Após uma década no cinema, principalmente em pequenos papéis (por exemplo, em aparição não creditada como um repórter fumando cachimbo em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941), ele atingiu o estrelato como um assassino profissional no filme noir Alma Torturada / This Gun for Hire / 1942. Apesar de sua pequena estatura, Ladd projetava uma imagem de tenacidade e independência e seu rosto impassível era perfeitamente adequado para o subgênero do drama criminal em desenvolvimento nos meados dos anos quarenta.
Apesar da propaganda patriótica (segundo consta, inserida na última hora em face do ataque a Pearl Harbor), Alma Torturada pode, com boa vontade, ser considerado um filme noir puro, por causa do protagonista alienado, estóico e autodestrutivo, pela fotografia expressionista de John Seitz e porque parece mais um thriller de mistério do que de espionagem.
O filme tem como figura principal Philip Raven (Alan Ladd), um jovem assassino psicótico, contratado em San Francisco por Willard Gates (Laird Gregar), para cometer um crime. Gates, por sua vez, presta serviços a Alvin Brewster (Tully Marshall), velho aleijado, dono de uma fábrica de produtos químicos de Los Angeles, que vende fórmulas de gás venenoso para os japoneses. A vítima é um possível informante da polícia. Raven cumpre a tarefa, mas é pago por Gates com dinheiro falso. Perseguido pelo detetive Michael Crane (Robert Preston), parte para Los Angeles, a fim de ajustar cotas com Gates. No trem, seu caminho se cruza com o de Ellen Graham (Veronica Lake) que, coincidentemente, é noiva de Crane e trabalha na boate de Gates, tendo sido por isso convocada pelas autoridades federais como espiã. Ellen simpatiza com Raven e lhe pede que use Gates para chegar até Brewster e fazê-lo assinar uma confissão, servindo ao seu país. Raven consegue penetrar no escritório da fábrica, trancando-se em uma sala com Gate, Brewster e um outro empregado deste. Ele obriga Brewster a admitir por escrito os seus atos impatrióticos. Logo depois, o velho, tirando uma arma do bolso, tenta matá-lo, porém sofre um colapso, e morre. Raven executa Gates. Quase no mesmo instante, Crane surge pela janela e o acerta com um tiro.
Os roteiristas americanizaram a história de Graham Greene e substituíram a angústia metafisica do herói por uma perturbação mental. Na obra original, Raven era atormentado por um crime específico na sua carreira: o da velha secretária de um ministro. A anciã lutara com tal paixão para se defender, que este fato, ficou para sempre na memória do impiedoso assassino. No filme, o herói é obcecado por um sonho recorrente, no qual se vê esfaqueando a tia que batera nele quando criança e o queimara com um ferro em brasa, deformando-lhe o pulso. Os tipos humanos, porém, continuaram interessantes, tanto o criminoso solitário e perturbado como o chefe decrépito da quinta coluna e seu cúmplice covarde.
Há bons momentos de Cinema – a cena inicial, quando Raven defende com brutalidade o gato, mostrando imediatamente o clima do filme: o assassinato do casal, a mulher sendo alvejada atrás da porta; a primeira aparição de Ellen no número de canto e mágica; o episódio da fábrica onde Raven e Ellen se movem entre o dínamo e as tubulações de gás, aparecendo dentro ou fora. das sombras; a perseguição no pátio da estação ferroviária, Raven correndo por uma longa ponte de madeira e os policiais atirando até que o fugitivo consegue saltar sobre um trem em movimento; e a sequência final, quando Raven entra no escritório da fábrica disfarçado com uma máscara contra gases.
Além de Alma Torturada Ladd participou de mais três filmes noir: Capitulou Sorrindo / The Glass Key / 1942; A Dália Azul / The Blue Dahlia /1946 e Caminhos Sem Fim / Chicago Deadline / 1949.
No enredo de Capitulou Sorrindo, Ed Beaumont (Alan Ladd), fiel assistente do líder político Paul Madvig (Brian Donlevy), fica preocupado quando seu patrão resolve apoiar a candidatura do senador Henry (Moroni Olsen) na próxima eleição. Ele acha que o senador e sua filha Janet (Veronica Lake), de quem Paul é noivo, estão apenas usando-o em proveito próprio. Além disso, o programa de reformas do senador implica o fechamento dos cassinos, que irá despertar a inimizade do gângster Nick Varno (Joseph Calleia). Pouco depois, o filho do senador, Taylor (Richard Denning), viciado em jogo, é assassinado. Taylor tinha um caso amoroso com Opal Madvig (Bonita Granville), irmã de Paul, e este, além de ser naturalmente suspeito, pois não aceitava tal situação, é acusado do crime por uma carta anônima, enviada ao Promotor Público. Certo de que se trata de uma armação de Varna, para incriminar Paul, Ed provoca um rompimento como o patrão e vai procurá-lo. O gângster quer que ele dê informações contra Paul para o jornal Observer, cujo editor está sob seu controle, a fim de prejudicar a candidatura do senador. Ed recusa e – depois de ser brutalmente espancado por Jeff (William Bendix), um dos capangas de Varna – consegue fugir. Ed acaba descobrindo que foi Janet quem mandou a carta anônima, pensando que Paul realmente matara seu irmão Desconfiado de que o senador foi o verdadeiro assassino, Ed convence o promotor da culpabilidade de Janet e vai com a polícia para prendê-lo, esperando arrancar a confissão do pai. Ao ver a filha presa, o senador admite que matou o filho após uma discussão e que, de fato, Paul ajudou-o a acobertar o crime.
