Ele foi um especialista do melodrama e do woman’s picture (filme para mulheres) nos anos 20-30, mas como seus filmes mudos eram considerados como perdidos e seus filmes sonoros foram ofuscados pelo glamour das refilmagens de Douglas Sirk nos anos cinquenta, somente há pouco tempo sua obra começou a ser melhor conhecida e celebrada.
Em agosto de 1981 o British Film Institute organizou a mostra “John M. Stahl: The Romantic Image”, com 17 filmes do diretor, sendo dois filmes mudos que tinha em seus arquivos e mais 15 filmes sonoros. Em 1999, no Festival de San Sebastian na Espanha, houve uma retrospectiva mais abrangente, inclusive cobrindo mais o período silencioso. Finalmente, em 2018, realizou-se uma Retrospectiva Stahl, compreendendo um seleção de filmes sonoros na Semana do Cinema Ritrovato em Bologna e outra, de filmes silenciosos, em Pordennone. Neste mesmo ano saiu o livro editado por Bruce Babington e Charles Barr, intitulado “The Call of the Heart – John M. Stahl and Hollywood Career”, publicado pela John Libbey e distribuido mundialmente pela Indiana University Press, que fornece sinopses e informações sobre todos os filmes do cineasta, valendo a pena assinalar ainda a existência de duas publicações anteriores: “John M. Stahl: The Man Who Understood Women”, ensaio de George Morris publicado em Film Comment (Maio / Junho 1977) e “Home is Where the Heart is: Studies in Melodrama and Woman’s film”, editado por Christine Gledhill e publicado pelo BFI em 1987.
Jacob Morris Strelitzky (1886-1950) nasceu em Baku (no atual Azerbaijão) e, no início do século vinte, imigrou para os Estados Unidos onde, ainda jovem, foi condenado e preso por vários delitos em Nova York e Pensilvânia sob os cognomes de Jack Stalll e John Stoloff. Em algum momento Jacob deve ter passado de ator teatral para ator de cinema, mas não existem registros para confirmar isto. Segundo uma história contada pelos publicistas de um estúdio, em um filme no qual estava atuando como ator, o diretor caiu doente, e ele assumiu a direção tão bem, que seu futuro ficou decidido.
Antes de ter seu nome – já mudado para John M. Stahl – creditado pela primeira vez na tela como diretor de Noivado Trágico / Wives of Men / 1918 (melodrama com Florence Reed, Frank Mills), ele sempre alegou ter dirigido dois filmes sem receber crédito: A Boy and the Law / 1914 e The Lincoln Center ou The Son of Democracy/ 1917. Quanto ao primeiro filme, hoje perdido, sabemos que tinha como protagonista o Juiz Willis Brown, titular de uma vara de menores, que resgatava delinquentes juvenis, mantendo “Cidades de Meninos”, onde eles aprendiam a ter responsabilidade e disciplina através do trabalho como fazendeiros e de uma vida comunitária – porém não existe prova cabal de que Stahl tivesse sido o diretor. Com relação ao segundo filme – na verdade uma série de dez filmes de dois rolos dramatizando acontecimentos na vida de Abraham Lincoln -, apesar de constar dos anúncios de publicidade como tendo sido escrito, dirigido e produzido por Benjamin Chapin, o que se sabe hoje é que ele pode ter filmado algumas cenas, mas precisou de um diretor com mais habilidade para conduzir o restante do filme e este homem foi John M. Stahl.
Depois de Noivado Trágico, Stahl dirigiu mais alguns melodramas (1918 – Suspicion com Grace Davison, Warren Cook. 1919 – Páginas de Ontem / Her Code of Honor com Florence Reed, William Desmond; The Woman Under Oath com Florence Reed, Hugh Thompson. 1920 – Suspicious Wives com Mollie King, Rod La Rocque (filmado e anunciado em 1920 como Greater Than Love, mas devido a uma disputa sobre direitos, o filme foi engavetado e só lançado em 1921 com novo título, para distinguí-lo de um filme de Fred Niblo de título idêntico); Women Men Forget com Mollie King, Edward Langford.
