Arquivo diários:janeiro 16, 2024

CINEMA FRANCÊS NO PÓS-GUERRA I

O cinema francês do pós-guerra, salvo algumas exceções, não parecia ser muito diferente em conteúdo e forma do cinema de antes da guerra. Como percebeu René Predal (50 Ans du cinéma français, 1996), os grandes diretores que retornaram do exílio contribuíram para a volta da tradição: “Estes realizadores não haviam verdadeiramente conhecido a guerra; portanto, nem a Ocupação nem a Libertação poderiam constituir para eles assuntos suscetíveis de renovar sua inspiração. Entre a fidelidade às normas holywoodianas e ao espírito frondista do neorealismo eles preferiram aprofundar sua estética pessoal, alguns com brio, mas outros com algum sinal de esgotamento”. Durante a Segunda Guerra Mundial, René Clair fez nos EUA: Paixão Fatal / The Flame of New Orleans /1941; Casei-Me com uma Feiticeira / I Married a Witch / 1942; O Tempo é uma Ilusão / It Happened Tomorrow / 1944 e O Vingador Invisível / And Then There Were None / 1945. De volta ao seu país natal, ainda estava em forma (O Silêncio é de Ouro / Le Silence est d´or / 1947; Entre a Mulher e o Diabo / La Beauté du Diable /1949; Esta Noite é Minha / Les Belles de Nuit / 1952; As Grande Manobras / Les Grandes Manoeuvres / 1955; Por Ternura Também se Mata / Porte de Lilas / 1957), confirmando sua posição eminente na criação francesa. Ele continuou utilizando os exteriores filmados no estúdio para criar seu próprio mundo, no qual expressava a sua visão satírica da vida. Nos seus últimos filmes voltou-se para a tragicomédia, descrevendo a condição humana com mais severidade, mas sempre com um amor fundamental pela humanidade.

Antes da guerra Duvivier havia feito nos EUA:  A Grande Valsa / The Great Waltz / 1938 e, durante o conflito mundial, Lydia / Lydia / 1941; Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942; Os Mistérios da Vida / Flesh and Fantasy / 1943; O Impostor / The Imposter / 1944.

Ao retornar à França, reatou relações com o clima sombrio dos seus filmes de antes da guerra, focalizando em Pânico / Panique / 1946, o drama da exclusão social e os tormentos de um celibatário marginal, magnificamente vivido por Michel Simon. Juntamente com Vítimas do Destino / Aux Royaume des Cieux / 1949, outro drama de uma obscuridade vigorosa, passado em uma casa de correção para moças delinquentes, foi o melhor trabalho do cineasta na segunda metade dos anos 1940. No decênio seguinte, tal como no passado, Duvivier continuou experimentando vários gêneros, abordando vários estilos, sem encontrar verdadeiramente o seu. Mas, com  sua notável noção de cinema, especialmente no que diz respeito à criação de uma atmosfera e à imposição de um ritmo fluente nas narrativas, ele realizou, com a sensibilidade de um artista, filmes apreciáveis (Sinfonia de uma Cidade / Sous le Ciel de Paris / 1950: O Caso Maurizius / L´Affaire Maurizius / 1954; A Mulher dos meus Sonhos / Marianne de ma Jeunesse / 1955; As Mulheres dos Outros / Pot Bouille /1957; Marie Octobre (na TV) / Marie Octobre; suas duas jóias raras neste período, A Festa do Coração / La Fête à Henriette / 1952, e Sedução Fatal / Voici le temps des Assassins / 1956; e um imenso sucesso comercial, O Pequeno Mundo de Don Camillo / Le Petit Monde de Don Camillo / 1951.

Após uma temporada americana, durante a qual dirigiu cinco filmes (O Exilado / The Exile / 1947; Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948; Coração Prisioneiro / Caught / 1949; Na Teia do Destino / The Reckless Moment / 1949, Max Ophuls filmou na França suas obras mais famosas (Conflitos de Amor / La Ronde / 1950; O Prazer / Le Plaisir / 1951; Desejos Proibidos / Madame … / 1953 e Lola Montés / Lola Montés / 1955, exercendo com mais liberdade brilho o seu estilo barroco, para não dizer precioso, cujo principal traço distintivo era a movimentação incessante da câmera  e a forma rebuscada da narrativa. Foi com esses filmes da sua retomada francesa que Ophuls conquistou definitivamente lugar que merecia no coração dos iniciados da sétima arte.

Jean Renoir foi o último a chegar. Nos EUA, ele fez: O Segredo do Pântano / Swamp Water / 1941; Esta Terra é Minha / This Land is mine / 1943; Amor à terra/ The Southerner / 1945; Segredos de Alcova/ The Diary of a Chambermaid; Mulher Desejada /The Woman on the Beach / 1947. Ele passou pela Índia (O Rio Sagrado / The River / 1950) e depois por Cinecittà (A Carruagem de Ouro / Le Carosse D´Or / 1952), antes de assumir a direção de French Can Can / French Can Can / 1954, em Paris, quinze anos após A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939. Essa ausência prolongada causou o desinteresse por parte do público com relação à sua obra, acrescido pela dificuldade que as pessoas tinham de reconhecer no emigrado hollywoodiano o cineasta até então identificado como a encarnação do que havia de mais francês e como homem da Frente Popular. Foi preciso uma campanha de sacralização, promovida principalmente pela Cahiers du Cinéma, para que Jean Renoir recuperasse o seu lugar proeminente no cinema francês.

