CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA II

janeiro 18, 2024

Após o período de inatividade que lhe foi imposto pelos organismos encarregados da “purificação” por ter trabalhado para a Continental (companhia destinada a produzir na França filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Henri-Georges Clouzot teve um retorno triunfal que lhe rendeu a sua segunda obra-prima, Crime em Paris / Quai des Orfèvres /1947. O filme vai mais longe do que a intriga policial que lhe serve de ponto de partida, reconstituindo com riqueza de detalhes um meio, uma atmosfera na qual evolui uma galeria de personagens saborosos, tendo à frente um inspetor de polícia vivido admiravelmente por Louis Jouvet. Depois de uma boa adaptação literária modernizada do romance do Abade Prevost (Anjo Perverso / Manon / 1949), o diretor voltou-se para o suspense, obtendo dois grandes sucessos comerciais e artísticos: O Salário do Medo / Le Salaire de la Peur / 1953 e As Diabólicas / Les Diaboliques / 1954, ambos com o nome de sua esposa brasileira, Vera Clouzot, nos créditos, e ficou conhecido como “o Hitchcock francês”.   O que fez de melhor posteriormente foi um episódio de Retour à la Vie / 1949, e Le Mystère Picasso / 1956, filme sem equivalente na história do cinema, que mistura o preto e o branco, a cor e diferentes formatos e constitui um documento insubstituível sobre a criação artística.

Apaixonado pelos seres humanos – como seu mestre Jean Renoir -, Jacques Becker os observava nos ambientes mais diversos e procurava traduzir o seu comportamento e o que eles traziam no fundo de si mesmos, captando sempre a realidade viva. Isso ocorreu nos seus melhores filme, passados sucessivamente no meio rural (Mãos Vermelhas / Goupi Mains Rouges/ 1943; da alta costura Nas Rendas da Sedução (na TV) / Falbalas / 1945; no ambiente operário (Antonio e Antonieta / Antoine e Antoinette / 1947; da pequena burguesia (Eterna Ilusão / Rendez-vous de Juillet/ 1949); e da alta burguesia (Vivamos Hoje / Édouard et Carloine / 1951); dos apaches da Belle Époque (Amores de Apache / Casque d´Or / 1952; dos gângsteres (Grisbi, Ouro Maldito / Touchez pas au Grisbi / 1954; dos artistas de Montmartre do início do século XX (Os Amantes de Montparnasse / Montparnassse 19 / 1958; da prisão (A um passo da Liberdade / Le Trou/ 1959.

Seus outros trabalhos – Brincando de Ciúmes (na TV) Rue de L´Estrapade / 1953; Ali Babá e os 40 Ladrões / Ali Baba et les Quarente Voleurs / 1954; As Aventuras de Arsène Lupin / Les Aventures d´Arsène Lupin / 1957 – foram produtos meramente comerciais, mas, tal como todos os filmes do diretor, impressionaram pela clareza e pela autenticidade.  Becker foi um dos poucos realizadores da velha guarda sempre louvado e comentado pelos críticos da Cahiers du Cinéma, a começar por François Truffaut, que encontrou na sua obra uma fonte de inspiração.

Yves Allégret realizou, com a cumplicidade do roteirista Jacques Sigurd, quatro filmes que foram os mais bem-sucedidos e os mais representativos de sua obra, caracterizados por uma visão pessimista da vida e dos seres humanos, por um tom deprimente e desesperado, que alguns críticos chamaram de “realismo noir”, a começar por Escravas do Amor / Dedée d´Anvers / 1947; Une Si Jolie Petite Plage / 1949; A Cínica / Manèges / 1950. Segundo Pierre Billard, era um cinema no qual os elementos estilísticos do realismo poético pareciam “superexpostos”, em que se encontravam o trágico dos tempos atuais e o cotidiano opressivo de uma sociedade sem saída.

Depois dessa trilogia, que corresponde ao “período Simone Signoret” do cineasta, seu trabalho mais interessante e mais denso foi Les Orgueilleux / 1953, filme de grande densidade dramática, que relatava uma história de amor no meio de uma pavorosa epidemia de meningite em um pequeno porto do México, e proporcionou a Gérard Philipe a oportunidade de fazer uma impressionante composição de um médico francês roído pelo remorso e pelo alcoolismo.

