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COURT COURANT

Nascido em Berlim, Alemanha, ele foi um prolífico diretor de fotografia do cinema de Weimar e do cinema impressionista francês, assim como de filmes britânicos dos anos trinta, trabalhando com grandes diretores.

Curt Courant

Treinado como fotógrafo, Courant iniciou sua carreira cinematográfica em 1917 na função de assistente de câmera para a companhia produtora de Joe May. Em 1921, atuou como diretor pela única vez em sua trajetória artística na realização do filme Kameraden, estrelado por Elsa Wagner e Max Gustorff. Desde o início dos anos vinte, trabalhou como free lancer para várias companhias em filmes como Das Mädchen Aus Der Ackerstrasse, um estudo social dirigido por Reinhold Schünzel.  A perspicácia para o detalhe social tornou-se a sua especialidade em filmes como Familientag Im Hause Prelstein / 1927. Courant tornou-se também bastante apto para fotografar estrelas como Asta Nielsen no papel título de Hamlet / 1920.

Em 1924, Courant viajou para Roma a fim de fotografar o épico histórico espetacular Quo Vadis? / Quo Vadis? O filme, dirigido por Gabriellino D´Annunzio e Georg Jacoby, impressionou não somente pelo seu elenco de astros, tendo à frente Emil Jannings como Nero, mas também pela experimentação precoce com o formato de tela-larga.

Cena de Quo Vadis?

Em 1927, Courant assinou contrato com a Ufa e subsequentemente fotografou espetáculos exóticos de grande orçamento como Segredos do Oriente / Geheimnisse Des Orients / 1928 e O Diabo Branco / Der Weisse Teufel / 1929 e melodramas, incluindo Die Frau, Nach Der Man Sich Sehnt / 1929 com Marlene Dietrich. Junto com Otto Kanturek, Courant também contribuiu para o filme de ficção científica de Fritz Lang, A Mulher na Lua / Frau Im Mond / 1929.Tendo trabalho em vários países da Europa em coproduções desde o final dos anos vinte, Courant, que era judeu, deixou a Alemanha permanentemente em 1933.

Courant e Fritz Lang na filmagem de A Mulher na Lua

Na Inglaterra, ele trabalhou para vários diretores entre eles Cyril Gardner em Casamento Liberal / Perfect Understanding, / 1932 com Laurence Olivier e Gloria Swanson; Alfred Hitchcock em O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much / 1934; Berthold Viertel em O Desconhecido / The Passing of the Third Floor Back / 1935, uma intrigante mistura de realismo documentário e alegoria espiritual; John Brahm na refilmagem  em 1936 de Lírio Partido / Broken Blossoms de David Wark Griffith e  Maurice Elvey em The Spy of Napoleon / 1936, único filme britânico de Richard Barthelmess.

 

Gloria Swanson e Laurence Olivier em  Casamento Liberal 

Cena de O Homem Que Sabia Demais

Na França, Courant fotografou, entre outros, alguns dos filmes franceses mais significativos da década e colaborou com diretores como Jean Renoir (A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938); Pierre Chenal (Pecadoras de Tunis / La Maison du Maltais / 1938); Marcel Carné (Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève / 1939; Max Ophuls (De Mayerling a Sarajevo / De Mayerling a Sarajevo / 1940).

Courant ao lado de Jean Renoir filmando cena de A Besta Humana

Marcel Dalio e Vivianne romance em Pecadoras de Tunis

Após a queda da França, Courant fugiu para os Estados Unidos e durante a Segunda Guerra Mundial trabalhou para Frank Capra na Special Services Division, mas não conseguiu ser membro da American Society of Cinematographers (ASC), o que dificultou sua contratação para trabalhar em estúdios de Hollywood. Embora lhe tenha sido negado um reconhecimento oficial, ele contribuiu ocasionalmente para alguns filmes inclusive Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux / 1947 de Charles Chaplin. Na falta de trabalho contínuo, Courant foi ensinar cinema na UCLA, onde supervisionou em 1954, A Time Out of War, filme de 22 minutos dirigido por Denis Saunders para a sua tese de mestrado, que acabou ganhando o Oscar de Melhor Curta- Metragem de dois rolos.

