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AS VERSÕES DE O GUARANI NO CINEMA BRASILEIRO

José Martiniano de Alencar (1829-1877), figura maior da prosa brasileira de ficção, é até hoje o romancista mais lido do país, sendo O Guarani um dos seus maiores sucessos. Inspirado principalmente no indianismo do Visconde François René de Chateaubriand (exposto na trilogia Atala, René e Les Natchez), a história de O Guarani era empolgante. Magalhães Junior no seu livro inestimável José de Alencar e sua Época (ed. Civilização Brasileira, 1977) nos oferece um resumo primoroso da trama.

José de Alencar

O fidalgo português Dom Antônio de Mariz com a esposa, o filho Diogo, a filha Cecília, ou Ceci, e ainda uma filha natural, Isabel, mestiça de índia, vivia no início do século XVII numa imensa casa de fazenda quase um castelo fortificado, às margens do Paquequer, zona perigosa, onde os índios aimorés frequentemente apareciam. Além da família, aí estavam também, para garantí-la e exercer tarefas diversa, inclusive a da caça, um grupo de quarenta homens, que o autor identifica como aventureiros. Apenas oito destes eram nomeados:- Aires Gomes, Bento Simões, Martim Vaz, Rui Soeiro, Vasco Afonso, Mestre Nunes, João Feio – todos de nomes muito portugueses, salvo um único, Loredano, que era italiano. Além deles havia também Álvaro de Sá, um cavaleiro lusitano de nobres sentimentos, a quem Dom Antônio de Mariz, destinaria mão de Cecília, se esta decidisse a mudar de estado, e o índio Peri, filho de Ararê, que se proclamava “primeiro de sua tribo, forte entre os fortes, guerreiro goitacá, nunca vencido”.

O romancista não explica como Perí se ligou à família Mariz e foi por ela, não apenas aceito, mas verdadeiramente absorvido. Tudo quanto se sabe sobre seus antecedentes é dito por Dom Antônio de Mariz, numa conversa com Alvaro de Sá: que Peri tem uma cega dedicação por Cecília e um caráter admirável. Mais, ainda: “Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e de heroismo”. Não se sabe como Peri a salvara, nem de que, nem como se civilizara ao ponto de conviver em tão boa harmonia com os Marizes e sua gente.

O italiano Loredano, é a alma danada do grupo. E José de Alencar faz dele um personagem padrão de seus romances: o homem de vida dupla e de dois nomes. Singularmente, o lubrico aventureiro Loredano é, na realidade, um religioso, o frade carmelita Frei Angelo di Luca, que se afastara de sua ordem consumido pela cobiça, sonhando em ficar riquíssimo, graças ao roteiro das famosas minas de prata de Robério Dias, que caíra em seu poder quando confessava um moribundo. É numa tentativa para alcançar as minas de prata que ele se incorpora ao grupo de aventureiros às ordens de Dom Antônio de Mariz. Mas, para prosseguir daí em diante, só sublevando uma parte dos homens, que seduz com a promessa de imensas riquezas e com a entrega de Isabel, para que nela satisfaçam a fome de sexo longamente reprimida. Cecília, essa, ele guardaria para si mesmo, pois como Álvaro e como Peri, o grande vilão também gravitava em torno dela.

O romancista, entretanto, distinguia: “Loredano desejava; Álvaro amava; Peri adorava. Loredano queria profanar a virgindade de Ceci. Álvaro aspirava a ser seu marido. E Peri queria ser apenas um escravo submisso. Dos três, o mais humilde seria o premiado, como no versículo bíblico. Abrasado de concupiscência e de ambição, Frei Ângelo di Luca só pensa em apoderar-se de Ceci e das fabulosas minas de prata. As coisas se complicam mais quando, já em plena conspiração, Dom Diogo de Mariz, ao sair para uma caçada, mata uma índia aimoré. O revide de sua tribo seria inevitável. E tão numerosos eram os guerreiros aimorés que Dom Antonio de Mariz logo o despacha, com uma pequena escolta, rumo ao Rio de janeiro, a fim de obter socorros.

Na casa dividida, a facção fiel ao velho fidalgo português enfrenta a ínsidia dos conspiradores. E é então que Loredano, confiante na sua impunidade, entra na alcova de Cecília. Mas quando o frade carmelita lhe vai tocar no corpo adormecido, tem a mão pregada à parede por uma seta de Peri. O índio é como a própria sombra de Cecília. Está sempre velando por ela. E é ele quem dá cabo de dois dos mais perigosos conspiradores, Bento Simões, que é estrangulado, e Rui Soeiro, que é degolado. Com o ataque dos índios, todos os homens se unem, para enfrentar o perigo comum. Peri deixa deliberadamente o reduto fortificado, indo atacar os aimorés e matando muitos deles. Não tem a intenção de vencê-los. Sabe que isto é impossível. Acaba aprisionado e amarrado, para ser depois sacrificado.

