A notícia do ataque japonês a Pearl Harbor foi transmitida pelo rádio às onze horas e vinte e seis minutos do dia 7 de dezembro de 1941. Entretanto, esta data marca apenas o início oficial da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, pois a comunidade de Hollywood já vinha formando grupos anti-fascistas desde os meados dos anos trinta.
Em outubro de 1936, foi fundada (por um espião soviético, Otto Katz – também conhecido como André Simone e Rudolph Breda – e por um príncipe alemão exilado, Hubertus zu Löwenstein) a Hollywood Anti-Nazi League (HANL), organização que reunia liberais e comunistas no apoio à luta contra o fascismo e o nazismo. Ela promovia grandes comícios, chamando a atenção para as condições da Europa e as atividades pró-nazistas na América, protestando contra visitas de fascistas ou nazistas proeminentes a Los Angeles como Vittorio Mussolini, filho do ditador italiano Benito Mussolini e Leni Riefenstahl. O número de associados cresceu rapidamente, incluindo alguns dos mais importantes escritores, astros, diretores e produtores de Hollywood (vg. Donald Ogden Stewart, Dorothy Parker, Dudley Nichols, John Howard Lawson, Ring Lardner Jr., Phillip Dunne, Jo Swerling, Herman J. Mankiewicz, John Ford, Anatole Litvak, Fritz Lang, Herbert Biberman, Robert Rossen, Mervyn LeRoy , Fredric March, Melvyn Douglas e sua esposa Helen Gahagan, Eddie Cantor, Paul Muni, Robert Montgomery, Fred Astaire, Bette Davis, Ginger Rogers, Miriam Hopkins, Gloria Stuart, Gale Sondergaad, Jack Warner, Samuel Goldwyn, Carl Laemmle, Irving Thalberg, David O. Selznick, Walter Wanger). Havia tanta atividade política em Hollywood durante esse período, que alguns estúdios ameaçaram a inserir “cláusulas políticas” (que proibiam os atores de envolvimento politico em público) nos contratos de trabalho.
Outros grupos foram o The Motion Pictures Artist’s Committee, muito bem sucedido ao levantar dinheiro para socorrer as populações afetadas pela Guerra Sino-Japonesa e pela Guerrra da Espanha e o Motion Picture Democratic Committee (MPDC), liderado por Melvyn Douglas, que apoiava a administração Roosevelt, mas propunha uma oposição mais forte ao totalitarismo. Douglas desempenhou um papel crucial no chamado “Committee of 56”, que ele formou, com a finalidade de redigir uma “Declaração de Independência Democrática”, pedindo a Roosevelt para romper com a Alemanha. Esta declaração, que a comissão fez circular através do país, colhendo milhares de assinaturas antes de submetê-la ao presidente, complementava o recente apelo da Hollywood Anti-Nazi League por um embargo econômico à nação germânica.
Refletindo o sentimento isolacionista da maioria do povo americano, surgiram organizações contra a intervenção dos Estados Unidos na guerra européia tais como o Keep America Out of War Congress, o National Council for the Prevention of War, a Women’s International League for Peace and Freedom e, principalmente, o America First Committee, patrocinado na sua maior parte por empresários, líderes políticos e celebridades como o aviador Charles A. Lindbergh, Walt Disney e Lilian Gish.
Foram ainda criadas entidades em prol dos aliados já envolvidos no conflito mundial como o Committee to Defend America by Aiding the Allies (também chamada de William Allen White Committee, nome de seu fundador) e o Fight for Freedom Committee, cujo objetivo primordial era bem claro: os Estados Unidos deveriam entrar imediatamente na guerra como beligerante – Ethel Barrymore, Douglas Fairbanks Jr., Helen Hayes, Burgess Meredith estavam entre seus membros.
