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PETER LORRE

Associado para sempre à História do Cinema Germânico com sua performance como Hans Beckert, assassino em série de crianças em M – O Vampiro de Dusseldorf / M -, Eine Stadt such einen Mörder / 1931 de Friz Lang, Peter Lorre também apareceu em numerosos clássicos britânicos e hollywoodianos dos anos trinta aos sessenta, e retornou à Alemanha após a Segunda Guerra para realizar seu único filme como diretor.

Peter Lorre

Ladislav “László” Lowenstein (1904-1964) nasceu em Rózsahegy (Austria-Hungria) hoje Ruzômberok, Eslováquia. Interrompendo seu emprego em um estabelecimento bancário para uma carreira no palco, Lorre trabalhou em teatros de Breslau (hoje Wroclaw, Polonia), Zurich e Viena desde 1924. Foi muito aplaudido por sua atuação na produção de Berthold Brecht da peça “Pioniere in Ingolstadt” (Pioneiros de Ingolstadt) de Marieluise Fleisser no Berlin Theater am Schiffbauerdamm e obteve sucesso ainda maior na produção de “Mann ist Mann” (Um Homem é um Homem) de Brecht em 1931.

Seu primeiro grande papel na tela como assassino de crianças em M – O Vampiro de Dusseldorf causou sensação. Lorre usou sua figura pequena e atarracada, olhos esbugalhados e fisionomia facial de bebê, para comunicar com uma autenticidade assustadora, brutalidade, histeria, e puro terror.

Lorre em M-O Vampiro de Dusseldorf

Recebendo ofertas de Hollywood, Lorre temia a estereotipagem e, a fim de evitá-la, passou a assumir papéis de coadjuvante em comédias como Loucuras de Monte Carlo / Bomben Auf Monte Carlo e Die Koffer Des Herrn O.F., ambos de 1931. Quando os nazistas tomaram o poder, ele foi para a Austria, França e Inglaterra, onde integrou o elenco de O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much / 1934 de Alfred Hitchcock, e depois rumou para Hollywood.

Lorre fez sua estréia na América em Doutor Gogol – O Médico Louco / Mad Love / 1935 de Karl Freund e interpretou o papel de Raskolnikov em Crime e Castigo / Crime and Punishment, adaptação do romance de Dostoiévski, dirigida por Joseph von Sternberg. No mesmo ano, retornou brevemente a Londres para aparecer em Agente Secreto / The Secret Agent / 1936 de Hitchcock. Pouco depois tornou -se cidadão americano.

Depois de participar do thriller de espionagem Supremo Sacrifício / Crack-Up / 1935 e do drama criminal Nancy Steele Desapareceu / Nancy Steele is Missing / 1937, Lorre estrelou uma série B da Twentieth Century-Fox como Mr. Moto, detetive japonês, míope e mirrado, mas muito eficiente ao usar uma arma e no jiu-jitsu, personagem criado por John Marquand. Foram oito filmes: 1937 – O Misterioso Mr. Moto / Think Fast, Mr. Moto; Obrigado, Mr. Moto / Thank You, Mr. Moto. 1938 – O Palpite de Mr. Moto / Mr. Moto´s Gamble; Mr. Moto se Aventura / Mr. Moto Takes a Chance; A Fuga de Mr. Moto / The Mysterious Mr. Moto. 1939 – Mr. Moto Chega a Tempo / Mr. Moto´s Last Warning; Mr. Moto na Ilha do Terror / Mr. Moto in Danger Island; Mr. Moto em Férias / Mr. Moto Takes a Vacation.

