CINEMA NO RÁDIO

A princípio, o rádio – tal como no futuro a televisão – foi considerado um inimigo pelos executivos de Hollywood. Durante certo tempo, os estúdios proibiram seus astros contratados de trabalharem no novo meio de comunicação, com receio de que suas aparições diminuíssem o seu valor nas bilheterias dos cinemas. Até 1940, alguns exibidores ainda se queixavam de que os estúdios, permitindo os astros a aparecerem no rádio, estavam oferecendo de graça, o que os proprietários das salas tentavam vender.

Porém, tal como ocorreu com relação à televisão, Hollywood eventualmente fez as pazes com o rádio. O cinema e o rádio não somente estabeleceram uma coexistência pacífica como se ajudaram mutuamente, na medida em que os programas radiofônicos passaram a promover os novos lançamentos de filmes e as carreiras dos atores. O cinema finalmente serviu como uma fonte de alimento substancial para o rádio quando as adaptações de filmes de sucesso tornaram-se uma atração no ar.

A primeira pessoa a romper a barreira do controle dos estúdios  foi a colunista Louella Parsons. Em 1934, ela lançou Hollywood Hotel, um programa de variedades, tendo como anfitrião Dick Powell, no qual a própria Louella conduzia as entrevistas e divulgava as últimas notícias sobre as celebridades. Louella era tão temida e poderosa na época, com uma coluna lida diariamente por milhões de pessoas nos jornais de William Randolph Hearst, que ninguém se atrevia a esnobá-la. Ela usava sua influência e poder para fazer com que a elite do mundo do cinema participasse de seu programa – de graça – em troca de generosas inserções de anúncios do seu último filme. Em muitos casos, os astros apareciam em versões radiofônicas de vinte minutos de seus filmes, que eram selecionados por Louella. Em 1938, o Radio Guild tomou uma posição firme contra a radiodifusão gratuita, pondo um fim à era de Parsons.

O próximo programa que ofereceu adaptações radiofônicas de filmes, foi o Lux Radio Theater. Ele tinha os artistas mais famosos, os maiores orçamentos e, durante o seu auge, tinha o diretor de Hollywood mais proeminente como seu mestre-de-cerimônias. O som do programa era austero, quase solene. Quando Cecil B. DeMille abria a transmissão dizendo o seu “Saudações de Hollywood, senhoras e senhores”, ele soava quase como “Aqui é Deus, falando do paraíso”. Muita gente pensava que DeMille era o diretor do programa, porém ele apenas o apresentava e conversava com os astros no final da transmissão, despedindo-se com um floreio memorável: “Aqui é Cecil B. DeMille, dizendo boa noite de Holly – wood!”.

O Lux Theater, patrocinado pela Lever (que fabricava o sabonete e o detergente Lux), começou modestamente em Nova York em 1934 e ofereceu nas suas duas primeiras temporadas adaptações radiofônicas de peças da Broadway. Em 1 de junho de 1936, o programa foi transferido para Hollywood, passando a transmitir radiodramas de filmes, algumas vezes com o mesmo elenco mas, frequentemente, colocando astros diferentes nos papéis principais.

O primeiro dos 387 filmes que tiveram DeMille como apresentador, foi Marrocos / Morocco / 1930,  reintitulado no rádio de The Legionnaire and the Lady, com as vozes de Marlene Dietrich e Clark Gable e podemos cita exemplos de substituições mais curiosas: A Carta / The Letter / 1940 com Merle Oberon e Walter Huston;  Anna Christie / Anna Christie / 1930 com Joan Crawford e Spencer Tracy; Lanceiros da Índia / The Lives of a Bengal Lancer / 1935 com Errol Flynn e Brian Aherne; Adeus Mr. Chips / Goodbye Mr. Chips / 1939 com Laurence Olivier e Edna Best; Pigmalião / Pygmalion / 1938 com Jean Arthur e Brian Aherne; Jezebel / Jezebel / 1938 com Loretta Young e Brian Aherne; Núpcias de Escândalo / The Philadelphia Story / 1940 com Robert Taylor, Loretta Young e Robert Young; Estranha Passageira / Now Voyageur / 1942 com Ida Lupino e Paul Henreid; Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 com Edward G. Robinson e Gail Patrick, Laird Gregar; Sétimo Céu / Seventh Heaven /1937 com Miriam Hopkins e John Boles; Nosso Barco, Nossa Alma / In Which we Serve / 1942 com Ronald Colman e Edna Best, O Cowboy e a Granfina / The Cowboy and the Lady /  1938  com Gene Autry  e Merle Oberon, etc.

