor Howard em Nas Garras da Fatalidade

Hoje já conheço esses sete filmes e gosto de todos eles, porém o que me surpreendeu foi O Príncipe Regente, brilhante reconstituição histórica com cenários e figurinos impecáveis e a composição de tipo deliciosa de Cecil Parker no papel do extravagante George IV da Inglaterra, quando ainda era o Príncipe de Gales.

O Príncipe Regente

Em 1949, Cavalcanti voltou ao Brasil, convidado por Assis Chateaubriand e Pietro M. Bardi para proferir uma série de conferências no Seminário de Cinema do Museu de Arte de São Paulo e acabou assumindo o cargo de produtor geral da Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

Richard Todd em O Transgressor pode diminuir um pouquinho

Cavalcanti ajudou a instalar os estúdios da empresa e a importar material e técnicos, mas só pôde completar a produção de Caiçara, Terra é sempre Terra, um terço de Ângela e três documentários. “Tentei organizar uma estrutura realmente profissional e séria, mas sofri críticas e perseguições de toda sorte, até mesmo com absurda conotação política”, lamentou Cavalcanti para os jornalistas. O fato é que, apesar das incompreensões, a efêmera passagem de Cavalcanti pela firma de Franco Zampari auxiliou a impulsionar o desenvolvimento do cinema nacional.

Desligado da Vera Cruz, presidiu a comissão encarregada pelo Presidente Getúlio Vargas de preparar um plano para a implantação de um Instituto Nacional de Cinema, escreveu o livro Filme e Realidade e dirigiu Simão, o Caolho na Maristela e O Canto do Mar e Mulher de Verdade para a Kino filmes, da qual foi um dos fundadores, preocupando-se em abordar uma temática brasileira.

Mesquitinha e Nair Bello em Simão, o Caolho

Colé e Inezita Barroso em Mulher de Verdade

Colé e Inezita Barroso em Mulher de Verdade

Em 1954, durante o 1º Festival Internacional de Cinema no Brasil, recebeu o Prêmio Governador do Estado “pelo alcance de sua contribuição para a recuperação do cinema brasileiro”. Nesse ano, dirigiu Electra, de Sófocles na TV Record e no Teatro Leopoldo Frois.

Retornando à Europa, dividiu sua atividade entre o Cinema, o Teatro e a Televisão na Áustria, Alemanha Oriental, Espanha, Israel, Itália, Inglaterra, França e depois lecionou na Universidade de Los Angeles, Califórnia.

Cavalcanti voltou novamente ao Brasil em 1969 como membro do júri do Festival Internacional do filme Rio de Janeiro. Em 1970, deu aulas no Film Study Center em Cambridge, Massachussets e ganhou, em 1972, a American Medal for Superior Artistic Achievement.

Só retornaria outra vez à terra natal em 1976, quando conseguiu realizar a antologia Um Homem e o Cinema e publicar nova edição do seu livro. Nesta oportunidade, foi agraciado com o Troféu Coruja de Ouro-Personalidade. No ano seguinte, o British Film Institute homenageou-o com uma Retrospectiva. Cavalcanti faleceu a 23 de agosto de 1982, aos 85 anos, numa clínica da Rue de Passy em Paris, após uma crise cardíaca.

O Canto do Mar

Em 1988, foi mais uma vez lembrado no exterior com uma Retrospectiva (37 filmes) no Festival de Locarno. Nesta ocasião, escrevi para a direção do festival pedindo um catálogo e eles me enviaram o livro de Lorenzo Pellizzari e Cláudio M. Valentinetti, que tem uma excelente filmografia do cineasta. Com base no trabalho dos dois italianos e entrevistando pelo telefone Adalberto Vieira, valioso colaborador e amigo íntimo de Cavalcanti e Ruth de Souza, grande atriz brasileira, elaborei uma bio-filmografia de Alberto Cavalcanti, expandindo a de Pellizzari-Valentinetti, principalmente no que concerne a certos dados biográficos (colhidos no magnífico artigo de Hermilo Borba Filho em Anhembi, nº 37, dezembro 1953), a informações relativas aos filmes curtos feitos por Cavalcanti nos anos trinta na França e aqueles longas-metragens que realizou no Brasil, assinalando outrossim a direção de Electra na TV e no teatro, omitidas no livro citado.

Minha bio-filmografia foi publicada na revista Cinemin nº 48, tendo sido impresso um Reprint Internacional. Alí vocês encontrarão a lista completa de todos os filmes de Alberto Cavalcanti com breves comentários e as fontes mais úteis consultadas.

