OS MISERÁVEIS DE VICTOR HUGO NO CINEMA

Victor Hugo ocupa um lugar excepcional na história da literatura francêsa e universal; ele domina o século XIX pela duração de sua vida e de sua carreira, pela fecundidade de seu gênio e diversidade de sua obra: poesia, teatro, romance etc. Persuadido de que o escritor tem uma missão, participou ativamente dos grandes debates políticos e ajudou a disseminar idéias sociais e grandes sentimentos humanos. Por um momento, sua glória pareceu questionada: apontaram seus excessos, sua retórica, seu orgulho, sem perceberem que eles eram simplesmente o reverso de um prodigioso poder criativo. Mas hoje, ninguém mais contesta o gênio de Hugo.

Victor Hugo

Publicado em 1862, Os Miseráveis é um romance denso e diversificado, dominado por uma tese humanista e uma inspiração épica. O gesto magnífico do bispo Myriel inocentando Jean Valjean, transforma sua natureza de malvado em justo. A partir de então ele se torna um santo, socorre Fantine, protege Cosette, salva Mario, até poupa Javert e defende os miseráveis, vítimas de uma ordem social injusta. Suas bondades e sacrifícios farão do ex- forçado, no final de sua vida, uma figura semelhante ao Cristo.

O livro é uma das obras mais lidas no mundo e mereceu inúmeras versões cinematográficas. Os filmes que pude ver estão marcados em negrito. No final escolho o meu predileto.

FILMOGRAFIA

Excluídas adaptações remotas do original literário ou produzidas diretamente para a televisão.

1-Le Chemineau / 1905 (Dir: Albert Capellani). Curtíssima metragem (5 minutos) mostrando somente o episódio do roubo dos talheres do bispo. Produzido pela Pathé Frères.

2-The Price of a Soul / The Ordeal / A New Life / 1909 (Dir: Edwin S. Porter). Produzido pela Edison Manufacturing Company.

3-Les Miserables / 1909. Dir: J. Stuart Blackton com Maurice Costello (Jean Valjean). Curta-metragem distribuído pela Vitagraph.

4-Les Misérables / 1912. Dir: Albert Capellani. com Henri Kraus (Jean Valjean). Primeiro longa-metragem sobre o assunto exibido em 4 partes como um seriado. Produzido pela Pathé Frères.

5-The Bishop´s Candlesticks / 1913 (Dir: Herbert Brenon). Curta-metragem mostrando apenas o episódio do roubo dos talheres do bispo. Produzido pela IMP (Independent Moving Pictures).

6-Os Miseráveis / Les Miserables / 1918 (Dir: Frank Lloyd) com William Farnum (Jean Valjean). Primeira versão americana do romance, produzida pela Fox Film Corporation e filmada em Fort Lee, New Jersey.

7- Les Miserables / 1922 (Dir: H. B. Parkinson) com Lynn Harding (Jean Valjean). Produzido pela Master Films – Reino Unido.

8- Aa mujô re mizerabûru dainihen / 1923 (Dir: Kiyohiko Ushihara) com Masao Inoue Produzido pela Shochiku – Japão.

9- Os Miseráveis / Les MIsérables / 1925 (Dir: Henry Fescourt) com Gabriel Gabrio (Jean Valjean). Seriado em 4 capítulos produzido pela Societé des Cinéromans.

10-The Bishop´s Candlesticks / 1929 (Dir: George Abbott), com Walter Huston (Jean Valjean). Curta-metragem sonoro mostrando somente o episódio do roubo dos talheres do bispo. Produzido pela Paramount e filmado no Kaufman Astoria Studios em Nova York.

11-Aa Mujô zenpen / Aa Mujô kohen / 1929 (Dir: Seika Shiba) com Shinpachirô Asaka. Produzido pela Nikkatsu – Japão.

12-Janbarujan: Kohen / 1931(DIr: Tomu Uchida). Mostrando apenas a segunda parte do romance com Nobuo Asaoka. A ação foi transferida para a era Meiji. Produzido pela Nikkatsu-Japão.

13-Os Miseráveis / Les Misérables / 1934 (Dir: Raymond Bernard) com Harry Baur (Jean Valjean). Produzido pela Pathé-Nathan.

14-Os Miseráveis / Les Miserables / 1935 (Dir: Richard Boleslawski) com Fredric March (Jean Valjean). Produzido pela Twentieth Century Pictures.

15-Gavrosh / 1937 (Dir: Tatyana Loukatchevitch). Enfatiza o personagem Gavroche, interpretado por Nikolay Smorchkov. Produzido pela Mosfilm – União Soviética.

16-Kyojin-den / 1938 (Dir: Mansako Itami). Inspirado no personagem Jean Valjean com Denjirô Ôkôchi. A ação foi transportada para a rebelião de Satsuma de 1877 da era Meiji. Produzido pela Toho -Japão.

17-Los Miserabiles / 1943 (Dir: Fernando A. Rivero) com Domingo Soler (Juan Valjean). Produzido pela Azteca Films-México.

18-El Boassa /1944 (Dir: Kamal Selim). Adaptação do romance de Victor Hugo com ação tansportada para século XX no Egito.

