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FANTÔMAS

 

Este personagem de criminoso deveria se chamar Fantômus e se tornou Fantômas devido a um erro. Inspirado pelo bando Bonnot, organização anarquista que atuou entre os anos de 1911e 1912 em uma série de ações criminosas na França, ele apareceu em 1911 nos cartazes em todos os muros de Paris, silhueta negra e inquietante, lançado pelo editor Arthème Fayard e depois pelos filmes da Gaumont. Dois jornalistas, Pierre Souvestre e seu colaborador Marcel Allain, contaram durante três anos, em 32 volumes, as façanhas sinistras de Fantômas, prodígio do mal, caçado pelo inspetor Juve e pelo jornalista Fandor.

O cinema popularizou Fantômas. Feuillade filmou cinco episódios entre 1913 e 1914 com René Navarre como o gênio do crime. Neste seriado francês os espectadores foram irresistivelmente atraídos de volta semana após semana, para ver quais eventos imprevisíveis ocorreriam e se o inspetor Juve conseguiria capturá-lo. O inspetor Juve era interpretado pelo ator Edmund Bréon, Fandor por Georges Melchior e René Carl era Lady Beltham, a amante de Fantômas. O seriado foi exibido com muito sucesso, inclusive no Brasil. De fato, este arquicriminoso foi tão popular, que Appolinaire e seu círculo de literatos até formaram um clube especial em sua homenagem, “Societé des Amis de Fantômas”.

Fantômas de Louis Feuillade

No início de 1913, tanto Pathé como Gaumont, se aproximaram dos escritores Allain e Souvestre a fim de obter permissão para adaptar Fantômas para a tela e Gaumont ganhou por uma quantia considerável. Então foram Louis Feuillade e seu cinegrafista Georges Guérin que tiveram a chance de fazer o primeiro episódio do seriado sobre Fantômas, lançado em 1913, e os quatro episódios que se seguiram: Juve contre Fantômas, Le mort qui tue, Fantômas contre Fantômas e Le faux magistrat.

Em 1921, Fantomas (assim mesmo, sem o acento circunflexo) voltou em outro seriado, desta vez produzido pela Fox, dirigido por Edward Sedgwick e com vinte episódios de dois rolos cada. No entrecho, Fantomas (Edward Roseman) é um supercriminoso especialista em disfarces. Quando sua oferta à polícia de desistir de sua carreira criminosa em troca de anistia é rejeitada, jura vingança e dá início a uma nova onda de crimes. Ele rapta o professor Harrington (Lionel Adams) para consternação da filha dele, Ruth (Edna Murphy), do noivo dela, Jack (Johnnie Walker), e do inimigo número um do bandido, o detetive Frank Dixon (John Willard). O seriado foi exibido no Brasil com o título de Fantomas.

Fantomas de Paul Féjos

Em 1932 o personagem ressurgiu no filme Fantômas, dirigido por Paul Féjos, com Jean Galland no papel do criminoso, Thomy Bourdelle como Juve e Tania Fédor como Lady Beltham. No enredo, a marquesa de Langrune (Marie-Laure) recebe seus convidados no seu castelo.  Entre eles está Lord Beltham (Jean Worms), que lhe traz uma quantidade de dinheiro significativa. A marquesa é assassinada. O inspetor Juve está certo de que o crime foi cometido por Fantômas. Duas testemunhas são mortas, mas mesmo assim Juve desmascara o personagem misterioso. Porém, ajudado por uma mulher, Fantômas escapa mais uma vez ao castigo.

Marcel Herrand foi o melhor Fantomas na versão de Jean Sacha, Fantomas / Fantomas / 1946. Desta vez as núpcias perturbadas do jornalista Fandor (André Le Gall) e de Héléne (Simone Signoret), filha de Fantômas, causam a ação do policial Juve (Alexandre Rignault) e as reações do bandido invencível. Perseguições, emboscadas, brigas, capturas se sucedem até um fim em ponto de interrogação. Marcel Herrand compõe um Fantomas sarcástico e sinistro como tinha que ser e André Le Gall interpreta o jornalista impetuoso e esportivo com facilidade.

Em Fantomas contre Fantomas / 1948 (Dir: Robert Vernay) Maurice Teynac fez o papel de Fantomas, Yves Furet é Fandor, Alexandre Rignault é Juve e, mais uma vez, Juve e Fandor tentam descobrir quem é Fantomas, cujos crimes aterrorizam novamente Paris. O suspeito é um tal de Bréval (Aimé Clariond), médico dado como morto há muito tempo, mas ele apenas se faz passar pelo criminoso.