Evelyn Keyes e Lorre em Máscara de Fogo

Humphrey Bogart, Lorre, Mary Astor e Sidney Greenstreet em Relíquia Macabra

Bogart e Lorre em Casablanca

Lorre em Os Dedos da Morte

Num intervalo da série, Lorre fez Mendigo Milionário / I´ll Give a Million / 1938 e depois:  Almas Rebeldes / Strange Cargo / 1940; Sedutora Aventureira / I Was an Adventuress /1940 (formando com Erich von Stroheim um par de vigaristas que usa uma falsa condessa (Vera Zorina) para seus golpes); A Ilha das Maldições / Isle of the Doomed Men / 1940; O Homem dos Olhos Esbugalhados / Stranger on the Third Floor/ 1940 (considerado importante porque ajudou a desenvolver os temas e o estilo noir); O Palácio dos Espíritas / You´ll Find Out / 1940 (contracenando com Boris Karloff e Bela Lugosi); Máscara de Fogo / Face Behind the Mask / 1941 (no qual o ator teve um de seus melhores papéis como o imigrante húngaro cujo rosto ficou todo queimado em virtude de um incêndio e esconde sua deformidade com uma máscara de borracha, torna-se o líder de uma quadrilha de assaltantes e se apaixona por uma cega); Intrigas Desvendadas / Mr. District Attorney / 1941; Aventura no Oriente / They Met in Bombaim / 1941; Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 (como o efeminado Joel Cairo nesta produção que marcou definitivamente a emergência do filme noir); Balas Contra a Gestapo / All Through the Night  / 1942; Nascida para o Mal / In This Our Life / 1942;  Espião Invisível / Invisible Agent / 1942;  Um Cientista Distraído / The Boogie Man Will Get You   / 1942; Casablanca / Casablanca / 1942 (como Signor Ugarte, italiano comerciante do mercado negro que entrega os dois vistos de saída roubados para Rick, o dono da boate interpretado por Humphrey Bogart neste filme perfeito de Michael Curtiz); Expresso Bagdad-Istambul / Background to Danger / 1943; De Amor Também se Morre / The Constant Nymph / 1943; A Cruz de Lorena / The Cross of Lorraine / 1943; Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944; A Máscara de Dimitrios / The Mask of Dimitrios / 1944 ( (como o escritor de livros de mistério que decide saber mais sobre a morte de um criminoso notório neste empolgante filme de Jean Negulesco); Conspiradores/ The Conspirators / 1944; Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1944; Hotel Berlin/ Hotel Berlin / 1945; Três Desconhecidos / Three  Strangers / 1946 ( como um dos três estranhos – os outros são Geraldine Fitzgerald e Sidney Greenstreet – que fazem um pacto diante da estátua de uma deusa chinesa do destino,  jurando repartir igualmente o prêmio da loteria porventura recebido, neste outro filme primoroso de Negulesco); Anjo Diabólico / Black Angel / 1946; Justiça Tardia / The Verdict / 1946 (como o artista com gostos macabros que ajuda seu amigo, ex-superintendente da Scotland Yard (Sydney Grenstreet), a se vingar de uma injustiça que sofreu, neste drama criminal absorvente dirigido por Don Siegel); A Senda do Temor / The Chase /1946; Os Dedos da Morte / The Beast With Five Fingers / 1946; Minha Morena Linda / My Favorite Brunnette/ 1947; Casbah, o Reduto da Perdição / Casbah / 1948;  Zona Proibida / Rope of Sand / 1949; Areia Movediça /  Quicksand / 1950.

Evelyn Keyes e Lorre em Máscara de Fogo

Retornando à Europa, Lorre trabalhou em uma produção britânica, Dupla Confissão / Double Confession / 1950 e, na Alemanha, escreveu o roteiro, dirigiu e interpretou o papel principal em Der Verlorene. Esta tentativa sombria para abordar o recente passado nazista, proporcionou-lhe um prêmio da Cinematografia Germânica, mas fracassou nos cinemas.

Lorre (à direita) dançando e cantando em Meias de Seda

Frequentemente perturbado por doenças relacionadas com o uso de morfina, fez aparições regulares na televisão americana e aceitou alguns papéis em filmes como O Diabo Riu por Último / Beat the Devil/ 1953; 20.000 Mil léguas Submarinas/ 20.000 Thousand Leagues Under the Sea / 1954; Meet Me in Las Vegas / 1956; Congotanga –-Refúgio de Proscritos / 1956; A Volta ao Mundo em 80 Dias / Across the World in 80 Days / 1956 (como um mordomo japonês a bordo do navio a vapor S. S. Carnatic); O Palhaço Que não Ri / The Buster Keaton Story / 1957; Meias de Seda / Silk Stockings / 1957 (dançando e cantando (dublado) nesta refilmagem musical de Ninotchka, estrelada por Fred Astaire e Cyd Charisse; The Story of Mankind / 1957 (como Nero );O Bamba do Regimento / The Sad Sack / 1957; Hell Ship Mutiny / 1957; O Grande Circo / The Big Circus / 1959; Scent of Mystery / 1960; Viagem ao Fundo do Mar / Voyage to the Bottom of the Sea / 1961; Cinco Semanas em um Balão / Five Weeks in a Balloon /1962; Quanto Mais Músculos Melhor/ Muscle Beach Party / 1964;  O Otário / The Patsy / 1964.

Na fase final de sua carreira nos anos sessenta, Lorre conquistou uma nova geração de fãs com suas intervenções marcantes em Muralhas de Pavor / Tales of Terror (episódio O Gato Preto / The Black Cat) / 1962 e O Corvo / The Raven / 1962 do esplêndido ciclo Edgar Allan Poe de Roger Corman e em Farsa Trágica / The Comedy of Terror / 1963 de Jacques Tourneur.

