Aos 17 anos de idade esta jovem camponesa nascida em Donrémy no nordeste da França, comandou um exército e levantou o cerco de Orléans durante a Guerra dos Cem Anos. Em seis meses, sua campanha culmina com a coroação de Carlos VII em Reims, o qual a abandonou mais tarde nas mãos dos ingleses, que a compraram por dez mil escudos, por intermédio do bispo Cauchon, que presidiu o julgamento. Após o processo iníquo em Ruão, foi condenada à fogueira e suas cinzas jogadas ao rio. Muito mais tarde foi canonizada.
Este destino fulgurante e trágico de uma pastora (1412-1431) inspirou canções, poetas, pintores, escultores, dramaturgos e cineastas. Nos primórdios do cinema tivemos as versões de Georges Hatot (Jeanne D’Arc / 1898); George Méliès (Jeanne D’Arc /1899); Albert Capellani (La Vie de Jeanne D’Arc / 1908) com Léontine Massart (Joana); Mario Caserini (Giovana d’Arco / 1908) com Maria Caserini (Joana); e Nino Oxilia (Giovana d’Arco / 1913) com Maria Jacobini (Joana).
Em 1917, Joana D’Arc, a Donzela de Orleans / Joan the Woman de Cecil B. DeMille, com a cantora de ópera Geraldine Farrar, alternava cenas da guerra de 14 com a história das vitórias e do martírio da Joana. Apesar do evidente propósito de propaganda a favor dos aliados e dos elementos fantasistas no roteiro elaborado por Jeanie Macpherson, o filme tinha exaltação espiritual e belas cenas coloridas à mão. Além disso, trazia contribuições importantes para a evolução da técnica cinematográfica como, por exemplo, a utilização da profundidade de campo. Uma das produções mais ambiciosas da Famous Players-Lasky nos seus primeiros anos de existência, Joan the Woman foi o primeiro dos superespetáculos que tornaram o nome de DeMille legendário na história do cinema e alguns jornalistas cognominaram-no na ocasião “o Miguel Angelo da tela”. Nas sequências de ação Geraldine Farrar teve que ser substituída por uma excelente cavaleira, Pansy Perry, e a seu lado, como galã, estava Wallace Reid.
Nos anos vinte tivemos inicialmente em 1927 um short britânico de 11 minutos sob direção de Widgey R. Newman, reproduzindo a famosa cena da catedral da peça de Bernard Shaw com a atriz Sybil Thorndyke como Joana. No ano seguinte o dinamarquês Carl Dreyer fez O Martírio de Jona D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc com Falconetti, genuíno poema litúrgico que figura sempre nas listas dos dez melhores filmes de todos os tempos. Causou uma revolução estética com a utilização sistemática e eloquente dos grandes planos, desvendando a alma da heroína e dos seus algozes (foto de Rudolph Maté), a brancura e a abstração dos cenários, os enquadramentos imprevistos e a montagem minuciosa, e até hoje provoca impacto com sua perfeição estilística a serviço da verdade interior. Não se pode dissociar da obra sua intérprete, Renée Falconetti, atriz de teatro que ficou famosa por este seu único filme. Supervisionada com muito rigor Por Dreyer e, tal como os demais componentes do elenco – Silvain, Maurice Schutz, Antonin Artaud, Michel Simon, Jean d’Yd – renunciando à maquilagem, ela viveu intensamente o papel de Joana como se estivesse em estado de transe e em permanente tensão dolorosa.
La Merveuilleuse Vie de Jeanne D’Arc, de Marco de Gastyne, com Simone Genevois, também de1928, tinha sequências dignas de Eisenstein, o excepcional cineasta russo; mas, embora fosse eficiente como espetáculo e contasse a história de Joana desde a infância até à fogueira de Ruão, o filme, rodado quase simultaneamente com o clássico de Dreyer, perdia na comparação.
Durante o período hitlerista, Gutsav Ucicky filmou na UFA, Santa Joana D’ Arc / Das Madchen Johanna / 1934, apresentando a Donzela de Orleans como uma perfeita patriota, servindo de títere ao rei Carlos VII. A revista Cinearte comentou: “Em matéria de atmosfera, de ambiente de época, é toda a Europa medieval que revive através de imagens de maravilhosa beleza. O que nos surpreende, entretanto, é ver um filme europeu transigindo com a história. A interpretação que dão a esta admirável figura que foi a camponesa de Domrémy é bastante discutível”. Reunindo um punhado de atores consagrados nos palcos germânicos – Gustaf Gründgens, Heinrich George, René Deltgen, Erich Ponto, Willy Birgel, Theodor Loos, Aribert Wascher, Veit Harlan, Paul Bildt, Albert Florath e Angela Salloker (como Joana) – o filme foi exportado internacionalmente para mostrar a qualidade da produção alemã e a mensagem política passou despercebida por muitos espectadores.
