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HERBERT BRENON

Ele foi um dos diretores mais importantes dos primórdios do Cinema Americano. Porém, quando parou de fazer filmes (mais de uma centena deles), parece que ninguém sentiu sua falta (seu nome não consta de muitos dicionários de cinema) e, com tanto de seu trabalho principal desaparecido, ficou difícil de reviver sua reputação. Uma das minhas grandes frustações como cinéfilo foi ter visto apenas três filmes dele em cópias razoáveis que, por sorte, estão entre seus melhores trabalhos como cineasta: Peter Pan / Peter Pan / 1924, Beau Geste / Beau Geste / 1926 e Ridi, Pagliacci / Laugh Clown Laugh / 1928.

Herbert Brenon

Alexander Herbert Reginald St. John Brenon (1880 – 1958) nasceu em Dublin, Irlanda. Em 1882, a família mudou-se para Londres, onde Herbert foi educado na St. Paul’s School e no King’s College. Em 1896, aos dezesseis anos de idade, ele emigrou com seus pais para os Estados Unidos. No final da adolescência, Brenon serviu como office-boy para o agente teatral Joseph Vion e como call boy (rapazinho de recados) no Daly’s Theatre na Broadway.  Ainda na casa dos vinte anos, e antes de se tornar diretor de cinema, apresentou-se no vaudeville com sua esposa Helen Oberg, que usava o nome artístico de Helen Downing, e administrou um nickelodeon (nome dado aos primeiros cinemas) em Johnstown, pequena cidade da Pennsylvania.

Aos 29 anos de idade, Brenon começou a escrever roteiros e a montar filmes para a Independent Moving Pictures Company (IMP), que se tornaria depois Universal Studios. Em 1912, dirigiu seu primeiro filme (de um rolo) All For Her, no qual funcionou também como roteirista e ator, e o primeiro filme de três rolos da IMP, Leah the Forsaken, cuja atriz principal era Leah Baird. No final do ano, foi mandado para a Europa, onde realizou filmes importantes como, por exemplo, Ivanhoe / 1914, filmado a Inglaterra com King Baggot no papel título, Leah Baird como Rebecca, Walter Thomas como Robin Hood e o próprio Brenon como o pai de Rebecca, Issac de York. Brenon fez também Absinthe / 1914 na França e vários filmes na Alemanha.

Anette Kellerman em A Filha de Netuno

Noivas de Guerra com Alla Nazimova

Anette Kellerman em A Filha dos Deuses

Na sua volta para os Estados Unidos, produziu o épico de sete rolos, A Filha de Netuno / Neptune’s Daughter / 1914, fantasia aquática estrelada por Anette Kellerman, que foi um tremendo sucesso e Noivas de Guerra / War Brides / 1916 com Alla Nazimova. Logo após, Brenon deixou a IMP para criar sua companhia produtora de curta duração, Tiffany Film Corporation. O primeiro filme desta companhia, The Heart of Maryland / 1915, foi um dos primeiros feitos na Califórnia. No mesmo ano, Brenon e Annette Kellerman foram contratados pela Fox. Neste ano e estúdio Brenon dirigiu Theda Bara em As Duas Orfãs / The Two Orphans e A Sonata de Kreuzer / The Kreutzer Sonata e em seguida decidiu superar seu sucesso com um filme de Kellerman, numa espécie de continuação, Uma Filha dos Deuses / A Daughter of the Gods / 1916. Entretanto, suas despesas extravagantes na filmagem levando a um imenso estouro de custos enfureceu William Fox, que resolveu montar o filme ele mesmo e retirar o nome de Brenon dos créditos.

 

Norma Talmadge em Flor de Paixão

Pola Negri em A Dançarina Espanhola

Mary Brian e Betty Bronson em Peter Pan

Esther Ralston e Betty Bronson em Os Mil Beijos de Cinderela

Cena de Beau Geste

Lon Chaney e Loretta Young em Ridi, Pagliacci

Após seu litígio com Fox, Brenon continuou a dirigir filmes para vários estúdios (entre eles Flor de Paixão / Passion Flower / 1921 com Norma Talmadge)  e então foi para a Paramount onde, no auge de seu poder criativo, dirigiu alguns de seus trabalhos mais elogiados no período 1923-1926: A Dançarina Espanhola / The Spanish Dancer / 1923 com Pola Negri, no qual teve início a memorável bem-sucedida colaboração entre Brenan e o diretor de fotografia James Wong Howe; Peter Pan / Peter Pan, com Betty Bronson como Peter, Esther Ralston como Mrs. Darling, Mary Brian como Wendy e Anna May Wong como Tiger Lily; A Francesinha / The Little French Girl / 1925 com Alice Joyce, Mary Brian, Esther Ralston; O Mendigo Elegante / The Streets of Forgotten Men com uma breve aparição de Louise Brooks; Os Mil Beijos de Cinderela /  A Kiss for Cinderella / 1925, outra adaptação de uma história de fantasia de James M. Barrie novamente com Betty Bronson e Esther Ralston; Beau Geste ou Um Belo Gesto / Beau Geste / 1926 com Ronald Colman no papel de Michael “Beau” Geste, Noah Beery em atuação marcante como o Sgt. Lejaune, esplêndido trabalho de câmera por J. Roy Hunt; Lágrimas de Homem / Sorrell and Son / 1927 (indicado para o Oscar de Melhor Direção); Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh / 1928 ostentando uma riqueza cinematográfica por parte da fotografia de James Wong Howe, da direção de arte de Cedric Gibbons e da interpretação de Lon Chaney e seu talento incomparável para transformar um melodrama lacrimoso em tragédia comovente.