Era esse, precisamente, o seu plano. Oferecia-se, estoicamente, para ser executado. Sabe que os aimorés, sendo canibais, se banqueteavam com os despojos de suas vítimas. E levava uma porção de curare, mais que suficiente para envenenar suas carnes e assim matar os inimigos que o devorassem. Toma o veneno, mas uma índia aimoré, que por ele se apaixona, o liberta e o convida a partir com ela. Peri resolve voltar, porém, para perto de Cecília, que lhe acenara, chamando-o. Para não morrer sob a ação do veneno, ele, já sentindo sintomas de envenenamento corre para a floresta, à procura de um antídoto que o romancista não revela qual seja. Nesse meio tempo, os aventureiros, arrependidos da própria traição, mas considerando que o grande culpado era aquele   que os instigara à rebeldia, condenam Loredano à morte e o devasso frade italiano acaba numa sinistra fogueira, como as da Inquisição.

Redobra o assédio dos aimorés, armados de setas incendiárias. E o socorro não chega. Só restam duas alternativas: ou a capitulação, que os exporia a todos a torturas e atos de canibalismo, ou a morte heróica e voluntária. Dom Antônio de Mariz opta por esta. Fará a casa ir pelos ares, ao ser incendiado o seu paiol de pólvora., quando tiverem sido esgotados todos os recursos de uma resistência desesperada. É então que Peri se apresenta mais uma vez para salvar Cecília, mesmo contra a vontade dela e em condições perigosíssimas. Antes, o fidalgo o batiza com o seu próprio nome. E o novo Antônio parte, com a virgem loura, passando sobre um abismo, num prodígio de habilidade, agarrado às folhas de uma palmeira, de onde alcança a copa de uma árvore no lado oposto, tudo isso sem largar a moça.

 

Em pouco tempo acham-se à distância, numa canoa, enquanto os aimorés avançam, soltando gritos de guerra. Há então uma grande explosão e um mar de chamas envolve a casa. Mas ainda não está conjurado o derradeiro perigo. Sobrevém uma terrível tempestade. E, com o enorme aguaceiro, ameaçadora enchente do rio Paraíba, que sai do seu leito, avassalando tudo. E o romance acaba com Peri e Ceci agarrados ao tronco de uma palmeira, que faz as vezes de jangada providencial. Palmeira que ele mesmo arrancara na hora do perigo, com ingente esforço, na última de suas façanhas de Hércules Caboclo. O final do romance é idílico e o leitor sabe que o amor de Peri e Ceci, antes impossível, é a agora a coisa mais natural do mundo.

Como acentuou José Guilherme Merquior em De Anchieta a Euclides – Breve História da Literatura Brasileira (Ed. É Realizações Editora, 2014) a idealização do herói nativo, liricamente debuxada por Gonçalves Dias, tomava plenamente corpo na prosa.  Segundo R. Magalhães Junior o próprio Alencar reconheceu que Peri é uma simples idealização de natureza poética, não pretendendo, pois, retratar o verdadeiro caráter do índio brasileiro, em geral, ou mesmo um só índio em particular.

A ópera de Carlos Gomes Il Guarany – tendo como tema O Guarani – estreou no Scala de Milão em 19 de março de 1870. A primeira apresentação no Brasil no Rio de Janeiro foi em 2 de dezembro de 1870, no Teatro D. Pedro II. A ópera é lembrada pela sua abertura, conhecida por ser o tema do programa de rádio A Voz do Brasil e também pela marcha de Lamartine Babo, História do Brasil, extraordinário sucesso do Carnaval de 1934 que, em certo trecho nos faz ouvir: “Depois/Ceci amou Peri/ Peri beijou Ceci /Ao som/ Ao Som do Guarani”.

Magalhães Junior nos informa que o espetáculo operístico foi dado em recital de gala pela data aniversária do imperador, que lá estava, no camarote de honra. Alencar e a esposa estavam também presentes num camarote. Triunfo completo. Aclamações a Carlos Gomes. Aclamações a Alencar, acompanhado à casa entre vivas. Mas, no fundo, estava ele um tanto amuado com as deturpações de sua obra, tendo confidenciado a Afonso d’E. Taunay: “O Carlos Gomes fez do meu Guarani uma embrulhada sem nome, cheia de disparates, obrigando a pobrezinha da Ceci a cantar duetos com o cacique dos Aimorés, que lhe oferece o trono de sua tribo, e fazendo Peri jatar-se de ser o leão das nossas matas”

Mas completara, com indulgência: “Desculpo-lhe, porém, tudo, porque daqui há tempos, talvez por causa das suas espontâneas e inspiradas harmonias, não poucos hão de ler este livro, senão relê-lo – o maior favor não pode merecer um autor”. Nisso, enganava-se. A vida do livro suplantaria a da ópera hoje quase esquecida do público.

FILMOGRAFIA ABREVIADA

O Guarani / 1908.

Cia. Prod: William e Cia. (Rio de Janeiro). Produção cantada por Antonio Cataldi e Santiago Pepe, baseada na ária “Canção do Aventureiro” da ópera homônima de Carlos Gomes.