Nos anos sessenta foi a vez de André Hunebelle fazer três filmes, estes já em tom de paródia, todos interpretados pela trinca Jean Marais (Fantomas), Louis de Funès (Juve) e Mylene Démongeot (Héléne).

Jean Marais como Fantômas

No primeiro filme, Fantomas / Fantomas / 1964, o comissário Juve e o jornalista Fandor não acreditam na existência do personagem que se autodenomina Fantômas e que conseguiu a espalhar o pânico no meio da sociedade. Mas vão mudar de idéia rapidamente quando se encontrarem em face da realidade: Fantômas, com  seu rosto azulado, comete seus delitos sob diferentes identidades graças a máscaras de látex fabricadas no seu laboratório; é assim que se fará passar pelo jornalista Fandor e pelo comissário Juve, que serão sucessivamente presos.

Louis des Funès e Jean Marais

No segundo filme, A Volta de Fantomas / Fantômas se Déchaine / 1965, enquanto o comissário Juve acaba de ser condecorado com a Legion d’honneur como recompensa de sua luta eficaz contra Fantômas, descobrímos no mesmo instante que este acabou de sequestrar um inventor de uma arma aterrorizante. Desta vez o comissário Juve vai revisar seus métodos e utilizar “artefatos” de sua invenção tentar prender Fantômas. Porém o vilão desaparecerá de novo no seu “carro voador”.

No terceiro filme, O Fantasma contra a Scotland Yard / Fantômas Contre Scotland Yard / 1966, Fantômas decide cobrar um imposto sobre o direito de viver. Aqueles sujeitos a esta taxa serão os ricos e os bandidos. O comissário Juve, Fandor e sua noiva se encontram desta vez na Escócia no castelo em que reside uma das próximas vítimas. Desde sua chegada, o comissário Juve é ridicularizado por Fantômas que coloca enforcados e cadáveres no seu quarto. Porém Juve mantém seu objetivo: capturar Fantômas. Desmascarado por Fandor, o criminoso consegue se evadir mais uma vez no seu foguete, aproveitando-se de um erro de Juve.

Em 1980, Claude Chabrol, um dos fundadores da nouvelle vague e Juan-Luis Buñuel, filho do grande cineasta espanhol, resolveram ressuscitar numa minissérie de televisão, o gênio do crime. Fantômas é interpretado pelo ator alemão Helmut Berger, o inspetor Juve por Jacques Dufilho, o jornalista Fandor por Pierre Malet, Lady Beltham tem os traços da bela Gayle Hunnicut e parece que há fidelidade aos romances originais e capricho na reconstituição de época. Chabrol resumiu assim a figura de Fantômas: “Ele é a encarnação do mal e, no fundo, um personagem metafísico”. Sobretudo tremendamente popular, diria eu.

EDWIGE FEUILLÈRE

Seu lema era: superar-se a si mesma. Perfeccionista, ela considerava cada papel como um trampolim que a impulsionaria cada vez mais alto. Foi assim que ela se tornou uma grande atriz do cinema e do teatro.

Edwige Feuillère

Edwige Louise Caroline Cunati (1907-1998) nasceu em Vesoul, capital do Alto Sona, departamento da França localizado na região Borgonha-Franco-Condado. Aluna do Conservatório de Arte Dramática de Dijon, obteve um primeiro prêmio de comédia e de tragédia em julho de 1928.  Estreou na Comédie Française em 3 de julho de 1931 na peça Le Mariage de Figaro de Beaumarchais no papel de Suzanne, penetrando no mundo encantado do espetáculo pela grande porta.

No dia 24 de dezembro de 1929 casou-se com Pierre Feuillère, do qual manteve o nome ao longo de sua carreira após seu divórcio em 4 de março de 1936. Necessitando ganhar a vida, ela entrou sorrateiramente no Théâtre du Palais Royal, templo do vaudeville, no elenco de uma peça de Yves Mirande: L’ Attaché. Depois, aqui e ali, escondeu-se sob o pseudônimo de Cora Lynn e o conservou quando o cinema a incorporou entre os figurantes de Mam’zelle Nitouche / 1931, opereta de Hervé, levada à tela por Marc Allégret; em La Fine Combine /1931, curta-metragem no qual apareceu também Fernandel; e Le Cordon Bleu / 1931, comédia de Karl Anton baseada em peça de teatro de Tristan Bernard.