Os primeiros filmes sonoros de Brenon nos Estados Unidos não foram particularmente bem-sucedidos e ele assinou contrato com a British International Pictures para fazer filmes na Inglaterra. Em Elstree, onde se localizava o estúdio da B.I.P., Brenon fez Living Dangerously / 1936, Someone at the Door / 1936, The Dominant Sex / 1937, Spring Handicap / 1937, Housemaster / 1938, Yellow Sands / 1938, Virgem Proibida / Black Eyes / 1939, The Flying Squad / 1940. Foram seus últimos filmes. Em 1940, Elstree cessou suas atividades porque o Exército Britânico requisitou suas instalações.

Duante alguns anos, Brenon ficou pensando em fazer mais alguns filmes, mas já estava com 63 anos e percebeu que já havia ultrapassado seu pico, que não lhe restava nada a não ser realizar filmes pouco importantes. Uma das coisas que o deprimia sobre Hollywood era visitar sets de filmagem e ver figuras outrora famosas agora fazendo pontas ou atuando como figurantes. E decidiu se aposentar.

GEORGE MARSHALL

Ele foi o mais prolífico e versátil de todos os diretores dos grandes estúdios de Hollywood. George E. Marshall (1891-1975), nasceu em Chicago, Illinois. Era o artesão hollywoodiano típico e sua carreira cobriu praticamente toda a História do Cinema.

George Marshall

Em 1912, Marshall ingressou como figurante na Universal depois de ter sido expulso da Universidade de Chicago e trabalhado em vários empregos. Em 1916, foi assistente de direção do seriado Herança Fatal / Liberty, a Daughter of  the USA e ator em The Code of the Mounted. Ainda em 1916, dirigiu westerns com os cauboís Neal Hart e Harry Carey e, em 1919-1920, dois seriados da Pathé estrelados por Ruth Roland, As Aventuras de Ruth / The Adventures of Ruth e Ruth das Montanhas / Ruth of the Rockies.

Chispa de Fogo

Houdini, O Homem Miraculoso

O Castelo Sinistro

Minha Vida e Meus Amores

Na sua longuíssima filmografia composta por 187 filmes de vários gêneros e interpretados pelos mais variados atores e atrizes, podemos destacar: westerns com Tom Mix; comédias com Laurel e Hardy; o filme-revista Coquetel de Estrelas / Star Spangled Rhythm /1942 repleto de astros e estrela da Paramount; a comédia satírica Agarrem Essa Normalista! / Hold That Co-Ed / 1938 com John Barrymore compondo uma silhueta memorável de um político demagogo; o musical biográfico Chispa de Fogo / Incendiary Bonde / 1945 com Betty Hutton personificando Texas Guinan, a famosa artista dos palcos e da tela e gerente de bares clandestinos durante a Lei Sêca; Houdini, o Homem Miraculoso / Houdini / 1953, cinebiografia do mágico famoso com Tony Curtis no papel título; as comédias de mistério e horror de grande sucesso O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1939 e O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 com Bob Hope e Paulette Goddard; o filme noir A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946; a vida da rainha dos seriados mudos Pearl White interpretada por Betty Hutton em Minha Vida e Meus Amores / The Perils of Pauline / 1947; o episódio ferroviário de A Conquista do Oeste / How the West Was Won / 1962 e, sobretudo, quatro westerns  (Atire a Primeira Pedra / Destry Rides Again /1939, A Vingança dos Daltons / When the Daltons Rode / 1940, O Renegado do Forte Petticoat /  The Guns of Fort Petticoat / 1957, O Irresistível Forasteiro / The Sheepman / 1958.

Atire a Primeira Pedra

 ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

A tumultuosa cidade de Bottleneck é dominada por Kent (Brian Donlevy) com a colaboração de Frenchie (Marlene Dietrich), a cantora do seu saloon. Mas um xerife é morto e Kent põe o velho bêbado “Wash” Dimmsdale (Charles Winninger) no cargo. Dimmsdale chama em seu socorro Tom Destry (James Stewart), cujo pai fora o terror dos fora-da-lei do Oeste. Porém, Destry não gosta de usar armas, preferindo métodos não violentos. Até que Destry se queima e, apoiado por toda a população, tendo à frente as mulheres, acaba com os bandidos. Uma bala atirada na direção de Tom atinge Frenchie, e ela morre nos braços do seu amado. Western com muita ação, música e humor, explorando o tema do domador de cidades. A interpretação retraída de James Stewart faz um contraponto perfeito para a personagem despudorada de Marlene Dietrich. A cena de Tom tentando separar a briga de Frenchie com outra mulher no saloon é antológica.

A Vingança dos Daltons

A VINGANÇA DOS DALTONS

Os irmãos Dalton, Bob (Broderick Crawford), Grat (Brian Donlevy), Ben (Stuart Erwin) e Emmett (Frank Albertson, tornam-se assaltantes depois que os representantes de uma companhia ferroviária tentaram se apossar de sua fazenda. O advogado Tod Jackson (Randolph Scott) tenta livrá-los das acusações criminais     e se apaixona por Julie Lou (Kay FDrancis), mulher de Bob. Um bom western do ciclo de biografias românticas de bandidos famosos que se seguiram ao sucesso de Jesse James / Jesse James / 1939 (Dir:  Henry King). Ação é o que não falta: roubos de bancos e trens, cavalgadas e muito tiroteio, notadamente no derradeiro e frustrado assalto ao banco de Coffeyville, no Kansas.  O momento mais eletrizante ocorre quando os Daltons saltam de um trem em movimento em grande velocidade montados nos cavalos- uma cena muito imitada, mas jamais igualada.

