THEDA BARA

Ela era uma das atrizes cinematográficas mais populares nos anos dez, só perdendo em termos de apoio do público para Mary Pickford e Charles Chaplin, e foi sempre apontada como a primeira vampe da tela embora, em 1912, Rosemary Theby, em um filme da Vitagraph, The Reincarnation of Karma, já tivesse interpretado uma mulher tentadora chamada Quinetrea e Musidora, mais ou menos na mesma época do primeiro filme de Theda Bara no papel principal, fazia o mesmo na série Os Vampiros / Les Vampires / 1915 de Louis Feuillade como Irma Vep.

Theda Bara

Theda pode não ter sido a primeira vampe, mas foi certamente a mais famosa. Atuou em 42 filmes de 1914 a 1926, porém não conseguiu fazer a transição para o cinema falado. Nunca poderemos saber o que a tornou uma das primeiras grandes estrelas da cena muda, porque pouquíssimos filmes dela sobreviveram e eles não são representativos do que o público e a crítica consideravam seu melhor trabalho.

Nascida em 22 de julho de 1890 em Cincinnati, Ohio, filha de Bernard Goodman, nome provavelmente americanizado de um alfaiate judeu da Polônia, e de Pauline Louise Françoise deCoppet, suiça de origem judia, cujos progenitores eram o francês François Baranger e a alemã Regine deCoppet Baranger, Theodosia Goodman tinha um irmão mais velho chamado Marque e uma irmã mais nova chamada Esther. Esta, divorciada de seu primeiro marido, casou-se com o ator e diretor Ward Wing e, sob o nome de Lori Bara, assinou o roteiro de um filme dele, Samarang / Samarang / 1933.

O interesse de Theda pelos livros e pela arte dramática manifestou-se muito cedo e, após estudar dois anos na Universidade de Cincinnatti, ela foi em 1905, para Nova York, decidida a entrar no mundo teatral, apesar da objeção de seu pai. Em 1908, apareceu no palco em The Devil, adotando o nome artístico de Theodosia DeCoppet, e depois passou a representar em companhias itinerantes, apresentando-se no musical, The Quaker Girl, na comédia, Just Like John, e em outros espetáculos até que o diretor Frank Powell colocou-a como figurante no filme da Pathé, The Stain / 1914.

A esta altura, William Fox, que acabara de filmar no seu novo estúdio em Fort Lee, Nova Jersey, Life’s Shop Window, obtendo lucros modestos, contratou Powell para dirigir Escravo de uma Paixão / A Fool There Was, que então escolheu Theda para encabeçar o elenco desta produção, a qual iria colocar a Fox Film Corporation em uma posição de maior prestígio na indústria cinematográfica.

Cena de Escravo de uma Paixão

O filme foi baseado em uma peça de Porter Emerson baseada no poema “The Vampire” de Rudyard Kipling, o qual por sua vez havia sido inspirado em uma pintura de Philip Burne Jones, exibida em Londres em 1897, que mostrava uma mulher se debruçando triunfalmente sobre um jovem, cujo sangue parecia ter sido sugado. Por sugestão de William Fox, o sobrenome Baranger da árvore genealógica da família foi abreviado para Bara e combinado com o seu apelido de criança, Theda, surgindo assim o nome artístico de Theda Bara.

Enquanto o filme ainda estava sendo rodado, Fox contratou dois jornalistas, Al Selig e John Goldfrap, para promovê-lo, e eles criaram a mais ousada e ridícula campanha de publicidade do país, divulgando a informação de que “Theda Bara” seria um anagrama de “Arab Death” e que ela era filha de uma artista francêsa, Theda de Lyse e de um escultor italiano, Giuseppe Bara. Segundo explicaram, a aventureira Lyse estava fazendo uma excursão pelo Egito, quando encontrou Giuseppe perdido nas areias do deserto. A atriz salvou sua vida e foi o começo “de um dos romances mais doces do mundo”. No tempo devido, a pequena Theda nasceu, filha do formoso casal, que construiu seu lar em uma tenda enorme perto da Esfinge.

Como observaram Eve Golden (de cuja obra Vamp, The Rise and Fall of Theda Bara, 1966, colhí algumas informações) e Robert S. Birchard (autor de vários livros sobre Cinema), entrevistados em um documentário biográfico sobre a atriz (The Woman With Hungry Eyes / 2006), o mais extraordinário a respeito dessa lenda foi que os espectadores perceberam desde o início que ela era apenas isso, uma lenda, e assim puderam assistir horrorizados as seduções impiedosas da vampe e ao mesmo tempo amar e aplaudir Theda Bara. Por outro lado, como percebeu Molly Haskell (From Reverence to Rape, 1974), sua imagem de sexualidade exótica, vagamente maligna era suficientemente distante das mulheres de verdade para ser considerada perigosa.