O Guarani / 1911.

Cia. Prod: Empreza Lazzaro e Companhia (Rio de Janeiro). Produção baseada em uma ária da ópera homônima de Carlos Gomes. Dir: Salvatore Lazzaro. El: Griselda Lazzaro, Ângelo Brunetti, Laura Malta, Miguel Russomano, Sante Athos. Primeira versão cinematográfica em longa-metragem da obra de Carlos Gomes.

O Guarani / 1912.

Cia. Produtora: Opera Film (Barbacena-MG). Produção baseada na ópera homônima de Carlos Gomes. Dir: Paulo Benedetti. El: Antonio Russo, Alfredo “Boi d’Água” de Castro, Sebastião.

O Guarani / 1914.

Cia. Prod: Guarany Films (Pelotas, RS). Filme inacabado (que teria sido interrompido em função da falta de fornecimento de película virgem com o início da Primeira Guerra Mundial) baseado no romance homônimo de José de Alencar

O Guarani / 1916.

Cia. Prod: Campos & Capellaro (São Paulo, SP). Dist: Companhia Cinematográfica Brasileira. Dir: Vittorio Capellaro. Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. Foto: Antônio Campos. El: Vittorio Capellaro, Georgina Marchiani, Santino Giannastasio, Eduardo Cassoli, Maria Valentini.

O Guarani 1920

O Guarani / 1920.

Cia. Prod: Carioca Films (Rio de Janeiro-RJ). Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. Dir: João de Deus. Foto: Alberto Botelho. Uma grande orquestra, regida pelo maestro Martinez Grau, executou trechos da ópera O Guarani na estréia. Arranjador Musical: Luiz Moreira. El: Pedro Dias, Abigail Maia, Joselina Barco, João de Deus, Jota Figueiredo. 

 

O Guarani  1926

O Guarani / 1926.

Cia. Prod: Vittorio Capellaro (São Paulo, SP), Paramount Pictures). Prod / Dir / Rot: Vittorio Capellaro. Foto: Vittorio Capellaro, Paulo Benedetti. Produção baseada no romance homônimo de José de Alencar. El: Armanda Mauceri Mazza, Tácito de Souza, Luigi Pianconi.       Gilberto Bianchini, Gastão Menichelli.

O GUARANI, 1950.

Cia. Prod: Universalia Filmes (Roma). Produção baseada na vida de Carlos Gomes. Dir: Ricardo Freda. Foto: Ugo Lombardi. El: Antônio Vilar, Marieta Lotti, Luigi Pavese, Giana Maria Canale, Maria da Glória.

O GUARANI, 1979.

Cia. Prod: Virgínia Filmes – Fauzi A. Mansur Cinematográfica (São Paulo) e Embrafilme. Prod / Dir: Fauzi Mansur. Adaptação: Fauzi Mansur, Marcos Rey baseada no romance homônimo de José de Alenca. Texto: Ody Fraga. Foto: Cláudio Portioli. Mús: Augustinho Zaccaro e excertos de Carlos Gomes. Eastmancolor. El: David Cardoso, Dorothée-Marie Bouvier, Flavio Portho, Tony Correia, Luigi Pichi.

O GUARANI, 1996

Cia. Prod: NB Produções Cinematográficas. Prod Exec. / Norma Benguell, Jaime A. Schwartz. Dir: Norma Benguell. Rot: José Joffily Filho, baseado no romance homônimo de José de Alencar. Foto: Antônio Luiz Mendes Soares. Música: Wagner Tiso a partir do tema e músicas incidentais da ópera O Guarani de Carlos Gomes. Colorido. El: Glória Pires, Tatiana Issa, Márcio Garcia, José de Abreu, Herson Capri.

O Guarani 1996

 

ADENDO

OS GUARANIS, 1908

Cia. Prod: Photo-Cinematographa Brasileira (Rio de Janeiro). Produção baseada no romance de José de Alencar. Prod. Alberto Botelho. Dir: Benjamin de Oliveira.  Além do trecho cantado, havia ainda momentos de pantomima circense tal qual era representada no picadeiro, com a participação dos artistas do Circo Spinelli. El: Benjamin de Oliveira, Inez Grizeta.

ALFRED JUNGE

Nascido em 1886 em Gorlitz, Alemanha e falecido em 1964 em Londres, ele começou sua carreira de cenógrafo no teatro, trabalhou nos principais filmes do cinema de Weimar (1919-1933), e depois se tornou o diretor de arte mais importante do Cinema Britânico, prestando serviço para a Gaumont-British, The Archers e o estúdio britânico da MGM.