Vincent Price e Peter Lorre em Muralhas de Pavor

O Gato Preto combina o conto de Poe do mesmo nome com seu outro O Barril de Amontillado / The Cask of the Amontillado. É um tour de force cômico para Vincent Price como o delicado Fortunato e Peter Lorre como o alcoólatra Montressor. Ambos brindam o público com uma interpretação hilariante que atinge o auge na competição entre eles provando vinho, uma jóia do humor. Sem falar na visão surreal, na qual de uma sequência de sonho na qual Fortunato e sua esposa jogam bola com a cabeça de Motressor. Em o Corvo, Corman parodia o gênero de horror e especificamente a própria série Poe, reunindo e opondo Vincent Price, Lorre e Boris Karloff em um conflito burlesco. Um exemplo é a cena em que o Doutor Erasmus Craven brinca com seus poderes mágicos, desenhando um corvo no ar com seu dedo. Quando a ave desaparece inesperadamente, Craven chora como uma criança que quebrou seu brinquedo favorito. Farsa Trágica, reúne novamente Price, Lorre e Karloff em uma comédia de horror, desta vez acompanhados por Basil Rathbone e Joe E. Brown, comediante muito popular nos anos 30 e 40, conhecido pelo enorme sorriso de sua “boca larga”.

A ARTE DE ALFRED HITCHCOCK

Vou apenas tentar dar idéia de sua obra e de seu estilo e descobrir qual é o verdadeiro Hitchcock. Porque, aparentemente, existem dois Hitchcocks: o Hitchcock popular, “mestre do suspense”, que foi a imagem que ele criou e alimentou e o Hitchcock dos intelectuais, “descoberto” pelos críticos franceses da geração Nouvelle Vague, que começaram a perceber aspectos éticos ou metafísicos e sua obra, classificando-o com um verdadeiro “autor”, como gostavam de dizer.

Alfred Hitchcock

Hitchcock começou no cinema como redator e ilustrador de letreiros ou subtítulos em cartões, que apareciam entremeados entre as cenas dos filmes silenciosos. Ele desenhava muito bem e, quando soube que uma companhia americana, a Famous-Players Lasky, ia produzir filmes na Inglaterra em Islington, mostrou seus desenhos e foi contratado e, sempre que necessário, desenhava roupas e cenários. Chegou até a ser designado para terminar (sem ser creditado) o filme Always Tell Your Wife / 1923, quando o diretor ficou doente. Logo depois, Hitchcock se associou com a atriz Clare Greet e, aos vinte e três anos, produziu e dirigiu seu primeiro filme, Number Thirteen; porém, por falta de dinheiro, este não foi jamais terminado.

Justamente quando estava aprendendo seu ofício, a Famous Players decidiu ir encerrando aos poucos as portas do estúdio londrino e passou a alugá-lo para produtores independentes, entre eles, Michael Balcon, o homem que daria a Hitchcock a oportunidade de dirigir seu primeiro filme. Balcon fundou a Gainsborough Pictures, onde Hitchcock passou a funcionar como assistente de direção de Graham Cutts e, quando a produção precisava de um auxílio adicional, ali estava ele, ajudando na direção de arte e outras funções. Foi nessa ocasião que Hitchcock conheceu sua futura esposa, Alma Reville, que iria ser (algumas vezes creditada, outras não) uma eficiente colaboradora nos seus filmes como montadora, roteirista e continuísta.

Em 1925, Balcon ofereceu a Hitchcock a oportunidade de partir para a Alemanha, ainda na qualidade de assistente de direção de Graham Cutts, para a filmagem de The Blackguard, coprodução com Erich Pommer rodada no estúdio da UFA em Neubabelsberg. Este sistema de coprodução anglo-germânica parecia muito vantajoso e Balcon decidiu então se associar com a companhia alemã Emelka e realizar mais dois filmes, desta vez em Munich, entregando a direção a para Hitchcock: The Pleasure Garden / 1925 e The Mountain Eagle / 1926.

A estadia em Berlim foi muito importante para a sua formação. Era a época de ouro do cinema germânico, a época do Expressionismo, que influenciou grandes diretores em todo o mundo, inclusive o próprio Hitchcock, que assistira in loco ao trabalho de diretores com Murnau e Fritz Lang. Outra influência estética marcante na obra de Hitchcock foi a do cinema soviético com as teorias de montagem de Eisenstein e Pudovkin, também em evidência na mesma época.

Ao voltar para a Inglaterra, ele realizou aquele que, segundo ele, foi realmente seu primeiro filme, a primeira vez em que, de fato, exercitou seu estilo: The Lodger / 1927. A maior parte do que se tornaria o “Hitchcock touch” está contida nesta variação sobre o tema de Jack, o Estripador. Aí já apontavam os processos narrativos que viriam, como o tempo, a se consolidar como o seu método e são bem visíveis as influências germânicas e soviéticas. Foi em The Lodger que Hitchcock fez pela primeira vez a preparação cuidadosa do roteiro no papel, com todas as indicações e inclusive uma story board desenhando cada cena, inaugurando um método de trabalho que seguiria a vida toda e também a primeira de suas aparições diante das câmeras.

