Um filme biográfico consagra a maior parte de seu propósito à evocação de um personagem célebre ou exemplar cuja existência é comprovada pela História ou pela atualidade. Sua legitimidade reside no fato de que ele evoca um personagem real.
Em 1912 o sucesso de Elisabeth, Rainha da Inglaterra / La Reine Elizabeth, realizado no espírito do film d’art pela Histrionic Films em uma co-produção especial Franco-Anglo-Americana, dirigida por Henri Desfontaines e Louis Mercanton e interpretado por Sarah Bernhardt, estabeleceu a regra para o filme biográfico: um personagem célebre encarnado por um ator célebre. Distribuído na França pela Eclipse, o espetáculo focaliza exclusivamente o relacionamento entre Elizabeth (Sarah Bernhardt) e Essex (Lou Tellegen), que incita seu ciúme tendo um caso com a Condessa de Nottingham (Mlle Romain), cujo esposo, o Earl de Nottingham (Maxudian) o incrimina por meio de uma carta falsificada
No cinema silencioso foram feitos principalmente Ana Bolena / Anna Boleyn / 1920 de Ernest Lubitsch com Emil Jannings como Henrique VIII e Joana D’arc – A Donzela de Orleans / Joan the Woman / 1916 de Cecil B. DeMille com Geraldine Farrar e mais dois grandes filmes biográficos: Napoleão / Napoleon / 1927 de Abel Gance com Albert Dieudonné e O Martírio de Joana d’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc / 1928 de Carl Th. Dreyer com Maria Falconetti. Porém foi no cinema falado, nos anos trinta e quarenta, que o filme biográfico se desenvolveu.
Nos Estados Unidos, na Warner Bros., William Dieterle filmou. A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur / 1936 sobre o grande cientista e sua notáveis descobertas das causas e prevenção de doenças; A Vida de Emile Zola / The Life of Emile Zola / 1939 sobre o combativo escritor francês e Juarez / Juarez / 1939 sobre o líder revolucionário mexicano, todos os filmes com Paul Muni no papel título e A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich´s Magic Bullet / 1940 sobre Paul Ehrlich, o bacteriologista que descobriu a cura para a sífilis com Edward G.Robinson como o médico e cientista alemão.E não podemos esquecer a física e química polonesa Marie Curie, imortalizada por Greer Garson no fime da MGM, Madame Curie / Madame Curie / 1943.
O bio-pic, ou seja, o biographical picture, se apegou aos personagens históricos os mais diversos: revoltosos como Pancho Villa (Wallace Beery) em Viva Villa! / Pancho Villa / 1934 ou foras-da-lei como Jesse James (Tyrone Power) em Jesse James / Jesse James / 1939; inventores como Thomas Alva Edison em Edison, o Mago da Luz / Edison, the Man / 1940 (Spencer Tracy) e O Jovem Thomas Edison / Young Tom Edison / 1940 (Mickey Rooney) ou Alexander Graham Bell (Don Ameche) em A Vida de Alexander Graham Bell / The Story of Alexander Graham Bell / 1939; políticos como Disraeli (George Arliss) em Disraeli / Disraeli / 1929 ou Abraham Lincoln (Henry Fonda) em A Mocidade de Lincoln / Young Mr. Lincoln / 1939; um escritor e filósofo iluminista como Voltaire (George Arliss) em Voltaire / Voltaire / 1933; rainhas como Cleopatra (Claudette Colbert) em Cleopatra / Cleopatra / 1933, Cristina da Suécia (Greta Garbo) em Rainha Cristina / Queen Cristina / 1933, Maria Antonieta (Norma Shearer) em Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938 ou Catarina, a Grande da Rússia (Marlene Dietrich) em A Imperatriz Vermelha / Scarlet Empress / 1944; esportistas como o boxeador James J. Corbett (Errol Flynn) em O Ídolo do Público / Gentleman Jim / 1942 ou o craque do basebol Lou Gehrig (Gary Cooper) em Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees / 1942; atores