Apesar de toda a sua lealdade a Paul, o herói tem certas atitudes amorais. Por exemplo, quando se deixa seduzir pela mulher do editor do jornal, ocasionando o suicídio deste. Ou na cena em que ele, impassível, fica vendo Jeff estrangular Varna com requintes de crueldade. E, finalmente, Ed não hesita em usar Janet para obter a confissão do seu pai, dizendo depois para os policiais: “Eu fiz o velho se entregar”. Só pelo fato de ter sido baseado em uma história de Dashiell Hammett, o filme já traz os temas e personagens noirs, inclusive o da corrupção política.
Em A Dália Azul o herói de guerra Johnny Morrison (Alan Ladd) chega em Los Angeles na companhia de seus companheiros Buzz (William Bendix) e George (Hugh Beaumont), ansioso para rever a esposa, Helen (Doris Dowling). Ela está dando uma festa no apart-hotel onde reside. Helen apresenta-o a Eddie Harwood (Howard Da Silva), dono da boate A Dália Azul. Quando Johnny vê Harwood beijar sua mulher ao se despedir, percebe que estão saindo juntos. Furioso, agride Harwood. Quando encontram Helen assassinada, Johnny é um dos suspeitos, além de Harwood, Buzz e “Dad” Newell, o velho detetive chantagista do hotel, pois todos foram vistos nas imediações na noite do crime. No decorrer da trama Johnny faz amizade com Joyce Harwood (Veronica Lake) e descobre depois que ela é a esposa de Eddie Harwood.
O tema do veterano do serviço militar perdido no mundo tortuoso do pós-guerra (Johnny) ou emocionalmente instável (Buzz), roteiro de Raymond Chandler, cenário sufocante e artificial, fotografia noturna, produziriam, em princípio, um filme noir puro. Entretanto, não se percebe o mesmo tom angustiante de outros filmes noir, pois os acontecimentos, embora interessantes, são expostos de uma maneira direta e objetiva como um drama criminal rotineiro. Lembro ao leitor que faço um distinção entre filmes noirs puros e aqueles filmes que apenas contém elementos noirs, como é o caso deste.
A primeira versão do script trazia uma idéia razoavelmente original: Buzz era um assassino inconsciente. Sua placa de aço na cabeça começou a zunir quando Helen fez alusões injuriosas a respeito de Johnny; então ele perdeu a memória. Chandler imaginou um final pungente para história: Johnny percebe que seu amigo confuso é o culpado e deve decidir se o entrega ou não à polícia. Houve, porém, intervenção do Departamento da Marinha e, em uma conclusão banal, o criminoso passou a ser o detetive chantagista.
Em Caminhos sem Fim, um jornalista, Ed Adams (Alan Ladd), descobre o corpo de uma jovem. Rosita Jean d’Ur (Donna Reed), morta de tuberculose em um quatro de hotel barato. Antes de a polícia chegar, ele rouba o caderno de endereços dela e investiga seu passado, que é recontado através de retrospectos. Ed encontra-se com Tommy (Arthur Kennedy), o irmão da falecida e com várias pessoas que conheceram Rosita até se confrontar com Solly Wellman (Berry Kroeger), o principal vilão.
Drama de mistério com uma história melancólica de base necrofílica (o jornalista se apaixona pelo cadáver de uma linda jovem e decide reabilitar sua memória), pode ser considerado um filme noir puro, não só pelo uso dos retrospectos e da magnífica iluminação contrastada de John Seitz, mas também pelo caráter mórbido da devoção do repórter pela morta.
Embora alguns pontos da trama sejam um tanto obscuros, a história é bem conduzida e Alan Ladd nos convence de que está realmente fascinado pela misteriosa heroína, principalmente quando se refere a ela nos diálogos. Há um instante em que Tommy diz: “Era uma garota linda, não é mesmo?” E Adams responde com emoção “Mais do que isso”.
A melhor cena de ação ocorre quando Adams e o colega, PIg (Dave Willoc), perseguidos por Solly e seus capangas, entram em uma enorme garagem. Após um tiroteio, Ed e Pig descem as rampas em um carro, atropelando um dos bandidos. Depois, Adams fica só com uma bala no revólver, mas consegue enganar Solly, fazendo-o crer que sua arma está descarregada. Quando Solly aparece, crente que a munição de seu adversário acabou, Adams o mata.