Edwige e Louis Jouvet em Topaze

Sob direção de Louis Gasnier, já como Edwige Feuillère, interpretou em Topaze / 1932 a inebriante Suzy Courtois, ao lado de Louis Jouvet (Topaze), nesta adaptação da peça de Marcel Pagnol. Foi seu primeiro trabalho importante que pude assistir da sua longa carreira. No mesmo ano, ela atuou em três filmes de Karl Anton (as comédias Monsieur Albert, Onde Está Minha Mulher / Une Petite Femme dans le Train, Maquillage) e o drama La Perle de René Guissart. Em 1933, foi uma espiã alemã em Matricule 33 de Karl Anton e depois uma rainha marota em Les Aventures du Roi Pausole, ilustração cinematográfica do romance de Pierre Loüys, dirigida por Alexis Granowsky. No ano de 1934, aparece em Ces Messieurs de la Santé de Pierre Colombier, cujo astro era Raimu e estrela um filme de baixo orçamento, La Voix du Metal, rejeitado pelo próprio diretor, Youly Marca-Rosa.

Sua carreira se alarga quando se apresenta em quatro versões franco-alemãs: Toi que J’adore (Dir: Albert Valentin) – Ich k’enn Dich und liebe Dich / 1933 (Dir: Geza von Bolvary); Le Miroir aux Alouettes (Dir: Roger Le Bon) – Lockvogel / 1934 (Dir: Hans Steinhoff; Stradivarius (Dir: Albert Valentin) – Stradivari / 1935 (Dir: Geza von Bolvary)) e Barcarrolle (DIr: Roger Le Bon) – Barcarole / 1935 (Dir: Gerhard Lamprecht). Na Itália ela estava na versão francesa La Route Heureuse / 1935 de Georges Lacombe e na versão italiana do mesmo assunto Amore / 1935 de Carlo Bragaglia.

Cena de Lucrécia Borgia

Ainda em 1935, Julien Duvivier lhe atribui o papel decorativo de Claudia Procula, a mulher de Pôncio Pilatos em O Mártir do Gólgota / Golgotha, aparição rápida trocando réplicas com Jean Gabin (Pilatos). Mais interessante foi sua composição de Lucrécia Borgia no filme Lucrèce Borgia, dirigido por Abel Gance, que assistí em 1952 no antigo Cinema Ipanema na Pça. General Osório do Rio de Janeiro. O filme me marcou mais por causa de um detalhe: presenciei, aos 14 anos de idade (não sei como me deixaram entrar, pois o filme era proibido para menores de dezoito anos) o famoso nú frontal de Edwige, que causou escândalo na época.

Em 1935 ela participou também de La Route Heureuse com Claude Dauphin no outro papel principal (Dir: Georges Lacombe) e em 1936 estava ao lado de Louis Jouvet em Mister Flow (Dir: Robert Siodmak). Em 1937, seus filmes foram: Marthe Richard au Service de La France (Dir: Raymond Bernard), reconstituição fantasiosa da vida da espiã francesa Marthe Betenfeld (E. Feuillère) durante a Primeira Guerra Mundial, focalizando suas relações cm o chefe da contraespionagem alemã (Erich von Stroheim); La Dame de Malaca contracenando com Pierre Richard-Willm (Dir: Marc Allégret) e Feu! dividindo o estrelato com Victor Francen (Dir: Jacques de Baroncelli).

Edwige e Von Stroheim em Marthe Richard

Edwige em J’étais une Aventurière

Gostei muito de Marthe Richard au Service de la France mas, na minha opinião, foi em 1938 que emergiu o melhor filme de Edwige, incontestável sucesso de Raymond Bernard: J’étais une Aventurière, comédia romântica que não fica nada a dever às comédias sofisticadas americanas, construída em torno de uma condessa russa, Véra Vronsky, que usa sua beleza e seu charme para seduzir os homens ricos e depois caloteá-los com a ajuda de dois cúmplices, mas também para acalmá-los, depois que eles percebem que foram enganados. Porém Vera se apaixona por uma de suas vítimas e … (obviamente não vou contar o que se segue) O filme tem um ritmo fluente, leveza, boas surpresas e alguns toques lubitschteanos, constituindo-se num espetáculo delicioso. Em 1939, Edwige fez Sem Amanhã / Sans Lendemain, dirigido por Max Ophuls e, no ano seguinte, submeteu-se de novo às suas ordens em De Mayerling a Serajevo / De Mayerling à Serajévo.