O Renegado do Forte Petticoat

O RENEGADO DO FORTE PETTICOAT

O Tenente Frank Heavitt (Audie Murphy), de origem texana, percebe que os Comanches vão se dirigir para o Texas, no momento sem proteção, porque todos os homens foram mobilizados para o exército confederado. Por heroísmo, Frank deserta e retorna à sua terra natal, onde reúne as mulheres e as crianças em uma missão abandonada e as submete a um treinamento militar intensivo, para repelir as investidas dos índios. O enredo tem originalidade (um homem sozinho organizando militarmente um grupo de mulheres) e apresenta os elementos necessários para manter a ação incessante. A cena mais movimentada é aquela em que os índios aprisionam os três bandidos e estes os levam à missão. Frank, as mulheres e as crianças se escondem no terraço. Os selvagens, não vendo ninguém, matam seus prisioneiros e vão embora. Entretanto, um menino dispara sua arma acidentalmente, os índios escutam os tiros e voltam a atacar mais agressivos do que nunca.

O IRRESISTÍVEL FORASTEIRO

Assim que chega a Powder Valley com seu rebanho de ovelhas, Jason Sweet (Glenn Ford) provoca o valentão do lugar, Jumbo McCall (Mickey Shaughnessy) e lhe dá uma surra. Depois, faz uma demonstração de sua habilidade com o revólver. Jason quer mostrar que não vai se intimidar pelos criadores de gado, que detestam a vizinhança com os ovinos. Com determinação e bom humor, o forasteiro vence todos os obstáculos, que lhe são opostos pelo mandachuva local, John Belford (Leslie Nielsen), e ainda por cima, conquista o coração de sua noiva, Dell Payton (Shirley MacLaine). Marshall sempre soube conciliar ação e comédia com muita competência (v. Atire a Primeira Pedra). O humor é espontâneo, direto e jovial. A cena da briga com o brutamontes e o ajuste de contas final no rancho de Belford são encenadas com muito discernimento de cinema. A paisagem é simplesmente bela: um céu claro com suas nuvens brancas, uma floresta com lindas árvores de folhas amareladas, o rebanho de ovelhas …

SÃO FRANCISCO DE ASSIS NO CINEMA E NA TV

Ele mereceu a atenção dos cineastas várias vezes desde o cinema mudo. Na cena silenciosa, em San Francesco il poverello d’Assisi / 1918 de Enrico Guazzoni, Frate Sole / 1918 de Mario Corsi e Frate Francesco / 1926 de Giulio Antamoro, sendo este último o mais lembrado com Alberto Pasquali como Francesco. Neste filme, os fatos históricos são escrupulosamente respeitados e reconstituídos de acordo com a biografia de Johannes Jorgensen, um dos maiores especialistas no assunto.

Frate Francesco 1918

Depois veio o filme mexicano São Franciso de Assis / San Francisco de Assis / 1943 com José Luis Jiménez (Francisco) e Carmen Molina (Clara), dirigido por Alberto (Tito) Gout, diretor rotineiro, geralmente dedicado aos dramalhões de Ninón Sevilla.

Francisco, Arauto de Deus  1950

Bem mais importante é o clássico Francisco, Arauto de Deus / Francesco, Giullare di Dio / 1950 de Robert0 Rosselini com atores não profissionais e Aldo Fabrizzi como o tirano Nicolas. Rosselini apresenta, sob a forma de antologia, fragmentos dos Fioretti com proposital indigência da encenação, e trata os personagens de um modo que pareceu insólito para quem achava que a santidade só podia ser austera.O diretor quer mostrar o Poverello e seus companheiros tal como eram na vida cotidiana: jovens monges com uma alegria e inocência próximas às das crianças, com uma simplicidade de coração que se assemelhava, como disse Henri Agel, “a uma doce demência”.

Já São Francisco de Assis / 1960, de Michael Curtiz, deveria ter sido um épico religioso à maneira de Hollywood, mas saiu um filme referente e modesto.O enredo conta a vida do “Poeta dos pássaros” , o milagre da estigmatização e sua morte. Curtiz, sempre correto na direção, conjuga incidentes movimentados com os instantes sérios, a fim de manter o interesse da intriga. O trecho final é mais impregnado de caráter místico , embora o veterano cineasta não consiga refletir a poesia da realidade. Bradford Dillman põe muito sentimento na composição do “Jogral de Deus” e nos dá um Francisco verdadeiro e humano, passando habilmente da frivolidade de um jovem embriagado  pelo prazer para a elevação de espírito de um santo. Dolores Hart vive santa Clara, incluindo-se ainda entre os coadjuvantes: Stuart Whitman, Pedro Armendariz, Cecil Kellaway, Finlay Curie e Eduard Franz. A foto é de Pietro Portalupi, técnico com brilhante passagem pelo neorealismo (Gente del Po / 1943;  Páscoa de Sangue / Non C’é Pace Tra Gli Ulivi / 1949; Belissima / Belissima / 1951) e com um trabalho impecável na 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1959.

La Tragica Notte di Assisi / 1961 de Raffaelo Pacini, trata mais de santa Clara, interpretada por Leda Negroni e Carlo Giustini é Francisco e Francesco di Assisi / 1966, premiado no Festival de Valladolid, que Liliana Cavani filmou em 16mm com simplicidade de estilo para a televisão italiana, apresenta Lou Castel como um Francisco rebelde e iconoclasta.