O programa era transmitido ao vivo do Music Box Theater, situado no Hollywood Boulevard com Vine Street. O teatro tinha mais de mil lugares, que ficavam completamente lotados a cada semana. O público desempenhava um papel reduzido, mas vital, aplaudindo efusivamente quando ouvia o tema musical ou rindo discretamente durante uma comédia.

Aconteciam alguns contratempos, porém o show sempre continuava. A adaptação de Jornadas Heróicas / The Plainsman / quase não foi ao ar, porque os astros Gary Cooper e Jean Arthur apanharam uma gripe no véspera da gravação. Apesar  de se sentir fraca e febril, Jean conseguiu interpretar seu papel enquanto Fredric March, que fora convocado para substituir Cooper, passou a noite toda treinando para falar num dialeto do Oeste, algo que nunca fizera anteriormente. Outra quase catástrofe ocorreu quando os fãs frenéticos de Robert Taylor e Jean Harlow arrombaram uma porta de saída de incêndio, invadiram o auditório, provocando um tumulto com o público que havia comprado entradas. Mesmo assim, o programa prosseguiu, porque a desordem surgiu num trecho da transmissão que requeria uma cena de multidão.

Certa vez, o Lux colocou no ar um “filme” que não havia sido feito. Barbara Stanwyck descobriu uma peça de teatro, “Dark Victory” (cujo elenco fora encabeçado por  Tallulah Bankhead na Broadway) e percebeu que se tratava de um grande espetáculo. “Eu tinha que fazê-la, tinha que dizer aquelas falas”, ela iria declarar mais tarde, “Tornou-se uma obsessão”. Segundo a atriz, foi ela quem insistiu para que o Lux adquirisse os direitos da peça, que pertenciam então a David O. Selznick. No dia da transmissão, o diretor Edmund Goulding ouviu-o no rádio de seu carro e persuadiu Jack Warner a comprar os direitos de Selznick, a fim de que ele pudesse dirigir o filme. Barbara leu o anúncio sobre a nova produção nos jornais e pensou que fosse ser escolhida para o papel principal no filme. Mas depois soube que haviam dado o papel para Bette Davis.

A primeira transmissão  em Hollywood custou 17 mil dólares, aproximadamente 300 dólares por minuto. Quase a metade das despesas foi para as mãos dos dois astros principais: 5 mil para Marlene Dietrich e 3.500 para Clark Gable. Mas o show ficou entre os dez melhores do rádio, permanecendo nesta posição na maior parte de sua existência. DeMille adorava o programa: “Eu não trocaria por um milhão de dólares a experiência que tive no rádio”, ele declarou em 1938. Entretanto , o “mandato de DeMille chegou ao fim abruptamente em janeiro de 1945 por força de uma disputa política com a American Federation of Radio Artists, o sindicato dos atores. A questão em debate era a Proposition 12, uma proposta de votação, de uma lei conhecida popularmente como “lei do direito ao trabalho”. Esta lei permitiria a qualquer pessoa trabalhar no rádio sem ser membro de um sindicato. A AFRA decidiu criar um fundo de campanha para combatê-la, arrecadando a taxa de um dólar de cada membro do sindicato, para este propósito. DeMille recusou-se a pagá-la e não permitiu que isso ocorresse. Ele declarou que simpatizava com os ideais do sindicato mas na verdade não confiava na AFRA. A AFRA extendeu o prazo para que ele mudasse de idéia porém DeMille não cedeu. Assim, ele abriu mão de seu emprego muito bem remunerado no Lux por causa de um dólar.

Então DeMille foi substituído sucessivamente  por William Keighley (1945 a 1952) e Irving Cummings (1952 a 1955). Após a saída de DeMille foram ao ar, entre outros, adaptações de dois westerns famosos: Flechas de Fogo / Broken Arrow / 1950 com Burt Lancaster no lugar de James Stewart e Os Brutos Também Amam / Shane / 1953 com o mesmo Alan Ladd, que interpretara o personagem na tela.

