Arquivo mensais:dezembro 2024

UMA COMÉDIA ROMÂNTICA IRRESISTÍVEL DO CINEMA MUDO

Passei o Natal assistindo Meu Único Amor / My Best Girl / 1927, comédia romântica deliciosa, estrelada pela minha atriz predileta do cinema silencioso: Mary Pickford.

Mary e as panelas

Dirigido por Sam Taylor e fotogrado por Charles Roscher, o filme tem algo a ver com a história de Cinderela.  Maggie Johnson (Mary Pickford), arrimo de uma família modesta e excêntrica – o pai (Lucien Littlefield), a mãe (Sunshine Hart), a irmã (Carmelita Geraghty), – trabalha numa grande loja de departamentos, onde se apaixona por Joe Grant (Charles “Buddy” Rogers), um novo empregado, sem saber que ele é na realidade, Joe Merrill, filho do milionário dono da loja (Hobart Bosworth), e está noivo de uma jovem da sociedade (Millicent Rogers). Quando Maggie fica sabendo da verdade, ela tenta convencer Joe deque sabia o tempo todo quem era ele e estava tentando seduzí-lo. As cenas de amor entre Mary Pickford e Charles Rogers são maravilhosas: belas, puras e comoventes. Os momentos cômicos têm um charme irresistível. Logo no início, Mary surge sobrecarregada de baldes, frigideiras e panelas. Ela deixa cair uma panela, apanha-a, deixa cair outra, e mais outra, até que, finalmente, enfia seu pé em uma das panelas, parra arraestá-la consigo. Quando está quase chegando aonde queria ir, sua anágua escorrega e cai no chão. Mary se livra dela e corre para o balcão da loja, para pensar no que vai fazer. Nesse ínterim, uma mulher aparece, vê a anágua, pensa que é dela, e a recoloca rapidamente no seu corpo.

Mary e “Buddy” namorando

 

Numa outra cena, “Buddy” acompanha Mary até sua casa. Ela o convida para entrar, mas antes de abrir a porta, ouve a discussão reinante entre seus familiares no interior da casa. Mary pede que “Buddy” aguarde um pouco na varanda, explicando aquele caos como um ensaio para um clube dramático. “Que lindo uniforme, você parece um policial”, ela diz para um guarda que chega atrás do namorado meio suspeito de sua irmã, fazendo crer a “Buddy”, que aquele é outro membro do grupo teatral que chegara para o “ensaio”.

Na grande cena em que Mary diz que estava enganando “Buddy”, para que ele possa se casar com a sua noiva, mostra a habilidade que Mary tinha – tal como Chaplin – de fazer o público rir e chorar ao mesmo tempo. Ela anda de modo afetado, lambuza seu rosto de batom, quase que se sufoca com com um cigarro que tenta fumar e dança um Charleston frenético, enfim, finge que é uma jovem desregrada. Porém Mary não consegue levar adiante esta farsa, cai em prantos e se pendura nos ombros de “Buddy”, dizendo: “Eu não sou uma garota má, Joe. Eu te amo, mas não posso me casar com você”.  Entretanto ela acaba se casando com “Buddy”, na tela e na vida real.

 

GÊNEROS NO CINEMA: O FILME BIOGRÁFICO

Um filme biográfico consagra a maior parte de seu propósito à evocação de um personagem célebre ou exemplar cuja existência é comprovada pela História ou pela atualidade. Sua legitimidade reside no fato de que ele evoca um personagem real.

