JOHN FARROW
julho 12, 2024JOHN FARROW
O australiano John Villiers Farrow (1904-1963) chegou em Hollywood no final dos anos vinte e lá ficou, iniciando carreira como roteirista, primeiramente escrevendo os subtítulos de A Tragédia da Alcova / White Gold / 1927 e A Noiva do Mar / The Wreck of the Hesperus / 1927. Depois escreveu outro subtítulo e roteiros, adaptações ou diálogos até 1935, quando atuou como assistente de direção da versão em língua inglesa de Don Quichotte de G. W. Pabst. Em seguida co-dirigiu, sem ser creditado, A Fuga de Tarzan / Tarzan Escapes / 1936, casando-se com Maureen O’Sullivan, a atriz que fazia o papel de Jane., com quem teve sete filhos, entre eles, Mia Farrow. Seu único filme com algum interesse na década de trinta, entre os quinze que fez neste período, foi Cinco Devem Voltar / Five Came Back / 1939, produzido pela RKO, contando a história de um grupo de pessoas preso num ambiente isolado, no caso as selvas da América do Sul habitadas por canibais, e como eles lidam com esta situação.
Nos anos quarenta, entre filmes insignificantes, destacaram-se os filmes de guerra Nossos Mortos Serão Vingados / Wake Island / 1942 (indicado ao Oscar … provavelmente por motivo patriótico e única indicação de Farrow como Melhor Diretor), Os Comandos Atacam de Madrugada / Commandos Strike at Dawn / 1942 e A Quadrilha de Hitler / Hitler’s Gang / 1944; dois filmes noirs, O Relógio Verde / The Big Clock / 1948 e A Noite Tem Mil Olhos / Night Has a Thousand Eyes / 1948; e uma mistura de fantasia com drama político, O Enviado de Satanás / Alias Nick Beal / 1949.
Nos anos cinquenta, sobressaíram entre outras realizações de pouca envergadura artística, o filme noir Trágico Destino / Where Danger Lives / 1950; Seu Tipo de Mulher / His Kind of Woman / 1951, drama criminal que, a certa altura, torna-se uma aventura farsesca deleitosa animada pela interpretação exuberante de Vincent Price como o ator shakespeareano canastrão e fanfarrão; e o western Caminhos Ásperos / Hondo / 1953, entremeando boas cenas de ação, como a perseguição e o aprisionamento de Hondo (John Wayne), a luta de faca entre Hondo e o apache Silva (Rodolfo Acosta), e o ataque ao comboio, instalando-se momentos de relacionamento, marcados por um percuciente estudo psicológico do personagem central. A meu ver, os melhores filmes de John Farrow foram os três filmes noirs.
O RELÓGIO VERDE
George Stroud (Ray Milland) é o editor da revista Crimeways, uma das várias publicações de Earl Janoth (Charles Laughton). Stroud é abordado por Pauline Delos (Rita Johson), sem saber que ela é a amante de Janoth. Janoth chega no prédio de Pauline justamente no momento em que Stroud está saído, mas não reconhece seu empregado. Enciumado, interroga Pauline e esta admite que recebeu a visita de um amigo imaginário “Jefferson Randolph”. Em um acesso de raiva, Janoth mata Pauline. Tomado de pânico, relata o ocorrido a seu assistente, Steve Hagen (George Macready). Os dois planejam incriminar o homem que esteve no apartamento de de Pauline. Necessitando da experiência de Stroud, com quem se desentendera, Janoth pede-lhe desculpas e o convoca para ajudá-lo a encontrar “Randolph”.
O filme se abre com um elemento noir clássico: a câmera faz uma panorâmica sobre a cidade noturna, chega em um edifício passando pelo letreiro que identifica as “Publicações Janoth” e entra em um corredor escuro, onde uma figura misteriosa, ocultando-se nas sombras, começa a contar em voz over como acabou naquela situação, caçado pela polícia e pelos seus próprios companheiros de trabalho. A maior parte da história é narrada em retrospecto, composições assimétricas, iluminação contrastada e angulações dramáticas, outros itens do estilo noir. O tom é sombrio e melancólico, porém há alguns momentos de humor (a cargo da artista plástica excêntrica interpretada por Elsa Lanchester), que servem de contraste para o magnata de comportamento mecânico, uma versão decidamente mais dark de loucura. O magnata é um pomposo psicótico que cultua a si mesmo (“Todos me conhecem”), controla obsessivamente o seu tempo e trata os empregados como se fossem escravos. O relógio gigantesco é o símbolo de sua egolatria e do seu poder corporativo. A história se desenrola em um clima de crescente expectativa e o cinegrafista John Alton faz uma série de planos sequência com complicados movimentos de câmera.