The Mercury Theater foi a culminação de uma parceria entre Orson Welles, o “garoto maravilha” do palco e do rádio e John Houseman, ex-comerciante que demonstrou uma paixão pelo teatro quando o mercado de grãos entrou em colapso. Welles tornar-se-ia mundialmente famoso como cineasta e Houseman ficaria na obscuridade até ganhar fama como ator aos 70 anos de idade. A  sociedade durou apenas três anos, 1935-1938, durante os quais Orson Welles e John Houseman criaram o teatro mais surpreendente e comentado que Nova York havia visto em décadas.

Em junho de 1938 Welles foi abordado pela CBS, que lhe ofereceu um horário para a transmissão de um Mercury Theater on the Air. A notícia causou muita apreensão por parte de Houseman, cuja única experiência com o rádio havia sido como ouvinte. Ele estava acostumado com semanas de ensaio e ficou espantado quando lhe disseram que ia entrar no ar em duas semanas, em 11 de julho. Houseman protestou, alegando que não sabia nada sobre o rádio. Welles disse que seria melhor que começasse a aprender e lhe deu a incumbência de preparar um roteiro com ele.

Eles escolheram “A Ilha do Tesouro” como espetáculo de estréia Tudo o que Houseman teria que fazer, Welles lhe assegurou, era sentar-se com o romance de Robert Louis Stevenson nas mãos e adaptá-lo – praticamente um trabalho de corte. Ele, Welles, seria o diretor, o narrador e, é claro, o astro. Welles narraria a história como se fosse um Jim Hawkins adulto e também interpretaria Long John Silver. O programa seria transmitido somente para os ouvintes sem uma platéia no estúdio e aplausos perturbadores. Foi a primeira vez que o rádio oferecia um horário para uma companhia teatral inteira.

Houseman estava uma semana atrasado na sua tarefa, quando Welles lhe comunicou que estreariam com o clássico de horror de Bram Stoker, “Dracula” em vez de A Ilha do Tesouro. Welles interpretou Dracula com um dialeto marcante e assumiu também o papel do Dr. Seward. Martin Gabel interpretou Van Helsing; George Colouris era Jonathan Harker; e Agnes Moorehead, Mina Harker. Bernard Herrmann cuidou da direção musical, usando como tema de abertura  o Concerto para Piano Número 1 em Si bemol menor de Tchaikovsky.

A imprensa acolheu muito bem o programa e Welles prosseguiu com a transmissão adiada de A Ilha do Tesouro. Houseman continuou como adaptador e Welles tentando novas técnicas. Para O Conde de Monte Cristo, os dois atores que interpretavam as cenas na masmorra a fizeram no assoalho de um banheiro, onde Welles havia colocado dois microfones potentes diante da base do assento  do vaso sanitário, num esforço para obter repercussões subterrâneas realistas. Outro microfone estava dentro do vaso com a tampa aberta. O fluxo da água, recordou Houseman, “causou uma impressão fiel de ondas se quebrando contra as paredes do Chateau d’If.”

Os shows eram criados, semana após semana sob muita pressão. Houseman continuou como adaptador solitário. Ele tinha que resumir para 60 minutos, em três dias, todos os longos romances que Welles decidisse colocar no ar. A certa altura, Howard Koch pediu a Houseman que o empregasse como roteirista e Houseman, com prazer, passou para ele o trabalho incessante de adaptador. Koch nem desconfiou de que estava entrando para a história do rádio.  Um mês depois, ele produziria o script da transmissão radiofônica mais famosa de todos os tempos, que eu ouví entusiasmado há uns anos atrás.

Segundo informação de John Dunning (On the Air –The Encyclopedia of Old-Time Radio, Oxford University / 1998), para a temporada do Dia das Bruxas, Welles queria um programa de assombração e decidiu retirar a poeira da fantasia escrita em 1898 por H. G. Wells, “A Guerra dos Mundos”. As vozes discordantes tinham receio de que a história estivesse irremediavelmente datada e se tornasse entediante no ar. Porém Koch tinha seu prazo para realizar o serviço e a data seria dentro de seis dias. Welles traçou algumas diretrizes gerais: ele queria que a história fosse contada  através de uma série de boletins de notícias entremeados com a narrativa na primeira pessoa. Quando Koch leu o original, teve um sentimento de desespero. H.G. Wells havia situado seu romance na Inglaterra e seu estilo literário estava ultrapassado. Koch compreendeu que só poderia aproveitar do autor a idéia da invasão marciana,  a sua descrição da aparência dos marcianos e de suas máquinas. Em suma: ele estava sendo chamado para escrever quase que um original inteiramente novo em seis dias.