Elisabeth, Rainha da Inglaterra

Em 1912 o sucesso de Elisabeth, Rainha da Inglaterra / La Reine Elizabeth, realizado no espírito do film d’art pela Histrionic Films em uma co-produção especial Franco-Anglo-Americana, dirigida por Henri Desfontaines e Louis Mercanton e interpretado por Sarah Bernhardt, estabeleceu a regra para o filme biográfico: um personagem célebre encarnado por um ator célebre. Distribuído na França pela Eclipse, o espetáculo focaliza exclusivamente o relacionamento entre Elizabeth (Sarah Bernhardt) e Essex (Lou Tellegen), que incita seu ciúme tendo um caso com a Condessa de Nottingham (Mlle Romain), cujo esposo, o Earl de Nottingham (Maxudian) o incrimina por meio de uma carta falsificada

Ana Bolena

No cinema silencioso foram feitos principalmente Ana Bolena / Anna Boleyn / 1920 de Ernest Lubitsch com Emil Jannings como Henrique VIII e Joana D’arc – A Donzela de Orleans / Joan the Woman / 1916 de Cecil B. DeMille com Geraldine Farrar e mais dois grandes filmes biográficos: Napoleão / Napoleon / 1927 de Abel Gance com Albert Dieudonné e O Martírio de Joana d’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc / 1928 de Carl Th. Dreyer com Maria Falconetti. Porém foi no cinema falado, nos anos trinta e quarenta, que o filme biográfico se desenvolveu.

A HIstória de Louis Pasteur

Nos Estados Unidos, na Warner Bros., William Dieterle filmou. A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur / 1936 sobre o grande cientista e sua notáveis descobertas das causas e prevenção de doenças; A Vida de Emile Zola / The Life of Emile Zola / 1939 sobre o combativo escritor francês e Juarez / Juarez / 1939 sobre o líder revolucionário mexicano, todos os filmes com Paul Muni no papel título  e A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich´s Magic Bullet / 1940 sobre Paul Ehrlich, o bacteriologista que descobriu a cura para a sífilis com Edward G.Robinson como o médico e cientista alemão.E não podemos esquecer a física e química polonesa Marie Curie, imortalizada por Greer Garson no fime da MGM, Madame Curie / Madame Curie / 1943.

Madame Curie

O bio-pic, ou seja, o biographical picture, se apegou aos personagens históricos os mais diversos: revoltosos como Pancho Villa (Wallace Beery) em Viva Villa! / Pancho Villa / 1934 ou foras-da-lei como Jesse James (Tyrone Power) em Jesse James / Jesse James / 1939; inventores como Thomas Alva Edison em Edison, o Mago da Luz / Edison, the Man / 1940 (Spencer Tracy) e O Jovem Thomas Edison / Young Tom Edison / 1940 (Mickey Rooney) ou Alexander Graham Bell (Don Ameche) em A Vida de Alexander Graham Bell / The Story of Alexander Graham Bell / 1939; políticos como Disraeli (George Arliss) em Disraeli / Disraeli / 1929 ou Abraham Lincoln (Henry Fonda) em A Mocidade de Lincoln / Young Mr. Lincoln / 1939; um escritor e filósofo iluminista como Voltaire (George Arliss) em Voltaire / Voltaire / 1933; rainhas como Cleopatra (Claudette Colbert) em Cleopatra / Cleopatra / 1933, Cristina da Suécia (Greta Garbo) em Rainha Cristina / Queen Cristina / 1933, Maria Antonieta  (Norma Shearer) em Maria AntonietaMarie Antoinette / 1938 ou Catarina, a Grande da Rússia (Marlene Dietrich) em A Imperatriz Vermelha / Scarlet Empress / 1944; esportistas como o boxeador James J. Corbett (Errol Flynn) em O Ídolo do Público / Gentleman Jim / 1942 ou o craque do basebol Lou Gehrig (Gary Cooper) em Ídolo, Amante e Herói / The Pride of the Yankees / 1942; atores   famosos George M. Cohan (James Cagney) em A Canção da Vitória / Yankee, Doodle, Dandy / 1942 ou Al Jolson (Larry Parks) em Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946; famoso produtor teatral Florenz Ziegfeld Jr. (William Powell) em Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great  Ziegfeld / 1945; um poeta ladrão, ébrio e boêmio como François Villon (Ronald Colman) em Se Eu Fora Rei / If I Were King / 1938; heróis lendários do Oeste como George Armstrong Custer (Errol Flynn) em O Intrépido General Custer / They Died With Their Boots On / 1941 ou William F. Cody (Joel Mac Crea) em Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944; grandes compositores da música popular como Cole Porter (Cary Grant) em Canção Inesquecível / Night and Day / 1946 ou da música clássica como Frédéric Chopin (Cornel Wilde ) em A Noite Sonhamos / A Song to Remember / 1945; o soldado mais condecorado da Primeira Guerra Mundial, Alvin C.York (Gary Cooper) em Sargento York / Sergeant York / 1941; um criminoso perigoso do tempo da Grande Depressão como John Herbert Dillinger (Lawrence Tierney); as três irmãs Charlotte (Olivia de Havilland), Emily (Ida Lupino) e Anne  (Nancy Coleman) Brontë,  responsáveis por alguns do maiores clássicos da literatura inglesa em Devoção / Devotion / 1946 . Estes são apenas alguns filmes biográficos realizados na América do Norte nos anos trinta e quarenta. Eles continuam sendo feitos até os dias de hoje, mas não vou citar filmes dos anos seguintes para não fatigar os leitores e também porque foram essas décadas citadas as mais férteis na produção deste gênero de filme.