Gérard Philipe e Edwige em O Idiota

Nos anos quarenta, cinquenta e sessenta, após um breve retorno ao teatro na peça La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas Fils, formando com Pierre Richard-Willm a dupla Marguerite Gauthier e Armand Duval, Edwige esteve em: Mam’zelle Bonaparte / 1941 (Dir: Maurice Tourneur); La Duchesse de Langeais / 1941 (Dir: Jacques de Baroncelli); L’Honorable Catherine / 1942 (Dir: Marcel l´Herbier); Lucrèce / 1943 (Dir: Leo Joannon); La Part de l’ombre / 1945 (Dir: Jean Delannoy); Tant que je vivrai / 1945 (Dir: Jacques de Baroncelli); O Idiota / L’ Idiot / 1945 (Dir: Georges Lampin); Águia de Duas Cabeças / L’ Aigle à deux têtes / 1947 (Dir: Jean Cocteau); O Inimigo das Mulheres / Woman Hater / 1948 (Dir: Terence Young); Conflitos de uma Vida / Julie de Carneilhan / 1949 (Dir: Jacques Manuel); Lembranças do Pecado / Souvenirs Perdus / 1950, filme em esquetes (Dir: Christian-Jaque); Olivia / Olivia / 1950 (Dir: Jacqueline Audry); Le Cap de l’éspérance / 1951 (Dir: Raymond Bernard); Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque);  Amor de Outono / Le Blé em Herbe / 1954 (Dir: Christian-Jaque); Frutos do Verão / Les Fruits de l’été (Dir: Raymond Bernard); Segredos de uma Aventureira / Le Septième Commandement / 1957 (Dir: Raymond Bernard); Uma Tal Condessa / Quand la Femme s’en Mêle / 1957 (Dir: Yves Allégret); Amar é minha Profissão / Em Cas de Malheur / 1958 (Dir: Claude Autant Lara); A Mentira do Amor / La Vie a Deux / 1958 (Dir: Clément Duhor); Amores Célebres / Amours Célébres / 1961 (Dir. Michel Boisrond) no segmento Les Comédiennes; Le crime ne paie pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); Aimez-vous les femmes? / 1964 (Dir: Jean Léon); La bonne occase / 1965 (Dir: Michel Drach); Desculpe, Façamos o Amor / Facciamo Amore? /1968 (Dir: Vittorio Caprioli).

Edwige e Jean Marais em Águia de Duas Cabeças

Em toda esta longa fase da carreira de Edwige Feullière o filme que mais me encantou foi O Idiota. Ela brilhou nas cenas de grande impacto, como aquela em que joga os cem rublos na lareira diante dos convidados atônitos, após relembrar incidentes de sua vida infeliz.

Nos anos setenta ainda estava nas telas:  Verão de Fogo / OSS 117 Prend des Vacances / 1970 (Dir: Pierre Kalfon); Le Clair de Terre / 1970 (Dir:  Guy Giles); A Marca da Orquídea / Flesh of the Orchid / 1975 (Dir: Patrick Chéreau). E durante todos estes anos não deixou de trabalhar na televisão e no teatro

Em 8 de novembro de 1998, ao saber da morte de Jean Marais, seu parceiro em Águia de Duas Cabeças, Edwige sofreu um ataque cardíaco. Ela faleceu em 13 de novembro, dia do funeral dele.

Saint-Exupery

A obra de Saint-Exupéry, breve e radiante, é toda inteiramente extraída de uma experiência vivida. Longe, porém, de permanecer episódica ou simplesmente documentária, ela é enriquecida por uma meditação constante, que lhe dá unidade e valor. E seus dons de poeta irrompem no seu livro mais famoso, o conto filosófico O Pequeno Príncipe / Le Petit Prince, que encantou a imaginação de milhões de leitores – crianças e adultos.

Antoine de Saint-Exupéry

Saint-Exupéry (1900-1944) descendeu de uma família aristocrática empobrecida. Em 1921 foi recrutado para a Força Aérea Francesa e se qualificou como piloto militar após ter sido reprovado no vestibular para a Escola Naval. Em 1926 ingressou no Grupo Latécoère, fundador da Companhia Aéreopostale, e ajudou a implantar rotas de correio aéreo no Noroeste da África, Atlântico Sul e América do Sul. Em 1929 publicou seu primeiro livro, “Courrier Sud”. Nos anos trinta trabalhou como piloto de provas, adido de publicidade para a Air France, e repórter para o Parisian Soir. Em 1931 publicou “Vol de Nuil”. Em 1939, apesar de deficiências permanentes resultantes de acidentes aéreos graves, tornou-se piloto de reconhecimento militar e publicou “Terre des Hommes”. Após a queda da França em 1940, foi para os Estados Unidos, onde ficou até 1943, quando voltou a voar com seu esquadrão no teatro do Mediterrâneo. Neste mesmo ano publicou “Le Petit Prince”. Em 1944 decolou de um campo de aviação na Corsica para conduzir uma missão de reconhecimento e nunca retornou. Em 2004 foram recolhidos destroços do avião que pilotava, a poucos quilômetros da costa de Marselha. Seu corpo nunca foi encontrado. A obra ou a vida de Antoine de Saint-Exupéry têm sido retratadas na tela, com maior ou menor expressão, desde os anos 30.