CLARA BOW

Ela foi a famosa “It girl”, sensação da tela silenciosa, o primeiro símbolo sexual de Hollywood, a maior atração de bilheteria na sua época e uma personificação dos loucos anos vinte.

Clara Bow

Clara (1905-1965), nasceu no Brooklyn, Nova York, filha de Robert Bow e Sarah Gordon. Seu pai era hipersexuado, abusivo e um perdedor típico. A mãe, uma mulher bonita, mas assexuada, cujos progenitores eram um alcoólatra e uma louca. Eles moravam num apartamento minúsculo e pobre sem ventilação, janelas ou luz do sol. Clara foi a terceira filha do casal: a primeira, Alene, nasceu prematuramente e morreu três dias depois. Pouco após, Sarah estava grávida novamente e sua segunda filha, Emily, também veio ao mundo cedo e só viveu duas horas. Tal como a irmã, foi enterrada em uma vala comum porque os pais não tinham dinheiro para pagar um túmulo. Sarah quase morreu neste segundo parto e o médico lhe advertiu que uma futura gravidez poderia ser fatal para a mãe e para a criança. Ainda assim, deu à luz pela terceira vez. Era uma forma perversa de suicídio, mas adequada para seu propósito: forçada a ter filhos por um homem que ela não amava, Sarah decidiu morrer de parto. Robert não se opôs.  Estava cansado das queixas de sua esposa sobre a falta de dinheiro e sua incapacidade para ganhá-lo. Ela também zombava de seus sonhos de sucesso com um garçom cantor, lembrando-lhe que ele era apenas um modesto ajudante de garçom em um restaurante nojento. Em vez de encarar a verdade, Robert a deixou.

Abandonada e grávida, Sarah não teve outra opção senão retornar para o apartamento de seu irmão acima de uma Igreja Batista no número 697 da Rua Bergen. Como ela havia se casado apenas para fugir de sua família, o regresso ao lar foi duplamente humilhante e as condições de habitabilidade piores do que nunca. Durante uma onda de calor, Sarah entrou em trabalho de parto.  Considerando a morte como uma libertação e acreditando que este nascimento traria isto, ela não chamou um médico. Sua mãe louca serviu como parteira, quando Sarah deu à luz sua terceira filha. Para seu alívio, o bebê parecia estar morto. Mas quando a mãe de Sarah sacudiu o recém-nascido sem vida, ele emitiu um grito fraco. Informado disso, Robert voltou para a esposa. Ele e Sarah estavam tão certos da morte iminente do bebê, que nunca providenciaram nenhuma certidão de nascimento. Assim nasceu Clara, já não desejada e mal-amada. Durante sua infância, quando Sarah atormentava Robert sobre seu fracasso, ele aliviava sua frustração batendo tão fortemente no rosto da filha, que ela caía no chão.

Clara tornou-se uma menina solitária e supersensível e sua gagueira era motivo de diversão constante para as outras meninas do bairro. Seu único amigo era um garoto chamado Johnny que morava no mesmo prédio. Ele se tornou seu irmão imaginário, que ela protegia quando os outros meninos o importunavam. Um dia, ouviu subitamente gritos pavorosos vindos do apartamento de Johnny. Clara desceu correndo e o encontrou em chamas gritando seu nome em agonia. Ela o enrolou em um tapete. Ele morreu em seus braços. A morte terrível de Johnny deixou Clara sozinha mais uma vez. Na sua vida solitária, só havia um lugar aonde Clara podia ir e esquecer a miséria do seu lar e as mágoas de sua existência. Era no cinema.

Clara não estava somente fascinada pelo novo meio de expressão, mas achava que ele lhe traria fama, adulação e, mais importante do que tudo, amor. Aos dezesseis anos de idade, decidiu que iria ser artista de cinema. Nesta ocasião, sua mãe caiu de uma janela do segundo andar da casa onde moravam e sofreu uma lesão na cabeça, que lhe deixou sequelas como confusão, alucinações, paranóia e comportamento agressivo. Ao saber que sua filha vinha tentando uma carreira no cinema, Sarah lhe disse que preferia ver a filha morta e que poderia matá-la.

