JACQUES FEYDER I

Foi um daqueles poucos cineastas, que realizaram grandes filmes tanto no cinema silencioso quanto no sonoro e souberam conciliar arte e entretenimento. Sua obra cinematográfica merece ser melhor estudada.

Jacques Léon Louis Frédérix (1885-1948) nasceu em Ixelles, Bélgica, estudou na École Régimentaire em Nivelles e foi destinado pela família para a carreira militar, porém resolveu ser ator, para desespero de seus pais. Ao saber da decisão do filho, o pai de Léon proibiu-o de usar o nome da família no palco e ele então adotou o sobrenome de Feyder. O rapaz partiu para Paris e, no ambiente teatral, conheceu a atriz Françoise Rosay, com a qual se casou em 1917.

Logo, Feyder encaminhou-se para o cinema, figurando na féerie Cendrillon ou La pantoufle mystérieuse / 1912 (com Méliès em Montreuil) e em filmes de outros estúdios (vg. travestido de mulher em Le Troisième Larron / 1912, à cavalo em Protéa, la course à la mort / 1913, ao lado de Françoise Rosay em uma cena curta de Os Vampiros / Les Vampires / 1915 de Louis Feuillade), até que se tornou assistente de Gaston Ravel na Gaumont.

Em 1916, Feyder trabalhava como ator em Monsieur Pinson policier e assumiu a direção do filme, quando Ravel foi prestar serviço militar. Na Gaumont, Feyder continuou sua formação atrás das câmeras, fazendo em seguida vários filmes curtos: Le bluff / 1916, História de Pés e Mãos /Le Pied qui étreint / 1916, Cabeças de Mulheres … Mulheres de CabeçaTêtes de femmes, femmes de tête / 1916, Un conseil d’ami / 1916, L’Homme de compagnie / 1916, Tiens , vous êtes à Poitiers? / 1916, Le Frère de lait / 1916, L’Instinct est maître / 1917, Le Billard cassé / 1917, Le Pardessus de demi-saison / 1917, Abrégeons les formalités / 1917, La Trouvaille de Buchu / 1917, Les Vieilles Femmes de l’hospice / 1917, Le Ravin sans Fond / 1917 (co-dirigido por Raymond Bernard).

Em 1917, sua carreira foi interrompida, por ele ter sido convocado pelo exército belga (onde participou, com Victor Francen e Fernand Ledoux, do Théatre des Armées) e, após seu desligamento das forças armadas, realizou La Faute d’ortographe / 1919. O insucesso dessa última produção causou sua demissão da Gaumont. O jovem cineasta então realizou o longa-metragem Atlântida/ L’Atlantide / 1921, seu primeiro filme importante, que inaugurou uma das carreiras cinematográficas mais expressivas no cinema francês e internacionalmente durante a primeira metade do século vinte.

Feyder fez ao todo 22 longas-metragens, dos quais vi todos, com exceção de: L’Image /1926; Thereza Raquin / Thérèse Raquin / 1928; Identidade Desconhecida / Une Femme Disparait / 1942; O Fantasma Verde / Le Spectre vert / 1930 (versão francêsa de The Unholy Night); Si l’Empereur savait ça / 1930 (versão francêsa de His Glorius Night); e Olympia / 1930 (versão alemã de His Glorious Night).

Atlântida, com roteiro do próprio Feyder baseado no romance de Pierre Benôit, premiado pela Académie Française, é uma superprodução em termos orçamentários, financiada pelo Banco Thalman et Compagnie, pertencente ao tio de Feyder, Alphonse Frédérix, com a participação também de Pierre Descourcelles da SCAGL (Société Cinématographique des Auteurs et  Gens des Lettres) na operação.


A história versa sobre o paraíso perdido de uma rainha, soberana de uma cidade perdida no deserto de Sahara, onde ela seduz exploradores europeus, tomando-os como amantes, e depois os assassina e os transforma  em estátuas de ouro. O filme dura 2.40 hs. e o relato é voluntariamente lento e complexo (com digressões e retrospectos), começando por uma primeira parte bastante longa, concentrada no mistério e na expectativa, até a chegada ao reino mítico; porém  sem jamais perder a fluência narrativa.