A adaptação de obra mais conhecida é a de “Vol de Nuit”, realizada por Oliver Garrett para o filme Asas da Noite / Night Flight / 1933, dirigido por Clarence Brown, com um elenco de astros: John Barrymore, Lionel Barrymore, Clark Gable, Robert Montgomery, Helen Hayes, Myrna Loy. John Barrymore encarna Rivière, personagem que Saint-Exupéry criou, inspirando-se na figura real de Didier Daurat, chefe de aeroporto e depois diretor da linha aérea Latécoere, a quem o romance é dedicado. Rivière, severo e inflexível, mantém o vôo noturno funcionando, custe o que custar, expedindo ordens muitas vezes desumanas para os aviadores Fabien (Clark Gable) e Pellerin (Robert Montgomery), criaturas que tipificam a “filosofia do heroísmo” do autor. Na época do lançamento, às vistas dos picos e das gargantas da cordilheira dos Ande, das cidades adormecidas e dos aviões foram consideradas muito bem fotografadas pelos especialistas em cenas aéreas, Elmer Dyer e Charles Marshall, colaboradores do cinegrafista Oliver Marsh, e a narrativa, conduzida com limpidez por Brown, embora sem inspiração.

Cena de Dominadores do Espaço

Cena de Courrier Sud

Em 1936, o próprio Saint-Exupéry forneceu ao diretor Raymond Bernard o roteiro para Dominadores do Espaço / Anne-Marie com Annabella, Pierre Richard-Willm e Jean Murat. No enredo, uma jovem engenheira de aviação civil vive no meio de cinco aviadores que a amam; mas ela ama um sexto. Ao tentar bater um recorde, Anne-Marie é salva por ele. No mesmo ano Jan Lustig e Robert Bresson transpuseram para o cinema “Courrier Sud”. O filme, com o mesmo título, dirigido por Pierre Billon e estrelado por Pierre Richard-Willm e Jany Holt, segue o destino de Jacques Bernis (P.R. Willm), piloto de carreira que, comovido pelo infortúnio da prima (Jany Holt), propõe-se ampará-la; mas, à procura de um colega em dificuldades no deserto, vem a ser morto por rebeldes; Mermoz de Louis Cuny, com Robert-Hugues-Lambert (Mermoz) e Héléna Manson (Mme. Mermoz), realizado em 1942, é uma biografia, exaltando o célebre pioneiro do correio aéreo na América do Sul, companheiro e amigo de Saint-Exupéry, citado em “Terre des Hommes”. 

Em 1954, na Alemanha Ocidental, foi exibida a série de televisão Kinderbücher für Erwachsene, narrada por Erich Ponto e com Vera Bentel como o Pequeno Príncipe; em 1958 foi feito um documentário de 19 minutos, Antoine de Saint-Exupéry, dirigido por Jean-Jacques Languepin, narrado pelo ator Michel Auclair; em 1959 a história de “Vol de Nuit” serviu para um teleteatro francês dirigido por Pierre Badel, num estilo próximo da arte literária de Saint-Exupéry, com Daniel Ivernel como Rivière. Em 1966 um filme soviético-lituano Mazisis princas, dirigido por Arunas Zebriunas, baseou-se no livro Le Petit Prince” de Saint Exupéry e um telefilme da Alemanha Oriental, Der Kleine Prinz, dirigido por Konrad Wolf fez o mesmo.

Richad Kiley e Steve Warner em  O Pequeno Príncipe / 1974

Em 1974 “Le Petit Prince” foi transformado num musical, O Pequeno Príncipe / The Little Prince, por Stanley Donen, diretor a vontade neste campo. Um piloto (Richard Kiley), cujo sonho de se tornar pinto foi destruído por adultos insensíveis, é forçado a aterrissar no deserto do Saara, onde encontra o Pequeno Príncipe (Steven Warner), oriundo de um asteróide e que resolvera viajar para outros planetas em busca de saber. Depois de entrar em contato com um negociante, um historiador e um general, chegou finalmente à terra e aí aprendeu com uma raposa (Gene Wilder), uma cobra (Bob Fosse), e agora com seu novo amigo, o que realmente importa na vida. Donen tentou inserir invenção e graça própria neste conto de fadas filosófico, mas embora o filme tenha momentos agradáveis, o resultado geral deixa a desejar. No mesmo, a União Soviética lançou o telefilme Malenkiy prints, dirigido por Natalya Barinova e Yekkaterina Yelanskaya com Olga Bgan como o Pequeno Príncipe.

