O FILME DE GÂNGSTER NA SUA ÉPOCA ÁUREA

junho 28, 2024

O filme de gângster é, tal como o filme de prisão e o filme noir, um subgênero do drama criminal, ambientado no meio das gangues e do crime organizado.  Existem muitos antecedentes do filme de gângster nos primeiros dramas criminais do cinema tais como A Daring Daylight Burglary / 1903, filme de Frank Mottershaw, produzido pela Sheffield Photo Company, do Reino Unido); The Moonshiners / 1904, filme de Wallace McCucheon, produzido pela American Mutoscope & Biograph, EUA; e Desperate Encounter Between Burglars And Police / 1905, filme de Edwin S. Porter produzido pela Edison Manufacturing Company, EUA).

The Musketeers of Pig Alley / 1912 de David Wark Griffit e Regeneração / The Regeneration / 1915 de Raoul Walsh, estão entre os filmes de gângster primitivos mais conhecidos da década de dez. Nos anos vinte, houve um ciclo de filmes de gângster que incluiu Paixão e Sangue / Underworld / 1927 de Josef von Sternberg; A Lei dos Fortes / The Racket / 1928 de Lewis Milestone ; Os Predestinados / The Way of the Strong / 1928 de Frank Capra;  Amar para Morrer / Dressed to Kill / 1928 de Irving Cummings;  O Peso da Lei / Alibi / 1929 de Roland West; Regeneração / Weary River / 1929 de Frank Lloyd; O Gângster / The Racketeeer / 1929 de Howard Higgin.

George Bancroft em Paixão e Sangue

Thomas Meighan  em A Lei dos Fortes

Paixão e Sangue  proporcionou ao ex-reporter Ben Hetch o Oscar de melhor História Original e anunciou a chegada de um ciclo de filmes de gângster produzidos por Hollywood entre1930 e 1932, do qual fizeram parte Alma no Lodo / Little Caesar / 1930 de Mervyn LeRoy, Inimigo Público / The Public Enemy / 1931 de William Welman e Scarface, A Vergonha de uma Nação / Scarface / 1932 de Howard Hawks, Estes filmes eram populares entre o público e rapidamente estabeleceram uma iconografia distintiva da paisagem urbana (Chicago, Nova York), ruas escuras, pensões sombrias, apartamentos de cobertura, mansões, bares, clubes, delegacias, automóveis rápidos, a garota glamorosa (namorada do gângster), e metralhadoras. Nos anos 30, a Depressão e a contínua expansão do gangsterismo, aliados ao advento do som, deram um novo impulso ao subgênero. A introdução do som sincronizado garantiu que a violência explosiva, simbolizada pelo ritmo staccato das metralhadoras ou o estrondo das bombas espatifando as vitrines das lojas se tornassem suas características centrais.

Alma no Lodo com Edward G. Robinson

Inimigo Público com James Cagney

Scarface com Paul Muni

O comportamento físico, robusto, masculinizado do gângster foi marcado pelos estilos de interpretação de astros como Edward G. Robinson, James Cagney e Paul Muni. Os protagonistas dos filmes do ciclo clássico como Alma no Lodo, Inimigo Público e Scarface – Cesare “Rico” Bandello (Edward G. Robinson em Alma no Lodo), Tom Powers (James Cagney em Inimigo Público) e Tony Camonte (Paul Muni em Scarface) – foram inspirados em homens notórios da época, Rico e Tony por Al Capone e Tom Powers por Earl “Hymie” Weiss, rival de Capone.

James Cagney em Contra o Império do Crime

James Cagney e Pat O´Brien em Anjos de Cara Suja

O ciclo clássico de gângster floresceu por pouco tempo. Com a implementação do Código de Produção (conjunto de diretrizes estipulando o que era permissível no campo da representação da Hollywood clássica, particularmente no que se referia a assuntos sexuais e criminais), a violência dos filmes de gângster foi substancialmente reduzida após1934, v.g.  a transformação do herói gângster no G-Man ou promotor público, pondo toda a energia e dinamismo dos gângsteres do lado da lei. Os estúdios transformaram o gângster em um agente federal, por exemplo colocando James Cagney do lado da lei em Contra o Império do Crime / G-Men / 1935 (Dir: William Keighley) e Edward G. Robinson como um detetive da polícia infiltrado num bando em Balas e Votos / Bullets or Ballots / 1936. A Warner Bros. continuou com o ciclo até o final da década, mas outras majors diminuíram a produção de filmes criminais para um ou dois no máximo por ano. Surgiram assim, até o final do decênio, Beco Sem Saída / Dead End / 1937 (Dir: William Wyler); Anjos de Suja / Angels with Dirty Faces / 1938 (Dir: Michael Curtiz); Heróis Esquecidos / Roaring Twenties / 1939 (Dir: Raoul Walsh); Homens Marcados / Invisible Stripes / 1939 (Dir: Lloyd Bacon); Contra A Lei / King of the Underworld / 1939 (Dir: Lewis Seiler) / 1939, nos quais estava – em papéis secundários – um outro ator relacionado com o filme de gangster: Humphrey Bogart.

 

O ataque de loucura no refeitório da prisão

O final apocalíptico de Fúria Sanguinária

Nos anos quarenta surgiram alguns filmes de gângster produzidos por companhias menores (v. g. Dillinger / Dillinger / 1945 ((Dir: Max Nossek) / King Brothers Production; Bandidos do Cais / Gangs of the Waterfront / 1945 (Dir: George Blair) / Republic; Crime S/A / Crime Inc. / 1945 (Dir: Lew Landers) / PRC ou pela unidade B de uma grande companhia (v. g. O Último Gangster / Roger Touhy, Gangster / 1944 (dir: Robert Florey) / Twentieth Century Fox e uma obra-prima produzida pela Warner Bros. e dirigida por Raoul Walsh: Fúria Sanguinária / White Heat / 1949, no qual James Cagney voltou a ser gângster, enérgico como sempre, mas desta vez como um psicopata perverso com uma adoração patológica pela mãe. Sua atuação como Cody Jarret é eletrizante, principalmente na cena do ataque de loucura de Jarret quando fica sabendo no refeitório da prisão que sua mãe foi morta e o final apocalíptico, quando ele atira num tanque cheio de gás explosivo e, enquanto ele explode em chamas, grita para sua mãe morta: “Look Ma, top of the world!”. São momentos cinematográficos inesquecíveis.

A partir dos anos quarenta, ocorreu uma intromissão noir no filme de gangster como, por exemplo, em Último Refúgio / High Sierra / 1941, também dirigido por Raoul Walsh, que proporcionou a Humphrey Bogart um papel de primeiro plano. Seu personagem, Roy Earle, não é um criminoso autoconfiante e impetuoso como aqueles gângsteres dos anos 30. Parece mais um herói noir, alienado e solitário, consumido pelo seu drama emocional. Em vez de um assassino frio, temos um homem de bons sentimentos, cuja esperança de felicidade foi cortada pelo destino. Walsh cria um clima quase insuportável de desilusão e inevitabilidade e Bogart transmite toda a amargura do seu personagem. Nos anos cinquenta, temos os exemplos desta intromissão, por exemplo, em O Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1950 (Dir: John Huston); Sindicato do Crime / 711 / Ocean Drive / 1950 (Dir: Joseph N. Newman); O Amanhã Que Não Virá / Kiss Tomorrow Goodbye / 1950 (Dir: Gordon Douglas); O Império do Crime / The Big Combo / 1955 (Dir: Joseph H. Lewis).

 

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