Ainda em 1920 Stahl assinou contrato com a companhia produtora recentemente formada por Louis B. Mayer, para a qual dirigiu onze filmes, que foram distribuidos pela First National, e mais três para a MGM quando Mayer passou a integrar esta companhia em 1925: 1920 – The Woman in His House com Mildred Harris Chaplin, Ramsey Wallace. 1921 – Quem Vento Semeia / Sowing the Wind com Anita Stewart, James Morrison; O Filho do Pecado / The Child Thou Gavest Me com Barbara Castleton, Lewis Stone; Suspicious Wives com Mollie King, Rod La Rocque. 1922 – A Flor do Mal ou Canção da Vida / The Song of Life com Gaston Glass, Grace Darmond; O Desprezado / One Clear Call com Milton Sills, Claire Windsor; A Idade Perigosa / The Dangerous Age com Lewis Stone, Cleo Madison. 1923 – Os Ricos Necessitados / The Wanters com Marie Prevost, Robert Ellis. 1924 – Por Que os Maridos se Aborrecem de Casa / Why Men Leave Home com Lewis Stone, Helene Chadwick; Maridos e Amantes / Husbands and Lovers com Lewis Stone, Florence Vidor. 1925 – Amor a Crédito / Fine Clothes com Lewis Stone, Alma Rubens. 1926 – Evitando o Pecado / Memory Lane; O Adorável Mentiroso / The Gay Deceiver com Lew Cody, Marceline Day. 1927 – Amantes / Lovers com Ramon Novarro e Alice Terry; Gratidão de Filho / In Old Kentucky com James Murray e Helene Costello. O sucesso dos primeiros filmes levou Mayer a dar uma unidade própria para Stahl: John M. Stahl Productions e, desde seus filmes mudos, ele ficou associado com o melodrama e o “filme para mulheres”, girando quase sempre em torno de problemas familiares, infidelidade conjugal, ciúme, divórcio, devoção feminina, auto-sacrifício. Seu método de trabalho, como ele próprio dizia era: “emoção no lugar da ação”.
No final de 1927 Stahl deixou a MGM, para assumir o cargo de Vice-Presidente e Supervisor Geral da Produção da Tiffany Productions, pequeno estúdio independente que, a partir de então mudou de nome para Tiffany-Stahl. O ingresso de Stahl foi acompanhado pela compra pela Tiffany do Fine Arts (ex-Reliance-Majestic) estúdio e um investimento de 250 mil dólares para reformá-lo
No começo da era do som Stahl desligou-se da Tiffany-Stahl, iniciando a segunda parte de sua carreira sob contrato da Universal, onde dirigiu primeiramente um drama romântico, Vencida pelo Amor / A Lady Surrenders / 1930, com Genevieve Tobin, Rose Hobart, Conrad Nagel, Basil Rathbone e um drama, Filhos / Seed / 1931, com John Boles, Genevieve Tobin, Lois Wilson, Zasu Pitts, dedicando-se depois, em um desvio inesperado, a uma comédia, Más Intenções / Strictly Dishonorable / 1931, com Paul Lukas, Sidney Fox, Lewis Stone, George Meeker.
O passo seguinte na trajetória artística do diretor nos anos 30 foi a realização de cinco dos seus seis grandes melodramas: 1932 – A Esquina do Pecado / Back Street; Nós e o Destino / Only Yesterday; 1934 – Imitação da Vida/ Imitation of Life. 1935 – Sublime Obsessão / Magnificent Obsession. 1939 – Noite de Pecado / When Tomorrow Comes.
Em A Esquina do Pecado, baseado em um romance de Fannie Hurst, em 1905, uma jovem (Irene Dunne) torna – se amante de um homem casado (John Boles) e se contenta em permanecer no anonimato, sacrificada pelo egoismo dele e pelas convenções sociais. Stahl narra a história por meio de cenas lentas, que produzem efeito cumulativo na platéia , atingindo grande intensidade no final. A interpretação de Irene Dunne, na solitária e taciturna vítima do infortúnio, também contribuiu muito para o sucesso do filme.
Nós e o Destino / Only Yesterday, indicado como tendo sido inspirado em um livro de Federick Lewis Allen, mas com intriga muito parecida com a do romance de Stefan Sweig “Brief einer Unbekannter, levado à tela por Max Ophuls como Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948, tem como pivô a jovem (Margaret Sullavan) que, em consequência de uma noite de amor com um soldado (John Boles) de partida para a Primeira Guerra Mundial, engravida; quando o pai da criança retorna, não a reconhece. Sem se preocupar com a credibilidade dos fatos que está narrando, Stahl sabe fazer as mulheres chorarem e, dirigindo com simplicidade, mexeu com as emoções delas. Como não pôde contar com Claudette Colbert e Irene Dunne, pois ambas rejeitaram o papel, escolheu Margaret Sullavan nos palcos de Nova York e o desempenho desta ultrapassou todas as expectativas.
Imitação da Vida, foi baseado em um romance de Fannie Hurst, que conjuga problema racial com sacríficio materno. Uma viúva (Claudette Colbert) enriquece vendendo panquecas feitas pela empregada negra (Louise Beavers), mas ambas têm problemas com as filhas. A da patroa (Rochelle Hudson) apaixona-se pelo namorado da mãe; a da criada (Fredi Washington) quer passar por branca, envergonhando-se da progenitora. Stahl soube explorar todos os convencionalismos e extrair desempenhos convincentes das atrizes. O filme foi indicado para o Oscar.
Sublime Obsessão adaptação de compasso um pouco arrastado do romance de Lloyd Douglas conta a história implausível do rico playboy (Robert Taylor,) que se torna cirurgião, para operar a jovem (Irene Dunne) que ficara cega em virtude de um acidente de automóvel causado por ele. Inegavelmente um mestre no gênero lacrimogêno, Stahl expõe a intriga de forma direta, sem se preocupar com floreios estilísticos, alcançando seu objetivo. O filme foi um extraordináriuo sucesso popular.
