Um filme americano dos anos vinte e trinta geralmente tinha um diretor de arte ou um compositor de Viena ou Berlim. Um de seus roteiristas provavelmente seria um húngaro e seu cameraman um alemão. Alguns britânicos estariam no elenco juntamente com atores poloneses, tchecoslovacos ou suecos; e havia diretores austríacos como Erich von Stroheim e Josef von Sternberg, alemães como Ernst Lubitsch e F. W. Murnau, entre outros de outras nacionalidades como, por exemplo, o húngaro Michael Curtiz.
Nas suas expedições anuais durante os anos vinte os magnatas de Hollywood trouxeram os melhores artistas europeus, uma prática facilitada por acordos como o “Par-UFA-Met”, sob o qual a Paramount e a Metro-Goldwyn-Mayer ganharam o controle do maior estúdio germânico, Universum Film AG. (UFA) e seu brilhante staff. Em troca de um empréstimo de 4 milhões de dólares a UFA celebrou um acordo de distribuição, com a MGM e a Paramount sobre direitos de distribuição pelo qual o grande estúdio alemão se comprometeu a comprar 20 filmes de cada parceiro americano anualmente e reservar 75% (percentagem depois reduzida para 50%) do tempo de exibição para eles na sua cadeia de cinemas. A Paramount e a MGM cada qual compraria dez filmes da UFA por ano, para serem distribuídos nos cinemas americanos – com a condição onerosa de que eles “atendessem aos gostos dos espectadores americanos”. Os escritórios da Universal e da Warner Bros distribuíam contratos promiscuamente, muitas vezes apenas para manter talentos promissores longe de seus concorrentes.
Erich von Strohein contou uma história muito elaborada de sua fuga de Viena difícil de engolir. “Erich von Stroheim -Tenente Erich Oswald Carl von Stroheim von Nordenwald da Academia Militar Imperial Mariahilfe como se apresentava -disse para seus amigos que seu tio, tendo saldado uma dívida de alguns milhares de coroas, que ele contraíra, ele, von Nordenwald, fora obrigado a deixar o serviço de sua Majestade Imperial Franz Joseph, condição imposta pelo seu tio. O mesmo tio, o obrigou a emigrar para a América em 1909”. Após sua morte a verdade sobre os primeiros dias de Stroheim foi sendo revelada aos poucos. Nos anos sessenta o jornalista belga Denis Marion descobriu que a família de Stroheim era judia e que seu pai tinha uma chapelaria em Viena. Em 1896, o professor de História austríaco Gernot Heiss publicou o primeiro relato preciso sobre a carreira militar de Stroheim: educado numa escola de comércio para assumir o negócio da família, ele se alistou como voluntário em um regimento de treinamento às suas próprias custas, chegou ao posto de cabo, mas sua carreira militar austríaca se encerrou quando foi considerado incapaz de portar armas. Finamente, o historiador holandês Arthur Lenning revelou que Stroheim foi classificado como incapaz para o serviço militar. Stroheim realizou algumas obras-primas do cinema americano mudo como Ouro e Maldição / Greed / 1924, Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928, Minha Rainha / Queen Kelly / 1929.
A maioria dos exilados húngaros tinham motivos menos passivos para fugir de casa. Em 1920 quando o regente Miklós Horthy assumiu o poder e impôs um regime repressivo, Mihály Kertész foi para a Austria e ingressou na Sasha-Film, a maior companhia produtora austríaca no período silencioso e início do sonoro. Nesta companhia ele fez entre outros o superespetáculo Die Sklavenkönigin / 1924. Lançado nos EUA como Moon of Israel e no Brasil como Lua de Israel, o filme chamou a atenção de Harry Warner. Ele e seu irmão Jack contrataram o diretor, mudaram seu nome para Michael Curtiz, e aí teve início uma belíssima carreira, que culminou com o clássico Casablanca / Casablanca / 1942.
Josef von Sternberg nasceu com o prenome de Jonas, sem o aristocrático “von” em Viena, numa família judia. O “von” foi acrescentado em 1924 pelo ator-diretor Elliott Dexter para os créditos de Por Direito Divino / By Divine Right, filme dirigido por Roy William Neill, no qual Sternberg trabalhava como co-roteirista e assistente de direção. Aos sete anos de idade, o menino austríaco chegou aos Estados Unidos, para onde o pai emigrara em busca de fortuna. Decorrido algum tempo, a família retornou à terra natal; mas, em 1908, estava de novo na América. Em 1914 Sternberg empregou-se na World Film Corporation, nos estúdios de Fort Lee, New Jersey, onde começou exercendo a função de remendão de filmes, depois passou a montador, roteirista e assistente de direção. E chegou a ser consultor do patrão, William A. Brady. Iniciou assim uma trajetória artística brilhante, realizando obras imortais da cena muda como Paixão e Sangue / Underworld / 1927 e A Última Ordem / The Last Command / 1928.
Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, o berlinense nascido numa família judaica Ernst Lubitsch, já conhecido internacionalmente por seus dramas de época em grandes produções, partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchel Leisen) como Margarida, mas sua mãe a proibiu de atuar no filme no qual uma jovem mata seu bebê. Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan), tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época inspirado na peça francesa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atrai a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn), porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado. Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela. O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.Entretanto, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, foi saudado como obra-prima. Em uma sessão no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente. O percurso cinematográfico de Lubitsch em Hollywood seria formidável, principalmente com suas comédias sofisticadas onde se distinguia o seu famoso “toque”.
Quando Murnau chegou na América em julho de 1926 para trabalhar na Fox Corporation (depois de recusar convites feitos pelas firmas concorrentes Famous Players e Metro-Goldwyn), ele era conhecido quase que exclusivamente como diretor de A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924, o único dos seus dezessete filmes feitos até então, que havia sido distribuído nos Estados Unidos (Fausto / Faust, Eine deutsche Volkssage, que acabara de ser completado estreou em Nova York em dezembro de 1926; Tartufo / Herr Tartüff realizado entre os dois filmes citados, foi lançado em julho de 1927; Nosferatu, eine Symphonie des Gravens, lançado no Brasil com o título de O Lobishomem, somente chegou ao público em junho de 1929. A Última Gargalhada, e depois Fausto, conferiram uma grande reputação artística ao diretor germânico e ao ator Emil Jannings, que também seria acolhido por Hollywood.
Em um encontro com Winfield R. Sheehan, gerente geral da Fox, ocorrido em Berlim, ficou ajustado que o primeiro filme de Murnau na companhia seria baseado em uma novela curta de Hermann Sudermann, “Die Feise nach Tilsit” (Viagem a Tilsit. Murnau obteve o controle criativo completo da produção bem como permissão para trazer Carl Mayer como roteirista e Rochus Gliese como diretor de arte e Herman Bing (que no futuro seria o engraçadíssimo Zizipoff de A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934 de Ernst Lubitsch) como assistente de direção.
Carl Mayer preferiu voltar para o seu país, enviando depois um roteiro em alemão, traduzido por Hermann Bing para o inglês com o título de The Song of Two Humans, que acabou se convertendo no subtítulo do filme, porque Murnau preferiu dar à sua obra o título de Sunrise (denominado no Brasil Aurora), e fazer alterações na história original. Tornou-se um grande clássico do cinema mudo, admirado mundialmente.
Murnau viajou de férias para a Europa em 25 de março de 1927 e, no seu retorno, celebrou um contrato de cinco anos com a Fox, pois o estúdio havia cumprido sua promessa de não interferir no seu trabalho e ele acreditava que isso seria para sempre. Todavia, tal não ocorreu, e quase dois anos mais tarde dariam fim a este contrato.