Em 1978 foi a vez da televisão japonesa criar a animação Hoshi no Ojisama Puchhi Puransu com Taiki Matsuno como o Pequeno Príncipe. Em 1979 com narração de Cliff Robertson e Michele Mariana emprestando a voz para o Pequeno Príncipe, foi apresentado The Little Prince, curta de animação (25 minutos) dirigido por Will Vinton. No mesmo ano, a televisão inglesa mostrou The Spirit of Adventure: Night Flight, telefilme de 30 min dirigido por Desmond Davis e com Trevor Howard no papel de Rivière e Bo Svenson como Fabien.

Cena de Spirit of Adventure: Night Flight

Em 1980 a televisão francesa reuniu os personagens verídicos de Didier Daurat (Bernard Fresson), Jean Mermoz (Jean-Pierre Bouvier), Henri Guillaumet (Benoist Brione) e Saint-Exupéry (Benoit Allemane) num seriado, Courrier du Ciel, com adaptação e diálogos de Edouard Bobrowski e direção de Gilles Grangier. O “feuilleton” descreve as façanhas daqueles pilotos – a travessia do Atlântico por Mermoz num hidroavião, a tempestade de neve que obriga Guillaumet a pousar em plena montanha – relatadas, com o pudor da amizade, pelo escritor de “Terre des Hommes. Em 1984 veio Le Petit Prince, dirigido por Jean-Louis Guillermou, com Guy Garvis (Saint-Exupéry) e Alexandre Warner (Pequeno Príncipe).

Der Kleine Prinz

The Little Prince 2015

Em 1990 o telefilme de animação alemão, Der Kleine Prinz, foi produzido na Alemanha Ocidental-Austria, dirigido por Theo Kerp, com Sabine Bohlmann emprestando a voz para o Pequeno Príncipe; em 1994 o drama biográfico Saint-Exupéry: La Dernière Mission, dirigido por Robert Enrico com Bernard Giraudeau como Sain-Exupéry foi exibido na televisão francesa; em 1996 a BBC Two da Inglaterra levou ao ar Saint-Ex, episódio da série Bookmark, dirigido por Anand Tucker com Brunoi Ganz personificando o escritor; em 1999 a televisão grega mostrou uma série, O mikros prigipas, com Thivi Megalou como o Pequeno Príncipe. Em 2004, encontramos um curta de animação (9 min) da Croácia, em cores, dirigido por Josip Vujcic, com Sven Jakir como o Pequeno Príncipe; em 2010, Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière criaram para a televisão francesa a série de animação Le Petit Prince com Gabriel Bismuth-Bienaimé fazendo a voz do Pequeno Príncipe: em 2015, Mark Osborne dirigiu um longa-metragem de animação, O Pequeno Príncipe / The Little Prince com a voz de Riley Osborne (Pequeno Príncipe); em 2016 foi a vez da Bélgica apresentar um filme curto (15 min) de animação, Raconte-moi … Le Petit Prince, dirigido por Jad Makki com Igor van Dessel como o Pequeno Príncipe; em 2017 a televisão francesa ofereceu o documentário de 54 minutos, Antoine de Saint-Exupéry, Le Dernier Romantique, dirigido por Marie Brunet-Debaines com Antoine Duléry como Saint-Exupéry; em 2018 Dessine-moi Saint-Exupéry, documentário da televisão francesa dirigido por Andrès Jarach; Invisible Essence: The Little Prince, documentário da televisão norte-americana dirigido por Charles Officer, incluindo trechos de quatro dramatizações do livro; Het wonder van Le Petit Prince, documentário norueguês dirigido po Marjoleine Boonstra sobre os tradutores do livro de Saint-Exupéry.

Finalmente, em 2024, está sendo finalizado Saint-Exupéry, co-produção França-EUA-Bélgica, dirigida pelo cineasta argentino Pablo Agüero com Louis Garrel como Antoine de Saint-Exupéry e Vincent Cassell como Henri Guillaumet.