ANATAHAN

Até que enfim achei em Paris o dvd de The Saga of Anatahan / 1953, que lá saiu com o título de Fièvre sur Anatahan, e pude ver um filme único, obra-prima de seu realizador, Josef von Sternberg.

A derradeira realização de Josef von Sternberg inspira-se num fato real – sobreviventes de um avião de guerra japonês recusaram-se a acreditar na capitulação de seu país e passaram sete anos numa ilha deserta, até serem recolhidos por um avião americano – acrescentando um casal, cuja mulher, Keiko (Akemi Negishi), apesar da vigilância do companheiro (Tadashi Suganuma), desperta o desejo dos homens, levando-os à luta pelo poder, à deterioração moral e à morte.
Akemi Negishi e Hiroshi Kondo

A tensão cresce quando um avião cai na ilha. Os corpos dos passageiros sumiram, mas entre os destroços encontram-se pistolas, munição, fios para fazer um shamisen (tradicional instrumento de cordas) e um pára-quedas, que Keiko transforma em roupas atraentes.

A ação transcorre numa selva fantástica, constituída de gigantescas raízes de cedros, musgos e trepadeiras entrelaçados, formando sombras intrincadas, no meio das quais aparece e desaparece a jovem sensual – consagrada como “Rainha das Abelhas” por um dos que queriam possuí-la -, atiçando os instintos da vida e da morte.

Tadashi Suganume e Akemi Negishi na selva fantástica

Neste cenário propositadamente irreal, que serve como microcosmo da sociedade, o diretor – tal como explicou na sua autobiografia Fun in a Chinese Laundry (Mercury House, 1988) – faz uma experiência da psicologia indireta de massa, alertando-nos para a necessidade de “reinvestigarmos nossas emoções e a confiabilidade de nosso controle sob circunstâncias desfavoráveis”.

Instalado com toda a sua família no Japão, Sternberg realizou aquele que deveria ser o seu filme predileto com toda liberdade e em condições para ele ideais, ou seja, inteiramente dentro de um estúdio em Kyoto, onde foi construída aquela selva totalmente falsa. Isto lhe permitiu praticar uma encenação fulgurante, manejando com virtuosismo a luz e a sombra, o preto e o branco.

Um momento íntimo

Encontramos poucos exemplos na História do Cinema de um filme tão original quanto Anatahan: a voz de Sternberg, falando em inglês, cobre os diálogos, que são ditos em japonês, sem serem traduzidos por legendas. O diretor narra a história em tom de pseudo-reportagem, algumas vezes antecipando os acontecimentos, advertindo a platéia do que vai acontecer e em outras vezes contradizendo o que a gente vê. Ele relata certos episódios, tirando deles uma lição, situando-se em alguns momentos no centro do drama e logo se afastando, deixando para a câmera a incumbência de mostrar aquilo que ele não testemunhou.

A única mulher do filme foi escolhida entre as coristas de um teatro, após cada geisha de Tóquio ter desfilado diante do diretor. Três veteranos do Kabuki foram acrescentados ao elenco e o resto dos homens selecionados em escolas de dança com exceção de um, recrutado em um restaurante.

Keiko e os soldados

Além da narração em voz over, Sternberg acumulou as funções de diretor, roteirista e cameraman, revelando-se mais uma vez, um autor completo e um cineasta que tem lugar garantido entre os grandes artistas do Cinema.

A ARCA DE NÓE E DOLORES COSTELLO

Michael Curtiz esperava dirigir A Arca de Noé / Noah’s Ark imediatamente após sua chegada a Hollywood em 1926, conforme Harry Warner havia lhe prometido no encontro dos dois em Paris.

George O' Brien e Dolores Costello em A Arca de Noé

Entretanto, os planos da companhia mudaram e somente em 1928 o estúdio teve condições de entregar a Curtiz, sob a supervisão de Darryl F. Zanuck, a realização do projeto mais ambicioso da Warner. O mesmo Zanuck escreveu o roteiro, o recém-contratado Anton Grot desenhou os cenários e Hal Mohr foi convocado para ser o cinegrafista. Os interpretes principais eram Dolores Costello, George O’Brien, Noah Beery, Louise Fazenda, Guinn “Big Boy” Williams, todos em papeis duplos.

Dolores Costello

Dominado por um tema pacifista, o filme faz um paralelo entre a história bíblica de Noé e do Dilúvio e o drama de um soldado que descobre a honra e a coragem durante a Primeira Guerra Mundial.