Hitchcock dirigindo Os 39 Degraus

Hitchcock dirigindo Joan Fontaine e Laurence Olivier em Rebecca

HItchcock revisando o roteiro com Ingrid Bergman na filmagem de Interlúdio

HItchcock orientando Farley Granger, John Dall e James Stewart em Festim Diabólico

HItchcock conversa com Firley Granger num intervalo da filmagem de Pacto Sinistro

Hitchcock com James Stewart e Grace Kelly num intervalo da filmagem de Janela Indiscreta

Hitchcock orienta Doris Day na filmagem de O Homem Que Sabia Demais

A fase inglêsa do diretor foi um período de aprendizagem e de criação de um estilo, com destaque para: Os 39 Nove Degraus / The Thirty-Nine Steps / 1935, A Mulher Oculta / The Lady Vanishes /1938 e Sabotagem ou O Marido era o Culpado / Sabotage / 1936. Na fase americana, nos primeiros dez anos, deu-se o aprimoramento do estilo, sobressaindo Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940, Correspondente Estrangeiro ou Este Homem é um Espião / Foreign Correspondent / 1940, O Sabotador / Saboteur / 1942, A Sombra de uma Dúvida / Shadow of a Doubt / 1943, Interlúdio / Notorious / 1946, Festim Diabólico / Rope / 1948 e, nos anos subsequentes, o auge da criatividade do diretor, avultando Pacto Sinistro / Stangers on a Train/ 1951, Janela Indiscreta / Rear Window / 1954, O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much /  1956, Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958, Intriga Internacional; North by Northwest / 1959, Psicose / Psycho / 1960, Os Pássaros / The Birds / 1963. Na fase derradeira de sua trajetória artística, menos fértil artisticamente, distinguem-se Marnie, Confissões de uma Ladra / Marnie / 1964 e Frenesi / Frenzy / 1972.

É bom lembrar também algo da sua infância e juventude que pode ter influenciado na sua obra. Hitchcock teve uma educação muito rigorosa e estudou com os jesuítas, de modo que adquiriu um senso muito grande de organização e disciplina. Isto se reflete na sua maneira de elaborar o roteiro. Ele fazia a chamada decupagem de ferro. Desenhava cena por cena do filme, dando instruções minuciosas sobre cada plano, cada movimento de câmera, cada corte, numa espécie de montagem a priori. Depois de que tudo era posto no papel, dava seu trabalho por encerrado. A filmagem era mera formalidade, mera execução.

Por outro lado, Hitchcock estudou engenharia, tinha muito muito jeito para a mecânica e espírito prático. Talvez por isso seu grande estímulo tivesse sido sempre o desafio técnico. Nós podemos dizer que o conteúdo de seus filmes no fundo era a própria técnica, que ele dominava de maneira absoluta e colocava a serviço do entretenimento.

Ele mesmo costumava dizer: “Muitos diretores fazem filmes que são pedaços da vida; os meus são fatias de bolo”.

Por causa disso, antigamente, os críticos não levavam Hitchcock a sério, achando que ele era apenas um mestre da retórica, ou seja, que tinha um discurso primoroso, mas vazio de contéudo. Enfim, era um virtuose da mise-en-scène cinematográfica mas sem profundidade, um grande técnico, um craftsman, não um “autor”, como eles gostavam de dizer. Entretanto, lá pelos anos cinquenta, a crítica francesa criou a chamada Politique des Auteurs (Política dos Autores), que depois foi seguida por alguns críticos ingleses e americanos.

O que era essa política dos autores? Os jovens críticos da revista Cahiers du Cinéma, entre eles François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol etc. estavam insatisfeitos com a situação do cinema francês. Segundo eles, os melhores filmes franceses, o chamado Cinema de Qualité, eram dominados pelos roteiristas em detrimento dos diretores, vistos como uma espécie de assistentes executivos. O diretor era um mero encenador dessas produções, geralmente adaptações de romances célebres, filmadas academicamente. Então o que eles propunham era que os filmes fossem dominados não pelos roteiristas, mas pelos diretores. Eles diziam que a contribuição do roteirista – o tema, o assunto – era artisticamente neutra. O que faz um bom filme não é o assunto, por si só, mas o tratamento que lhe dá um diretor com personalidade. O que vale é a mise-en-scène, a direção propriamente dita, a estrutura visual e rítmica, a visão pessoal do diretor, o seu estilo. E então eles se voltaram para o cinema americano, encontrando essa virtude em diretores como Hitchcock que eram encarados como simples profissionais competentes, sem personalidade. E, com o correr dos tempos, alguns críticos até começaram a encontrar profundos significados morais ou metafísicos na sua obra, considerando-o um “autor”.