A grande chance de Clara surgiu quando, no outono de 1921, ela venceu o concurso nacional da revista Brewster chamado “Fame and Fortune” com sua presença encantadora e fotogênica. No escritório da Brewster, conheceu o diretor Christy Cabane, que a escalou para o papel de um rapazinho no filme Para Fazer Ciúmes / Beyond the Rainbow, estrelado pela corista do Ziegfeld Follies Billie Dove, uma das beldades da época. Até então a violenta oposição de Sarah à carreira de Clara no cinema limitava-se a ameaças verbais, mas quando Clara terminou seu trabalho em Para Fazer Ciúmes, Sarah passou das palavras aos atos. Despertando uma noite de um sono profundo, Clara assustou-se ao ver sua mãe pairando sobre ela com uma faca na mão e dizendo que ia matá-la. Sara levantou a faca para atingir o pescoço de Clara e então desmaiou. Por conta deste episódio, Robert internou sua esposa em um sanatório.

Para Fazer Ciúmes estreou em 19 de fevereiro de 1922 sem uma única tomada de Clara, porque Cabanne achou que a presença de muitos personagens complicava o enredo e perturbava o ritmo do filme e resolveu cortar vários atores. Porém Clara teve nova oportunidade ao ser contratada para um papel em Rumo ao Mar / Down to the Sea in Ships e depois, sem ser creditada (aparecendo como uma garota dançando em cima de uma mesa), em Inimigos das Mulheres / Enemies of Women, ambos lançados em 1923 e dirigidos respectivamente por Elmer Clifton e Alan Crosland.

Ainda em 1923, Clara trabalhou em O Corajoso / Grit (Dir: Frank Tuttle), que lhe proporcionou seu melhor papel até então. O filme era fraco, mas ela impressionou Tuttle por sua capacidade de expressar emoção com a maior facilidade. Na filmagem desta história escrita por F. Scott Fitzgerald, Clara conheceu seu primeiro namorado, o operador de câmera Arthur Jacobson e Jack Bachman, funcionário da Preferred Pictures, produtora independente, fundada por B. P. Schulberg e sediada em Hollywood.

Clara em Os Bois Pretos

Depois de fazer um papel secundário em Mocidade Cega / The Daring Years (Dir: Kenneth Webb), Clara foi para Hollywood onde, ainda em 1923, fez Amores de Primavera / Maytime (Dir: Louis Gasnier) para a  Preferred e depois, quase sempre, foi emprestada para produções modestas  de outros estúdios: 1924 – Os Bois Pretos ou O Que As Mulheres Querem / Black Oxen (Dir: Frank Lloyd); Paraiso Envenenado / Poisoned Paradise (Dir: Louis Gasnier); Filhas do Prazer / Daughters of Pleasure (Dir: William Beaudine); Os Filhos de Helena / Helen´s Babies (Dir: William A. Seiter);  Vinho Capitoso / Wine  (Dir: Louis Gasnier); Corações Esgotados / Empty Hearts (Dir: Alfred Santell); Esta Mulher / This Woman (Dir: Phil Rosen ); Relâmpago Negro / Black Lightning (Dir: James Hogan). 1925 – Sexo Aventureiro / The Adventurous Sex (Dir: Charles Giblyn); Pena de Morte / Capital Punishment (Dir: James Hogan); Os Lábios de Minha Mulher / My Lady´s Lips (Dir: James Hogan); Uma Aventura Gloriosa / Eve´s Lover (Dir: Roy Del Ruth); Sob Amparo da Lei / The Lawful Cheater (Dir: Frank O´Connor); Calvário de Amor / The Scarlet West (Dir: John G. Adolfi).

Nenhum desses filmes possuía algum mérito, mas Clara sobressaiu por sua atuação em Os Bois Pretos, no qual ofuscou a atriz principal Corinne Griffith e foi considerada uma das mais promissoras jovens atrizes, tendo sido selecionada como Wampas Baby Star em 1924. Pouco depois, quando estava filmando Uma Aventura Gloriosa na Warner, chamou a atenção de Ernest Lubitsch, que a colocou no elenco de uma produção de primeira classe, Beija-me Outra Vez. / Kiss Me Again / 1925, como Grizette, a secretária parisiense sensual que enfeitiça seu patrão casado, Gaston Fleury (Monte Blue). O filme foi um sucesso e uma delícia e o melhor papel de Clara até então; porém, no mesmo ano, Schulberg relegou-a mais uma vez aos filmes de baixo orçamento – Amor Parisiense / Parisian Love (Dir: Louis Gasnier); Como Nasce o Amor / The Primrose Path (Dir: Harry Hoyt); O Guardião das Abelhas / Keeper of the Bees (Dir: James Meehan / FBO); Livre para o Amor / Free to Love (Dir: Frank O´Connor).

