Quem gosta de ver desenhos animados na televisão? Não se acanhem de responder afirmativamente, pois é engano pensar que só podem interessar às crianças. Curtí-los não tem nada de infantil, porque hoje são considerados como uma forma de arte peculiar.
Ela começou com os fantoches ingenuamente rabiscados por Emile Cohl, lá por volta de 1906, evoluindo incessantemente graças a alguns gênios como Walt Disney e Max Fleischer (criador da Betty Boop e do marinheiro Popeye) até chegar aos modernos cartoons onde se nota o máximo de aperfeiçoamento e… permissividade.
É claro que seu reino continua sendo basicamente o do conto de fadas, no qual tudo acontece facilmente, e o da fábula, com os animais falando, pensando e agindo igualzinho aos seres humanos.
Todavia, neste mundo mágico e irreal percebe-se a capacidade inventiva e a técnica extremamente laboriosa de artistas que dão vida e mesmo certa coerência ao absurdo, fazendo, às vezes, poesia.
Daí podermos falar numa arte da animação tão respeitável quanto as outras e que merece ser apreciada com seriedade.
Neste artigo recordamos alguns desenhos animados, hoje já praticamente esquecidos, que foram exibidos na nossa TV há alguns anos, sobre os quais escreví, quando assinava a coluna Por Dentro dos Seriados no encarte Amigão da revista Amiga.
Entre os desenhos animados que a Rede Globo exibia nos domingos nos anos 70 no programa Brucutu e sua Turma, encontramos Os Sobrinhos do Capitão / Captain and the Kids, baseado na história em quadrinhos de extraordinária longevidade. Seus personagens foram criados em 1897 por Rudolf Dirks e viveram suas primeiras aventuras sob o nome de Katzenjammer Kids, no Suplemento Dominical de um dos jornais de William Randolph Hearst, inspirando-se nas figuras dos traquinas Juca e Chico (Max und Moritz) inventados por Wilhelm Busch. DIrks contava as diabruras de uma dupla de garotos, Hans e Fritz, numa colônia alemã da África; era uma verdadeira guerrilha conduzida pelos moleques contra todas as formas de autoridade; mas, por vezes, eles sofriam as consequências de suas artimanhas. Em 1912, Dirks desentendeu-se com Hearst, passando a colaborar para o “World”, um jornal concorrente. O magnata da imprensa tentou impedí-lo na Justiça e o processo se encerrou com uma decisão salomônica: Dirks ficou com o direito de usar seus personagens e Hearst com o título. A historieta de Katzenjammer Kids reapareceu então no jornal de Hearst, desenhada por Harold Kneer, enquanto Dirks publicava suas próprias tiras no “World”, primeiramente denominadas Hans e Fritz e, mais tarde, The Captain and the Kids”. No cinema foram feitos dois filmes com os personagens em 1903 e, em 1917, o estúdio do gripo Hearst, International Film Service, sob a direção de Gregory La Cava, realizou “cartoons” em alguns dos quais participaram como animadores Walter Lantz e John Foster. Em 1938, a Metro produziu nova série de desenhos sob a supervisão de Robert Allen e William Hanna.
Nos anos 70, a Rede Globo jogou no ar, na Sessão Aventura, um desenho animado que girava em torno de um dos mais originais personagens das historietas em quadrinhos. Trata-se de O Homem Elástico (Plastic Man) que tinha o nome de Homem Borracha quando aparecia nas páginas da revista Lobinho nos anos 40. A tira, criada por Jack Cole, autor também do Cometa e do Meia-Noite, era uma paródia de todos os super-heróis das comic strips existentes na época.
O Homem Borracha surgiu quando um bandido chamado O´Brien foi atirado num tanque contendo um ácido desconhecido que lhe deu o poder de se elastecer; desde então passa a combater o crime auxiliado depois por Balão (Woozy), um ex-presidiário que também se regenerara.
Eles formavam uma dupla realmente diferente no gênero e em suas aventuras (algumas escritas por Mickey Spillane) havia um equilíbrio entre a simples palhaçada e o humor sofisticado, além da própria excentricidade das mil e uma formas que o herói elástico assumia para enfrentar os bandidos. No cartoon exibido pela Globo, substituíram o Bolão por um tal de Hula-Hula e introduziram a figura feminina de Penny, a jovem que pilota o jato supersônico, no qual o trio parte sempre para novas missões, cumprindo ordens de um chefe tão absurdo como eles.