Aí surgem três hipóteses: ou os críticos estavam dando asas à sua imaginação, exercendo aquela teoria tão querida de Oscar Wilde do crítico como artista, ou seja, o crítico completando a obra do artista, vendo coisas que ele próprio não viu ou o Hitchcock foi profundo, sem o saber, tal como o Mr. Jourdain da peça de Molière ou, numa terceira conjetura, o Hitchcock sempre mentiu nas entrevistas – ele tinha pretensões intelectuais, mas escondia o jogo. Porque o que ele sempre dizia nas entrevistas era isto: “Olho todas as manhãs no espelho e nunca vi traços de metafísica no meu rosto. Faço filmes somente para assustar o público”.

Na minha opinião, Hitchcock é um formalista típico, que faz a arte pela arte, a arte como um fim em si mesma. É verdade que é visível na sua obra uma repetição constante de temas e formas e às vezes alguns desses temas são tratados com mais profundidade com, por exemplo, em Janela Indiscreta. Mas acho que, se aparece algo de mais profundo nos seus filmes, somos nós que vemos isso. Ele sempre esteve preocupado foi com a forma, como emocionar o espectador através de meios puramente cinematográficos. E é isso que me fascina no Hitchcock, a sua maneira de fazer cinema, um cinema puro, essencialmente visual e não, como ele dizia, “fotografias de pessoas falando”, um cinema de invenção pictórica.

Em suma, a arte pode ser vista através de várias perspectivas. Ela pode ser gratuita – a arte pela arte-, pode ter função social, pode ser denúncia, pode conter valores éticos, filosóficos, religiosos, psicológicos etc.  Então tudo depende de como você vê a arte. O Hitchcock é tão artista quanto o Bergman ou o Fellini. Só que ele faz arte pela arte e os outros dois fazem uma arte mais complexa, uma arte que, além de fazer o homem conhecer a beleza, lhe dá uma maior compreensão sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca, especula sobre problemas transcendentais e inclusive exige mais atenção e criatividade por parte do espectador.

APÊNDICE

Temas recorrentes na obra de Hitchcock:

– O tema do falso culpado, isto é, o inocente acusado de um crime que não cometeu, que aparece em The Lodger, Os 39 Degraus, O Sabotador, Pacto Sinistro, Ladrão de Casaca, O Homem Errado, Intriga Internacional, Frenesi.

– O tema da transferência de identidade, da captação mental de um ser fraco por um ser forte, que surge em A Sombra de uma Dúvida, Pacto Sinistro, Psicose.

–  O tema da transferência de culpa, ou seja, o tema segundo o qual um personagem,        agindo com intencional ou acidental cumplicidade com outro, assume seus crimes ou seus desejos criminosos como seus próprios, que se manifesta em Pacto Sinistro, A Tortura do Silêncio (o assassino confessa seu crime ao padre e o torna cúmplice de seu crime), O Homem Errado (a falsa acusação produz uma carga intolerável de culpa, não no homem acusado, mas na sua esposa).

– O tema da suspeita e da angústia, visível em Suspeita, Rebecca, O Homem Errado, Marnie.

– O tema terapêutico. O personagem fica curado de alguma fraqueza ou obsessão depois de passar por várias peripécias como em Um Corpo Que Cai, Janela Indiscreta, Quando Fala o Coração, Marnie.

– O tema da curiosidade obsessiva, expresso em Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai, Psicose.

– O tema da precariedade e da vulnerabilidade da ordem humana, do surgimento de uma situação inesperada na vida cotidiana das pessoas, evidente em Os 39 Degraus, O Homem que sabia Demais, O Homem Errado, Janela Indiscreta, Os Pássaros.

Além dos temas, podemos perceber uma retomada de certas características de personagens. Por exemplo, a fascinação do advogado pela sua cliente em Agonia de Amor / The Paradine Case antecipa a do ex-policial pela impostora em Um Corpo Que Cai; o relacionamento de Bruno Anthony com sua mãe louca em Pacto Sinistro antecipa o Norman Bates em Psicose etc.

Hitchcock e Cary Grant na filmagem de Intriga Internacional

Hitchcock dirigindo Kim Novak e James Stewart em Um Corpo Que Cai

Hitchcock dirigindo Janet Leigh em Os Pássaros

Hitchcock na filmagem de Os Pàssaros

Características de sua dramaturgia:

– Mistura de Suspense – Humor. Angústia e mistério coloridos com humor.