Clara em Beija-me Outra Vez

Finalmente, convencido de que uma adaptação cinematográfica de The Plastic Age impulsionaria Clara para o estrelato, Schulberg comprou os direitos do romance, gastou mais dinheiro na produção e contratou um diretor melhor, Wesley Ruggles. Promovida como “the hottest jazz baby in films”, Clara causou enorme sensação e Luar, Música e Amor ou Dias de Colegial, como a adaptação de The Plastic Age foi intitulada no Brasil, tornou-se o maior êxito da Preferred até então. Durante a filmagem, Clara tornou-se amante de um dos seus companheiros de elenco: Luis Antonio Damaso de Alonso, que ficou conhecido no mundo cinema como Gilbert Roland.

Clara e Gilbert Roland em Luar, Música e Amor

Mesmo após este sucesso, Schulberg continuou emprestando os serviços de Clara novamente para quem pagasse mais e, embora não houvesse falta de ofertas, também não havia nenhuma que valesse a pena artisticamente falando (1925 – Bandoleiro por Esporte / The Best Bad Man (Dir: J. G. Blystone); O Mar Encantado / The Ancient Mariner (Dir: Chester Bennet). 1926 – Caprichos de Moça / My Lady of Whims (Dir: Dallas M. Fitzgerald); A Sombra da Lei / The Shadow of the Law (Dir: Wallace Worsley); Teimoso / Two Can Play (Dir: Nat Ross). Para sorte de Clara, quando Adolph Zukor propôs a Schulberg que ele trouxesse toda a sua companhia para a Paramount, então o maior estúdio de Hollywood, ela ganhou o segundo papel principal em Loucuras de Mãe / Dancing Mothers / 1926 (DIr: Herbert Brenon) e, com sua vitalidade irresistível, “roubou” o filme de sua heroína nominal, interpretada por Alice Joyce.

A estréia de Clara na Paramount foi tão estrondosa que o estúdio lhe proporcionou uma breve aparição – como Clara Bow, estrela de cinema –  em Desafio à Mocidade /  Fascinating Youth (espetáculo especial no Ritz Carlton Hotel em Nova York para a primeira classe de formandos na Paramount School for Stars, dirigido por Sam Wood) e logo a trouxe de volta para Hollywood a fim de fazer Ou Dinheiro ou Amor / The Runaway (Dir: William C. de  Mille), seguindo-se Provocação de Amor / Mantrap (Dir: Victor Fleming) e Casar e Descasar / Kid Boots (Dir: Frank Tuttle). Estes dois últimos filmes foram um sucesso de audiência e, fora de cena, Clara terminou seu romance com Gilbert Roland, aproximando-se amorosamente do diretor Victor Fleming.

Clara entre Buddy Rogers e Richard Arlen em Asas

Embora figurasse como atriz principal de Asas / Wings / 1927, Clara teve um papel supérfluo neste único filme mudo a ganhar o Oscar. Este drama de aviação passado na Primeira Guerra Mundial, dirigido por William Wellmann, conta a história de dois pilotos, Jack Powell e David Armstrong (Charles “Buddy” Rogers, Richard Arlen), que se odeiam, mas acabam ficando grandes amigos durante os treinamentos. Jack ama a sofisticada Sylvia Lewis (Jobyna Ralston), que por sua vez é apaixonada por David. No final, sem saber, Rogers abate o amigo que escapara através das linhas inimigas usando um avião alemão. Clara faz apenas um pequeno papel como Mary Preston, interessada em Jack. A produção de Asas foi seguida pelo filme mais importante de sua carreira.