Depois de muito esforço, o script ficou pronto e Welles – que até então não tomara conhecimento de nada, deixando os ensaios por conta  de seu produtor associado Paul Stewart – assumiu a direção dos ensaios finais, fez algumas modificações no script e, às 8 horas da noite do dia  30 de outubro de 1938,  o programa foi colocado no ar.

O locutor Dan Seymour anunciou claramente que o The Mercury Theater on the Air estava apresentando a produção de Orson Welles, baseada em “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells. Welles leu um breve prólogo, situando a história num futuro próximo. Então, entrou no ar um boletim metereológico e depois ouviu-se uma banda (os músicos de Bernard Herrmann fazendo-se passar por Ramon Raquello e sua orquestra), tocando uma versão popular de La Cumparsita. A música foi interrompida por um boletim de noticias anunciando “explosões de gás incandescente a intervalos regulares no planeta Marte”. La Cumparsita terminou e começou a tocar Star Dust, ouvindo-se aplausos. Outro boletim de noticias: o repórter Carl Phillips estava sendo enviado para o observatório de Princeton, a fim de entrevistar o eminente astrônomo, Professor Richard Pierson. Como Pierson, Welles teceu várias considerações sobre astronomia; então foi anunciado, que ele e Phillips iriam correndo para Grovers Mill, em New Jersey, onde um choque “de uma intensidade quase de um furacão” havia sido registrado. Mais noticias foram lidas. Um enorme cilindro havia caído no campo do Fazendeiro Wilmuth, que gostou de falar sobre isso. Ouviu-se também a especulação de Phillips sobre a natureza extraterrestre da caixa de metal. De repente, um estrépito metálico, obviamente a porta do veiculo espacial  atingindo a Terra, foi seguido pelo que muitos ouvintes se lembrariam como as falas mais aterrorizantes que eles jamais escutaram no rádio. Alguém estava rastejando para fora do buraco da caixa … alguém ou algo. Dois discos luminosos eram visíveis … podiam ser olhos, podia ser um rosto. Agora, algo movimentando-se na sombra como uma cobra cinzenta … tentáculos … mais um e mais outro … e o corpo da coisa, grande como um urso. E a face: os olhos negros, brilhando como os de uma serpente, com uma boca em forma de V gotejando saliva. O monstro montou sua máquina de combate e desfechou um raio de calor. Soldados ficaram em chamas e estas se espalharam por toda parte. Subitamente, Phillips saiu do ar. Um tempo morto aumentou  a tensão. Mais boletins. Os trabalhadores da emergência da Cruz Vermelha foram despachados para o local. Houve congestionamento de pessoas correndo aterrorizadas pela ponte.

Finalmente, veio o anúncio que definiu o programa: “Senhoras e senhores, por incrível que pareça, tanto as observações da ciência como a evidência diante dos nossos próprios olhos levam à suposição inescapável de que aqueles seres estranhos que aterrissaram nas terras da fazenda de New Jersey hoje a noite são a vanguarda de um exército invasor vindo do planeta Marte”. Mais boletins de notícias. Cilindros marcianos estavam caindo sobre todo o país. Em Nova York, o inimigo podia ser visto, surgindo no alto dos rochedos Palisades. Em Manhattan, a fumaça estendeu-se pela Quinta Avenida, veio se aproximando e, de novo, fêz-se um silêncio terrível. A última voz patética foi a de um rádio amador: “2X2L chamando QG, Nova York, … Não há ninguém no ar? … Não há ninguém no ar?…Não há ninguém …?”

Mais ou menos neste instante, o supervisor do programa, Davidson Taylor, saiu do estúdio, para atender um telefonema. Quando retornou, seu rosto estava pálido. O pânico havia começado em New Jersey e se espalhado para o Norte e o Oeste. Um hospital de Newark atendeu vinte pessoas em estado de choque. Uma mulher em Pittsburg foi salva por seu marido quando tentava tomar veneno. Uma falta de energia numa pequena cidade do Meio-Oeste  no pico do programa deixou as pessoas gritando nas ruas. Em Boston, famílias se reuniram nos telhados,  e imaginaram que podiam ver um rubor vermelho no céu enquanto Nova York se incendiava.

