HORROR GÓTICO NO CINEMA
dezembro 15, 2023O Romance Gótico – histórias sobre o macabro, o fantástico e o sobrenatural que se passam geralmente em castelos assombrados, cemitérios, ruínas e paisagens selvagens pitorescas – atingiu o auge de sua considerável moda no final do século dezoito e início do século dezenove.
No século dezoito, Horace Walpole e Ann Radcliffe definiram os parâmetros para o gênero. Apaixonado pelos romances e mistérios medievais, Walpole publicou em 1764, The Castle of Otranto. A narrativa, repleta de fantasmas e lendas apavorantes, um nobre tirânico e perverso como vilão, a heroína santa muito perseguida que sofre os maiores terrores, luzes estranhas, aparições misteriosas, manuscritos embolorados ocultos, dobradiças rangentes, e emoções violentas de angústia e amor, era artificial e melodramática, mas exerceu grande influência na literatura do sobrenatural. Os romances de Ann Radcliffe estabeleceram padrões novos e mais elevados no domínio do macabro e da atmosfera aterradora. Ela escreveu seis romances, sendo o mais famoso, The Mysteries of Udolpho, um exemplar da história gótica primitiva em sua melhor forma.
No século dezenove surgiram Frankenstein de Mary Shelley; Dracula de Bram Stocker; The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde de Robert Louis Stevenson; The Monk de Matthey Gregory Lewis; Melmoth de Charles Robert Maturin; Wuthering Heights de Emily Bronte; The House of the Seven Gables de Nathaniel Hawthorne; In a Glass Darkly, de Sheridan LeFanu; e os contos de Edgar Allan Poe, ao qual devemos a moderna história de horror em seu estado final e aprimorado.
As histórias de horror- gótico do século dezoito e dezenove se prestaram não somente a adaptações teatrais, mas também a espetáculos de luz e sombra como as “phantasmagorias” de E. G. Robertson, esqueletos e aparições de fantasmas que pareciam se mexer, projetados pela lanterna mágica, que ele aperfeiçoou, patenteando- em 1799 como Fantascópio. Cem anos depois, aparições semelhantes puderam ser vistas nos filmes-fantasia pioneiros de George Méliès, porém o gênero começou a se definir na primeira década do século vinte, quando a Selig Poliscope lançou uma breve adaptação de Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1908. A Nordisk Company seguiu o exemplo com uma filmagem da mesma história (1909) e com duas produções sobre enterro prematuro intituladas The Necklace of the Dead / 1910 e Ghosts of the Vault / 1911. E a Edison Company entrou neste campo com uma adaptação de Frankenstein / 1910, que foi seguida por mais três versões de Jekyll and Hyde – inclusive uma produzida por Carl Laemmle, cujo estúdio, Universal Pictures, iria dominar o mercado com histórias deste tipo de maneira igualada somente pela Hammer Films durante o seu período de glória nos anos 50, 60 e 70
Estas primeiras produções, juntamente com Consciência Vingadora ou O Amor Domina o Mundo / The Avenging Conscience / 1914 de David Wark Griffith, (baseado no conto de Edgar Allan Poe, The Tell-Tale Heart) e Lágrimas e Risos da Boemia / Trilby / 1915 de Maurice Tourneur (que introduziu a figura do hipnotizador demoníaco muito antes de que Werner Krauss, Rudolph Klein-Rogge e Paul Wegener se apropriassem dela), representam o início de uma onda cuja crista foi alcançada no cinema silencioso germânico com O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920, Unheimliche Geschichten / 1919 de Richard Oswald, Alraune / Alraune/ 1929 de Henrik Galeen; nas criações grotescas de Lon Chaney nos Estados Unidos de O Homem Miraculoso / The Miracle Man / 1919 a Trindade Maldita / The Unholy Three / 1930; nos filmes de outros países como A Carruagem Fantasma / Körkalen / 1921 de Victor Sjöström e Páginas do livro de Satã / Blade af Satans Bog / 1920 de Carl Dreyer; Uma Página de Loucura / Kurutta ichipeiji / 1926 de Teinosuke Kinugasa; A Queda da Casa de Usher / The Fall of the House of Usher / 1928 de Jean Epstein. Neste último filme, o assistente de Epstein era Luis Buñuel, cuja colaboração com Salvador Dali em Um Cão Andaluz / Un Chien Andalou no mesmo ano vinculou o surrealismo a elementos violentos que lembravam o conto de horror.