Em junho de 1938, o representante democrata do Texas no Congresso Americano, Martin Dies Jr., presidente do House Committee to Investigate Un-American Activities (HUAC) – também conhecido como Dies Committee – tentou encontrar provas da influência comunista em Hollywood, que poderia estar por detrás da intensa atividade anti-nazista então emergente na capital do cinema. Os liberais de Hollywood sabiam que, se associando com comunistas, estavam expostos a ataques de pessoas como Dies; porém, ao mesmo tempo, eles viam os comunistas como aliados na sua luta contra Hitler. Os grupos anti-nazistas necessitavam de sua capacidade de recrutamento, burocrática e de propaganda, para manter as operações do dia-a-dia funcionando.
Dies mandou que seus investigadores, J. B. Matthews e Edward Sullivan, identificassem os subversivos da Costa Leste e eles citaram Clark Gable, James Cagney, Robert Taylor e até Shirley Temple (por terem enviado cartões de felicitações a um jornal francês, Ce Soir, editado pelo partido comunista) como exemplos. Matthews via esses artistas não como revolucionários, mas sim como uns inocentes úteis que inconscientemente permitiam o uso de seus nomes para promover a causa comunista. O inquérito de Dies malogrou, enfraquecido por falta de fundos e condenado ao ridículo pela insinuação de Matthews de que Shirley Temple era uma patrocinadora de causas comunistas.
Entretanto, nos mêses seguintes, a sombra de Dies continuou pairando sobre a fábrica de sonhos. Ele retornou para a California depois que John L. Leech, ex-membro do Partido Comunista, acusou quarenta e dois membros da indústria cinematográfica de contribuirem para causas comunistas. Instalando-se no Hotel Waldorf Astoria como membro único de uma subcomissão da HUAC, Dies começou a interrogar as pessoas da lista de Leech (vg. Humphrey Bogart, Fredrich March e sua esposa Florence Eldridge, Luise Rainer, Franchot Tone, James Cagney, Francis Lederer, Melvyn Douglas, Robert Montgomery), porém não conseguiu produzir provas de uma conspiração maligna de comunistas na área do cinema.
Os dirigentes das grandes companhias de cinema americanas já haviam visto o caos que os nazistas poderiam causar, quando um grupo de “camisas marron” (como eram apelidados os componentes da organização paramilitar Sturmabteilung – SA), comandados pelo (ainda não Ministro) Dr. Paul Joseph Goebbels, interrompeu a estréia em Berlim de Sem Novidade no Front / All Quiet in the Western Front / 1930 (Dir: Lewis Milestone) com bombinhas de mau cheiro, pó de espirrar, camondongos brancos, e gritos de “Judenfilm!”. Pressionado pelos nazistas, o governo de Weimar rescindiu a licença de exibição do filme.
Até o final dos anos trinta, a indústria cinematográfica americana era economicamente dependente do mercado mundial para o sucesso de seus produtos. Era a área onde as grandes companhias auferiam seus lucros já que os custos de produção se pagavam pela renda obtida no próprio continente norte-americano. Na América do Sul, por exemplo, algo em torno de 5 mil cinemas exibiam filmes americanos; na Asia, mais de 6 mil; porém na Europa, o número de cinemas passava de 35 mil. Para não correr o risco de perder seu importante mercado alemão, a maioria dos estúdios de Hollywood procurou evitar qualquer menção aos desenvolvimentos políticos na Alemanha desde a ascenção ao poder de Adolf Hitler em 1933 até 1939, quando irrompeu o Conflito Mundial.
Apoiados pela Motion Picture Producers and Distributors of America (MPPDA) e com fundamento na cláusula X, inciso 2 do Código de Produção (“a história, instituições, pessoas eminentes, e cidadãos de todas as nações devem ser representadas convenientemente”), eles se submeteram à censura nazista, aceitando cortes em vários de seus filmes, exigidos pelo consul germânico de Los Angeles, Georg Gyssling, e chegaram até a despedir os empregados judeus que trabalhavam nos escritórios de distribuição na Alemanha.
Um exemplo da timidez da indústria diante de assuntos que poderiam levar ao banimento de seus filmes no exterior foi o projeto de filmagem, em 1935, do romance de Sinclair Lewis, It Can Happen Here, sobre um presidente carismático que lidera uma revolução fascista. Aconselhado por Joseph I. Breen (o director da reforçada Production Code Administration), Louis B. Mayer engavetou a produção.