No Estúdio Um na CBS, Taylor havia recebido informações de que tumultos e acidentes estavam aumentando a cada instante por toda a nação. Alarmado, ele ordenou que o show fosse interrompido imediatamente e que fosse anunciado que tudo não passava de ficção. Porém Welles havia chegado ao intervalo após 40 minutos de transmissão. Dan Seymour foi ao microfone e disse: “Você estão ouvindo a apresentação da CBS de Orson Welles e do The Mercury Theater on the Air numa dramatização original de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells”. Este anúncio foi seguido por mais 20 minutos da dramatização com Welles, como o Professor Richard Pierson, descrevendo as consequências da guerra. No clímax, os marcianos são eliminados por uma simples bactéria da Terra. Tudo estava bem de novo com o mundo.

Entretanto, mal acabara de tocar o tema musical de Tchaikovsky e a polícia irrompeu pelas portas do estúdio, confiscando scripts e segregando os atores. Estes foram mantidos durante algum tempo num escritório dos fundos e depois entregues aos repórteres. As perguntas eram duras e apavorantes. Sobre quantas mortes eles tinham ouvido falar? … insinuando, como Houseman contou, que eles teriam sabido de milhares de mortes.  Estavam cientes das mortes no trânsito e dos suicídios? As valas devem estar cheias de cadáveres, Houseman pensou. Logo após, os atores foram libertados. Houseman achou “surpreendente ver a vida continuando como sempre nas ruas noturnas”. De fato, não houve mortes. Houve algumas batidas e arranhões, um osso quebrado ou dois, e uma enxurrada de ações judiciais contra a CBS. Quanto a Orson Welles ele se tornou um astro da noite para o dia no mundo do espetáculo.

A Campbell Soups ofereceu-se para patrocinar o programa e, em dezembro, já com o nome de Campbell’s Playhouse, ele foi promovido para o status de primeira classe. A Campbell encorajou Welles a integrar regularmente no programa adaptações de filmes e lhe concedeu verba para contratar astros do cinema. Todavia, isto nem sempre funcionou. Como informou Leonard Maltin  (The Great American Broadcast – A Celebration of Radio’s Golden Age, Dutton / 1970), tendo em vista a transmissão de Beau Geste em 1939, a Campbell recrutou não somente Laurence Olivier mas também Noah Beery Sr. para recriar o papel do abominável Sargento LeJeune, que ele havia interpretado na versão muda do filme em 1926. Infelizmente, nem ele nem Olivier se saíram bem. Aconteceu Naquela Noite com Miriam Hopkins e William Powel, e Welles no papel do pai da herdeira fugitiva, era extraordinariamente maçante apesar dos astros (Curiosamente, o único momento do filme que dependia do som foi desperdiçado nesta produção: o carro freiando, quando a heroína suspende sua saia para atrair o motorista). Na versão radiofônica de Welles, o carro simplesmente para sem nenhum efeito de som exagerado). Mais um exemplo dado por Maltin: Welles, insensatamente, se escalou para o papel de Longfellow Deeds, o personagem de Gary Cooper em  O Galante Mr. Deeds . Apesar de todo o seu brilho, ele não conseguiu convencer como um amável caipira. Entretanto, esta produção incluía uma inside joke. O médico vienense chamado para declarar a insanidade de Deeds  é o grande especialista, Dr. Herman Mankiewicz. Na vida real, Mankiewicz estaria logo colaborando com Welles no roteiro de Cidadão Kane. Mas, na verdade, Welles estava mais preocupado do que nunca com o teatro e projetos de filmes durante este período, o que era visível.  O Campbell Playhouse iria abaixar a sua última cortina em março de 1940.