Em 1944, num documentário de 58 min De Jeanne D’Arc a Philippe Pétain, Sacha Guitry, sentado na sua mesa de trabalho, nos dá uma palestra sobre a História da França de Joana D’Arc à Ocupação com algum foco em vários de seus grandes escritores e músicos, ouvindo-se entre os recitadores as vozes de Jean Cocteau e Madeleine Renaud.
Hollywood voltou a abordar o tema em 1948, quando o produtor Walter Wanger, o diretor Victor Fleming e Ingrid Bergman fundaram a Sierra Pictures com o objetivo exclusivo de a tela a peça “Joan of Lorraine”, de Maxwell Anderson, que a estrela havia interpretado no palco com grande triunfo. O texto de Anderson focalizava uma atriz, Mary Grey, às voltas com a composição da personagem de Joana; no cinema, os roteiristas (o próprio autor e Andrew Solt) resolveram eliminar o esquema ontem-e-hoje da história, preferindo um tratamento histórico direto de sua vida. Houve muitos recursos (5 milhões de dólares, 4 mil figurantes) e cuidados com a autenticidade; mas o resultado não correspondeu às intenções; O filme Joana D’Arc / Joan of Arc tem sequência deslumbrantes em technicolor (Oscar para a foto de Joe Valentine, Winton Hoch e William V. Skall), entre elas a magnífica recriação da catedral de Reims (direção de arte, Richard Day), porém, estáticas e sem substância espiritual. A encenação é medíocre, substituindo o sublime pelo pitoresco. Do desastre, salvam-se ainda os desempenhs esforçados de Ingrid Bergman e de José Ferrer, este marcando sua estréia diante das câmeras como o indeciso Delfim.
O filme francês Destino de uma Mulher / Destinées / 1954, constitui-se de três esquetes que estudam o comportamento da mulher diante da guerra. No segundo esquete, Jeanne, dirigido por Jean Delannoy, os argumentistas Jean Aurenche e Pierre Bost contam um episódio na trajetória de Joana (Michèle Morgan), durante a qual ela realiza um milagre, reanimando o corpo de uma criança morta, e batizando-a, antes que expirasse definitivamente.
No mesmo ano Roberto Rosselini, em Giovanna d’Arco ao Rogo filmou, em gevacolor, o oratório de Paul Claudel e Arthur Honneger, numa mise-en-scène de ópera, estilizada, na qual a cor e os gestos deveriam exprimir o essencial do poema musical. Rosselini disse que tentou “reencontrar o estilo, o modo de expressão dos primeiros tempos do cinema”. Para uns o filme é um ato de pura contemplação; outros, aborreceram-se com sua monotonia.
Três anos mais tarde, Otto Preminger dirigiu Santa Joana / Saint Joan, baseado na peça de Bernard Shaw, com roteiro de Graham Greene. Na ótica impertinente de Shaw, Joana encarna as duas forças que romperam o universo medieval: o nacionalismo, na ordem temporal, e o livre exame, na ordem espiritual. Preminger não compreendeu bem o texto e Jean Seberg, escolhida aos 17 anos entre 18 mil candidatas para o papel de Joana, por sua inexperiência, não pode salvar o filme, que tinha além de um excelente fotógrafo, George Perinal, competente elenco de apoio: John Gieguld, Richard Widmark (Delfim), Richard Todd, Anton Walbrook, Felyx Aylmer, Harry Andrews.
Ainda em 1957 Joana apareceu sob os traços de Hedy Lamarr em um episódio de A História da Humanidade / The Story of Mankind, em cujo enredo o Diabo (Vincent Price) e o Espírito do Homem (Ronald Colman) discutem se a humanidade é ou não, em última análise, boa ou má. A produção reunir um cast enorme de artistas conhecidos em papéis de figuras históricas, alguns absurdamente como, por exemplo, Virginia Mayo como Cleopatra, Peter Lorre como Nero, Harpo Marx como Isaac Newton, etc.