O ponto alto da parte bíblica é a seqüência do Dilúvio. Para esta cena foi construído um tanque enorme, com quinhentas mil toneladas de água, que eram para ser despejadas num grandioso cenário babilônico. Este deveria ser destruído e centenas de figurantes morreriam esmagados ou afogados enquanto quinze cameramen filmavam a cena.

Mohr, que quando criança havia presenciado o terremoto de 1906 em São Francisco, estava preocupado com os perigos físicos que poderiam ocorrer aos extras e disse isso a Curtiz. Como conseqüência, ele foi substituído por Barney McGill.

Curtiz subestimou os problemas técnicos de se jogar tanta água em cima de tanta gente. O despejo de água ficou fora de controle, causando a morte de três figurantes e ferimentos em muitos outros.

Apesar destes transtornos, o mérito cinematográfico de A Arca de Noé é incontestável e o filme foi o primeiro grande êxito de bilheteria de Curtiz na Warner.

George O' Brien e Dolores Costello em A Arca de Noé

O filme original era parcialmente falado e tinha 135 minutos, mas após s estréia, sua duração foi diminuída para 105 minutos. Em 1957, o produtor Robert Youngson organizou um relançamento, eliminando todas as cenas faladas e inserindo uma narração. Esta versão tem apenas 75 minutos. Finalmente, em 1990, o Turner Classic Movies restaurou o filme e voltou a incluir as cenas faladas que haviam sido cortadas na versão 1957, exibindo-a com 99 minutos.

A versão que ví recentemente é a restaurada pelo TCM, mas foi ao assistir no cinema em 1962 a versão de 1957, que pude contemplar pela primeira vez a formosura de Dolores Costello. Dolores era filha de um astro da cena muda, Maurice Costello, que os fãs apelidaram de “Dimples” por causa de suas covinhas e irmã de outra atriz, Helene Costello, estrela de Lights of New York / 1928, o primeiro filme todo falado no sistema Vitaphone.

Dolores conheceu John Barrymore durante a filmagem de Don Juan / Don Juan / 1926, quando ele ainda mantinha um romance com Mary Astor. Impressionado pela beleza daquela jovem loura com aparência aristocrática, Barrymore acabou se casando com ela e tiveram dois filhos, Dolores e John Drew, que se tornaria ator e pai de Drew Barrymore.

Os dois artistas fizeram juntos, A Fera do Mar / The Sea Beast / 1926 e Quando o Homem Ama / When a Man Loves / 1927. A filmografia de Dolores tem pouco títulos expressivos, sendo os mais famosos Um Garoto de Qualidade / Little Lord Fauntleroy / 1936 de John Cromwell e Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942 de Orson Welles.

Tim Holt, Dolores Costello e Joseph Cotten em Soberba

Dolores era chamada de “The Goddess of the Silent Screen” e foi sem dúvida uma das atrizes mais lindas do cinema silencioso.

ESPADACHINS DE HOLLYWOOD E SEUS TREINADORES

Desde os primórdios do Cinema, os filmes de capa-e-espada empolgaram os fãs. A figura central destes filmes é um espadachim intrépido, que combina beleza máscula e agilidade corporal, charme e espírito de aventura. Em relatos aos quais não pode faltar energia dramática, vive intrigas rocambolescas, inseridas num contexto romântico e inspiradas geralmente em novelas históricas, folhetins popularescos ou contos orientais.

As peripécias são descritas em puro estilo visual, construído com o colorido dos trajes de época, a opulência dos cenários e, sobretudo, emocionantes lutas de esgrima.

Quem primeiro dotou o espadachim de um fascínio irresistível foi Douglas Fairbanks numa série de filmes que inclui A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1920, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers / 1921, Robin Hood / Robin Hood / 1922, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, Don Q, Son of Zorro / O Filho do Zorro / 1925, O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926, O Máscara de Ferro / The Iron Mask / 1929. Saltitante e sorridente, Douglas dominava o espaço com suas fabulosas piruetas e contagiante dinamismo, tornando-se um dos grandes ídolos do público.

Douglas Fairbanks em A Marca do Zorro

Douglas Fairbanks não dirigia os filmes, porém supervisionava cuidadosamente as produções, escrevia roteiros (sob o pseudônimo de Elton Thomas), selecionava elencos e colaborava no planejamento das cenas de ação, que fazia questão de executar sem ajuda de substitutos.

Em A Marca do Zorro aprendeu os rudimentos da esgrima com o belga Henry J. Uyttenhove, que continuou a assessorá-lo em Os Três Mosqueteiros e Robin Hood. Uyttenhove, pioneiro dos treinadores de luta de espada em Hollywood, teria como sucessor Fred Cavens, também nascido na Bélgica e formado no Instituto Militar de Educação Física e Esgrima daquele país.