Alfred Junge

Após a morte prematura de seu pai Junge começou seu aprendizado como pintor de casas e frequentou cursos de arte paralelamente. Fascinado pelo teatro desde os dezoito anos de idade, trabalhou no Stadtteather Görlitz atuando como ator, pintor e criador de efeitos especiais. Depois de funcionar como artista cênico e designer em teatros provinciais, mudou-se para Berlim a fim assumir funções no Staatsoper e no Staatstheater. Sua carreira teatral foi interrompida pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Em 1920, começou a trabalhar como cenógrafo nos estúdios da Ufa e ganhou seu primeiro crédito colaborando com Walter Reimann no filme ambicioso da Gloria-Film, Die Grune Manuela / 1922/23, dirigido por E. A. Dupont, com o qual trabalharia constantemente nos próximos anos (começando com Das Alte Gezets / 1923) e que exerceria uma influência importante na sua carreira. Para o filme estilizado Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, Alfred Junge e Fritz Maurischat tiveram que transformar os esboços imaginativos do diretor-designer Paul Leni em realidade tridimensional. Outro diretor com o qual A. Junge trabalhou repetidamente no início dos anos vinte no Gloria-Film foi Hans Steinhoff, por exemplo, em Mensch Gegen Mensch / 1924, colaborando com O. F. Werndorff, com o qual também formou dupla no sucesso internacional de E.A. Dupont, Varieté / Varieté / 1925.

Figuras de Cera

Varieté

A partir de meados de 1920, A. Junge trabalhou em produções padrão para a Ufa, e também para firmas menores como Phoebus, Greenbaum ou National-Film, e para diretores como Holger-Madsen (Spitzen / 1926), Erich Washneck (O Bairro da Perdição / Die Carmen Von St. Pauli / 1928; Die Drei um Edith / 1929), e William Dieterle (Ich Liebe Für Dich / 1929).

Quando E. A. Dupont voltou de Hollywood em 1927 para assumir o posto de gerente de produção e diretor nos estúdios da British International Picture (B.I.P.) em Elstree, ele chamou Junge – juntamente com o cinegrafista alemão Werner Brandes – para trabalhar com ele em Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1928 e Picadilly / Picadilly / 1929, ambos os filmes passados no ambiente do teatro de variedades.

Moulin Rouge

Picadilly

Após realizar vários filmes mudos na Alemanha, A. Junge retornou a Elstree em 1930, para colaborar com Dupont nas suas produções multilíngues: Two Worlds / 1930 e Cape Forlorn / 1931. Atravessando o Canal, desenhou cenários para outras produções em versões múltiplas como Salto Mortale / 1931 (Dir: E. A. Dupont) em Babelsberg e Marius / 1931 (Dir: Alexander Korda) em Joinville, assim como para outras produções germânicas.

Em 1932, A. Junge se transferiu definitivamente para Londres, onde Michael Balcon nomeou-o chefe do departamento de arte no Gaumont British Studios em Shepherd´s Bush. Um dos primeiros compromissos lá foi Waltz Time / 1933, versão inglesa de Die Fledermaus, dirigido por Wilhelm Thiele, o especialista em operetas da Ufa.

O Homem Que Sabia Demais

Até 1938 ele desenhou cenários para todos os gêneros, colaborando com uma série de diretores britânicos, inclusive Alfred Hitchcock (O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew too Much / 1934, Jovem e Inocente / Young and Innocent / 1937) e Victor Saville (Eu Fui uma espiã / I Was a Spy / 1933, Sempre Viva / Evergreen / 1934, Ainda   O Amor / It´s Love Again / 1936). Outros filmes foram feitos com diretores emigrados como Anatole Litvak (O Galã do Expresso / Sleeping Car / 1933) e Lothar Mendes (O Judeu Suss / Jew Suss /1934. Seu último filme para a Gaumont-British foi Climbing High (Dir: Carol Reed) em 1938. No ano seguinte, A. Junge exerceu seu ofício no novo estúdio britânico da MGM em Denham, criando os cenários de uma Escola Pública para Adeus, Mr. Chips / Goodbye, Mr. Chips / 1939 de Sam Wood.

Neste Mundo e no Outro

Narciso Negro

No filme The Fire Raisers / 1934 da Gaumont British A. Junge trabalhou pela primeira vez com Michael Powell. Em 1939, eles renovaram sua colaboração no thriller de guerra interpretado por Conrad Veidt, Nas Sombras da Noite / Contraband, escrito pelo emigrado russo Emeric Pressburger. Quando Powell e Pressburger formaram sua companhia The Archers em janeiro de 1942, A. Junge se uniu a eles como diretor de arte. Nos próximos cinco anos, o time criou uma série de obras-primas do cinema britânico: Coronel BlimpVida e Morte / The Life And Death of Colonel Blimp; Um Conto de Canterbury / A Canterbury Tale; Sei Onde fica o Paraíso / I Know Where I´m Going; Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death; e finalmente Narciso Negro / Black Narcissus, que deu a A. Junge um Ocar pelo seu impressionante design em Technicolor.

