AS MULHERES FATAIS DOS FILMES NOIRS

A mulher fatal que leva os homens para a sua destruição moral e algumas vezes à morte não é uma invenção ou exclusividade do filme noir, mas a personagem alcançou sua maturidade artística neste subgênero do drama criminal.

As raízes da mulher fatal do filme noir baseiam-se nas vamps do filme silencioso, Theda Bara e outras, assim como nas personagens de Marlene Dietrich nos melodramas de Josef von Sternberg dos anos trinta.

Mary Astor e Humphrey Bogart em Relíquia Macabra

Joan Bennett e Edward G. Robinson em Um Retrato de Mulher

Fred MacMurray e Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue

A mulher fatal noir fez aparições marcantes no início, interpretadas por Mary Astor como Brigid O’Shaughnessy em Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 (Dir: John Huston), por Joan Bennett como Alice Reed em Um Retrato de Mulher / Woman in the Window / 1944 de Fritz Lang e Barbara Stanwyck como Phyllis Dietrichson em Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944 de Billy Wilder. Estes papéis estabeleceram os padrões para todas as mulheres fatais vilãs que se seguiram e Bennet e Stanwyck interpretariam variações desses primeiros papéis em filmes posteriores: Bennett como Kitty March em Almas Perversas / Scarlet Street / 1945 (Dir: Fritz Lang) e Stanwyck como Martha Ivers em O Tempo Não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946 (Dir: Lewis Milestone). Igualmente importante foi a performance de Lana Turner como Cora Smith em O Destino Bate à Porta / The Postman Always Rings Twice / 1946 (Dir: Tay Garnett) que, tal como Pacto de Sangue, foi baseado em um romance de James M. Cain.

John Garfield e Lana Turner em O Destino Bate à Porta

Outras mulheres fatais foram Ava Gardner como Kitty Collins em Assassinos / The Killers / 1946 (Dir: Robert Sidmak); Jane Greer como Kathie Moffett em Fuga ao Passado / Out of the Past / 1947 (Dir: Jacques Tourneur); Rita Hayworth como Elsa Bannister em A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai / 1948 (Dir: Orson Welles); Gloria Grahame como Vicki Buckley em Desejo Humano / Human Desire / 1954 (Dir: Fritz Lang); Marie Windsor como Sherry Peatty em O Grande Golpe /   The Killing / 1956 (Dir: Stanley Kubrick) etc.

Jane Greer e Robert Mitchum em Fuga ao Passado

Ava Gardner e Burt Lancaster em Assassinos

Orson Welles e Rita Hayworth em A Dama de Shanghai

Três das mais famosas mulheres fatais servem como exemplos ideais. Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck) em Pacto de Sangue, primeiro atrai o corretor sem caráter Walter Neff (Fred MacMurray), depois o convence a matar seu marido e no final dá um tiro nele. Kathie Moffett (Jane Greer) em Fuga ao Passado, fascina o detetive Jeff Bailey (Robert Mitchum) e depois o induz a trair seu cliente gângster para que (sem conhecimento de Bailey) ela possa escapar com quarenta mil dólares. Três anos depois, Kathie aparece novamente, trai Bailey mais uma vez e finalmente o mata. Kitty Collins (Ava Gardner) em Assassinos, encanta de tal modo o Sueco (Burt Lancaster), que ele primeiro vai para. a cadeia para impedir que a moça seja presa. Dois anos depois, envolve-se em um assalto por causa de Kitty, apenas para ser traído por ela, deixando-o sem nenhum dinheiro e a culpa pela traição de Kitty de todo o bando de ladrões. O Sueco fica tão abatido por causa de Kitty que, seis anos mais tarde, aguarda, em uma aceitação passiva, ser perseguido por dois pistoleiros de aluguel e assassinado.

Barbara Stanwyck em A Confissão de Thelma

Barbara Stanwyck vive outra mulher fatal em A Confissão de Thelma / The File on Thelma Jordon / 1950 (Dir: Robert Siodmak). Ela mata sua tia quando esta a surpreendeu-a roubando suas jóias e destrói a vida de um assistente de promotoria até então íntegro, que faz uma acusação propositadamente inepta, conseguindo absolvê-la. Mas não é tão fria como a Phyllis Dietrichson que interpretou em Pacto de Sangue. Age impulsivamente, sem o cerebralismo da personagem de James M. Cain.

Ann Savage e Tom Neal em Curva do Destino

Umas das mulheres fatais mais perversas é a predatória Vera (Ann Savage) de Curva do Destino / Detour / 1945, produção modesta da PRC (Producers Releasing Company) dirigida por Edgar G. Ulmer. Neste filme o protagonista, Al Roberts (Tom Neal), sofre as artimanhas desta mulher traiçoeira, de quem o destino o aproximou e por causa dela se vê envolvido em duas mortes e termina preso por um assassinato que não cometeu.

Lizabeth Scott e Dan Duryea em Lágrimas Tardias

Em Lágrimas Tardias / Too Late for Tears / 1949 (Dir: Byron Haskin) encontramos outra femme-fatale, Jane Palmer, personificada por Lizabeth Scott. O filme gira em torno da protagonista feminina, levada à degradação e ao crime pela sua cupidez. No relato Alan Palmer (Arthur Kennedy) e sua esposa Jane encontram dentro de seu conversível uma maleta cheia de dinheiro. Jane recebe a visita de um escroque Danny Fuller (Dan Duryea), que reclama o dinheiro, na realidade fruto de uma chantagem. Depois ela mata Alan e comunica à polícia e à irmã de Alan, Kathy (Kristine Miller), o desaparecimento do marido. Um estranho chega ao apartamento de Jane, apresentando-se como amigo de Alan. Na verdade, ele é Don Blake (DonDeFore), o irmão do primeiro marido de Jane, que se suicidou por causa dela.