Rainha Cristina

O Ídolo do Pùblico

Dou somente alguns exemplos dos anos cinquenta, sessenta e setenta: Viva Zapata! / Viva Zapata! / 1951; Spartacus / Spartacus / 1960; FreudAlém da Alma / Freud / 1962; Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962; Cleopatra / Cleopatra / 1963; Patton – Rebelde ou Herói? / Patton / 1970; Valentino – O ídolo, o Homem / Valentino / 1977.

Oa Amores de Henrique VIII

Ivan, o Terrível

Camões

Outros países também produziram filmes biográficos nos decênios mencionados. Na Grã-Bretanha surgiram, por exemplo, Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933 com Charles Laughton; A Rainha Imortal / The Rise of Catherine the Great / 1934, com Elisabeth Bergner; Rembrandt / Rembrandt / 1936 com Charles Laughton; A Rainha Vitória / Victoria the Great / 1937 com Ana Neagle; Cristovão Colombo / Christopher Columbus / 1949 com Fredric March. Na França, Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1935 com Edwige Feuillère; Pasteur / Pasteur / 1935 com Sacha Guitry; Um Grande Amor de Beethoven / Un Grand Amour de Beethoven / 1936 com Harry Baur;  O Capelão das Galeras / Monsieur Vincent / 1947 com Pierre Fresnay; O Lanceiro Invencível / Du Guesclin / 1949 com Fernand Gravey. Na União Soviética, Cavaleiros de Ferro / Alexandre Nevski / 1938, Ivã, o Terrível / Ivan Groznyy / 1944 com Nikolai Cherkasov, e a trilogia de Gorki: A Infância de Gorki / Detstva Gorkogo / 1938 – Ganhando Meu Pão / V. lyudyakh / 1939 – Minhas universidades / Moi universitety / 1940 com Aleksey Lyarsky. Na Alemanha, Robert Koch / Robert Koch der Bekämfer des Todes / 1939 com Emil Jannings. Na Itália, Scipião, o Africano / Scipione l’ Africano / 1937 com Annibale Ninchi; Verdi / Giuseppe Verdi / 1938 com Fosco Giachetti. Em Portugal, Bocage / Bocage / 1936 com Raul de Carvalho e Camões / Camões / 1946 com Antonio Vilar. No México, Simón Bolivar / 1942 com Julian Soler e São Francisco de Assis / San Francisco de Asís / 1944 com José Luis Jiménez. No Brasil, em coprodução com Portugal, Vendaval Maravilhoso com Paulo Maurício como Castro Alves.

GEORGE BARNES, LUMINAR DA CÂMERA

Ele foi um diretor de fotografia bastante versátil, destacando-se em vários gêneros: melodramas (Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940), musicais (Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, westerns (Jesse James / Jesse James / 1939), ficção científica (A Guerra dos Mundos / The War of the Worlds / 1953), drama social (Legião Negra / Black Legion / 1937), filme noir (A Força do Mal / Force of Evil /1948). Igualmente eficiente em preto e branco (Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929) ou em cores (Sinbad, o Marujo / Sinbad the Sailor /1947), Barnes era procurado por grandes diretores como Alfred Hitchcock, Frank Capra, Cecil B. DeMille, e astros como Rudolph Valentino, Gloria Swanson, Ronald Colman.