Uma segunda onda de filmes de horror emanou dos Estados Unidos, quase imediatamente a pós o advento do som: Dracula / Dracula / 1931 de Tod Browning, com Bela Lugosi, Frankenstein / Frankenstein / 1931 de James Whale com Boris Karloff, e Zumbi, a Legião dos Mortos / Zombie / 1932 de Victor Halperin com Lugosi foram todos feitos nos estúdios da Universal, onde a influência do cinema alemão se mostrou particularmente forte, graças a figuras importantes como o diretor Paul Leni e o diretor- cinegrafista Karl Freund. O auge desta onda foi alcançado com King Kong / King Kong / 1933 de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.
A próxima onda veio durante a Segunda Guerra Mundial, quando a série de Val Lewton – de Sangue de Pantera / Cat People /1942 de Jacques Tourneur a Asilo Sinistro / Bedlam / 1946 de Mark Robson – na linha de produção “B” da RKO-Radio, renovou o gênero, conjugando escassez de recursos com qualidade artística. Descartando os monstros tradicionais, os filmes de Lewton não lidavam como o horror realístico, mas com o horror sugerido, ou seja, a expressão de algum medo ou superstição universal através de meios estritamente cinematográficos ou simples sugestões da câmera.
A refilmagem de Artur Lubin de O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1943, também atenuou consideravelmente os impactos do original (como a maquilagem de Claude Rains é fraca quando comparada com a de Lon Chaney no mesmo papel) na versão primitiva de 1925!); e os filmes britânicos sobre aparições fantasmagóricas após a morte como Thunder Rock / 1942 de Roy Boulting e The Halfway House / 1944 de Basil Dearden provavelmente assustaram apenas as pessoas mais sugestionáveis, exceção feita para O Solar das Almas Perdidas / The Uninvited / 1944 de Lewis Allen. Outros filmes trataram os fantasmas em tom de comédia como em Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 de René Clair ou com uma explicação racional como em O Castelo Sinistro / The Ghost Breakers / 1940 de George Marshall. Entretanto, este ciclo terminou com um clássico cinematográfico do conto de horror, Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, dirigido por Alberto Cavalcante, Robert Hammer, Charles Crichton e Basil Dearden.
A quarta onda emergiu incitada pela repercussão dos foguetes que haviam aterrorizado a Inglaterra durante os últimos dias da Segunda Guerra Mundial e o início da exploração do espaço. Desde o princípio, em filmes como Frankenstein por exemplo, o conto de horror cinematográfico demonstrava certa coincidência com a ficção científica e esta sincronia aumentou quando surgiram Destino à Lua / Destination Moon / 1950 de George Pal, O Monstro do Ártico / The Thing from Another World / 1951 de Christian Nyby e Howard Hawks; O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still / 1951 de Robert Wise; O Monstro do Mar / The Beast from 20.000 Fathoms / 1953 de Eugène Lourié; O Mundo em Perigo / Them / 1954 de Gordon Douglas; O Monstro da Lagoa Negra / Creature from the Black Lagoon / 1954 de Jack Arnold; Gojira / Godzilla, / 1954 de Ishirô Honda; Terror que Mata / The Quatermass Xperiment / 1955 de Val Guest (produzido pela Hammer); Vampiros de Almas / The Invasion of the Body Snatchers / 1956 de Don Siegel; A Hora Final / On the Beach / 1959; Gorgo / Gorgo / 1961 de Eugene Lourié; O Mundo os Condenou / These are the Damned / 1962 de Joseph Losey; As 4 Faces do Medo / Kwaidan / 1964 de Masaki Kobayashi; Onibaba, a Mulher-Demônio / Onibaba / 1964 de Kaneto Shindô; Alphaville / Alphaville / 1965 de Jean-Luc Godard; Fahrenheit 451 / Fahrenheit 451 / 1966 de François Truffaut; Viagem Fantástica / Fantastic Voyage / 1966 de Richard Fleischer; O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes / 1968 de Franklin J. Shaffner; 2001: Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 de Stanley Kubrick.