Para conservar os sessenta mil dólares, que por engano foram jogados no seu carro, Jane é capaz de tudo, espantando até o traquejado chantagista pela sua frieza. Danny tem que se embebedar para ter coragem de ajudá-la nos seus planos enquanto ela o envenena sem a menor piedade, mesmo depois de tê-lo beijado várias vezes.

Faith Domergue e Robert Mitchum em Trágico Destino

Em Trágico Destino, após tentar o suicídio, Margo Lannington  (Faith Domergue) é atendida pelo médico Jeff Cameron (Robert Mitchum). Ela diz que seu pai, o milionário Frederick Lannington, (Claude Rains) pretende levá-la para Nassau. Apaixonado, Jeff decide ir à sua casa para dizer ao pai dela que a ama e fica sabendo da verdade: Frederick não é pai, mas sim marido. Jeff sai furioso e Frederick bate em Margo. Ao ouvir os gritos de Margo, ,Jeff sai furioso e Frederick golpeia-o na cabeça com um atiçador, porém Jeff ainda consegue atingí-lo com um soco, deixando-o desacordado. Enquanto Jeff vai ao banheiro molhar um pouco a nuca,Margo mata Frederick, sufocando-o com um travesseiro. Jeff desmaia de dor. Quando volta a si, pensa que foi ele quem matou Frederick.

Robert Mitchum e Jean Simmons em Alma em Pânico

Em Alma em Pânico / Angel Face / 1953 (Dir: Otto Preminger) o chofer de ambulância, Frank Jessup (Robert Mitchum) salva uma senhora rica, Mrs. Tremayne (Barbara O’Neil), de morrer asfixiada por gás e é contratado como motorista particular da família. Frank apaixona-se por Diane (Jean Simmons), a enteada de Mrs.Tremayne, que odeia a madrasta. A jovem planeja um acidente, ocasionando a morte da madastra e também de seu pai, que estava no carro sem que ela soubesse. No essencial, o relato de assemelha com o de Trágico Destino, no qual um médico é envolvido com uma mulher desequilibrada e assassina.

Lizabeth Scott e Humphrey Bogart em Confissão

Em Confissão / Dead Reckoning / 1947 (Dir: John Cromwell) Coral Chandler (Lizabeth Scott), com sua aparência frágil e lágrimas falsas, ilude o ex-paraquedista Rip Murdock (Humphrey Bogart) e os espectadores e, somente no final, se apresenta como uma traiçoeira e perigosa mulher fatal.

Claire Treevor e Lawrence Tierney em Nascido para Matar

Em Nascido para Matar / Born to Kill / 1947 (Dir: Robert Wise) na noite em que está saindo de Reno depois de obter seu divórcio, Helen Trent (Claire Trevor) encontra os corpos de dois sujeitos na pensão de Mrs. Kraft (Esther Howard) onde reside; mas não avisa a polícia. No trem que a leva para San Francisco, conhece Sam Wild (Lawrence Tierney) o assassino, e sente forte atração por ele. Sam segue Helen até a casa de sua irmã adotiva Georgia Staples (Audrey Long) e volta sua atenção para para Georgia, herdeira do maior jornal da cidade. Sam e Georgia se casam. Helen é mercenária (“Toda a minha vida dependi do dinheiro dos outros. Agora quero ter algum só para mim”), traiçoeira (ela entrega Sam à polícia, para poder explorar Georgia) e insensível (“Você é a mulher iceberg mais fria que vi em toda a minha vida”, lhe diz Mrs. Kraft).

A mulher fatal deve inevitavelmente morrer – ou, no mínimo, ficar mortalmente ferida ou ser presa pelos seus crimes. São criaturas agressivas e sensuais, que levam os homens à destruição moral, e algumas vezes à morte, mas acabam sempre punidas, vítimas de suas próprias ciladas. Exemplos: Helen em Nascido para Matar; Phyllis em Pacto de Sangue; Thelma em A Confissão de Thelma, Elsa em A Dama de Shanghai, Kathie em Fuga ao Passado, Cora em O Destino Bate à Porta etc. e não posso deixar de citar a morte mais estranha de todas, a de Vera em Curva do Destino: depois de uma discussão violenta com Roberts, o homem que ela chantageia, tornando-o um  escravo em potencial, Vera se refugia num quarto, levando o telefone, e cai na cama bêbada, com o fio enrolado no pescoço. Roberts puxa o fio do outro lado da porta e, inadvertidamente, estrangula Vera.

O poder da mulher fatal é tão grande que o herói também tem poucas chances de sobreviver.  E quando consegue, acaba sempre como um homem alquebrado. Al Roberts, o protagonista de Curva do Destino, ao comentar seu infortúnio, raciocina: “Algum dia o destino ou alguma força misteriosa pode apontar o dedo, para você ou para mim sem nenhum bom motivo para isso … Para qualquer lado que você se mova, o destino estica a perna para lhe dar uma rasteira.”

A reflexão de Roberts dá bem uma idéia da emoção básica do protagonista noir, de como ele se sente incapaz de descobrir ou controlar as causas do seu infortúnio.

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