EXTRAS, SUBSTITUTOS E DUBLÊS – OS DESCONHECIDOS DO CINEMA

Eles fazem parte da indústria de cinema quase desde o seu início, mas são geralmente desconhecidos e despercebidos pelo público. Extra ou Figurante (Background Actor), é aquele ator cujo papel não tem uma fala no filme. Substituto (Stand-In) é a pessoa que assume o lugar dos atores para a realização de testes de fotografia, iluminação, ensaios, etc. Dublê (Stuntman) é um profissional treinado, contratado para executar proezas físicas perigosas.

Para escrever este artigo, inspirei-me e colhí boas informações no livro de Anthony Slide Hollywood Unknowns (University Press of Mississipi, 2012), consultando também o seu The New Historical Dictionnary of the American Film Industry (Scarecrow Press, 1998). Slide é autor de uma quantidade íncrivel de livros de cinema, que tenho sempre imenso prazer de ler juntamente com os de Kevin Brownlow, outro eminente historiador britânico.

Os extras da tela tiveram como antecedentes os extras do palco e não se confundiam com eles. Estes últimos faziam parte da profissão teatral. Já os primeiros extras do cinema não tinham nenhuma experiência de cinema como atores. Eram indivíduos fascinados pelo glamour do cinema e pela possibilidade, não somente de fazer parte da cena, mas principalmente de serem notados e obterem um papel de verdade no filme.

Inicialmente, salvo raras exceções, os estúdios contratavam os extras diretamente. Os escritórios dos casting directors (diretores de elenco) dos estúdios ficavam abarrotados, de candidatos a extra. Um dos diretores de elenco mais famoso foi Fred Datig, que exerceu primeiramente esta função na Universal, transferindo-se depois sucessivamente para a Famous Players Lasky / Paramount e MGM, onde ficou até sua morte em 1951. O dress extra era um tipo de extra que possuía e sabia usar com elegância roupas formais para cenas de festas, etc. Por isso, ganhava mais do que um extra comum.

Duas grandes produções de Cecil B. DeMille dos anos vinte, Os Dez Mandamentos / The Ten Commandments / 1923 e O Rei dos Reis / The Kings of Kings / 1927 empregaram numerosos extras e a Warner Bros. contratou cerca de cinco mil extras para a realização de A Arca de Noé / Noah´s Ark / 1928, dirigido por Michael Curtiz. Apesar dos arquivos do estúdio silenciarem a respeito, muitos extras teriam sido gravemente feridos e ocorrido pelo menos um óbito durante a filmagem da sequência do dilúvio.

Os Dez Mandamentos

 

A Arca de Noé

Em 4 de dezembro de 1925, por iniciativa de Will H. Hays e da Motion Picture Producers and Distributors of America (MPPDA) foi criado oficialmente o Central Casting Bureau para classificar os milhares de indivíduos (60% dos quais mulheres) que procuravam emprego como extras na indústria cinematográfica. Os objetivos principais do Central Os objetivos do Central Casting eram: acabar com as altas taxas cobradas dos extras pelas agências de emprego privadas; garantir que os eles fossem pagos na forma da lei; desencorajar o influxo de pessoas aglomerando-se em Hollywood na tentativa de emprego como extras; garantir um emprego estável para extras qualificados. Para os estimados 30 mil aspirantes a extras em Hollywood o Central Casting tornou-se a única fonte de trabalho.

Entre as atrizes do cinema silencioso que começaram como extras estavam por exemplo: Evelyn Brent, Gloria Swanson, Joan Crawford, Norma Talmadge, Florence Vidor, Mae Marsh, Seena Owen, Mary Philbin, Laura La Plante, Betty Bronson, Norma Shearer, Claire Windsor, Lois Wilson. Entre os atores: Rudolph Valentino, George Walsh, Clark Gable, Gary Cooper, David Niven. Durante a era sonora podemos citar Lana Turner e Alan Ladd.  O diretor Fred Zinemann trabalhou como extra em Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front / 1930 como um soldado alemão e como um chofer de ambulância francês.

Ao contrário, algumas estrelas e astros do cinema silencioso encerraram suas carreiras como extras, como foi o caso de Florence Turner, a “Vitagraph Girl” e seu galã no mesmo estúdio Maurice Costello. Cecil B. DeMille empregou vários atores do cinema mudo como extras em Cleopatra / Cleopatra / 1933 entre eles William Farnum, Julanne Johnston, Jack Mulhall, Bryant Washburn, Claire McDowell e em Vendaval de Paixões / Reap the Wild Wind / 1942 ele usou, além de outros, Monte Blue, Mildred Harris, Dorothy Sebastian. Em abril de 1936 Louis B. Mayer anunciou a colocação de pelo menos uma dúzia de astros do cinema mudo na folha de pagamento da MGM como extras, entre eles, o ex-diretor King Baggot, Helene Chadwick, Flora Finch, Florence Lawrence e a primeira esposa de Valentino, Jean Acker.