Irmão Sol, Irmã Lua 1972

Festa floral e estética sobre São Francisco, segundo a visão encantada de Franco Zefirelli, Irmão Sol, Irmã Lua / Fratello Sole, Sorela Luna / 1972 tem imprecisões históricas e místicas, compensadas pelo capricho visual – foto de Ennio Guarnieri (A Grande Burguesia / Fatti di Gente Perbene / 1974, Esposamante / Mogliamante / 1977) em panavision, technicolor. O roteiro de Suso Cecchi d’Amico, Kenneth Ross, Lina Wertmuller e Zeffirelli traça o percurso de Franciso desde a despedida do lar abastado para a vida comunitária na natureza e a pregação do princípio da pobreza e da caridade, inserida a certa altura dos acontecimentos uma cena com Alec Guiness como o papa Inocêncio II, talvez para prestigiar o setor interpretativo liderado por dois novatos, Graham Faulkner e Judi Bowker. A dimensão hippie que o diretor conferiu a Francisco, ele mesmo a define assim: “Não se trata de um filme biográfico, mas de uma demonstração paralela sobre a juventude idealista e séria de hoje e a vida de são Francisco … Este adolescente, nascido há mais de 750 anos, conheceu os mesmos problemas dos jovens de hoje … e se esforçou para transformar o mundo não com bombas, não com drogas, não com exibicionismo, mas com a negação de si mesmo, cm o sacrifício e, acima de tudo, com esperança”.

A História de São Francisco de Assis 1989

Francesco 2002

O Sonho de Francisco 2016

Posteriormente surgiram: A História de São Francisco de Assis / Francesco / 1989 com Mickey Rourke (Francisco) e Helena Bomham Carter (Clara) e o telefilme Francesco / 2014 com Mateusz Kosciukiewicz (Francesco) e Sara Serraioco (Clara), ambos dirigidos por Liliana Cavani; a minissérie italiana Francesco / 2002 de Michele Soavi com Raul Bova (Francesco) e Amélie Daure (Clara); o telefilme  Clara e Francisco / Chiara e Francesco / 2007 de Fabrizio Costa com Ettore Bassi (Francisco) e Mary Petruolo (Clara); O Sonho de Francisco / L’Ami – François d’Assise et ses frères / 2016 de Renaud Fely e Arnaud Loubet, sobre Elia da Cortona (Jérémie Renier), um dos seguidores mais fieís de São Francisco, interpretado por Elio Germano.

 

CONVERSANDO SOBRE CINEMA

Concedi esta entrevista a Daniel Camargo, ex-aluno meu num Curso de Cinema de Extensão Universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ realizado cerca de vinte anos atrás e hoje  um cineasta consagrado, que tem no seu currículo: o episódio “Antonio Meliande: pau pra toda obra”, incluído na série Retratos Brasileiros  do Canal Brasil (TV), retratando a trajetória artística deste diretor e também um dos fotógrafos mais importantes do cinema brasileiro; a minissérie “Boca do Lixo: A Bollywood Brasileira” do Canal Brasil (TV) sobre o momento de intensa produtividade do cinema popular brasileiro de  onde surgiram diretores como Carlos Reichenbach e José Mojica Marins; “George Hilton  –  O Mundo é dos Audazes” documentário sobre o uruguaio que se tornou um  dos maiores astros do cinema popular italiano; e ”Independência 100 por 100”, documentário sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 quando a Cidade Maravilhosa foi palco da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922. Daniel escreveu, de parceira com Fábio Vellozo e Rodrigues Pereira, o livro “Anthony Steffen – A Saga do Brasileiro que se tornou Astro do Bangue-Bangue à Italiana” (ed. Matrix 2007).

Daniel Camargo

D- O que é Cinema?

AC – Cinema é antes de tudo uma técnica e uma indústria, mas o produto que fabrica, o filme, é uma arte, cuja finalidade pode ser o mero entretenimento ou a comunicação de ideias ou emoções profundas.

D – Qual destas vertentes o senhor prefere?

AC- Não faço distinção entre elas. O que me interessa é se o diretor e sua equipe, conjugando habilmente conteúdo e forma por meio de uma linguagem cinematográfica apropriada, conseguiram de fato divertir o público, fazê-lo pensar

ou se emocionar, provocando-lhe outrossim um prazer estético.

D – Como o senhor define um clássico do cinema?

AC – A verdadeira arte é a que nunca cansa. Um filme clássico é todo aquele que continua divertindo ou emocionando sempre que é revisto. Não me canso de ver, por exemplo, A Viúva Alegre / The Merry Widow de Ernst Lubitsch de 1934 ou Luzes da Cidade / City Lights  de Charles Chaplin de 1931, dois exemplos de um filme que diverte e outro que emociona.

D – Quais os diretores do cinema clássico que o senhor mais admira?

AC – Obviamente fica muito difícil escolher os meus preferidos entre centenas de diretores do cinema mundial. Mas aceito com esportividade o desafio que você me propõe como homenagem ao seu talento e produtividade na área do cinema. Para não alongar a resposta, escolhi apenas diretores que trabalharam no cinema americano, mesmo porque nenhuma outra cinematografia produziu tantos filmes admiráveis. Destaco em primeiro lugar John Ford, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Ernest Lubitsch e Raoul Walsh, porque sobressaíram tanto no cinema mudo como no sonoro. Souberam conciliar arte com entretenimento. Impuseram-se como artistas mesmo trabalhando sob o sistema de estúdio; deram verdadeiras aulas de técnica cinematográfica; demonstraram preferência pelo visual e por uma narrativa clara, simples, fluente, na melhor tradição clássica; deixaram a marca do seu estilo nos filmes que fizeram. Ford foi o maior pintor e poeta da tela; Hitchcock, um eterno criador de formas fílmicas, ousadas e fascinantes; Lang, um exímio contador de histórias, econômico e objetivo, expressando-se sempre por meio de recursos imagísticos impressionantes; Lubitsch, um mestre do humor atrevido e malicioso, exposto através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes e insinuações rápidas com a câmera; Walsh, o especialista da ação contínua, executada com pleno domínio dos elementos cinestéticos. Posso apontar também: Michael Curtiz e Orson Welles, cujos filmes essencialmente dinâmicos, sempre me encantaram. E, é claro, David Wark Griffith, F. W. Murnau e Erich von Stroheim, os professores de todos os outros grandes realizadores. Sem falar em Charles Chaplin, o gênio mais universal do cinema, cujo personagem Carlitos, na linha do humanismo poético, seduziu simultaneamente as massas e os intelectuais, fez rir e chorar as plateias de todo mundo. Na verdade, minha lista de diretores prediletos é interminável: Frank Capra, William Wyler, Billy Wilder, Elia Kazan, John Huston, Rex Ingram, Buster Keaton, Tod Browning (principalmente seus filmes com Lon Chaney) …

