Arquivo diários:agosto 22, 2024

CHRISTIAN-JAQUE

Christian-Jaque (1904-1994) cujo verdadeiro nome era Christian-Albert François Naudet, estudou arquitetura e artes decorativas. Ele se aproximou do cinema desenhando maquetes para os cenários de filmes de Julien Duvivier, André Hugon e Henry Roussell, formando dupla com seu amigo Jaque Chabraison. Dessa associação nasceu o pseudônimo Christian-Jaque, que ele adotaria como diretor.

Christian-Jaque

Depois de se tornar assistente de Duvivier, o jovem cineasta realizou alguns filmes curtos, antes de fazer o seu primeiro longa-metragem, Bidon d‘or. Entre 1934 e 1939, responsabilizou-se por  muitas produções rotineiras, até que uma comédia burlesca onírico-fantástica, Valente a Muque / François Ier / 1937 – com aquela famosa cena de tortura quando Fernandel tem seus pés lambidos por uma cabra – lhe trouxe um estrondoso sucesso comercial e notoriedade, seguindo-se no mesmo ano sua colaboração com Sacha Guitry na deliciosa fantasia histórica, As Pérolas da Coroa / Les Perles de la Couronne / 1937.

Fernandel em François Ier

O Mistério do Colégio / Les Disparus de Saint-Agil / 1938, foi o primeiro filme com sua marca pessoal e a veia poética, que seria reencontrada em L’Enfer des Anges / 1939; Premier Bal / 1941; e, de maneira especial, em O Assassinato do Papai Noel / L’Assassinat du Père Noel / 1945 e Sortilégios / Sortilèges / 1945. Nesses filmes, ele mostrou que tinha perfeito conhecimento de seu ofício (levado muitas vezes ao virtuosismo), também evidente em La Symphonie Fantastique / 1941; Os Amores de Carmen / Carmen / 1942; Viagem sem Esperança / Voyage sans Espoir /1943; Anjo Pecador / Boule de Suif / 1945, Un Revenant / 1946, A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos / La Chartreuse de Parme / 1947, trabalhos – principalmente os dois últimos – com os quais conquistou definitivamente um lugar destacado no cinema francês.

No início dos anos 50 seu nome ficou conhecido internacionalmente por Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe / 1952, que lhe proporcionou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes bem como Essas Mulheres / Adorables Creatures / 1952, Os Amores de Lucrécia Borgia / Lucrèce Borgia / 1953, Madame Du Barry / Madame Du Barry / 1954 e Naná / Nana / 1955, todos estrelados por Martine Carol, com quem foi casado de 1954 a 1959. Seus outros filmes até sua despedida do cinema em 1977, embora contando com a presença de atores ou atrizes famosos, não possuem a mesma estatura artística de suas obras anteriores.

Erich von Stroheim em O Mistério do Colégio

O MISTÉRIO DO COLÉGIO

No colégio de Saint-Agil, três alunos, Beaume (Serge Grave), Sorgue (Jean Claudio) e Macroy (Marcel Mouloudji), constituíram uma sociedade secreta com a finalidade de partir para os Estados Unidos e fazer fortuna. Uma noite, Sorgue vê um homem sair de uma parede e depois sumir precipitadamente. O professor Lemel (Michel Simon) acusa seu colega estrangeiro Walter (Erich von Stroheim) de ser o responsável por esse desaparecimento. Depois, Macroy e Beaume também somem. O mistério tem a ver com uma quadrilha de falsários, chefiada por M. Boisse (Aimé Clarion, o diretor do estabelecimento. Nos corredores sombrio, nas salas de aula noturnas e ameaçadoras, nos dormitórios gelados de Saint-Agil, confrontam-se dois mundos: o mundo da infância, encantador e misterioso, e o mundo dos adultos, habitado por seres lamentáveis e nocivos. São professores que se caluniam entre si, manifestam sua xenofobia, e, enfim, o chefe do bando de malfeitores é o próprio diretor da instituição. Stroheim está magnífico como o professor de inglês que serve de bode expiatório de seus colegas, para os quais representa “o boche”. Michel Simon lhe diz: “Eu não gosto de estrangeiros”, e ouve esta réplica prévertiana (Jacques Prévert foi o autor dos diálogos); “Bons ou maus, é sempre com os estrangeiros que nós teremos a guerra!”.