Clara em O “Não Sei Quê” das Mulheres

Em 1926, B. P. Schulberg leu o último livro de Elinor Glynn intitulado It, estudo picante sobre atração sexual, e teve uma idéia. No ano anterior ele havia promovido Clara como “A Fogueira do Brooklyn”, porém o slogan não pegou. Então Schulberg tentou uma campanha diferente com a finalidade de transformá-la numa superestrela, produzindo um filme chamado It, para fazer com que Clara ficasse conhecida como a “It Girl”. Percebendo que as flappers (termo típico dos anos 20 para se referir ao novo estilo de vida das mulheres jovens que usavam saia e cabelos curtos, ouviam e dançavam provocativamente o jazz e o charleston e desacatavam a tradicional conduta feminina) como Clara estavam entrando rapidamente em moda no lugar de mulheres refinadas como as personagens vividas por Gloria Swanson na tela, Elinor não perdeu tempo, anunciando: “De todas as jovens senhoritas que conhecí em Hollywood, Clara Bow tem ‘It’”. Seu endosso custou 50 mil dólares à Paramount.

O sucesso de Clara em It, aqui exibido como O “Não Sei Quê” das Mulheres (DIr: Clarence Badger), fez dela o principal símbolo sexual do cinema na década de vinte. Como bem observou David Stenn na sua magnífica biografia de Clara Bow, Runnin’Wild (ed. Cooper Square Press, 2000), da qual extraí a maior parte das informações para este artigo) enquanto Mary Pickford, a “Namoradinha da América” (frase também cunhada por B. P. Schulberg) interpretava heroínas pré-sexuais, as personagens de Clara eram não somente conscientes de sua sexualidade, mas com o controle total disso.

Clara e Gary Cooper em Filhos do Divórcio

Imediatamente após O Não Sei Quê das Mulheres, Clara teve a chance de tentar fazer um papel dramático em Filhos do Divórcio / Children of Divorce / 1927 (Dir: Frank Lloyd), cujo principal papel masculino foi entregue a Gary Cooper a pedido dela, pois ela estava tendo um caso amoroso com ele na época; porém os seus três outros filmes de 1927 exploraram sua personagem cinematográfica típica: Rosa Turbulenta / Rough House Rosie (Dir: Frank Strayer), como uma operária em uma fábrica de doces que  quer entrar para alta sociedade; Hula / Hula (Victor Fleming), como filha do dono de uma plantação no Havaí que se apaixona por um engenheiro inglês casado; e Segura o que é Teu ou Apanha o Teu Homem / Get Your Man (Dir: Dorothy Arzner), como uma moça americana que se apaixona por um duque inglês que está prestes a se submeter a um casamento arranjado. A diretora deste último filme, ficou impressionada como Clara, sem ter tido um treinamento formal, projetava com um instinto infalível e naturalidade seus pensamentos e emoções.

Clara em Hula

Clara em  Cabelos de Fogo

Um mês antes da produção de Segura o que é Teu, a Paramount pagou a Schulberg cem mil dólares de bônus e uma promoção para renunciar a todos os direitos do contrato de Clara. Schulberg havia servido como produtor associado de todos os filmes dela na Paramount e agora, nomeado gerente geral de todo o estúdio, não precisava mais explorar a pobre Clara, pagando-a mal e fazendo a moça trabalhar tanto, a ponto de ter um colapso físico. Ironicamente, Cabelos de Fogo / Red Hair / 1928 (Dir: Clarence Badger), o derradeiro filme de Clara supervisionado pessoalmente por Schulberg, foi também o mais luxuoso e, embora fosse artisticamente fraco, teve boa acolhida por parte do público, impressionado com as cenas de Clara de maiô apertado com cinto branco filmadas em um technicolor de duas cores. Os próximos filmes de Clara em 1928 – Fidalgas da Plebe / Ladies of the Mob (Dir: William Wellman), Marinheiros em Terra / The Fleet´s in (Dir: Malcolm St. Clair) e As Férias de Clara / Three Weekends (Dir: Clarence Badger) – também foram medíocres, mas sua celebridade continuava inabalável.

Clara em Garotas na Farra

A estréia de Clara no cinema falado deu-se em 1929 com Garotas na Farra / Wild Party, sob direção de Dorothy Arzner e fazendo dupla com Fredric March. Como o charme de Clara residia no seu eu físico, que estava definitivamente intacto, foi fácil supor que ela poderia lidar com a transição para o som particularmente desde que suas personagens sensuais ainda eram viáveis no começo dos anos trinta. Os críticos disseram que sua voz era melhor do que a narrativa e combinava com a personalidade dela. A estrela mais popular da América fizera seu primeiro filme falado e todos queriam vê-lo. Depois de participar de uma tournée para promover o filme, Clara retornou a Hollywood, onde seu último amante, o ex-lutador de boxe irlandês que se tornou stuntman, Jimmy Dundee, estava esperando por ela.