Muitos leitores já devem ter assistido a alguns desenhos animados da série Mr. Magoo que, além de terem sido exibidos nas telas dos cinemas, apareceram na Rede Tupi nos anos 60 e 70, mas talvez não saibam que eles fizeram parte de um movimento renovador no campo da animação cinematográfica, tendo inclusive sido contemplados com o Oscar da Academia em 1954 e 1956. Sua criação tem origem no início dos anos 40, quando irrompeu uma greve nos estúdios de Walt Disney e, em consequência, vários artistas foram buscar emprego nas demais companhias, que se beneficiaram bastante com transferência de talentos. Um outro grupo, liderado por Stephen Bosustow, resolve fundar a UPA (United Productions of America) com o propósito de revolucionar o gênero desenvolvendo um estilo bem diverso de tudo que vinha sendo feito neste campo artístico, procurando usar o som e a cor com mais flexibilidade imaginação, identificando-se com as tendências da arte moderna.
Na verdade, seus primeiros desenhos buscaram inspiração em alguns mestres da pintura do século 20, tais como Picasso ou Braque, tentando dar um tratamento virtualmente abstrato às histórias. Estas, por sua vez, baseavam-se em obras sérias, como o conto The Tell Tale Heart de Edgar Allan Poe ou Unicorn in the Garden de James Thurber, sendo o primeiro narrado por um ator de prestígio como James Mason.
Mas, como estes dois títulos de inegável significação não despertaram o interesse do grande público, a UPA decidiu então escolher personagens mais populares e enredos acessíveis, surgindo daí o Mr. Magoo (idéia do produtor John Hubley, criação de Millard Kaufman, direção principalmente de Pete Burness), um velhote míope, vestido com capotão, chapéu e cachecol, de bengala e fumando charuto, típico exemplar da classe média abastada. O personagem Mr. Magoo fo realmente derivado de várias figuras da vida real, entre elas, um tio de Hubley e W. C. Fields, entre outros.
Em 1997, Leslie Nielsen assumiu o papel de Mr. Magoo em um filme de ação ao vivo em longa-metragem, Mr. Magoo / Mr. Magoo (Dir: Stanley Tong), fracasso de bilheteria e malhado pelos críticos.
Magoo, por causa de sua precária visão, nunca percebe o perigo que está correndo, sacando, em face de cada situação, as mais incorretas suposições, sempre imperturbável e posudo. Esta atitude era sublinhada na versão original exibida nos cinemas não só pela fisionomia carrancuda e ventre avantajado da figurinha, como também pela voz característica, fornecida pelo comediante Jim Backus, que a dublagem não conseguia reproduzir. Mas podem notar que, ao invés daquelas criaturas redondinhas que os colaboradores de Disney faziam com tanta habilidade, os desenhistas de Mr. Magoo riscam formas plana, estilizadas, traços mais econômicos, não naturalistas, em cores frescas e audaciosas. Também os problemas são os de um ser humano e não mais peripécias de bichinhos; mas não se perdeu o eterno fascínio do desenho animado, ou seja, a possibilidade de acontecerem as coisas mais absurdas.
Na década de setenta, os telespectadores ainda viram os desenhos animados de um dos mais talentosos artistas que os criaram: Tex Avery, texano gorducho, cego da vista esquerda, descendente em linha reta do legendário juiz Roy Bean. Ele começou nos anos 30, usando seu verdadeiro nome, Fred, como desenhista de Walter Lantz, passando logo após para a companhia de Leon Schlesinger, produtor independente dos cartoons distribuídos pela Warner., onde ajudou a desenvolver a figura do coelho Pernalonga (Bugs Bunny), do Patolino (Daffy Duck) e do Gaguinho (Porky), entre outros. Em 1942, transferiu-se para a Metro, tornando-se responsável por praticamente todos os desenhos, com exceção dos de Tom e Jerry; no estúdio da marca do leão criou o Droopy, espécie de Buster Keaton canino, o Screwy Squirrel e a dupla George e Junior, estes últimos inspirados nos protagonistas do filme Carícia Fatal / Of Mice and Men, baseado na novela de John Steinbeck e dirigido por Lewis MIlestone em 1939.
Em 1954, voltou a colaborar com Lantz, inventando então o pinguim Picolino (Chilly Willy) e, um ano depois, resolveu dedicar-se exclusivamente aos comerciais para TV, tendo recebido vários prêmios. Com notável senso cômico e habilidade técnica ele dirigiu centenas de cartoons, entre os quais avultam algumas obras-primas como, por exemplo, Quem foi o Assassino / Who Killed Who / 1943, paródia dos romances policiais, empregando muitos clichês do gênero para fins de humor. Nos desenhos animados de Tex Avery estão presentes a fantasia anárquica e o universo absurdo que levou alguém a chamar Tex de … “O Walt Disney que leu Kafka”.