Cavens trabalhou com Fairbanks em O Filho do Zorro, O Pirata Negro e O Máscara de Ferro, encenando, no segundo filme, um duelo sensacional de florete e punhal entre Fairbanks e Anders Randolf, superior a todos relizados até então. Os atores fizeram as cenas sozinhos e, no final, Randolf caía sobre o punhal que Fairbanks, num lance anterior, fincara na areia com a ponta voltada para cima.

O Pirata Negro

No mesmo ano, Cavens preparou para John Barrymore e Montagu Love outra luta com as mesmas armas. No desenlace, Barrymore joga o florete no chão e pula de uma enorme escadaria sobre o corpo de Love, matando-o com o punhal. Este duelo de Don Juan / Don Juan / 1926 foi o mais longo e eficiente de todo o período silencioso. Pela primeira vez houve uma alternação rápida dos planos afastados da luta com os close-ups dos litigantes, para aumentar a dramaticidade

Outros duelos que chamaram a atenção nos anos 20 foram os de Ramon Novarro e Lewis Stone em O Prisioneiro de Zenda e Scaramouche, ambos realizados sem dublê sob orientação de Uyttenhove.

No cinema falado, Errol Flynn consagrou-se como a maior personalidade romântica do filme de aventura. Bonitão e de porte atlético, transmitindo vitalidade e simpatia, inaugurou com Capitão Blood / Captain Blood / 1935 sua incursão pelo gênero, enfrentando Basil Rahtbone em cena inesquecível rodada numa praia rochosa da ilha de Catalina.

Errol Flynn e Basil Rathbone em Capitão Blood

Fred Cavens ensinou os dois atores a manejarem as espadas, repetindo a dose em As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938. Neste filme, os golpes do duelo no desfecho, com efeitos expressionistas de luz-e-sombra, permanecem na memória dos espectadores. Como a ação transcorria na Idade Média, foram usadas espadas de lâmina larga, mas, no que diz respeito à técnica de esgrima, não houve a mesma preocupação de autenticidade, inserindo-se, por exemplo, a estocada, que só seria desenvolvida muitos séculos depois.

Aventuras de Robin Hood

Errol Flynn e Basil Rathbone em Aventuras de Robin Hood

Para Cavens, o ator precisa saber esgrimir com graça e projetar sua presença na tela, o que é desnecessário nas competições de verdade. “Conhecí campeões olímpicos que tinham uma aparência atroz, e não podiam aparecer nos filmes, porque o público ia rir deles. Mas, num duelo pra valer, eram extremamente perigosos”, dizia Cavens.

Em O Gavião do Mar/ The Sea Hawk / 1940 Flynn foi substituído em algumas cenas por Don Turner e Henry Daniell por Ned Davenport e Ralph Faulkner. Mais tarde, em As Aventuras de Don Juan / The Adventures of Don Juan /1949, travaria excitante luta contra Robert Douglas (substituido por Cavens) passada no cenário grandioso do palácio real. A queda espetacular de Don Juan em cima de seu oponente, cópia da de John Barrymore na primeira versão, foi executada por Jock Mahoney, único stuntman que topou se arriscar no lugar do artista principal.

Três anos depois, em Contra Todas as Bandeiras / Against All Flags, um dublê substituiu Flynn numa cena idêntica à de Douglas Fairbanks em O Pirata Negro, quando o herói desce do mastro até o convés, rasgando a vela da embarcação

Em 1940, Darryl F. Zanuck contratou Basil Rathbone para a refilmagem de A Marca do Zorro. Além de ter sido excelente vilão, Rathbone foi um dos poucos atores que sabia realmente esgrimir. No longo duelo de sabre, ele luta contra o filho de Cavens, Albert, que serviu como dublê de Tyrone Power. Em outras cenas, adestrado por Cavens pai, Tyrone não deu vexame, mas ficou claro que Rathbone possuía melhores dotes de espadachim.

Tyrone Power e Basil Rathbone em A Marca do Zorro

Tyrone Power treinando com Fred Cavens

Fred Cavens treina Basil Rathbone

Em O Cisne Negro / The Black Swan / 1942 Tyrone duelou com George Sanders no tombadilho de um navio de bandeira negra, porém a luta teve pouca vibração, o mesmo ocorrendo com a do desfecho de O Capitão de Castela / Captain from Castile / 1947, no qual despachava John Sutton para o outro mundo.