A NOITE TEM MIL OLHOS
Em uma noite estrelada, Elliott Carson (John Lund) impede que sua namorada, Jean Courtland (Gail Russell) cometa suicídio, atirando-se de uma passarela sobre a linha ferroviária. Eles entram em um bar e se encontram com John Triton (Edward G Robinson), que lhe conta a sua história. Triton fazia um espetáculo de clarividência, assistido por sua noiva Jenny (Virginia Bruce) e seu melhor amigo Whitney Courtland (Jerome Cowan), que viriam a ser os pais de Jean. Triton passou a ter premonições, inclusive a da morte de Jenny e, angustiado, passou vinte anos sem se comunicar com ninguém. Jean tentou o suicídio porque Triton reapareceu e, depois de prever a morte de seu pai, teve uma visão de que ela iria morrer de noite sob aluz das estrelas.
Este thriller que poderíamos classificar de parapsicológico, conta a tragédia de um homem, amaldiçoado pelo seu dom de prever acontecimentos fatídicos (“Comecei a ter a sensação maluca de que estava fazendo as coisas acontecer como um feiticeiro de vodu que mata as pessoas espetando bonecas com um alfinete”), sem ter poderes para impedi-los. Os temas da fatalidade implacável e do sentimento de culpa que atormenta o protagonista, o uso de retrospectos e da voz over, o score lúgubre e a fotografia contrastada “enegrecem” o filme. Particularmente notável é toda a sequência inicial, quando Elliott surge no meio da fumaça de um trem. Ele acha uma luva de Jeane depois sua bolsa aberta com os objetos caídos no chão. Avista Jean no alto de uma passarela e outro trem que se aproxima. Sobe correndo uma escada em espiral e chega a tempo de agarrá-la, no momento em que ia se atirar sobre a linha férrea.
TRÁGICO DESTINO
Após tentar o suicídio, Margo Lannington (Faith Domergue) é atendida pelo médico Jeff Cameron (Robert Mitchum). Embora comprometido com Julie (Maureen O´Sullivan), Jeff sai com sua paciente. Ela diz que seu pai, o milionário Frederick Lannington (Claude Rains), pretende levá-la para Nassau. Apaixonado, Jeff decide ir à sua casa para dizer ao pai da moça que a ama e fica sabendo da verdade. Frederick não é pai, mas sim marido da Margo. Jeff sai furioso e Frederick bate em Margo. Ao ouvir os gritos de Margo, Jeff volta correndo. Frederick golpeia-o na cabeça com um atiçador, porém Jeff ainda consegue atingi-lo com um soco, deixando-o desfalecido. Enquanto Jeff vai ao banheiro molhar um pouco a testa, a jovem mata Frederick, sufocando-o com um travesseiro. Jeff desmaia de dor. Quando volta a si, pensa que foi ele quem matou Frederick. Margo é uma mulher fatal esquizofrênica. O médico fica atraído por ela instantaneamente quando a vê, com seus lindos cabelos negros, deitada na cama do hospital. “Você me salvou”, diz Margo. E ele responde: “Você me agradece amanhã de manhã!”. “Eu o agradeço agora”, e a câmera corta para o rosto de Julie, que já percebe o que está acontecendo. Jeff é um dos protagonistas mais masoquistas do filme noir. Ao confrontar-se com ele, Frederick explica as bases de seu casamento: “Margo casou-se comigo por dinheiro. Eu me casei com ela por sua juventude. Ambos obtivemos o que desejávamos”. Esta revelação dá a Jeff a chance de recuperar o seu bom senso e voltar para Julie. Mas ele fica, e é arrastado para a degradação. No auge de sua forma, Farrow cria (com o grande fotógrafo Nicholas Musuraca) um estilo visual dark apropriado para o clima de sofrimento, neurose e corrupção que predomina durante toda a narrativa.
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