Arquivo diários:maio 17, 2023

J. A. RANK E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INDÚSTRIA DE CINEMA BRITÂNICA

Joseph Arthur Rank (1888 – 1972) nasceu em Kingston upon Hull na Inglaterra, filho mais novo de um moleiro rico e bem-sucedido. Educado em colégio particular, começou trabalhando com o pai, depois montou seu próprio moinho de farinha e, quando este empreendimento fracassou, voltou a trabalhar na firma paterna. No início dos anos trinta, diretor do negócio da família, ele era um empresário afluente de meia-idade. Entusiasmado pelo Metodismo, começou a pensar em comprar projetores de cinema para usar os filmes como veículo para a educação religiosa nas escolas e igrejas metodistas.

J. A. Rank

Depois de colaborar com a Religious Film Society, corpo de voluntários formado para a propaganda religiosa, Rank contratou o produtor John Corfield para fazer dois curtas-metragens, St. Francis of Assisi (estrelado pelos então “desconhecidos” Greer Garson e Donald Wolfit) e Let There Be Love. Por intermédio de Corfield, conheceu sua nova parceira nos negócios, Lady Yule, viúva de um barão da juta angloindiano, mulher com as mesmas convicções religiosas que a sua. Ela e Rank juntaram forças e fortunas, para formar a British National em outubro de 1934. A primeira produção da British National, The Turn of the Tide / 1935, dirigida por Norman Walker, montada por Ian Dalrymple e David Lean (não creditado) e incluindo no seu elenco Geraldine Fitzgerald, ganhou o terceiro prêmio no Festival de Veneza; porém, mal promovida pela Gaumont – British, a principal distribuidora da Inglaterra, fracassou na bilheteria.

Depois desta frustração, Rank resolveu fundar sua própria distribuidora e ter seus próprios cinemas. Novamente por meio de Corfield, foi apresentado ao distribuidor C. M. Woolf, que havia sido diretor administrativo adjunto da Gaumont-British, mas havia brigado com outros membros da diretoria e criara sua própria empresa, a General Film Distributors (GFD). Em 1936, J. A. Rank e o magnata da fabricação de papel, Lord Portal, convenceram-no a transformar a GFD em uma filial de sua General Cinema Finance Corporation (GCF), que acabara de adquirir os direitos de distribuição no Reino Unido de todos os filmes da Universal.

Homem cauteloso, acima tudo um vendedor, Woolf tendia sempre a afastar Rank da realização de filmes de prestígio e alto orçamento, concentrando-se em comédias, musicais e thrillers de espionagem, que era o cinema britânico padrão nos anos trinta. Somente após a morte prematura de Woolf em dezembro de 1942, Rank pôde adotar uma política de produção mais cara.

Em 1936, contando com a colaboração com o maioral da construção civil, Sir Charles Boot, e sua antiga parceira na British National, Lady Yule, Rank comprou Heatherden Hall, propriedade campestre em Buckinghamshire e nela construiu o estúdio de Pinewood, bem moderno, nos moldes dos americanos. Em 1937, Rank absorveu o estúdio Denham, fundado por Alexande Korda e completou a verticalização (produção-distribuição-exibição) comprando a cadeia Odeon, que fôra construída por Oscar Deutsch, próspero comerciante húngaro de ferro velho, explicando-se assim parcialmente o acrônimo Odeon: Oscar Deutsch Entertains Our Nation.

Presidente da General Cinema Finance Corporation, presidente da General Film Distributors, presidente dos estúdios Pinewood e Denham, dono da cadeia de cinemas Odeon, a ascenção de Rank para o topo da Indústria de Cinema Britânica foi rápida, embora errática e sua prêeminência foi finalmente confirmada quando, em 1941, adquiriu a grande cadeia de cinemas Gaumont-British, sua filial Gainsborough Pictures com seus estúdios Islington e Lime Grove e outras companhias subsidiárias, inclusive a Baird Television. Como se não bastasse, Rank comprou os Amalgamated Studios em Elstree somente para impedir que caísse nas mãos de um concorrente e o alugou para o governo para fins de armazenamento.