No final de 1936, a MGM passou pela mesma dificuldade ao filmar Este Mundo Louco / Idiot’s Delight, baseado na peça anti-fascista e pacifista de Robert E. Sherwood de muito sucesso na Broadway (estrelada pelo casal Alfred Lunt – Lynn Fontaine e ganhadora do Pullitzer Prize como melhor drama do ano), sobre uma trupe teatral detida pelo governo italiano no saguão de um hotel Alpino. Na tela, os papéis principais couberam a Clark Gable e Norma Shearer.
Quando soube que a MGM havia adquirido o direito de filmagem, o embaixador italiano em Washington contatou imediatamente Joseph Breen demonstrando o descontentamento por parte de seu governo. Breen consultou o consul italiano, Duque Roberto Caracciolo di San Vito, e ele disse a Breen que, se a MGM “tornasse o filme completamente inofensivo aos italianos, ele achava que poderia persuadir seu governo a não opor mais nenhuma objeção à filmagem daquela história”. A MGM aceitou a proposta e, para apagar qualquer vestígio da Itália, inclusive o idioma italiano, fizeram os soldados falar em … Esperanto.
Produções independentes também sofreram restrições: em 1933, o projeto de The Mad Dog of Europe (idealizado por Sam Jaffe – não confundir com o ator coadjuvante – e depois impulsionado por Al Rosen) foi vetado pelo MPPDA; o documentário com cenas reconstituídas (vg. a breve entrevista com Hitler foi encenada pelo produtor Cornelius Vanderbilt Jr. com o microfone na mão, confrontando um imitador do Fuherer) Hitler’s Reign of Terror / 1934 e o docudrama da Malvina Pictures I Was a Captive of Nazi Germany / 1936 foram liberados por Breen, mas só conseguiram ser exibidos com cortes e em uns poucos cinemas, não afiliados às grandes companhias.
A impertinência de Gyssling chegou ao cúmulo, quando a Universal planejou levar à tela The Road Back / 1937, uma espécie de continuação de Sem Novidade no Front, descrevendo as provações dos sobreviventes de uma companhia de combate alemã, quando eles voltam para a sua pátria. O consul vigilante de Los Angeles exigiu que Joseph Breen usasse sua influência e “matasse o projeto”. Sem obter resposta de Breen, Gyssling enviou uma carta para sessenta pessoas do elenco e da equipe técnica, que haviam assinado contrato para traballhar no filme, ameaçando-as com sua arma corriqueira, o Artigo 15 da legislação cinematográfica de seu país, que dispunha que os produtores cujos filmes difundissem calúnias à Alemanha, ao seu governo ou seu povo, poderia ter sua licença para exibir filmes revogada – não somente dos seus filmes “ofensivos”, mas de todos os seus filmes.
Reproduzida pelos jornais, a missiva de Gyssling provocou uma reação furiosa. A Hollywood Anti-Nazi League rotulou-a como “um dos exemplos mais insidiosos da interferência nazista nas vidas dos cidadãos americanos”. A HANL mandou também um telegrama para o Secretário de Estado Cordell Hull, condenando as táticas de intimidação de Gyssling e pedindo sua deportação. O Departamento de Estado formulou um protesto formal ao Ministério das Relações Exteriores Germânico e o novo embaixador alemão em Washington prometeu que Gyssling não repetiria seus meios agressivos. Porém ele continuou no cargo e, assim que a Universal anunciou o término da filmagem, o Daily Variety publicou uma reportagem, na qual afirmava que a cópia destinada para lançamento, havia sido alterada devido à pressão nazista.
Na sua reportagem, “Hollywood declara Guerra!” (15/6/1939), o correspondente da Cinearte em Los Angeles, Gilberto Souto, escreveu: O filme foi quase todo transformado, terminando num “travesti” do que se planejara fazer anteriormente”. No Brasil, o DIP proibiu a exibição de The Road Back, apesar de já programada para o Cinema Palácio com o título em português: Depois…
Em abril de 1933, o chefe do escritório de distribuição da Warner Bros. em Berlim, um judeu de nacionalidade britânica, chamado Paul Kaufman, foi espancado pelos SA e obrigado a deixar o país; ele faleceu alguns mêses depois em Estocolmo por causas que podiam ter sido ou não relacionadas com o ataque. Em julho de 1934, citando sua inaptidão para ganhar dinheiro sob a lei de censura germânica e a que impedia que as companhias estrangeiras tirassem seu dinheiro do país, Jack Warner encerrou as operações de sua empresa na Alemanha.