– Manipulação do espectador. Identificação com o personagem. Hitchcock faz com que o espectador se envolva emocionalmente com o personagem e sinta que está compartilhando diretamente de suas experiências.

– O prazer de meter medo. O gosto pelo macabro.

– Atenção aos detalhes e didatismo nas informações para a rápida aferição das regras do jogo pelo espectador.

– Sacrifício da lógica e da verossimilhança. Situações absurdas.

– Evitação deliberada do clichê. Ele procura sempre evitar o clichê. Se um homem vai ser atraído para uma tentativa de assassinato, a tradição pede uma rua escura, passos na noite etc. Mas em Intriga Internacional, por exemplo, Hitchcock escolheu o lugar mais amplo e mais claro do país à sua disposição e filmou uma sequência antológica.

– Personagens artificiais, esquemáticos, de pouca densidade humana. Peças de xadrez.

– Atores como objeto, mero elemento estético. Como James Stewart me falou, quando tive o privilégio de lhe fazer algumas perguntas durante uma entrevista coletiva, “Com Hitchcock havia apenas um jeito de fazer uma cena – o dele”.  E com aqueles que teimavam em utilizar um “método de interpretação”, ele avisava: “Faça o que quiser. Há sempre a sala de montagem”. Era a câmera, e depois a edição, que atuavam, e não os atores.

– Suas encenações comportam quase sempre proezas de estilo, chegando à acrobacia técnica, como ele fez em Festim Diabólico, filmado em continuidade real de tempo sem o uso dos cortes.

Hitchcock dirigindo Sean Connery em Marnie

HItchcock dirigindo Frenesi

Resumo de sua filmografia:

Foram 23 filmes ingleses e 30 americanos, excluídos os esquetes para o primeiro filme musical inglês, Ellstree Calling e para um curta-metragem, An Elastic Affair, ambos produzidos em 1930; os dois filmes de média-metragem feitos em 1943 para o Ministério de Informação Britânico, Bon Voyage e Aventure Malgache; um documentário sobre os campos de concentração intitulado Memory of the Camps, realizado em 1945, mas que só foi ao ar pela TV em 1985; e mais  20 telefimes que ele dirigiu para séries antológicas entre 1955-1962.

CONRAD VEIDT E ANTON WOHLBRÜCK

Nascido em Berlim, Alemanha, Hans Walter Conrad Veidt (1893-1943) foi um dos astros do cinema de Weimar mais icônico e internacionalmente reconhecido. Como exilado, continuou sua carreira exitosamente na Inglaterra e depois em Hollywood.

Conrad Veidt

Ele cursou o ensino secundário, mas não se formou. Em 1913, frequentou aulas na Escola de Arte Dramática de Max Reinhardt´s no Deutsches Theater em Berlim, aparecendo em pequenos papéis. Durante a Primeira Guerra Mundial foi convocado e atuou em teatros na frente de batalha assim como nos palcos de Reinhardt. Sua estréia no cinema deu-se em Der Weg Des Todes / 1917 e logo chegou ao estrelato nos filmes de educação sexual de Richard Oswald, filmes de horror e melodramas, interpretando párias sociais e heróis deprimidos.

Veidt ganhou elogios especiais como um violinista homossexual que, após ter sido chantageado, comete suicídio em Diferente dos Outros / Anders Als Die Andern / 1919. Subsequentemente dirigiu a si próprio e também produziu dois filmes: Wahnsinn / 1919 e Die Nacht Auf Goldenhall / 1920. Neste mesmo ano foi lançado seu filme mais famoso, o clássico expressionista de Robert Wiene, O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet Des Dr. Caligari, no qual interpretou o sonâmbulo homicida Cesare.

Conrad Veidt em O Gabinete do Dr. Caligari

Veidt em o Gabinete das Figuras de Cera

Outros personagens demoníacos ou possuídos surgiram em Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923 de Paul Leni com Veidt como Ivan o Terrível ou na refilmagem de Henrik Galeen de O Estudante de Praga / Der Student von Prag / 1926, no qual cabia a ele o papel-título. Na produção luxuosa produzida por Joe May, Dono e Senhor / Das Indische Grabmal / 1921, ele era um exótico e sexualmente magnético marajá e um pouco mais tarde apareceu como o pai amoroso de Elizabeth Bergner em Der Geiger von Florenz / 1926, dirigido por Paul Czinner.

