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YVES ALLEGRET

Ele realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos da sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d’Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; e A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Yves Allegret

Depois dessa trilogia, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande intensidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e alcoolismo.

Yves Allègret (1905-1987) nasceu em Asnières-ur-Seine, Hauts -de-Seine, França. Formou-se em Direito, mas resolveu seguir os passos de seu irmão mais velho Marc Ele começou no cinema trabalhando como assistente de Marc, Jean Renoir, Augusto Genina, Paul Fejos, etc. Realizou vários filmes de publicidade e dois curtas-metragens, L’ardèche / 1937 e Jeunes Filles de France / 1939, que representaram o pavilhão francês na Exposição Universal de 1940 em Nova York. Depois, Yves fundou com Pierre Brasseur e Madeleine Robinson uma produtora, Les Comédiens Associés, e preparou a filmagem de um roteiro escrito por Brasseur e ele próprio; porém a guerra interrompeu seus planos. Yves reencontrou Brasseur na zona livre e com ele fez Les Deux Timides / 1942.

Durante a guerra, a má sorte parece ter caído sobre o novo diretor. Quando Les Deux Timides terminou, seu principal intérprete, Claude Dauphin, juntou-se às Forças Francesas Livres; foi o bastante para que os alemães proibissem a exibição do filme. Yves filmou, então, um outro roteiro também escrito por ele e Brasseur, Tobie est un Ange, mas o negativo foi destruído em um incêndio.  Na verdade, foi somente com a Libertação, após ter substituído Jean Choux na direção de A Tentadora / La Boîte aux Rêves / 1943, que o cineasta começou sua verdadeira carreira com Les Démons de L’Aube / 1945, filme homenageando a ação dos comandos franceses durante o conflito mundial. Entre 1944 e 1949 Yves foi casado com Simone Signoret, atriz de dois de seus melhores filmes.

Dalio, Blier e Signoret em Escravas do Amor

ESCRAVAS DO AMOR

Em Anvers, Dédée (Simone Signoret) é prostituta em um bar de propriedade de um ex-gângster simpático, M. René (Bernard Blier). Ela vive sob a proteção de um rufião, Marco (Marcel Dalio), que trabalha como porteiro do bar e que M. René despreza.  Dédée conhece Francesco (Marcel Pagliero), um italiano, capitão de um cargueiro especializado em contrabando de armas. Um grande amor nasce entre eles. Francesco vai levá-la com ele. Porém, Marco não quer perder o seu ganha-pão e mata Francesco. Dédée e M. René executam Marco, ela retoma seu lugar no bar ao lado do patrão, e a vida continua. A trama é de uma simplicidade incrível: uma prostituta encontra um homem que quer mudar seu destino, promessa de felicidade logo destruída por um duplo drama. Esse fio de enredo enseja um estudo de costumes, em que reencontramos a mitologia dos seres marginais e o amor condenado, que se cristalizara antes da guerra em torno de Jean Gabin. Mas aqui, os elementos estilísticos do realismo poético parecem mais agressivos, criando-se um universo bastante sórdido. Marinheiros, meretrizes, crápulas são tipos sociais não poetizados. O que mais chama atenção no filme – além da excelente atuação de Simone Signoret – é a atmosfera do porto, admiravelmente criada em estúdio.