Ironicamente, enquanto muitos diretores – alguns deles inspirados por Renoir – estavam utilizando aquela espécie de encenação, combinando profundidade de campo com movimentos de câmera complexos, que ele favorecera no passado, o próprio cineasta começou a desenvolver um estilo simples, direto, teatral, concentrado no intérprete. Nos filmes que fez nos anos 1950 (entre os quais se incluem As Estranhas Coisas de Paris / Elena et les Hommes / 1956; Le Déjeuner sur l´herbe / 1959; O Testamento do Dr. Cordelier / Le Testament du docteur Cordelier / 1959, o grande cineasta continuou refletindo sobre a vida e o espetáculo e demonstrando um gosto pela experimentação – porém não manteve o mesmo nível artístico de suas realizações dos anos 1930.

Quanto aos diretores importantes que permaneceram no país durante a Segunda Guerra Mundial, não se pode dizer que tiveram mau rendimento artístico, muito pelo contrário.

Marcel Carné e Jacques Préver fizeram Les Portes de la Nuit em 1946. Depois disso então se separaram e os críticos começaram a achar que, sem o concurso do seu parceiro poeta, os filmes de Carné não eram tão eficientes. Na realidade o declínio de Carné coincidiu com o rompimento com Prévert, porém teve mais a ver com as mudanças do panorama social e do gosto do público. O cineasta passou a simbolizar a “estagnação” do cinema francês tradicional aos olhos dos jovens críticos da Nouvelle vague, que os julgaram fora de moda, apesar de ele ter feito vários filmes interessantes: Paixão Abrasadora / La Marie du Port / 1950; Juliette ou la clef des songes / 1951; Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1953; L´Air de Paris / 1954; Os Trapaceiros / Les Tricheurs / 1958.

Deixando de se apresentar em cena como intérprete, Sacha Guitry nos ofereceu quatro obras valiosas (La Poison / 1951; La Vie dún Honnête Homme / 1952; Amantes e Ladrões / Assassins et Voleurs / 1956; Les trois font laPaire / 1957), que permitiram ao autor exprimir seu ponto de vista sobre a sociedade contemporânea. Seus outros filmes (Le Comédien / 1947; Le Diable Boiteux / 1948; Le Trésor de Cantenac / 1950; Tu m’as sauvé la vie / 1950), até mesmo suas superproduções patrióticas (Se Versalhes falasse / Si Versaillhes m’était conté / 1953; Napoleão / Napoléon / 1954), não eram tão bons, mas demonstravam sempre o seu espírito e continham uma liberdade de expressão que o tornava um precursor da Nouvelle Vague. Nos anos 1960, depois de ter sido menosprezado pelos críticos como mero ilustrador de peças filmadas, ele foi reabilitado tendo sido reconhecida a sua contribuição para o cinema de sua época.

Em 1946, Jean Cocteau estreou seu primeiro longa-metragem, A Bela e a fera / La Belle et la Bête e, subsequentemente, A Águia de Duas Cabeças / L´Aigle a Deux Têtes / 1947;

O Pecado Original / Les Parents Terribles / 1949; e sua obra-prima, Orfeu / Orphée / 1949. Graças a este filme, Cocteau seria um dos raros cineastas a não sofrer os ataques dos “jovens turcos”: ele foi reconhecido como autor e precursor daquela Nouvelle Vague que por várias vezes lhe renderia homenagem.

Cineastas exemplares da qualidade francesa, Christian-Jaque, Jean Delannoy, Henri Decoin e Claude Autant-Lara realizaram filmes de mérito artístico variado, mas cada qual honrou sua profissão com pelo menos três filmes de peso: Christian-Jaque (Un Revenant / 1946; A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos / La Chartreuse de Parme / 1947; Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe / 1952); Delannoy (Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950; Amar-te é meu Destino / La Minute de Verité / 1952; Assassino de Mulheres. / Maigret tend um Piège / 1958); Decoin (Trágica Inocência / Non Coupable / 1947; Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952; Antro do Vício / Razzia sur la Chnouf / 1955; Autant-Lara (Adúltera / Le Diable au Corps / 1947; A Estalagem Vermelha / L ´Auberge Rouge / 1951; A Travessia de Paris / La Traversée de Paris / 1956).

Já os diretores que haviam iniciado carreira no tempo da Ocupação  (assunto que já abordei no meu artigo Cinema Francês durante a Ocupação de janeiro de 2015) atingiram o auge de sua aptidão fílmica. É o que veremos no artigo seguinte.