Em 1940, Rank havia formado a GHW (Gregory-Hake-Walker, sobrenomes de três amigos de Rank), unidade de produção de filmes religiosos para serem apresentados em paróquias Metodistas e acampamentos do Exército ou da Marinha. De tempos em tempos a GHW tentou atingir um público geral de cinema. O projeto mais ambicioso de Rank foi a cinebiografia The Great Mr. Handel / 1942, dirigido por Norman Walker e filmado em Technicolor com Wilfred Lawson no papel do compositor angustiado de “O Messias”.

Cenas de The Great Mr. Handel

Ainda em 1942, a Organização Rank formou um consórcio, Independent Producers (sob a direção de George Archainbaud) com o objetivo de oferecer às companhias independentes boas condições de trabalho. As unidades de produção que operavam sob a proteção da Independent Producers eram: a Archers, fundada por David Lean, Cineguild (Ronald Neame, Anthony Havellock- Allan), Individual Pictures (Frank Launder e Sidney Gilliat), Wessex Films (Ian Dalrymple) e Aquila (David Ramsley e Frederick Wilson). Em meados dos anos 40, a Two Cities (fundada por Filippo Del Giudice e Mario Zampi) tornou-se parte da Organização Rank. Em 1944, aconteceria o mesmo com o Ealing Studios.

No final de 1942, a missão de Rank se expandiu. Agora seu objetivo era promover o filme britânico através do mundo. Depois de tentar em vão comprar metade das ações da United Artists e criar uma distribuidora anglo-americana, ele resolveu montar  (com a ajuda de Arthur Kelly e Teddy Carr, ex-executivos da UA) sua própria distribuidora, Eagle-Lion Distributors Ltd., registrada em Londres em 1 de fevereiro de 1944. A lista de países que a Eagle Lion alvejava era longa e impressionante, mantendo escritórios em todas as partes do mundo e, à medida em que a nova distribuidora ia ocupando mais espaço, o contador de Rank, John Davis, viajava através do globo comprando cinemas.

Porém, para assegurar um mercado mundial para os filmes britânicos, eles tinham que ser bem-feitos e os seus astros e estrelas tinham que receber uma publicidade adequada antes do seu lançamento. Embora estivesse envolvido na indústria por quase uma década, Rank admitia sua ignorância em matéria de cinema e fez disso uma virtude. Aconselhado por Filippo Del Giudice – grande “administrador de talentos”, como ele próprio se designava -, depositou sua confiança nos produtores, dando-lhes ampla liberdade, resultando grandes obras da cinematografia britânica. Foi a secretária de C. M. Woolf que inventou a marca comercial do homem com o gongo adotada pela Organização Rank. Entre os atletas que interpretaram o homem do gongo na sequência de abertura dos filmes da Rank, estavam o pugilista Billy Wells e o lutador de luta-livre Ken Richmond.

Fora cinedocumentários e filmes de longas-metragens, havia áreas que os britânicos haviam concedido quase que por atacado aos americanos, não tendo recursos para desenvolver estes campos por conta própria. Em tudo, desde fabricação de equipamentos a cinejornais, de desenhos animados a filmes “B”, os britânicos não tinham nada comparado com Disney ou A Marcha do Tempo / The March of Time Quando Rank embarcou em uma cruzada para colocar o cinema britânico no mapa mundial, ele sentiu que era sua “missão” ampliar a base da indústria e assim, sob a supervisão do diretor de arte David Rawnsley, foi criado um esquema – intitulado Independent Frame – para agilizar as operações de produção e também diminuir os gastos, propiciando uma melhor utilização dos efeitos especiais – matte shots (combinação de um cenário pintado com cenas reais), miniaturas, telas divididas,  front projection (projeção frontal) e back projection (retroprojeção ou transparência). Uma inovação prática de Rawnsley foi o Cyclops Eyes, pequena tela de TV fixada a uma câmera, que permitia ao diretor e ao operador de câmera ver como determinada cena foi enquadrada.