Em 1948, A. Junge assumiu o departamento de arte no Metro-Goldwyn-Mayer British Studios em Elstree, que era responsável pelos filmes feitos por diretores americanos em estúdios europeus. Embora alguns destes filmes não fossem tão inventivos e importantes como os de Powell-Pressburger, nota-se algumas produções notáveis como Convite à Dança / Invitation to Dance / 1956 de Gene Kelly.  Outros filmes com seu nome nos créditos nesta época estão, por exemplo: Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952; Mogambo / Mogambo / 1953; Os Cavaleiros da Távola Redonda / Knights of the Round Table / 1953 (que lhe deu nova indicação para o Oscar); O Belo Brummel / Beau Brummel / 1954. Seu último compromisso, como desenhista de produção freelancer, foi na adaptação de Charles Vidor de Adeus às Armas / A Farewell to Arms / 1957, filmado em locação na Itália e nos estúdios de Cinecittà.

JAMES WONG HOWE, LUMINAR DA CÂMERA

Wong Tung Jim (1899-1976) nasceu na China na província de Kwang-tung (Guangdong) e chegou nos EUA em 1904. Passou sua juventude no Estado de Washington em uma pequena cidade chamada Pasco e, aos treze ou quatorze anos de idade, foi para uma cidade agrícola chamada Freewater no Oregon. Quando era criança, lutou boxe um pouco, mas não quis fazer disso uma carreira. Esteve no ringue apenas por um ano ou dois. Em Pasco, a compra de uma câmera Brownie teria despertado seu interesse pela fotografia.

Em 1916, Howe deixou o Oregon e foi para San Francisco, com a intenção de ingressar numa escola de aviação, porém ficou sem dinheiro e rumou para Los Angeles, onde arranjou emprego como moço de entregas para um fotógrafo comercial, Raymond Stagg. Em 1917, aproximou-se de Alvyn Wycoff, chefe do departamento de câmera e também cameraman principal de Cecil B. DeMiIle, e lhe pediu um emprego como assistente de câmera. Wycoff respondeu que acabara de contratar uma pessoa para este cargo, mas precisava de uma pessoa para manter limpas as salas do seu departamento. Disse-lhe que este seria o seu trabalho e, quando chegasse a hora e precisasse de outro assistente, ele teria esta oportunidade.

Após seis ou sete meses, De Mille precisou de um assistente extra para exercer a função de clapperboy (rapaz responsável pela claquete) e foi assim que Howe se tornou um dos três ou quatro assistentes de câmera. Neste encargo esteve em vários filmes de DeMille, inclusive Macho e Fêmea / Male and Female / 1919, porém nunca fotografou um filme do diretor.

Como Howe explicou para Alain Silver, autor de James Wong Howe – The Camera Eye – A Career interview (Ed. Pendragon, 2010), no tempo do cinema mudo usava-se duas câmeras para cada cena que fotografavam. E a razão para isso era que precisavam de dois negativos, um para a exibição doméstica e um para o mercado europeu. Assim, eles usavam uma segunda câmera e a pessoa que a manejava era chamada de segundo cameraman ou operador de câmera. O outro ou o principal era chamado de primeiro cameraman. Naqueles dias eles não eram conhecidos como diretores de fotografia. Este título só foi criado mais tarde, após o advento do som. A pessoa era promovida de assistente a segundo cameraman e de segundo cameraman ela se tornava o primeiro cameraman.

James Wong Howe

Após dois anos como assistente, Howe foi promovido a segundo cameraman e isto aconteceu na filmagem de O Amor Não se Vende / Everything for Sale / 1921, cujo primeiro cameraman era Harold Rosson. Ele tinha adquirido uma câmera que usava para tirar fotos para atores. Naquela época não existiam agentes e cada ator ou atriz tinha que ter fotos suas, que eles deixavam no escritório de elenco do estúdio. Fazendo estes retratos, Howe ganhou um dinheirinho extra e aprendeu a fotografar e iluminar rostos. Um dia perguntou à atriz Mary Miles Minter, uma moça linda com cachos louros e olhos azuis claros, se podia fazer um retrato dela. Mary gostou das fotos que Howe fez para ela e alguns meses depois ele foi chamado pelo estúdio para ser o seu cameraman. Assim, Howe tornou-se primeiro cameraman em O Semi-Bárbaro / Drums of Fate / 1923.

A longa carreira de Howes se estendeu por mais de cinco décadas, participando de 128 filmes de longa-metragem, cujos títulos não vou citar todos para não cansar os leitores. Ele ganhou a reputação de ser um dos diretores de fotografia mais inovadores, sempre ansioso para experimentar. Seu uso da iluminação em low key (chave baixa) com muito contraste entre luz e sombra em Peter Pan / Peter Pan / 1924 estrelado por Betty Bronson melhoraram sua reputação assim como sua iluminação realista em Ridi Pagliacci / Laugh, Clown Laugh / 1928, estrelado por Lon Chaney, ambos os filmes dirigidos por Herbert Brenon.

Quando a chegada do som colocou em turbulência os estúdios de Hollywood, Howe tirou uma folga para visitar sua terra natal. Ao retornar teve dificuldade de encontrar trabalho porque os produtores explicavam que precisavam de fotógrafo que entendessem de som. Howard Hawks quebrou o gelo chamando-o para filmar O Código Penal / The Criminal Code / 1930, que lhe rendeu um contrato de dois anos com a Fox. Seus melhores filmes na Fox foram o inovador Transatlântico / Transatlantic / 1931 e Glória e Poder / Power and the Glory / 1933, ambos sob o comando de William K. Howard.

