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REAVALIANDO HENRI DECOIN

Ele desenvolveu uma carreira cinematográfica desigual, marcada por erros e alguns grandes acertos, mas demonstrando sempre um talento sólido e algumas vezes até. originalidade. Por ter realizado obras de mérito artístico variado entre uma cinquentena de filmes que fêz, permaneceu um cineasta esquecido, mas honrou sua profissão com três espetáculos de peso, Trágica Inocência / Non Coupable / 1947; Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952 e Antro do Vício / Razzia sur la chnouf / 1955 e, alternando os mais variados gêneros,  realizou vez por outra algum trabalho de maior espessura artística como aqueles estrelados por sua então esposa, Danielle Darrieux: Abuso de Confiança / Abus de Confiance / 1937, Senhorita minha Mãe / Mademoiselle ma Mère / 1937, De Volta à casa / Retour à la Vie / 1938, Battement de Coeur / 1940 (inesquecível neste a atuação deliciosa de Saturnin Fabre como professor de batedores de carteiras), Premier Rendez-vous / 1941. Foi  responsável  também por um  drama de espionagem de grande sucesso com Françoise Arnoul, A Gata / La Chatte / 1958;  uma eficiente adaptação de um romance de Georges Simenon, Les Inconnus dans la Maison / 1941 com o grande intérprete Raimu; a farsa provincial pitoresca e poética Les Amants du pont Saint-Jean / 1947 com Michel Simon e Gaby Morlay; o drama policial  enigmático Entre Onze Horas e Meia-Noite / Entre Onzes Heures et Minuit / 1948 com Louis Jouvet; o drama romântico com belos diálogos Les Amoureux Sont Seuls au Monde / 1948 , também com Jouvet; o drama histórico bem elaborado As Pecadoras de Paris / L´Affaire des Poisons / 1955 com Danielle Darrieux e Viviane Romance.

Henri Decoin

Danielle Darrieux e Saturnin Fabre em Battement de Coeur

Françoise Arnoul em A Gata

Raimu em Les Inconnus dans la Maison

Henri Decoin (1890-1969) nasceu em Paris. Apaixonado pelo esporte desde a infância, foi campeão de natação e de polo aquático. Durante a Primeira Guerra Mundial serviu na Aviação e deu baixa com a Légion d´Honneur e a Croix de Guerre. Poderia ter seguido a carreira militar, mas sonhava em ser escritor. Seu primeiro romance, publicado em 1930, ganhou o Grande Prêmio de Literatura Esportiva.  Na mesma época, ofereceu para uma produtora o argumento intitulado Caçada Noturna / Um soir de raffle, que acabou sendo filmado com Annabella e Albert Préjean. Convocado pela Ufa, dirigiu algumas versões francesas de filmes alemães (como, por exemplo, Le Domino Vert / 1935, versão de Der Grüne Domino de Herbert Selpin com Danielle Darrieux no papel vivido por Brigittte Horney na versão alemã) e, finalmente, seu primeiro filme, Toboggan / 1935, estrelado pelo pugilista Georges Carpentier. Nesta ocasião casou-se com Danielle e fez os cinco filmes com ela, criando um gênero de comédia sentimental cheia de charme e sensibilidade, inspirado no estilo americano. Vejamos a seguir suas três obras-primas.

Michel Simon em Trágica Inocência

Em Trágica Inocência, o dr. Ancelin (Michel Simon), médico de província considerado medíocre, atropela, bêbado, um motociclista, e consegue disfarçar o seu homicídio involuntário. Assim, ele se reabilita a seus próprios olhos e segue seu caminho no crime, assassinando o amante de sua companheira Madeleine (Jany Holt) e depois o colega que mais o desprezava; finalmente empurra a própria Madeleine para a morte. Angustiado, Ancelin se denuncia à polícia, mas o inspetor Chambon (Jean Debucourt) não acredita nele. Por despeito, Ancelin se suicida, deixando uma carta de confissão. Porém um gato empurra a carta para a lareira e ela não será lida por ninguém.Dessa história astuciosa, Henri Decoin soube tirar um excelente partido e criar um suspense psicológico – a lenta alteração da razão de Ancelin -, para o qual contribuiu poderosamente a fotografia noturna, obtida com o auxílio da perícia técnica do cinegrafista. O papel do assassino que se angustia por não ser levado a sério e reconhecido como um gênio do mal caiu como uma luva para Michel Simon. Ele usou todos os seus recursos de grande ator para dar originalidade e intensidade dramática a esse curioso policial à francesa.

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

Em Amor Traído no leito de uma clínica, durante uma longa agonia, François Donge (Jean Gabin) recorda o passado. Rico industrial da província e colecionador de amantes, ele casou-se com Elizabeth d’Onneville, chamada de Bébé, mais por cansaço do que por amor. Bébé, jovem idealista e apaixonada, não encontrou nele o que esperava. Dez anos mais tarde, sentimentalmente decepcionada, ela envenenou o marido. Compreendendo tarde demais os seus erros, François morre. Elisabeth, como um autômato, acompanha o juiz de instrução que veio para prendê-la. Filme sombrio e desesperado, com uma construção dramática rigorosa e fiel ao universo dos romances de Simenon. O mistério concebido pelo romancista não é policial, mas psicológico: por que Bébé, jovem pura e sincera, envenenou o marido após dez anos de matrimô nio?  No decorrer dos sete dias nos quais fica entre a vida e a morte, François Donge procura a resposta, faz um exame de consciência e descobre a verdade. A culpa foi dele, que não soube amá-la. Ele espera viver como não vivera até então. Porém é tarde demais. Este drama da incompreensão foi magnificamente interpretado pela dupla Gabin-Darrieux, talvez o melhor papel de Darrieux e a composição mais trabalhada de Gabin.

 

Jean Gabin, Lino Ventura e Albert Rémy em Antro do Vício

Em Antro do Vício Henri Le Nantais (Jean Gabin) chega dos Estados Unidos para reestruturar a rede do tráfico de drogas em Paris. O chefão Paul Liski (Marcel Dalio) põe à sua disposição o cabaré Le Troquet, que lhe servirá de cobertura. Enquanto Lisette (Magali Noël), a caixa do estabelecimento, se apaixona por ele, Henri, por intermédio de dois assassinos, Le Catalan (Lino Ventura) e Bibi (Albert Rémy), identifica todos os responsáveis pela organização – desde o químico que prepara a chnouf (a heróina) até os proprietários chineses das casas de ópio clandestinas. Na realidade, Henri é um policial infiltrado no bando para desmantelá-lo. Reportagem dramática sobre o mundo das drogas, retratando sucessivamente os fornecedores e usuários envolvidos nessa atividade criminosa. Decoin arma sequências impressionantes, como o corretivo recebido pelo químico da quadrilha e o estupro de sua mulher, ou a dança erótica em uma boate onde se reúnem negros intoxicados pela marijuana.  Ninguém melhor do que Jean Gabin para ser o policial cheio de autoridade e sem grandes ilusões. Lino Ventura e Albert Rémy estão chocantes como assassinos frios e sádicos. Mas quem chama mais atenção é Lila Kedrova, que expressa maravilhosamente o aviltamento completo de uma mulher inteiramente submetida ao vício.

AC

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