Os filmes mais relevantes de André Cayatte logo após a guerra foram Desonra / Roger la honte / 1946, e principalmente, Os Amantes de Verona / Les Amants de Verone/ 1948, que deveu muito a Jacques Prévert. Nos anos 1950, cm a colaboração preciosa do roteirista Charles Spaak, ele começou a fazer seus famosos filmes de tese, denunciando vários aspectos do sistema judiciário francês: O Direito de Matar / Justice est Faite / 1950; Somos Todos Assassinos / Nous Sommes Tous des Assassins / 1952; Antes do Dilúvio / Avant le Déluge / 1953; e O Processo Negro / Le Dossier Noir / 1958. Servindo-se do cinema como o orador se serve da palavra para expor seu ponto de vista, o cineasta continuou a filmar problemas sociais e morais como em Olho por Olho / Oeil pour Oeil / 1956; O Espelho de duas faces /Le Miroir a deux faces / 1958, prosseguindo com essa intenção até sua aposentadoria em 1983.

Nos anos 1950, Robert Bresson deu à luz O Diário de um Padre (na TV) / Le Journal d´un Curé de Campagne / 1950; Um Condenado à Morte escapou / Um Condamné a Mort s’est echappé / 1956; e Pickpocket / Pickpocket / 1959, obras máximas de sua filmografia, que evidenciavam, mais do que nunca, o seu gosto pela perfeição levado à extrema minúcia e a sua preocupação em captara beleza de uma aventura humana interior. Era um cineasta exigente, altivo, interessado em encontra uma forma libertada dos códigos narrativos forjados no começo do sonoro. “O que eu busco “, disse ele, “não é tanto a expressão por gestos, a palavra, a mímica, mas, sim, a expressão pelo ritmo e pela combinação das imagens”.

A rigidez sindical e profissional – era preciso vinte anos de trabalho obscuro em um estúdio para se tornar diretor – desencorajava os jovens de ascender aos postos-chave de decisão e de criação. Entretanto, três novos cineastas conseguiram romper as barreiras corporativas: René Clement, Jacques Tati e Jean-Pierre Melville.

René Clement estudou arquitetura, fez um filme de animação (César chez les gaulois), vários curtas-metragens, entre eles, Soigne ta gauche / 1936, escrito e interpretado por Jacques Tati, e documentários no Oriente Médio e na África. Em 1946, realizou seus primeiros longas-metragens tendo como tema a resistência (A Batalha dos Trilhos / La Bataille du Rail e Le Père Tranquille), e atuou como consultor técnico no filme de Jean Cocteau, A Bela e a Fera / La Belle et la Bête / 1946. No ano seguinte, ainda tratou de um drama de guerra em Os Malditos / Les Maudits, estranhamente premiado como Filme de Aventura no Festival de Cannes. Daí em diante, tornou-se um diretor respeitado, recebendo vários prêmios em festivais, inclusive dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Três Dias de Amor / Au-délà des Grilles / 1949, e Brinquedo Proibido / Jeux Interdits / 1952. Nos anos 1950, também importantes foram Um Amante sob Medida / Monsieur Ripois / 1954, Gervaise, a flor do lôdo / Gervaise / 1956, e O Sol por Testemunha / Plein Soleil / 1959, realizados com o esmero técnico que sempre distingue sua obra.

Na sua juventude, Jacques Tati praticou vários esportes, tendo atuado como profissional de rugby durante um breve período. Em 1931, ele se consagrou no cabaré e no music-hall com um número de pantomimas inspiradas nos esportes que praticava. De 1932 a 1938, Tati começou a trabalhar no cinema como roteirista e intérprete de curtas-metragens. Após a guerra, apareceu com ator em dois filmes de Claude-Autant-Lara, Silvia e o Fantasma / Sylvie et le fantôme / 1946 e Adúltera / Le Diable au corps / 1947.

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