David Hand

A tentativa de Rank de instalar um departamento de animação para rivalizar com Disney não conseguiu gerar um Mickey Mouse, um Pato Donald ou mesmo um Pluto; Corny the Crow, Ginger Nutt e Dusty the Mole, sem falar em Ferdy, the Fox, foram os melhores personagens de desenhos animados que seus cartunistas conseguiram criar e eles nunca foram abraçados pelo público da maneira com que seus colegas foram. Em 1944, Rank contratou David Hand – um dos grandes nomes da animação americana que fora empregado dos irmãos Fleischer e de Walt Disney – e lhe deu plena e completa autoridade. Hand trouxe como assistentes Roy Paterson, animador veterano dos desenhos de Tom e Jerry da MGM e Ralph Wright, roteirista da Disney, “criador” do Pluto. Eles formaram uma turma de aprendizes e, no final de 1948, seus cartoons começaram a aparecer nos cinemas de Londres. As duas séries principais de desenhos que o Gaumont-British Animated Department (como a equipe de Hand era chamada) conseguiu completar foram Musical Paintbox e Animaland. Porém quando exibidos nos cinemas, os filmes de Hander mereceram uma recepção morna, pois não tinham a inventividade e a energia louca dos da Warner Brothers, da Disney ou da MGM. Eles eram pálidas cópias de seus equivalentes de Hollywood.

De todas as aventuras de Rank na indústria de cinema, nenhuma lhe trouxe mais crédito do que sua tentativa de superar o cinejornal americano A Marcha do Tempo com o seu This Modern Age (TMA). Ele aparecia uma vez por mês e durava sempre 21 minutos. Os comentários eram geralmente lidos por Robert Harris (cuja voz não tinha a voz estrondosa do comentarista de A Marcha do Tempo) e a música providenciada por Muir Mathieson. Cada episódio da TMA finalizava com este apelo corajoso: “The Challenge Be Met in This Modern Age” (O Desafio Deve Ser Enfrentado nesta Era Moderna). Um dos episódios mais ambiciosos da série foi o de n°31, India and Pakistan, para o qual a esquipe viajou mais de doze mil quilômetros e filmou mais de quinze mil metros de filme.

Compreendendo que os astros são uma “necessidade econômica” e um “valor de produção” e que a falta de nomes reconhecíveis intantâneamente na marquise dos cinemas sempre foi apontada pelos produtores de espetáculos americanos como a razão do fracasso dos filmes britânicos para firmar uma posição nos Estados Unidos, Rank fundou a Company of Youth, comumente conhecida como Charm School, escola para jovens atores contratados pela Organização Rank que estavam sendo preparados para o estrelato. O produtor Sydney Box originalmente formou uma Company of You no Riverside Studios em dezembro de 1945, que depois a transferiu para a Gainsborough em 1946, quando foi recrutado pela Organização Rank. Entre os alunos estavam os depois famosos Christopher Lee e Diana Dors.

Diana Dors na Charm School

Uma área da produção de filmes que os britânicos abandonaram para os americanos depois da abolição dos “quota quickies” (produções de baixo orçamento que os distribuidores americanos eram obrigados a fazer para cumprir a exigência do Cinematographic Act de 1927) foi a do filme “B”. Em 1947, Rank reviveu este tipo de filme feito para preencher a “outra metade” de uma sessão, no minúsculo Highbury Studios no Norte de Londres.  Foi uma operação de vida curta, durando somente dois anos até 1949. Contudo, em sua breve vida, foi certamente bem-sucedida dentro de seus próprios termos, proporcionado vitrines iniciais para atrizes como Susan Shaw e diretores como Terence Fisher (que mais trade supervisionaria a maioria dos filmes da Hammer) e produzindo seus filmes no prazo e no orçamento previstos, graças aos esforços do supervisor do estúdio John Croydn, ex-produtor associado na Ealing.