O Cisne Negro

Luta de sabre muito lembrada, ainda nos anos 30, foi a de Ronald Colman (Rudolf Rassendyl) e Douglas Fairbanks Jr. (Rupert de Hentzau) em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937; nova versão produzida por David O. Selznick, teve como consultor Ralph Faulkner, que no filme fez também o papel de Bersonin.

Douglas Fairbanks Jr. e Ronald Colman em O Prisioniero de Zenda

Ronald Colman treina com Ralph Faulkner

Faulkner, campeão olímpico de sabre e espada em 1928 e 1932, já vinha trabalhando com Cavens e virou seu rival na profissão. Tinha uma escola de esgrima em Hollywood e viveu, como ator, a figura de treinador deste esporte em dois filmes: Berço de Estrelas / The Star Maker / 1939 e Débil é a Carne / The Foxes of Harrow / 1947.

O principal defeito do duelo entre Colman e Fairbanks Jr. é a discrepância entre as tomadas obviamente aceleradas e as de velocidade normal, mas o combate vale pela força de diálogos sarcásticos entre os contendores e pela boa estampa dos dois astros.

Douglas Fairbanks Jr. teve uma luta contra Akim Tamiroff em Os Irmãos Corsos / The Corsican Brothers / 1941 (ambos substituídos por Cavens) e apareceu em outros capa-e-espada – Sinbad, o Marujo / Sinbad the Sailor /1947; O Exilado / The Exile / 1947 e Amor e Espada / The Fighting O’ Flynn / 1948 -, sempre agitado e com o sorriso do pai nos lábios.

Considerado um dos melhores atores de filmes de espadachim no período sonoro, depois de Errol Flynn, Fairbanks Jr. distinguia-se mais pela boa forma física e a maneira inteligente e fluente como dizia as gabolices dos heróis que personificava do que propriamente pela capacidade como esgrimista.

O modo pelo qual os duelos cinematográficos eram concebidos, ensaiados e executados variava ligeiramente de um estúdio ou de um instrutor de esgrima para outro. De uma maneira geral, os atores ficavam primeiro sob os cuidados do instrutor durante algumas semanas e até meses, a fim de conhecerem o alfabeto da arte da esgrima. Depois, o instrutor preparava a continuidade das cenas de comum acordo com o diretor e o cenógrafo do filme. Quando a continuidade – a “rotina” do duelo – estava estabelecida, o expert ensinava-a para um dublê, cruzando espadas com ele diante dos atores. Estes então aprendiam a rotina por partes, chamadas “frases”, com o instrutor.

Nos anos 40 merecem ser mencionados os magníficos duelos de Gene Kelly em Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers / 1948, supervisionados por Jean Heremans, mais um mestre de esgrima belga, que sucedeu a Uyttenhove e Cavens como instrutor no Los Angeles Athletic Club.

As cenas de lutas de espada contra os guardas de Richelieu, filmadas nos jardins Busch de Pasadena, distinguiam-se pela coreografia cômico-acrobática acompanhada pela música de Tchaikowsky, num arranjo barroco. Heremans aparece no desenrolar do filme interpretando diversos adversários de D’Artagnan, inclusive no duelo de cinco minutos na praia – outro ponto alto do espetáculo.

Nos anos 50 surge Stewart Granger. Coube a Granger fazer a melhor e mais longa luta de esgrima do Cinema, na refilmagem de Scaramouche / Scaramouche, obra-prima de George Sidney, produzida em 1952. Subscrita por Heremans e com a duração de seis minutos e trinta segundos, ela tem lugar no Ambigu Theatre. Granger (André Moreau / Scaramouche) e Mel Ferrer (Marquês de Meynes) duelam pela borda dos camarotes, pelos corredores, escadas e saguão, no palco, sobre as poltronas, nos bastidores. Quando André tem o Marquês à sua mercê, uma força íntima impede de matá-lo. Fica sabendo logo depois que o adversário é, na realidade, seu meio-irmão. Na primeira versão, André (Ramon Novarro) descobria que o Marquês (Lewis Stone) era seu pai. Não havia música. Os únicos sons ouvidos durante a luta eram o tinir das lâminas, a respiração ofegante e os grunhidos dos contendores, e a reação vocal da platéia do teatro.

Mel Ferrer treina com Jean Heremans

Mel Ferrer e Stewart Granger em Scaramouche

Heremans orientou de novo o ator inglês em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1952, mas o duelo de Granger (Rassendyl) contra James Mason (Hentzau) com sabres de cavalaria não foi tão longo e espetacular como o de Scaramouche.