A Warner foi a primeira das majors a se retirar, seguida pela United Artists, Universal, RKO e Columbia. Entretanto, com exceção da Warner, esses estúdios exilados mantiveram intermediários no país e continuaram a fazer alguns negócios através de escritórios situados em Londres e Paris. Já a Paramount, a Twentieth Century-Fox e a MGM decidiram ficar na Alemanha, porque tinham muito dinheiro “bloqueado” lá e haviam encontrado um jeito de recuperar boa parte dele. A Paramount e Twentieth Century-Fox reinvestiram seu “ativo congelado” nos cine-jonais locais (como era permitido) e vendiam as imagens da Alemanha ao mundo inteiro. A MGM emprestava dinheiro a certas empresas alemãs cuja necessidade de crédito era premente, recebia bônus em troca do empréstimo, e finalmente vendia esses bônus no exterior com uma perda de cerca de 40% – mas era melhor do que deixar seu dinheiro preso em um banco nazista.
Jack Warner tornou-se um dos donos de estúdio anti-nazistas mais ativos da Terra do Cinema, contribuindo financeiramente e abrindo os microfones da sua estação de rádio KFWB para várias causas anti-nazistas bem como injetando sentimentos anti-nazistas nos seus curtas–metragens patrióticos, dramatizando grandes momentos da História Americana (vg. Give me Liberty! / 1937, Sons of Liberty / 1939 – ambos premiados com o Oscar).
Harry Warner monitorava a programação da cadeia de cinemas pertencentes à Warner Bros. e expurgava tudo que estivesse relacionado ao nazismo. Em 1936, ele mandou retirar de todas as salas de cinema da Warner as edições especiais do cine-jornal sobre a primeira luta Max Schmelling – Joe Louis pelo Campeonato Mundial de Boxe, pois o grande pugilista negro havia perdido para o seu colega ariano. Já na revanche, em 1938, quando Joe Louis liquidou o alemão aos dois minutos e quatro segundos do primeiro round, Harry Warner não fez qualquer objeção à programação da luta nos cinemas de sua empresa
Harry também baniu dos 425 cinemas afiliados da Warner o episódio de A Marcha do Tempo intitulado Inside Nazi Germany, a mais controvertida e abrangente reportagem sobre a Alemanha nazista nos anos trinta. Lançado em janeiro de 1938, o cine-jornal expunha o que o restante do cinema americano mantinha escondido. Por sorte, o cinegrafista Julien Bryan conseguiu permissão (vigiada) dos nazistas para mostrar as maravilhas da Nova Alemanha; porém, ao promover o filme, o produtor Louis de Rochemont divulgou que Bryan teria filmado os bastidores do Terceiro Reich subrepticiamente e, depois de escapar da censura nazista, trouxera o material filmado clandestinamente para os Estados Unidos. Alguns instantâneos foram encenados como, por exemplo, as cenas que mostram uma execução pela guilhotina, as freiras na prisão, um soldado nazista coletando sobras de lixo de uma dona-de-casa além, um casal alemão escutando uma propaganda radiofônica.
O Secretário de Estado Cordell Hull declarou que Inside Nazi Germany era definitivamente anti-nazista e uma lição para todos os Americanos mas, para Harry Warner, tratava-se de uma propaganda nazista completa. Segundo Harry, as imagens de Hitler e de seus exércitos, de pessoas bem vestidas e bem alimentadas, trabalhando em fábricas de armamentos, que funcionavam a todo vapor, subjugavam as condenações em voz over ao regime pois, no cinema, as imagens são mais eloquentes que o som.