Gérard Philipe e Madeleine Robinson em Une Si Jolie Petite Plage

UNE SI JOLIE PETITE PLAGE

Pierre Monet (Gérard Philipe) chega em uma noite chuvosa a uma praia no norte da França. Ele se dirige ao hotel de Mme.Mayeu (Jane Marken), sobrinha do antigo proprietário paralítico, que parece reconhecer o rapaz, mas não pode falar. Mme.Mayeu maltrata um órfão de 15 anos da Assistência Pública, que uma ricaça usa para seus caprichos sexuais. Pierre esteve outrora na mesma situação. Foragido da Assistência Pública, maltratado pelo velho hoteleiro, ele fugiu com uma cantora mais velha do que ele. Pierre assassinou a amante e, procurado pela polícia, voltou ao lugar de sua adolescência. Marthe (Madeleine Robinson), uma criada do hotel, tenta ajudá-lo, mas ele se suicida. Drama profundamente triste, típico do realismo negro, que sucedeu no pós-guerra ao realismo poético.  A história, que tem suas raízes no passado, é contada em um estilo indireto, sem nenhum retrospecto. A verdade é revelada pouco a pouco, através do comportamento de Pierre e da cantora assassinada, evocada por um velho disco, que os clientes do hotel costumam escutar. A ação transcorre em uma atmosfera pesada de chuva e nevoeiro interessantes, criada por uma excepcional fotografia em preto e branco. Gérard Philipe vive um de seus melhores papéis no cinema, compondo com muita sobriedade o perfil do jovem criminoso atormentado que retorna àquela “pequena praia tão bonita” para encontrar o seu destino.

Jane Marken, Simone Signoret e Bernard Blier em A Cínica

A CÍNICA

Dora (Simone Signoret) acaba de sofrer um acidente de automóvel e está gravemente ferida e inconsciente em uma clínica.  À sua cabeceira encontram-se seu marido, Robert (Bernard Blier) e sua mãe (Jane Marken), uma mulher gorda e vulgar. Robert, dono de uma escola de equitação em Neuilly, sacrificou tudo pela felicidade de Dora. A mãe revela a Robert que a filha não se casou com ele por amor, mas pelo seu dinheiro. Enquanto ela fala, Robert revê certos momentos de sua vida com Dora. Esta enganou-o várias vezes e, quando ia se encontrar com seu último amante é que se acidentou. Robert vai embora, abandonando definitivamente Dora, que ficará paralítica. A ação se desenrola em poucas horas. Nesse meio tempo, ocorre uma exposição de baixeza humana através de dois retrospectos: o do marido, espantosamente ingênuo e apaixonado, e o da sogra, que lhe conta tudo, repetindo-se as mesmas cenas das lembranças de Robert, mas com uma interpretação completamente diversa. Allégret e Sigurd parece que nos incitam a desprezar os personagens. A própria vítima nos repugna pela cegueira de sua paixão. Todo o ambiente está impregnado da completa dissolução do senso moral, que mais desagradável ainda se torna pela sordidez da mãe, capaz de explorar a própria filha. Como escreveu Marie-Elizabeth Rouchy, esse pequeno mundo gira como os cavalos no picadeiro, e os risos de Simone Signoret e Jane Marken são os sons de um pesadelo.

Gérard Philipe e Michèle Morgan em Les Orgueilleux

LES ORGUEILLEUX

Georges (Gérard Philipe), médico francês que se tornou alcoólatra, vive em uma pequena cidade mexicana como um mendigo. Um dia chega um carro trazendo um casal. Tom, o marido (André Toffel), está gravemente enfermo. Sua mulher, Nellie (Michèle Morgan) está sozinha e sem recursos. Uma epidemia de meningite cérebro-espinhal se propaga pela cidade. Tom morre diante de Nellie e Georges, que acabara de conhecê-los. Nellie se sente atraída por Georges e prcura compreender seus problemas. Georges aconselha Nellie a deixar a cidade, mas Nellie fica a seu lado e ele, daí em diante, ajuda o médico local a combater a epidemia. Yves Allégret deu densidade dramática a esta história de amor e redenção, criando uma atmosfera sufocante e ruidosa em torno das personagens. Porém o equilíbrio do filme dependia da atuação dos dois intérpretes centrais. Cada qual tem um momento solo excepcional. O de Michèle Morgan acontece no quarto de hotel enquanto Nellie, tentnado se livrar do calor, se despe com certo erotismo. O de Gérard Philipe ocorre quando Georges dança na taberna, servindo de espetáculo, abjetamente, em troca de uma garrafa de aguardente.

 

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