Filmagem de A Ceia dos Acusados

Howe foi para a MGM em 1933, onde entre seus filmes destacavam-se: Viva Villa / Viva Villa / 1934 (Dir: Jack Conway); Vencido Pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934 (Dir: W.S. Van Dyke), A Ceia dos Acusados / The Thin Man / 1934 (Dir: W.S. Van Dyke) e Ladra Encantadora / Whipsaw / 1935 (Dir: Sam Wood). Ele ficou entediado na MGM e, depois de filmar os testes de cor de Marlene Dietrich para O Jardim de Alá / The Garden of Allah, produção de David O. Selznick, foi para Inglaterra, onde fotografou Fogo sobre a Inglaterra / Fire Over England / 1937 (Dir: William H. Howard). Retornando aos EUA, fez um dos seus melhores trabalhos para Selznick em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937 (Dir: John Cromwell). Neste filme Ronald Colman fazia um papel duplo e Howe mostrou sua inventividade na cena em que Colman aperta a mão e fala com ele mesmo.

Cena de O Prisioneiro de Zenda

Acompanhando este sucesso, Howe fotografou seu primeiro filme em cores, também para Selznick, As Aventuras de Tom Sawyer / The Adventures of Tom Sawyer / 1938 (Dir: Norman Taurog), demostrando novamente  sua criatividade e, em seguida, Argélia / Algiers / 1938 (Dir: John Cromwell) em um preto-e-branco atmosférico, transformando Hedy Lamarr em glamour girl, o que lhe garantiu um contrato com a Warner Bros., onde o estilo realista de Howe foi uma combinação perfeita para o tipo de filme contundente deste estúdio.

Entre os filmes da Warner o perfeccionismo de Howe sobressaiu sobretudo em: A Vida do Dr. Ehrlich / Dr.Ehrlich´s Magic Bullet / 1940 (Dir: William Dieterle), Dois Contra uma Cidade Inteira /  City for Conquest / 1940 (Dir: Anatole Litvak),  Em Cada Coração um Pecado / Kings Row / 1942 (Dir: Sam Wood), A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy (Dir: Michael Curtiz); Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944 (Dir: Michael Curtiz); Águias Americanas / Air Force / 1944 (Dir: Howard Hawks); Um Punhado de Bravos / Objective Burma / 1945 (Dir: Raoul Walsh), este  com uma sequência de batalha noturna notável; A Sentença / Nora Prentiss / 1947 (Dir: Vincent Sherman); Sua Única Saída /  Pursued / 1947 (Dir: Raoul Walsh).

Filmagem de Estrela do Norte

Filmagem de Corpo e Alma

Outros filmes dos anos 40 nos quais o talento de Howe – a serviço de outros estúdios – se manifestou de forma esplêndida foram: O Libertador / Abe Lincoln in Illinois / 1940 (Dir: John Cromwell), Os Carrascos Também Morrem / Hangmen Also Die / 1943 (Dir: Fritz Lang); Estrela do Norte / The North Star / 1943 (Dir: Lewis Milestone) e Corpo e Alma / Body and Soul /1947 (Dir: Robert Rossen), no qual ele colocou um par de patins para acompanhar com a câmera na mão os dois pugilistas em confronto no ringue.

Filmagem de O Segudo Rosto

Durante os anos 50 e 60 Howe tornou-se free lancer, realizando seu trabalho mais  memorável – A Cruz da Minha Vida / Come Back Little Sheba  / 1952 (Dir: Daniel Mann); Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954 (Dir: Elia Kazan), Férias de Amor / Picnic / 1955 (Dir: Joshua Logan), A Rosa Tatuada / The Rose Tattoo / 1955   (Dir: Daniel Mann), pelo qual recebeu seu primeiro Oscar; A Embriaguez do Sucesso / The Sweet Smell of Success / 1957 (Dir: Alexander Mackendrick)  e O Velho e o Mar / The Old Man and the Sea / 1958 (Dir: John Sturges). Seu senso de realismo dramático estava evidente em O Indomado / Hud / 1963 (Dir: Martin Rott), que lhe proporcionou sua segunda estatueta da Academia. Entretanto, na opinião de muitos, seu melhor trabalho foi a fotografia inovadora e distorcida em grande angular para o filme de John Frankenheimer O Segundo Rosto / Seconds / 1966. O filme derradeiro de Howe foi Funny Lady / Funny Lady / 1978 (Dir: Herbert Ross) substituindo Vilmos Zsigmond. Quando Howe ficou doente durante a filmagem, Ernest Laszlo ocupou temporariamente seu lugar.

Além das duas indicações ao Oscar que resultaram em premiação, Howe recebeu mais 8 indicações pela fotografia dos seguintes filmes: Algéria, O Libertador, Em Cada Coração um Pecado, Águias Americanas, Estrela do Norte, O Velho e o Mar, O Segundo Rosto e Funny Lady.