George Barnes

Na era do cinema mudo, entre seus melhores trabalhos estavam Janice Meredith / Janice Meredith / 1924, drama da Guerra de Independência Americana no estilo de D.W. Griffith; O Filho do Sheik / The Son of the Sheik / 1926 com Rudolph Valentino, interiores suavemente iluminados e notável fotografia dos cavaleiros árabes no deserto; Beijo Ardente / The Winning of Barbara Worth / 1926, cujo ponto alto é uma sequência de inundação ainda hoje impressionante.

O Filho do Sheik

Em 1925 Barnes tornou-se o cameraman número um de Samuel Goldwyn com O Anjo das Trevas / The Dark Angel e seus recursos visuais requintados tornaram-se uma marca registrada dos filmes de deste produtor no final dos anos vinte e início dos anos trinta. Ele foi responsável pela fotografia dos filmes do importante par romântico do estúdio Ronald Colman e Vilma Banky (A Noite de Amor / The Night of Love / 1927, A Chama do Amor / The Magic Flame / 1927, Dois Amantes / Two Lovers / 1928).

Vilma Banky e Ronald Colman em Dois Amantes

O assistente de Barnes e eventual co-fotógrafo nos filmes de Goldwyn era Gregg Toland, que aprendeu cinematografia sob sua tutela. O trabalho posterior de Toland em O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights / 1939 e Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 mostra a influência de Barnes no refinamento da profundidade de campo, movimentos de câmera expressivos e iluminação impecável. Estas virtudes estão presentes nos trabalhos iniciais de Barnes-Toland. Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929 exemplifica a arte dos dois juntos. O filme tem um estilo fotográfico primoroso, conjugando travelings imaginativos com os cenários excêntricos de William Cameron Menzies, para criar uma festa visual.

Mulheres e Mùsica

Toland sucedeu a Barnes como cinegrafista principal de Goldwyn e Barnes se mudou para breves passagens na MGM e na Fox antes de se estabelecer na Warner. Nesta companhia fotografou 25 filmes entre 1933 e 1937. Ele deu uma aparência realista a filmes de mensagem como Massacre / Massacre / 1934, Legião Negra / Black Legion / 1937, Mulher Marcada / Marked Woman / 1937, mas era geralmente designado para musicais. Filmou um trio deles com aqueles números esplêndidamente coreografados por Busby Berkeley – Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, Mulheres e Música / Dames / 1934 e Mordedoras de 1935 / Gold Diggers of 1935, no qual se destacava a longa e magnífica sequência “Lullaby of Broadway” – e muitos outros.

Tyrone Power em Jesse James

Barnes deixou a Warner em 1938 e se viu muito requisitado. Jesse James / Jesse James / 1939 (co-fotografado com W. Howard Greene) foi uma grande mudança dos musicais, um western de Henry King filmado nas locações pitorescas do Missouri em technicolor deslumbrante. Barnes também fotografou a continuação, A Volta de Frank James / The Return of Frank James / 1940 também com a cor vibrante do Technicolor; porém o diretor Fritz Lang deu ao filme um tom mais sombrio, refletido nos interiores claustrofóbicos apanhados pela câmera de Barnes.

A Mansão de Manderley em Rebecca, a Mulher inesquecível

O trabalho de Barnes em 1940 foi impecável, recebendo um Oscar por Rebecca de Hitchcock, uma obra-prima de fotografia em preto e branco, sobressaindo o aspecto taciturno e agourento de Manderlay, a mansão do romance de Daphne du Maurier, forjado pelo jogo de luzes e sombras. Ele fotografou também Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945 para Hitchcock, famoso pela sequência de sonho surrealista desenhada por Salvador Dali. Jane Eyre / Jane Eyre / 1943 de Robert Stevenson provoca praticamente a mesma sensação sinistra de Rebecca, desta vez num ambiente do século dezenove.