A equipe transportou-se para vários locais na Argélia, durante oito meses e essa proeza de filmagem deu ao espetáculo uma autenticidade documentária, que se opõe radicalmente à representação do palácio de Antinéa na elaboração do qual o cenógrafo Manuel Orazi, inspirado no imaginário dos exploradores das civilizações antigas, deu livre curso à sua imaginação e, através de um sincretismo cultural, chegou ao kitsch. Assim, ao lado de cenas de uma teatralidade sobrecarregada (resquícios do velho cinema), nas quais uma Antinéa (Stacia Napierkowska) gorducha (“com os contornos à la Rubens, e tendendo mesmo para Jordaens”, como recordou Feyder em Le Cinéma Notre Métier, Éditions Pierre Callier, pg. 51, 1946) e caricaturalmente vampiresca aparece no meio de uma desordem de objetos extravagantes, tapetes, lâmpadas, tecidos e animais selvagens, o cineasta mostra a sobriedade majestosa do deserto, sendo justamente esta mistura de realismo e exotismo, que faz a magia do filme.

Após o sucesso de público e de crítica de Atlântida, Feyder realizou Crainquebille / 1923, sua adaptação da novela de Anatole France, L’Affaire Crainquebille, que conta a trajetória de Jérôme Crainquebille (Maurice de Féraudy), velho verdureiro das ruas de Paris que, injustamente acusado por desacato a um policial, vai para a cadeia.  Ele não se sente incomodado na prisão (onde goza de conforto, boa comida, e ainda ganha um exame médico gratuito e remédio para a tosse); porém, ao deixar o cárcere, vem a ser vítima de uma sociedade cruel e indiferente. O velho perde os freguêses, cai no alcoolismo e está prestes a cometer suicídio, quando é impedido por um pequeno jornaleiro sem lar, La Sourie (Jean Forest), que ele ajudara, e o garoto lhe renova a esperança e o gosto de viver.

Esta simplicidade da trama ajusta-se perfeitamente ao estilo realista  de Feyder, que filmou em exteriores no antigo mercado de Les Halles, reproduzindo com exatidão a movimentação de carroças e transeuntes nesta localidade; mas ele também deu alguns toques artísticos impressionistas, entre os quais o uso da câmera subjetiva e de trucagem, para mostrar o ponto de vista do acusado durante o julgamento (vg. seu advogado diminui de tamanho para expressar sua ineficiência, a estátua da Justiça adquire vida e contempla  com desaprovação o dito defensor).

Para fazer o exame satírico agridoce da injustiça social, o cineasta apoiou-se em dois excelentes intérpretes: Maurice de Féraudy, grande ator de teatro, e na revelação de ator infantil, Jean Forest (que trabalharia depois com Feyder em Visages d ‘Enfants e Gribiche), oferecendo-nos um final Chaplinesco, de tocar o coração.

Depois de Crainquebille, Feyder realizou Visages d’enfants / 1925. Ele escreveu seu único roteiro original, assistido por sua esposa Françoise Rosay, abordando o drama psicológico de filhos de pais que se casaram de novo de uma forma simples, sóbria, sólida (não obstante, palpitante de vida) e com um conhecimento profundo da alma e do comportamento infantís. Toda a estrutura narrativa do filme é um modelo de rigor e equilíbrio e o espetáculo, impregnado de beleza e intensidade espiritual.

No enredo, o prefeito de uma cidade do Haut Valais na Suiça, Pierre Amsler, pai de Jean (de dez anos de idade) e Pierrette (de cinco anos) perde sua mulher. Quando ele casa de novo com uma jovem viúva, Jeanne Dubois, que tem uma filha, Arlette, Jean, traumatizado pelo desaparecimento de sua mãe, não aceita a madrasta e implica com Arlette. Após algumas demonstrações de animosidade com relação à menina, ele joga a boneca de Arlette em uma estrada, quando a família está voltando para casa de trenó, e a convence de ir apanhá-la de noite. Arlete perde-se na neve e é vítima de uma avalanche. Ela é salva, mas Jean fica com remorso e, se sentindo como um miserável, tenta se suicidar, jogando-se em uma correnteza. Avisada por Arlette, a madrasta salva Jean, que a aceita enfim como sua segunda mãe.



As ambições artísticas de Feyder foram muito ajudadas pelo talento natural do ator infantil Jean Forest no papel principal (expressando com o rosto uma dor verdadeira), e pelas cenas exteriores fotografadas por Léonce-Henri Burel (colaborador regular de Abel Gance e de Feyder em Crainquebille), que soube exaltar a beleza rude das paisagens valaisianas, tornando-a um dos personagens do drama, à semelhança dos grandes filmes suecos de Sjöstrom e Stiller.