A partir dos meados dos anos trinta, a Warner começou a colocar anti-fascismo ou anti-nazismo nos seus filmes de longa-metragem de forma oblíqua ou alegórica (vg. A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur / 1936, A Legião Negra / Black Legion / 1937, Esquecer, Nunca! / They Won’t Forget / 1937, Émile Zola / The Life of Emile Zola / 1937, Juarez / Juarez / 1939).
A Guerra na Espanha já servira como pano de fundo para um filme da Paramount, O Último Trem para Madrid / The Last Train from Madrid / 1937, que evitava qualquer comentário político, concentrando-se na situação e vida pessoal de um grupo de refugiados, preparando-se para embarcar no último trem que os levará para longe dos horrores de uma Madrid sitiada. Quando o produtor independente Walter Wanger tentou fazer um filme mais contundente sobre a mesma guerra e mostrou o roteiro de Bloqueio / Blockade / 1938 para Joseph Breen, este o advertiu de que deveria ter o cuidado de não identificar as facções em luta e se manter rigorosamente neutro.
Wanger seguiu seu conselho mas, mesmo assim, poucos americanos politicamente conscientes em 1938 não foram capazes de reconhecer os grupos que estavam se confrontando na tela e se empolgar com a mensagem pacifista final no discurso proferido pelo personagem interpretado por Henry Fonda, condenado o bombardeio e a fome de mulheres e crianças. O filme enfureceu os adeptos do general Franco, que o consideravam pró-legalista, e foi ativamente boicotado por grupos católicos através dos Estados Unidos. Um deles, os “Knights of Columbus” de Ohio, o descreveram como “historicamente falso e intelectualmente desonesto retrato da Guerra Civil Espanhola” e fizeram piquetes em frente aos cinemas que ousaram programá-lo.
No ano seguinte, a Warner Bros. realizou o filme anti-nazi mais explícito feito em Hollywood, antes da América entrar oficialmente na Segunda Guerra Mundial. Originalmente intitulado Storm Over America, Confissões de um Espião Nazista / Confessions of a Nazi Spy baseou-se nas experiências de um ex-agente do FBI, Leon G. Turrou (já famoso pelo seu trabalho no sequestro do filho de Charles Lindbergh), que havia sido demitido do Bureau por ter violado o juramento de confidencialidade, ao vender uma série de artigos para o New York Post, contando como ele havia desmascarado a rêde de espionagem nazista. Turrou publicou também um livro, “Nazi Spies in America”, em colaboração com o reporter David G. Wittels, que havia coberto o julgamento dos espiões.
Foi durante a fase do julgamento, que a Warner Bros. despachou o roteirista Milton Krims para Nova York, a fim de acompanhar os depoimentos com vistas para um possível projeto de filme. Gyssling leu uma nota sobre isso no Hollywood Reporter e procurou mais uma vez Joseph Breen com as ameaças de sempre. Breen lhe respondeu que havia encaminhado seu protesto para a Warner Bros., a fim de que as duas partes interessadas se entendessem diretamente. Quando a Warner lhe mandou o roteiro para sua apreciação, deu sinal verde para a filmagem, alegando que ele não infringia a cláusula X, inciso 2 do Código de Produção, porque “as atividades dessa nação (a Alemanha) e de seus cidadãos, tais como descritas no roteiro, foram corroboradas pelos testemunhos e provas produzidas no julgamento”. Apresentado no formato semi-documentário, o filme se concentra nas atividades de um médico alemão, Dr. Karl Kassell (Paul Lukas), líder da sucursal de Nova York do German American Bund (Partido Nazista Americano) e um germano-americano desertor do Exército dos Estados Unidos e fracassado, Kurt Schneider (Francis Lederer), que oferece seus serviços à inteligência militar nazista, em uma tentativa patética de ganhar dinheiro e recuperar sua auto-estima. Através dele, os agentes do FBI comandados por Ed Renard (Edward G. Robinson) conseguem desbaratar todo o bando de quinta-colunistas.