19-I Miserabili / 1948 (Dir: Riccardo Freda) com Gino Cervi (Jean Valjean). Em duas partes: Caccia al’ uomo e Tempesta su Parigi. Produzido pela Lux Film-Itália.

20-Re Mizeraburu / 1950. Compõe-se de duas partes: Kami to Akuma (Dir: Daisuke Itô) e Kami to jiyu no hata (Dir: Masahiro Makino) com Sessue Hayakawa. Ação transportada para o Japão da era Meiji. Produzido pela Tokyo Eiga – Japão.

21-Ezhai Padum Pad / 1950 (Dir: K. Ramnoth). Adaptação do romance de Victor Hugo com Jean Valjean agora chamado Kandhan, interpretado por Chittor V. Nagaiah. Produzido na Índia.

22- O Implacável / Les Miserables / 1952 (Dir: Lewis Milestone) com Michael Rennie (Jean Valjean). Produzido pela Twentieth Century Fox.

23- Kundan / 1955 (Dir: Sohrab Modi). Adaptação do romance de Victor Hugo com ação transportada para o Século XX na Índia. Produzido pela Minerva Movietone.

24-Os Miseráveis / Les Misérables / 1958 (Dir: Jean-Paul le Chanois) com Jean Gabin (Jean Valjean). Co-produção França – Alemanha Oriental – Itália.

25- Jean Valjean / 1961(Dir: Seung-ha Jo). Produzido pela Kwang-seong Films – Coréia do Sul.

26-Sefiller / 1967 (Dir: Zafer Davutoglu). Adaptação do romance de Victor Hugo com ação transportada para o século XX na Turquia. Produzido pela Kemal Film – Turquia.

27-Al Boassa / 1978 (Dir: Atef Salem). Adaptação do romance de Victor Hugo com ação transportada para o século XX no Egito.

28- Os Miseráveis / Les Misérables (Dir: Robert Hossein) com Lino Ventura (Jean Valjean). Co-produção França- Alemanha Oriental.

30-Os Miseráveis / Les Miserabiles / 1998 (Dir: Bille August) com Liam Neeson (Jean Valjean). Co-produção Reino Unido- Alemanha- Estados Unidos.

31-Os Miseráveis / Les Miserables / 2012 (Dir: Tom Hooper) com Hugh Jackman (Jean Valjean). Musical. Co-produção Reino Unido – Estados Unidos.

MINHA VERSÃO PREDILETA É A DE RAYMOND BERNARD DE 1934

Soberba adaptação do romance de Victor Hugo, dividida em três partes, cada qual correspondendo praticamente a um filme. Apesar da compressão da intriga, o grande afresco romântico e social de Hugo foi levado à tela com muita fidelidade. O elenco de primeira grandeza deixou-se literalmente transportar pelo sopro épico. A interpretação de Harry Baur, que está sublime em todas as encarnações do personagem (Jean Valjean, Monsieur Madeleine, Fauchelevent, père Champmathieu), jamais foi superada por outro ator. Também admiráveis são os trabalhos de Charles Vanel como o inflexível Javert; Florelle, assumindo os traços de Fantine; Orane Demazis (depois de cogitada Arletty) como Eponine, Josseline Gael como Cosette adulta (depois de cogitada Danielle Darrieux), Jean Servais como Marius; Henri Krauss (o Jean Valjean do filme de Albert Capellani de 1912) como o bispo Myriel; e três luminares do teatro francês: Max Dearly (M. Gillenormand, avô de Marius), Charles Dullin  e Marguerite Moreno, estes dois últimos como Thénardier e senhora, representando com seus sorrisos ávidos e suas fisionomias de raposa, a escória da sociedade.

Jean Valjean

Jean Valjean e o Bispo

Fantine

O casal Thénardier

Jean Valjean e Cosette menina

As barricadas

Outra cena das barricadas

Gavroche

Jean Valjean e Javert

Marius, Jean Valjean e Cosette adulta

Tecnicamente esta versão é impecável do início ao fim com a utilização de travellings rápidos, planos inclinados, profundidade de campo, câmera na mão;  elipses visuais (v. g. o suicídio de Javert) e a alternância de planos próximos com planos aéreos de conjunto (v. g. para mostrar a tensão crescente na preparação do confronto final nas barricadas); altos valores de produção com a reconstituição das ruas de Paris no estúdio de la Victorine em Nice, centenas de figurantes, figurinos de época impecáveis); música intensa de Arthur Honnegger nos momentos fortes, como a Marselhesa cantada pelos estudantes recusando-se a se render. Emocionalmente então, nem se fala. Quem não se comove diante das cenas da pequenina Cosette sendo maltratada pelo pérfido casal; do sofrimento da desdentada Fantine; da morte do menino Gavroche após catar munição dos mortos na insurreição; da bondade infinita do Jean Valjean redimido pelo perdão de um pároco; daquela imagem final do ex-condenado diante dos castiçais de prata de Monseigneur Myriel!

Dizem que quando as primeiras provas do livro saíram das prensas, os revisores e os impressores choravam. Eu mal contive as lágrimas ao rever há pouco, em magnífica versão restaurada em dvd, esta obra-prima do cinema mundial de incontestável excelência e beleza.

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