 

O OUTRO LADO DA SEGUNDA GUERRA VISTO PELO CINEMA NORTE-AMERICANO

Desde a infância sou fascinado pela Segunda Guerra Mundial e pelo Cinema, porém só recentemente tive a idéia de reunir em um opúsculo estas duas paixões, consultando autores renomados e revendo centenas de filmes de guerra em DVD, que fazem parte da minha coleção particular, formada não só por DVDs comprados, mas também por gravações feitas diretamente de emissoras de televisão estrangeiras. Para os títulos em português dos filmes de curta-metragem e desenhos animados recorrí ao meu arquivo pessoal pois, ao contrário dos longas-metragens, eles não eram divulgados nos jornais da época. Os filmes citados neste trabalho são apenas aqueles produzidos na Era do Cinema Clássico de Hollywood. Para facilitar a leitura, dividí o texto por tópicos, oferecendo para cada tópico abordado um filme ou filmes correspondentes. Iniciando com a participação dos afro-americanos na guerra e finalizando com a permanência dos militares norte-americanos na Grã-Bretanha, mostro aspectos sociológicos pouco conhecidos da Segunda Guerra Mundial e ofereço uma visão surpreendente do conflito mundial.

Este pequeno livro, com o título deste post, acaba de ser lançado pela Amazon em e-book e em papel, mas faço questão de anunciá-lo diretamente aos meus leitores, porque tenho certeza de que são pessoas muito qualificadas para apreciar suas virtudes ou apontar seus defeitos.

 

YVES ALLEGRET

Ele realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos da sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d’Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; e A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Yves Allegret

Depois dessa trilogia, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande intensidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e alcoolismo.

Yves Allègret (1905-1987) nasceu em Asnières-ur-Seine, Hauts -de-Seine, França. Formou-se em Direito, mas resolveu seguir os passos de seu irmão mais velho Marc Ele começou no cinema trabalhando como assistente de Marc, Jean Renoir, Augusto Genina, Paul Fejos, etc. Realizou vários filmes de publicidade e dois curtas-metragens, L’ardèche / 1937 e Jeunes Filles de France / 1939, que representaram o pavilhão francês na Exposição Universal de 1940 em Nova York. Depois, Yves fundou com Pierre Brasseur e Madeleine Robinson uma produtora, Les Comédiens Associés, e preparou a filmagem de um roteiro escrito por Brasseur e ele próprio; porém a guerra interrompeu seus planos. Yves reencontrou Brasseur na zona livre e com ele fez Les Deux Timides / 1942.

Durante a guerra, a má sorte parece ter caído sobre o novo diretor. Quando Les Deux Timides terminou, seu principal intérprete, Claude Dauphin, juntou-se às Forças Francesas Livres; foi o bastante para que os alemães proibissem a exibição do filme. Yves filmou, então, um outro roteiro também escrito por ele e Brasseur, Tobie est un Ange, mas o negativo foi destruído em um incêndio.  Na verdade, foi somente com a Libertação, após ter substituído Jean Choux na direção de A Tentadora / La Boîte aux Rêves / 1943, que o cineasta começou sua verdadeira carreira com Les Démons de L’Aube / 1945, filme homenageando a ação dos comandos franceses durante o conflito mundial. Entre 1944 e 1949 Yves foi casado com Simone Signoret, atriz de dois de seus melhores filmes.

Dalio, Blier e Signoret em Escravas do Amor

ESCRAVAS DO AMOR

Em Anvers, Dédée (Simone Signoret) é prostituta em um bar de propriedade de um ex-gângster simpático, M. René (Bernard Blier). Ela vive sob a proteção de um rufião, Marco (Marcel Dalio), que trabalha como porteiro do bar e que M. René despreza.  Dédée conhece Francesco (Marcel Pagliero), um italiano, capitão de um cargueiro especializado em contrabando de armas. Um grande amor nasce entre eles. Francesco vai levá-la com ele. Porém, Marco não quer perder o seu ganha-pão e mata Francesco. Dédée e M. René executam Marco, ela retoma seu lugar no bar ao lado do patrão, e a vida continua. A trama é de uma simplicidade incrível: uma prostituta encontra um homem que quer mudar seu destino, promessa de felicidade logo destruída por um duplo drama. Esse fio de enredo enseja um estudo de costumes, em que reencontramos a mitologia dos seres marginais e o amor condenado, que se cristalizara antes da guerra em torno de Jean Gabin. Mas aqui, os elementos estilísticos do realismo poético parecem mais agressivos, criando-se um universo bastante sórdido. Marinheiros, meretrizes, crápulas são tipos sociais não poetizados. O que mais chama atenção no filme – além da excelente atuação de Simone Signoret – é a atmosfera do porto, admiravelmente criada em estúdio.