Em 1963, Procès de Jeanne D’Arc, de Robert Bresson, com Florence Carrez, segue rigorosamente os autos do processo do século XV, e é tratado no tom intimista e ascético do cineasta, muito parecido com o de Carl Dreyer. Numa entrevista, o diretor declaro que, para ele, o julgamento é um duelo entre o bispo Cauchon e Joana, confronto narrado no filme com extrema economia de meios, a fim de se manter a realidade nua do drama.
A filmografia de Joana d’Arc é muito extensa. Encontrei ainda: Jehanne / 1956 de Robert Enrico, curta-metragem composto de miniaturas do século XV, período em que Joana viveu, narrado por Alain Cuny; Sainte Jeanne / 1956, teleteatro dirigido por Claude Loursais; The Lark / 1957, adaptação no programa de teleteatro Hallmark Hall of Fame, da versão que Lillian Hellman fez de “L’Alouette” de Jean Anouilh, protagonizada por Julie Harris (Joana) e com Boris Karloff no papel do bispo Cauchon; Saint Joan / 1958 telefilme britânico da Granada Teevision, adaptação da peça de Bernard Shaw com Siobhan McKenna; Le Vrai Procès de Jeanne D’Arc / 1959, telefilme de Stellio Lorenzi; Jeanne et les Juges / 1959, telefilme de Thierry Maulnier; Jeanne D’arc auf dem Scheiterhaufen / 1960 de Gustav Rudolf Sellner com Margot Trooger (Joana); Jeanne au Vitrail / 1961, curta-metragem de Claude Antoine; L’Histoire de Jeanne / 1962, documentário de Francis Lacassin expondo o itinerário de Joana respectivamente através das miniaturas dos manuscritos, vitrais das igrejas e das gravuras; Der Fold Jeanne d’Arc / 1966. Telefilme germânico de Paul Verhoevem com Kathrin Schmid; Saint Joan /1967, telefilme, baseado na peça de Bernard Shaw, dirigido com Genevieve Bujold (Joana) e Roddy McDowall (Delfim); Jeanne en France / 1967 de Jean Lehérissey; St. Joan / 1968, episódio do programa BBC Play of the Month, adaptação da peça de Bernard Shaw, dirigido por Waris Hussein com Janet Suzman como Joana; Nachalo / 1970, filme russo de Gleb Panfilov sobre uma atriz amadora (Inna Churikova) que sonha em interpretar Joana D’Arc; Le Mystére de la Charité de Jeanne D’Arc / 1971, telefilme com Catherine Morlay, espécie de meditação sobre a vocação de Joana, esse “mistério” como aqueles da Idade Média, é dedicado … “a todos os que serão mortos por procurarem levar um remédio ao mal universal”; Jeanne d’Arc / 1981, episódio da série de TV Les Voyageurs de l´histoire, dirigido por Gerard Gozlan com Marie Dauphin (Joana D’ Arc); Bill and Ted’s Excellent Adventure / 1989 de Stephen Herek gira em torno de dois adolescentes do rock and roll que encontram uma máquina no tempo e, em uma de suas viagens ,encontram Joana D’arc (Jane Wiedlin); Giovanna d’Arco / 1989, ópera de Verdi filmada por Werner Herzog com Susan Dann como Joana; Joana D’Arc da Mongólia / Johanna D’Arc of Mongolia / 1989, co-produção Alemanha Ocidental-França, dirigido por Ulrike Ottinger, com Inés Sastre como Joana; Jeanne d’Ark – visjon gjennon eld / 1990, telefilme norueguês de Morten Thomte com Juni Dahr como Joana; Jeanne d’Arc produção au bucher / 1993, telefilme japonês dirigida por Akio Jissôji com Marthe Keller como Joana, baseada no oratório de Paulo Claudel; Jeanne la Pucelle / produção francesa, dirigida por Jacques Rivette, com Sandrine Bonnaire como Joana; The Messenger: The Story of Joan of Arc / 1999 ,minissérie canadense dirigida por Luc Besson, com Milla Janovich (Joana); Wired Angel / 1999, filme experimental estadunidense dirigido por Sam Wells com Caroline Ruttle (Joana); Jeanne d’Arc / 2004, telefilme francês dirigido por Laurent Preyale – balé visionário sobre a vida e morte de Joana d’Arc; Vrai Jeanne, fausse Jeanne / 2008, telefilme documentário dirigido por Martin Meissonier; Jeanne Captive / 2011, dirigido por Philippe Ramos com Clémence Poésy (Joana); Jeanne, l’enfance de Jeanne d’Arc / 2017, filme musical dirigido por Bruno Dumont, com Lise Leplat Prudhomme (Joana menina) e Jeanne Voison (Joana adulta).