Barbara Stanwyck, Gary Cooper e Walter Brennan em Adorável Vagabundo

Barnes forneceu uma visão mais sombria do que era normal nos filmes de Frank Capra para Adorável Vagabundo / Meet John Doe / 1941, mas os outros filmes de Capra que filmou, Nada Além de um Desejo / Riding High / 1950 e Orfãos da Tempestade / Here Comes the Groom / 1951 tinham por necessidade um tom mais claro. Nos filmes de Barnes para Leo McCarey Era uma Lua de Mel / Once Upon a Honeymoon / 1942, Os Sinos de Santa Maria / The Bell´s of St. Mary’s / 1945 e A Felicidade Bateu à Porta / Good Sam / 1948, sua função principal foi dar um tratamento glamouroso para os astros – Cary Grant e Ginger Rogers no primeiro filme, Ingrid Bergman e Bing Crosby no segundo filme e Gary Cooper e Ann Sheridan no terceiro filme. Bing Crosby ficou tão satisfeito com a fotografia de Barnes que insistiu em convocá-lo para seus filmes subsequentes.

Douglas Fairbanks Jnr., Anthony Quinn e Maureen O’´Hara em Sinbad, o Marujo

Barnes distinguiu-se também na fotografia em cores como, por exemplo, em Gaivota Negra / Frenchman´s Creek / 1944, O Pirata dos Sete Mares / The Spanish Main / 1945 e Sinbad o Marujo / Sinbad the Sailor / 1947. Nos seus filmes para Cecil B. DeMille, Sansão e Dalila / Samson and Delilah e O Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952.

Hedy Lamarr e Victor Mature em Sansão e Dalila

Por sua carreira longa e fecunda (da qual citei apenas alguns filmes) George Barnes foi aclamado entre os melhores diretores de fotografia na indústria de cinema americana. Na primeira entrega do Oscar em 1927-1928 ele recebeu três indicações para Melhor Fotografia (Sedução do Pecado / Sadie Thompson, O Bailarina Diabólica / Devil Dancer e A Chama do Amor / Magic Flame) e, além do Oscar recebido por Rebecca, foi ainda indicado na categoria de Melhor Fotografia, tanto em preto-e-branco (Garotas Modernas / Our Dancing Daughters, Quando Fala o Coração) como em cores (O Pirata dos Sete Mares, Sansão e Dalila).

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO – EM PAPEL

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO – EDIÇÃO EM PAPEL NO BRASIL

 

Informo aos meus leitores que a Amazon brasileira (amazon.com.br) acaba de disponibilizar meu novo livro também em papel pelo preço de R$71,29. E para que os interessados possam ter uma idéia mais clara do seu conteúdo, exponho a seguir o seu sumário.

 

SUMÁRIO

 