Noite de Pecado reuniu Charles Boyer e Irene Dunne em uma história de amor baseada em um romance de James Cain. Dunne vive a garçonete sindicalista apaixonada por Boyer, um pianista cuja esposa sofre das faculdades mentais. Embora cheio de lugares-comuns, o filme é dirigido com a sobriedade e a sinceridade caraterística do cineasta e muito bem interpretado, atingindo os seus fins.
Além deles, cedendo ao apelo de Louis B. Mayer para dirigir na MGM um projeto inabitual para o cineasta, Stahl realizou uma cinebiografia frustrada do nacionalista irlandês Charles Parnell, Parnell, O Rei Sem Corôa / Parnell /1937 com Clark Gable e Myrna Loy e terminou a década, de novo na Universal, com uma comédia dramática, Dia de Promessa / Letter of Introduction / 1938, interrompendo a todo instante o drama vivido por Adolphe Menjou e Andrea Leeds com as gracinhas de Edgar Bergen e seu boneco.
Nos anos 40, antes de ingressar na 2Oth Century-Fox, onde ficaria até o final de sua carreira, Stahl realizou na Columbia A Noiva de Meu Marido / Our Wife / 1941, comédia romântica fraquinha com Melvyn Douglas, Ruth Hussey e Ellen Drew. Na Fox ele fez nove filmes variados: 1943 – O Sargento Imortal / The Immortal Sergeant, filme de propaganda de guerra com Henry Fonda, Maureen O’Hara e Thomas Mitchell, que devota boa parte do tempo para um melodrama romântico na frente doméstica; A Palheta da Vida / Holy Matrimony, boa comédia com Monty Woolley, Gracie Fields e Eric Blore sobre um pintor inglês célebre (Woolley) que se faz passar por morto e usurpa a identidade de seu falecido mordomo (Eric Blore). 1944 – A Véspera de São Marcos / The Eve of St. Mark, filme de propaganda de guerra com William Eyth e Anne Baxter que intercala cenas no quartel e na frente de batalha e incorpora um romance entre um soldado e sua namorada na sua cidade natal; As Chaves do Reino / The Keys of the Kingdom, adaptação (por Joseph L. Mankiewicz) de um romance de A. J. Cronin tendo como figura central um padre católico missionário na China (Gregory Peck), com algumas cenas individuais bem sucedidas (v. g. o adeus do padre à madre superiora (Rose Stradner) com a qual ele teve um relacionamento tenso), interpretação convincente de Peck (indicado ao Oscar) e boa fotografia (Arthur Miller) também indicada para o prêmio da Academia, mas prejudicada por um ritmo as vêzes arrastado; 1945 – Amar foi Minha Ruína / Leave Her to Heaven. 1947– Débil é a Carne / The Foxes of Harrow, drama de época baseado em um romance de Frank Yerby, aproveitando bem a atmosfera sugestiva de New Orleans no tempo da escravidão, que serve de cenário para o romance agitado entre um jogador audacioso (Rex Harrison) e uma fidalga arrogante (Maureen O’Hara), porém com desequilíbrio rítmico; 1948 – Muralhas Humanas / The Walls of Jericho, drama evocando com mordacidade o ambiente de uma pequena cidade do Centro Oeste americano, que um bom grupo de atores (Anne Baxter, Linda Darnell, Cornel Wilde, Kirk Douglas, Ann Dvorak, Marjorie Rambeau) tenta em vão animar durante o desenrolar monótono do espetáculo. 1949 – Papai foi um Craque / Father Was a Fullback, comédia familiar e esportiva bem modesta; Bonequinha Linda / Oh, You Beautifull Doll, musical baseado em episódios da vida do compositor Fred Fisher (interpretado por S. Z. Sakall) com June Haver e Mark Stevens compondo o par romântico, conduzida sem grande vivacidade, mas repleta de boas canções, sem falar na presença sempre divertida de Sakall.
Deixei para o final o sexto grande melodrama de Stahl, Amar Foi Minha Ruína, de conteúdo sombrio, explorando uma situação tipicamente freudiana: um pai falecido e a filha que o idolatra. Esta heroína (Gene Tierney) com complexo de Édipo, casa-se com um homem (Cornel Wilde) que parece físicamente com seu progenitor e sua obsessão amorosa por ele (um verdadeiro incesto por interposta pessoa) leva-a até ao crime, ao aborto e ao suicídio. O filme contém algumas cenas antológicas (a cavalgada da heroína neurótica espalhando as cinzas de seu pai, o afogamento do jovem cunhado no lago sem que ela lhe preste socorro, a sua queda voluntária da escada) e uma belíssima fotografia em cores de Leon Shamroy (premiada com o Oscar), absolutamente crucial para o impacto do filme, pois realça e estiliza as paixões excessivas da heroína.