Feyder e Burel realizaram algumas proezas técnicas como a cena noturna iluminada unicamente pelas tochas, quando os aldeões partem à procura da menina perdida na neve, e as tomadas da avalanche em câmera subjetiva. A sequência do velório e do enterro, até que o garoto desmaia, é admirável, destacando-se ainda, entre outras, a cena simbólica na qual pai e filho seguem rumos diferentes o primeiro, para ver sua futura noiva e o último, para colocar flores no túmulo de sua falecida mãe – o pai sai de cena e o filho permanece, como se não estivesse mais no pensamento do pai e estivesse se separando subconscientemente dele. Desta vez, Feyder usou poucos efeitos impressionistas como, por exemplo, o retrato da mãe mudando de acordo com os pensamentos de Jean: o retrato se apaga, quando Jean se repreende por ter pôsto Arlette em perigo ou rí, quando Jean aceita sua madrasta como sua  segunda mãe.

Após sua restauração completada em 1985 pelo Netherlands Film Museum e sua exibição na 22ª Giornate del Cinema Muto de Pordenone em 2003, Visages d’enfants foi reconhecido como uma obra-prima e incorporado no cânone do cinema mudo.

Como não ví L’Image / 1926, realizado por Feyder para a Vita-Film de Viena, reproduzo apenas a impressão que ele causou no produtor Alexandre Kamenka, da companhia Albatros: “Foi um dos filmes mais belos que ví na minha vida … A poesia que dele se desprendia e era absolutamente extraordinária e por meios de uma grande simplicidade e sinceridade. Era muito avançado para a sua época”.

O roteiro original de tema Pirandelliano, foi escrito por Jules Romains e dizia respeito a quatro homens, um pintor, um dramaturgo, um engenheiro e um seminarista, que se apaixonavam perdidamente por uma mulher desconhecida, cuja imagem eles tinham visto na vitrine de um fotógrafo. Obcecados por aquela que eles achavam que era a imagem de uma mulher ideal, cada um deles, sem se conhecerem, abandona sua profissão para encontrá-la.

Em maio de 1925 Feyder terminou  L’Image e conheceu Kamenka, com o qual assinou um contrato para a realização de Gribiche e com quem faria ainda Carmen e Les Nouveaux Messieurs. O roteiro de Feyder foi oriundo de uma novela, escrita por Frédéric Boutet  especialmente para o cinema.

Em uma grande loja de departamento, um menino de doze anos, Antoine Belot, apelidado de Gribiche (Jean Forest), avista a bolsa que uma senhora deixou cair. Ele lhe entrega a bolsa e recusa o dinheiro que ela lhe oferece como recompensa. Gribiche vive com sua mãe, jovem viúva de guerra, operária de uma fábrica, em um pequeno apartamento do bairro popular de Grenelle. A senhora, Edith Maranet (Françoise Rosay na sua estréia oficial na tela, uma vez que anteriormente havia sido vista em breve aparições nos filmes de seu marido), uma americana viúva de um diplomata francês, pertence à alta sociedade. Ela se dedica à obras de higiene social e dirige uma creche, onde, com ar doutoral, dá suas palestras. Durante um passeio com sua mãe e o contramestre da fábrica, Gribiche percebe que se tornou um obstáculo para o casamento deles. No dia seguinte, tocada pela honestidade da criança, Edith propõe à mãe de Gribiche adotar o menino, a fim de lhe dar uma boa educação, tal como ela a concebe. A mãe recusa, mas Gribiche aceita. Ele vai viver em uma rica mansão, mobiliada no estilo “Art Déco” e, naquela atmosfera de luxo,  descobre um novo modo de vida, protocolar e sem alma, que lhe pesa cada vez mais até que, no 14 de julho, resolve fugir. Ele volta para casa e encontra sua mãe e o contramestre já casados, que o acolhem calorosamente. Decepcionada com aquilo que ela acha uma ingratidão, Edith declara para seu irmão que “somente a caridade coletiva é boa, a caridade individual é desanimadora, falsa, injusta”. Mas quando Gribiche e a mãe chegam com um buquê de flores para lhe agradecer, ela ainda lhe dá um cheque “para sua educação”.