Introdução

Afro-americanos na Guerra

Indígenas norte-americanos na Guerra

Filipinos lutando pela América do Norte

Mulheres voluntárias

Mulheres enfermeiras

Mulheres nas Forças Armadas

Mulheres na Cruz Vermelha

Mulheres na indústria de guerra

Crise de habitação

Rosie The Riveter

Mulheres no lar

Escassez de alimentos – racionamento

Empreendimentos durante a Guerra

Variedade de diversões durante os tempos de guerra

Mulheres na agricultura

Casamentos

A esposa que espera

Camp Followers

Readaptação dos soldados à vida civil

Famílias desesperadas ou enlutadas

Encontro com Beverly

Estrelas na venda de bônus

Hollywood Victory Caravan e Stars Over America

Stage Door Canteens

USO Tours

Bandas Femininas

Pinups e comics

Filmes de propaganda

Desenhos animados no esforço de guerra

Aproximação com a América Latina

Orson Welles no Brasil

John Ford no Brasil

Office of War Information

Office of Censorship

Filmes de treinamento

Signal Corps Photograhic Center

Frank Capra – Série Why We Fight

Filmes documentários

Guerra pelo rádio

Astros nas Forças Armadas

Discriminação sexual e de gênero e drag shows

Espiãs

Tokio Rose

Campos de concentração na América do Norte

Hostilidade racial contra hispânicos

Prisioneiros de guerra nazistas na América do Norte

Repórteres e fotógrafas

V-Mail

Prostitutas e Victory Girls

Aviadores isolacionistas

O desafio do combate

Feridos e desertores

The Army Service Forces

Guerra sem misericórdia

Militares norte-americanos na Grã-Bretanha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARL DREYER E SUA OBRA PRIMA

Nascido em Copenhagen em 1889, ele foi incialmente jornalista. Em 1912 abordou o cinema como roteirista e se tornou diretor em 1920.  Cidadão de uma pequena nação, com possibilidades de produção forçosamente reduzidas, trabalhou em cinco países e só realizou em 36 anos, apenas 13 filmes. Mas é um dos grandes nomes do cinema. 1920: Praesidenten (Dinamarca). 1921: Blade af Satan Bog (Dinamarca); Prästänkan (Suécia).1922:  Die Gezeichneten (Alemanha); Der var engang (Dinamarca). 1924: Mikael (Alemanha). 1925: Du skal aere din hustru  (Dinamarca). 1926: Glomsdalesbreden (Noruega).1928: O Martírio de Joana d’Arc / La Passion de Jeanne d’Arc (França).1931: Vampyr (França). 1940: Vredens Dag (Dinamarca). 1945: Tva (Suécia). 1955: Ordet (Dinamarca). 1964: Gertrud (Dinamarca). O Martírio de Joana d’Arc foi o único filme de Dreyer exibido comercialmente no Brasil. Os títulos em português dos filmes de Dreyer (além daquele com Falconetti) que aparecem em alguns sites ou trabalhos sobre a obra de Dreyer, são de cópias lançadas em dvd ou traduções ao pé da letra para esclarecer o título original para os leitores.

Carl Dreyer

Premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza Ordet é uma adaptação da peça de Kaj Munk, pastor e autor dramático muito conhecido nos países escandinavos, morto pelos alemães em 1944. Em Borgensgard na Jutlândia, Morten Borgen e seus dois filhos, Anders e Mikkel, partem à procura de Johannes, o terceiro filho. Eles o encontram no topo da duna mais alta, indignado e entristecido com a pouca fé que os homens manifestam com relação a ele, Jesus. Foi depois que estudou a teologia de Kierkegaard que Johannes enlouqueceu, achando que é o filho de Deus. Seu pai desejava que ele se tornasse o reanimador da fé na região. O filho mais velho, Mikkel, por sua vez, perdeu a fé. Sua esposa Inger, mãe de duas meninas, e atualmente grávida, diz que isto não tem importância porque ele tem a fé do coração, da bondade, que é a essencial. “Mikkel traz Deus no seu coração”, ela diz. Inge intercede junto ao velho Morten para que ele permita que seu filho mais novo, Anders, se case com Anna, a filha do alfaiate Petersen. Morten recusa obstinadamente este matrimônio porque o alfaiate pertence a uma seita protestante diferente da sua e pela qual só tem desprezo e repugnância. Ao saber desta recusa, Morten fica furioso e decide ir ele mesmo pedir a mão de Anne para seu filho. Ele lhe diz que suas divergências religiosas não devem ser um obstáculo à felicidade de seus filhos. Diante da teimosia do alfaiate, ele bate nele e vai embora. Durante sua ausência, MIkkel teve que chamar o médico para ajudar a parteira. A criança que Inge carregava nascerá morta. O doutor, que representa o ateismo completo, um positivista que só acredita nos milagres que a ciência lhe ensinou, só consegue dizer para Mikkel: “Lembre-se Mikkel, mesmo a dor pode ser bela”. Depois se retira, certo de que ao menos salvou a mãe.