D – O senhor não pode citar pelo menos alguns grandes diretores do cinema mundial que admira?

AC – Akira Kurosawa, Marcel Carné, Julien Duvivier, David Lean, Michael Powell / Emeric Pressburger, Vittorio De Sica, Alessandro Blasetti, Fellini nos seus primeiros filmes, Ingmar Bergman, Eisenstein, Victor Sjostrom no cinema mudo (Vento e Areia / The Wind, A Letra Escarlate / The Scarlet Letter são admiráveis) …

D – No Brasil surgiu algum grande cineasta que pudesse ser comparado com os que o senhor citou?

AC- Acho que não. Mas houve cineastas que fizeram filmes apreciaveis como, por exemplo, Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Walter Salles, Walter Lima Jr., Roberto Santos, Jose Joffily, Eduardo Escorel, Walter Hugo Khoury, Carlos Diegues, Arnaldo Jabor, Fabio Barreto, Bruno Barreto, Domingos de Oliveira, Luís Sérgio Person, Paulo César Saraceni, Roberto Farias, Rui Guerra, Hector Babenco, Sylvio Beck, Carlos Hugo Christensen, Antonio Carlos Fontoura …

D – O senhor poderia citar alguns filmes deles que lhe agradaram?

AC – O Pagador de Promessas; Vidas Sêcas; São Bernardo; Central do Brasil; A Ostra e o Vento; A Hora e a Vez de Augusto Matraga; Dois Perdidos numa Noite Suja (o de 2002); Lição de Amor; Noite Vazia; Bye Bye Brasil; Toda Nudez Será Castigada; O Quatrilho; Dona Flor e seus Dois Maridos; Todas as Mulheres do Mundo; O Caso dos Irmãos Naves; Anchieta, José do Brasil; Assalto ao Trem Pagador, Os Cafagestes; Pixote, a Lei do Mais Fraco; Aleluia, Gretchen; O Menino e o Vento; A Rainha Diaba  …

D – E Glauber Rocha?

AC – Glauber tinha talento, mas era um talento desordenado. Tal como seus colegas do Cinema Novo, passou de crítico a realizador e teve a boa intenção de fazer um cinema diferente das chanchadas e tentar revelar um Brasil que não era mostrado para nós brasileiros, porém não tinha o devido preparo técnico para fazer cinema nem muitos recursos materiais. Por isso inventou aquela coisa de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e convenceu muita gente de que aquilo era anti-Hollywood. Sabia se promover. Consegui assistir Deus e o Diabo na Terra do Sol na sua integridade por causa de alguns trechos muitos criativos plasticamente inspirados em Eisenstein, mas Terra em Transe e os outros filmes dele que tentei ver, achei insuportáveis.

D – O senhor gosta do mítico Limite de Mario Peixoto?

AC- Não. É um filme experimental tedioso e de difícil compreensão, realizado por um jovem diletante inspirado na vanguarda francesa dos anos vinte, salvando-se apenas a bela fotografia de Edgar Brasil.  O filme não logrou distribuição comercial, mas o Chaplin Club, cineclube cujo principal articulador era seu amigo Plínio Sussekind, patrocinou sua estreia numa manhã de 17 de maio de 1931 no Cinema Capitólio do Rio de Janeiro. O público detestou. Houve em seguida sessões no Marble Arch em Londres e em um cineclube nos Champs Elysées em Paris, tendo ficado conhecido um artigo de Serguei Eisenstein elogiando o filme. Recentemente foi apurado que tal artigo teria sido escrito pelo próprio Mário e que o grande cineasta soviético nunca passou por Londres ou Paris, locais onde supostamente teria assistido Limite e publicado tal artigo. Tem gente que gosta do filme.

D – O que acha das produções da Companhia Vera Cruz?

AC – Foram filmes valorizados pela contribuição dos técnicos e diretores estrangeiros que Alberto Cavalcanti trouxe tais como os italianos Adolfo Celi e Luciano Salce, o português Fernando de Barros e o anglo-argentino Tom Payne; porém o maior sucesso foi O Cangaceiro dirigido pelo nosso Lima Barreto. Não vi todos, mas lembro-me de que gostei na época deste e mais alguns deles, por exemplo, Tico-Tico no Fubá de Adolfo Celi; Floradas na Serra (na verdade mais por causa da Cacilda Becker) e Uma Pulga na Balança de Luciano Salce; Apassionata de Fernando de Barros; Sinhá Moça de Tom Payne. Gosto também de dois filmes da Maristela, companhia paulista contemporânea da Vera Cruz: O Comprador de Fazendas de Alberto Pieralise e Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti.

D – O que o senhor pensa sobre as chamadas pejorativamente de pornochanchadas?