Harry Baur em O Assassinato de Papai Noel

O ASSASSINATO DE PAPAI NOEL

Em uma aldeia da Savoia, o pai Cornusse (Harry Baur), fabricante de globos terrestres, se fantasia de Papai Noel durante o Natal.  Ele vive em companhia de sua filha Catherine (Rénée Faure). A jovem esconde um segredo: ela ama o barão Roland (Raymond Rouleau), um personagem misterioso que intriga a população. A igreja da aldeia possui uma relíquia preciosa: o anel de São Nicolau. Um desconhecido furta o anel e o Papai Noel é encontrado morto. Villard (Robert Le Vigan), o professor local, que suspira em vão por Catherine, acusa Roland, seu rival. Finalmente os guardas descobrem o verdadeiro criminoso e que Cornusse não morrera, mas sim, outro em seu lugar. Concebido com um espírito semelhante ao de O Mistério do Colégio – o outro filme de Christian -Jaque baseado no universo de Pierre Véry -, o filme casa o gênero fantástico com o policial. Há um crime, porém o essencial está na magia do mundo infantil, na atmosfera do vilarejo da montanha coberta de neve, nos tipos estranhos e familiares, na poesia do Natal. O diretor conseguiu criar um clima envolvente, a meio caminho entre o real e o imaginário. A neve e as superstições locais avivam o mistério das situações e das personagens. Estava aberto o caminho para aquele “maravilhoso poético” que permitiu ao cinema francês evadir-se da realidade no tempo da Ocupação.

Rénée Faure e Fernand Ledoux em Sortilégios

SORTILÉGIOS

Nas montanhas de Auvergne, Le Campanier (Lucien Coëdel), que passa por feiticeiro, faz soar o seu sino para guiar os viajantes perdidos na neve. Uma noite, ele mata um mercador para lhe roubar a bolsa cheia de ouro. A morte teve uma testemunha, Fabret (Fernand Ledoux). Le Campanie lhe dá metade do ouro como um dote para sua filha Catherine (Rénée Faure), que sofre de apatia e está sob seus cuidados. Mas Catherine ama Pierre (Roger Pigaut), o lenhador, noivo de Marthe (Madeleine Robinson), filha de um rico estalajadeiro. O cavalo do morto semeia o pânico na cidade e mostra o lugar onde Le Campanier escondera o cadáver. O ciúme de Marthe vai provocar uma catástrofe. Melodrama campesino com uma história realista, mas banhada por uma atmosfera estranha. Cenas como aquela do inquietante cavalo negro aterrorizando a região com suas aparições fantasmagóricas na paisagem ranca conferem ao filme um clima insólito muito próximo do fantástico, graças aos procedimentos que Christian-Jaque pediu emprestado ao gênero e que uma admirável fotografia em preto e branco sublinhou corretamente. Percebem-se ainda rastros de poesia, como naquele momento em que Catherine, encolhida nos braços de seu amado Pierre, canta “Aux marches du palais” com uma voz muito pura durante um passeio na neve.