Com o patrocínio da Maxwell House, a Metro-Goldwyn-Mayer produziu o programa Good News of 1938, tornando cada astro do seu elenco (“exceto Garbo”) disponível no ar pela NBC. Era um programa com  música (a cargo de Meredith Wilson e sua orquestra e alguns convidados), comédia, e alguns instantâneos dos bastidores de Hollywood.  A cada semana havia a pré-estréia de um novo lançamento da MGM, dramatizado em versão condensada com os artistas originais nos papéis radiofônicos. Após oito semanas no ar, Fanny Bryce (como Baby Snooks) e Frank Morgan passaram a integrar o elenco, tornando-se a atração mais popular e divertida do espetáculo. Entretanto,  ao contrário do Lux, um programa exclusivamente dramático de uma hora de duração, Good News era um show de variedades, que tornou a conexão com um estúdio de cinema menos atraente do que deveria ter sido.

The Screen Guild Theater foi um programa de rádio (tendo como anfitrião George Murphy em parte da fase patrocinada pela Gulf Oil), no qual todos os astros se apresentaram voluntariamente. Ele foi criado quando a indústria do cinema estava empenhada na construção do Motion Picture Country House, um retiro para os artistas idosos e indigentes. As primeiras transmissões colocaram diante do microfone nada menos do que quatro astros ou estrelas de primeira grandeza por semana. As remunerações que normalmente teriam ido para o bolso dos artistas eram entregues ao Motion Picture Relief Fund, quase 880 mil dólares no verão de 1942 (porém os estúdios não eram inteiramente altruístas; no final de cada programa, anunciavam o novo filme do artista que participava da transmissão).

O programa (que mudou de patrocinador e de nome várias vezes: Gulf Screen Guild Show, Gulf Screen Guild Theater, The Lady Esther Screen Guild Theater, The Camel Screen Guild Players) começou como um show de variedades mas, após um ano no ar, passou a apresentar dramatizações de filmes de longa-metragem numa duração mais curta, tarefa que não era nada fácil. Norman Corwin, o primeiro adaptador contratado pelo produtor-diretor Harry Ackerman, escreveu um roteiro brilhante para A Loja da Esquina, no qual o personagem de Frank Morgan era o narrador e o espetáculo funcionou tão bem quanto na tela. (Porém nem toda adaptação radiofônica era bem sucedida. Um programa rival do Screen Guild, chamado Academy Award – que oferecia versões de filmes em cujo elenco se incluía pelo menos um artista que fora indicado para o Oscar – estreou em 1946 e saiu do ar 39 semanas depois. A adaptação de Correspondente Estrangeiro foi um exemplo perfeito de como um grande filme podia ser exaurido de todo o seu valor dramático).

Em matéria de novidade, entretanto, nenhum programa ultrapassou Suspense, uma antologia de histórias criminais (conhecida como um “o mais extraordinário teatro de emoções do rádio”) adorada pelos astros e estrelas de Hollywood. “Se eu fizer mais algum trabalho no rádio, quero fazê-lo em Suspense, porque ali terei a oportunidade de representar”, declarou Cary Grant em 1943, quando o show estava entrando na sua “era de ouro”. A razão deste entusiasmo era o produtor-diretor William Spier, que guiava cada aspecto do espetáculo, modelando história, vozes, sonoplastia e música em obras-primas radiofônicas. “Ele sabe tudo sobre música”, disse o  compositor Lucien Moraweck sobre Spier. “Algumas vezes ele conhece até mais do que o músico”.

Os atores sentiam que, contribuindo para um programa de qualidade superior como Suspense, aumentariam mais sua reputação do que ouvindo algumas insignificantes condensações dos filmes. Spier ficou conhecido como “o Hitchcock das rotas aéreas”. Ele exigia pouco ensaio dos astros, apenas algumas horas antes de o programa entrar no ar. Spier queria vê-los tensos diante do microfone e eles o recompensavam com desempenhos que eram quase uniformemente ótimos, igualando o nível alcançado pelos seus coadjuvantes mal pagos, os profissionais do rádio.

O programa se comparava com  histórias de detetives nem era um show de horror. Suspense estava mais relacionado com um indivíduo envolvido numa situação que se intensificava e logo se tornava insuportável. Geralmente, a solução era contida “até o último momento possível”.