Veidt e Lawson But em Amor de Boêmio

Veidt e Mary Philbin em O Homem Que Rí

Veidt e Mary Philbin em Cena Final

Entre 1926 e 1929, Veidt fez quatro filmes em Hollywood, incluindo Amor de Boêmio / The Beloved Rogue / 1927 com John Barrymore como François Villon e ele como Louis XI e, mais notavelmente, o romance gótico de horror de Paul Leni, O Homem Que Rí / The Man Who Laughs / 1928, personificando o grotescamente desfigurado Gwymplaine. Outra boa performance foi em Cena Final / The Last Performance / 1929 (Dir: Paul Fejos) como o mágico de meia-idade Erik Goff, apaixonado pela sua linda e jovem assistente (Mary Philbin), esta por sua ver enamorada de um jovem vagabundo e ladrão.

Após o advento do som, Veidt interpretou personagens heróicos como no filme de guerra de Curtis Bernhardt O Último Pelotão / Die Letzte Kompagnie /1930, mas também impressionou o público como o intrigante e cínico Príncipe Metternich na comédia musical O Congresso Dança / Der Kongress Tantz / 1931, aparecendo nas versões alemã e inglesa. Na versão inglesa do filme de aventura de ficção científica de Karl Hartl, F.P.1 / 1933, Veidt assumiu o papel principal interpretado por Hans Albers na versão alemã.

Veidt  e Vivien Leigh emJornada Sinistra

Veidt e Valerie Hobson  e Valerie Hobson em O Espião Submarino

Veidt  e Valerie Hobson em Nas Sombras da Noite

Veidt e June Duprezem O Ladrão de Bagdad

Depois de ter aparecido anteriormente como Zurta, um dos passageiros de um trem envolvidos em uma intriga de mistério – envolvendo o roubo de um quadro de Van Dyck de uma galeria de Paris – na produção britânica Expresso para Roma / Rome Express / 1932, Veidt mudou-se da Alemanha para Londres em 1933 com sua esposa judia. Na Grã- Bretanha ele se tornou um astro em filmes como O Judeu Suss / Jew Süss / 1934, adaptação de Lothar Mendes do romance histórico de Lion Feuchtwanger. Outros papéis notáveis no Reino Unido foram o estranho enigmático em O Desconhecido / The Passing of the Third Floor Back / 1935 de Berthold Viertel; barão Karl von Marwitz em Jornada Sinistra / Dark Journey / 1937; o duelista Gil de Berault em O Poder de Richelieu / Under the Red Robe / 1938; o comandante de submarino em O Espião Submarino / The Spy in Black / 1939 e o capitão de um navio dinamarquês em Nas Sombras da Noite / Contraband / 1940, dois excelentes filmes de espionagem da dupla Michael Powell – Emeric Pressburger; o sinistro Grão-Vizir Jaffar no inesquecível clássico de aventura e fantasia oriental, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940,  protagonizado por Sabu e dirigido exemplarmente pelo trio Ludwig Berger, Michael Powell e Tim Whelan. Nos anos trinta, ele atuou ainda em dois filmes franceses, Tempête Sur L´Asie / 1938 e O Último Jogo / Le Joueur d´echecs / 1939.

Veidt e Claude Rains em Casablanca

Veidt e Norma Shearer em Fuga

Veidt, Joan Crawford e Melvyn Douglas em Um Rosto de Mulher

Veidt e Humphrey Bogart em Balas Contra a Gestapo

Veidt tornou-se cidadão britânico em 1938, mas se transferiu para Hollywood dois anos depois, onde fez campanha contra o fascismo particularmente e na tela. Ele frequentemente interpretava nazistas, sendo o mais famoso o Major Strasser em Casablanca / Casablanca / 1942. Nos anos quarenta ele participou ainda dos seguintes filmes: 1940 – Fuga / Escape. 1941 – Um Rosto de Mulher / A Woman´s Face; Herdeiro em Apuros / Whistling in the Dark; Os Homens de Minha vida / The Men in Her Life; Balas Contra a Gestapo / All Through the Night. 1942 – Sombra do Passado / Nazi Agent. 1943 – Insuspeitos / Above Suspicion.

Adolf Wilhelm Anton Wohlbrück também conhecido como Anton Walbrook (1896-1967) nasceu em Viena (Austria-Hungria) e se especializou em comédias leves e sofisticadas na Alemanha e na Austria nos anos trinta, antes de continuar sua carreira exitosa no cinema britânico.

Anton Wohlbrück

Ele nasceu em uma família artística com longa tradição – seu pai era um palhaço de circo e seu tataravô já havia trabalhado como ator. Após cursar uma escola monástica perto de Viena, concluiu o ensino médio em uma escola secundária de Berlim (onde obteve seu Abitur espécie de habitação para o ensino superior) e continuou a frequentar aulas de arte dramática na Academia de Teatro de Max Reinhardt. Como tenente na Primeira Guerra Mundial, foi feito prisioneiro pelos franceses e formou um grupo dramático para os soldados detidos. Posteriormente, retomou sua carreira de ator, atuando nos palcos de Munich, Dresden, Düsseldorf e Berlim.