Escravo de uma Paixão foi um dos filmes mais vistos de 1915 na América e, para surpresa de todos, Theda Bara foi a primeira atriz de cinema a passar do anonimato para o estrelato da noite para o dia. Os publicistas inventaram cláusulas de um contrato que nunca existiu, prevendo que ela só poderia ser transportada em limousines brancas com as cortinas cerradas e criados de libré “núbios” em serviço, teria que conceder entrevistas em salas escurecidas e perfumadas, não poderia se casar nem aparecer em público com um acompanhante. Sua vampe, sempre fotografada para efeitos de publicidade ao lado de um esqueleto, de uma caveira ou de cobras, era uma mulher “não exatamente humana”, que seduzia entusiasticamente homens respeitáveis por mera diversão, levando-os à ruína e, quase sempre, à morte – o tipo de mulher que o espectador de cinema nunca tinha visto antes. A Fox anunciava-a como “A mulher mais perversa do mundo”.

Theda, a Vampira

No Brasil, onde passaram todos os seus filmes, sendo constantemente reprisados, a popularidade de Theda Bara foi imensa, tendo sido apelidada de “Sereia Satânica da Tela”. No Correio da Manhã de 13/9/1925, na seção “No Mundo da Tela”, em uma coluna intitulada “Theda Bara a moderna Circe”, um jornalista assim a descreveu em termos hoje antiquados: “Delgada, angulosa, seios pequenos mortos sobre o peito, cheia de trepidações estranhas, boca nervosa, olhos grandes, carregados de sombra e a cabeça mergulhada numa orla de martírio. As mãos delas devem casquinar quando acariciam e os lábios, ao beijar, devem beber num sorvo de loucura os lábios do amado. Como nos seus filmes, ela deve ser na vida real a aspiração surda, a aflição, a dor, o desespêro, a loucura, o delírio dos homens”.

Theda Bara

O poder de fascinação de Theda Bara era inimaginável. Sua fama era tanta, que chegou a ser parodiada pela atriz Josephina Barco em uma cena da comédia “Tinha de Ser” – que contava ainda com a presença de Alexandre Azevedo, Apolonia Pinto, Restier Junior e Augusto Aníbal -, fazendo rir o público do Trianon.

Theda Bara

Seus olhos grandes e negros, acentuados com uma sombra escura nas pálpebras, destacando o seu rosto de uma brancura cadavérica, e adereços elaborados tais como tapete de pele de tigre e uma longa piteira dourada, embelezavam sua exentricidade assim como sua tendência para usar véus, corôas, brincos em forma de argola e braceletes de bronze. Com seus cabelos, compridos e escuros e o corpo voluptuoso coberto por vestidos longos e leves, a sua vampe perpetuava um estereótipo europeu conhecido de paixão e exotismo. Mulher sensual e poderosa, Theda Bara dominava e triunfava sobre os homens e contrastava nítidamente com as personagens de mocinhas virtuosas retratadas por Mary Pickford e Lilian Gish. Apesar de seu estilo de interpretação histriônico e de suas caracterizações extravagantes, as platéias da época não se importavam com isso, bastando ver sua face pálida e seu olhar longo e fixo, que despertava a imaginação popular.

No decorrer de sua carreira, Theda repetiu seu papel de vampe em muitos filmes com titulos sugestivos como Destruição / Destruction, A Raposa / The Vixen, Gioconda, a Filha do Diabo / The Devil’s Daughter, Rosa Cor de Sangue / The Rose of Blood, Lolotte, a Endiabrada / The She-Devil etc. Ela interpretou também heroínas vampes da História e da Literatura como Carmen, Salomé, Madame Du Barry, Cleopatra bem como também não vampes, notadamente a Julieta de William Shakespeare em Romeo and Juliet, a cigana Esmeralda de Victor Hugo em Favorita de Paris / The Darling of Paris e a Cigarette de Ouida (Marie Louise Ramé) em Sob Duas Bandeiras / Under Two Flags.

Theda em Carmen

 

Theda Bara e G. Raymond Nye em Salome

Theda em Cleopatra

Theda em Romeu e Julieta

O canadense J. Gordon Edwards dirigiu a maioria dos seus filmes (23 ao todo) e ela recebeu ordens por atrás das câmeras de futuros diretores de prestígio como Herbert Brenon (A Sonata de Kreutzer / The Kreutzer Sonata, Infidelidade / The Clemenceau Case, As Duas Orfãs / The Two Orphans, O Anjo de Marfim do Purgatório / Sin), Raoul Walsh (Carmen / Carmen, A Serpente / The Serpent ) e Charles Brabin (Sonho Revelador / Kathleen Mavourneen, A Mulher Serpente,) com quem se casou em 1921, matrimônio que durou até a morte da atriz em 1955.