famosos George M. Cohan (James Cagney) em A Canção da Vitória / Yankee, Doodle, Dandy / 1942 ou Al Jolson (Larry Parks) em Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946; famoso produtor teatral Florenz Ziegfeld Jr. (William Powell) em Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great Ziegfeld / 1945; um poeta ladrão, ébrio e boêmio como François Villon (Ronald Colman) em Se Eu Fora Rei / If I Were King / 1938; heróis lendários do Oeste como George Armstrong Custer (Errol Flynn) em O Intrépido General Custer / They Died With Their Boots On / 1941 ou William F. Cody (Joel Mac Crea) em Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944; grandes compositores da música popular como Cole Porter (Cary Grant) em Canção Inesquecível / Night and Day / 1946 ou da música clássica como Frédéric Chopin (Cornel Wilde ) em A Noite Sonhamos / A Song to Remember / 1945; o soldado mais condecorado da Primeira Guerra Mundial, Alvin C.York (Gary Cooper) em Sargento York / Sergeant York / 1941; um criminoso perigoso do tempo da Grande Depressão como John Herbert Dillinger (Lawrence Tierney); as três irmãs Charlotte (Olivia de Havilland), Emily (Ida Lupino) e Anne (Nancy Coleman) Brontë, responsáveis por alguns do maiores clássicos da literatura inglesa em Devoção / Devotion / 1946 . Estes são apenas alguns filmes biográficos realizados na América do Norte nos anos trinta e quarenta. Eles continuam sendo feitos até os dias de hoje, mas não vou citar filmes dos anos seguintes para não fatigar os leitores e também porque foram essas décadas citadas as mais férteis na produção deste gênero de filme.
Dou somente alguns exemplos dos anos cinquenta, sessenta e setenta: Viva Zapata! / Viva Zapata! / 1951; Spartacus / Spartacus / 1960; Freud – Além da Alma / Freud / 1962; Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962; Cleopatra / Cleopatra / 1963; Patton – Rebelde ou Herói? / Patton / 1970; Valentino – O ídolo, o Homem / Valentino / 1977.
Outros países também produziram filmes biográficos nos decênios mencionados. Na Grã-Bretanha surgiram, por exemplo, Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933 com Charles Laughton; A Rainha Imortal / The Rise of Catherine the Great / 1934, com Elisabeth Bergner; Rembrandt / Rembrandt / 1936 com Charles Laughton; A Rainha Vitória / Victoria the Great / 1937 com Ana Neagle; Cristovão Colombo / Christopher Columbus / 1949 com Fredric March. Na França, Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1935 com Edwige Feuillère; Pasteur / Pasteur / 1935 com Sacha Guitry; Um Grande Amor de Beethoven / Un Grand Amour de Beethoven / 1936 com Harry Baur; O Capelão das Galeras / Monsieur Vincent / 1947 com Pierre Fresnay; O Lanceiro Invencível / Du Guesclin / 1949 com Fernand Gravey. Na União Soviética, Cavaleiros de Ferro / Alexandre Nevski / 1938, Ivã, o Terrível / Ivan Groznyy / 1944 com Nikolai Cherkasov, e a trilogia de Gorki: A Infância de Gorki / Detstva Gorkogo / 1938 – Ganhando Meu Pão / V. lyudyakh / 1939 – Minhas universidades / Moi universitety / 1940 com Aleksey Lyarsky. Na Alemanha, Robert Koch / Robert Koch der Bekämfer des Todes / 1939 com Emil Jannings. Na Itália, Scipião, o Africano / Scipione l’ Africano / 1937 com Annibale Ninchi; Verdi / Giuseppe Verdi / 1938 com Fosco Giachetti. Em Portugal, Bocage / Bocage / 1936 com Raul de Carvalho e Camões / Camões / 1946 com Antonio Vilar. No México, Simón Bolivar / 1942 com Julian Soler e São Francisco de Assis / San Francisco de Asís / 1944 com José Luis Jiménez. No Brasil, em coprodução com Portugal, Vendaval Maravilhoso com Paulo Maurício como Castro Alves.