Gérard Philipe e Madeleine Robinson em Une Si Jolie Petite Plage

UNE SI JOLIE PETITE PLAGE

Pierre Monet (Gérard Philipe) chega em uma noite chuvosa a uma praia no norte da França. Ele se dirige ao hotel de Mme.Mayeu (Jane Marken), sobrinha do antigo proprietário paralítico, que parece reconhecer o rapaz, mas não pode falar. Mme.Mayeu maltrata um órfão de 15 anos da Assistência Pública, que uma ricaça usa para seus caprichos sexuais. Pierre esteve outrora na mesma situação. Foragido da Assistência Pública, maltratado pelo velho hoteleiro, ele fugiu com uma cantora mais velha do que ele. Pierre assassinou a amante e, procurado pela polícia, voltou ao lugar de sua adolescência. Marthe (Madeleine Robinson), uma criada do hotel, tenta ajudá-lo, mas ele se suicida. Drama profundamente triste, típico do realismo negro, que sucedeu no pós-guerra ao realismo poético.  A história, que tem suas raízes no passado, é contada em um estilo indireto, sem nenhum retrospecto. A verdade é revelada pouco a pouco, através do comportamento de Pierre e da cantora assassinada, evocada por um velho disco, que os clientes do hotel costumam escutar. A ação transcorre em uma atmosfera pesada de chuva e nevoeiro interessantes, criada por uma excepcional fotografia em preto e branco. Gérard Philipe vive um de seus melhores papéis no cinema, compondo com muita sobriedade o perfil do jovem criminoso atormentado que retorna àquela “pequena praia tão bonita” para encontrar o seu destino.

Jane Marken, Simone Signoret e Bernard Blier em A Cínica

A CÍNICA

Dora (Simone Signoret) acaba de sofrer um acidente de automóvel e está gravemente ferida e inconsciente em uma clínica.  À sua cabeceira encontram-se seu marido, Robert (Bernard Blier) e sua mãe (Jane Marken), uma mulher gorda e vulgar. Robert, dono de uma escola de equitação em Neuilly, sacrificou tudo pela felicidade de Dora. A mãe revela a Robert que a filha não se casou com ele por amor, mas pelo seu dinheiro. Enquanto ela fala, Robert revê certos momentos de sua vida com Dora. Esta enganou-o várias vezes e, quando ia se encontrar com seu último amante é que se acidentou. Robert vai embora, abandonando definitivamente Dora, que ficará paralítica. A ação se desenrola em poucas horas. Nesse meio tempo, ocorre uma exposição de baixeza humana através de dois retrospectos: o do marido, espantosamente ingênuo e apaixonado, e o da sogra, que lhe conta tudo, repetindo-se as mesmas cenas das lembranças de Robert, mas com uma interpretação completamente diversa. Allégret e Sigurd parece que nos incitam a desprezar os personagens. A própria vítima nos repugna pela cegueira de sua paixão. Todo o ambiente está impregnado da completa dissolução do senso moral, que mais desagradável ainda se torna pela sordidez da mãe, capaz de explorar a própria filha. Como escreveu Marie-Elizabeth Rouchy, esse pequeno mundo gira como os cavalos no picadeiro, e os risos de Simone Signoret e Jane Marken são os sons de um pesadelo.

Gérard Philipe e Michèle Morgan em Les Orgueilleux

LES ORGUEILLEUX

Georges (Gérard Philipe), médico francês que se tornou alcoólatra, vive em uma pequena cidade mexicana como um mendigo. Um dia chega um carro trazendo um casal. Tom, o marido (André Toffel), está gravemente enfermo. Sua mulher, Nellie (Michèle Morgan) está sozinha e sem recursos. Uma epidemia de meningite cérebro-espinhal se propaga pela cidade. Tom morre diante de Nellie e Georges, que acabara de conhecê-los. Nellie se sente atraída por Georges e prcura compreender seus problemas. Georges aconselha Nellie a deixar a cidade, mas Nellie fica a seu lado e ele, daí em diante, ajuda o médico local a combater a epidemia. Yves Allégret deu densidade dramática a esta história de amor e redenção, criando uma atmosfera sufocante e ruidosa em torno das personagens. Porém o equilíbrio do filme dependia da atuação dos dois intérpretes centrais. Cada qual tem um momento solo excepcional. O de Michèle Morgan acontece no quarto de hotel enquanto Nellie, tentnado se livrar do calor, se despe com certo erotismo. O de Gérard Philipe ocorre quando Georges dança na taberna, servindo de espetáculo, abjetamente, em troca de uma garrafa de aguardente.