O segundo filme falado de Clara, Curvas Perigosas / Dangerous Curves / 1929, foi melhor do que o primeiro graças à intervenção de Ernst Lubitsch, que era então supervisor de produção da Paramount. Ele ordenou que o roteiro fosse reescrito, mudou o elenco e indicou como diretor Lothar Mendes, alguém que, segundo ele, percebia o potencial inexplorado da atriz. A esta altura, Clara estava namorando o pianista Harry Richman, que se aproveitou dela para se lançar no cinema.

Clara detestou tanto o seu novo filme Uma Pequena das Minhas / The Saturday Night Kid / 1929 quanto seu diretor, Edward Sutherland, mas no seguinte, Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade / 1929 (do qual participaram os astros e principais diretores do estúdio) ela surpreendeu cantando “True to The Navy”, o número mais aplaudido pelo público entre os outros vinte números, exceto o de Maurice Chevalier.

Clara ficou conhecida por sua vida vibrante fora da tela e foi eventualmente atingida pelo escândalo. Seus muitos casos de amor, suas loucas aventuras às vezes descuidadamente bêbada, eram conhecidas por todos no meio cinematográfico. Ela passou a personificar o que o New York Times chamaria mais tarde (no seu obituário) “the giddier aspects of na unreal era, the Roaring Twenties” (os aspectos mais vertiginosos de uma era irreal, os Loucos Anos Vinte”). Em 1931, sua secretária, amiga, confidente e algumas vezes manicura, Daisy De Voe, tentou fazer chantagem com ela. Clara processou-a e em retaliação De Voe usou o julgamento para divulgar detalhes da vida privada de Clara. De Voe foi condenada e cumpriu pena de dezoito meses.

Clara Bow e seu marido Rex Bell

Depois de Paramount em Grande Gala, Clara fez em 1930, A Noiva da Esquadra / True to the Navy, Amor entre Milionários / Love Among the Millionaires, Minha Noite de Núpcias / Her Wedding Night  e, em 1931, Indicadora de Cinema / No Limit e Emoções de Esposa / Kick In. Em 1931, Clara se casou com Rex Bell, seu companheiro no elenco de A Noiva da Esquadra. Ele depois se tornaria um dos cowboys da tela (previsto para ser o sucessor de Tom Mix) e, mais tarde, vice-governador de Nevada. O casal teve dois filhos e ele morreu em 1962, vítima de um ataque do coração.

Clara em A Noiva da Esquadra

Jeanine Basinger, no seu livro Silent Stars (ed. Wesleyan University Press, 1999), me ajudou a terminar este artigo. Disse Janine em síntese que esses filmes dos anos trinta não romperam com o que a fizeram famosa. Ela estava encantadora em todos eles e as críticas lhe eram favoráveis. Sua voz soava bem e ela até demonstrou que conseguia cantar muito bem em voz de contralto. A carreira de Clara não estava pegando fogo, mas longe de estar morta. Ela sobreviveu à transição para o som e seus filmes, que custaram pouco para serem feitos, ainda estavam dando lucro.

Clara em Sangue Vermelho

Porém algo mais estava acontecendo com a “It Girl”. Clara era a filha de uma mãe mentalmente instável e começou a sofrer colapsos nervosos. As pressões do trabalho constante e o escrutínio da fama cobraram seu preço e ela achou que não poderia continuar – sua carreira terminou com dois filmes muito divertidos, Sangue Vermelho / Call Her Savage (Dir: John Francis Dillon) / 1932 e Lábios de Fogo / Hoopla/ 1933 (Dir: Frank Lloyd). Após pedir que seu contrato com a Paramount fosse terminado, ela se internou em um sanatório para repouso e recuperação. Não foi o som que destruiu Clara Bow, mas a hereditariedade e os horrores da Juventude.

SÃO BERNARDO DE GRACILIANO RAMOS NO CINEMA

Era assim que Graciliano Ramos encarava o ofício de escritor: “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso: a palavra foi feita para dizer.”