FILMES DE GUERRA ITALIANOS

Como parceira da Alemanha no estabelecimento do fascismo na Europa, a Itália deu sua própria contribuição para os filmes expressando a política fascista. Como o filho de Mussolini, Vittorio, era especialmente interessado em fazer filmes, o regime favoreceu o cinema. Em 1937 foi fundado o estúdio Cinecittà, considerado na época o maior da Europa, juntamente com o Instituto Luce, para curtas-metragens e documentários, e a escola de cinema Centro Sperimentale di Ciematografia. O Festival de Veneza havia sido fundado em 1932 e se tornou por alguns anos um centro onde os filmes espetaculares de propaganda alemães e italianos eram exibidos ao lado de filmes das democracias.

O talento indubitável dos italianos para o cinema, demonstrado desde o início do século, foi até certo ponto esmaecido durante o período de controle total da Itália por Mussolini durante os anos trinta e começo dos anos quarenta, quando nomes honrados na História do Cinema Italiano, como Alessandro Blasetti e Roberto Rosselini, realizaram filmes de apoio ao regime. Durante a era fascista na Itália, Blasetti fez Vecchia Guardia / 1934, celebrando a marcha sobre Roma de 1922 e Rosselini realizou três filmes – La Nave Bianca / 1941; Um Piloto Retorna / Un Pilota Ritorna / 1942; O Homem da Cruz / L´Uomo dalla Croce / 1943 – que parecem inteiramente sujeitos às exigências da propaganda fascista, embora alguns comentaristas o considerem apenas patrióticos.

O Homem da Cruz

O primeiro filme, rodado com atores não profissionais e em estilo semidocumentário, mostra a vida dos marujos e seus oficiais em um navio hospital italiano durante a Segunda Guerra Mundial. No segundo filme, o interesse humano fictício é tão forte quanto o aspecto documentário:  um jovem piloto italiano (Massimo Girotti), cujo avião foi abatido durante a guerra contra a Grécia, foge de um campo de prisioneiros britânico embarcando em um avião inimigo e há uma subtrama, na forma de uma história de amor sentimental: ele se apaixona pela filha do médico do campo. No terceiro filme, que completa esta trilogia das forças armadas, o herói é o padre Reginaldo Giuliani, que, na frente russa, prontamente troca sua cruz por um rifle, luta ao lado dos fascistas contra os comunistas e morre tentando salvar um soldado ferido.

Esquadrão Branco

Com o aumento do interesse italiano pela África, assuntos coloniais começaram a aparecer: Esquadrão Branco / Lo Squadrone Bianco / 1936 de Augusto Genina, Sentinelle di Bronzo / 1937 de Romolo Marcellini e Sotto Croce del Sud / 1938 de Guido Brignone.

Quando a campanha da Abissinia teve que ser justificada, Mario Camerini fez O Grande Apelo / Il Grande Apelo / 1936 e imagens filmadas por uma equipe especial que cobria a guerra foram montadas por Luciano de Feo, resultando um documentário de propaganda de 70 min, Il Camino degli Eroi / 1937. Em O Grande Apelo, um italiano dono de um bar miserável em Djibouti vende armas para os etíopes que lutam contra seu país; porém, encontrando seu filho há muito perdido na frente fascista, decide escolher o patriotismo em vez do lucro fácil.

Luciano Serra Pilota

Em 1938, o próprio Vittorio Mussolini atuou como supervisor de Luciano Serra Pilota, dirigido por Goffredo Alessandrini, utilizando um roteiro na feitura do qual Rosselini participou. Seu tema era a paixão inata pela aviação que um filho pode herdar de seu pai; o pai (Amedeo Nazzari), neste caso, herói da aviação na Primeira Guerra Mundial, sacrifica sua vida para salvar seu filho durante a guerra da Abissínia.

A Guerra Civil Espanhola – na qual a intervenção da Itália não foi nominalmente reconhecida embora geralmente bem conhecida – foi apresentada em Alcazar / L´Assedio dell’ Alcazar / 1940 de Augusto Genina. O relato conta a história do comandante do Forte Alcazar em Toledo, fiel ao General Franco que, na ocasião em que o filme foi feito, havia tomado o poder na Espanha.

Prisioneiros do Mar

Apesar de suas intenções abertamente propagandísticas, Prisioneiros do Mar / Uomini sul fondo / 1941 (Dir: Francesco De Robertis) foi respeitosamente admirado pelos homens do cinema neorrealista pelo seu estilo sêco e sua preocupação com a verossimilhança. Descreve o drama da tripulação de um submarino que, durante manobras, colide com um navio e cai no fundo do oceano. Os homens têm apenas trinta horas de ar para trazê-lo para a superfície. O elenco é composto pelos membros da tripulação e oficiais de um submarino italiano.