Louis Jouvet e Gaby Morlay em Un Revenant

UN REVENANT

Jean-Jacques (Louis Jouvet), de volta à sua cidade natal como diretor de uma companhia de balé, pretende se vingar dos Nisard e dos Gonin que, vinte anos antes, tentaram suprimí-lo, para evitar seu casamento com Geneviève NIsard (Gaby Morlay) agora casada com Edmond Gonin (Louis Seigner). No teatro, se presenta um jovem cenógrafo, François (François Périer), filho de Jerome (Jean Brochard), irmão de Geneviève, que havia atirado em Jean-Jacques para matá-lo. Ao mesmo temo em que empurra François para os braços de sua dançarina-estrela Karina (Ludmilla Tchérina), Jean-Jacques finge um amor eterno por Geneviève e depois a abandona.  François, desiludido com Karina, tenta se suicidar. Após ter contemplado a cidade coberta de bruma (“Ah, meu horizonte! Bela natureza morta. As lembranças e as nuvens. Tudo isto passa, tudo isto passa, eu debaixo deste céu, fico bem na paisagem”), Jean-Jacques vai saborear friamente sua vingança.  Primeiro, procurar Geneviève, acusá-la aos poucos sadicamente e depois deixá-la perdida, humilhada, no pátio da estação ferroviária. Ao partir, Jean-Jacques leva consigo o filho de seu agressor, depois de lhe ensinar, por uma encenação cínica, que toda relação com uma mulher é um logro. Sempre cáustico e amargo, com uma máscara impenetrável, Louis Jouvet tem um de seus melhores desempenhos, no qual se expande a sua extrema sensibilidade.

Gérard Philipe e Maria Casarès em A Sombra do Patíbulo

A SOMBRA DO PATÍBULO ou AMANTES ETERNOS

Em Parma, Fabrice del Dongo (Gérard Philipe), conquistador impenitente, apaixona-se por Clélia Conti (Renée Faure), enquanto sua bela tia, La Sanseverina (Maria Casarès) arde de um amor secreto pelo sobrinho. Ocorrem muitas peripécias, envolvendo ainda: o primeiro-ministro, Conde Mosca (Tullio Carminati), amante de La Sanseverina; o sinistro chefe de polícia Rassi (Lucien Coëdel, que quer ocupar o lugar de Mosca; o monarca Ernest VI (Louis Salou), interessado em La Sanseverina; e o anarquista Ferrante Palla (Attilio Dottesio, que durante uma revolução assassina Ernest. Finalmente, Fabrice se interna para o resto de sua existência em um convento. Christian-Jaque adaptou com muita liberdade a obra de Stendhal, transformando um grande romance em um mero filme de aventuras. Concentrado no simples jogo das intrigas, o espetáculo é muito bom, graças aos acontecimentos rocambolescos – aos quais o diretor deu bastante vivacidade -, aos magníficos cenários, ao cuidado com que foram compostas as imagens e aos serviços prestados por intérpretes experientes. Entre eles, destaca-se a presença de Gérard Philipe, um Fabrice ardente e romântico, à altura do herói stendhaliano.

Gérard Philipe e Gina Lollobrigida em Fanfan la Tulipe

FANFAN LA TULIPE

A bela cigana Adeline (Gina Lollobrigida) revela a Fanfan (Gérard Philipe) que ele se cobrirá de glória no exército e se casará com a filha do rei. Fanfan consegue salvar de uma emboscada a marquesa de Pompadour (Geneviève Page) e a própria Henriette de France (Sylvie Pelayo). Desejoso de rever Henriette, Fanfan penetra clandestinamente no castelo, mas é preso e condenado à forca. Adeline, que o ama, obtém a graça do rei. Mas como ela se recusa a “agradecer” o gesto do monarca, este encarrega seu homem de confiança, Fier-a-bras (Nöel Roquevert), de raptá-la. Mas Fanfan vai salvá-la. Seguindo a fórmula de Alexandre Dumas, Christian-Jaque entrecruza personagens da história da França, em particular Luís XV (Marcel Herrand) e madame de Pompadour, com criaturas de ficção, em um redemoinho de peripécias cheias de charme, fantasia e humor. Fanfan torna-se, graças ao talento de Gérard Philipe, uma espécie de herói saltitante à maneira de Douglas Fairbanks, pronto para enfrentar o irascível ferrabrás (magnificamente composto por Nöel Roquevert). com uma agilidade e um entusiasmo que eletrizam o público. É preciso render homenagem ao diretor, que impôs ao espetáculo uma animação que não se enfraquece em nenhum momento, seja nas cenas de ação ou nas passagenes mais intimistas.