AC – Não tenho nada contra estas produções eróticas porque sou pela liberdade de expressão, embora no caso, não seja bem de expressão que se trata. Além do mais, elas deram emprego a muita gente e, às vezes, revelaram algum artista de maior capacidade.

D – Como explica o sucesso das chanchadas da Atlântida?

AC – Lembro-me de que os críticos as detestavam, porém o grande público prestigiava estas comédias populares com interpolações de músicas de carnaval interpretadas pelas cantoras e cantores do rádio e de trapalhadas de Oscarito e Grande Otelo, vilanias de José Lewgoy e idílios de Anselmo Duarte e Eliana, uma fórmula que, na época, garantia filas imensas nas portas dos cinemas.

D – O que o senhor acha dos filmes de Mazzaropi e Renato Aragão?

AC – Esta linha de produção do cinema popular merece respeito, porque é fruto do esforço de artistas com tino de empresários que, sem se importarem muito com a competição estrangeira, arregaçam as mangas e chegam ao sucesso comercial. Trata-se de um cinema ingênuo que sintoniza bem com o público infantil e com o menos sofisticado, sendo positiva a sua permanência em nossas telas

D – E o Cinema Marginal?

AC – O que marca os filmes dos que integram o cinema marginal ou experimental, também chamado de cinema de invenção, é a indigência formal. Se os cinemanovistas ainda procuravam conquistar as plateias, um grupo mais novo de realizadores recusou-se a isto e, subitamente, irromperam filmes cujos diretores se obstinavam em desfrutar de completa liberdade de criação, chegaram mesmo à anarquia. Esta maneira de filmar é, a meu ver, valiosíssima, pois aí é que vão surgir as ideias e formas revolucionárias. Contudo, é preciso distinguir os autênticos inovadores dos incapazes ou picaretas que não sabem nada de cinema e cobrem sua inaptidão com o manto do desmazelo proposital. Este cinema tem naturalmente muita dificuldade de exibição, porém o ambiente mais propício para o exame de suas propostas é mesmo o circuito de cineclubes e universidades.

D – Já ia me esquecendo. E o José Mojica Marins?

AC – Seus filmes são de feitura primária. Mas o personagem insólito, nietzschiano, amoral e sádico Zé do Caixão que ele criou, possui um fascínio irresistível. Ficou até conhecido no exterior como Coffin Joe.

D – O senhor tem preferência por algum gênero de filme?

Não. Apenas simpatizo um pouco mais com o western americano, digo americano porque outros países fizeram westerns como, por exemplo, a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman ainda no cinema silencioso; a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou com Pierre Brice e Lex Barker; os westerns italianos etc.

D – Falar nisso, o senhor gosta dos westerns italianos?

AC – O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà (depreciativamente referidos como “westerns spaghetti”) é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira europeia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

Existem muitos admiradores do western italiano, mas eu prefiro o western americano, que conta, de um modo heroico ou crítico, a conquista do Oeste dos Estados Unidos e o difícil nascimento a nação americana.  Este é na verdade “o gênero cinematográfico por excelência” pela sua movimentação e pela sua topografia característica com enorme potencial para a expressão cinematográfica, ajudando a dramatizar mais intensamente o choque entre os personagens e os conflitos temáticos da história.

D – Como o senhor vê o movimento da Nouvelle Vague?

AC – A qualidade mais obviamente revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague foi o seu aspecto informal, desleixado. Os diretores da Nouvelle Vague admiravam os neorrealistas e, em oposição à filmagem em estúdio, preferiram filmar nas ruas. Semelhantemente, a iluminação de estúdio brilhante foi substituída pelo que Raoul Coutard chamou de “luz do dia”. Tinham também preferência pela câmera na mão e pelo plano longo. Durante três anos os filmes da NV tiveram bons lucros pela novidade. Rodados em locação usando equipamento portátil, atores pouco conhecidos, e equipes pequenas, eles puderam ser feitos rapidamente e por menos da metade de um custo normal. Entretanto, o cinema tradicional, o cinema comercial de rotina, de gênero e de astros, perdurava. O público continuava prestigiando o “cinema de papa” com artistas populares como Fernandel, Jean Gabin e Jean Marais e, a partir de 1962, o entusiasmo pela Nouvelle Vague regrediu, tanto por parte dos produtores como por parte dos espectadores. As rendas de bilheteria dos filmes começaram a despencar e os distribuidores cada vez mais hesitavam em lançar os filmes deles.

D – O senhor gosta dos filmes da Nouvelle Vague?

AC – Por ironia, Truffaut, Chabrol e outros depois seguiram o caminho dos grandes cineastas do Cinema de Qualidade Francesa, que Truffaut irresponsavelmente denegriu. Somente Godard, o mais radical de todos os diretores da Nouvelle Vague, continuou com seu cinema anárquico e arrogante amado por uns e detestado por outros. Na época da irrupção da Nouvelle Vague, fui seduzido pela novidade, mas depois percebi que os filmes “acadêmicos” de Truffaut A História de Adèle H / L’Histoire d’ Adèle H ou A Noite Americana / La Nuit Américaine e aqueles que Chabrol fez com Isabelle Huppert, Violette Nozière e Une Affaire des Femmes, eram bem melhores.

D – O senhor acompanha o Cinema Contemporâneo?

AC – Muito pouco. Há muito tempo que não vou mais aos cinemas, porque não são mais os mesmos de antigamente e não gosto de ouvir alguém falando no célular comendo pipoca ou conversando durante a projeção. Só vejo um ou outro filme contemporâneo, quando tenho informação fidedigna de que o filme é muito bom e ele é exibido na televisão ou sai em dvd. Alguns diretores mais modernos que me agradaram foram, por exemplo, Stanley Kubrick, Steven Spielberg, Martin Scorcese, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Quentin Tarantino.