Cena de A Última Ordem (Emil Jannings na fila dos extras)

Cena de The Life and Death of 9413: a Hollywood Extra

Dois filmes famosos fizeram alusão aos extras e às suas experiências em um estúdio. Na produção da Paramount A Última Ordem / The Last Command / 1928, dirigida por Josef von Sternberg, Emil Jannings faz o papel do ex-General Dolgorucki, fugitivo da Revolução de 1917 que, para sobreviver, trabalha como extra em Hollywood. The Life and Death of 9413: a Hollywood Extra / 1928, co-escrito e dirigido por Robert Florey e Slavko Vorkapich, considerado um marco do cinema americano de vanguarda, conta a história de Mr. Jones (Jules Raucourt), que vai para Hollywood, com a intenção de se tornar um astro, e acaba desumanizado, reduzido pelos executivos de estúdio a um extra, com o número 9413 escrito na sua testa.

Os substitutos não devem ser confundidos com os dublês de corpo (body doubles), pessoas que atuam em cenas que atores ou atrizes não querem fazer (v. g. cenas de amor ou de nudismo). Algumas produções pedem que dois personagens apareçam no mesmo plano, retratados por um único ator. Um dublê de corpo interpreta um dos personagens enquanto um ator creditado interpreta o outro, permitindo assim que ambos os personagens apareçam simultaneamente diante da câmera.

Comumente se diz que a idéia do stand-in teve origem nos anos vinte, quando Pola Negri sugeriu que fôsse substituída por um boneco ou um manequim, mas parece que houve exemplos anteriores. Slide cita como exemplo o caso de Blanche Sweet que, ao contrair escarlatina durante a filmagem de The Escape / 1914 de D. W. Griffith, foi substituída em algumas cenas por uma atriz menor chamada Claire Anderson, muito parecida com ela.

Julie Haydon substituta de Ann Harding

Ainda segundo Slide, nos anos trinta os substitutos eram comuns nos sets de filmagem dos estúdios. Algumas estrelas tinham substitutas que haviam sido ou eram elas próprias atrizes. A substituta de Ann Harding era Julie Haydon, que trabalhou como leading lady no cinema, mas era mais conhecida na Broadway; Joan Crawford teve como substituta Ann Dvorak, antes que esta tivesse sido elevada ao estrelato na Warner Bros.; a carreira de atriz infantil dos anos dez, Baby Marie Osborne já estava encerrada há muito tempo, quando ela se tornou substituta de Ginger Rogers e posteriormente de Deanna Durbin. Katharine Hepburn usava duas irmãs, Mimi e Patricia (Patsy) Doyle como substitutas. Esta última também trabalhou como dançarina e substituta de Barbara Stanwyck e continuou no cinema até 1942, quando se casou com o então montador e futuro diretor Robert Wise.

Slide enumera muitos outros exemplos de substitutos, mas vou citar apenas alguns para não cansar o leitor, mencionando primeiro o nome da substituta ou substituto e entre parêntesis o da atriz ou ator substituído: Edna Weckert (Mae West), Fern Barry (Helen Hayes), Pluma Noison (Claudette Colbert), Helene Holmes (Alice Faye), Kathryn ou Kay Stanley (Irene Dunne), Sally Sage (Bette Davis), Geraldine De Vorak (Greta Garbo);  Victor CHatten (Lew Ayres), “Dutch” Petit (Richard Barthelmess e depois Paul Muni),  Tommy Noonan (Tyrone Power), Ted Hall (George Raft), Bill Hoover (Charles Laughton e Edward Arnold), Art Berry Jr. (Herbert Marshall), Malcom Merrihugh (Cary Grant), Bill Meader (Fredric March),etc. etc. Alguns substitutos trabalharam para vários atores:  Leonard Mann para Eddie Bracken, Dick Powell, Bing Crosby e Wendell Corey; Gale Mogul para Eddie Cantor, Ronald Colman, Adolphe Menjou, Leslie Howard, Robert Donat e Charles Boyer. Os astros infantís também tinham seus substitutos. Marilyn Granas substituía Shirley Temple (depois Granas foi substituída por Mary Lou Isleib), Gloria Fisher substituía Jane Withers, Carol Ann Saunders substituía Margaret O´Brien e Barbara Campbell substituía Virginia Weidler.

Mary Lou e Shirley Temple

Entre os substituídos e substitutos dos anos 40 selecionei na lista enorme de Slide: Byron Fitzgerad (William Holden), Neil Collins (George Raft), Gordon Clark (Douglas Fairbanks Jr.), “Fig” Nelson (Charles Boyer), Tommy Summers (Alan Ladd), June Kilgore (Paulette Goddard), Ruth Peterson (Rita Hayworth). Para terminar, por receio de enfastiar o leitor, em Casablanca / Casablanca / 9142, Betty Brooks substituiu Ingrid Bergman e Russ Llewellyn substituiu Humphrey Bogart.