A trama mais famosa de Suspense foi Sorry, Wrong Number, escrita por Lucille Fletcher e interpretada por Agnes Moorehead. Agnes desempenhou o papel da inválida Mrs. Elbert Stevenson  – que escuta por acaso uma linha cruzada  e ouve a voz de dois homens planejando o assassinato de uma mulher acamada – numa histeria crescente (como só ela podia fazer), que chegou a desmaiar durante a transmissão. Orson Welles proclamou Suspense o maior show radiofônico de todos os tempos e ele mesmo protagonizou vários excelentes espetáculos no mesmo programa. Eu tive a oportunidade de ouvir (com muito prazer) tanto Sorry Wrong Number como The Hitchhiker, uma poderosa história de um viajante através dos Estados Unidos, atormentado pela visão de um carona indefinido, que aparece dia após dia na margem da estrada. A popularidade daquele primeiro episódio levou a uma adaptação cinematográfica com Barbara Stanwyck em 1948 e depois ela recriou o papel no Lux Radio Theatre. O segundo episódio foi adaptado para a televisão em 1960 por Rod Serling no seu programa inesquecível, Além da Imaginação / Twilight Zone.

Algumas vezes Spier revertia o óbvio, convidando atores para interpretar personagens “contra seu tipo” como, por exemplo, Peter Lorre no papel de um cavalheiro ou Harry Carey como um assassino; Spier trouxe artistas que raramente tinham se associado a um drama forte como Lucille Ball, Judy Garland, Danny Kaye, Betty Grable, Mickey Rooney ou Donald O’Connor, os quais foram envolvidos no mundo sinistro de Suspense.

Nos meados dos anos 40, a competição por conteúdo relacionado ao cinema para ser usado no ar era intensa, para não dizer feroz mas Fletcher Markle descobriu, quando ele produziu e dirigiu Studio One, que ainda havia possibilidade de realizar um programa de sucesso.

Markle, um canadense de 26 anos, anunciou que o Studio One não ia empregar grandes astros (ele usaria o programa como uma companhia de repertório formada por experientes atores radiofônicos de Nova York como Everett Sloane, Mercedes McCambridge, etc.) e se concentraria em romances e peças de teatro, que haviam sido pouco exploradas no ar. Fiel a essa diretriz, ele estreou com a adaptação de “Under the Volcano” de Malcolm Lowry e continuou apresentando histórias que raramente ou nunca haviam sido ouvidas.

Porém quando as pesquisas de audiência caíram num nível muito baixo, Markle teve necessidade de contratar nomes mais famosos e de recorrer aos filmes, sobressaindo, entre outras, quando a Ford Motor Company assumiu o patrocínio do show (que passou a se chamar The Ford Theater), as versões radiofônicas de Madame Bovary / Madame Bovary / 1949 com Marlene Dietrich, Van Heflin e Claude Rains, e a de Satã Janta Conosco / The Man Who Came to Dinner / 1941 com Jack Benny. No cinema, Fletcher Markle realizou um filme muito bom e curioso, O Homem das Sombras / Man With a Cloak / 1951, com Barbara Stanwyck, Joseph Cotten, Leslie Caron e Louis Calhern, em cuja intriga de mistério, passada em Nova York no século dezenove, surge a figura  – mantida incógnita até o final – de Edgar Allan Poe.

Um dos últimos shows relacionados com Hollywood foi The Screen Directors Playhouse, lançado em 1948. Inspirando-se em seus colegas atores, os membros do Directors Guild resolveram levar ao ar um programa semanal em benefício do proprio fundo de pensão. A versão radiofônica de estréia, Stagecoach, apresentada pelo Presidente do Screen Directors Guild, George Marshall, reunia os astros do filme de nove anos atrás, John Wayne e Claire Trevor, com seu diretor, John Ford. Depois disso, cada show era apresentado pelo diretor do filme original, que voltava no final para btincar com os astros, quase sempre os mesmos atores principais dos filmes. A relação de diretores convidados, impressionava: John Ford (Sangue de Heróis / Fort Apache / 1948), Alfred Hitchcock (Um Barco e Nove Destinos / Lifeboat / 1994 e Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945), Billy Wilder (A Mundana / A Foreign Affair / 1948), John Cromwell (O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937), William Wyler (Jezebel / Jezebel / 1938) e Henry Hathaway (Sublime Devoção / Call Northisde 777 / 1948), para citar apenas alguns.