D – E o Cinema Contemporâneo Brasileiro?

AC – Conheço muito pouco. Gostei de O Auto da Compadecida de Guel Arraes; O Som ao Redor de Kleber Mendonça Filho; Maria do Caritó de João Paulo Jabur…

D – Antes os planos eram mais longos a agora duram muito menos na tela. Como isto altera a maneira de se apreciar um filme?

AC – Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood 1970 e no final dos anos 80 continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1980, quando a maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e 6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado pelo teórico e historiador de cinema David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games, e internet. Filmes como X-Men, o Filme / X-Men  de Bryan Singer, tinham em média 2 a 3 segundos por plano. Muitas vezes a supervelocidade rítmica não dá tempo para o espectador absorver o que está acontecendo. 

D – Qual a importância da crítica de cinema? Onde anda a crítica de cinema hoje em nosso país?

AC – A crítica de cinema, quando bem-feita, ajuda aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme tanto técnica quanto substantivamente, a formar um público capaz de dominar o filme em vez de ser dominado por ele. Antigamente, cada jornal tinha um crítico especializado em cinema que se dedicava diária e exclusivamente a esta função. Foi uma geração de grandes críticos como Moniz Viana, Hugo Barcelos, Ely Azeredo, Décio Vieira Otoni, para citar apenas alguns dos que trabalhavam nos jornais cariocas. Já há bastante tempo o espaço para a crítica de cinema nos jornais foi bastante reduzido, existindo apenas resenhistas, que não têm a mesma influência e popularidade daqueles críticos de outrora. A crítica de filmes hoje passou para os sites da internet, onde qualquer pessoa se acha qualificada para exercê-la.

D – Pode-se aprender a fazer cinema?

AC – Sim. Primeiramente lendo textos sobre cinema, vendo e revendo muitos filmes de todas as épocas, pois com a perspectiva histórica proporcionada pelo conhecimento do cinema do passado os aspirantes a cineasta poderão apreciar melhor o cinema do presente bem como se servir, consciente ou inconscientemente, das obras-primas da arte cinematográfica como fonte de inspiração. Em seguida, aprendendo a técnica cinematográfica em cursos práticos e / ou fazendo parte de uma equipe de filmagem. Lembrando o que disse Jacques Maritain no seu livro Art et Scolastique: “O dom natural não é senão uma condição prévia da arte. Esta disposição inata é evidentemente indispensável, mas sem uma cultura e uma disciplina que os antigos queriam que fosse longa, paciente e honesta, ela jamais passará a arte”.

D – Fiquei impressionado com o seu imenso acervo de filmes. Como adquiriu tantos dvds?

AC – Quando os DVDs foram lançados depois do VHS, comecei a adquiri-los, inclusive de colecionadores do mundo inteiro. Comprei dvds de colecionadores até do Alaska e da Finlândia e também de um site americano que vendia dvds de filmes alemães dos anos 30. Posteriormente, um amigo, Sergio Leeman, que trabalhou nos EUA e na Europa, gravou para mim uma quantidade enorme de filmes exibidos na TV americana e europeia. Quando estive em Los Angeles, Nova York, Londres, Paris, Roma e Lisboa comprei o máximo que pude de dvds de filmes produzidos nestes países. Na França, por exemplo, comprei as coleções La Memóire du Cinéma Français e Les Années 50 de René Chateau e a Gaumont à la demande.  A coleção I grandi registi del cinema italiano, cada caixa com três filmes de grandes cineastas da Itália, é formidável. Tenho também filmes russos, japoneses, suecos, mexicanos, brasileiros, peças de teatro filmadas etc. Sou insaciável e, como dizia meu falecido amigo Gil Araujo, “cinema é inesgotável”.

D – Qual o filme mais raro que o senhor possui?

AC – Rosita de Ernst Lubitsch.

D – E qual o filme que o senhor não tem e gostaria de possuir em dvd?

AC – The Patriot, também de Lubitsch. Mas este é um filme perdido. Só existe o trailer, na Cinemateca Portuguesa.

D – O senhor foi aluno do Curso de Cinema ministrado pelo cineasta Arne Sucksdorff promovido pelo Ministério das Relações Exteriores/ Unesco em 1962, mas nunca quis fazer um filme?

AC – Não. Fiz o curso apenas para adquirir mais conhecimento da técnica cinematográfica e assim poder apreciar melhor os filmes que vejo. Admiro a coragem e perseverança de toda pessoa que faz ou fez cinema no Brasil, mas não era a minha praia. Preferi manter um blogue destinado a preservar a memória do cinema clássico, escrever alguns livros sobre cinema além do magistério na PUC-RJ.

D – Na pesquisa cinematográfica o que mais lhe dá prazer?

AC – Encontrar informações raras como, por exemplo, o título em português de curtas-metragens (shorts e desenhos animados), pois estes não saíam nos jornais da época. Num trabalho recente ainda inédito, “O Outro Lado da Segunda Guerra Visto Pelo Cinema Americano”, forneci, por exemplo, títulos em português de filmes de recrutamento e de treinamento de soldados durante a Segunda Guerra Mundial, que foram exibidos nos nossos cinemas. Os títulos em português dos filmes estrangeiros são importantes para se saber se eles foram exibidos no Brasil. Outro prazer é descobrir joias raras da cinematografia entre produções classe B como, por exemplo, os da série de horror do Val Lewton ou um filme como Aves sem Ninho / Sparrows de 1926 de William Beaudine, diretor cujo nome costuma ser omitido em vários dicionários de cinema.