Feyder escapa do melodrama, porque faz uma sátira mordaz da sociedade burguêsa, da qual denuncia a vaidade e a hipocrisia, e descreve com realismo o meio popular de Paris (notabilizando-se na filmagem das cenas noturnas e de multidão, das quais ele gostava tanto). A intenção satírica do filme é mais explícita nas cenas no curso das quais, por duas vezes, Edith (que adora exibir seu pequeno Gavroche) conta como ela encontrou Gribiche. Cada relato (apresentado em retrospecto), torna-se mais exagerado, mais sentimentalista, até que, finalmente, o menino está vestido de farrapos e sua mãe quase morrendo de fome em um sótão. O espectador, que não ignora a “realidade” dos fatos, que lhe foram contados no início do filme, se  diverte, percebendo a diferença entre os relatos.

O cenário desenhado por Lazare Meerson (na sua primeira colaboração com Feyder), particularmente para a casa luxuosa e moderna de Edith, desempenha um papel essencial no filme, marcado plasticamente pela diferença entre o interior “Art Déco” da mansão da americana  e o apartamento simples da mãe de Gribiche. Cada elemento do cenário, cada pequeno objeto um atributo emblemático do personagem.  Por exemplo, Edith usa óculos e Gribiche deverá usá-los também, como um sinal de distinção. Esta preocupação com o detalhe significativo aparece igualmente nas diversas cenas de refeição, onde o motivo recorrente do guardanapo, funciona explicitamente como símbolo de ascenção social.

É para lhe dar a educação que convém à sua “natureza de elite”, que Edith Maranet vai procurar o menino na casa de sua mãe. Gribiche é submetido a uma instrução burguesa, cerimoniosa, formal, que ele repudia, optando por uma pedagogia prática, mais próxima da vida real, pela cultura que ele adquire por si mesmo, como a aprendizagem da mecânica, que ele acha mais interessante do que suas aulas de matemática.

O próximo filme de Feyder para Kamenka, Carmen / 1926, com roteiro dele próprio baseado na novela de Prosper Mérimée, foi uma superprodução, de duração quase tão longa quanto Atlântida, rodada na sua maior parte em exteriores na Espanha. Em síntese, é a história dramática de um homem vítima de uma paixão fatal. Enfeitiçado por uma bela cigana, Carmen, Don José Lizzarabengoa trai seu dever de soldado, torna-se um contrabandista, ladrão e assassino e, finalmente, abandonado por ela, ele a mata, sem deixar de amá-la.

Com exceção da fábrica de cigarros, reproduzida nas cercanias de Nice, o filme de Feyder foi quase que inteiramente fotografado (por Maurice Desfassiaux e Paul Parguel) em cenários naturais da Navarra e da região de Ronda na Andaluzia. Em uma longa e admirável sequência – quando Carmen, escoltada por Don José e seguida por curiosos, é levada a pé para a prisão -, filmada em um estilo próximo do documentário, o diretor usou o travelling do ponto de vista de Carmen, para mostrar a arquitetura, a paisagem ou os figurantes. Perto do final do filme – quando Carmen vai em um coche para a arena ao encontro de seu novo amante, o picador Lucas – Feyder usou novamente o travelling subjetivo, para exprimir o estado de espírito da heroína, nesse breve instante de alegria que a separa da morte. Os interiores de Lazare Meerson foram desenhados com um senso exato do detalhe para complementar a autenticidade da filmagem em locação.

Entre as melhores cenas, além das já citadas, estão a cena da briga entre Carmen e uma outra operária na fábrica; a cena do duelo entre Don José e seu comandante; as cenas noturnas no acampamento cigano na montanha; a cena da fuga dos contrabandistas pelo deserto perseguidos pelos soldados; as cenas do duelo à faca com Garcia; as cenas da tourada; a cena da morte de Carmen – todas dignas de um grande espetáculo.

Carmen sempre foi um papel para estrelas (Geraldine Farrar, Theda Bara, Pola Negri, Viviane Romance, Rita Hayworth) e o filme de Kamenka, feito primordialmente para Raquel Meller. Feyder declarou ironicamente que “não lhe pediram para fazer um filme sobre Carmen com Raquel Meller, mas sim fazer com Raquel Meller algo sobre Carmen”. O cineasta e a estrela não viam o personagem da mesma maneira. Nas palavras dele, “essa atriz espanhola era perfeita para Carmen mas … por causa de seus princípios morais ela só queria interpretar mulheres puras e de bom coração. Fiquei preocupado porque eu via aquela cigana apaixonada e inconstante tornando-se mais e mais uma garota insípida e virtuosa, cujo amor por Don José era estritamente platônico”. De fato, Raquel não foi uma Carmen tão sensual como deveria ser.