Outro projeto de Rank foi seu envolvimento com os filmes e clubes de cinema para crianças. De um lado, ele queria divertir os jovens, atraí-los para o cinema em uma tenra idade, para que o hábito pegasse e eles continuassem vindo quando crescessem, ajudando assim a reforçar suas receitas de bilheteria. Por outro lado, Rank era genuinamente apaixonado pelo zelo evangélico, e estava ansioso por inculcar na juventude “os bons valores Cristãos”. Afinal, tinha sido sua busca por projetores de filmes para animar as aulas da escola nos domingos que o atraiu primeiramente para a indústria.

Os Odeon Children´s Cinema Clubs foram inaugurados oficialmente em abril de 1943, com mais de 150 cinemas todos realizando a mesma cerimônia, e com mais de 150 mil crianças fazendo a sua “adesão ao clube”. Na inauguração, o comediante Arthur Askey cantou uma ou duas canções e depois anunciou uma competição pela melhor redação sobre higiene pessoal. O prêmio para o vencedor seria o chapéu do caubói Gene Autry. Inicialmente o programa era composto por filmes de comédia, aventuras ou westerns, principalmente americanos. Posteriormente, Rank começou a produzir ele mesmo filmes para crianças. O trabalho dos Children´s Entertainment Films (CEF) era chefiado pela professora e historiadora Mary Field, conhecida diretora da série Secrets of Nature, iniciada em 1920. Por ironia, a CEF, criada para educar e divertir as crianças foi acusada de explorá-las. De acordo com as leis trabalhistas, era ilegal empregar uma criança menor de 12 anos de idade. Assim, Mary Field teve que procurar nas agências de emprego adolescentes de baixa estatura, que não parecessem a idade que tinham. Alguns jovens artistas em ascensão como Anthony Newley, que logo interpretaria o personagem de Arthur Dodger em Oliver Twist / Oliver Twist de David Lean e Jean Simmons, que mais tarde teria a sua chance em Grandes Esperanças / Great Expectations do mesmo diretor, foram descobertos nestes filmes para crianças.

No término da Segunda Guerra Mundial, a Organização Rank possuía estúdios, companhias de produção e distribuição (fazendo de tudo desde filmes de um milhão de dólares a cinejornais, de desenhos animados a curtas educacionais) e 650 cinemas. Ela financiou muitos filmes britânicos hoje reconhecidos como clássicos: as adaptações de Charles Dickens de David Lean, as comédias da Ealing, os melodramas da Gainsborough, Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes de Michael Powell e Emeric Pressbuger, Um Estranho na Escuridão / I See a Dark Stranger de Frank Launder e Sidney Gilliat.

No final dos anos quarenta a Organização Rank entrou em crise quando o tesouro britânico passou a cobrar um imposto de 75% sobre o lucro estimado dos filmes americanos no Reino Unido. Os americanos ficaram indignados com esta taxação e pararam de mandar seus filmes para a Grã-Bretanha. Rank precisava exibí-los a fim de obter dinheiro para produzir os filmes britânicos e teve que suportar um longo e doloroso processo e contenção de despesas. Ao se encerrar o ano de 1949, a Organização Rank estava em declínio, cambaleando sob o peso de perdas terríveis pois, infelizmente, muitos dos filmes que produziu não possuíam a qualidade necessária para garantir retornos financeiros razoáveis.

Em 1952, após o falecimento de seu irmão mais velho Jimmy, J. Arthur Rank voltou para o negócio de sua família. Ele se manteve como presidente da Organização Rank até 1962, porém deixou o Dia-a-Dia da empresa para seu ex-contador, John Davis. Este dirigiu a Organização com muito rigor e, no fim dos anos 50, reduziu o compromisso dela com os filmes e o diversificou em outras atividades como fabricação e venda de equipamentos para máquinas de xerox e atividades de lazer: pistas de boliche, salões de dança, estações de serviço nas auto-estradas, e até uma gravadora de curta duração

Em retrospectiva, parece meio cômico-meio trágico, que todos os esforços de Rank para colocar de pé a indústria de cinema britânica terminaram desta forma.