D – O senhor deseja acrescentar mais alguma coisa para encerrarmos esta nossa conversa?

AC -O que eu posso dizer é que todos os aspectos da vida humana e social já foram objeto de filmes dignos de serem vistos. Porém a mediocridade e a vulgaridade ameaçam constantemente o cinema. Os responsáveis por seus descaminhos acham-se tanto do lado da produção quanto do consumo (público passível e inculto).  E, quanto mais e melhor os dois lados forem conscientizados sobre sua mútua responsabilidade, mais lucrarão a cultura e a sociedade.

DON SIEGEL

Durante a maior parte de sua carreira, funcionando quase sempre na área do filme B, ele não alcançou uma posição de prestígio no âmbito da indústria cinematográfica de Hollywood, embora tendo evidenciado talento superior ao de inúmeros realizadores. Muitos de seus filmes de produção modesta mostram uma energia e excelente noção de cinema, porém foi mais respeitado somente nos anos 60-70 como diretor de cinco filmes no âmbito da produção classe A estrelados por Clint Eastwood.

Don Siegel

Donald Siegel (1912-1991) nasceu em Chicago, Illinois, filho de Samuel Siegel, virtuoso do bandolim. Frequentou colégios em Nova York e depois se formou no Jesus College em Cambridge, Inglaterra. Durante algum tempo, estudou Belas Artes na London’s Royal Academy of Dramatic Art e trabalhou brevemente como ator de teatro.

Aos vinte anos de idade foi para Los Angeles, e conseguiu emprego na Warner Bros. onde funcionou inicialmente no setor de pesquisa e arquivo do estúdio, como assistente de montagem, e no departamento de planos de inserção. Depois foi promovido a montador e chefiou o departamento de montagem do estúdio (realizando 21 sequências de montagem memoráveis (v. g. em Heróis Esquecidos / The Roaring Twenties / 1939; Casablanca / Casablanca / 1942) e trabalhou como assistente de direção ou diretor de segunda unidade em 7 filmes, entre eles Sargento York / Sergeant York / 1941 (diretor de segunda unidade) e Uma Aventura na Martinica / To Have and Have Not / 1944 (assistente de direção).

Cena de Justiça Tardia

No início dos anos 40, dirigiu dois shorts, o curta de dois rolos da série Broadway Brevities, Uma Estrela Luminosa / Star in the Night e o documentário curto, Hitler Vive? / Hitler Lives, ambos contemplados com o Oscar em 1945. No início do ano seguinte, dirigiu seu primeiro longa-metragem Justiça Tardia / The Verdict, drama de mistério muito interessante sobre um inspetor da Scotland Yard (Sidney Greenstreet), obrigado a se aposentar depois que mandou um inocente para a forca que, auxiliado por um pintor amigo (Peter Lorre), soluciona um “crime perfeito” com o propósito de humilhar seu arrogante sucessor.

Cena de Dinheiro Maldito

Cena de Rebelião no Presídio

Cena de Vampiros de Almas

Cena de Assassino Público Número Um

Cena O Sádico Selvagem

Depois deste início promissor, entre obras de pouca envergadura, Siegel revelou seu talento nos anos cinquenta em vários filmes: o drama criminal de prisão Rebelião no Presídio / Riot in Cell Block 11 / 1954; o filme noir Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954; o drama de horror e ficção científica Vampiros de Almas / Invasion of the Body Snatchers / 1956, o drama criminal sobre gangues de rua Rua do Crime / Crime in the Streets / 1956, o drama criminal biográfico Assassino Público Número Um / Babe Face Nelson / 1957, o drama criminal O Sádico Selvagem / The Line Up / 1958.

Cena de Assassinos

Cena de Os Abutres têm Fome

Cena de O Estranho que Nós Amamos

Cena de Perseguidor Implacável

Na terceira fase da sua carreira, abrangendo os anos 60 e 70, Siegel pôde realizar filmes de orçamento mais alto, em cores e com mais astros do que seus filmes anteriores, destacando-se seus thrillers policiais Os Assassinos / The Killers, Os Impiedosos / Madigan, O Homem Que Burlou a Máfia / Charley Varrick e o drama criminal de prisão Alcatraz: Fuga Impossível / Escape from Alcatraz; os filmes com Clint Eastwwood (Meu Nome é Coogan / Coogan’s Bluff, Os Abutres Têm Fome / Two Mules for Sister Sara, O Estranho Que Nós Amamos / The Beguiled, Perseguidor Implacável / Dirty Harry) e o western dramático O Último Pistoleiro / The ShootistEste último foi um filme sobre a morte, não a que encontramos no combate, mas uma morte mais insidiosa e implacável. Em Carson City, Nevada em 1901. John Bernard Books (John Wayne), pistoleiro célebre, fica sabendo que está com câncer. Fisicamente, está condenado. Historicamente também, e simboliza o fim de uma época. Nessa cidade invadida pelo modernismo não há mais lugar para os veteranos do Oeste. O fato de que John Wayne estava ele próprio com a mesma doença, deu muita credibilidade ao personagem principal. Foi a última aparição dele na tela.

Siegel trabalhou também na televisão, destacando-se os dois episódios que ele dirigiu para série Além da Imaginação / The Twilight Zone: “Uncle Sam “e “The Self-Improvement of Salvadore Ross”. No primeiro episódio, uma mulher tomou conta de seu tio detestado durante vinte e cinco anos, esperando impacientemente herdar sua fortuna. Porém o testamento dele afirma que ela deve tomar conta de seu robô. No segundo episódio, Salvadore não vai desistir por nada para conquistar o amor de Leah. Ele até vende sua juventude por dinheiro.