Os nomes dos personagens foram mudados. Na realidade, quem foi preso pelo FBI foi o Dr. Ignatz Griebl, um obstetra e líder por pouco tempo da organização predecessora do German-American Bund, “The Friends of New Germany”, porém a Warner fundiu o espião Griebl com Fritz Kuhn, presidente contemporâneo do Bund; o verdadeiro Kurt Schneider chamava-se Guenther Rumrich. Os créditos aparecem apenas depois do final do filme e o aviso padrão de que todos os personagens são fictícios e qualquer nenhuma semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é pura coincidência, foi omitido. Pela primeira vez em um filme de longa-metragem de grande porte foram vistos insígnias e frases de propaganda do Nazismo, suásticas enormes, retratos gigantescos de Hitler e multidões de americanos fanáticos uniformizados gritando Sieg heil!, com os braços levantados conforme a saudação nazista. Em certos momentos da narrativa, surgem interlúdios no estilo de cinejornal apresentando uma perspectiva mais panorâmica dos males do Nazismo narrados pela voz de barítono do radioator John Deering, no estilo estentório de Westbrook Van Voorhis, o famoso locutor de A Marcha do Tempo / The March of Time. Quando a produção ficou pronta, os publicistas da Warner alardearam o patriotismo corajoso do “filme que chama uma suástica de suástica!”.
Alegando difamação, Fritz Kuhn, o presidente do Partido Nazista Americano na vida real, pediu a proibição da distribuição do filme e propôs uma ação contra a Warner Bros., pedindo 5 milhões de dólares de indenização; o pedido de proibição foi negado e a ação não foi admitida. Consulados germânicos queixaram-se ao Departamento de Estado, que encaminhou as queixas para a MPPDA sem qualquer comentário. Quando o prefeito de Nova York, Fiorello La Guardia, mandou investigar os impostos pagos pelo Bund, verificou-se que Kuhn havia desviado mais de 14 mil dólares do Partido, gastando parte desse dinheiro com uma amante. Kuhn foi condenado por peculato, preso durante a guerra em um campo de concentracão no Texas como agente inimigo, e finalmente deportado em 1945 para a Alemanha.
O controvertido padre católico Charles Coughlin citou Confissões de um Espião Nazista no seu programa de rádio muito popular como evidência de uma conspiração judaico-comunista contra a América. Muitos bispos americanos, assim como o Vaticano, queriam que ele fosse silenciado mas, quando irrrompeu a Segunda Guerra Mundial na Europa em 1939, foi a administração Roosevelt que finalmente forçou o cancelamento de suas transmissões radiofônicas e proibiu a disseminação pelo correio do seu jornal, Social Justice.
Muitos países favoráveis ao nazismo baniram o filme. No Brasil, Confissões de um Espião Nazista foi somente liberado em março de 1942, e lançado em maio, sendo anunciado nos jornais como “O filme que Hitler daria tudo para destruir”. Apesar de toda celeuma que criou, a Twentieth Century-Fox, a MGM e a Paramount, continuaram distribuindo seus produtos na Alemanha e não se engajaram em ataques aos nazistas – até serem definitivamente banidas do mercado alemão em meados dos anos quarenta.
Quando, no dia 1 de setembro de 1939, o exército germânico invadiu a Polonia e, em poucos dias, a Grã Bretanha e a França declararam guerra contra a Alemanha, dando início ao Segundo Grande Conflito Mundial, a maioria dos mercados europeus se trancaram para a importação de filmes americanos. Somente nos Países Baixos, cerca de 1400 cinemas foram fechados, representando uma perda de 2 milhões e meio de renda anual para as companhias americanas. Isto, acrescido dos prejuízos previamente sofridos em partes da Escandinávia, Polonia, Itália, Espanha e Balcãs significava que elas haviam perdido mais de 25 por cento de sua renda anual no exterior. No final de 1940, toda a Europa Continental estava fechada para a importação de filmes americanos com exceção da Suécia, Suiça e Portugal. Agora não havia mais razão para Hollywood não fazer filmes anti-nazistas e, até o ataque japonês a Pearl Harbor, começaram a sair dos estúdios um punhado de produções embebidas de propaganda, intimando a América a se preparar para a guerra total que estava se esboçando.