Theda e seu marido, o diretor Charles Brabin

A maioria dos filmes de Theda foram realizados durante um período curto de quatro anos. Quando seu contrato não foi renovado pela Fox, ela tentou a Broadway, mas não obteve sucesso. O gosto do público havia mudado. As vampes foram superadas pelas heroínas virginais. Theda retornou a Hollywood, para tentar ressuscitar sua carreira, mas acabou interpretando caricaturas de sua antiga personalidade fílmica.

Em 1926, assinou contrato com Hal Roach para participar nos curtas-metragens das suas All Star Comedies. Co-dirigida (com Richard Wallace) por Stan Laurel, a primeira comédia, Madame Mystery, tinha Theda no papel título como uma agente secreta carregando um explosivo ultra secreto dentro de um navio (cujo capitão era Oliver Hardy). Dois ladrões desastrados tentam roubar a carga da Madame e um deles, acidentalmente, engole a bomba, para alarme de todos.

Originalmente em dois rolos, o filme foi exibido entre nós no Cinema Rio Branco na Praça Onze de Junho do Rio de Janeiro com o título de Madame Misteriosa, mas só sobrevive hoje uma cópia reduzida, em 9,5 mm., usada pelo mercado de aluguel de filmes para projeções em residências. Segundo os que viram, a atriz, elegantemente vestida, teve um bom desempenho porém, descontente com as cenas de pastelão, Brabin proibiu-a de continuar na série. Após doze anos, a carreira de Theda Bara estava encerrada. Ela nunca mais faria outro filme.

                                                 FILMOGRAFIA DE THEDA BARA

1914

THE STAIN (Theodosia deCoppett, como figurante)

1915

ESCRAVO DE UMA PAIXÃO / A FOOL THERE WAS

A SONATA DE KREUTZER / THE KREUTZER SONATA

INFIDELIDADE / THE CLEMENCEAU CASE

GIOCONDA ou A FILHA DO DIABO / THE DEVIL’S DAUGHTER

O SEGREDO DA ALTA SOCIEDADE / LADY AUDLEY’S SECRET

AS DUAS ORFÃS / THE TWO ORPHANS

O ANJO DE MARFIM DO PURGATÓRIO / SIN

CARMEN / CARMEN

CHAMAS DO ÓDIO / THE GALLEY SLAVE

DESTRUIÇÃO / DESTRUCTION

1916

A SERPENTE / THE SERPENT

A MALDIÇÃO DO OURO / GOLD AND THE WOMAN

A ETERNA SAFO / THE ETERNAL SAPHO

TRAIÇÃO / EAST LYNNE (Filme sobrevivente)

SOB DUAS BANDEIRAS / UNDER TWO FLAGS

SOB O NOME DA OUTRA / HER DOUBLE LIFE

ROMEU E JULIETA / ROMEO AND JULIET

A RAPOSA / THE VIXEN

1917

A FAVORITA DE PARIS / THE DARLING OF PARIS

CORAÇÃO DE TIGRE / THE TIGER WOMAN

SEU GRANDE AMOR / THE GREATEST LOVE

CORAÇÃO E ALMA / HEART AND SOUL

A DAMA DAS CAMÉLIAS / CAMILLE

CLEÓPATRA / CLEOPATRA (Sobrevivem somente vinte segundos do filme)

ROSA COR DE SANGUE / THE ROSE OF BLOOD

MADAME DU BARRY / MADAME DU BARRY

1918

ESTRADA PROIBIDA / THE FORBIDDEN PATH

ALMA DE BUDHA /THE SOUL OF BUDDHA

O CATIVEIRO / UNDER THE YOKE

SALOMÉ / SALOME

QUANDO UMA MULHER PECA / WHEN A WOMAN SINS

A ENDIABRADA OU LOLOTTE, A ENDIABRADA / THE SHE DEVIL

1919

A LUZ / THE LIGHT

O LOBO E A OVELHA / WHEN MEN DESIRE

O CANTO DA SEREIA / THE SIREN’S SONG

ETERNO SOFRIMENTO / A WOMAN THERE WAS

SONHO REVELADOR / KATLEEN MAVOURNEEN

A MULHER SERPENTE / LA BELLE RUSSE

A FORÇA DA AMBIÇÃ0 / THE LURE OF AMBITION

1925

MULHER LIBERTINA / THE UNCHASTED WOMAN (Filme sobrevivente)

1926

MADAME MISTERIOSA / MADAME MYSTERY (Filme sobrevivente incompleto)

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