Infelizmente, o filme seguinte de Feyder (depois de abortado o projeto indochinês de Au Pays du roi lépreux /1927), Thérèse Raquin / 1928, rodado nos estúdios da Deutsche Film Union (Defu) em Berlim, com Gina Manès no papel principal e exibido no Brasil como Thereza Raquin, é considerado perdido. Paulo Vanderley, na revista Cinearte, escreveu um comentário longo, concluindo: “Thereza Raquin  é um dos maiores filmes francêses que tenho visto. É uma obra digna de um grande diretor. É um drama real que termina tragicamente sem por um centímetro sequer beirar o sentimental e o exagero próprio do dramalhão”. As críticas francêsas foram igualmente elogiosas. Segundo Denis Marion (em Cinéa-Ciné pour tous), “Seu último filme ultrapassa de longe não somente o que ele já fez, mas mesmo o que o que se poderia razoavelmente esperar dele”. Maurice Bardèche e Robert Brassilach (na sua Histoire du Cinéma, André Martel, 1953), classificaram Thereza Raquin como a obra-prima de Feyder no cinema mudo, acrescentando: “ele foi rodado na Alemanha, e é quase um filme da escola alemã, com uma arte perfeita das luzes e das sombras”.

Antes de partir para Hollywood (e após ter escrito o roteiro de Gardiens de Phare / 1929 de Jean Grémillon), Feyder realizou Les Nouveaux Messiers / 1929,  comédia romântica com uma sátira sobre o mundo político. O argumento, adaptado de uma peça de sucesso de Robert de Flers e Francis de Croisset, gira em torno de três personagens centrais: Suzanne Verrier (Gaby Morlay), bailarina sem grande talento do Théâtre National de l’Opera, é sustentada pelo conde de Montoire-Grandpré (Henry Roussell), deputado de direita. Ela conhece Jacques Gaillac (Albert Préjean), eletricista que trabalha no teatro, e é sindicalista. Quando ocorre uma greve, Jacques transforma-se em um deputado importante de esquerda e depois Ministro do Trabalho. Ele acaba se acomodando com o cargo e suas vantagens e namora Suzanne. Entretanto, em virtude de uma crise, o governo é derrubado, e o conde, pertencendo à nova maioria, é convidado para ocupar um cargo de Ministro; ele não aceita, mas pede a nomeação de Jacques (cuja ligação com Suzanne descobríra) para um posto no exterior. Jacques diz a Suzanne, que lamenta, mas foi obrigado a aceitar, e ela volta para seu antigo protetor.

Contando pela primeira vez com a colaboração de Charles Spaak na elaboração do roteiro, Feyder, se liberta dos constrangimentos da cena teatral, fazendo com que a ação ocorra em vários outros lugares (vg. os bulevares e as margens do Sena, onde Jacques e Suzanne se banham; o subúrbio de Saint-Denis, local da greve: e a província, na qual se situam o parque do castelo do conde e uma cidade operária no Norte) e evitando ao máximo os intertítulos, que são de caráter quase sempre informativo.

Quanto aos interiores (novamente de Lazare Meerson), destacam-se o apartamento bem moderno de Suzanne; a sede do sindicato, exemplo de arquitetura industrial moderna; a reconstituição detalhada da Câmara dos deputados; e o gabinete clássico do Ministro do Trabalho.

O cineasta respeita o espírito dos autores (vg. todos os discursos se equivalem; os dois cartazes eleitorais são semelhantes, mudando somente os nomes dos candidatos e dos partidos; a ambição está acima de tudo; os parlamentares são velhos libidinosos; não sabem se comportar durante as sessões etc.), mas desenvolve, com inventividade e malícia, uma comicidade essencialmente visual, empregando numerosos efeitos técnicos como a superimpressão (nas conversas telefônicas), o soft focus (no centro do espaço semi-círcular onde ficam as bancadas), as panorâmicas rápidas mostrando as bancadas; a câmera acelerada (na inauguração da vila operária); sem falar na sequência em que um deputado entediado adormece durante uma sessão da Câmara dos Deputados e sonha que seus colegas se transformaram em jovens bailarinas, que dançam com as urnas de votação.

Preocupado com o retrato desrespeitoso da Câmara dos Deputados e de seus membros, o Ministro do Interior, André Tardieu, interditou a exibição do  filme. Depois de alguns meses de questionamentos e pequenos cortes, a proibição foi suspensa, ocorrendo a estréia em 5 de abril de 1929. Porém, a esta altura, Feyder já havia partido para a América, em dezembro de 1928.

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