Em 1939 os stand-ins formaram sua própria organização fraterna, Hollywood Standin Players, Inc., que depois mudou o nome para Hollywood Stand-Ins Guild. Nos anos 40 foi organizada a Associated Stand-Ins of Hollywood, que introduziu seus próprios prêmios, os Elmers Awards.

Richard Talmadge em uma de suas cenas arriscadas

Harvey Parry o dublê de Harold Lloyd em

O uso de dublês data de 1908. Embora muitos atores e atrizes do cinema silencioso – particularmente os comediantes – realizassem suas acrobacias, os dublês eram usados quando necessários. Richard Talmadge e Harvey Parry serviram de dublês para Harold Lloyd. Talmadge dublou para Douglas Fairbanks. Numerosos stuntmen dublaram para Pearl White nos seus seriados. Geralmente os nomes dos dublês não era divulgado e a indústria se apegou ao mito de que os astros excutavam suas próprias façanhas arriscadas.

Yakima Canutt em ação

Os dublês tornaram-se mais conhecidos do que os extras e substitutos, porém muitos dublês do cinema mudo permanecem anônimos. No meu artigo Grandes Dublês do Cinema Americano de Outrora, publicado neste blogue em 28 de Outubro de 2013,   forneço mini-cinebiografias de Bob Rose, Richard Talmadge, Cliff Lyons, David Sharpe, Enos Edward Canutt (Yakima Canutt), Dick Grace, Al Wilson, Ormer Locklear, Albert Paul Mantz, Tom Steele, Dale Van Sickel. Yakima Canutt notabilizou-se pelo seu trabalho como diretor de segunda unidade em Ben-Hur / Ben-Hur / 1959 e recebeu um Oscar honorário em 1966. Ormer Locklear, especialista em vôos acrobáticos, morreu em 1920 enquanto filmava Aviador Temerário / The Skywayman / 1920. Paul Mantz perdeu a vida quando filmava O Vôo da Fênix / Flight of the Phoenix / 1965. Alguns dublês tornaram-se astros como George O´Brien, Jock Mahoney, Rod Cameron e George Montgomery.

Paul Mantz

Uma dublê chamada Winna Brown, ficou conhecida pelas suas habilidades de equitação. Ela fazia o papel de índias na Universal em 1910 e nos anos vinte dublou Norma e Constance Talmadge. Quando Joseph Schildkraut foi contratado para contracenar com Norma Talmadge em Canção de Amor / The Song of Love / 1923, descobriu-se que ele tinha medo de cavalos e então Norma fez com que Winna Brown o dublasse. Uma dublê feminina pioneira dos anos trinta foi Lila Finn que apareceu em mais de cem filmes. Ela serviu como dublês de Dorothy Lamour em O Furacão / The Hurricane / 1937 nadando e mergulhando na locação na ilha de Pago Pago em Samoa e de Paulette Goddard, descendo pelas corredeiras em Vendaval de Paixões / Reap the Wild Wind /1942 e Os Inconquistáveis / Unconquered / 1947. Em Ladrão de Casaca / To Catch a Thief / 1955 de Alfred Hitchcock ela dublou a ladra interpretada por Brigitte Auber, pulando de um telhado para outro e eventualmente caindo de um deles e sendo segurada pela mão de Cary Grant.

2 pensou em “EXTRAS, SUBSTITUTOS E DUBLÊS – OS DESCONHECIDOS DO CINEMA

  1. Daniel Camargo

    O historiasdecinema.com não deixa de surpreender com informações notáveis sobre a sétima arte. Este artigo é incrível e repleto de preciosidades, histórias desconhecidas mas que fazem parte do cinema e felizmente agora temos a nossa disposição, graças ao incansável AC. Permita-me complementá-lo com o nome da escultural nadadora olímpica americana Josephine McKim, ou melhor, a dublê de corpo de Maureen O’Sullivan em A Companheira de Tarzan, 1934. A cena foi rodada em três versões, cada uma com menos roupas. Segundo O’Sullivan, em uma entrevista décadas depois do lançamento do filme, ela não fez a cena não pela nudez, mas por claustrofobia em filmar no tanque de água. McKim foi também a sereia em miniatura de A Noiva de Frankenstein.

  2. AC Autor do post

    Obrigado Daniel pelo acréscimo ao meu artigo, enriquecendo-o com a alusão à Maureen O’ Sullivan e sua substituta Josephine McKim. Não sei como pude me esquecer do exemplo de A Companheira de Tarzan, cuja cópia em dvd com a cena submarina au naturel faz parte de minha dvdteca.

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