Johannes nas dunas

Alguns instantes após sua partida, como havia previsto Johannes, Inger morre. Na noite seguinte, Johannes desaparece, deixando como mensagem uma citação bíblica: “Eu me vou, e vós me procurareis. Mas para onde eu vou, não podeis ir.” O corpo de Inger foi colocado num caixão.  O pastor faz seu sermão. O alfaiate vem à casa de Morten e se reconcilia com ele. Ele dá sua filha em casamento para Anders. Johannes reaparece. Ele parece ter recuperado a razão. “Nenhum de vós pensou em orar a Deus para devolvê-la a vocês?”, pergunta ele a toda a família reunida em desespero em torno de Inger. A menininha pede a Johannes de se apressar a acordar a mãe dela. Ele pronuncia então as palavras que ressuscitam a morta. Inger descruza os dedos e abre os olhos. Seu marido Mikkel se inclina sobre ela: ele reencontrou a fé. Anders coloca o pêndulo do relógio em marcha. A vida começa para nós”, diz Mikkel à sua esposa. “A vida, sim, a vida”, diz Inger.

Inger no caixão

A gandeza artística de Ordet provém, como sempre ocorre nas verdadeiras obras-primas, da conjunção harmoniosa entre a forma e o contéudo, bem como do perfeito domínio da técnica e da manifestação de um estilo personalíssimo. Com relação ao contéudo, o que Dreyer pretende transmitir ao espectador é a possibilidade da intervenção divina no mundo material e mostrar como o dom da fé pode fazer um milagre. E a fé, como diz Dreyer, só é possível quando você é bom e tem capacidade de amar concretamente as pessoas. Numa cena do filme a Inger diz para o incrédulo Mikkel: “você tem coração, bondade” e por isso a fé lhe será concedida”. Um outro tema do filme é o tema da intolerância, o choque entre os fundamentalistas da religião organizada e aqueles que têm uma fé individual não comprometida bem como as diferenças religiosas entre os dois patriarcas, Borgen e Peter, que representam, além de um orgulho camponês teimoso, a rivalidade entre suas famílias de distinta posição econômica.

Johannes e a menina

Mas eu gostaria de destacar as duas grandes questões do filme: a do milagre e a da identidade de Johannes. Pode parecer estranho que a Palavra de Deus seja confiada a um louco, mas fica claro no filme que, ao fazer o milagre, ele já havia se curado e, de qualquer forma, ele é um personagem simbólico. No momento do milagre, é como se ele estivesse deixando o Cristo agir através dele.  Ou seja, é como se o Cristo estivesse em Johannes. Já quanto ao milagre, Dreyer mostra um milagre real, autêntico. As pessoas que assistem à ressurreição de Inger, verificam com seus próprios olhos que a morta voltou à vida e que não se trata de fantasia de um louco ou de uma criança. E também funciona como um símbolo. Ele está ali para estabelecer a presença de Deus como o havia feito a morte inesperada de Inger. E a ressurreição física de Inger é um sinal de uma ressurreição moral. Com o choque da morte, os protagonistas de Ordet recobram a lucidez e se reconciliam no amor. Enfim, a “ressurreição” de um corpo é precedida de uma “ressurreição das consciências”. Porque a Palavra Divina, o Verbo, só pode se incarnar no amor, e então é capaz de vencer a morte. Já a menina significa a necessidade de se tornar uma criança para adquirir esta pureza para a qual o sobrenatural parece um prolongamento do natural.

Beleza pictórica de Ordet

No que diz respeito à forma, a gente não pode de deixar de apreciar a beleza das imagens, a perfeição dos enquadramentos e a iluminação estilizada, que fazem de cada cena um quadro de mestre bem como os planos longos e as panorâmicas lentas, que dão um tom solene à narrativa. Esta maestria, esta habilidade de Dreyer é ainda mais extraordinária porque ela se exerce na simplicidade, no despojamento, no rigor, na ordem, que são próprios do seu estilo. A última cena de Ordet com as paredes brancas, as janelas ensolaradas, os personagens negros em volta de um caixão, os círios acesos, parece ter sido composta pelo olho de um pintor.