Ao mesmo tempo em que a televisão estava nascendo no horizonte, mais uma instituição de Hollywood fez uma incursão no rádio quando a MGM resolveu tirar proveito de alguma de suas séries. Assim, Ann Sothern foi convocada para repetir o seu papel de Maisie, Mickey Rooney o de Andy Hardy e Lew Ayres o do Dr. Kildare no programa intitulado The MGM Theater of the Air, apresentado por Howard Dietz, vice-presidente do estúdio. Por ironia, no que dizia respeito a trabalho no cinema, a MGM deixou o contrato de Ann Sothern expirar, demonstrou desinteresse evidente por Mickey Rooney e não quís mais dar emprego para Lew Ayres na tela.

Finalmente, no Brasil, existiu, no final dos anos 40, um programa de rádio, Cinema em Casa, criação de Otávio Gabus Mendes na Rádio Difusora, feito, após sua morte, na Tupi, por Walter George Durst. Conforme nos informou Antonio Adami no seu trabalho “Walter George Durst na Rádio Tupi e o Cinema em Casa”, a adaptação dos filmes era fiel ao original: diálogos mantidos quase intactos; trilhas sonoras – geralmente gravadas durante a exibição dos filmes em sessões comuns dos cinemas – aproveitadas da melhor forma possível; a linguagem cinematográfica transposta com habilidade para o rádio.

Alguns dos filmes adaptados dentro do Cinema em Casa foram: Casablanca / Casablanca / 1942, O Diabo Disse Não / Heaven Can Wait / 1943 , Carícia Fatal / Of Mice and Men / 1939, Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950, Os Melhores Anos de Nossas Vidas / The Best Years of Our Lives / 1946, O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights / 1939, O Tesouro de Sierra Madre / The Treasure of the Sierra Madre / 1948, O Idiota / L’ Idiot / 1945, Os Amantes de Verona / Les Amants de Verone / 1948, Sinfonia Pastoral / La Simphonie Pastorale /  Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, etc.

O elenco básico do programa incluía: Walter Forster, Cassiano Gabus Mendes, Heitor de Andrade, Lima Duarte, Lia de Aguiar, Guiomar Gonçalves, Flora Geni, Laura Cardoso, Wilma Bentivegna, Néa Simões, Walter Avancini, Celia Rodrigues, Fernando Baleroni, Milton Ribeiro, Xisto Guzzi, João Monteiro, Manoel Inocêncio, Araken Saldanha, Amaral Novais, Luiz Orioni e Julio Nagib, nomes que, como disse Adami, se inscreveram mais tarde nos primeiros capítulos da história da televisão brasileira.

6 pensou em “CINEMA NO RÁDIO

  1. AC Autor do post

    Parabéns pela entrevista Antonio. Seu blog é ótimo e merece todas as honrarias. Você tem conhecimento de cinema e bom gosto (coisa rara hoje em dia).

  2. Sergio Leemann

    São textos como este, que lançam luz sobre aspectos pouco conhecidos do universo cinematográfico, que alçam o Histórias de Cinema acima de todos os blogs de cinema clássico brasileiros. A seriedade e diligência na pesquisa, a profundidade e clareza na escrita e a oportuna escolha de assuntos que o caracterizam estão formidavelmente representadas na matéria em questão. Parabéns!

  3. AC Autor do post

    Obrigado Sergio. Você também já fez muita coisa em prol do universo cinematográfico pouco conhecido, quando programou os canais Telecine, trazendo à luz uma programação recheada de obras que nunca tinham sido vistas na nossa TV. Depois, fez o mesmo em Portugal, à frente da programação dos canais da Lusomundo, que você implantou. Seu site, a certain cinema.com também é inédito, pois ninguém tem as fotos que você tem, e seus textos sobre o Festival de Cinema Mudo em Podernone também são únicos. E eu, que já tive a honra de ver os originais de seu próximo livro sobre os diretores do tempo do cinema de estúdio, posso assegurar que, além de completo, também será algo jamais feito no mundo.

  4. Sergio Leemann

    Por falar em ACertainCinema.com, o site não tem recebido muitas atualizações pois está em processo de reformulação para corrigir problemas de acesso a páginas e do uso da função de busca. Espero que a nova versão esteja pronta na virada do ano. Tão logo isso aconteça, surgirá uma nova galeria de fotos, intitulada And On Radio Too, uma espécie de complemento visual ao seu soberbo artigo.

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