Em 1957, devido ao sucesso de Terror que Mata, a Hammer lançou a sua série de horror com A Maldição de Frankenstein / The Curse of Frankenstein e depois O Vampiro da Noite / Horror of Dracula / 1958, que impulsionou o pequeno estúdio, transformando-o num fenômeno mundial. Os filmes propiciaram uma bela carreira para Terence Fisher e Peter Cushing e Christopher Lee tornaram-se os astros de filme de horror mais famosos desde Boris Karloff e Bela Lugosi.
Enquanto a Hammer estava revivendo os monstros da Universal (em 1959 foi a vez de A Múmia / The Mummy e em 1961 veio A Maldição do Lobishomem / The Curse of the Werewolf), a American International Pictures iniciou com I Was a Teenage Werewolf / 1957 (Dir: Gene Fowler Jr.) um ciclo de horror destinado aos jovens. Parte dos lucros auferidos serviu para financiar uma outra série mais memorável. Começando com House of Usher / O Solar Maldito / 1960 e terminando com The Tomb of Ligeia / O Túmulo Sinistro / 1965, Roger Corman dirigiu oito filmes em cores e tela larga, adaptados livremente das obras de Edgar Allan Poe, que obtiveram enorme sucesso comercial e respeito dos críticos.
A literatura gótico romântica de Poe, explorando o lado sombrio da experiência humana – morte, alienação, ansiedade existencial, pesadelos, fantasmas, várias formas de insanidade e melancolia -, apesar de algumas discrepâncias radicais entre os textos dos contos (ou poemas) originais e o enredo dos filmes, encontrou um intérprete compreensivo em Corman, que soube manter o espírito do genial escritor. A encenação dos filmes de Poe deve-se muito aos cenários bem detalhados do diretor de arte e desenhista de produção Daniel Haller. Haller também merece crédito pela qualidade expansiva dos cenários, construídos para dar à câmera o máximo de liberdade de movimento. Esta liberdade de movimento é traduzida pelos fotógrafos Floyd Crosby, Nicolas Roeg e Arthur Grant (Crosby colaborou em todos os filmes da série menos nos dois últimos, que ficaram a cargo respectivamente de Roeg e Grant) por meio de uma grande quantidade de travelings e gruas. Sem esquecer as formidáveis interpretações de Vincent Price.
Uma outra onda de filmes de horror atingiu o auge com filmes como O Massacre da Serra Elétrica / The Texas Chain Saw Massacre / 1974 de Tobe Hooper, que provocava o choque através da máxima exibição de corpos sendo mutilados e sangue sendo derramado; Geração Proteus / Demon Seed / 1977 de Donald Camme, que mostrava Julie Christie estuprada por um computador; e por filmes de possessão demoníaca, faculdades paranormais destrutivas e reencarnações misteriosas representadas por obras como O Exorcista / The Exorcist / 1973 de William Friedkin, Carrie, a Estranha / Carrie / 1976 de Brian De Palma, A Profecia / The Omen / 1976 de Richard Donne, A Mansão Macabra / Burnt Offerings / 1976 de Dan Curtis, O Exorcista II: O Herege / The Heretic / 1977 de John Boorman e Estranho Poder de Matar / The Shout / 1978 de Jerzy Skolimovski.
Nas décadas seguintes o gênero de horror continuou marcando presença nas telas surgindo obras importantes como, por exemplo, A Hora do Pesadelo / A Nightmare at Elm Street / 1984 de Wes Craven, apresentando Freddy Krueger, o assassino como o rosto e o corpo coberto de cicatrizes. Mas não podemos esquecer a contribuição brasileira de José Mojica Marin iniciada com A Meia-Noite Levarei Sua Alma / 1964 e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver / 1967 ambos com o agente funerário cético e cruel Zé do Caixão.
Leave a Reply