Wohlbrück já havia aparecido na tela em Marionetten / 1915 e, nos anos vinte, foi visto em alguns episódios da série de detetive Stuart Webb; porém sua carreira cinematográfica só decolou para valer nos anos trinta, quando fez seu primeiro papel romântico no melodrama de circo de E. A. Dupont, Salto Mortale / 1931 e como um jovem príncipe arrojado na farsa militar de Fred Sauer, Die Stolz Der 3. Kompagnie / 1932.

Renate Muller e Adolph Wohlbrück em VIktor und Viktoria

Paul Wessely e Adolph Wohlbrück em Mascarada

Contratado pela UFA, interpretou o compositor Johann Strauss ao lado de Renate Muller e Willy Fritsch em A Guerra das Valsas / Walzergrieg / 1933 de Ludwig Berger e coadjuvou Renate Muller e Herman Thimig na excelente comédia musical de Reinhold Schünzel, Viktor und Viktoria / 1933 na qual era “o solteiro mais cobiçado de Londres” ao lado de Renate Muller e Herman Thimig. Curiosamente o filme só foi exibido no Sul do Brasil; no resto do país passou a versão francesa Georges et Georgette, com idêntico título em português, estrelada por Meg Lemonier e Julien Carette nos papéis vividos por Renate e Herman. Wohlbrück foi novamente um nobre britânico na comédia Um Casamento Inglês / Die Emglische Heirat / 1934, também dirigida por Schünzel e, na deliciosa opereta Mascarada / Maskerade / 1934, de Willi Forst, na qual personificou o pintor Ferdinand Heideneck, frequentador elegante da alta sociedade vienense dos anos 1900.

Adolph  em Miguel Strogoff

Moira Shearer e Anton em Os Sapatinhos Vermelhos

Anton em A Dama de Espadas

Em 1935 ele seguiu os passos de Conrad Veidt participando de uma refilmagem de Der Student Von Prag, dirigida por Artur Robinson, que recebeu desta vez o título em português de Carpis, o Satânico. Em 1936, Wohlbrück apareceu em um papel mais musculoso e heróico no espetáculo de aventura franco-germânica de Richard Eichberg, Miguel Strogoff / Der Kurier Des Zaren e interpretou novamente um playboy charmoso para Willi Forst em Allotria / Allotria. No mesmo ano, Wohlbrück emigrou para a Inglaterra via França e Hollywood onde apareceu em The Soldier and the Lady / 1937, refilmagem de Der Kurier Des Zaren. Na Inglaterra, ele mudou seu nome para Anton Walbrook e alcançou muito sucessso no seu primeiro papel britânico como o Príncipe Alberto em Rainha Vitória / Victoria The Great de Herbert Wilcox. Depois, interpretou tanto vilões (como em À Meia-Luz / Gaslight / 1940) e heróis (como no melodrama de tempo de guerra Luar Perigoso / Dangerous Moonlight / 1942, porém retratou mais tipicamente personagens emocionalmente complexos e moralmente ambíguos. Alguns de seus papéis mais significativos estavam nos filmes de Michael Powell e Emeric Pressburger, especialmente o oficial prussiano Theo Kretschman Schuldorff em Coronel Blimp – Vida e Morte / The Life and Death of Colonel Blimp / 1943, o empresário de balé Boris Lermontov em Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes / 1948. Outra intervenção importante do ator ocorreu no drama fantástico A Dama de Espadas / The Queen of Spades / 1949, baseado no conto de Pushkin.

Anton em Conflitos de Amor

Anton, Martine Carol e Max Ophuls na filmagem de Lola Montès

Walbrook tornou-se cidadão britânico em 1947. Ele continuou uma carreira internacional, ganhando aclamação especial pelo seu papel como o mestre de cerimônias gentilmente irônico na adaptação de Max Ophüls da obra de Arthur Schnitzler, Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 e como Ludwig I, Rei da Baviera em Lola Montès / Lola Montès / 1955, também comandado por Ophuls. Nos anos cinquenta, ele também se distinguiu no drama criminal, O Caso Maurizius / L´Affaire Maurizius / 1954, produção franco-italiana dirigida por Julien Duvivier e fez apresentações como convidado nos palcos da Alemanha Ocidental, incluindo seu trabalho com Gustaf Gründgens no teatro em Dusseldorf. Ocasionalmente, apareceu na televisão da Alemanha Ocidental, mais notavelmente em Laura / 1962, telefilme baseado no thriller de mistério de Vera Caspary, no qual interpretou o amargo crítico de arte Waldo Lydecker, magistralmente vivido por Clifton Webb na versão cinematográfica americana de Otto Preminger de 1944.