Este entendimento exprime perfeitamente o estilo do romancista, um estilo de concisão, de unidade entre as palavras e os seus sentimentos, de rígido ascetismo tanto na narração como nos seus diálogos, todos rápidos, exatos, precisos. Diálogos e narração que fazem dele um mestre no seu ofício de romancista, um mestre da arte de escrever.

Graciliano Ramos

 

Romances de Graciliano Ramos inspiraram três filmes importantes da história do cinema brasileiro, dois dirigidos por Nelson Pereira dos Santos, Vidas Sêcas / 1964 e Memórias do Cárcere / 1984 e o outro, São Bernardo / 1971, dirigido por Leon Hirszman. Este último filme é a obra-prima da filmografia de Hirszman que inclui ainda outros longas-metragens de valor como A Falecida / 1965, com argumento baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues e Eles Não Usam Black-tie / 1981, com argumento baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri.

 

Othon Bastos e Isabel RIbeiro

A história de S. Bernardo se passa na década de trinta.  O narrador, Paulo Honório (Othon Bastos), escreve suas memórias, revisitando friamente dramas de sua vida e conflitos interiores que até então permaneciam inexplicáveis. Sertanejo de origem humilde, determinado a ascender socialmente, faz fortuna como caixeiro-viajante e agiota. Numa manobra financeira, assume a decadente propriedade São Bernardo, fazenda tradicional do município de Viçosa, Alagoas, transformando o inepto e endividado ex-dono das terras em seu empregado. Recupera a fazenda, expande a sua cultura, introduz máquinas para tratamento do algodão, entra na sociedade local. Desejando um herdeiro para um dia assumir o fruto da acumulação do capital, firma um contrato de casamento com a professora da cidade, Madalena (Isabel Ribeiro). O casamento se consuma, mas gradativamente as diferenças entre eles se acentuam. Paulo Honório é brutal no trato com os empregados, cujo trabalho explora impiedosamente; Madalena tem consciência social e se solidariza com os oprimidos. Seu humanismo e sensibilidade se chocam com a rudeza do marido. O fazendeiro torna-se paranóico e passa a imaginar que a mulher o trai. Persegue-a em busca de provas da traição. Madalena não suporta a pressão e se suicida. Paulo Honório penosamente tenta assumir a consciência de seus atos. “Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança que me aponta inimigo em toda a parte! A desconfiança é também consequência da profissão. Foi este modo de vida que me inutilizou.”

Othon Bastos e Nildo Parente

São Bernardo é ao mesmo tempo uma análise psicológica (do drama existencial do protagonista) e uma análise social (crítica ao capitalismo latifundiário) realizado com um rigor e contenção idênticos ao dos romances de Graciliano. Para obter esta identificação estética entre o livro e o filme, Hirszman usou cenas longas com planos fixos (v. g. o monólogo de Madalena na igreja; Paulo Honório sentado na mesa após a morte da esposa resumindo sua vida marcada pela volúpia da posse e pelo arbítrio); voz over constante do narrador; quase total ausência de close-ups e planos-contraplanos; profundidade de campo; diálogos rápidos e precisos ditos magnificamente pelos atores, entre os quais se destacam naturalmente Othon Bastos e Isabel Ribeiro, muito bem acompanhados por um elenco de coadjuvantes de comprovada experiência no cinema  no teatro ou na televisão como Nildo Parente, Vanda Lacerda, Mário Lago, Joffre Soares, Josef Guerreiro, Ângelo Labanca, José Policena, Rodolfo Arena.

Othon Bastos

A fotografia de Lauro Escorel (para a qual contribuiu também o admirável senso de composição do diretor) é primorosa (notando-se a reprodução na tela do tom ocre do sertão em  interiores) assim como a cenografia e figurinos de Luis Carlos Ripper, a montagem de Eduardo Escorel e a acertadíssima música em tom de aboio e lamento de Caetano Veloso.

Esta fiel adaptação da obra de Graciliano Ramos foi feita sob estritas limitações financeiras e técnicas contornadas habilmente por Hirszman e teve problemas com a censura,  que só liberou o filme depois que a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), lhe outorgou o prêmio Margarida de Prata, conferido anualmente ao filme que melhor represente temáticas centradas sobre os valores humanos, éticos e espirituais.