A produção de filmes de guerra italianos cessou com a chegada do exército germânico de ocupação. Mussolini, deposto em julho de 1943, foi resgatado por paraquedistas alemães em setembro e instalado como um governante fantoche no norte da Itália ocupado – a chamada República Social da Itália – a assim chamada República de Salô. Nápoles passou para as mãos aliadas em outubro, Roma em junho de 1944, e a rendição no Norte veio em maio de 1945.

A guerra vista do ponto de vista italiano foi sintetizada por três filmes célebres de Roberto Rosselini: Roma, Cidade Aberta / Roma, Città Aperta / 1945; Paisà / Paisà / 1946; Alemanha, Ano Zero / Germania Anno Zero /1948.

Roma, Cidade Aberta foi realizado nas piores condições possíveis, quando as tropas de ocupação germânicas mal tinham saído de Roma. Por exemplo, Rosselini teve que comprar pedaços de filme virgem de fotógrafos de rua; foi obrigado a filmar na rua porque os grandes estúdios não existiam mais; o som ambiente e as vozes dos atores foram dubladas depois que o filme foi montado, simplesmente porque era mais barato; a maioria das cenas foi feita às cegas, porque a visão das cenas filmadas diariamente era um luxo.

Cenas de Roma, Cidade Aberta

No enredo, Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), um dos chefes da Resistência Italiana, conta com a ajuda do padre anti-fascista Don Pietro (Aldo Fabrizi) e um tipógrafo partigiano chamado Francesco (Francesco Grandjaquet), para mantê-lo escondido dos alemães. Na manhã seguinte, dia do casamento de Francesco, ele é capturado pelos nazistas e sua noiva grávida, Pina (Anna Magnani), baleada ao tentar interferir. Manfredi é traído por sua namorada, Marina (Maria Michi), dançarina e prostituta viciada em drogas que lhe foram dadas por uma lésbica nazista, Ingrid (Giovanna Gallatti) e ele, Don Pietro, e um desertor australiano, que o padre vinha abrigando, são presos O desertor se enforca e quando Manfredi se recusa a falar, é torturado até a morte na presença de Don Pietro; na manhã seguinte, o próprio padre é executado enquanto os meninos de sua paróquia observam de longe a cena, assobiando atrás de umas grades, em sinal de apoio.

Paisà

Se Roma, Cidade Aberta estabeleceu padrões inteiramente novos para o filme de guerra – e introduziu a abordagem de técnicas de imagem que veio a ser chamada de neo-realismo -, Paisà confirmou estes padrões, mostrando seis narrativas independentes, tendo por contexto a libertação progressiva da Itália pelos aliados e pela resistência Partigiana. Seis pequenas histórias de contéudo dramático doloroso, todas relacionadas com a situação catastrófica na qual o país estava mergulhado no final da Segunda Guerra Mundial. No meu post Roberto Rosselini de 2/10/2017, dei mais informações sobre as seis histórias narradas bem como o enredo do filme seguinte que omiti agora para não cansar o leitor.

Alemanha, Ano Zero

Em Alemanha, Ano Zero, Rosselini continua a testemunhar, de maneira objetiva e fiel, a miséria material e moral de uma época em que a Europa começou do zero (daí o título do filme). Este filme é diferente dos anteriores porque, de uma parte, ele nos mostra as consequências do conflito mundial, não mais do lado italiano, mas do lado do agressor e, de outra parte, tudo é mostrado peloso olhos de uma criança. É um relato de desespêro sem saída, descrito com uma intensidade e uma autenticidade extraordinárias. Sem desprezar a ficção, e com seu estilo sóbrio, Rosselini acompanha minuciosamente o itinerário do pequeno Edmund, um ser inocente que a distorção de uma educação eugênica leva a cometer um crime, acreditando ter praticado um ato heróico. Tudo isto faz de Alemanha Ano Zero uma realização chocante e amarga e encerra com chave de ouro o trio de filmes de um grande diretor comprometido em mostrar os horrores da guerra e a refletir sobre eles.

Dois filmes tratando da atividade partigiana foram patrocinados pela ANPI (a ex- Associazione Nazionale Partigiani Italiani): Il Sole Sorge Ancora / 1945-46 (Dir: Aldo Vergano) e Trágica Perseguição / Caccia Tragica / 1947 (Dir: Giuseppe De Santis). O primeiro filme, introduzindo a futura estrela Lea Padovani, mostra a resistência italiana contra os alemães. Foi muito elogiada uma cena de fuzilamento na qual um padre, cantando o Ora Pro Nobis (que é repetido pela multidão) e um jovem trabalhador radical, marcham para suas mortes. O segundo filme, descreve a situação caótica do pós-guerra. Michele (Massimo Girotti) e sua noiva Giovanna (Carla del Poggio) estão carregando dinheiro para uma fazenda coletiva na qual pretendem ingressar, quando são emboscados por bandidos. Os bandidos sequestram Giovanna como refém e a “perseguição trágica” realizada por Michele e os membros da fazenda coletiva começa. Eles precisam não somente resgatar Giovanna, mas também receber o dinheiro do qual depende seu sustento.